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www.ondajovem.com.br ano 4 – número 13 – dezembro 2008/fevereiroro 2009 TERRITÓRIOS Característica da juventude, a ampliação dos espaços físicos e sociais envolve desafios e conquistas

Onda Jovem #13

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Característica da juventude, a ampliação dos espaços físicos e sociais envolve desafios e conquistas www.ondajovem.com.br ano 4 – número 13 – dezembro 2008/fevereiroro 2009 7 mIlhões de jovens têm ou querem ter alguma InIcIatIva 84% dos jovens acreditam que podem ajudar a mudar o mundo 27% dos jovens metropolitanos têm dificuldade de acesso à educação e ao trabalho sonar transformador dos jovens pág. 16 desenvolvImento local atrai empreendedores juvenIs pág. 40 ir e vir pág. 8 3 KiKo Ferrite/SambaPhoto

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Brasil investe 4% do PIB em educação

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“Nas favelas e bairros pobres adjacentes, não há policiamento muito menos investigação.”

Alba Zaluar,

antropóloga, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Violências, da UERJ

“Transporte é fundamental para o acesso à cultura e ao lazer.”Lúcia Stumpf,

presidente da UNE, defensora do passe livre para estudantes no transporte público

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“Homossexuais, negros, indígenas também vivem discriminações na ocupação das cidades.”

Greth Jane Ferreira,

21 anos, universitária indígena em Manaus

“Eu me deparei com uma imensa barreira cultural, que dificultou a formação de novas amizades.”

Lorena Carvalho,

20 anos, mineira, bolsista do Prouni, faz faculdade em Duque de Caxias (RJ)

“Alguns jovens estão ligados ao lugar, mas a maioria pensa em sair.”

Édpo do Nascimento Ferreira,

20 anos, morador da zona rural de Itapemirim (ES)

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“O mundo diminuiu de tamanho. Ao mesmo tempo, intensificou-se a integração entre o território real e o território virtual.”

Hermano Vianna,

antropólogo e pesquisador cultural

“A escola deveria explorar mais os espaços que garantem o direito de expressão do jovem.”Isaac Souza,

18 anos, de Pilões (PB)

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“Onde o movimento cultural se instala, o tráfico acaba não encontrando tanto espaço para atuar.”

Miguel Renato de Almeida,

que pesquisou o tema na pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-MG

“Quanto mais se desenvolve a globalização, mais as pessoas estão resgatando o espaço local.”

Ladislau Dowbor,

economista, professor de Pós-graduação da PUC-SP

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“Os jovens das camadas mais pobres têm pouco ou nenhum acesso a equipamentos de lazer e cultura.”

Ellen Rio Branco,

24 anos, universitária da capital paulista

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onda Jovem 13

ano 4número 13dezembro 2008/ fevereiro 2009

um projeto de comunicação apoiado pelo instituto votorantim

Projeto editorial e realizaçãoFátima Falcão e marcelo nonatoolhar cidadão – estratégias para o desenvolvimento humanowww.olharcidadao.com.br

direção editorialJosiane lopes

Secretaria editoriallélia chacon

Projeto gráficoartur lescher e ricardo van Steen(tempo design)

colaboradores

texto: alba Zaluar, aydano andré motta, carlos vogt, Frances Jones, gilberto dimenstein, leusa araújo, marcelo barreto, Pires da rosa, renata reps, roberto amado

foto: beatriz assumpção, cid barbosa, deise lane lima, Felipe barra, João carmo, luciel Paraíba, márcia Zoet, marisa batista Piazarollo, ricardo big, ricardo Jaeger, rodrigues mora, Jucemar alves, eliseu Frechou

ilustração: tatiana garrido – guid; ivan da Silva

capa: Sheila bacelar fotografada por marisa batista Piazarollo

apoio editorial instituto votorantim www.institutovotorantim.org.br

revisão: moira de andrade

diagramaçãod´lippi editorial

impressãoipsis

tiragem11,5 mil exemplares

como entrar em contato com onda Jovem:e-mail: [email protected]ço: r. dr. neto de araújo, 320 – conj. 403,São Paulo, ceP 04111 001tel.: 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464www.ondajovem.com.br um portal para quem quer saber de juventude

Onda jovem é um dos 50 jeitos brasileiros de mudar o mundo – Programa de Voluntários das Nações Unidas no Brasil – 2007

8 – navegantesJovens de diversos lugares contam como vivem e convivem em seus locais de moradia, trabalho, estudo e lazer

16 – educadoresa expansão de territórios juvenis a partir do próprio corpo é o campo de atuação de três profissionais

20 – Banco de PrÁtIcascursinho comunitário, vila ecológica, escola náutica e recuperação arquitetônica são iniciativas para relacionar jovens e territórios

24 – Ângulo 1gilberto dimenstein conta como uma comunidade está recuperando uma escola pública em São Paulo

28 – Ângulo 2alba Zaluar aponta as relações entre violência juvenil masculina e as condições e lugares em que se vive nas cidades brasileiras

32 – Ângulo 3carlos vogt reflete sobre as utopias e as possibilidades reais de educação e cultura no mundo globalizado pela internet

36 – o sujeIto da Frasehermanno vianna fala do seu otimismo com as possibilidade criadas pelo maior acesso às tecnologias culturais

40 – lunetao conceito de desenvolvimento local começa a criar novas perspectivas diante do desafio da migração juvenil

44 – .gov.comas políticas educacionais já estão incorporando a idéia de território, mas jovens ainda não são alvo prioritário

48 – cIêncIaa percepção que os jovens têm de seus territórios inclui também uma dimensão do comportamento

52 – chat da revIstaQuatro jovens discutem o direito juvenil de ampliar seus territórios

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sonar 2Pistas sobre o lugar dos jovens

Âncoras 4Conceitos e comentários sobre territórios

cartas 56As mensagens dos leitores

navegando 58O território juvenil, da perspectiva de Ivan da Silva

Esta edição de Onda Jovem, cujo tema é Territórios, traz para você o documentário Frutos do Brasil, com oito histórias de mobilização juvenil. Produzido pela Aracati – Agência de Mobilização Social e dirigido pela jornalista Neide Duarte, o documentário reúne experiências de participação de jovens de diferentes regiões do País e é uma oportunidade para refletir, com outros jovens, sobre o sentido do lugar, da identidade e do coletivo em suas vidas.

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sheila Bacelar, 20 anos, monitora de projeto de dança no Aglomerado da Serra, na periferia de Belo Horizonte

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por _ Marcelo Barreto

Nove jovens, nove histórias. Pode-riam ser todos do mesmo bairro, da mesma cidade. Mas estão espalhados pelo Brasil, vivendo realidades – sociais, econômicas, culturais – bastante dife-rentes. Em comum, o momento que vivem, como explicam os especialistas, de ampliação dos horizontes sociais. Crescidos, os jovens começam a deixar o círculo mais próximo, formado pela fa-mília e vizinhos da rua e do bairro. Essa maior autonomia se traduz também na extensão dos territórios, em busca de mais escolaridade, trabalho e lazer, e no estabelecimento de novas redes de sociabilidade que vão integrá-los cada vez mais à cidade.

Nessa etapa da vida, o primeiro direi-to com que o jovem tem de lidar é o de ir e vir. E ele implica muitos fatores – a começar pela distância. Não por acaso, duas das principais organizações da juventude no País, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), têm como uma de suas bandeiras a campanha pelo passe livre.

“Nosso conceito é de que a educação vai além da sala de aula, e o transporte é fundamental para o acesso à cultura e ao lazer. Além, é claro, de ter um peso econômico na própria educação. Temos conhecimento de casos de alunos que abandonam os cursos por não poderem arcar com as passagens”, diz Lúcia Stumpf, presidente da UNE. “Hoje, capi-tais importantes como São Paulo, Porto Alegre, Recife, Manaus e Goiânia já ofe-recem o meio-passe de ônibus. Mas no Rio de Janeiro o benefício só é oferecido aos estudantes secundaristas e, em Belo Horizonte, a ninguém. Nenhuma capital oferece passe livre integral. Continuamos organizando passeatas para melhorar esse quadro.”

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a conquista de novos territórios é característica da juventude, que amplia seus espaços de circulação e suas redes sociais

Eduardo e Édpo perdem muito tempo com transporte. Um, de carro, para estudar; o outro, de moto, para traba-lhar. Creverson prefere caminhar. Felipe gosta de dançar. Sheila também está ligada à arte, uma opção que ajuda a fechar as portas para o caminho das drogas. Alda, para não se expor a esse mundo, vai de casa para a escola e da escola para casa, de segunda a sexta. Nos fins de semana, vai para longe, em busca de um shopping ou uma praia. Gabriela se sente mais livre para explorar os parques e museus da terra natal. Lorena está longe da sua e se refugia na casa de amigos, ao som de um violão, para amenizar a saudade. E Ângela só agora começa a pensar em chamar de sua a cidade onde vive.

Eduardo Masson Moreton Treacher, de 21 anos, estu-dante de Lazer e Turismo e morador de um condomínio de 70 casas no Morumbi, em São Paulo, não precisa do passe. Seu bairro, com grande concentração de famí-lias de classe alta, não é prioridade para o transporte público, até pelo fato de que muitos moradores – como ele – têm carro. Mas isso não significa necessariamente liberdade de movimentação.

– Gasto três horas por dia dirigindo para ir e voltar da faculdade – diz Eduardo. Saí do trabalho por causa do trânsito.

Já o capixaba Édpo do Nascimento Ferreira, de 20 anos, enfrenta, às vezes de moto, às vezes de ônibus, os 11 quilômetros que separam a comunidade rural de Palmital, onde mora, da cidade de Itapemirim, onde trabalha como técnico agrícola. Vai longe para buscar o ganha-pão e quer trazer de volta melhorias para a terra natal – que diz ser carente, embora as pessoas não passem necessidade.

– Penso em estudar fisioterapia – diz Édpo, que rece-be o apoio do Movimento de Educação Promocional do Estado do Espírito Santo (Mepes). – Nossa comunidade é envelhecida. Alguns jovens estão ligados ao lugar, mas a maioria pensa em sair.

Creverson Claro da Silva, de 17 anos, quer ficar – e encontrou uma solução em sua terra. Aluno do segundo grau, ele se formou como guia de trilhas pelo Projeto Trilheiros Culturais, da Casa de Cultura Miguel Reale, em São Bento do Sapucaí, a cidade de 11 mil habitantes onde mora, no interior de São Paulo. Famosa pela Pedra do Baú, que atrai os fãs de escalada, a cidade, segundo Creverson, ainda tem muito a oferecer – mas precisa descobrir o quê:

– Nossa cidade não conhece sua própria história. Penso em fazer faculdade de turismo em Taubaté, mas depois

posso voltar para trabalhar e explorar as possibilidades de São Bento.

Nas caminhadas e cavalgadas pelas trilhas da região, Creverson vem en-contrando a solução para um problema típico dos jovens de cidades pequenas e médias: o incômodo com a idéia de que onde moram “não tem nada para fazer”. Em outro ponto do interior pau-lista, Felipe Vian, de 17 anos, descobriu na dança a melhor maneira de se rela-cionar com Votorantim, município de 104 mil habitantes que tem na indústria sua principal vocação econômica. Bol-sista da organização Quadra Pessoas e Idéias, ele faz apresentações com o grupo de dança do projeto e dá aulas – o que acabou virando também uma opção profissional.

o direito de ir e vir, condição

básica para a ampliação

dos territórios juvenis, sofre

impactos da violência,

do trânsito, da renda

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creverson da silva, 17 anos, é trilheiro cultural na pequena São Bento do Sapucaí (SP)

Édpo do nascimento Ferreira, 20 anos, mora na zona rural e trabalha em Itapemirim (ES)

lorena carvalho, 19 anos, saiu de Minas para estudar no Rio de Janeiro

– Mobilizamos muitas pessoas em nossas ações culturais. É com elas que conseguimos mobilizar os jovens para pensar sobre a cidade, sobre o que é cultura, se ela existe aqui ou se precisamos buscá-la em outro lugar.

No Aglomerado da Serra, complexo de favelas na Zona Sul de Belo Hori-zonte, a arte também desempenha um papel importante na vida da comunidade. Mas a relação é bem mais tensa. Ali surgiram, por inicia-tiva própria de moradores de uma comunidade marcada pelo tráfico de

drogas, movimentos culturais que hoje já somam mais de 40 grupos, nos quais atuam cerca de mil dos oito mil jovens moradores.

– Esses grupos tiveram uma importante atuação na ocupação de territórios das favelas – explica Miguel Re-nato de Almeida, que fez dessa realidade o tema de sua dissertação de pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. – Não é algo dito, mas intuído: onde o movimento cultural se instala, o tráfico acaba não encontrando tanto espaço para atuar.

Sheila Santana Bacelar, de 20 anos, trabalha em dois desses grupos: a oficina de dança do Projeto Fica Vivo e o Projeto Rede Moinho. Fala sempre com carinho da comunidade e evita usar o termo “favela”para se referir a ela. Diz que as carências que o lugar tem são mais “de sentimento, de educação, de aprender seu direito de ser morador”. E concorda com a tese de que, no Aglomerado da Serra, os espaços que a cultura ocupa se tornam barreiras para a entrada do tráfico – embora isso não acabe com o limite de circulação dos moradores.

– Entre os vizinhos, a relação é a melhor possível. As portas estão sempre abertas, e se eu disser que hoje não tenho algo em casa logo aparece alguém para oferecer. Mas não há essa mesma liberdade em todos os lugares. Você sabe onde suas pernas podem te levar – diz Sheila, que caminha cerca de 20 minutos para ir à escola onde cursa o primeiro ano do segundo grau, fora da comunidade.

Alda Sobrinho Amaral, de 16 anos, também vai a pé para a aula. Sai de Piedade, bairro de classe baixa do subúrbio do Rio de Janeiro, sempre em companhia da mãe que, como ela, é aluna do curso noturno da Escola Estadual Professor Sousa da Silveira, no bairro vizinho

de Quintino Bocaiúva. Durante a se-mana, a circulação de Alda se limita a esse trajeto.

– Sou muito presa. Minha mãe não me deixa sair muito. Ela tem sempre uma preocupação muito grande com os horários e os lugares em que posso andar. Há pouco tempo, foi inaugura-do um parque aqui perto, no Campo da Botija. Fui lá com amigas no sába-do, e no domingo o pessoal do tráfico já estava lá – queixa-se Alda.

Nos fins de semana, Alda ganha liberdade – longe de casa. Com o consentimento da mãe, vai à praia, nos distantes bairros de São Conrado e Ipanema, ou a shoppings e parques de diversão na Barra da Tijuca. É nessas incursões pelo outro lado da

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cidade partida – como o jornalista Zuenir Ventura batizou o Rio, em livro de grande sucesso, – que ela vivencia o que Carla Lopes, professora da escola onde estuda e coordenadora do Programa de Re-flexões e Debates para a Consciência Negra, chama de racismo ambiental.

– O subúrbio é o lugar dos afro-descendentes. No relato dos problemas locais que nossos alunos fizeram durante as atividades do programa, ficou claro que a diferenciação geográfica entre Zona Norte e Zona Sul passa também pela questão étnica. O investimento em infra-estrutura está concentrado do outro lado. Aqui, os problemas

identificados pelos alunos há dois anos continuam os mesmos – diz Carla.

Alda admite que os olhares que ela e suas amigas recebem quando cruzam essa fronteira invisível são de diferenciação:

– Olham torto para nossa turma se fazemos bagunça e reparam na nossa indumentária. Eu não sofro muito com isso, porque me visto de uma forma que não chama a atenção. Mas alguns de meus amigos, que gostam de seguir a moda das favelas, sofrem mais.

Mesmo vivendo essa realidade fora do bairro e mantendo-se atuante den-tro dele – participando principalmente de projetos na escola, onde diz se sentir em casa –, Alda quer sair.

– Já falei com a minha mãe que quando começar a trabalhar vou com-prar uma casa. Gosto de surfe, quero morar em São Conrado – conta.

A relação de Gabriela Ganzo de Cas-tro Aerts, de 20 anos, com sua cidade é mais completa – ou menos partida. Moradora do Menino Deus, bairro de classe média de Porto Alegre, ela não limita seu itinerário ao estudo de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e ao trabalho na rede RBS:

– Eu, como boa porto-alegrense, me sinto confortável em quase todos os espaços da cidade. Seja esbarrando

Ângela araújo, 20 anos, nasceu no Nordeste e vive em Brasília

alda soBrinho amaral, 16 anos, da casa para a escola no subúrbio do Rio de Janeiro

Felipe vian, 17 anos, gosta de dançar e promover cultura em Votorantim (SP)

gaBriela aerts, 20 anos, circula com tranqüilidade por Porto Alegre

eduardo treacher, 21 anos, mora num condomínio em São Paulo e passa três horas no trânsito

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nas pessoas no Centro, seja deitada na grama nos parques, seja no cinema ou em algum museu, seja passando pela meia-luz dos túneis. Me sinto acolhida e aquecida em Porto Alegre. Me sinto parte. E sinto falta quando me afasto.

Gabriela nasceu em Porto Alegre e sempre morou na cidade. Lorena de Paula Gomes Carvalho tinha a mesma história para contar até os 19 anos. Nem de endereço jamais tinha se mudado, até que o sonho de estudar enfermagem a levou para longe: de Governador Valadares, em Minas Ge-rais, para Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Aprovada como bolsista do Prouni, ela não teve outra alternativa a não ser mudar radicalmente – de cidade e de vida.

“Nunca tinha tido vontade de mu-dar de cidade. Tenho muita saudade, pois me mudei para Duque de Caxias sozinha, tive de deixar toda minha família, que apoiava e orientava cada passo dado até a mudança, e ainda conviver com uma distância que me permite a visita à família e aos amigos somente uma vez por semestre”, diz. “E são duas cidades completamente diferentes. Em Governador Valadares o ritmo de vida é mais lento, sem muitos transtornos como engarrafamentos, alto índice de violência e contrastes sociais elevados. Resumindo, me de-

parei com uma imensa barreira cultural, que dificultou a formação de novas amizades, mesmo sendo descontraída e comunicativa.”

Hoje com 21 anos, Lorena usa essas características pessoais para se integrar à vida da cidade. Já escreveu pro-jetos para prevenção e combate à dengue na região, milita na universidade pelos direitos dos estudantes do Prouni e participa ativamente da vida da cidade, colocando-se à disposição para fazer palestras e debates em escolas sobre sexo, drogas, puberdade, direitos e deveres na juventude. E busca também na companhia dos amigos o remédio para sua sensação de peixe fora d’água:

– Nos reunimos para conversar, assistir filmes, fazer churrascos e tocar violão. Porém existe uma limitação: infelizmente, ainda não temos ajuda de custo para todos os bolsistas do Prouni, e muitas vezes precisamos escolher entre tirar cópias do material escolar e ficar em casa, ou ter momentos de lazer e ficar sem o conteúdo das matérias. Essa realidade torna menos acessíveis outros espaços que possibilitariam um maior crescimento cultural, como teatro, cinema e shows.

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permanecer ou mudar de lugar é uma opção que se impõe aos jovens, e o nível de acesso à educação e aos bens culturais faz diferença na hora de escolher

Indianara Ramires Machado tem 18 anos e estuda na primeira série do curso de enfermagem da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, em Dourados. Jhonny Martins de Jesus tem 26 e é técnico agrícola em Jaraguari, município vizinho à capital do estado. Ambos atravessam momentos de vida muito parecidos com os dos jovens ouvidos para esta reportagem. Mas com uma diferença importante: Indianara é indígena do povo Kaiowá e mora na aldeia Bororó; Jhonny é descendente de escravos libertos e vive no quilombo Furnas do Dionísio. Seus territórios são demarcados – fisicamente, mas também social e historicamente. Nem por isso, contudo, os jovens se encerram neles.

“Durante a semana fico na faculdade em tempo integral. A reserva fica perto de cidades, por isso é fácil se deslocar pra comprar roupas, mercadorias. Adoro ir ao cinema, e às vezes às festas da minha turma de graduação”, diz Indianara.

Jhonny passa mais tempo no quilombo, trabalhando nas terras que foram do pai e do avô – uma rotina que começou quando tinha apenas 12 anos de idade. Mas sempre teve o olhar voltado também para fora dos limites da comunidade. “Me chamavam de moleque atrevido, diziam que eu sonhava alto demais”, diz o quilombola, que sempre procurou trazer os benefícios da cidade para seu torrão natal, num caminho inverso ao de muitos de seus contemporâneos: “A maioria dos jovens da minha geração já saiu daqui. Muitos foram trabalhar nas fazendas vizinhas”, diz.

Indianara também procura aprender tudo o que pode na cidade, mas não perde o gosto por hábitos de raízes indígenas. Às vezes, por uma ligação cultural. “Perto de minha casa há duas casas de reza da Nhande sy (Nossa mãe) dona Tereza, para as festas típicas da etnia Guarani. E a casa de reza do cacique Gimiro, para as festas Kaiowás. Eu às vezes participo desses eventos que tem lá”. E também por puro lazer: “Nos fins de semana, vou à mata perto de casa. Lá também tem um lago superbonito, dá pra relaxar, andar a cavalo nos poucos lugares de mata que restam na aldeia. É muito bom!”

Mas claro que nem tudo é positivo nesse trânsito entre o território demarcado e a cidade. “Temos eletricidade, Internet e água encanada. Mas os jovens que freqüentam as cidades vizinhas acabam trazendo alguns hábitos ruins. As drogas ainda não chegaram, mas há problemas com cigarro e álcool”, diz Jhonny. “Não gosto muito dos lugares que ficam em volta da aldeia, a periferia da cidade, que os parentes chamam de ‘saidera’ ou ‘vila’. É neles que o pessoal da aldeia muitas vezes compra bebida alcoólica”, diz Indianara.

A principal barreira que esses moradores de territórios demarcados enxergam é o pouco espaço de terras para se viver. Furnas do Dionísio tem cerca de 430 moradores, de 93 famílias, num espaço cercado de reservas ambientais. Na aldeia

TERRITÓRIO DEMARCADO

Para Ângela Sousa Araújo, de 20 anos, esse sentimento não é novo. Na verdade, a sensação de estar fora de casa a acompanha praticamente desde que nasceu, em Dom Eliseu. Quando tinha apenas 15 dias de vida, seus pais deixaram a cidade, no interior do Pará, em busca de opor-tunidades de emprego no Maranhão. A busca foi tão difícil que Ângela tem dificuldade de se lembrar de todos os lugares onde morou – cita apenas Imperatriz. Ainda criança, foi com a mãe para Brasília. Voltou duas vezes ao Maranhão, onde estava a avó. Já adulta, instalou-se de novo na capital federal, onde hoje vive na região do Lago Norte e trabalha numa floricul-tura. Voltou para ficar? Talvez.

“Brasília é uma terra de migrantes. Gosto daqui. Mas a gente é que faz o próprio lar”, diz Ângela, que atua na comunidade, em projeto ligado ao Instituto Migrações e Direitos Humanos.

A gente é que faz o próprio lar. A sabedoria simples de uma jovem mi-grante talvez explique o que Eduardo, Édpo, Creverson, Felipe, Sheila, Alda, Gabriela, Lorena e a própria Ângela es-tão experimentando nesse momento de suas vidas. Cada um vive a reali-dade de seu território, enfrenta suas barreiras, supera seus limites e assim faz do bairro, da periferia, da favela, ou do campo seu próprio lar.

Uma vivência entre dois mundos

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Bororó, são aproximadamente 14 mil indígenas para um espaço de 3.500 hectares. Pode parecer muito para quem não é indígena, mas a realidade de quem vive na aldeia mostra que não é bem assim.

“As cidades ocupam um espaço cada vez maior em volta da aldeia. Isso facilita a entrada de drogas e estimula a violência. Porém a população guerreira sobrevive a essa calamidade”, diz Indianara, que reclama da falta de políticas públicas adequadas ao local.

Mas tanto a aldeia de Indianara como o quilombo de Jhonny têm uma escola. Em Furnas do Dionísio, o ensino médio chegou em 1996. Na Bororó, o ensino básico é oferecido tanto em Português quanto nos idiomas locais. “Isso está sendo bem aceito. Os pequenos muitas vezes entram sem saber falar direito o Português, mas ler e escrever, tanto no Português como no Guarani ou no Terena, só enriquece”, diz Indianara, que pretende trabalhar na aldeia quando se formar.

Jhonny já tem atuação destacada na comunidade e acha que ainda há muito a conquistar. “A escola deveria tornar mais aberto aos moradores o acesso à Internet, para estimular o desenvolvimento pessoal e profissional. E a comunidade poderia explorar melhor o turismo ecológico como fonte de renda e emprego”, propõe o jovem quilombola.

Jovens que vivem em reservas indígenas e quilombos transitam entre espaços e sociedades que alternam afinidades e conflitosiS

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a ex-jogadora de vôlei ana moser: esporte para conquistar o corpo e o mundo

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Por _ Leusa Araujo

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do a buscar maior conhecimento sobre a situação daquela comunidade – por-que isso resultava em bem-estar para o paciente” – conta. A iniciativa lançou a base para o Programa de Saúde da Família (adotado hoje pelo Ministério da Saúde e presente na vida de quase 100 milhões de brasileiros) e para a fundação do Cedaps, em 1993, com a Rede de Comunidade na Luta contra o HIV – que veio a se tornar a atual Rede de Comunidades Saudáveis, atuante em 120 comunidades pobres do Rio de Janeiro.

Já a vivência de monitor no Mo-vimento Juvenil Judaico consolidou suas idéias sobre autodeterminação juvenil: “Os grupos de adolescentes se reuniam por puro lazer, sociabilidade e para compartilhar o conhecimento informal do mundo. A intervenção dos adultos era mínima. Mas era grande a liderança dos monitores mais velhos” – lembra Becker. Essa visão do jovem como tradutor dos problemas da comu-nidade estimulou a criação dos Clubes de Adolescentes (financiados pelo Unicef e implementados pelo Cedaps), que ele considera a sua “experiência mais ousada”.

Cada Clube reúne de 25 a 40 parti-cipantes, duas vezes por semana, para promover melhorias nas condições de vida do local onde vivem. É liderado pelo adolescente mais velho, capaci-tado para ser um “dinamizador”. “Seu potencial de envolver os mais novos

Primeiro a favela, depois uma rede de comunidades. Mais adiante, políticas que alcançam as cidades e o País. A idéia de que a educação transformadora começa com a conquista do próprio território, mesmo quando se trata de adolescentes e jovens em situação de alta vulnerabilidade social, une o pediatra e sanitarista Da-niel Becker, criador do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps) e diretor do Instituto Synergos no Brasil; a ex-atleta do vôlei Ana Moser, com seu Instituto Esporte Educação (IEE) e a Caravana do Esporte; e Dora Andrade, a bailarina que virou referência na arte-educação com a Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes (Edisca).

Poder e territórioDuas experiências marcaram profundamente a vida de

Daniel Becker, 50 anos: ser monitor, aos 17 anos, no Movi-mento Juvenil Judaico, no Rio de Janeiro dos anos 1970, e trabalhar num campo de refugiados no Camboja, com a organização Médicos sem Fronteiras, em 1988.

O trabalho com os refugiados trouxe uma nova aborda-gem para o atendimento médico: olhar para a produção social da saúde. De volta ao Brasil, reuniu médicos, enfer-meiras e agentes comunitários em torno desta visão no posto de saúde da favela de Vila Canoas. “O truque era criar vínculos entre os profissionais e a comunidade: o paciente passava a ser atendido pelo mesmo médico durante todo o tratamento, e o médico se sentia responsável e estimula-m

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é tamanho que tivemos de ampliar a faixa de participação do projeto para acolher dinamizadores de 18 a 20 anos e crianças de 8 até 14, nos chamados Clubinhos”. Hoje, existem Clubes em sete comunidades do Rio de Janeiro com índices alarmantes de vulnerabili-dade social – Morro dos Prazeres, em Santa Tereza; no Rio das Pedras, em Jacarepaguá; e cinco comunidades no Complexo do Alemão.

Nos Clubes, os próprios adolescentes definem as temáticas de suas ações e correm atrás de recursos locais: pode ser uma atividade esportiva numa quadra, uma oficina de prevenção de doenças, ou de recreação na piscina mais próxima. “É curioso, por exemplo, quando decidem atacar o tabagismo, em função dos problemas de saúde dos pais; ou fazer atividades recreativas

e de reforço escolar para os mais novos, porque estão preocupados em tirá-los da linha de tiro do tráfico”.

Cada atividade dos Clubes costuma envolver cerca de 150 moradores. Outras, interclubes, ultrapassam a favela. É o movimento natural. “Depois de conquistada a favela, é a vez de se integrar aos bairros e ir expandindo a ação em direção à cidade”, diz Becker. Como diretor do Instituto Synergos no Brasil, que fomenta parcerias e programas integrados para combater a desigualdade, uma das suas tarefas será “incentivar a participação direta dos jovens na governança urbana, ampliando o acesso aos recursos públicos a que têm direito”. Começa aí uma nova rede de luta por cidades justas e sustentáveis.

O território-corpoEm 1997, quando ainda brilhava como atacante da Se-

leção Brasileira de Vôlei, Ana Moser ensaiava os primeiros lances como educadora num grupo que buscava uma nova metodologia para o ensino de voleibol. “A idéia era tratar o esporte numa perspectiva educacional, e não apenas voltado para encontrar talentos. Um esporte para todos, sem excluir ninguém”, diz. Além disso, deveria refletir o que acontece, de fato, na formação do atleta: “A gente começa assim, na brincadeira, nas aulas de educação física e naquilo que ela traz de formação ética para a vida”. O resultado foi implantado nas aulas para crianças do Colégio Magno, numa zona rica de São Paulo, com a colaboração do Coordenador de Educação Física da escola, José Elias Proença.

Na perspectiva de Ana Moser, o primeiro território é o próprio corpo: “O corpo é a nossa posição no mundo. O esporte junta, agrega, emociona – ninguém sabe explicar por quê. Então, não podemos admitir uma educação que, em geral, deixa o corpo fora da sala de aula. Ele fica lá, estático, olhando para a nuca do colega.”

Nas regiões de baixíssimo IDH para a infância onde, em geral, Ana Moser passou a atuar como educadora, a degradação do “território-corpo” assusta: “As crianças

o mÉdico carioca daniel Becker: protagonismo juvenil na produção social da saúde

voltam da escola e passam o resto do dia em casa, trancadas, vendo tevê, impedidas de circular livremente pelas ruas. Não se desenvolvem física e cognitivamente, vivem num mundo alienado pela tevê.”

Em 1999, depois de deixar o voleibol, a atleta emplacou o seu primeiro pro-jeto, na favela de Heliópolis, com apoio das comunidades. O compromisso de que os projetos resultassem em desenvolvimento local virou princípio para o Instituto Esporte Educação, criado dois anos depois. O IEE concen-tra suas atividades na organização de conselhos gestores, na capacitação de professores e na busca de recursos para criar Núcleos Esportivos – quase sempre partindo de equipamentos já existentes no local. “Faz parte do tra-balho democratizar o uso do espaço e cuidar para que a própria comunidade se apodere destes Núcleos Esporti-vos. Em Marechal Tito, na zona leste de São Paulo, por exemplo, as mães bateram o pé e protegeram o Núcleo até eliminar um ponto de tráfico que havia no local”.

O IEE atua predominantemente em regiões pobres – como Jardim São Luís, Interlagos, Itaim Paulista, São Miguel Paulista, em São Paulo, ou Morro do Boréu, no Rio de Janeiro. Atende 7.006 alunos entre crianças e adolescentes, em 11 pólos; e, na área pedagógica, já capacitou 514 professores, até em nível de pós-graduação.

Outra vertente de atuação surgiu em 2005: a Caravana do Esporte. Ana Moser e seu grupo de trabalho perma-necem durante cinco dias numa cidade – “para dar uma ‘chacoalhada’ no modo de ver as coisas do esporte”. Realizam um grande evento esportivo e põem o prefeito na frente dos secretários de

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esporte, dos professores, pais e mães. Dali nasce um plano estratégico para o esporte educacional. Nos últi-mos três anos, a Caravana passou por 30 municípios de 12 estados, atingindo cerca de 45.000 alunos e 7.500 professores e educadores.

O atual desafio é alcançar municípios da zona rural e garantir, por meio de fóruns, a continuidade dos planos. No último, veio a notícia de que a luz elétrica chegou a um povoado de 300 moradores, em Curuçá, no semi-árido baiano, e que a evasão escolar e a repetência caíram de 70% para 35%, após o trabalho da Caravana e do Projeto Corpo e Mente em Ação, da Secretaria Municipal de Educação e do Departamento de Esporte de Curaçá. Ana comemora. Desta vez, aos 40 anos, vestindo a camisa da nova visão do esporte como educação.

O território-palcoNo Ceará, a dança, em vez do esporte, é o veículo para

a bailarina e coreógrafa Dora Andrade, 49 anos, impactar a vida de crianças e jovens, contribuindo para sua trans-formação em agentes ativos de mudança em seus terri-tórios. À frente da Edisca - Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes, ONG que fundou em Fortaleza, ela levou ao palco, em 1996, 40 crianças e adolescentes da região do aterro sanitário de Jangurus-su. Filhos de catadores de lixo, os jovens contaram sua história por meio da dança e o lixo virou espetáculo, para a perplexidade da platéia que lotava o Theatro José de Alencar, na capital cearense.

No início, aulas de balé eram o trunfo de Dora para se aproximar da comunidade pobre do entorno da escola, no Morro de Santa Terezinha. “A dança era o que eu sa-bia fazer de melhor. Porém ainda não tinha consciência do quanto a arte toca no que há de fundamental para a reconstrução do homem”. A arte, Dora percebeu em sua trajetória, pode construir para crianças e jovens projetos de vida capazes de contrariar as determinações impostas por um meio hostil, como o das comunidades onde a Edisca atua: na região de Mucuripe, de grande concentração de turismo sexual infanto-juvenil; no conjunto Palmeiras, favela com cinco mil famílias oriundas da desativação do lixão de Jangurussu; no Grande Bom Jardim, área de maior índice de criminalidade de Fortaleza e, mais recentemente, na Favela do Dendê, dentro da área de mangue, com forte presença do tráfico de drogas.

A Edisca passou a oferecer às crianças e aos jovens das comunidades reforço escolar, aulas de línguas estran-geiras, noções de higiene pessoal e expressão corporal, refeições diárias balanceadas, atendimento médico e odontológico, orientação sexual, atividades de artes plásticas, acesso à biblioteca e, claro, participação nos espetáculos. São atendidos hoje cerca de 1.400 alunos de 7 a 19 anos e, segundo Dora, turmas de até 400 deles costumam passar, em média, cinco anos na escola. No período, ela conta, “não há casos de envolvimento com drogas nem ocorrência de gravidez precoce, porque esses jovens constroem um novo projeto de vida e tornam-se

agentes de transformação do seu território”.

Uma outra arte da bailarina para al-cançar tal objetivo é estimular a cria-ção de vínculos entre os educandos e suas comunidades. Para ingressar na Edisca, por exemplo, a criança, além de estar cursando a escola formal, precisa ter ao menos uma pessoa responsável por ela. Pode ser até uma vizinha. A estratégia resultou em mais benefício para as comunidades porque, segundo Dora, foi inevitável estender o processo educacional da ONG a essas mulheres. Criou-se o programa A vida é feminina, que dis-semina noções de educação familiar e, por meio de cursos, gera renda para mais de 150 mulheres.

As iniciativas bem-sucedidas leva-ram Dora a fundar a Oscip Partilha, com a qual a Edisca passou a transferir a tecnologia social. A meta é chegar a 60 municípios do sertão cearense, o novo horizonte de Dora. O carro-chefe da empreitada é o espetáculo DemoAná, que significa movimento do povo de baixo para cima. O nome, assim como a cenografia, o figurino e a iluminação, foi definido por 380 ado-lescentes da Edisca que sobem juntos ao palco para apresentar a montagem. Um vídeo com o making of do traba-lho é distribuído nos municípios para contar e fazer replicar as idéias e os princípios da educadora sobre como dar nova vida a um território com arte, educação e cidadania.

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a Bailarina cearense dora andrade:arte contra a degradação em torno de um lixão

pArA fAzer contatocentro de promoção da saúde (cedaps)www.cedaps.org.br

instituto synergos no brasilwww.synergos.org.br

instituto esporte educação (iee)www.esporteeeducacao.org.br

escola de dança e integração social para crianças e adolescentes (edisca)www.edisca.org.br

banco de práticas

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quatro proJetos buscam qualidade de vida por meio do conHecimento do lugar em que os Jovens moram

O MEIO EM QUE SE VIVE

Lidar com o espaço que está ao nosso redor é uma forma de se relacionar com o mundo. Quando o jovem compreende que pode cons-truir a sua própria realidade – tanto física quanto a da busca pela sua realização –, é natural que procure uma causa para se envolver. A postu-ra de esperar que os outros tomem atitudes em seu lugar não combina com os jovens dos projetos aqui descritos. Alguns deles optaram por um relacionamento mais próximo com sua cidade ou bairro. Outros entenderam que, para crescer, é pre-ciso ampliar os próprios horizontes. E ainda há aqueles que se voltaram para a natureza, para criar laços mais profundos com o planeta em que vivemos.

O projeto Memórias Construídas forma jovens cons-cientes da importância de conservar o patrimônio his-tórico da cidade de São Paulo. Assim, eles aprendem a história para valorizar o presente. Já os projetos Grael, no Rio de Janeiro, e Pré-vestibular Comunitário Vila Marçola, na região metropolitana de Belo Horizonte, têm metodologias diferentes para alcançar resultados semelhantes: fazer o jovem de classes pobres acredi-tar que tem o direito de integrar espaços sociais que podem lhe parecer inatingíveis à primeira vista. Por fim, o projeto Sítio Cristal Dourado, em Santa Catarina, é uma ecovila que ensina aos jovens os benefícios de desenvolver uma relação sustentável com o seu lugar e com o planeta. A seguir, mais detalhes sobre estes quatro projetos.

Por_Renata Reps

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O projeto é uma das iniciativas do Instituto Anima de Cultura Sustentável, ONG que trabalha com a sustenta-bilidade em diversas áreas, como ensino da agricultura orgânica e permacultura. A ecovila Sítio Cristal Dourado é uma comunidade em que o centro de todas as ativida-des é a boa convivência dos habitantes entre si e com a natureza. Tudo que eles consomem é criado na própria fazenda e os moradores trabalham na plantação e co-lheita de produtos sem qualquer aditivo ou agrotóxico.

Florianópolis (SC)

projeto sítio cristal dourado

A proposta nasceu a partir de inquietações de jovens universitários da classe média de Belo Horizonte. No fim de 2005, enquanto realizavam uma dinâmica na pastoral da Paróquia São João Evangelista com al-guns integrantes da comunidade, o grupo perguntou qual era a principal aspiração daquelas pessoas e se surpreendeu ao ver que a maioria sonhava fazer um curso universitário. Como a educação é o principal fator de mobilidade social no Brasil, eles buscaram o apoio do Movimento dos Sem-Universidade e forma-

Rio de Janeiro (RJ)

projeto grael

O foco do projeto, que existe desde 2004 e é desenvolvido pela ONG Via Cultural, é formar jovens para inserção no mercado de restauração de patri-mônios históricos da cidade. Mas a verdade é que o projeto alcança bem mais do que isso: ele desperta a consciência dos jovens para valorizar a cidade que está ao seu redor. Os alunos fazem três dias de aula por semana: no primeiro, história da arte, arquitetura e cidadania. No segundo, aprendem a parte técnica, como a utilização de ferramentas,

São Paulo (SP)

projeto memórias construídas

A iniciativa se baseia em três pilares: iniciação esportiva, curso profissionalizante e educação com-plementar. E já começa com uma contrapartida: só pode se inscrever a pessoa de 9 a 25 anos que estiver matriculada na escola, ou tenha concluído o ensino mé-dio. Tudo começou quando os fundadores do projeto, antes de ele ser criado há dez anos, perceberam que as crianças que viviam em comunidades pobres na Baía de Guanabara tinham medo do mar e não sabiam nadar. Resolveram, então, ajudar esses meninos a explorar

Belo Horizonte (MG)

pré-vestibular comunitário vila marçola

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materiais e o trabalho em oficinas. E no terceiro dia, trabalham suas percepções em cursos de teatro, desenho, fotografia e metodologia de pesquisa. “Quando você é capaz de dar vida nova para outra coisa, se torna capaz de dar vida nova para si mesmo”, diz a coordenadora do pro-jeto, Anna Lúcia Marcondes. Vários

seus “quintais” – não só aprender natação, mas também perceber que o iatismo, um esporte considerado elitista, não é tão inacessível assim. Todos os alunos matriculados apren-dem a velejar. De público majoritaria-mente masculino – apenas 30% são meninas –, o projeto foi desenvol-vendo atividades complementares à

ram o pré-vestibular, com aulas na sede do Conselho Comunitário do bairro. Sem patrocínio, sugerem que os alunos paguem uma mensalidade variável, conforme sua renda, de até 25 reais. Ao todo, são 20 educadores voluntários que se revezam para as aulas, que acontecem nas noites de segunda a sexta-feira. Aos sábados,

Nesse sítio, há um programa de estágio aberto para toda a comunidade, que atrai principalmente os jovens. Em geral, as pessoas conhecem o trabalho quando vão até as feiras de verduras em Florianópolis e vêem os estandes de produtos orgânicos, em que grande parte vem do Cristal Dourado, e são convidadas a visitar o local. Lá, os es-

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samentos”, afirma. Vários jovens que passaram por lá conseguiram empregos na área. O projeto vem ganhando adeptos e já há convites para implantar a idéia em regiões do Nordeste e litoral de São Paulo, mas a prioridade é crescer sem perder o foco de melhorar o que já se conse-guiu erguer na cidade.

medida que os participantes ficavam mais velhos. Aos 13 anos, come-çam a fazer aulas de marcenaria e, aos 15, passam a um programa de iniciação profissionalizante voltada para o mercado náutico. Mas sempre mantendo as aulas de vela ao menos duas vezes por semana. Há também oficinas preparatórias para o mercado

os alunos têm reforço das disciplinas em que apresentam mais dificuldade. Em três anos de existência, foram 19 jovens aprovados em diferentes cursos – os mais procurados são Pedagogia e Enfermagem. Um dos criadores do projeto, o estudante de Direito David Francisco Gomes explica que há duas disciplinas essenciais no

tagiários ajudam na colheita, além de assistir palestras sobre permacultura e participar de aulas de ioga. É cobrada uma taxa de dez reais a título de ajuda de custo. “Quando você estabelece uma harmonia com a natureza, com o planeta e com a sociedade, passa a produzir produtos de mais qualidade automaticamente”, diz o presidente

jovens já passaram pelo Memórias Construídas e Anna Lúcia faz esfor-ços para divulgar o trabalho e fechar uma nova turma de 40 alunos até o fim deste ano. “Nós também vamos atrás de bolsas-trabalho depois que eles completam um ano de capacitação técnica. Precisamos restaurar mais olhares e mais pen-

de trabalho, que focam a relação inter-pessoal e ensinam o jovem a criar um currículo. “Temos uma resposta muito positiva de comprometimento quando esses alunos vão para o mercado de trabalho. Muitas empresas já nos procuram quando abrem um processo seletivo”, diz um dos coordenadores, Gustavo Borges.

cursinho. “Na aula de Direito e Cidada-nia, nós debatemos questões atuais e fazemos despertar a consciência política dos alunos. E na matéria de Motivação Pessoal e Organização Co-letiva, dois psicólogos trabalham com a auto-estima dos participantes. Isso às vezes conta mais para eles do que os resultados no vestibular”.

do Instituto Anima, Mauro Shorr. Além de alimentos, eles fazem remédios naturais e fortalecedores com as ervas que colhem. Muitos dos estagiários se interessam tanto que passam a cola-borar com a venda dos produtos nas feiras. “Mas o principal é a consciência ecológica e de vida que essas pessoas adquirem”, diz Mauro.

proJeto graelÁrea de atuação rio de Janeiro (rJ)resumo da proposta projeto que pretende, pelo ensino do iatismo, formar o jovem tanto de forma técnica quanto cidadã. Há formação para o mercado náutico e aulas complementares de geografia e marcenaria, além de apoio psicológico.número de Jovens atendidos 350 por semestreprincipais apoiadores criança esperança, instituto oi futuro, supermercado Wal-mart, companhia de gás ceg. contato www.projetograel.com.br, tel.: (21) 2711-9875

proJeto graelÁrea de atuação rio de Janeiro (rJ)resumo da proposta projeto que pretende, pelo ensino do iatismo, formar o jovem tanto de forma técnica quanto cidadã. Há formação para o mercado náutico e aulas complementares de geografia e marcenaria, além de apoio psicológico.número de Jovens atendidos 350 por semestreprincipais apoiadores criança esperança, instituto oi futuro, supermercado Wal-mart, companhia de gás ceg. contato www.projetograel.com.br, tel.: (21) 2711-9875

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ecovila sítio cristal douradoÁrea de atuação florianÓpolis (sc)resumo da proposta trata-se de uma ecovila que possui um projeto de estágio em que os jovens podem aprender a cultivar e preparar produtos orgânicos, alimentos e remédios naturais.número de Jovens atendidos muito variávelcontato www.institutoanima.org; tel. (48) 3338-2267

proJeto memÓrias construídasÁrea de atuação são paulo (sp)resumo da proposta formar jovens que sejam capazes de ingressar no mercado de restauração de obras públicas, após o fim do curso. os alunos têm aulas teóricas por três meses e passam por uma habilitação técnica de um ano. número de Jovens atendidos 40 por anoprincipais apoiadores prefeitura de são paulo, secretaria de participação e parcerias, metalúrgica rontan, companhia de Água frescca, empresa de informática gemelo, empresa de recuperação de sistemas transformare, empresa de ferramentas benel.contato www.viacultural.org.br, tel.: (11) 3624-5791

prÉ-vestibular comunitÁrio vila marçolaÁrea de atuação belo Horizonte (mg)resumo da proposta o projeto conta com professores que dão aulas de disciplinas fundamentais para o ingresso em faculdades. além disso, falam sobre direitos do cidadão, política e dão apoio psicológico aos participantes. número de Jovens atendidos cerca de 50 por anocontato [email protected]

TERRITÓRIO E EducaçãOÂngulO 1

dali, está a padaria Rodésia que, em muitos dias, tem um jeito de centro cultural com sala de visitas.

O Max estava metido num círculo vicioso. O excesso de rotatividade de professores e diretores acabou por afastar os melhores alunos – como muitos dos bons alunos saíram, a qualidade de ensino e a indisciplina pioraram, provocando ainda maior rotatividade. Os sinais de decadência se viam por todos os cantos: janelas quebradas, muros pichados, banheiros detonados, portas estragadas. Um galpão, onde existia um auditório, estava tranca-do, transformado num depósito de documentos da Secretaria Estadual da Educação.

Nenhum sinal era mais evidente do que o olhar angustiado dos professo-res, como se estivessem cuidando de um paciente em estado terminal.

Aquele corpo em estado de decom-posição era, para muitos moradores

Desorientado e desanimado – mas ainda com um resto de esperança –, um pequeno grupo de alunos e professores saiu batendo de porta em porta, no ano passado, em busca de ajuda para salvar a sua escola, cujo fechamento já estava anunciado. E, assim, começa uma experiência que me fez, aos 51 anos de idade, aluno de uma escola pública – tornei-me aluno porque venho aprendendo, na prática, o poder do território.

Com classes de ensino médio e fundamental, a Es-cola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, localizada na rua Jericó, Vila Madalena, em São Paulo, fica a três quadras de minha casa. Vinha morrendo silenciosamente, quase clandestinamente, num bairro conhecido pelo burburinho de seus intelectuais, artistas e boêmios – aliás, o Max, como é chamado, fica exa-tamente em frente à mercearia São Pedro, ponto de encontro de dramaturgos e escritores. A poucos metros

como uma comunidade se uniu para

salvar uma escola pública

A DERRUBADA DAS

Por _ Gilberto DimensteinFotos _ Victor Dragonetti

25do bairro, um misto de tapa na cara e provocação. Para nós, da Cidade Escola Aprendiz, era uma humilhação. Afinal, o Aprendiz está na comunida-de há 10 anos, onde desenvolve a experiência de bairro-escola, disse-minada em todo o País por entidades como Unesco e Unicef. Recebíamos visitas de várias partes do Brasil e do mundo, mostrando como fazíamos arranjos educativos nos bairros.

Bairro-escola significa transfor-mar todo um território num espaço educativo. Se pudesse resumir, definiria como escola a céu aber-to, sem muros, com os saberes da rua misturando-se às salas de aula. Acreditamos que a junção do capital social (a capacidade de uma comunidade de trabalhar em parceria para enfrentar desafios) e o capital humano (o conhecimento, as habilidades, a educação) são motores essenciais, indispensáveis, do desenvolvimento.

Mas aquela não era uma tarefa para o Aprendiz – mas para toda a comunidade. De nada adiantaria todo o esforço, se não fosse liderada ou apoiada por pais, alunos e professores. Naquele momento, ape-nas a derrubada dos muros da escola, integrando-a à comunidade para reverter o fechamento, traria alguma chance de que a guerra e o esforço não seriam inúteis – Jericó, a cidade bíblica, cujos muros foram derrubados pelas trombetas, insinuava uma alternativa.

O problema é que muitos professores já tinham abandonado a batalha, alunos procuravam matrículas em outras escolas, a diretora tinha anunciado sua aposentadoria. Falava-se que o prédio estava reservado para alguma repartição pública. Mas, em meio ao de-sânimo, havia um grupo de alunos e professores que ainda resistia e saía em busca de parcerias.

MURALHAS DE JERICÓPara subir a auto-estima do Max,

a primeira ação foi de fachada: pintar os muros. Era o que de mais rápido se podia fazer para dizer que alguma coisa, qualquer coisa, estava sendo feita. Era como se o paciente ainda respirasse. Nem que fosse pelo tubo. A ação cosmética talvez, quem sabe, ajudasse a ir montando um mutirão para atrair parceiros – lentamente, eles iam aparecendo, atiçados pelo desafio de salvar uma escola pública e, quem sabe, fazê-la um modelo de integração com a comunidade.

Um dos primeiros a aparecer foi o Colégio Santa Cruz, localizado nas proximidades da Vila e considerado um dos melhores do Brasil, com tra-dição em serviços comunitários – 20 alunos do Santa Cruz, devidamente orientados, se dispuseram a trabalhar nas aulas de contraturno.

Outra escola tradicional – Porto Seguro –, também com um histórico

de serviços comunitários, entrou na parceria, assim como o grupo COC. Com esses dois apoios, além da ajuda voluntária de uma arquiteta (Betty Birger) e de um restaurante (Rascal), o auditório fechado, onde só imperavam insetos e documentos mofados, virou um teatro, aberto à comunidade. Nascia, assim, o Teatro da Vila, ocupado inicialmente pelos Os Satyros, uma companhia que se notabilizou por ajudar a revitalizar a degradada Praça Roosevelt, no centro da cidade, tomada por mendigos, drogados e criminosos.

Como a Vila Madalena tem uma forte vocação cultural, ofereceram-se, no período da tarde, as mais diferentes oficinas, cujo propósito inicial era seduzir os estudantes pelo encanto da arte. Foram oferecidas oficinas de música, dança, artes plásticas e literatu-ra – a de literatura veio com o programa Círculo de Leitura, que trabalhava obras clássicas com alunos da

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al“Tem uma hora em que todo mundo

encontra o seu território. Estou descobrindo que o meu é a fotografia. Demorou. Eu já estava sendo visto como um zero à esquerda. Estou no meu oitavo colégio. Sempre me dava mal, repetia o ano, não conseguia prestar atenção. Chegaram a entender isso como deficiência e a aconselhar minha família a me colocar em educação especial. Aí, há uns dois anos, entrei em uma escola particular, o Indac - Instituto de Arte e Ciência. Eu fazia fotos de brincadeira com uma câmera da minha mãe. Um blog de fotos chamou minha atenção, e comecei a achar que aquilo era um caminho, fiquei com vontade de aprender mais. Surgiu um emprego em uma empresa de fotojornalismo e aconteceu de a minha primeira pauta fotográfica ganhar destaque de capa. Comecei a ser elogiado. Eu vivia carregando minhas fotos comigo e um dia mostrei a uns amigos. Um deles disse que ia mostrar para o pai dele, que estava envolvido no projeto do Max, um colégio na Vila Madalena que não foi fechado por causa da mobilização de alunos, pais e professores. A sugestão era que eu fizesse um ensaio fotográfico com os alunos nas oficinas e na hora da recreação. Planejei chegar, fazer amizade e depois fotografar, porque eu queria pegar momentos legais, que mostrassem o prazer deles, o

periferia. Mais tarde, viriam oficinas de comunicação.

Como o motivo do fechamento era a falta de alunos – e com menos alunos existem menos funcionários desig-nados pela Secretaria da Educação –, foi deslanchada uma ofensiva para aumentar as matrículas. Professores e alunos colaram cartazes em cafés, bares, restaurantes, postos de saúde, informando sobre o projeto do Max.

Qualquer ajuda era aceita. Psicólo-gos cujos consultórios ficam na frente do Max se dispuseram a trabalhar a auto-estima dos professores e até a tratar dos alunos com mais pro-blemas de comportamento. O Pro-jeto Guri ofereceu suas instalações para dar aulas dos mais diferentes instrumentos. Simples moradores se dispunham a dar algumas horas por dia, ou por semana, para alguma atividade na secretaria. Conseguiu-se dinheiro para a limpeza.

Muitos alunos eram rebeldes porque simplesmente não aprendiam – e isso os fazia marginais e ressentidos. O COC enviou duas professoras para dar clínicas de português e matemática.

Uma ajuda decisiva veio de uma entidade das vizinhanças: a Escola Técnica Guaracy Silveira. Um pro-blema virou, então, solução. Havia espaço de sobra: abriram-se cur-sos de administração e webdesign nos períodos da tarde e da noite. Acertou-se que, daquela união, nasceria um projeto de integração entre um curso técnico e uma es-cola regular.

Diante de tanta movimentação, aumentaram as matrículas. For-mou-se até uma inesperada fila de espera. Muitas vezes, apesar dos avanços, tudo parecia em vão; professores e alunos continuavam a ir embora. Ou faltavam e chegavam atrasados. A indisciplina imperava em muitas salas.

Apesar do pouco tempo de re-sistência, os alunos conseguiram que o Max atingisse a meta prevista para 2011. À primeira vista, um bom resultado – mas uma análise fria mostra que a qualidade está muito baixa.

ÂngulO 1

brilho dos olhos. Foram 54 fotos que viraram a exposição Alunos-Luz. Eu me senti um fotógrafo de verdade. O projeto Aprendiz também me abriu um espaço no site Catraca Livre, em que faço fotos. Agora tenho um monte de projetos na cabeça. Quero estudar, fazer faculdade, mas principalmente sair na rua e criar.”

victor dragonetti, 17 anos,fotógrafo, cujo trabalho pode ser visto no flickr www.flickr.com/dragofotos e no site www.catracalivre.org.br

27

gilberto dimenstein é jornalista e educador. ganhou os

principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. É um

dos criadores da agência de notícias dos direitos da infância

– andi (www.andi.org.br) e da cidade escola aprendiz (www.aprendiz.uol.com.br).

o aprendiz foi apontado como um modelo de educação

por unesco e unicef.

Bairro-escola significa transformar todo um território em espaço

educativo, uma escola a céu aberto, sem muros, com os saberes da rua misturando-se aos das

salas de aula

Não há mais planos para se fechar a escola – a Secretaria da Educação assinou um termo de parceria com a comunidade. As oficinas culturais estão repletas, o curso técnico é disputado e passou a atrair os alu-nos. O adolescente Victor Dragonetti, estudante de uma escola particular (Indac) registrou os momentos de encantamento dos alunos do Max nas aulas de dança, música ou ar-tes plásticas. Era como se dissesse para os alunos e professores que havia luz.

Não aconteceu nenhum milagre como o de Jericó. Longe disso. Ainda falta muito para se dizer que o Max tem uma educação de qualidade. Educação não é mágica, demora para ter efeito, exige esforços diários. Para que o professor saiba ser um gerenciador de curiosidades, ele não pode ter deixado morrer sua própria curiosidade.

Minha grande lição no Max, onde virei aluno, não é sobre magias e mi-lagres. Mas sobre o poder da química de uma comunidade onde todos têm de se sentir protagonistas.

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TERRITÓRIO E VIOlÊncIa

DOENÇA NAS RELAÇÕES

São dois os paradoxos e um enigma no País que precisam ser desvendados para que se entenda o crescimento da criminalidade violenta nas últimas décadas. Primeiro paradoxo: o processo de democrati-zação iniciado em 1978 foi acompanhado por aumento espetacular da criminalidade violenta, em especial o homicídio entre homens jovens. Segundo paradoxo: uma nação construída pelos ideais da cordialidade e da conciliação, com práticas de tolerância racial e religiosa, além da aceitação de estrangeiros, mesmo que perten-centes a etnias discriminadas mundialmente, exibiu um reforço claro dos mecanismos da vingança pessoal e dos impulsos agressivos incontroláveis. Em parte isso se explica pela forma adotada na redemocratização, na qual nem o perdão nem a pacificação entre os campos opostos foram discutidos publicamente, ao término do regime militar.

Por fim, o enigma de uma violência brutal entre

homens jovens que afetou muito pouco as mulheres e outras categorias de idade. Ao contrário dos conflitos étnicos que atingem todos, no Brasil são os homicídios cometidos entre homens jovens que cresceram várias vezes nos anos 1980 e 1990. A fim de compreender este enigma, é preciso usar três dimensões que vão além da formação social brasileira e sua histó-ria recente: o contexto internacional do tráfico de drogas e de armas de fogo; a importância e os limites das explicações macrossociais sobre a criminalidade violenta que interage com os mecanismos transnacionais do crime organizado; a inércia institucio-nal que explica a ineficácia, lentidão e impunidade do sistema de justiça; os processos microssociais, ou as forma-ções subjetivas sobre a concepção de masculinidade em suas relações com a exibição de força, dinheiro e armas de fogo. iS

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2929por_Alba Zaluar

Isto porque, ao contrário de doenças advindas de ve-tores naturais ou fatores hereditários, a violência provoca sofrimento como efeito das relações entre seres huma-nos. Seus instrumentos - armas ou força física - são feitos, vendidos e usados por seres humanos sobre outros seres humanos. Ou seja, a violência se constrói e deflagra no contexto social em que vivem agressores e vítimas. Ela é inteiramente relacional.

A violência pode ser definida como o uso da força que ultrapassa um limite, ou perturba acordos tácitos e re-gras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da pertur-bação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento. Além disso, é o resultado de uma interação em que o mais forte, ou mais armado não sente simpatia, empatia ou compaixão com o sofrimento de sua vítima, mesmo que momentaneamente tomado por emoções avassaladoras. A pergunta a ser respondida é: o que faz alguém agir deste modo?

Condição e lugarA redução da explicação da crimi-

nalidade violenta à pobreza impede um entendimento mais complexo da questão por dificultar a compreensão dos diversos conflitos na arena social e política. As interconexões entre a economia legal e a ilegal nos tráficos é também pouco acionada. Além disso, esta explicação reducionista, repetida-mente utilizada na defesa dos pobres na mídia, acaba por justificar a prefe-rência, carregada de suspeitas prévias, que policiais têm pelos pobres. Por fim, baseia-se no pressuposto utilitarista de que, movido pela necessidade, o homem agiria apenas para sobreviver, ou levar vantagem sobre os demais, comandado exclusivamente pela lógi-ca mercantil e material. Esta é uma das dimensões a serem consideradas, mas de fato explica a ambição de enrique-cer de todos, sem importar o nível de sua renda e a sua origem social.

Sobretudo nas favelas e bairros po-bres adjacentes, não há policiamento

as açÕes violentas predominantes entre Homens Jovens são frutos das

relaçÕes Humanas, construídas e deflagradas no conteXto físico e social

de vítimas e agressores

nem muito menos investigação, tal como acontece nos bairros mais ricos da cidade. Estudos recentes mos-tram que os pobres são as maiores vítimas de roubos e assassinatos, estes últimos ocorridos nos locais onde o tráfico de drogas domina e não há policiamento que proteja a população. Este é um elemento importante na equação que vai explicar a existência de pontos quentes de crimes violentos, especialmente o homicídio, um crime quase nunca investigado nesses locais. Além da vulnerabilidade que a pobreza cria, a rede de proteção institucional do sistema de justiça tem enormes falhas nas áreas pobres.

Tal constatação é confirmada por levantamento do homicídio em São Paulo feito por Isaura Oliveira & Graziela Pavez (Reflexões sobre Justiça e Violência, o Atendimen-to de Vítimas de Crimes Fatais, editoras Educ-Imprensa Oficial, SP, 2002), que o aponta claramente como um cri-me de pobres contra pobres. As pesquisadoras ressaltam dois aspectos que mais as impressionaram: 46,3% dos bairros visitados, todos nas zonas mais pobres da cidade, não contam com ronda policial. A maior parte dos casos decorre de conflitos banais na periferia que poderiam ser evitados com políticas públicas que criassem formas de mediação na vizinhança, nos bares, na escola, na família. Por fim, a maior parte das vítimas teve morte anunciada e seus familiares sabiam do destino por terem essas vítimas vinculações com traficantes de drogas ilegais, seja como usuários contumazes, seja por envolvimento nas suas atividades ilegais. É preciso olhar para o que se passa no mundo do crime.

Do transnacional ao localO crime organizado transnacional aumentou em

muito a violência em alguns setores, em especial no tráfico de drogas. Os que ocupam posições estraté-gicas nas grandes redes de conexões transnacionais podem ter rápidos ganhos, devidos a uma combinação de poucos limites institucionais, violência e corrupção. Mundialmente, eles fomentam práticas subterrâneas e violentas de resolução de conflitos: as ameaças, a intimidação, a chantagem, a extorsão, as agressões, os assassinatos. Os conflitos armados resultantes contribuíram para desenvolver não apenas o tráfico de armas que acompanhou o tráfico de drogas ilegais, mas também o domínio de territórios pela guerra com o

qual um número crescente de jovens se identifica, copiando seus valores e práticas.

O porte de armas de fogo se explica pela lógica da guerra: competidores se tornam inimigos mortais os quais é preciso dissuadir pelo aumento progressivo do arsenal de armas e homens da quadrilha. Porém esta lógica se expande para além das qua-drilhas ou comandos de traficantes e contamina os pequenos grupos a que pertencem os jovens que se tornam territorializados. Em algumas vizinhanças onde o acesso a armas de fogo é maior porque estas circu-lam com facilidade, jovens passam a andar armados para evitar serem vi-timizados pelos seus pares armados, impor respeito e gozar do prestígio adquirido com a posse de armas. A grande quantidade de armas dis-poníveis para os jovens moradores dos locais tidos como perigosos é trazida seja por contrabandistas, seja por policiais e militares corrup-tos que as negociam pela facilidade que têm de comprá-las, ou furtá-las dos estoques de seus quartéis, ou unidades militares.

Mas é impossível compreender a questão sem considerar que o con-tágio de idéias e posturas de cruel-dade e insensibilidade ao sofrimento alheio também se espalham junto

os Jovens precisam ser desarmados,

obJetiva e subJetivamente,

das prÁticas violentas de

dominação de territÓrios e ser educados

para a criação de espaços

democrÁticos

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Mario Davi BarBosa, 20 anos, estuda Direito e integra o

Movimento Quebrando Correntes, formado por jovens de Monte Serrat, em Florianópolis, SC

(Contato: 48/9912-2074 ou 8834-7949)

alba Zaluar é antropóloga social, professora titular de antropologia do instituto de Medicina social da Universidade do Estado do rio de Janeiro, onde fundou e coordena, desde 1997, o núcleo de Pesquisa em violências (nupevi). É autora de vários estudos e livros sobre violência e juventude.

“Em Santa Catarina, valoriza-se muito a ocupação européia do território, em que os espaços foram inicialmente habitados por italianos, poloneses, alemães, portugueses. Nesse contexto cultural, os negros ficaram de fora. Ninguém assume a ocupação afrodescendente, que está principalmente nos morros, nas periferias, nas regiões mais pobres. Os jovens dessas regiões sofrem todo tipo de exclusão. Muitos estão fora da escola, envolvidos com delinqüências, tráfico de drogas. Um grupo de jovens de Monte Serrat, em Florianópolis, resolveu se mobilizar para interferir nessa situação. É o Movimento Quebrando Correntes, do qual faço parte. A iniciativa é recente, a gente se reúne aos domingos para conversar sobre questões como violência, educação, mobilidade social, cultura, entre outros temas. E promovemos eventos artísticos para despertar o interesse de mais jovens em várias comunidades das periferias. Queremos quebrar correntes não só por ações mas também pensamentos, queremos derrubar os muros culturais que dividem a cidade, abolir as formas de preconceito e segregação nos espaços sociais, que se valem de um empobrecimento do uso do território, com aquela idéia de que cada grupo fica no seu canto, sempre no mesmo lugar.”

com as armas disponíveis. E estas posturas podem ser entendidas como processos de construção da identidade masculina montada em estrutura de poder rígida, excessiva, autocrática, abusiva, que autores denominam ou “etos guerreiro”, ou “hipermasculinidade”.

Na hipermasculinidade, o consumo conspícuo e o uso da violência defi-nem as novas identidades masculinas bem-sucedidas. Ajudar amigos, vizi-nhos e parentes, impressionar a to-dos com a exibição de jóias e roupas dispendiosas no seu próprio corpo, com festas e pagamento de bebidas em locais públicos, além de exibições públicas de poder exercido sobre os mais fracos fazem parte dos rituais de afirmação do homem jovem.

Nos territórios dominados por traficantes, no contexto do conflito armado localizado e de muito dinheiro no bolso para os jovens envolvidos no crime, passa a predominar o estilo de masculinidade exacerbada, ou a exibição espetacular de protesto masculino. Alguns jovens tornam-se ameaça para a vizinhança e passam a ser estigmatizados e reprimidos pelo Estado.

Portanto uma política pública mais eficaz e democrática tem que come-

çar por restringir o fluxo de armas para os locais mais perigosos e inseguros da cidade, o que significa investigar melhor as redes de fornecedores de armas e drogas. Mas é preciso também desarmar os jovens das posturas subjetivas e práticas da violência letal com as quais pretendem dominar um território. É preciso educar para a civilidade: criar o orgulho de ser homem por respeitar os outros e com eles criar um espaço democrático.

IGUALDADE VIRTUAL

Parece um contra-senso falar em utopias virtuais, como se alguma forma de utopia pudesse ser real, já que o termo designa, pelo significado etimológico, um lugar que não há, que não existe e que, por não existir, nos atrai com o fascínio de promessas impossíveis de serem, na realidade, realizadas.

Há, é verdade, as chamadas utopias negativas, mais próximas, por isso, da realidade e do peso constran-gedor que o indivíduo tem de suportar em sociedades extremamente organizadas, controladas e controla-doras. As expressões literárias mais próximas de nós, no século XX, e mais fortes deste tipo de utopia com sinal trocado, por isso mesmo chamadas distopias, estão nos romances Admirável Mundo Novo, de 1932, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell, publicado originalmente em 1948. No primeiro caso, mais à di-reita, o totalitarismo se consolida pelo controle tecno-científico da sociedade; no segundo, mais à esquerda, pelo controle político.

Há muitas utopias nos livros de ficção, e não menos ficção nas utopias neles representadas. O livro, como se sabe, que deu origem ao termo foi publicado em 1516.

território e utopias

Utopia, obra de Thomas More (1478-1535), a ilha do lugar nenhum, sem tempo, sem coordenadas, é uma crítica à situação econômica da Inglaterra ao tempo do autor e também à idealização de um Estado político de igualdade e de virtudes sociais. Matriz do socialismo utópico criticado no século XIX por Marx, em contraposição ao chamado socialismo científico, ele próprio uma nova forma de utopia ─, o livro de Tho-mas More inaugurou uma linhagem de publicações, através dos séculos, que todas foram beber, com maior ou menor saciedade, nas fontes que, tran-qüilas, na Grécia antiga, jorravam – n’ A

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O MUNDO CONECTADO

PELA TEIA DE INFORMAÇÃO ESTABELECE

UMA NOVA GEOGRAFIA, COM POSSIBILIDADES

CULTURAIS E EDUCATIVAS

NUNCA SEQUER VISLUMBRADAS

por_Carlos Vogt

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República, de Platão, o ideal de igualdade entre todos (que não fossem escravos), sem ganância e com virtude.

São muitas, pois, as utopias que trazem os livros e que os livros, e também os mitos, trazem aos medos e às esperanças dos homens através dos tempos.

Em todas elas há, de uma maneira, ou de outra, a presença de dois traços, dois componentes, mais ou menos intensos, mas sempre constantes: a tristeza e a igualdade.

Como escrevi no ensaio Clones, Utopias e Ficções: “Num caso, pinta-se o paraíso perdido a que se quer voltar, no outro, projeta-se, em negativo, o paraíso que já se perdeu sem, contudo, a consciência da perda e da própria impossibilidade de sua recuperação. [...] A impossibilidade de sucesso da aventura traz a tristeza do esforço desgastado da humanidade.”

“Trabalho como monitora no Telecentro Educapipa, administrado pela ONG Educapipa. O telecentro nasceu como ação de inclusão digital da Cidade do Conhecimento da USP no projeto Rede Pipa Sabe, instalado na Praia da Pipa, município de Tibaú do Sul, no Rio Grande do Norte. Educapipa é o nome da Associação Educacional Comunitária do Município de Tibaú do Sul, desde 2005 responsável pelo telecentro e por promover e divulgar a cultura, as artes, educação, esportes e comunicações no município. No telecentro, os estudantes da rede pública têm acesso a informática e Internet gratuita, e biblioteca. Além de conectar a comunidade ao ambiente global, as atividades no telecentro geraram muitas conexões locais por meio de outras tecnologias, como jornal comunitário, video-documentários e telejornal num telão da praça. O telecentro fica ao lado de uma escola municipal, então os estudantes vêm fazer pesquisa, conversar pela Internet, ou só jogar, que eles adoram. Como monitora, nem tenho muita dificuldade porque a maioria dos jovens já sabe se virar bem no computador, ou aprende num minuto. Eu já concluí o ensino médio e saber informática, como usar o computador, como pesquisar na Internet, me deu a chance de conseguir este trabalho. Na escola,

GlaDys FErnanDEs, 18 anos, monitora do Telecentro Educapipa, na Praia da Pipa, Rio Grande do Norte (www.educapipa.org.br; [email protected], tel.: 84/3246-2584 e 9431-6717)

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Nova retóricaNa contemporaneidade, fomos nos habituando com

um conjunto de novas expressões, todas procurando apreender e comunicar as características mais mar-cantes do mundo que emergiu da globalização total da economia, cujos últimos obstáculos ruíram com o Muro de Berlim, em 1989, e de cuja ruína nasceu prematuramente o século XXI. Assim, sociedade da informação, sociedade global da informação, economia do conhecimento, sociedade do conhecimento são expressões que se equivalem, pertencem ao mesmo paradigma e se não recobrem exatamente iguais significados, têm, no entanto, em comum a aspiração retórica da igualdade social, agora articulada na figura do igualitarismo do acesso à informação.

De que é feita essa retórica? Entre outras, de ex-pressões como: novo paradigma tecno-econômico, resgatar a dívida social, alavancar o desenvolvimento,

constituir uma nova ordem social, excluir a exclusão, economia baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado, onda de destruição criadora, evitar que se crie classe de info-excluídos, alfabetização digital, fluência em tecnologias de informação e comunicação (as TICs), aprender a aprender, inclusão social como prioridade absoluta, demo-cratização dos processos sociais pelas tecnologias da informação e comunicação, vencer a clivagem social entre o formal e o informal, agregar valor, redes de conteúdos que farão a sociedade mover-se para a sociedade da informação, igualdade de oportunidades de acesso às novas tecnologias, condição indispensável para a coesão social no Brasil...

Há mais, mas o que aí está ilustra essa retórica da virtualidade iguali-tária que vai tecendo a cultura em que florescem as utopias virtuais, uma cultura da qual a juventude se apropria e transforma em território de ocupação.

Geografia estendida

As utopias virtuais não são tristes nem são alegres. Tendem antes a ser chatas e aborrecidas com seus mantras de auto-ajuda e de ajuda autômata, tentando compensar pelo virtual uma igualdade meio abstrata, meio de artifício, que não se dá na realidade.

Um dos maiores feitos do mundo informatizado foi o de tornar a si próprio difuso, porque difundido, oferecendo de vez as condições técnicas e tecnológicas para que dele se desenvolvesse, em nós, uma percepção feita de simultaneidade pura, abolindo as distâncias dos acontecimentos, no tempo e no espaço, reduzindo e amplificando a dimensão do simbólico, de modo a confundir a coisa representada com a sua representação coisificada em simulacro, agora independente do próprio ato de representar.

Uma das características marcantes da globalização torna-se efetivamen-te realizável pelo desenvolvimento das TICs e consiste na livre circulação do capital financeiro, capaz de migrar

esse conhecimento aumentava minha curiosidade para aprender, e sinto que é o que acontece com esses estudantes também. Eles estão aqui na Pipa, mas com uma grande porta de aprendizados na Internet. Fora o telecentro, a Educapipa promove oficinas, como as culturais, de informática, de edição de vídeo, capacitação em ofícios de turismo, tudo para aumentar as oportunidades de educação e trabalho principalmente para a juventude.”

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A RETÓRICA DA VIRTUALIDADE IGUALITÁRIA VAI TECENDO A CULTURA EM QUE FLORESCEM AS UTOPIAS VIRTUAIS, UMA CULTURA DA QUAL A JUVENTUDE SE APROPRIA E TRANSFORMA EM TERRITÓRIO DE OCUPAÇÃO

com mobilidade incrível de uma praça de mercado para outra, num piscar de olhos, em busca de condições sempre mais favoráveis ao seu ganho e à sua multiplicação, o que, em contraparti-da, possibilita também que condições desfavoráveis, sobretudo em países centrais, logo reflitam crítica e, às ve-zes, catastroficamente, na periferia.

Por isso o bater das asas da bor-boleta nos EUA pode provocar ter-remotos econômicos no mundo ou, ao menos, abalos sísmicos, no equilíbrio econômico do planeta. Se a borboleta bater as asas na China, podemos estar certos de que hoje a Terra treme também. E, dependendo de baterem por júbilo ou desespero, viveremos todos, mesmo estando do outro lado dos oceanos, a euforia ou a disforia dos acontecimentos distantes, às vezes numa ciclotimia de estados antagônicos capaz de pôr as sociedades planetárias em ritmo de psicopatologia bipolar.

O mundo globalizado, conectado, ligado na e pela teia de informação e comunicação tecida pela Internet é, assim, quando não aborrecido e chato, um mundo ágil e instantâ-neo que se oferece sob a forma da alegria fugaz e da fugacidade alegre da percepção do tempo e do espaço como só presente, numa geografia de aproximações na qual o viajante não se move e, no entanto, viaja, sem sair do lugar.

A esse mundo planificado, no sen-tido de tornado plano, e no sentido de planejado ao extremo, é preciso oferecer conteúdos que adensem a superficialidade das imagens pen-duradas em si mesmas e quebrem o ritmo monótono de ordenamento de mesmice e desencanto.

As facilidades de comunicação e de circulação da in-formação oferecidas pela rede global de computadores abrem possibilidades reais de programas e projetos culturais e de educação antes não imaginados e sequer vislumbrados.

Poder pensar na oferta de educação formal pública e gratuita, com e pela utilização intensiva das tecnologias de informação e comunicação, nos põe diante de uma nova concepção da escola, com uma nova geografia estendida, alargada, socialmente distribuída e que, aí sim, permite, com propriedade, falar de uma boa utopia virtual com os pés na realidade.

Carlos vogt, poeta e linguista, é coordenador do laboratório de Estudos avançados em Jornalismo (labjor), da Unicamp, foi reitor desta universidade (1990–1994), presidente da Fapesp (2002–2007) e, atualmente, é secretário de Ensino superior do Estado de são Paulo.

o sujeito da frase

Por _ Aydano André Motta

“O QUE ESTÁ NO CENTRO E NA

Ficou no passado, confinada a uma parede da memória, a noção tradicional de território, com todas as limitações varridas do caminho pelo avanço tecnológico e pela busca incessante dos jovens por conhecimento e exploração de novas atividades. O espaço físico segue importante, influenciando corações, mentes e formas de fazer, mas o mundo, em rede, ficou menor, au-mentou a comunicação, para acres-centar diversidade ao que, a olho nu, parece uma mesma manifestação. E a atividade cultural floresce tanto nos bolsões pobres como no andar de cima da sociedade, buscando se misturar, num círculo virtuoso ine-vitável. Tal cenário é antevisto com otimismo pelo antropólogo Hermano Vianna, 48 anos, um dos principais estudiosos do comportamento e da atividade cultural dos jovens no Brasil. Leia a entrevista que ele concedeu à revista.

Pesquisador das manifestações culturais contemporâneas, Hermano vianna vê nos jovens os grandes exploradores das novas tecnologias.

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o antropólogo Hermano vianna diz que o acesso às tecnologias diminuiu o tamanho do mundo e aumentou sua diversidade

PERIFERIA NÃO É CONSTANTE”

Onda Jovem: Como você entende o conceito atual de território?

Hermano Vianna: Ele sofreu grande transformação, por causa do de-senvolvimento de transportes e da comunicação. Antigamente, era bem mais difícil uma pessoa chegar muito longe do lugar onde tinha nascido e se criado. Hoje, a facilidade aumentou para migrações populacionais, assim como cresceu a possibilidade de as pessoas se relacionarem à distância, com o avanço tecnológico. O mundo diminuiu de tamanho. Ao mesmo tem-po, intensificou-se a integração entre o território real (onde seu GPS indica que você está) e o território virtual, o tal ciberespaço. Estamos transitando entre os dois territórios o tempo todo, e a negociação entre os lugares forma o território de maneira geral. Já li estudos mostrando que, quando as pessoas estão na Internet, no Orkut, no celular, falam com pessoas que conhecem na vida real. Essas ferramentas servem, na verdade, mais para reforçar laços da vida real, do que para criar novas redes. Pessoas querem encontrar pessoas que já encontram.

Com que intensidade este conceito se relaciona com a questão da produção cultural?

Veja a produção musical contemporânea – os estilos mais populares foram criados a partir de algum tipo de relação com um território muito específico. Às vezes, num bairro só. Não dá para pensar a história do hip-hop sem considerar o Bronx, em Nova York, onde moravam muitas pessoas que fundaram esta manifestação cul-tural, em meados dos anos de 1970, num espaço de oito quarteirões. Era uma rapaziada que se encontrava ali. E aí o gênero foi adquirindo características locais, dependendo de onde chegava. Hoje, tem hip-hop de Los Angeles, de Miami, de Atlanta, de Memphis. E o Miami Bass migrou para o Rio e produziu o funk carioca. E Fortaleza copia o funk carioca, e por aí vai. Mas todas as grandes inovações têm relação com o lugar, algum canto, de algum país. A rede é mais os fios, os links que a formam. Importantes são os nós da rede, onde os fios se encontram, e eles batem com determinados lugares da vida real – bairros, cidades etc.

Para Hermano Vianna, “fica muito

mais interessante quando a informação

circula e outros grupos a usam,

produzindo novas maneiras de se

manifestar. a história cultural

da humanidade está ligada a

essa mistura, que também nos leva à

democracia”

Qual o impacto destas condições sobre a juventude?

A juventude é mais voraz no rela-cionamento com as novas tecnolo-gias. Adotar tocador de MP3, viver em lan houses jogando games dos mais variados tipos, não sair do MSN e do Orkut são hábitos típicos dos jovens. Hoje já há uma garotada que nasceu na Internet, que tem computador pessoal, que grava vídeo. Aqui, outra mudança fundamental: a pessoa físi-ca faz vídeo, não precisa da televisão. A estrutura atual é bem mais des-centralizada, não se depende mais da grande mídia. Antes, para gravar apenas uma música, era necessário um grande estúdio, que era de uma grande gravadora; agora, com um laptop e uma lan house, você manda sua produção para o mundo inteiro. Os grandes exploradores dessas no-vas tecnologias são os jovens.

Como a questão da identidade po de se relacionar ao conceito de território?

As pessoas imaginavam que os meios de comunicação iriam homo-geneizar as culturas, e viveríamos do mesmo jeito. Veja, de novo, o hip-hop e o que ele produziu no Rio e em São Paulo: são subestilos totalmente diferentes. As pessoas, a partir da mesma base, produzem coisas di-ferentes, inspiradas nos hábitos e características locais. Tem a ver com uma cultura específica. Além de tudo, as músicas, que são globais, servem para reforçar laços de convivência de determinados territórios reais. Muitas letras do funk carioca são exaltações dos lugares onde vivem, numa inven-ção e disseminação da identidade. Do mesmo jeito que o hip-hop paulista botou o Capão Redondo no mapa. É o mesmo sentimento da bossa nova com Copacabana e Ipanema, ou dos Beatles com Liverpool. Esqueça por um momento a música famosa: “Penny Lane”, dos Beatles, é uma rua que foi parar no imaginário global.

Como esses conceitos e o comportamento dos jo-vens variam de acordo com a classe social e a região da cidade?

Quando se é mais rico, tem mais grana para viajar, a importância do território é um pouco relativizada. Mas faz parte da adolescência, da juventude, a procura por turma. Ela é real e está, por exemplo, na escola. Mesmo adultos mantêm relações com pessoas da escola ou da rua. Pense na Barra da Tijuca, no Rio, ou em Alpha-ville, em São Paulo: tem a turma do condomínio. Isso não varia tanto de classe social. Mas há cada vez mais migração de gente pobre mundo afora. As pessoas cir-culam mais, independentemente de classe social, numa permanente experiência de formação de diáspora.

A distância, então, deixa de ser um limitador?Cada vez mais. Veja o caso de Vigário Geral e Pa-

rada de Lucas, favelas vizinhas do Rio de Janeiro. Lá, casas separadas por uma rua não têm comunicação, por causa dos comandos diferentes e das mudanças constantes de facção que dominam as comunidades. Se naquela fronteira há um problema de comunicação, aliás, anterior à questão do comando – os bandidos se apropriaram de determinadas características que já existiam –, as pessoas têm contato com outras comunidades. A comunicação se fecha de um lado e ao mesmo tempo se abre de outro; há afastamentos e aproximações.

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Como as visões e vivências de centro e de periferia entram neste debate? Como estas relações podem ser transformadas?

A “Central da Periferia”, programa de TV do qual participei, era pra dis-cutir esse tipo de relação. Até o nome pretendia provocar a discussão, o centro que não está no centro. Mui-tas vezes, a periferia se pensa como centro de mundos culturais, como o funk carioca. Na história da cultura popular do Rio, com Helio Oiticica, por exemplo, os dois mundos vistos como afastados se envolveram. Oiticica levou Mondrian à favela e saiu com Parangolé, “a antiarte por excelência”, como ele dizia. Tudo que acontece de mais interessante culturalmente envolve a troca de informação entre mundos separados. O que está no centro e na periferia não é constante.

Este é um debate que freqüentemente termina encurralado na mera identificação da oposição entre estes dois territórios (centro e periferia). Quais são os equívocos desta perspectiva?

O Rio, para isso, é muito interessante. Há um mo-numento, no centro de sua vida cultural, feito em homenagem à periferia, concebido por nosso maior arquiteto, Oscar Niemeyer: o Sambódromo. O que a cidade produziu e produz são elementos de construção da identidade cultural do povo que mora aqui. O movi-mento interessante é sempre o de lançar pontes entre os fossos que separam mundos culturais diferentes. O garoto paulistano dos Jardins que se identifica com o hip-hop está construindo essa ponte. A formação de gueto é sempre perniciosa para a produção cultural de um determinado lugar. Fica muito mais interessante quando a informação circula e outros grupos a usam, produzindo novas maneiras de se manifestar. A história cultural da humanidade está totalmente ligada a essa mistura, que também nos leva à democracia.

É verdadeira a idéia de que as áreas mais pobres teriam uma produção cultural mais ativa e inquieta?

Essa oposição não funciona na realidade. Muitos artistas fundamentais são da elite. Estar num lugar com mais problemas e dificuldades de acesso dá uma fome de entender o mundo e produzir alguma coisa, fazer na marra, não se acomodar numa visão precon-cebida. De novo, o funk do Rio: é música produzida em máquinas por pessoas que não sabem ler o manual em inglês. Justamente por isso, elas inventam novas maneiras e conseguem sons que inicialmente seriam considerados um erro, mas viram definidores de uma cultura nascente. Conheci o pessoal do Mangue Beat, antes dos primeiros discos. Quando Chico Science vinha à minha casa, pegava todos os discos, anotava todas as músicas. O canibalismo cultural do Mangue Beat foi importantíssimo para a produção daquela novidade.

Algumas manifestações culturais são tidas como frutos da exclusão social. Você concorda com essa tese?

Isso é menosprezar essas manifestações. Elas são, na verdade, sinais de luta contra a exclusão. Estão dizendo: veja como minha situação é precária e veja o que eu posso produzir. As pessoas não percebem a manifestação de construção de uma identidade, a problematização dessa identidade, a crítica ao contexto de exclusão a que as pessoas estão submetidas.

“A FORMAÇÃO DE GUETO é SEMPRE PERNICIOSA PARA

A PRODUÇÃO CULTURAL”

Como você tem visto a evolução da situação da juventude brasileira nesta última década?

Duas coisas são as mais importan-tes: a criação de indústrias culturais paralelas, que não dependem da grande mídia, das grandes grava-doras, tanto nos centros como nas periferias. A rede do hip-hop nacio-nal, o rock indie pelo Brasil, de Rio Branco, Porto Velho, Goiânia, Natal, Cuiabá. Desde o mais anticomercial até o mais comercial, como o brega paraense e o forró cearense. Chim-binha e Joelma, da banda Calypso, completaram 30 anos não tem muito tempo. Ele vendia peixe com o pai na feira até a adolescência; ela viveu até 17 anos numa cidadezinha do interior do Pará – e os dois formam a banda mais popular do Brasil, sem nunca ter tido uma grande gravadora. Além disso, existem milhares de grupos como o Afroreggae, do Rio de Janeiro, e a Companhia de Dança de Rua de Uberlândia, que são novas formas de agrupamento social. Eles produzem música eletrônica, vídeo, história em quadrinhos, teatro – arte, enfim. A aliança da produção cultural com o combate à injustiça social é outro fenômeno recente muito importante, que destrói, de novo, a relação entre centro e periferia. Eles têm seus próprios contatos, financiadores internacionais. O Afroreggae já foi para a Índia e a Inglaterra. Não de-pendem mais de um suposto centro. É uma situação nova, que me faz ser otimista. Esses grupos todos estão sabendo aproveitar muito bem o novo cenário.

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PARA PÔR

COM NOVAS ALTERNATIVAS DE TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E CULTURAL, O DESENVOLVIMENTO DE SUA LOCALIDADE GANhA APELO JUNTO AOS JOVENS

Qual a melhor trajetória que se pode desejar a um jovem de uma pe-quena cidade do interior, ou mesmo da periferia de uma grande cidade, de família pobre, com pouco acesso a estudo ou trabalho e, como todos da sua faixa etária, ansioso para ter uma vida melhor? Há uma resposta convencional e há também uma nova forma de se encarar a questão, bus-cando soluções com base no conceito de desenvolvimento local.

A resposta mais convencional seria desejar que o jovem em questão con-seguisse uma vaga numa faculdade da grande cidade, onde poderia traba-lhar e se preparar para uma carreira. Embora fosse um final feliz para um jovem, trata-se de uma solução capaz de contemplar apenas indivíduos que alcancem as condições de trilhar esse caminho. Mas certamente não resolve a questão, que envolve uma enorme população de cidadãos em transição para a vida adulta. Segundo uma pesquisa do Instituto Polis, 27% dos jovens metropolitanos, com idade en-tre 15 e 24 anos, ainda têm dificuldade de acesso ao trabalho e ao estudo. No Brasil, são 34 milhões de cidadãos dentro dessa faixa etária, dos quais 17 milhões estão fora da escola.

por _ Roberto Amado

NO MAPA

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A situação é mesmo grave, na opi-nião de Ladislau Dowbor, professor titular no Departamento de Pós-gra-duação da Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo, nas áreas de Eco-nomia e Administração. Mas, segundo ele, apesar da gravidade do problema, há muito o que se fazer, desde que sejam adotadas soluções de desen-volvimento localizado. “Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o desenvolvimento não se espera, mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que estão ocorrendo no País. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos, desde que haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esforços”, diz Dowbor. Para ele, é essencial que o governo, as instituições, as ONGs proporcionem oportunidades de desenvolvimento localizado, em especial a essa enorme população juvenil, para que as soluções sejam criadas naturalmente.

Mãos na massaAlguns exemplos nesta direção

são consistentes e sinalizam um caminho eficiente. A história de Mar-gleuda Barbosa da Silva, 23 anos, é bem ilustrativa. Mora com os pais num pequeno sítio em uma ilha do açude de Orós, cidade do centro-sul do Ceará, com pouco mais de 20 mil habitantes e conhecida por sofrer a severidade das secas da região. Desde cedo, e apesar das limitações do seu ambiente, ela percebeu que poderia, sim, desenvolver uma ati-vidade econômica. Estimulada pelas oportunidades criadas pelo Instituto is

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É o que acontece com Givaldo do Carmo Souza, 23 anos, morador de Santa Cruz, cidade de 35 mil habitantes do semi-árido da Bahia. No Movimento Organizacional Comunitário, que estimula o desenvolvi-mento localizado em 25 municípios do estado, Givaldo descobriu as possibilidades da sua região e hoje não quer mais sair de lá. “Muitos jovens estão realizando projetos de criação de pequenos animais, por exemplo, e já se tornaram referências para disseminar seus conhecimentos para outros jovens, e tem funcionado muito bem”, diz ele. E completa: “Só assim podemos obter mais qualidade de vida para nós mesmos e para toda a região”.

Novos paradigmasInteresse, vontade de transformação e iniciativas

não faltam. O que falta é mais oportunidade. Segundo dados da Aracati, 84% dos jovens do País acreditam que a juventude pode mudar o mundo e 680 mil desenvol-vem algum tipo de ação benéfica para sua comunidade. Além disso, os que já têm e os que querem ter algum tipo de iniciativa somam 7 milhões de pessoas. “Esta-mos diante de uma mudança de paradigma. Os jovens querem, sim, participar e manter seu vínculo territorial. E estão procurando desenvolver os recursos da sua região, fazer mobilizações locais, encontrar saídas profissionais e culturais dentro do seu próprio espaço”, diz Luciana Martinelli, diretora da Aracati e integrante do Conselho Nacional de Juventude.

Essa é também a convicção de Célio Turino, respon-sável pela Secretaria de Programas e Projetos Cultu-rais (SPPC) do Ministério da Cultura e idealizador do programa Cultura Viva, com verba de R$ 130 milhões para 2009. O programa já formou mais de 800 ─pontos de cultura─ no País, incumbidos de desenvolver projetos culturais localizados. São grupos formados por jovens e educadores que se aglutinam em torno de algum tema ou proposta de recuperação da cultura local. Cada grupo selecionado recebe uma verba de 180 mil reais. ─“Queremos ─desesconder─ o Brasil─”, diz Turino.

Elo Amigo, iniciou a cultura de peixes, depois resolveu cultivar frutas no sítio da família e hoje tem sucesso vendendo banana, mamão, tomate e cheiro-verde. “Já tenho dois projetos de financiamento encaminhados: um, para comprar uma bomba de irriga-ção, e outro, para criar galinhas. Não me vejo mais saindo daqui. Ir para as capitais é uma ilusão”, diz ela.

Margleuda foi uma das participan-tes do primeiro encontro do projeto Frutos do Brasil – Juventude em Debate, realizado no interior de São Paulo, em outubro, pela Aracati – Agência de Desenvolvimento Social. Foram 40 grupos de jovens selecio-nados para discutir suas experiências na exploração dos recursos, culturais e econômicos, da região em que vivem, como um caminho definitivo para seu futuro.

O caso de Margleuda não é um exem-plo isolado. Muito pelo contrário, é uma tendência entre jovens que tiveram apoio para explorar o desenvolvimento localizado. A semente do interesse em desenvolver-se na região, no bairro ou na cidade em que moram está lá, latente, pronta para ser germinada. E o interesse não se limita ao desejo de conquistas pessoais, mas também de transformação do ambiente em que estão, quase sempre envolvido em problemas es tru turais, como violência, pobreza, desinformação, carência de saúde e educação, preconceito racial e até ho mofobia. Para muitos, trans-formar essa realidade passa a ser uma causa da vida.

GRAÇAS AOS RECURSOS TECNOLÓGICOS, OS JOVENS TÊM MAIS INFORMAÇÕES E ESTÃO SE TORNANDO EMPREENDEDORES MAIS CEDO

O conceito encontra eco nas palavras de Dowbor: ─“É preciso redescobrir o manancial de conheci-mentos que existe em cada região, valorizá-lo e transmiti-lo de forma organizada para as gerações futuras. Conhecimentos técnicos são impor-tantes, mas têm de ser ancorados na realidade que as pessoas vivem, de maneira a serem apreendidos na sua dimensão mais ampla”.

Mas desenvolver e recuperar a cul-tura local pode solucionar o problema de desemprego, falta de recursos e oportunidades de renda locais que os jovens enfrentam? Talvez não diretamente, mas pode ser um ótimo caminho. Para Cleber Rocha Chiqui-nho, do Ponto de Cultura Caiçaras, de Cananéia, essa é uma certeza. ─“O trabalho localizado eleva a auto-estima da cidade e seus habitantes. E aqueles que partem em busca de no-vas oportunidades sentem-se muito mais estimulados a voltar, o que não acontecia antes”─, conta ele.

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mais especialmente o jovem em fase de definição pro-fissional e buscando sua primeira inserção no trabalho – transformem dados estatísticos em informação para a tomada de decisões. “E sempre com o fator educação em evidência”, diz ele.

Dowbor também defende que a educação tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento localizado. “A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la. Os alunos, além do currículo tradicional, devem conhecer e compreender a realidade em que vivem e na qual serão chamados a participar como cida-dãos e como profissionais. O desenvolvimento moderno necessita cada vez mais de pessoas informadas sobre a realidade onde vivem e trabalham”.

Para que isso aconteça, a transformação passa necessariamente pelos educadores e o preparo que devem ter. “A requalificação dos professores que isto implica poderá ser muito rica, pois serão naturalmente levados a confrontar o que ensinam com as realidades vividas, sendo de certa maneira colocados na mesma situação que os alunos, que escutam as aulas e en-frentam a dificuldade em fazer a ponte entre o que é ensinado e a realidade concreta do seu cotidiano”, diz Dowbor.

Local e global Pode parecer uma contradição valorizar o desenvol-

vimento localizado na época da chamada globalização, em especial entre jovens. Mas na verdade, dar acesso à informação e à atuação profissional remota é justamen-te o que precisam aqueles que gostariam de explorar os recursos do seu entorno como uma opção de vida.

Para Joaquim Batista Xavier Filho, gerente de Desenvolvimento Territorial do SEBRAE-SP, a tecno-logia e a globalização têm um papel fundamental no desenvolvimento localizado: “Os jovens têm, graças aos recursos tecnológicos, muito mais informação e estão se tornando empreendedores muito mais cedo do que antes”. Seu trabalho, cujo objetivo é alavancar a produção regional de atividades empreendedoras, como agricultura, artesanato e até indústria de pequeno porte, encontra cada vez mais adeptos entre os mais novos. “O interior está crescendo mais do que a capital e as circunstâncias estão favorecendo muito o desen-volvimento localizado entre jovens, principalmente no turismo e na tecnologia da informação”, diz ele.

São movimentos complementares, diz Dowbor. “É interessante constatar que quanto mais se desenvolve a globalização, mais as pessoas estão resgatando o espaço local e buscando melhorar as condições de vida no seu entorno imediato. Promover o desenvolvimento local não significa voltar as costas para os processos mais amplos, inclusive planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais segundo os interesses da comunidade”.

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Mapa nacionalA grande diversidade regional bra-

sileira – e como ela afeta as relações entre lugar, trabalho e educação – fica clara quando se analisam os dados da pesquisa Você no Mercado de Trabalho, realizada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com o Instituto Votorantim. Segunda parte de um amplo projeto – que inicialmente explorou as relações entre educação e trabalho juvenil e cujos dados estão disponíveis no site www.fgv.br/cps/jovem –, o estudo está acessível num site interativo – www.fgv.br/cps/iv. Esse site permite que o usuário mapeie não só os impactos sobre os salários e a empregabilidade do investimento em anos a mais de educação, mas também o tipo de profissão, a cidade ou o estado e o setor de trabalho desejado.

Ali se percebe como os perfis econômicos das regiões determi-nam também diferentes valores e demandas no mercado profissional. Segundo o economista Marcelo Neri, coordenador da pesquisa, os dados permitem que o cidadão, gestores – e

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O CONCEITO DE TERRITÓRIO APLICADO À ESCOLA GANhA PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS, MAS AINDA PRECISA ChEGAR AOS JOVENS

O trem da educação no Brasil precisa avançar sobre dois trilhos básicos: ampliar a presença de crianças e jovens na escola e melhorar o nível da aprendizagem. Em busca de soluções para dar cabo dessa viagem, o conceito de território aplicado às políticas públicas, que foca a assistência conforme a dinâmica econômi-ca, cultural e social, começa a sinalizar um novo cami-nho. São iniciativas inspiradas na proposta de cidade educadora, que tem em Barcelona, na Espanha, seu maior êxito. Trata-se de aproveitar a infra-estrutura da cidade para estender o período de aprendizagem fora da escola. “O uso da cidade como ferramenta educadora enriquece a formação do jovem e dribla um problema crônico das periferias e áreas pobres: a inexistência de salas de aula em número suficiente para abrigar turmas em turno integral e a carência de infra-estrutura, como quadras de esportes, praças, au-ditórios e centros de informática”, explica o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, André Lázaro, um defensor da idéia. “A gente vai ganhar muito se puder enxergar a dinâmica política, econômica, cultural e social do território. Isso leva a uma educação que dialoga mais com o universo do aluno”, diz.

A meta da cidade educadora começa a se desenhar como perspectiva também para a juventude. Por en-quanto, a idéia ganha fôlego no ensino fundamental. O Ministério da Educação, despertado para a necessida-de de que o ensino vá além da sala de aula, iniciou este ano o programa Mais Educação, que financia escolas para ofertar aos alunos educação em horário integral, traduzida em atividades extra-classe no contraturno das aulas. Funciona assim: quem estuda de manhã dedica a tarde a visitar parques, museus e clubes; ir ao cinema, ao teatro, ou a salas de informática; praticar esportes, tocar numa banda, ou participar de oficinas. E vice-versa. A lista de opções é variada e reflete a realidade do município ou bairro. O programa depende do que a cidade tem a oferecer, mas por enquanto é o carro-chefe da política que busca formar estudantes em contato direto com a cidade onde vivem.

Marcha lentaO Mais Educação já é realidade em 51 municípios,

incluindo todas as capitais, segundo o secretário André Lázaro. Este ano, o ministério reservou R$ 50 milhões para garantir o ensino de horário integral em 1.409 escolas de ensino fundamen-tal, com potencial para beneficiar 300 mil alunos. “O conceito de educação integral freqüenta a legisla-ção e o ideário brasileiro há muito tempo. Esse desejo só seria viável em um modelo educativo mais flexível,

que não fosse o de todos os alunos dentro da escola, já que ainda temos escolas nos grandes centros urbanos com três ou até quatro turnos. Mas esse obstáculo de infra-estrutura criou uma oportunidade nova, que é chegar ao conceito da cidade educadora”, diz Lázaro, admitindo que o governo demorou para dar a largada nessa empreitada. “Demo-rou porque a gente estava ainda com desafios muito brutais de inclusão de todos.”

Para o consultor em educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Célio Cunha, o Brasil está a anos-luz de um proje-to nacional consistente de cidade educadora: “O Mais Educação é um começo, mas lembro que a idéia de aproveitar a infra-estrutura dos mu-nicípios em programas educativos foi lançada pela Unesco na década de 1970. No Brasil, as coisas sempre por _ Pires da Rosa

engatinham, é histórico. A abolição da escravatura foi feita em suaves prestações. As coisas até chegam ao País, mas a decisão política de implementar sempre demora”. As políticas também são dispersas, não-articuladas, característica que não combina com a idéia de uma cidade educadora, segundo o con-sultor da Unesco.

Além do Mais Educação, o MEC in-veste no Escola Aberta, programa que dá recursos para que 2 mil escolas funcionem nos fins de semana, aten-dendo alunos e a comunidade. Outro projeto, o Conexões de Saberes, dá bolsas a universitários de baixa renda de 33 instituições de ensino superior para que desenvolvam projetos em suas comunidades. Há ainda o Pro-Jovem Saberes da Terra, um curso de educação continuada com ensino profissionalizante para 35 mil jovens de zonas rurais. Os três projetos com-põem também o pacote de ações do “Territórios da Cidadania”, programa federal, lançado no início de 2008, que mapeou 60 áreas de alta vulne-rabilidade social em todo o Brasil.

Nessas regiões, que agrupam dezenas de municípios com baixos indicadores sociais, criam-se comitês intersetoriais que apontam as princi-pais demandas locais. A proposta é que, com essa perspectiva integral, os programas oferecidos por diversos ministérios e agências do governo sejam aplicados com visão sistêmica para obter resultados mais abran-gentes, incluindo-se aí aqueles que interessam à juventude nas áreas de educação, trabalho e cultura. Nesse caso, o conceito de “territorialidade” – ainda que incipiente na aplicação – serve como exemplo de uma nova ótica para definir e implementar po-líticas públicas.

Cidade com currículoVoltando à educação, Célio Cunha

considera que a primeira medida de um projeto consistente de cidade

educadora é traçar o “currículo” educativo da cidade. Isto é, identificar os roteiros que poderiam ser per-corridos pelos estudantes, aproveitando ao máximo o que existe nas cidades. A proposta vem sendo testada no Rio de Janeiro, com o Bairro-Escola implantado no município de Nova Iguaçu, baseado na metodologia desenvolvida pela ONG paulistana Cidade Escola Apren-diz. A coordenadora geral do programa, Maria Antônia Goulart, conta que o ponto de partida foi a idéia de atender o maior número possível de estudantes, e logo se percebeu que seria economicamente inviável fazer o projeto focado apenas no espaço escolar. A solução era levar os alunos para a rua, ou melhor, estabelecer uma ponte entre a escola e o que se passa fora dela.

“A escola sozinha não dá conta do aluno. E o estu-dante não pode conviver só num ambiente, com um único profissional. Precisa conhecer vários espaços, com atores sociais diferentes, para ter maior experiência. A circulação no território é um ponto crítico: hoje se discute que a rua é perigosa e que não se deve circular. Mas é o contrário. A rua tem que ser espaço de circulação até para que não seja perigosa”, diz Maria Antônia.

AS POLÍTICAS QUE PRIVILEGIAM O CONCEITO DE TERRITÓRIO NÃO ATINGEM A EDUCAÇÃO JUVENIL

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NA ESCOLA INTEGRAL PARA JOVENS, O CONTRATURNO PODERIA OFERECER FORMAÇÃO TéCNICA E PROFISSIONALIZANTE

O Bairro-Escola, que começou como projeto-piloto em 2005, atinge hoje 30 mil alunos de 48 escolas, quase metade da rede municipal. Os alunos de ensino fundamental chegam à escola às 7h e voltam para casa só no fim da tarde. Tomam café da manhã, almoçam e fazem mais dois lanches. Quem pratica espor-tes no clube da região toma banho lá mesmo. Os deslocamentos são feitos a pé. Os estudantes andam uniformizados, com monitores na frente e atrás do grupo. Maria An-tônia conta que as caminhadas são um capítulo a parte. Com a rotina, os moradores passam a conhecer os estudantes e aí surge uma pro-veitosa interação: “Tem morador que cede o quintal da casa. Um virou horta para os alunos plantarem”.

É da rua também que saem os temas para aulas das disciplinas tradicionais, ou para oficinas no contraturno: o lixo, o carro estacio-nado na calçada, o bueiro entupido, tudo, de um jeito ou de outro, entra no currículo. A pedagogia urbana dá resultados. Segundo a coordenadora, as escolas atendidas tiveram em média desempenho 40% acima das demais, alcançando a meta de 2015 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do MEC, que considera tanto os conhecimentos de português e matemática quanto as taxas de reprovação e abandono.

O secretário de Juventude de Nova Iguaçu, Alexan-dre Britto, diz que o Bairro-Escola tem impacto positivo também sobre os jovens da cidade. “O Bairro-Escola valoriza espaços no local de moradia dos estudantes: um clube de bairro, uma igreja, uma ONG. O municí-pio passa a ter melhor infra-estrutura para atender a população, inclusive a juventude.” Britto destaca ainda o efeito de médio e longo prazo do programa, à medida que as crianças hoje atendidas chegarem ao ensino médio. “Vamos ter melhores alunos no ensino médio e, quem sabe, na faculdade, graças à semente que foi lançada pelo Bairro-Escola”, diz o secretário de Juventude.

Iniciativas positivasSorocaba (SP) também é uma cidade educadora

desde o ano passado. Em 12 escolas, as turmas de 1.ª a 4.ª série do ensino fundamental funcionam em horário integral. No horário extraclasse, os alunos participam de atividades do projeto Sabe Tudo, um centro de inclusão digital cujos prédios viraram ícone da cidade educadora paulista. Construídos em formato arredondado, como um farol, eles abrigam 20 compu-tadores com internet banda larga. Oferecem também jornais e revistas. Além dos estudantes, moradores comparecem regularmente.

A secretária de Educação de Sorocaba, Maria Te-resinha Del Cistia, diz que as escolas contempladas com horário integral foram escolhidas nos bairros mais pobres e entre aquelas com notas mais baixas. As unidades do Sabe Tudo são vizinhas às escolas. É lá que os estudantes passam parte das horas do contraturno. “Além de garantir cidadania, nosso foco é aumentar a aprendizagem. São alunos de baixa renda, de bairros da periferia. A maioria dos pais não tem curso superior. É a oportunidade que estão tendo de estudar espanhol, música numa escola pública.”

Apoiando as iniciativas públicas de educação de tempo integral que aproveitam a infra-estrutura da cidade para estender o período das aulas, a conselheira nacional de educação Regina Vinhaes Gracindo defende a ampliação dos programas. “O Mais Educação é ainda o ‘soluço’ de uma boa idéia que precisa cres-cer. Os jovens deveriam fazer parte do público-alvo e receber formação técnica e profissionalizante no contraturno”, afirma Regina, que é professora da Universidade de Brasília (UnB) e integra a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.

A professora chama a atenção para o sistema escolar oferecido nos países economicamente de-senvolvidos. “Nenhum tem apenas quatro horas de escolaridade para crianças e jovens. O mínimo são seis horas, mas a maior parte oferece em torno de 7 a 8 horas”, destaca. A oferta de ensino integral em larga escala, ela reconhece, tem custos que vão além do orçamento do MEC e dos governos estaduais e muni-cipais. “Vamos precisar de muito mais escolas e professores. O senso comum diz que temos recursos para a educação, mas que são mal empre-gados. Isso até é verdade, mas de fato falta dinheiro para o ensino no Brasil. Investimos 4% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país), quando a maior parte dos países aplica 5% ou 6%. E olha que eles não têm a nossa dívida educacional.”

A conselheira considera, de todo o modo, as iniciativas positivas. E vê no aproveitamento da cidade como recurso educativo portas especiais que se abrem para alunos pobres ao terem acesso a aulas de línguas estrangeiras ou música erudita. “Qualquer avanço no sentido de ampliar o turno na escola é muito bom”, conclui.

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ciência

CRESCER E CONQUISTAR

Por _ Frances JonesIlustração _ Tatiana Garrido - Guid

PARA OS JOVENS, TERRITÓRIO NÃO é SÓ ESPAÇO, MAS TAMBéM UMA DIMENSÃO DO COMPORTAMENTO

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Na busca por autonomia e identi-dade, os jovens começam a explorar o mundo a partir da adolescência. Deixam, simbolicamente, o círculo mais estreito da casa – o espaço pri-vado – e, com os amigos e pares da mesma idade, ganham as ruas. Aí, vão experimentar novas formas de socia-lização, ensaiar a entrada no mundo dos adultos e integrar-se à cidade. Ou seja, vão se constituir em cidadãos. Nesse processo, o território em que estão tem importância fundamental por diferentes aspectos.

Para estudiosos do desenvolvimento e comportamento humano, faz muita diferença, por exemplo, se o jovem freqüenta espaços públicos – locais de possíveis conflitos e diálogos com pes-soas diferentes –, ou se o seu horizonte fica restrito a universos privados, como os condomínios fechados, shoppings e clubes. A redução dos ambientes públicos de convivência nas grandes ci-dades, decorrente em geral do temor à violência, é vista como uma dificuldade adicional ao desenvolvimento juvenil, na medida em que exacerbaria o individu-alismo e diminuiria as possibilidades de vivência da diversidade.

CRESCER E CONQUISTAR

distância maior ou menor entre si, tocam-se, ou não, durante a conversa. O professor observa que os brasileiros, quando conversam com os norte-americanos, podem ter a impressão de que há desinteresse por parte de seus interlocutores, pela distância que mantêm, enquanto os que vivem nos Estados Unidos tendem a considerar os brasileiros invasivos e emocionais, ao encurtarem o seu espaço individual, aproximando-se demais.

No âmbito do território familiar, os jovens buscam caracterizar o espaço em que vivem pelo mecanismo de identificação. “Eles ganham identida-de à medida que expressam isso nas paredes”, exemplifica Caramaschi, citando os pôsteres e demais objetos de decoração típicos dos quartos dos jovens. Em uma pesquisa realizada em 2002 com 183 estudantes entre 17 e 23 anos que se mudaram para Bauru a fim de ingressar na Unesp, a equipe do professor constatou que a sensação de bem-estar dos jovens começa a melhorar conforme eles se apropriam dos espaços das repúblicas em que vivem. “No início da faculdade, eles não têm uma sensação de pertencimento, viajam todo fim de semana para a ci-dade de origem, e alguns nem mesmo tiram a roupa da mala, ficando prati-

Tribos urbanasNo campo da Geografia, área do

conhecimento que por excelência trabalha com o espaço, uma noção importante difundida pelo geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) é a de que o espaço é uma totalidade que envolve não apenas o lugar, mas as relações sociais que se desenrolam nele. O espaço é visto como uma cons-trução social, constituído por homens, leis, o meio ecológico e o chamado “mercado”, representado pelas em-presas, responsáveis pela produção de bens, serviços e idéias. Compõe-se tanto por objetos fixos – que podem ser naturais, ou artificiais, construídos pelo homem – como por ações, movimen-tos, circulação de pessoas, mercadorias e conhecimentos.

A noção de território, por sua vez, segundo o geógrafo Maurício Monken, professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Funda-ção Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, tem sido relacionada mais à idéia de limites e às restrições de acesso para os que não pertencem a ele. Entretanto o território também é composto por redes que podem ser tanto técnicas e materiais, como sociais, relacionadas à formação de “territórios afetivos” ou “territórios solidários”.

A questão da territorialidade é bas-tante presente para os jovens, pois, além de ser um período de descoberta dos espaços existentes para além da casa e da família, eles próprios vão marcar o seu novo espaço em busca de

uma identidade sua, procurando se descolar das figuras parentais. Os integrantes das chamadas tribos urbanas (como os punks, skatistas, skinheads, góticos e clubbers, por exemplo) fazem isso tanto ocupando e compartilhando lugares específicos da cidade, como praças, escadarias, festas e postos de gasolina, como assumindo uma ima-gem e atitude semelhante às de seus pares. Assim, pier-cings, botas, correntes, roupas de determinados estilos, e mesmo a linguagem utilizada (e a adoção de gírias), fazem parte dessa demarcação de território. “Não é apenas um lugar, mas também uma dimensão comportamental que caracteriza o seu pertencimento a uma tribo urbana”, diz Sandro Caramaschi, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, no interior de São Paulo.

Território familiarCaramaschi, que pesquisa o relacionamento humano

valendo-se de uma perspectiva evolucionista, inclui em seus estudos três tipos de território: o individual, da inte-ração interpessoal; o familiar, das casas, salas, paredes e quartos, que comunicam a forma de ser da pessoa que mora ou trabalha no lugar; e o tribal, que abrange desde as tribos urbanas até o país, com suas fronteiras e divisões políticas. De acordo com ele, a ampliação ou inibição do espaço em todas as três categorias de território afeta o comportamento das pessoas, de maneiras diversas. “Cada pessoa tem necessidades diferentes, conforme as características de sua personalidade e a cultura em que está inserida”, afirma o professor, formado em Biologia e doutor em Psicologia Experimental.

Um exemplo de como a cultura influencia o espaço individual são os estudos mostrando que, a depender do país em que vivem, as pessoas conservam uma

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camente acampados na nova casa”, relata. “Eles vivem uma sensação de desajuste em um ambiente que não é o deles.” O ajuste é gradativo e acontece à medida que o jovem ocupa o novo espaço, compra móveis, pendura os pôsteres na parede e de-senvolve um grupo de amigos.

Espécies de não-contatoDe acordo com Caramaschi, o ser

humano é social e tem a tendência na-tural de permanecer em grupos, mas ao mesmo tempo está classificado entre as espécies de não-contato – diferen-temente dos pingüins, hipopótamos e elefantes, por exemplo, que vivem em aglomerações, em permanente con-tato físico uns com os outros. Por essa classificação, os homens pertenceriam ao mesmo grupo das aves, dos felinos, cachorros e lobos, espécies que deli-mitam o território. Dentro da Etologia (o estudo do comportamento social e individual dos animais), a questão do “espaço vital” das diferentes espécies é um tema clássico e diz respeito à área necessária para que uma determinada espécie sobreviva, envolvendo as con-dições para a obtenção de alimentos e reprodução.

A comparação entre a territorialidade animal e a territorialidade humana, no entanto, não é bem-vista por muitos estudiosos, pois ganha conotações perigosas ao ser usada para justificar uma suposta necessidade dos homens de dominar um terreno para garantir o seu espaço vital. As idéias de Friedrich Ratzel (1844-1904), aliás considera-do um dos fundadores da moderna Geografia Humana, acabaram sendo utilizadas pelo imperialismo alemão, servindo de base para o expansionis-mo nazista.

Territórios do cotidianoO geógrafo Maurício Monken, da

Fiocruz, acredita que a idéia de terri-tório caminha cada vez mais da esfera política para a cultural, passando das fronteiras entre os povos aos limites do corpo e do afeto entre as pessoas. Nos territórios do cotidiano, ganham

importância os parâmetros de co-presença, vizinhança, intimidade, cooperação e socialização com base na contigüidade. “As redes sociais muitas vezes assumem uma importância maior na vida das pessoas que as redes técnicas, de infra-estrutura, e são também formas de apropriação do território”, afirma Monken.

A convicção de que as redes sociais e a apropriação do espaço da cidade são fundamentais para a saúde e bem-estar das pessoas inspirou uma instituição chamada Projetos Terapêuticos, que reúne psiquiatras, psicanalistas e psicólogos em São Paulo. Os profissionais desenvolve-ram uma proposta de estimular pacientes com distúrbios mentais, isolados em casa, a deixar o território fechado de suas residências e dos consultórios e ganhar os espa-ços da cidade. Quando se é jovem, principalmente, e se mergulha numa crise psiquiátrica grave, há uma grande dificuldade em manter a rede social, e a tendência é a pessoa – mesmo antes com muitos amigos e conheci-dos – se isolar e ter como referência apenas a mãe ou alguém da família.

No trabalho da instituição, dois profissionais acompa-nham um grupo de, no máximo, dez pessoas para procurar coisas que despertem o interesse dos pacientes, os quais acabam participando de bazares, passeios e até mesmo fazendo estágios em lojas. “Percebemos que precisáva-mos colocar esses pacientes para fazer rede fora daqui, a fim de que eles pudessem ter referências fora de casa (e do consultório) e novamente pudessem ter um lugar e ser alguém”, diz o psiquiatra e psicanalista Issa Merca-dante, um dos participantes do projeto. “Nesse sentido, pensamos o território não apenas como lugar, mas como um espaço de troca, com pontos de contato que possam reunir as pessoas”.

Em tempos de globalização e de fragmentação das grandes cidades, em que os serviços presentes em cada região diferem enormemente conforme a localidade, os jovens se apropriam dos espaços cada um à sua maneira, de acordo com as suas possibilidades. Na sua constitui-ção como cidadão, a vizinhança – concreta – adquire muitas vezes mais importância que uma noção abstrata de país.

PESQUISA MOSTRA QUE USAR IMAGENS JUVENIS E DESENVOLVER REDES DE CONTATOS DESPERTAM NOS JOVENS A SENSAÇÃO DE PERTENCIMENTO

chat de revista

TÁ NA ÁREA?

Da capital amazonense, participa a universitária indígena Greth Jane Araújo Ferreira, 21 anos, que cursa Geografia na Universidade Federal do Amazonas e participa do Meiam - Movimento Estudantil Indígena do Amazonas. Isaac Cirilo de Souza, 18 anos, é do município de Pilões,

Mais do que colocar fronteiras físicas, os jovens parecem delimitar seus territórios pelo espaço vi-vido, feito de histórias, aprendizados, experiências diversas do cotidiano. A escola, as áreas de lazer, os centros culturais são suas principais fontes de socia-lização. Nesses locais, entre o pessoal e o coletivo, eles constroem e reconstroem o lugar em que vivem. Por isso, em tese, um território bem equipado tende a garantir-lhes experiências mais ricas, ao passo que a carência de equipamentos sociais empobrecerá sua vivência. Quatro jovens, do campo, da cidade, do litoral e da floresta, conversam aqui sobre essas questões que envolvem a relação da juventude com o território.

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QUATRO JOVENS DEBATEM A

RELAÇÃO ENTRE JUVENTUDE E

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na área rural da Paraíba. Ele está no terceiro ano do ensino médio e milita no Projeto Jovens Plantando Para Colher, um dos sete grupos juvenis do Programa Atores (Articulação de Organizações em Educação e Economia Solidária). Na cidade de Santos, no litoral paulista, vive André Luiz Pascoal, 24 anos, formado em Administração. André foi “guerreiro” no Projeto Guerreiros sem Armas, que reúne e capacita jovens de diferentes países para intervir no espaço urbano com projetos comunitários, como a recuperação de praças. A iniciativa foi idealizada por arquitetos e resultou na fundação do Instituto Elos, onde André trabalha hoje. De Cidade Tiradentes, bairro do muni-cípio de São Paulo, participa Ellen Regina de Almeida

Rio Branco, 24 anos, integrante do Semeando Asas na Comunidade, projeto de produção teatral juve-nil da ONG Pombas Urbanas, que promove educação e fortalece por meio da arte a identidade de comu-nidades de baixa renda. A seguir, os principais trechos do debate.

ONDA JOVEM: O jovem brasileiro é bem atendido quanto a espaços de lazer, entre-tenimento e cultura? Como é a situação na sua cidade?

André: Bom, há o espaço no qual o acesso é pago. Na minha cidade, existem muitos desses espaços, várias opções de lazer que vão de ci-nemas, clubes a baladas. Mas quando se trata de acesso gratuito, aí os jovens têm grande dificuldade. Em Santos, faltam praças, shows públicos, cinemas de rua. Em determinados bairros, principalmente aqueles que mais necessitam desses espaços, o que vemos é o descaso. E a falta de opção faz com que o jovem se ocupe de outra forma, muitas vezes se envolvendo com drogas.

Greth: Eu estudo em Manaus, onde o espaço de lazer é raro. Os jovens deixam a cidade por causa disso. Cidade grande não tem lugar para jogar bola, fazer passeios, as casas são todas grudadas. A gente tem de alugar um espaço para o lazer. Eu sou de Iauaretê, no município de São João da Cachoeira, que faz fronteira com a Colômbia. Lá é diferente. Há muito espaço para os jovens se divertirem: jogam bola, fazem pas-seios, vão tomar banho no rio, fazem encontros de jovens, ficam na praça, vão à igreja. É a vida da cidade pequena que muitas vezes os jovens não valorizam. Eu percebi isso quando vim para Manaus, onde o jovem que não pode alugar uma

quadra para jogar bola fica sem fazer nada e pode procurar coisas ruins para se distrair. Se continuar desse jeito, a cidade vai ser mais violenta.

Isaac: De modo geral, acho até que há espaços de cultura e lazer para a juventude, mas para o jovem crescer como cidadão esses espaços deveriam ofe-recer cultura e diversão como meios de inclusão social. Isso

falta. Em nosso município, Pilões, poucos even-tos abrem alternativas para práticas de cultura, esporte ou lazer.

Ellen: Não é novidade que no Brasil há um grande abismo entre as camadas sociais e que os jovens das camadas mais pobres têm pouco ou nenhum acesso a equipamentos de lazer e cultura. São Paulo, por exemplo, é uma cidade com milhares de opções de lazer e entretenimento, porém grande parte delas está localizada no centro da cidade, enquanto a maioria dos jovens está nas periferias. Para aqueles sem condições de acesso ao centro, a praça costuma virar ponto de encon-tro, mas aí não se cria o hábito, por exemplo, de assistir a espetáculos, mesmo gratuitos.

Em sua opinião, garotos e garotas ocupam os espaços com igualdade?Greth: Não, porque a sociedade já divide os jovens entre ricos e pobres, que não se

misturam e, portanto, não ocupam a cidade com igualdade. Acho que homossexuais, negros, indígenas também vivem discriminações na ocupação das cidades. Eu, por exemplo, quando cheguei a Manaus para estudar, me senti discriminada na cidade grande por ser de uma comunidade pequena.

Ellen: Em qualquer lugar do mundo há espaços direcio-nados a gêneros específicos, o que é algo natural, mas, muitas vezes, segregante. Os homossexuais, por exemplo, têm de se fechar em guetos para poderem expressar-se livremente. Essa segregação também acontece com ne-gros e com pobres, que não são aceitos em certos locais. E acho que podem não ser aceitos só por estarem longe do lugar e não terem condições de freqüentá-lo. Se não freqüentam, quando aparecem provocam estranhamento, e aí tudo se repete, vira um círculo.

Isaac: Acho que não há essa igualdade. A sociedade conserva muitos preconceitos, por exemplo, em relação à participação da mulher na renda familiar. Há também preconceito contra o homossexual, contra o negro.

André: Lembro que na cidade de Santos existem, sim, alguns espaços com ocupação desigual entre meninos e meninas. Há uma praça chamada Palmares, por exemplo, bem mais dominada por garotos por conta de ter muito skatista e este ser ainda um esporte predominantemente masculino. Mas no geral acho que a distribuição dos jovens é bem equilibrada. Sofrem mais discriminação os jovens homossexuais. Os outros jovens têm dificuldade de aceitar.

A escola, para você, é um espaço típico de jovens? Isaac: Acho que principalmente a escola formal não representa para os jovens um

espaço ideal de expressão, de discussões. A escola deveria explorar mais os grêmios estudantis, que são espaços que garantem o direito de expressão e exercício do poder de decisão do jovem.

André: Típico? Talvez sim. Mas muitos jovens, principalmente nas periferias das grandes cidades, vêem a escola como única opção de alimentação diária, ou até mesmo como uma oportunidade de ganhar dinheiro comercializando drogas. Acho que um problema é as escolas tratarem os jovens de forma genérica. Para ser um bom espaço para a juventude, a escola deveria ter um programa que integrasse em sua rotina atividades como esportes, espaços de inclusão digital, de capacitação profissional, tudo com aulas mais dinâmicas.

Ellen: A escola seria um espaço típico de jovens se o sistema de ensino fosse mais aberto, mais criativo. O jovem tem necessidade de criar, de se expressar, e a maior parte das escolas não dá espaço para que isso aconteça. A reação dos jovens é o desinteresse e a evasão.

Greth: Acho que a escola é, sim, um espaço típico de jovens, no mínimo porque há uma concentração deles no lugar. Mas a escola deveria ser sempre o espaço em que os jovens aprendem a ser jovens do bem, a ser bons cidadãos e bons profis-sionais no futuro.

“o jovem tem direito de ampliar seu espaço”

EllEn rEGina

ISAAC

ELLEN

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MOVIMENTO ESTUDANTIL DO AMAZONAS – MEIAMRua 3, casa 25, conjunto Jardim Oriental, Parque 10, Manaus.Contato com Greth (92/8195-0291, e-mail: [email protected]

GRUPO PLANTANDO PARA COLhER/PROJETO ATORESAssentamento Redenção, município de Pilões, PB, CEP 58393-000, tel.: 83/8860-7868, e-mail: [email protected] PROJETO GUERREIROS SEM ARMAS/ INSTITUTO ELOS BRASIL Rua Marechal hermes, 37, CEP 11025-040, Santos, SP, tel./fax: 13/ 3326-4472, www.institutoelosbr.org.br

PROJETO SEMEANDO ASAS NA COMUNIDADE/ INSTITUTO POMBAS URBANASAvenida Metalúrgicos, 2.100, CEP 08471-000, Cidade Tiradentes, SP, tel.: 11/2285-5699 e 2282-3801, e-mail: [email protected]

Greth: O que estraga a vida em uma comuni-dade é a violência, drogas, corrupções, vícios, as festinhas em que os jovens se acabam. Temos de mudar isso.

Qual seria a cidade dos seus sonhos e o que faz hoje para conquistar esse sonho?

Isaac: Uma cidade onde as pessoas valorizem seus costumes e a si mesmas, que busquem um convívio estável com o meio ambiente, sem violências.

Ellen: Uma cidade mais justa, sem miséria ou segregação. Faço parte da construção de um centro cultural em minha comunidade, o que tem contribuído para o desenvolvimento de meu bairro. Não dá para mudar a realidade de todo um país, mas é possível fazer algo por uma parcela dele.

André: Bom, penso que a cidade do meu sonho é aquela onde todos os moradores possam viver e não somente sobreviver. Acho que faço a minha parte com uma companhia de teatro chamada Cia. Teatral Cortição, ligada à Associação Cortiços do Centro de Santos, e também participo de um processo para montar uma padaria comunitária no bairro do Paquetá. No meu trabalho, a gente aprende a ser em-preendedor social para mudar, coletivamente, a realidade.

“Proibir o jovem de se expressar deixa o lugar ruim para viver”

anDrÉ

E a Internet, ela interfere na relação do jovem com o território?

Isaac: Acho que a Internet pode ser uma aliada do jovem interessado em melhorar seu território, ao facilitar a troca de informações, por exemplo, ou pode aliená-lo ainda mais com as fantasias que encontramos na realidade virtual.

Greth: Para os povos indígenas, a Internet é um meio muito im-portante de integração, relação e troca de informações sobre suas comunidades. A rede também nos coloca próximos dos povos de outros países que lutam pela demarcação de seus territórios.

Ellen: Acho que a Internet pode restringir a relação do jovem com a sua cidade, quando ele só fica lá no computador dentro de casa, em vez de sair, ver pessoas etc. Por outro lado, a rede facilita o contato desse mesmo jovem com outros territórios, ampliando o conhecimento de outras culturas, criando relações com pessoas que não fazem parte de seu território.

O que acham de políticas que procuram fixar o jovem em seu território? Ellen: Acho que o jovem tem direito de ampliar seu espaço, buscar experiência

em outros locais, ou desenvolver trabalhos em regiões que não são a sua de origem. Porém é importante que ele, antes de tudo, reconheça e valorize seu próprio território. O melhor nem sempre está fora.

Greth: Os povos indígenas lutam para que seus jovens permaneçam nas aldeias e comunidades, para que assim não estejam sujeitos a problemas dos centros urbanos como alcoolismo, drogas, abuso e exploração sexual, DSTs e Aids. As aldeias se prepa-ram para isso, melhorando escolas, dando acesso à Internet, cursos profissionalizantes. Mas também concordo que o jovem tem direito de buscar novas experiências.

Isaac: Acho que a juventude, principalmente a de municípios pequenos, não deixa sua realidade, seu ciclo de amizade e de convivência por opção, mas por se ver em meio a situações que não favorecem o seu desenvolvimento social e profissional.

Que ações podem detonar um território, ou fazer dele um lugar bom para o jovem viver?

Isaac: O que pode detonar é o desemprego, saúde e educação ruins, além da des-valorização ou esquecimento das expressões culturais locais. O que pode melhorar é o desenvolvimento que aproveite as características locais, além da valorização da

história e da cultura do território.André: Acho que proibir o jovem de expressar o que ele sente

definitivamente deixa o lugar ruim para viver. Além disso, não investir na cultura, no lazer, na educação pode tornar um lugar insustentável.

Ellen: A falta de espaços de entretenimento é um fator crítico e pode detonar um território ao gerar ociosidade e violência. A construção de espaços comunitários, ao contrário, estimula a participação dos moradores nas decisões. Acho isso fundamental para melhorar a qualidade de vida de uma comunidade, cidade ou país. ANDRÉ

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para fazer contato

GRETH

car

tas

FAçA CONTATOEnvie cartas ou e-mails para esta seção com nome completo, endereço e telefone. ONDA JOVEM se reserva o direito de resumir os textos. Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320, conjunto 403, CEP 04111-001, São Paulo, SP. E-mail: [email protected].

GERanDo contEÚDo

Em nome da Oxford Cambridge e RSA Examinations (OCR), peço permissão para uso de um extra-to do texto veiculado no site Onda Jovem sobre o direito à escola por parte de jovens presos. A OCR (www.ocr.org.uk) é uma institui-ção sem fins lucrativos, vinculada à University of Cambridge Local Examinations Syndicate.

florian LehmanCopyright administrator

Oxford Cambridge and rSa examinations

Inglaterra

Participo da iniciativa Agentes Ambientais e da REJUMA. Es-tamos realizando um trabalho de educação ambiental em 15 municípios do Maranhão, espe-cialmente com escolas estaduais e municipais, e utilizando temas editados por Onda Jovem, como saúde, comunicação, família, pro-fessores, trabalho e profissões.

elineusa Silva, São Luis, Ma

Como pedagogo e responsável por programa de inclusão social da Petrobras Distribuidora, em parceria com a ONG Cruzada do Menor, que atende jovens de 16 a 18 anos em situação de risco pessoal e social, alguns deles cumprindo medidas socioeducativas, notei o quanto posso fundamentar ainda mais minhas frentes de trabalho com essa rica fonte de informação que é a revista Onda Jovem.

Leonardo Saboia de azevedo, rio de Janeiro, rJ

EntRE PaRcEIRoS

Gostaríamos de receber mais exemplares de Onda Jovem para distribuí-los, no Pará, entre nossos parcei-ros e educadores do Programa Vale Juventude, que gostaram muito da publicação.

emanuele Oliveira, pa

Trabalho com juventude no projeto Pastoral Juvenil Marista. Um amigo me informou sobre Onda Jovem, o teor da revista, bem como a seriedade com que os temas são abordados. Solicito o envio dos exemplares, que serão de grande importância como subsídio e apoio ao trabalho com os jovens.

rejanete Beatris Schons, Cascavel, pr

Sou psicóloga e educadora social e por causa do meu trabalho gostaria de receber Onda Jovem.

Mariana Dias rodrigues, por-email

Sou orientadora social no programa do governo federal Projovem-Adolescente e tomei conhecimento do riquíssimo material produzido por Onda Jovem. As edições sem dúvida serão importante instrumento de nosso envolvimento com os jovens.

Érica Madalena dos Santos, Capão Bonito, Sp

Como trabalho na organização Aldeias Infantis SOS Brasil, onde atendemos cerca de 10.000 crianças e jovens nos 29 programas de Acolhimento Familiar e Fortalecimento Familiar e Comunitário, solicito o rece-bimento de Onda Jovem.

fernanda Volner, São paulo, Sp

Trabalho no Instituto Aliança com o Adolescente e gostaria de receber Onda Jovem.

Vanessa fantin, porto Seguro, Ba

Sou educador social e trabalho com 100 adolescentes em conflito com a lei e privados de liberdade no Centro de Socioeducação de Foz do Iguaçu. Como nossa ação está pautada pela inclusão social e pela promoção do envolvimento desses jovens com a comunidade, será muito útil receber Onda Jovem.

elissandro Márcio dos Santos, foz do Iguaçu, pr

PaRa GEStoRES

Nós, da Secretaria de Juventude de Teresina, gostamos de receber Onda Jovem. A publicação é de grande interesse para nossos programas e projetos.

erinalda feitosa, Teresina , pI

Trabalhamos no CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, unidade da prefeitura municipal responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social bási-ca a famílias, grupos e indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Por causa deste trabalho, temos interes-se em receber Onda Jovem.

equipe do CraS, Itabirito, MG

Nós, do Departamento de Juventu-de da Secretaria de Estado da Juven-tude, Desporto e Lazer do Amazonas (SEJEL), gostaríamos de ter acesso às edições impressas de Onda Jovem.

Osvaldo araújo, Manaus, aM

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Trabalho diretamente com jovens e adolescentes e seria muito bom ter Onda Jovem como parte de nossas atividades. Obrigada!

adriana Maria da Silva azevedo, por e-mail

Sou estudante do 7º semestre do curso de Jornalismo. Tive acesso ao último exemplar da revista e gostei muito, tanto da programação visual quanto da leveza na linguagem, prin-cipalmente quando se trata de falar para e com os jovens.

Igor Leonardo, Salvador, Ba

Realizamos atividades com alunos no Projeto Cadê Você, na Escola Senador F. Pessoa de Queiroz. Nas ati-vidades, os jovens apresentam sugestões de melhoria na educação e de permanência do aluno na escola. Gostaríamos de receber Onda Jovem, que traz temas diversificados, para apoiar a reflexão dos estudantes.

f. p. Queiroz, por e-mail, pe

Somos da Estação Jovem, espaço que atende jovens de 17 a 29 anos em São Caetano do Sul, SP. Gostaría-mos de ter Onda Jovem em nossa midioteca.

Daniel Liger, São Caetano do Sul, Sp

Sou pedagogo e trabalho com projetos educacio-nais na Auge Tecnologia&Sistemas, organização que contribui para a melhoria dos processos de gestão educacional, ensino e aprendizagem. Gostei muito dos artigos publicados em Onda Jovem e tenho interesse em receber periodicamente as edições.

ramon flauzino, Belo Horizonte, MG

Recém-formado em Jornalismo, pretendo atuar com comunicação comunitária. Conheci Onda Jovem e achei a revista simplesmente fantástica. Gostaria de receber os exemplares.

Tiago alves pereira, por e-mail

cIRcULanDo

Gostaria de ver divulgado na re-vista e no site Onda Jovem o Espaço Iberoamericano de Juventude (www.espacioiberoamericano.net). A ini-ciativa surge no marco do Ano Ibero-americano de Juventude. O espaço é formado por Conselhos Nacionais de Juventude, plataformas juvenis de caráter nacional e organismos internacionais que atuam no âmbi-to iberoamericano. No Brasil, até o momento, duas plataformas juvenis participam: O Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis e a Rede Iberoamericana de Juventude Indígena e Afrodescendente.

Marjorie Botelho, coordenadora do Imagem e Cidadania/Sobrado

Cultural, fórum Nacional de Movi-mentos e Organizações Juvenis,

fórum de Juventudes do rio

Sou produtora cultural da Fábrica do Futuro. Admiramos muito o tra-balho de Onda Jovem. Realizamos recentemente o 1° Fórum de Juven-tude, Cultura e Cidadania, uma ação que faz parte do Projeto Identificart, desenvolvido em sete comunidades com coletivos jovens de debate e que terá como produto, no final do ano, uma produção audiovisual de um patrimônio cultural escolhido pelos jovens de cada comunidade!

Babi piva, Cataguazes, MG

Gostaria de receber Onda Jovem, que pode contribuir com os trabalhos edu-cativos com jovens nas organizações comunitárias de que participo. Quero circular as edições entre os parceiros e jovens nas atividades e também divulgar o site Onda Jovem.

rachel Matos, São paulo, Sp

nav

egan

do TERRITÓRIOS DA ARTE

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a rua é o território juvenil por excelência. além do espaço virtual, é na rua que os jovens têm contato real, se encontram, conversam, se expressam, partem para outros programas. a opinião é de Ivan da Silva, 27 anos, quadrinista desde a infância. “Sempre gostei de dese-nhar. Na escola, ilustrava as capas dos trabalhos”. foi também na es-cola, na Vila Brasilândia, zona Norte de São paulo, que conheceu Luiz flávio Lima. “ele tinha uma história pra contar e eu sabia desenhar”, diz Ivan. O encontro rendeu mais que histórias em quadrinhos: em 2001, a dupla fundou o Instituto Sala 5 (www.sala5.org), organização juvenil voltada para o desenvolvimento co-munitário e o empreendedorismo, e

que edita a revista Menisqüência. autodidata, Ivan fez apenas algumas oficinas, mas teve um grande mestre: “O cartunista Laerte me apresentou as maravilhas do computador”, diz. apesar de veterano, Ivan não vive somente de sua arte e ainda trabalha numa faculdade “para pagar as contas”. Mas pretende continuar dese-nhando: “Sempre há histórias pra contar”.

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Para nós, Educação é a rota que leva ao desenvolvimento do País.

O Instituto Votorantim acredita na Educação, como via principal para o

desenvolvimento da juventude.

Por isso, apóia desde 2005 o projeto Onda Jovem, com revista e site voltados para

educadores que lidam com a juventude.

Em 2008, tornou-se parceiro do MEC no Prêmio Professores do Brasil, que passou a destacar também

boas práticas pedagógicas no Ensino Médio.

Agora, está lançando o Parceria Votorantim pela Educação, um programa que vai chegar

a 130 municípios em 2009, promovendo o valor da Educação nas comunidades.

As três iniciativas dessa rota têm destino certo: transformar a Educação numa causa de toda

a sociedade brasileira.