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Eduardo Antunes Martins Os opioides constituem a base do tratamento de dor, mas seu controle total depende altamente do valor da dor (ou seja, seu tipo, sua condição). Muitas vezes há demanda da utilização conjunta de AINEs, anticonvulsivantes e antidepressivos. O termo opiáceo refere-se a compostos relacionados estruturalmente com os produtos do ópio (aqueles naturais são retirados da papoula do ópio). Opioide é qualquer composto, independentemente de sua estrutura, que possua as propriedades funcionais e farmacológicas de um opiáceo. Finalmente, o termo endorfina é usado como sinônimo de peptídeos opioides endógenos, mas também se refere a um opioide endógeno específico, a B-endorfina. São objetivos a serem alcançados: Compreender a fisiologia do sistema de opioides; Correlacionar os receptores com os aspectos observados na clínica e na utilização desses fármacos; Predizer as características farmacológicas dos fármacos. Farmacologia UNIDADE IV CAPÍTULO 4 OPIOIDES

opioides - farmacologia

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Farmacologia médica

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Farmacologia Eduardo Antunes Martins

Os opioides constituem a base do tratamento de dor, mas seu controle total depende altamente do valor da

dor (ou seja, seu tipo, sua condição). Muitas vezes há demanda da utilização conjunta de AINEs, anticonvulsivantes e

antidepressivos. O termo opiáceo refere-se a compostos relacionados estruturalmente com os produtos do ópio

(aqueles naturais são retirados da papoula do ópio). Opioide é qualquer composto, independentemente de sua

estrutura, que possua as propriedades funcionais e farmacológicas de um opiáceo. Finalmente, o termo endorfina é

usado como sinônimo de peptídeos opioides endógenos, mas também se refere a um opioide endógeno específico, a

B-endorfina.

São objetivos a serem alcançados:

Compreender a fisiologia do sistema de opioides;

Correlacionar os receptores com os aspectos observados na clínica e na utilização desses fármacos;

Predizer as características farmacológicas dos fármacos.

Farmacologia

UNIDADE IV CAPÍTULO 4

OPIOIDES

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A dor é a conseqüência perceptual final do processamento neural de determinada informação sensorial. Em

geral, o estímulo inicial surge na periferia e é transferido, sob múltiplos controles, através de transmissores sensoriais

no sistema nervoso central (SNC) até o córtex. A dor pode ser aguda (duração inferior a 30 dias) ou crônica (duração

superior a 30 dias), sendo classificada segundo seu mecanismo fisiopatológico em três tipos: a) dor de predomínio

nociceptivo, b) dor de predomínio neuropático e c) dor mista. A dor de predomínio nociceptivo, ou simplesmente dor

nociceptiva, ocorre por ativação fisiológica de receptores de dor e está relacionada à lesão de tecidos ósseos,

musculares ou ligamentares (3) e geralmente responde bem ao tratamento sintomático com analgésicos ou anti-

inflamatórios não esteroides (AINES). Já a dor neuropática é definida como dor iniciada por lesão ou disfunção do

sistema nervoso, sendo mais bem compreendida como resultado da ativação anormal da via da dor ou nociceptiva.

Contrariamente à dor nociceptiva, a dor neuropática responde pobremente aos analgésicos usuais (paracetamol,

dipirona, AINES, opioides fracos).

As características das fibras da dor definem uma divisão clara em dois tipos de dores: aguda ou primária

(conduzida pelas fibras Aδ, sendo que desaparece com a retirada do estímulo e é bem localizada, tendo um caráter

benéfico ao organismo – de proteção) e lenta ou crônica (conduzida pelas fibras C, sendo que não desaparece com a

retirada do estímulo e é mal localizada, tendo um caráter bem depressivo e degradante).

A dor lenta é a mais complexa, pois ocorrem diversos fenômenos celulares que acentuam ou prolongam a

dor. Ela está intimamente relacionada com diversos mediadores inflamatórios liberados por lesões celulares. Por

exemplo, em uma lesão com uma faca há liberação de hemácias e leucócitos. Juntamente com essas células há uma

consequente liberação de substâncias, como aquelas

produzidas pelos mastócitos. Essas células liberam diversos

componentes algogênicos (provocam a dor), como a serotonina

(5-HT) e a histamina. As próprias células do tecido liberam

substancias altamente algogênicas, como a bradicinina, e

substâncias irritantes, como os derivados do ácido

araquidônico.

As fibras que mais respondem a esse coquetel de

produtos são as fibras C. Esses estímulos provocam a abertura

de diferentes canais iônicos, gerando potenciais receptores

posteriormente codificados em salvas de PA. Estes são

finalmente conduzidos para o SNC. Contudo essa

despolarização causa secreção pelas próprias terminações

nervosas periféricas de diversas prostaglandinas e

neuropeptídios. Esse sistema de retroalimentação via,

principalmente, substância P afeta diretamente a

permeabilidade vascular e a ação de células leucocitárias

(perpetuam a dor e a resposta inflamatória, chamado de reação

inflamatória neurogênica).

Todo esse mecanismo faz com que o potencial de

repouso da membrana das fibras da região se eleve, processo

chamado de sensibilização. Isso gera um estado de

hiperalgesia, ou seja, aumento da dor mesmo a ações antes

inofensivas. Esse fato pode ser constatado nas regiões em

torno de focos inflamatórios, onde a sensibilidade à dor é muito

maior.

A sensibilização central gera um processo chamado de alodínia, que faz com que estímulos antes inócuos

sejam dolorosos. A forma mais simples de sensibilização periférica é a estimulação repetitiva de nociceptores, o que

provoca somação pós-sináptica na medula, gerando potencias maiores e ativação de receptores glutaminérgicos do

tipo NMDA, que amplificam a transmissão sináptica.

Figura 1 – Mecanismos da dor nociceptiva geral.

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A lesão em nervo periférico desencadeia alterações anatômicas complexas no nervo e na medula espinhal,

causando disestesias espontâneas (dor em pontadas ou ardência) e alodinia. Elas resultam no desenvolvimento de

atividade ectópica originada dos neuromas formados pela lesão do nervo e dos gânglios das raízes dorsais dos

axônios lesados, além de resultar na

reorganização do corno dorsal, de forma que

estímulos de limiar baixo já provoquem um

potencial de ação. Pode ocorrer por

traumatismo ou compressão nervosa, diabetes

e dor pós-herpética. Esse tipo de dor é menos

suscetível ao tratamento com analgésicos.

O tratamento das dores nociceptiva e mista deve respeitar a proposta da Organização Mundial da Saúde

(OMS) de escalonamento (Degraus da Escada Analgésica, a seguir), que inclui analgésicos, anti-inflamatórios,

fármacos adjuvantes e opioides (fracos e fortes). Dentro de uma mesma classe inexiste superioridade de um fármaco

sobre o outro. Em algumas situações de dor oncológica, caso haja lesão concomitante de estruturas do sistema

nervoso (por exemplo, o plexo braquial) e escores elevados na escala de dor LANSS (dor mista ou neuropática),

medicamentos para dor neuropática podem ser utilizados.

Tabela 1 - Escada Analgésica da OMS: Degraus do Tratamento da Dor Nociceptiva e Mista.

A base do tratamento da dor neuropática envolve o uso de medicamentos antidepressivos tricíclicos e

antiepilépticos na maioria dos casos, sendo os opioides reservados somente a pacientes com dor a eles refratária. A

primeira escolha, portanto, para os casos de dor neuropática, são os medicamentos antidepressivos tricíclicos, não

havendo diferença em termos de eficácia entre os representantes do grupo. Se não houver resposta ao tratamento,

devem ser associados antiepilépticos tradicionais (como a gabapentina) e morfina, obedecendo à seguinte

sequência:

1. Antidepressivos tricíclicos

2. Antidepressivos tricíclicos + antiepilépticos tradicionais

3. Antidepressivos tricíclicos + gabapentina

4. Antidepressivos tricíclicos + gabapentina + morfina

Figura 2 – Mecanismos da geração dos dois tipos de dor neuropática (disestesias e alodinia).

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Receptores Opioides

A identificação de receptores opióides na década de 70 foi também acompanhada da identificação de

substâncias endógenas que se ligavam a eles. Estas substâncias são peptídeos, divididos em 3 famílias, cada uma

originada de um gene distinto. Estes genes orientam o código de síntese de uma grande proteína precursora a partir

da qual os vários peptídeos ativos são separados. Uma destas proteínas precursoras é a pro-opiomelanocortina que

dá origem ao hormônio melanocítico estimulante, ACTH e ß-endorfina. O segundo grupo de peptídeos opióides

deriva do precursor pro-encefalina, que dá origem a metionina encefalina (met-encefalina) e à leucina encefalina (leu-

encefalina). O terceiro precursor é a pro-dinorfina que origina as dinorfinas (com cadeias de aminoácidos de

diferentes comprimentos).

A ß-endorfina esta presente na hipófise anterior, lobo intermediário, em núcleos do hipotálamo basal e medial

e células do núcleo do trato solitário (centro simpático primário para os arcos reflexos dos baro e quimiorreceptores).

As encefalinas são encontradas no sistema nervoso central e na periferia, como medula adrenal, no trato

gastrintestinal (especialmente no plexo mientérico), medula espinhal (lâminas I e II de Rexed), diversas regiões

supraespinhais do sistema nervoso central, em particular corpos celulares do globo pálido, núcleos supra-ópticos e

paraventriculares do hipotálamo, amígdala e neocórtex. Por sua ampla distribuição supõe-se um grande número de

funções para as encefalinas, mas suas projeções estão ainda incompletamente mapeadas. As dinorfinas foram

identificadas no intestino, hipotálamo, hipófise posterior, tronco

encefálico e medula espinhal.

Muitos receptores foram propostos. Entretanto, a

maioria dos autores da área trabalha com 3 bem estabelecidos:

m dividido em 2 subclasses m1 e m2, d e k; os receptores

epsilon e sigma não parecem ter papel relevante no

mecanismo de analgesia.

A analgesia dos opióides é mediada por uma interação

complexa entre os receptores m, delta e kappa. Em relação a

ação supra-espinhal os receptores m parecem ter a influência

mais importante, enquanto que os receptores d e k estão

envolvidos com a analgesia espinhal. Através do uso de

antagonistas seletivos de m1 (naloxonazina e naloxozona) foi

possível concluir que os receptores m1 estão relacionados com

a analgesia supra-espinhal; pelos estudos realizados os

receptores m2 não parecem ter grande importância na ação

analgésica. A analgesia medular envolve outros receptores.

Neste local os ligantes delta específicos são cerca de 5 vezes

mais potentes que a morfina.

Os receptores m estão amplamente distribuídos em todo o encéfalo, e sua função relaciona-se com a

integração motora-sensorial e percepção dolorosa. Os receptores d são mais limitados em sua distribuição e

encontram-se nas áreas relacionadas à olfação, neocórtex, caudado-putamen, núcleo acumbens e amígdala.

Parecem ter papel na integração motora, olfação e função cognitiva. Os receptores k são observados nos núcleo

caudado-putamen,acumbens, amígdala, hipotálamo, neurohipófise, eminência média e núcleo do trato solitário. Suas

prováveis funções relacionam-se com balanço hídrico, ingesta alimentar, percepção dolorosa e atividade

neuroendócrina

Tabela 2 – Classificação de receptores opioides.

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Tabela 3 – Tipos de receptor, suas ações (no caso com o uso de antagonistas e agonistas) em diversos sistemas.

Os receptores opioides estão ligados à proteína G, tendo como principal segundo mensageiro o AMPc, que é

sintetizado pela adenilil ciclase. Ele modifica a ação de outras enzimas envolvidas na fosforilação de proteínas.

Contudo, os receptores opioides estão ligados à adenilil ciclase por proteínas G inibitórias, provocando assim uma

diminuição nos níveis de AMPc. Ocorre as seguintes etapas:

Ligação ao receptor opioide;

Transformação do GDP em GTP;

Dissociação do receptor da proteína G e das subunidades da proteína G;

Subunidade alfa age sobre o sistema efetor;

Liberação do agonista do receptor;

Atividade intrínseca enzimática hidrolisa a GTP e a transforma em GDP;

Subunidades beta e gama se associam à subunidade alfa novamente;

Receptor se aclopa à proteína G.

Figura 3 – Etapas de ativação do receptor.

Como já dito, há inibição da via do AMPc após ativação de DOR, MOR e KOR em várias linhagens de

células. Além disso, essa proteína G também se associa a outras moléculas intracelulares, realizando diversos

mecanismos, dentre eles:

Inibição da via do AMPc;

Redução da condutância dos canais Ca-dependentes;

Aumento do influxo de potássio;

Ativação da fosfolipase C e do fosfatidilinositol;

Inibição da proteína cinase C.

Mecanismos de Tolerância e Dependência

O emprego de opiódes exige um certo cuidado, devido a dependência e tolerância que o fármaco pode

causar. A tolerância causada por opióides vem sendo muito estudada, as repetidas administrações de substâncias

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opióides geram mecanismos adaptativos como resultado de alterações a curto e médio prazo que ocorrem nos

neurônios sensíveis aos opióides e em redes neuronais. Um desses mecanismos é o desenvolvimento de tolerância

às substâncias opióides, culminando na necessidade de ingestão de doses mais elevadas para a obtenção do

mesmo efeito.

A tolerância a opióides está relacionada a um fenômeno conhecido como dessenbilização de receptores, que

pode ser definida como a perda progressiva da função dos receptores sob a exposição continua de um agonista. A

exposição contínua do receptor ao opióde resulta na dessenbilização de seus receptores que pode ocorrer devido a

certas alterações adaptativas como: regulação negativa (down-regulation) dos receptores opióides, internalização e

desacoplamento das proteínas G ( uncoupling) inibitórias.

A alteração no número e na afinidade dos receptores oferece um mecanismo atrativo para explicar a perda

de capacidade de resposta, tão característica da tolerância. Down-regulation dos receptores opióides é caracterizada

por uma perda generalizada de receptores, tanto dos da superfície celular como dos intracelulares.

Ao contrário do processo de down-regulation, a internalização não está associada ao transporte de

complexos ligante-receptor para lisossomas, já que ocorre na ausência de decréscimo na densidade de receptores. A

redução do número de receptores na superfície celular leva a uma queda na resposta farmacológica, esse fenômeno

ocorre em parte pela fosforilação do receptor, que leva a proteína arrestina a se complexar com esse receptor

fosforilado, já que a arrestina apresenta alta afinidade pelo receptor fosforilado. Vale destacar, que a internalização

pode tanto estar envolvida da redução da atividade quando no restabelecimento dela, uma vez que, a endocitose do

receptor dessensibilizado é necessário para a desfoforilação, e subseqüente ressenbilização.

Down-regulation e a internalização dos receptores não explicam totalmente a tolerância a opióides. Surgiu

então, a teoria acerca do desacoplamento (unclouping) das proteínas G aos receptores. Após ativação da proteína G

com a translocação das subunidades ß/γ , ocorre uma fosforilação dos resíduos serina/treonina na região carboxi

terminal do receptor. Com isso, a proteína arrestina, move-se do citoplasma e liga-se a esse receptor fosforilado, a

formação do complexo receptor fosforilado/arrestina, provoca o desacoplamento da proteína G, tornado o receptor

incapaz de transduzir sinal.

Efeitos Farmacológicos

Efeitos sobre o Sistema Nervoso Central

Analgesia: a morfina é eficaz na maioria dos tipos de dor aguda e crônica, embora os opióides sejam, em

geral, menos úteis nas síndromes de dor neuropática (membro fantasma, neuralgia do trigêmeo) do que na dor

associada à lesão tecidual, inflamação ou crescimento de tumor.

Euforia: a morfina produz uma sensação intensa de contentamento e bem-estar, reduzindo a agitação e a

ansiedade associadas a qualquer doença ou lesão dolorosa. Obs: A euforia não é significativa para a codeína e a

pentazocina e a nalorfina, em doses suficientes para a analgesia, produz disforia.

Depressão respiratória: resulta em aumento na pCO2 arterial. O efeito depressor está associado a uma

redução na sensibilidade do centro respiratório à pCO2. Diferente do observado com os barbitúricos, a depressão

respiratória não é acompanhada por depressão dos centros bulbares que controlam a função cardiovascular.

Supressão da tosse: a codeína suprime a tosse em doses subanalgésicas.

Náuseas e vômitos: atuam na área postrema (zona de gatilho quimiorreceptora).

Miose: efeito mediado centralmente pela estimulação do núcleo oculomotor mediada pelos receptores m e k.

As pupilas puntiformes constituem uma característica importante na superdosagem de morfina e drogas correlatas,

visto que as outras causas de coma e depressão respiratória produzem, em sua maioria, midríase.

Efeitos sobre o Trato Gastrintestinal

A morfina aumenta o tônus e reduz a motilidade em muitas partes do trato gastrintestinal, resultando em

constipação. O conseqüente atraso no esvaziamento gástrico pode retardar a absorção de outras drogas

consideravelmente.

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Obs: A pressão no trato biliar aumenta devido à contração da vesícula biliar e constrição do esfíncter biliar, o

que é prejudicial em pacientes que sofrem de cólica biliar devido a cálculos vesiculares (a dor pode ser intensificada).

Outros Efeitos

Liberação de histamina dos mastócitos (ação independente dos receptores opiáceos), o que pode causar

efeitos locais, como urticária e prurido no local de injeção e efeitos sistêmicos, que consistem em broncoconstrição e

hipotensão.

Hipotensão e bradicardia com doses elevadas da maioria dos opióides (ação sobre o bulbo).

Farmacocinética e Divisão dos Grupos

Pode-se classificar os fármacos opioides em quatro grandes grupos:

Agonistas: sua resposta é mais ou menos linear (quanto maior mais alívio de dor). Sua limitação são

os efeitos colaterais;

Antagonistas parciais: baixa eficácia (pois necessita de um agonista previamente ligado). O aumento

da dose gera um platô de resposta;

Agonista-antagonista: efeito dual;

Antagonistas: não possui atividade

farmacológica intrínseca em relação a dor.

Define-se como “Morphine Rule” uma regra geral

para ação anestésica, isto é, a presença de certas estruturas

gera o efeito analgésico. São elas:

Nitrogênio terciário com radical

alquila

Carbono Quaternário

Grupo fenil ligado ao carbono

quaternário

Espaço de 2 carbonos entre o N

terciário e o C quaternário

Alterações periféricas nessas estruturas geram

modificações na farmacocinética do composto.

Morfina e Agonistas Naturais

São exemplos: morfina (Dimorf), codeína (Tylex), papaverina (Atroveran) e a tebaína. A codeína é de

especial importância, sendo que se trata de uma metil-morfina (mais fraca, pois precisa de enzimas para sua

transformação a morfina antes que possa atua, ou seja, necessita de biotransformação prévia).

Farmacocinética:

Dose por V.O. sofre redução pelo metabolismo pré-sistêmico (dose oral deve ser muito maior que a

parenteral);

Sua absorção pode ser realizada por muitas vias (indicação muito variada);

Pode ter duas formas de apresentação:

o Liberação imediata: absorção rápida; CPM de picos altos; risco de ultrapassar a

concentração limite de toxicidade; aumento do risco de efeitos colaterais (morfina utiliza a

3A4 e 2D6 para metabolismo, gerando muitos polimorfismos e interações); atinge steady-

state nas primeiras 24 hr; é uma dose de ataque (necessidade de controle restrito no começo

do tratamento).

Figura 4 – Alterações na estrutura e suas consequências.

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o Formação lenta: utiliza matriz dual de hidrofobia e hidrofilia; eficácia de 8 a 12 hr, sem picos

de concentrações tóxicas; steady-state em 48 a 72 hr; retarda início do alívio da dor (pH

gástrico pequeno retarda sua absorção, ou seja, não tomar em completo jejum).

Ligam-se a proteínas plasmáticas e eritrócitos (dependente de fatores químicos);

Inicialmente distribui-se para tecidos bem vascularizados (pulmão, fígado e rins);

Podem se acumular no tecido adiposo e músculos (depois de horas da utilização há mais um pico de

concentração);

Sofrem metabolismo hepático de primeira passagem (que são distintos dependendo do fármaco):

o Duas reações de acetilação a partir da heroína;

o Compostos com ésteres são hidrolisados por esterases hepáticas;

o Pode ocorrer desmetilação pela 2D6 (codeína);

o Geração de metabólitos ativos na morfina > morfina-6-glicoronídeo e normeperidina (da

meperidina). Esses metabólitos ativos podem gerar um efeito rebote posterior (alodinia pela

parada da utilização do medicamento);

o Quando a morfina é utilizada cronicamente há armazenamento da M6Gm o que garante

maior gravidade dos efeitos colaterais;

Sua excreção é pela urina e na bile (inalterada e metabolizada).

Figura 5 – Metabólitos formados a partir da morfina.

Agonistas Sintéticos

Todos se ligam ao receptor u (m), sendo que a depressão respiratória é seu principal efeito colateral. São

eles:

Metadona e congêneres

Meperidina e congêneres

Fentanila e congêneres

Levo-alfa-acetilmetadol (Levometadil, LAAM)

Propoxifeno

Levorfanol

Tramadol

Metadona:

Uso V.O. e parenteral

Mytedom®

Meia-vida 15 a 40 horas

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Ação prolongada

Meperidina:

Age SNC e sobre elementos neurais intestino

Não deve ser usada por mais de 48 h

Meia-vida 3 h;

Paciente cirrose, biodisponibilidade aumentada em 80%, meia-vida prolongada

Cruza barreira placentária

Dolantina® (injetável)

Loperamida:

Reduz motilidade gastrointestinal

Efeito antidiarréico = secreção gastrointestinal

Meia-vida 7-14 h

Imosec®

Apenas apresenta caráter antidiarreico, mas não deve ser usado em diarreias infecciosas.

Fentanila:

Fármaco popular prática anestésica (adjuvante anestésico)

Tempo curto efeito analgésico alcança pico – início ação 5 min após dose (meia-vida 5 min)

Rápida cessação efeito após pequenas doses

Relativa estabilidade cardiovascular

100X mais potente morfina

Fentanil®

Durogesic D-Trans® (adesivo transdérmico)

Tramadol:

Fraca ação agonista sobre recept

Parte da ação devido inibição captação de norepinefrina e serotonia

Utilizado para dor leve e moderada (tão eficaz quanto morfina)

Dor trabalho de parto –

Principal resposta analgésica = metabólito desmetilado (2-4 X mais potente)

Utilizado por V.O. e parenteral

Meia vida 6 h / duração ação até 6 h

Tramal®

Agonista-Antagonistas

São exemplos: Nalbufina, Butorfanol, Pentazocina, Buprenorfina, sendo o primeiro mais importante.

Nalbufina:

Antagonista nos receptores

Ação analgésica – agonista receptores

Usado para produzir analgesia

Exibe efeito pico, que não provoca respiratória

Em pacientes dependentes de doses baixas morfina – uso nalbufina pode precipitar síndrome

abstinência porque são antagonistas dos efeitos da morfina nos receptores

Nubain® (injetável)

Antagonistas

A naloxona é um antagonista puro, que pode reverter a ação dos agonistas (morfina, fentanil, alfentanil,

sufentanil) bem como a de alguns agonistas/antagonistas e agonistas parciais (butorfanol, nalbufina, pentazocina,

dezocina e buprenorfina). A naxolona não costuma produzir nenhum efeito quando administrada a um paciente que

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não recebeu nenhum opióide. A meia-vida de eliminação curta da naloxona (cerca de 1 hora), implica numa duração

de ação mais curta que a da maioria dos agonistas com que ela vai competir. Este é o conhecimento que justifica

doses adicionais de naloxona e observação cuidadosa do paciente, uma vez que o efeito do antagonista pode ser

mais breve que a eliminação do agonista, e os fenômenos de ação agonista reinstalarem-se.

Durante administração de naloxona pode-se observar efeitos colaterais como náusea, vômito, excitação,

instabilidade hemodinâmica. Para minimizar ou evitar este inconvenientes, a naloxona deve ser administrada

lentamente, em pequenas doses seqüenciais, até que o efeito desejado seja atingido. A instabilidade hemodinâmica,

observada com o uso de naloxona. manifesta-se por aumentada atividade do sistema nervoso simpático, expressa

através de taquicardia, hipertensão, edema pulmonar e arritmias cardíacas, tendo sido observada até fibrilação

ventricular.

A naltrexona é um derivado da naloxona, mais potente e de longa duração, pode ser adminis trada por via

oral. Sua aplicabilidade em anestesiologia ainda não possua apoio na literatura.

Naloxona:

Pequenas doses IM ou EV revertem efeitos agonistas

frequencia respiratória (após 1 ou 2 min adm)

Efeitos sedativos revertidos

Pressão arterial retorna ao normal

Indivíduos dependentes opióides – pequenas doses causam síndrome abstinência

Rapidamente absorvido

Metabolizado fígado – conjugado ác. glicurônico

Meia-vida 1 h

Utilizado tratar toxicidade opióide - respiratória

Utilizado dependência física e usuários compulsivos adicção

Utilizado overdose opióide

Narcan® (injetável)

Referências

HARDMAN, J.G.; LIMBIRD, L.E. Goodman & Gilman As Bases Farmacológicas da Terapêutica. McGraw

Hill, 12ª ed. 2012.

SILVA, Penildon. Farmacologia. 8ª Ed. RJ: Guanabara Koogan, 2010.

www.anvisa.gov.br/bularioeletronico/

GOZZANI, Judymara Lauzi, TSA. Opióides e Antagonistas. Rev Bras Anestesiol 1994; 44: 1: 65 – 73.