Os Usos Da Educação No Militantismo Ambientalista

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Educação ambiental

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    Pro-Posies, Campinas, v. 20, n. 2 (59), p. 77-92, maio/ago. 2009

    Os usos da educao no militantismo ambientalista1

    Wilson Jos Ferreira de Oliveira *

    Resumo: Este artigo examina as condies e as lgicas sociais que fundamentam os usos e areconverso da formao universitria para o exerccio profissional na defesa de causas ambientais.A metodologia utilizada consistiu na realizao de entrevistas biogrficas com trs geraesdistintas de ativistas do Rio Grande do Sul, focalizando suas condies sociais de origem, ossignificados associados ao uso da formao escolar na militncia, as principais modalidades decarreiras militantes e os tipos de recursos e de vnculos sociais que fundamentam o exerccio damilitncia. A pesquisa demonstrou que o ambientalismo constitui um espao social dereconverso da formao escolar e universitria para a atuao profissional em diferentes esferasde atividade, com base em recursos e vnculos estabelecidos pelos ativistas com partidos polticos,com organizaes e com movimentos sociais no decorrer de seus itinerrios familiar, escolar eprofissional.

    Palavras-chave: militantismo; educao; atuao profissional; ambientalismo.

    The use of education in environmental activism

    Abstract: This article examines the social conditions and the logic that bases the uses andreconversion of higher education for professional practice in the defense of environmentalcauses. The methodology consisted of biographical interviews with three different generationsof activists from Rio Grande do Sul, focusing on their social origin, the meanings associatedwith the use of academic education in militancy, the main kinds of militant careers, and thetypes of resources and social ties that ground activists practices. The research showed thatenvironmentalism is a social space for reconverting school and university education intoprofessional action in different spheres of activity, based on resources and ties established byactivists with political parties, organizations and social movements in the course of their familial,schooling and professional routes.

    Key words: militancy; education; professional practice; environmentalism.

    * Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, [email protected], [email protected]

    1. Este artigo uma verso modificada de uma comunicao apresentada no XIII CongressoBrasileiro de Sociologia no Grupo de Trabalho Educao e Sociedade. Agradeo os comentriose sugestes de Maria Alice Nogueira e Mrcio da Costa, coordenadores do GT.

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    Apresentao

    As competncias tcnicas e profissionais adquiridas atravs da formaouniversitria tm sido consideradas um dos principais recursos utilizados nadefesa de causas ambientais, configurando um novo campo de atuao profis-sional, que tem se caracterizado pela substituio de um modelo de militanteativista pelo militantismo de expertise (Ollitrault, 1996; 2001; Sainteny,1999; Gallet, 2002). Em que pesem as diferenas de abordagens relacionadas produo internacional (e, mais precisamente, europia e norte-americana),a grande maioria dos trabalhos convergem para esse tipo de caracterizao doambientalismo. Algo semelhante ocorre na literatura nacional, destacando-se aintensificao do processo de profissionalizao das organizaes ambientalistas(Loureiro; Pacheco, 1995), bem como a concentrao dos processos de formu-lao e implementao de polticas ambientais nas mos de poucos especialis-tas (Zhouri; Laschefsky; Pereira, 2005; Leite Lopes, 2004). A importncia dosrecursos escolares e da legitimidade de expertise nas mobilizaes coletivas podeser igualmente observada na defesa dos direitos do homem e de causas huma-nitrias (Agrikoliansky, 2002; Simant; Dauvin; C.A.H.I.E.R., 2002) e nomilitantismo sindical (Wagner, 2004), entre outros. Isso est associado, entreoutras coisas, prpria dimenso intelectual das prticas polticas e, mais espe-cificamente, importncia do discurso no exerccio da poltica, assim como dacomplexidade de processos intelectuais envolvidos nos diversos nveis de ativi-dade poltica (Memmi, 1985; Lagroye, 1993).

    Este artigo compreende essa problemtica de investigao referente rela-o entre engajamento poltico e escolarizao ou, mais precisamente, impor-tncia e aos efeitos da escolarizao sobre o ativismo ambiental e configuraode um militantismo que tem como base principal a escola: militantes comelevada formao escolar e cuja interveno est amplamente respaldada nautilizao de recursos escolares e de competncias tcnicas e profissionais. Talartigo faz parte de uma investigao anterior sobre a emergncia e as redefiniesdo ativismo ambiental entre 1970-2005 (Oliveira, 2005) e de duas investiga-es ainda em curso: uma, sobre as dinmicas de fabricao e de utilizao demanifestaes e protestos pblicos na defesa de causas ambientais; outra, sobreos processos de produo da poltica de expanso do eucalipto no Rio Grandedo Sul.

    Diferentemente dos trabalhos que aceitam como dada e evidente certa ten-dncia geral de institucionalizao e de profissionalizao do ambientalismo,uma das alternativas abertas pela anlise das modalidades de atuao profissio-nal na defesa de causas consiste justamente em considerar os usos da formaoescolar como resultado de investimentos sociais mltiplos e da participao

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    anterior ou simultnea dos atores em um conjunto diversificado de atividadessociais (Collovald et al., 2002; Coradini, 2002; Simant; Dauvin, 2002). Emconsonncia com isso, trata-se de examinar a formao universitria e o exerc-cio profissional no apenas em sua dimenso formal, mas, principalmente,como um espao de articulao de recursos diversificados para atuao em di-ferentes esferas de atividade. Sendo assim, este artigo examina as condies e aslgicas sociais que respaldam os usos e a reconverso da formao escolar euniversitria em competncias profissionais na defesa de causas ambientais,focalizando as concepes de sociedade e de poltica que fundamentam as de-finies da atividade profissional, assim como os recursos e os vnculos sociais epolticos associados ao seu exerccio.

    Para dar conta disso, levanta-se a hiptese de que a expanso do ambientalis-mo ocorrida a partir da dcada de 1970 constitui um marco importante doprocesso de configurao do ambientalismo como um espao de ampliao dasesferas de atuao profissional dos ativistas, ao dar acesso a recursos e a vnculosque podero ser largamente utilizados para o ingresso e a ocupao de posiestcnicas e profissionais em diversos setores de atividade. Isso est associado utilizao instrumental da formao universitria e profissional para a politizaode esferas sociais diversificadas, com base em disposies, em concepes e emrecursos constitudos no mbito de diferentes tipos de socializao, e atravs dainsero simultnea dos ativistas em diversas redes de organizaes e de movi-mentos sociais (Oliveira, 2005; 2008).

    Para melhor evidenciar isso, o texto est organizado em duas partes princi-pais. Em primeiro lugar, trata-se de demonstrar que os usos da educao noambientalismo esto fundados em concepes militantistas da formao uni-versitria e de sua relao com o engajamento poltico. Tais concepes resul-tam da prpria dinmica de configurao do espao escolar no Brasil, constitu-indo um dos ingredientes principais do processo de expanso do ensino superiore da respectiva diversificao das formas de utilizao instrumental da forma-o universitria para a politizao e atuao profissional em diferentes esferasde atividade. Num segundo momento, com base no exame das trajetrias soci-ais e dos itinerrios escolares, militantes e ocupacionais de indivduos que atu-am na defesa de causas ambientais, analisam-se as relaes entre os significadose as modalidades de uso da formao escolar e as diversidades de esferas e deredes sociais que contribuem para a aquisio e a reconverso dos recursos soci-ais que fundamentam tal forma de utilizao da escolarizao.

    O material utilizado como fonte de dados consiste, basicamente, de infor-maes decorrentes de 60 entrevistas com ativistas que ingressaram noambientalismo em diferentes momentos do perodo 1970-2007, possibilitan-do a caracterizao e a comparao de distintas geraes militantes. Trata-se de

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    ativistas que atuam em diversos setores de atividade: em partidos polticos, naadministrao pblica e na burocracia estatal, em assessoria e consultoria narea de meio ambiente, em universidades e centros de pesquisa, no interiorda profisso em assuntos vinculados ao exerccio de determinadas categoriasprofissionais (jornalismo, direito, biologia, etc.) e no desempenho de funesremuneradas como funcionrios e tcnicos de ONGs. Os procedimentosmetodolgicos utilizados concentraram-se na investigao das trajetrias fami-liares, escolares, ocupacionais e militantes que os conduziram ao ambientalismo;no exame dos significados e das modalidades de uso da formao escolar asso-ciados a essas diversas formas de atuao; e na anlise da diversidade de esferase de redes sociais que contribuem para a aquisio e a reconverso dos recursosque fundamentam suas concepes e suas prticas militantes. O material obti-do atravs de tais procedimentos possibilitou a identificao de diferentes pa-dres de carreiras militantes que conduzem atuao na rea do meio ambi-ente no perodo considerado.

    Formao escolar, engajamento poltico e militantismo na defesa decausas ambientais

    As discusses sobre a importncia e a utilidade da escola e da formaouniversitria so temas bastante freqentes no universo da militnciaambientalista. Tais temas no se fazem presentes apenas nas entrevistas, po-dendo-se observ-los tambm em mesas-redondas, oficinas e seminrios sobretemticas ambientais, nas reunies das associaes, bem como em conversasrotineiras, brincadeiras e confraternizaes entre militantes. Nessas situaes,os militantes ambientalistas geralmente apresentam a escola de forma negati-va, no sentido de que a formao escolar e universitria algo que pouco con-tribuiu para sua atuao e seu exerccio profissional. E os motivos que alegampara isso so bastante variados: sua falta de utilidade prtica, a escola pouco lhesdeu, eles tiveram que descobrir quase tudo sozinhos, os conhecimentos que utilizamforam sempre adquiridos fora da escola, etc. No entanto, essa viso negativa queeles apresentam da formao escolar e universitria no resulta de um processode excluso ou de falta de acesso formao superior. Pelo contrrio, quando seobserva a composio escolar dos dirigentes, o que se constata que o pesoquantitativo dos que possuem diplomas de cursos universitrios muito alto.A grande maioria deles tem curso superior completo e uma parte significativadesenvolveu estudos de ps-graduao em nvel de especializao, de mestradoe, alguns, de doutorado.

    No entanto, no se deve, a partir disso, estabelecer uma relao direta entreessa forte incidncia de militantes com formao universitria e a constituio

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    de um militantismo caracterizado pela imposio de competncias escolares ede expertise. Quanto a isso, cabe destacar que os significados e as concepesatribudas formao escolar e universitria esto fortemente associados aoengajamento poltico e aos respectivos recursos e vnculos adquiridos no mbi-to da militncia. Nesse sentido, observa-se que uma das caractersticas decisi-vas nesse tipo de militantismo a forte ligao entre o comeo do engajamentona proteo ambiental e o momento inicial do itinerrio universitrio e profis-sional dos militantes. O levantamento de informaes sobre a idade de entradaem organizaes ambientalistas mostrou que a grande maioria dos que atuamno ambientalismo ingressou nesse tipo de militantismo muito antes dos 30anos, perodo que corresponde ao tempo de formao e de ingresso no mercadoprofissional. A emergncia do seu engajamento ocorre freqentemente durantea juventude, num momento de escolha e de formao profissional; ou, maisprecisamente, entre o momento de concluso do segundo grau e o tempo deentrada na faculdade e o desenvolvimento da formao universitria (Oliveira,2007), e no durante um perodo de maior disponibilidade, gerada pelodistanciamento em relao s suas funes e atividades profissionais em decor-rncia da proximidade do perodo de aposentadoria, como ocorre em outrostipos de militantismo (Agrikoliansky, 2002; Passy, 1998).

    Alm disso, essa estreita ligao da formao universitria com o engajamentopoltico no ocorre apenas com a entrada no ambientalismo. Pelo contrrio, aparticipao em diversos tipos de organizaes e movimentos sociais, antesmesmo de entrar no ambientalismo, muito grande entre os entrevistados.So raros os casos daqueles que aderiram ao ambientalismo sem experinciasanteriores em organizaes polticas as mais diversas, tais como organizaesestudantis (grmios, centros e diretrios acadmicos), sindicatos, partidos po-lticos, organizaes religiosas e assistenciais, etc. Desse modo, pode-se perce-ber que, em geral, entre a socializao poltica no meio familiar e a adeso aorganizaes ambientalistas encontra-se um conjunto muito diversificado departicipaes, de desligamentos e de novas adeses a outros tipos de organiza-es e movimentos sociais. Nesse sentido, pode-se dizer que, em matria deexperincias polticas, os ambientalistas raramente chegam verdes na defesaambiental, como muito bem enunciou um dos entrevistados. Por outro lado,no que diz respeito ao tempo de permanncia em organizaes ambientalistas,observa-se ainda que tal militantismo tem um tempo de durao relativamentelongo. Mesmo que se caracterize como algo que ocorre na juventude, a par-ticipao na defesa de causas ambientais uma caracterstica constante tam-bm no perodo de exerccio profissional e no deve ser reduzida a uma fasepassageira que ocorre apenas no perodo inicial de seu itinerrio escolar e pro-fissional. Quanto a isso, vale mencionar que, em quase todos os casos conside-

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    rados sua ps-graduao, os cursos realizados ou direcionamento do exerccioprofissional esto voltados para a rea de meio ambiente.

    Esse itinerrio universitrio e profissional fortemente articulado com oengajamento poltico constitui um dos aspectos fundamentais para a compre-enso do significado e da utilidade da formao escolar para os ativistas. Issoporque, para os prprios militantes, muito mais do que a titulao em si, ovalor da formao escolar e universitria para o exerccio profissional sempreimplicam a capacidade ou a competncia de articular os recursos adquiridosdurante o processo de escolarizao realidade e prtica poltica. Nessesentido, a aquisio de uma formao universitria, de competncias tcnicas ede suas vinculaes com o exerccio profissional; apresentada pelos prpriosmilitantes como indissocivel da capacidade de integrar tais tipos de conheci-mentos a ideologias e prticas polticas; de modo que, sem esse compromis-so ou articulao com a realidade, a escola e a formao que ela oferece notm nenhum valor. Assim sendo, o gosto pelo social e pelo engajamentopoltico no resulta de um fracasso escolar e profissional ou do retraimento dasatividades ocupacionais. Pelo contrrio, a militncia e a ocupao de postos emorganizaes e movimentos sociais no decorrer de seu percurso universitrioso concebidas como um aspecto necessrio da formao e do exerccio dequalquer tipo de atividade profissional.

    Da, no segundo ano, mais pro final, duas colegas minhas entraramno movimento estudantil [...] Da, foi superlegal porque eu conse-gui enxergar a faculdade... Bah, pra mim, foi tudo o centro acad-mico. Foi o que salvou a minha faculdade, seno teria sido um horror.Porque da eu consegui, sabe, acompanhar a faculdade bem diferen-te. A minha atuao foi bem diferente... Consegui entender o que sepassava ali. Foi atravs do movimento (Entrevista).A o que aconteceu? Eu passei a maior parte do tempo na Unisinos[Universidade do Rio dos Sinos] com a bolsa, [...] Bom! Foi o meuperodo inerte da vida. O negcio era s estudar. W: Nem partido?Nada! Zero! Nem um movimento social. [...] Um baita dum ali-enado, um cara totalmente fora das questes (Entrevista).

    Dessa forma, em contraponto s limitaes encontradas na escola formal,eles salientam a grande importncia que adquiriu em seus itinerrios escolarese profissionais um conjunto diversificado de vivncias, de formas de sociabi-lidade, de engajamentos e de militncias. De maneira geral, eles expressamque foi fora da escola e da universidade que se estabeleceram o valor e autilidade de sua formao profissional. Sem o contato e a insero na realida-de e na prtica, os conhecimentos adquiridos atravs da formao escolar euniversitria perdem toda sua utilidade. Nesse sentido, as definies que res-

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    paldam a atuao na defesa do meio ambiente remetem-nos para concepesmilitantistas da formao e do exerccio profissional, no sentido de que esta constituda, acima de tudo, pela capacidade de submeter a formao escolar euniversitria ao engajamento e participao poltica em diversos tipos deorganizaes e de movimentos sociais.

    Por isso, independentemente do tipo de formao universitria adquirida, o militantismo em relao escolarizao e atividade profissional que consti-tui a tnica principal do relato dos entrevistados e que delimita as perspectivasde insero e de ocupao de postos no mercado profissional. Antes mesmo deingressarem no mercado de trabalho, tais indivduos j dispem de um con-junto de inclinaes, de saberes e de formas de percepo e de ao referentesao papel da formao escolar para a prtica profissional; ou, mais precisamen-te, de disposies a fazer do seu exerccio um resultado direto da possibilidadede sua utilizao instrumental para a politizao de diferentes esferas de ativi-dade. com base num itinerrio familiar, escolar e profissional de intensaparticipao em diversos tipos de organizaes e movimentos sociais que seconstitui e so reforadas essas disposies militantistas da formao escolar euniversitria que fundamentam a concepo de que o engajamento uma for-ma de extenso ou prolongamento natural de sua formao escolar e profissi-onal. Esta extenso deve ser caracterizada, nas palavras dos prprios entrevista-dos, como uma rea de atuao profissional e no como uma atividade externaao desempenho de suas ocupaes profissionais. Associado a isso, observa-seque o significado e a utilidade da escolarizao se definem pela suainstrumentalidade para a politizao das mais diferentes esferas de atividade,de modo que a participao na defesa do meio ambiente constitui uma dasformas de articulao da formao escolar e universitria com a militnciapoltica para a atuao profissional em partidos polticos, em universidades,em agncias governamentais, em empresas de consultoria, em associaes, etc.

    Os princpios que fundamentam essas concepes e prticas no parecemprprios ou exclusivos desse tipo de atuao profissional. Eles esto vinculados prpria configurao do espao escolar e do exerccio profissional no Brasil(Petrarca, 2007; Connif, 2006; Love; Barickman, 2006; Dezalay; Garth, 2002).Por um lado, so concepes e prticas que fazem do engajamento e da partici-pao poltica uma forma de extrapolar os limites de sua profisso e de asso-ciar sua formao escolar e o exerccio profissional cultura geral e aohumanismo (Coradini, 1998) e, assim, elevar-se acima do simples exercciode sua profisso (Dezalay; Garth, 2002). E, por outro, constituem tambmum dos ingredientes principais das mais diferentes formas de militantismo(Coradini, 2002). Trata-se, enfim, de uma situao em que o sentido e o valorda profisso so inseparveis do compromisso com uma realidade que

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    totalmente poltica (Pcaut, 1990), de modo que a formao escolar e o exer-ccio profissional requerem a capacidade ou competncia de comprometimentoda formao escolar e tcnica com a realidade e com a prtica; ou, no caso,com a natureza e com a vida. Nesse sentido, pode-se dizer que a atuao noambientalismo representa, para os prprios ativistas, uma forma de rupturacom o simples exerccio profissional e de reativao de disposies que possi-bilitem extrapolar os limites da profisso.

    Em que pese a continuidade dos princpios que respaldam tal atuao, essamaior predominncia do ingresso no ambientalismo em plena fase de forma-o universitria e profissional est vinculada tambm ao surgimento de novasmodalidades de articulao da formao escolar com o engajamento polticoem diversas esferas de atividade, decorrentes tanto do processo de expanso daescolarizao no Brasil quanto de sua correspondncia com uma grande proli-ferao de organizaes e movimentos sociais vinculados s mobilizaes pelademocratizao (Oliveira, 2008). Em conformidade com isso, a adeso a or-ganizaes e a mobilizaes vinculadas defesa de causas ambientais a partirdesse perodo resultou na configurao da defesa do meio ambiente como ummilitantismo de reconverso de diferentes tipos de formao escolar e universi-tria para a atuao profissional em diversas esferas de atividade: estatal, parti-dria, associativa, acadmica, religiosa, etc. Atualmente, a insero anterior esimultnea em diversas redes de organizaes e de movimentos sociais cons-titui um dos condicionantes principais da reconverso da formao escolar parao ingresso, a permanncia e a ocupao de postos nas organizaes e nas instn-cias que atuam na defesa de causas ambientais. Ela resulta de processos desocializao poltica no mbito familiar e no escolar, da participao anteriorem organizaes e movimentos sociais os mais diversos (estudantis, sindicais,partidrias, religiosas, entre outras), estando tambm relacionada a trajetossociais, polticos e profissionais diferenciados.

    Dentre os fatores que propiciaram isso, destacam-se, em primeiro lugar,certas mudanas nos contextos poltico e ideolgico dos anos 1980. o caso daabertura dos espaos de participao poltica decorrente do processo deredemocratizao que resultou na intensificao do fenmeno da militnciamltipla, de modo que as redes de lideranas de diferentes organizaes emovimentos sociais se tornaram extremamente interligadas (Mische, 1997).Em segundo lugar, encontram-se mudanas no espao da formao escolar eprofissional. Trata-se, mais especificamente, da expanso e da diversificao doensino superior, que propiciou a ampliao dos usos instrumentais daescolarizao e da formao profissional com vistas politizao e articulaode diferentes esferas de atuao, atravs da insero e da militncia anterior e/ou simultnea em diversos tipos de organizaes e movimentos sociais (Coradini,

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    2002). Por fim, destacam-se certas transformaes das prprias bases sociais edas dinmicas de ingresso no militantismo ambientalista. Desse modo, obser-va-se que nos anos 1980 h uma mutao de um militantismo composto porlideranas com origens sociais elevadas e cujas intervenes estavam fundadasna bagagem cultural e poltica herdada ou construda a partir da famlia deorigem, para padres de atuao que resultam do ingresso de indivduos comorigens sociais mais baixas e heterogneas, cuja principal base de recursos soos vnculos estabelecidos no decorrer de seus itinerrios familiar, escolar e pro-fissional, com partidos polticos, organizaes e movimentos sociais diversifica-dos (Oliveira, 2008).

    Recursos sociais, carreiras militantes e atuao profissional na rea de meioambiente Um dos procedimentos pertinentes apreenso dos tipos de recur-sos e de vnculos que conduzem atuao profissional no ambientalismo oexame dos principais padres de carreiras que conduzem ocupao de cargose postos destacados como ambientalistas em diferentes esferas sociais. Talanlise possibilita apreender como se articulam disposies e situaes vincula-das s diferentes seqncias do processo que conduzem os dirigentesambientalistas participao efetiva em organizaes de defesa ambiental. Comosalienta Agrikoliansky (2002, p. 144), a pertinncia da noo de carreira naanlise do militantismo

    primeiramente de considerar as aes humanas como processos,isto , como atividades que se desenvolvem no tempo e possu-em uma dinmica prpria, ao invs de consider-las simples-mente como o reflexo de normas sociais, de papis e de condi-cionamentos estruturais inflexveis. (grifo do autor).

    A utilizao da noo de carreira na anlise do militantismo procura darconta, por um lado, das disposies favorveis participao poltica e de suasrelaes com as desigualdades de condies de origem e os respectivos capitais(sociais, econmicos, polticos e culturais) possudos pelos diferentes agentessociais (Bourdieu, 1979); e, por outro, dos pertencimentos mltiplos dos ato-res sociais e dos diversos contextos e das situaes relacionadas aos processos desocializao que resultam na constituio e na modificao das disposies queconduzem participao em mobilizaes coletivas (Fillieule, 2001).

    Trata-se, portanto, de integrar a perspectiva diacrnica na investigao dosprocessos de socializao e dos padres de entrelaamento de diferentes or-dens de experincia (familiares, escolares, militantes e profissionais) vincula-das a esse tipo de atuao. Dessa forma, tal anlise contribui para a compreen-so das retribuies alcanadas atravs do militantismo ambientalista comoresultado de investimentos sociais mltiplos e da participao anterior ou

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    simultnea dos atores em um conjunto diversificado de atividades sociais.Isso permite apreender as disposies associadas atuao individual comoconseqncia da interseco entre os processos de socializao vinculados ssuas condies de origem e s trajetrias familiares e os que decorrem das expe-rincias e dos diversos contextos interacionais interligados biografia individu-al; ou, mais precisamente, multiplicidade de esferas e de redes sociais associ-adas ao seu engajamento e sua participao anterior ou simultnea em umconjunto diversificado de atividades sociais.

    Dessa maneira, a caracterizao dos principais padres de carreiras que con-duzem ocupao de posies dirigentes em defesa do meio ambiente, a partirdos anos 1970, possibilitou evidenciar a diversificao das modalidades deutilizao instrumental da formao escolar para a politizao de diferentesesferas de atividade e suas relaes com disposies e recursos acumulados atra-vs de vnculos estabelecidos em diversos espaos sociais no decorrer dos per-cursos biogrficos dos atores (Oliveira, 2008). Assim, tomando como ponto departida os anos 1970, podem-se distinguir dois padres principais de reconversoprofissional atravs da militncia no ambientalismo para a ocupao de posi-es de destaque em outras esferas sociais: de um lado, aqueles que tiveramincio nos anos 1970 e que se caracterizam pelo uso de recursos e vnculosdecorrentes da famlia de origem; do outro, os que tiveram incio nos anos1980, nos quais as dinmicas de reconverso profissional esto fundadas nosvnculos estabelecidos a partir do intenso militantismo em organizaes estu-dantis, partidrias e movimentos sociais diversificados. Em meio grande vari-edade de padres de reconverso da formao escolar em competncias profis-sionais, tais exemplos permitem ilustrar certas caractersticas principais dasmodificaes ocorridas quanto aos tipos de retribuies obtidas atravs de talmilitantismo2.

    Como representante dos padres de carreiras de ambientalistas que se ca-racterizam pela existncia de itinerrios cuja reconverso da formao escolarcontou com recursos e vnculos estabelecidos, basicamente, atravs da famliade origem, pode-se destacar o caso da atual presidenta da Fundao Gaia. Ela filha do primeiro presidente da Agapan, o qual teve uma participao desta-cada na emergncia do ambientalismo brasileiro (Oliveira, 2008). O seu itine-rrio na defesa ambiental est diretamente articulado s redes de relaesconstrudas a partir da atuao profissional de seu pai. Nesse sentido, seu con-tato inicial com organizaes e dirigentes que participavam da defesa do meioambiente ocorreu na infncia, no prprio meio familiar, pois sua casa estava

    2. Para uma descrio detalhada das diversas modalidades e dos padres intermedirios de carreirasde ambientalistas que se situam entre esses dois extremos, ver Oliveira (2005; 2008).

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    sempre repleta de militantes ambientalistas em decorrncia da atuao de seupai. Ali tambm aconteciam reunies e conversas informais com os dirigentesdas principais organizaes ambientalistas do Rio Grande do Sul e at mesmode outras regies do pas. Em decorrncia disso, seu itinerrio universitrio eprofissional sempre esteve associado atuao de seu pai: assim que concluiu osegundo grau e ingressou na faculdade, comeou a acompanh-lo nas suasviagens internacionais, atuando como secretria dele durante todo o seu percursona universidade. Em funo disso, levou seis anos para concluir o curso delicenciatura em biologia, pois sua intensa militncia no possibilitava o acom-panhamento das aulas, tornando-se, segundo ela mesma, uma espcie de visi-tante na faculdade. Desse modo, afirma que foram poucas as coisas que apren-deu atravs de sua formao universitria e conclui: Aprendi muito mais commeu pai, no tenha dvida.

    O mesmo ocorreu com seu itinerrio profissional, uma vez que foi atravsdas relaes estabelecidas por seu pai com organizaes ambientalistas interna-cionais, quando ela ainda estava cursando biologia na universidade, que conse-guiu um estgio numa ONG da Alemanha, em funo de t-lo acompanha-do num tour de palestras que ele fez na Europa. No final do curso de biologia,comeou a trabalhar integralmente na organizao fundada e presidida pelopai, passando a supervisionar e a coordenar todos os diferentes projetos e traba-lhos dentro da Fundao Gaia e assumindo, um pouco antes de ele falecer, aposio de presidenta da referida fundao. Dessa carreira militante e profissi-onal diretamente vinculada atuao do pai, tanto no mbito local como naci-onal e internacional, resultou uma forte articulao do trabalho desenvolvidopela organizao com a esfera internacional. Tal itinerrio conduz concepoda atuao profissional como diretamente associada com questes ticas e filo-sficas, estando respaldada em princpios que fazem da atuao profissionalalgo diretamente subordinado bagagem cultural, ao conjunto de experinci-as e aos valores ticos que isso suscita. Assim, salienta que a formao escolar euniversitria no algo que considere fundamental para a atuao na defesa domeio ambiente. Mesmo se tratando de sua rea, uma vez que, segundo ela, obilogo naturalmente o profissional que mais tem a ver com ecologia, que mais seaprofunda na questo da ecologia dentre as diversas reas profissionais, a formaoescolar no uma condio necessria ou fundamental. Antes dela, coloca-se aeducao adquirida atravs do bero familiar, das diferentes experincias que tupassaste na vida e das crenas que tu vais acumulando nesse processo.

    Num outro extremo, encontram-se os padres de carreira profissional quetm, como principal base de recursos, os vnculos estabelecidos com organiza-es estudantis, com partidos polticos e com movimentos sociais diversifica-dos. Um dos casos que exemplifica muito bem isso o da principal liderana

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    do Centro de Estudos Ambientais (CEA), um jovem tambm conhecido comoadvogado ambientalista, cuja atuao na rea de meio ambiente resulta dainterseco entre o contato com a poltica partidria no meio familiar, umatrajetria social descendente, e o intenso militantismo estudantil e partidriodurante a formao secundria e universitria. Ele filho de um advogadocasado com uma integrante de uma famlia tradicional de Rio Grande, e atuoutambm como professor de portugus num colgio pblico estadual, comomembro da direo da Organizao dos Advogados do Brasil (OAB) em RioGrande e da Aliana Renovadora Nacional (Arena), na qual tinha muitos ami-gos. Em que pese o engajamento poltico no meio familiar, no foi com basenos vnculos estabelecidos a partir da famlia de origem que ele ingressou emorganizaes polticas e partidrias. Em parte, porque sua relao com a famliade origem foi marcada pelo conflito entre seu interesse em fazer oceanologiae a deciso do seu pai de que deveria seguir a rea do direito. Assim, seuengajamento poltico ocorreu, primeiramente, durante o segundo grau, quan-do participou de grmios estudantis, tornando-se membro da diretoria do centrocvico do colgio, e, principalmente, atravs de um intenso militantismo du-rante toda sua formao universitria em diferentes tipos de organizaes emovimentos sociais: do Movimento das Diretas J, do centro acadmico docurso de direito e de protestos e manifestaes do PT na cidade. Foi com basenesse militantismo que entrou em contato com as lideranas do CEA, quetambm participavam do PT, e que encontrou, na rea do direito ambiental,uma forma de conciliar seu interesse inicial pela rea do meio ambiente comsuas experincias simultneas de militantismo estudantil e partidrio. Dessaforma, atuou como representante do CEA no Conselho Nacional do MeioAmbiente (Conama), depois como assessor da bancada do PT na Cmara deVereadores de Pelotas, na rea de meio ambiente e de saneamento, e tambmcomo assessor jurdico e coordenador da bancada, desenvolvendo ainda umacarreira de ocupao de vrios cargos na administrao pblica: como coorde-nador do Programa Mar de Dentro durante a administrao petista no Go-verno do Rio Grande do Sul, como responsvel pela pasta da Secretaria dePlanejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Pelotas e como Supervisor deMeio Ambiente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam) de PortoAlegre nas administraes do PT. Tais atuaes foram sempre acompanhadaspela participao simultnea no Movimento Ecolgico Gacho. Ao mesmotempo, investiu na academia, fazendo um curso de Ps-Graduao em Eco-logia Humana na Universidade Federal do Vale dos Sinos (Unisinos) e outro deCincia Poltica no Instituto de Sociologia e Poltica da Universidade Federalde Pelotas (Ufpel). Com base nessa vinculao do direito com a ecologia e coma cincia poltica passou a ministrar vrios cursos de extenso sobre direito

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    ambiental e conseguiu um emprego para ministrar aulas no Servio Nacionalde Aprendizagem Comercial (Senac) de Porto Alegre, num curso de gestoambiental, ao mesmo tempo que voltou a atuar como representante do CEA edo MEG no Consema. Esse caso um bom exemplo de como o militantismoambientalista constitui uma forma de utilizao da formao escolar e univer-sitria para a atuao simultnea nas organizaes e nas instncias vinculadasao movimento ambiental e poltica partidria, bem como para a ocupao depostos na administrao pblica e no ensino de direito ambiental. Tal itine-rrio e padro de reconverso profissional esto ligados a uma concepo daeducao e do exerccio profissional como devendo estar sempre associados poltica partidria e a outras esferas de militncia.

    Concluses

    As relaes entre a formao e o ttulo adquirido e a atuao profissional noocorrem de forma direta e automtica. Tais relaes so sempre mediadas tantopor condies e processos estruturais e objetivos quanto pelas disposies, pe-los recursos e pelas competncias adquiridas pelos atores no transcurso de suastrajetrias sociais, escolares e profissionais (Bourdieu, 1979; Bourdieu; Boltanski,1998). Nesse sentido, este trabalho demonstrou que as concepes de socieda-de e de poltica caractersticas da configurao do espao escolar e do exerccioprofissional no Brasil constituem um dos ingredientes principais das relaesestabelecidas entre formao e exerccio profissional. Tais concepes esto fun-dadas em princpios que remetem para a imbricao das modalidades de utili-zao dos recursos escolares e das competncias profissionais com as dinmicasde participao e do militantismo em organizaes e movimentos sociais. Amaior diversificao dos padres de atuao profissional na rea de meio am-biente no resulta de mudanas ocorridas apenas no mundo do trabalho; umdos fatores que contriburam consideravelmente para isso, como se pode ver,foi a maior oferta de ttulos escolares, associada continuidade das concepesmilitantistas da profisso.

    Muito antes de ocupar uma funo profissional em determinada organiza-o e instncia de proteo ambiental, os atores j contam com um conjuntode valores, de definies prvias e de recursos sociais que possibilitam ver emtal tipo de atividade uma forma autntica de exerccio e de realizao profissi-onal. O exame dos padres de carreiras que conduzem atuao profissionalno ambientalismo foi uma estratgia analtica que possibilitou apreender comodeterminadas formas de percepo e de avaliao relativas atuao profissio-nal na rea de meio ambiente se constituram no decorrer do tempo e sobdeterminadas condies sociais. Desse modo, essa anlise nos coloca diante das

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    disposies e dos recursos sociais que tornam possvel o encontro entre deter-minada formao e o exerccio profissional efetivo. A descrio dos padres decarreiras de ambientalista permite dar conta de como as concepes militantistasque fundamentam esse tipo de atuao esto relacionadas s disposies e aosrespectivos recursos adquiridos com base em vnculos estabelecidos atravs dainsero dos atores em diferentes esferas sociais, no decorrer de suas trajetriassociais e de seus itinerrios escolares, militantes, ocupacionais e profissionais.Dessa forma, foi possvel demonstrar que a atuao profissional na rea demeio ambiente est respaldada em concepes, recursos e prticas profissio-nais que resultam da articulao entre posio social, formao universitria einsero em diversas redes de organizaes e movimentos sociais no decorrerde seus itinerrios escolares e profissionais.

    Esses resultados evidenciam a necessidade de considerar a formao univer-sitria e o exerccio profissional no apenas em sua dimenso formal einstitucional, mas, principalmente, como um espao de reconverso de recur-sos diversificados para atuao em diferentes esferas sociais. Por isso, ao invs dereduzir as relaes entre formao e atividade profissional a algo mecnico eautomtico, tratou-se de considerar certas condies e lgicas sociais que con-duzem os atores a determinado tipo de ativismo. Assim, ao invs de relaesabstratas entre formao profissional e mercado de trabalho, deparamo-noscom um conjunto de experincias passadas, de percepes, de esquemas declassificao adquiridos sobre o exerccio profissional, de recursos acumuladosno transcurso de suas trajetrias sociais, etc., os quais estruturam as prpriasestratgias de insero e de realizao profissional em determinado setor deatividade. Em decorrncia disso, o que para muitos constitui uma oportunida-de de trabalho e de atividade profissional, para outros no est sequer noleque das possibilidades. Nesse sentido, pode-se ver na atuao na rea demeio ambiente uma forma concreta de exerccio profissional que resulta dedinmicas especficas de reconverso social e poltica.

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    Recebido em 31 de outubro de 2008 e aprovado em 06 de maro de 2009.