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Um Debate entre Martti Koskenniemi e Pasquale Stanislao Mancini: A Nacionalidade sob uma Perspectiva Interdisciplinar num Mundo Pluralista CARVALHO JUNIOR, Lourival Antonio de: Graduando em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Direito Internacional Avançado (DIR5984) Prof. Dr. Arno Dal Ri Junior Data: 03/12/2014 RESUMO Este trabalho apresenta um debate sob uma visão interdisciplinar (antropologia, sociologia, Direito Positivo, Ciência Política, Teoria das Relações Internacionais, etc.) do conceito de nacionalidade e de cidadania na sociedade contemporânea bem como sua fundamentação histórica a partir de uma análise indutiva das “sensibilidades”, na obra de Martti Koskenniemi e da autodeterminação dos povos, na obra de Pasquale Stanislao Mancini para se compreender os conflitos atuais, por exemplo, como o da Crimeia e os do Oriente Médio num Mundo pluralista Palavras-chave: conflitos atuais, visão interdisciplinar, nacionalidade, cidadania, fundamentação histórica, análise indutiva, sensibilidades, Martti Koskenniemi, Pasquale Stanislao Mancini, autodeterminação dos povos, Mundo pluralista 1. INTRODUÇÃO Na Sociedade Contemporânea muito se tem arguido a respeito do que sejam os termos “nação, Estado, nacionalidade e cidadania”. Para alguns autores, como os positivistas, numa perspectiva de fusão, entre estes termos haveria concordâncias; para outros, como Mancini e Koskenniemi, seriam vistos como signos distintos. A verdade é que, através de seu contexto, estes elementos recebem novos agregados que reagem para formar novos grupos sociais na História em seu comportamento dialético. Com ênfase na atualidade, a serem estudados, sob um prisma multifocal, o termo nacionalidade sofre mudanças, tendo em vista que a Globalização permitiu que ocorressem eventos como a Queda do Muro de Berlim, surgimento da CEI

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Um Debate entre Martti Koskenniemi e Pasquale Stanislao Mancini:

A Nacionalidade sob uma Perspectiva Interdisciplinar num Mundo

Pluralista

CARVALHO JUNIOR, Lourival Antonio de:

Graduando em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina

Direito Internacional Avançado (DIR5984)

Prof. Dr. Arno Dal Ri Junior

Data: 03/12/2014

RESUMO

Este trabalho apresenta um debate sob uma visão interdisciplinar (antropologia,

sociologia, Direito Positivo, Ciência Política, Teoria das Relações Internacionais, etc.)

do conceito de nacionalidade e de cidadania na sociedade contemporânea – bem como

sua fundamentação histórica – a partir de uma análise indutiva das “sensibilidades”, na

obra de Martti Koskenniemi e da autodeterminação dos povos, na obra de Pasquale

Stanislao Mancini para se compreender os conflitos atuais, por exemplo, como o da

Crimeia e os do Oriente Médio num Mundo pluralista

Palavras-chave: conflitos atuais, visão interdisciplinar, nacionalidade, cidadania,

fundamentação histórica, análise indutiva, sensibilidades, Martti Koskenniemi, Pasquale

Stanislao Mancini, autodeterminação dos povos, Mundo pluralista

1. INTRODUÇÃO

Na Sociedade Contemporânea muito se tem arguido a respeito do que sejam os

termos “nação, Estado, nacionalidade e cidadania”. Para alguns autores, como os

positivistas, numa perspectiva de fusão, entre estes termos haveria concordâncias; para

outros, como Mancini e Koskenniemi, seriam vistos como signos distintos. A verdade é

que, através de seu contexto, estes elementos recebem novos agregados – que reagem

para formar novos grupos sociais na História em seu comportamento dialético.

Com ênfase na atualidade, a serem estudados, sob um prisma multifocal, o termo

nacionalidade sofre mudanças, tendo em vista que a Globalização permitiu que

ocorressem eventos como a Queda do Muro de Berlim, surgimento da CEI –

Comunidade dos Estados Independentes, por consequência da dissolução da União

Soviética – e da União Europeia, conflitos étnicos (vide País Basco, Irlanda,

Cisjordânia, Ruanda, Bósnia) e mais recentemente o da Primavera Árabe e da Crimeia.

Porém, tais eventos podem não ressoar tão estranhos se nos dispusermos a ler

sobre a Grécia e a Roma Antiga, por exemplo, quando lá já se tinha a amostra de que a

nacionalidade – ainda que vinculada mais propriamente ao conceito de estado moderno

– evoluía no ciclo perpétuo do Realismo-Idealismo, o que ora proporcionou a ideia de

ostracismo, retaliação e divisão de classes (cite-se a Guerra do Peloponeso, de

Tucídides) tanto entre os gregos quanto entre os romanos antigos ora proporcionou a

ideia de paz, cooperação e a conquista de direitos por parte das classes menos

favorecidas e de povos estrangeiros (cite-se a aquisição da cidadania romana por

estrangeiros no Pós-República), a cidadania de povos peregrinos.

Portanto, quer-se salientar que a interação, o conflito e compreensão dessas duas

correntes foram e são importantíssimas para a construção de outras correntes nas

Relações Internacionais e dos referidos elementos “nação, Estado, nacionalidade e

cidadania”, além de demonstrar o quão imprescindível se faz, atualmente, num Mundo

Pluralista, sob uma visão interdisciplinar, a presença do discurso de Martti Koskenniemi

e Pasquale Stanislao Mancini no Direito lato sensu, na Política e, por consequência, na

autodeterminação dos povos.

2. Na Teoria das Relações Internacionais

Como área que estuda a natureza e o impacto da política internacional sobre a

sociedade e os indivíduos, para as Relações Internacionais não existe uma definição

única, mas, sim, contingente do objeto de seu estudo, pois, nos dias atuais, destacam-se

três perspectivas: 1- Como relações estratégico-diplomáticas entre Estados, cujo foco

principal são as questões de guerra, paz, conflito e cooperação. Incluam-se, também, as

questões amorfas como terrorismo e movimentos separatistas (Estado Islâmico e grupos

neonazistas). 2 – Como relações de natureza econômica, social e política, não

exclusivamente estatais, que ultrapassam as fronteiras nacionais, procurando estudar

desde negociações comerciais até a atuação de organizações internacionais como a

Anistia Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU). 3 – Como processos

de globalização das relações sociais, incluindo as finanças, as comunicações, os

transportes, as empresas transnacionais e mesmo a emergência de uma sociedade global.

A partir dessas três questões, hoje há teorias derivadas ou do idealismo ou do

realismo clássicos – tais quais o pluralismo, o neorrealismo –, ou teorias críticas destes

paradigmas hegemônicos – como o construtivismo, a Escola Inglesa, e as teorias da

globalização.

Na obra de Koskenniemi, embora não seja possível enquadrá-lo numa Escola

específica, há trechos segmentados de neorrealismo, marxismo, construtivismo e da

Escola Inglesa. O que o autor deixa evidente é que a nacionalidade não se conceitua

apenas como um atributo de indivíduo vinculado à concepção do Estado, mas, sim,

como um conjunto de fatores denominados “sensibilidades”, como se observa da

interpretação de um trecho de Nacionalismo, Universalismo e Império: O Direito

Internacional em 1871 e 1919 no qual Martti sugere que a crítica dos realistas Carr e

Morgenthau eram plausíveis naquele período entre guerras, mas não após, pois os

argumentos dos idealistas não eram os mesmos de sua prévia geração (1871-1914): a

partir de 1919 a reconstrução da Europa não é marcada pelo Warfare, mas , sim, pelo

Welfare State. Além do mais, já mais adiante, quando enfraquecido o Eurocentrismo, os

debates sobre a transformação do direito internacional buscariam após a Guerra Fria,

como reflexo de outro momento, trazer alguma coisa semelhante à sensibilidade dos

homens de 1871. No entanto, estes debates necessitariam de uma nova explanação no

direito internacional na Nova Ordem Mundial.

Nesse ínterim, a moderna concepção unitarista do direito internacional encontra-

se atualmente desafiada por teorias fragmentárias que estruturam a ordem jurídica

global em esferas temáticas aparentemente autônomas, pois conflitos como o da

Crimeia, por exemplo, e mais recentemente o que vem ocorrendo no Oriente Médio,

com a presença do Estado Islâmico – que recebe soldados de várias nacionalidades,

inclusive, pelo que se lê em manchetes, até mesmo indivíduos da União Europeia –,

propõem à teoria do direito estabelecer se tal fragmentação conformaria a questão

jurídica consolidada ou mera situação fática compatível com alguma proposta de

unidade. Com essa abordagem pretende-se estruturar as linhas gerais do debate entre a

unidade e a fragmentação do direito internacional a partir do positivismo moderno, isto

é, das teorias de Hans Kelsen, para, com base nos escritos de Martti Koskenniemi,

desenvolver uma contribuição à sistematização do direito das gentes nesse contexto por

muitos identificado como pós-moderno e, especificamente no direito, como pós-

positivista.

Em contrapartida às teorias fragmentárias, há, também, autores que, a partir do

multilateralismo – visto com maior intensidade após a Queda do Muro de Berlim –

marco do início da Globalização –, permanecem presentes ao almejar a integração do

direito internacional através dos princípios da interdependência, da cooperação e da

autodeterminação dos povos, entre os quais citamos Pasquale Stanislao Mancini.

Conforme abordado no Congresso Nations and Nationalisms, promovido pela

Universidade Federal de Santa Catarina, foi possível perceber a importância deste autor

na unificação italiana e na proposta de concessão da cidadania italiana a estrangeiros.

Segundo o professor Dr. Arno Dal Ri Jr, “a doutrina constitutiva de Mancini repousava

em três pilares: a nacionalidade, a liberdade e a soberania. Além disso, Mancini

abandonou o princípio da territorialidade para adotar a universalidade das relações

privadas, embasando a concepção universalista da cooperação jurisdicional.”

Em Mancini, diferentemente de Koskenniemi, a relação econômica parece ser a

engrenagem principal – que conecta pessoas, Estados e empresas –, o que, em

decorrência do aumento da complexidade tecnológica, culminaria com o atual

fenômeno da globalização. Portanto, a nacionalidade é uma forma flexível de

individualidades formadas por agregações humanas, estas que, segundo Mancini, se

denominariam nações – agrupamentos humanos interligados por traços comuns nos

âmbitos cultural, étnico, linguístico e religioso – e, consequentemente, os verdadeiros

sujeitos políticos de direito internacional. O Estado, no entanto, como um modelo mais

rígido, só tem sua formação quando a Nação inicia o seu processo de reconhecimento de

organização política a partir de um vínculo histórico bem definido.

3. Na Ciência Política

Na obra The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of International

Law 1870-1960, Koskenniemi reflete a crise do Sistema Internacional, também, com

uma perspectiva realista – como a de Maquiavel – sobre o ciclo do poder, no qual a

ciência política paradigma (normal), que fundamenta o comportamento internacional de

uma época, tende a ser substituída por uma ciência política revolucionária com o

surgimento de novas Potências, o que requer a formação de alianças equivalentes com a

finalidade de estabelecer um equilíbrio de poder.

No entanto, o entrave principal se encontra na crítica à corrida imperialista das

potências europeias – em oposição a um dos princípios de Mancini, o da

autodeterminação dos povos – pela conquista de territórios para obtenção de matérias-

primas para as metrópoles, o que resultou na submissão dos povos colonizados aos

valores dos colonizadores. Logo as colônias, embora tivessem seus aspectos culturais

particulares, não detinham autonomia como nação no aspecto formal do sistema

internacional.

Nessa abordagem de Koskenniemi, é possível enquadrar sua teoria - a partir da

influência de autores como Max Weber, Carl Schmitt e, principalmente, Friedrich

Nietzsche - no panorama mais amplo da tradição alemã de ciências sociais que se seguiu

aos escritos do último destes pensadores e a suas pesadas críticas à crença iluminista na

razão como fonte do progresso social. A visão teleológica da modernidade como

progresso mediado pela razão, que encontrou a sua melhor formulação em Kant, é

substituída pela visão da modernidade como universalismo fragmentário.

Como um argumento similar ao de Mancini, ainda que em direção oposta, o

conceito de nação atrelado à cidadania e à participação política, para firmar a

nacionalidade, está, também, na igualdade jurídica e posterior fundação do Estado. No

entanto, buscando outros fundamentos em Marx, Koskenniemi evidencia que esta

igualdade formal esconde na verdade a desigualdade dos indivíduos. Durante aquela

corrida imperialista, os povos nativos foram considerados como “classes ignorantes e

perigosas”. A vinculação entre a educação dos povos ditos civilizados e a ausência da

cidadania (um espírito de nacionalidade própria) como requisito para a participação no

direito internacional foi o argumento, por séculos, utilizado para justificar a exclusão e

exploração dos povos colonizados e para legitimar a repressão nos seus processos de

independência.

Hoje mesmo muitos afirmam, ou pelo menos suspeitam, que o direito

internacional está em crise. Para alguns, a globalização informal, a guerra contra o

Iraque, o conflito da Crimeia demonstraram a marginalidade crescente do direito

internacional na vida internacional - e o padrão cada vez maior de violações de suas

disposições basilares comprovaria sua irrelevância. Para outros, a crise emerge de

origens endógenas, o que talvez ocasionou ao direito internacional ter sido transformado

por uma “máfia internacional” em apenas um dos aspectos do sistema burocrático de

barganha nas instituições internacionais dominadas pelo Ocidente.

A crise da Crimeia demonstra bem um exemplo de violação de disposição do

direito internacional e do direito interno ucraniano em decorrência de origens

endógenas. Como recurso político utilizado na unificação italiana, o plebiscito remete

ao princípio da autodeterminação dos povos, abordado por Mancini, relativo ao direito

de opção de nacionalidade. Embora o princípio democrático que concebe ao povo como

detentor da soberania através do sufrágio universal, o plebiscito na Crimeia foi um

golpe de estado, exercido de maneira unilateral por maioria russa (60% da população

votante).

Para Mancini, o plebiscito representava o livre consentimento dos povos, adverso

aos procedimentos arcaicos que previam o uso da força e da conquista, em qualquer

assunto que se referisse às alterações da estrutura política e territorial de um referido

Estado. Todavia, necessita-se impor limitações ao recurso do plebiscito, importante por

ser expressão da vontade dos povos, mas, de outra parte, perigoso já que era passível de

ser utilizado arbitrariamente, como é o caso da Crimeia.

Porém, esta polêmica anexação sobre a Crimeia por parte da Rússia também pode

ser discutida historicamente através da anexação pela França de regiões da Alsácia e da

Lorena, cidades antes pertencentes à Alemanha, embora não tenha ocorrido um

plebiscito. Aqui, por sua vez, a teoria de Mancini – na qual a etnia, a língua e a religião

têm vínculos e semelhanças com a construção teórica de Hegel – se torna relativa e

controversa em oposição à teoria fragmentária – comparável às “sensibilidades” de

Koskenniemi – defendida pelo historiador francês Fustel de Coulanges – que adota estes

argumentos sociológico-políticos: a opção da Alsácia de pertencer ao Estado francês foi

feita voluntariamente durante a Revolução Francesa sob pressupostos históricos e

políticos, comuns na formação dos Estados europeus. Para Coulanges, nem etnia nem

língua fazem uma nacionalidade. Hão de se verificar as conveniências geográficas, os

interesses políticos e comerciais na fundação dos Estados.

Com base em assuntos sobre nacionalidade, diversidade e segurança e nas obras

Da Apologia à Utopia e Autodeterminação Nacional Legal Hoje: Problemas de

Teoria Legal e Prática, ao descrever a distinção na Grécia Antiga entre realistas e

idealistas, é possível observar as contradições na aplicação das leis e a crítica, através de

autores realistas, a Mancini e a Bluntschli, para os quais o cosmopolitismo e o Sistema

Internacional estavam formados: “A nação espiritual era uma ficção.” De linha

filosófica similar a de Mancini, Hegel focou seu trabalho em uma crítica profunda da

religião na tentativa de deixar explícita a presença do Estado. A questão mais pertinente

seria: por que a Revolução Francesa falhou? Obviamente, ainda a Revolução

Napoleônica não havia conseguido destituir a relação Estado-Religião/Igreja. E essa

resposta demanda permanentemente um ataque à política do republicanismo liberal tal

como emergida de uma restauração.

Esta política nacionalista conseguiu se manter aprisionada dentro de algo que

permanecia assentada em um padrão religioso de pensamento. Era necessário, portanto,

atacar o padrão em si mesmo – o “idealismo” que este pensamento manifestava – para

produzir uma crítica efetiva da modernidade liberal, uma crítica à religião encontra-se

vulnerável à crítica da moralidade como subjetividade pura. O indivíduo encontra-se

separado das condições nas quais a individualidade é produzida. Hoje o princípio da

nacionalidade como emancipação política representa uma nova forma de imperialismo

vivida através dos direitos humanos, enaltecidos na Carta das Nações Unidas e

usufruídos pelo indivíduo abstrato, o que na verdade é uma teologia política em ação, a

apresentação de algo socialmente construído como dado de forma transcendental.

Através de sua crítica, Koskenniemi pretende não destruir o Sistema

Internacional, mas desmascarar falsos universalismos ao identificar as decisões

particulares nas tensões entre minorias étnicas, as políticas de imigração e os seus não-

efeitos de cidadania. Tomemos para citação as políticas sobre os limites de tolerância

étnica e religiosa do novo governo eleito na Bulgária, sobre as hostilidades do

nacionalismo radical e movimentos russofóbicos na Ucrânia.

Em contrapartida, se os modelos políticos democráticos possuem vários entraves

que acarretam sua ineficiência, Koskenniemi ressalta que ela pode estar no molde rígido

do contextualismo ou no risco do encorajamento do relativismo histórico, uma atitude

não-crítica de ideias históricas sobre a luz de ideias atuais. E de fato, também, a questão

crucial reside em analisar o âmago das instituições políticas, suas origens e suas

finalidades. Vê-se concordância sobre a origem do Estado, no sentido criticado por

Mancini, como aquele que é resultado de conquistas, usurpações e intervenções em um

determinado território que fazem com que se alterem aqueles confins naturais que

delimitam uma nação entendida aqui como aglomerado de indivíduos que possuem as

mesmas características físicas e a unidade moral que os conduz a serem conscientes de

formar uma mesma nação. A nação configura-se como uma obra de cunho religioso e

naturalista, sujeito natural e necessário em contraposição ao Estado, sujeito artificial e

arbitrário, obra da força. A nacionalidade gera entre os homens algumas relações

jurídicas espontâneas e naturais, enquanto o Estado, sendo fruto de um pacto político,

de um contrato, de um ato fictício, gera relações artificiais.

É nesse ponto, portanto, em que há um consenso entre Koskenniemi e Mancini.

Feitas essas considerações, Mancini observa que o princípio de nacionalidade incluiria

também “o limite ao injusto desenvolvimento de uma nação em detrimento das outras e

disso advir a livre e harmoniosa coexistência de todas”. Portanto, as nações devem

respeitar os limites advindos da existência de outras nações, não podendo sufocar o

direito ao livre desenvolvimento das outras. As nações constituídas por multíplices

elementos naturais e históricos possuem por limite natural o próprio direito das outras

nações, constituindo objetivo último e supremo da humanidade o respeito para com a

independência de toda nação. Mancini nesse instante está preocupado em analisar o

aspecto referente à coexistência das nacionalidades como embasamento a partir do qual

reformular a organização da sociedade internacional.

Afinal, questiona-se quais seriam as possíveis influências dessas posições teóricas

defendidas pelos dois autores acima mencionados, a despeito das divergências

existentes entre os mesmos, sobre o princípio de autodeterminação dos povos, e, para

tanto, são apontadas as continuidades e rupturas entre esse e o princípio de

nacionalidade.

Há, portanto, por um lado, um senso de perda da promessa emancipatória do

direito internacional, um ceticismo silencioso e, por outro, a esperança e a luta como

ponto de partida, cite-se a Primavera Árabe, para um projeto de emancipação, como o

defendido por Mancini e, também, pelas “sensibilidades” de Koskenniemi.

4. No Direito Positivo Ocidental e na Economia: A Democracia e a Cidadania

De acordo com as obras do prof. Arno Dal Ri Júnior – História do Direito

Internacional: Comércio e Moeda, Cidadania e Nacionalidade e Cidadania e

Nacionalidade – efeitos nacionais, regionais e globais –, é possível verificar hoje, com

o fenômeno da globalização, a aplicação do princípio de nacionalidade sob uma

fundamentação manciana com destaque para a União Europeia, que permite a cidadania

plúrima e a livre circulação de pessoas com a utilização do modelo normativo de Hans

Kelsen.

Em conexão com o que se abordou no Congresso Nations and Nationalisms, o

direito italiano foi um dos precursores na equiparação de cidadãos italianos e

estrangeiros, o que representaria mais tarde a criação de esferas de soberania integradas,

do ponto de vista político-jurídico, na universalização do status do cidadão europeu.

Essa ampliação de cidadania se deu após a Segunda Guerra Mundial, com o aumento do

dinamismo econômico e criação de instituições supranacionais. Este modelo

universalista também se almeja no Mercosul, quanto a países plenamente integrados

(Argentina, Brasil e Uruguai), ainda que em caráter incipiente, pois este bloco

econômico é uma união aduaneira imperfeita. No entanto fale-se de cidadania regional

ou global, para a aquisição da nacionalidade, devem ser preenchidos de acordo com o

ordenamento jurídico interno de cada país os critérios para naturalização, jus soli, jus

sanguinis e perda da nacionalidade. Observam-se, então, com esse discurso, três

fundamentos do direito internacional em Mancini: princípios da nacionalidade, da

autodeterminação dos povos e do cosmopolitismo.

Sem dúvida, nos dias atuais, o discurso de Mancini pertenceria a uma teoria

neoliberal, que privilegia o multilateralismo, a interdependência e o multicentrismo

entre as nações.

Já, numa visão koskenniemista, sobre o jornal Estudos em Etnicidade e

Nacionalismo e em Autodeterminação Nacional Legal Hoje: Problemas de Teoria

Legal e Prática, para a Escola de Londres de Economia e Ciência Política, uma nação,

de acordo com as necessidades de medidas ora coercitivas ora de inclusão da

diversidade cultural, deveria estar segura tanto das ameaças externas quanto internas, de

modo que deveria estar voltada para a segurança e integridade nacional. De um lado,

devem ser percebidas as ameaças externas de outros Estados e não-Estados, como

grupos terroristas. De outro lado, minorias e imigrantes podem ser percebidos como

ameaças internas por não reconherem a legitimidade da Nação-Estado ou no sentido de

não pertencerem à Nação.

Depois de passados os anos 90, a Economia, como uma “sensibilidade”, uma

Força Profunda das Relações Internacionais, pode nos ajudar a explicar as causas das

guerras civis através de análises econométricas, demográficas das classes sociais. A

educação histórica, por sua vez, pode exacerbar polarização e divisão (como se pode ver

nos conflitos de países africanos e do leste europeu) ou podem ter potencial

conciliatório. Sob uma égide democrática, precisa-se detalhar por que os grupos

necessitam tomar determinadas decisões sociais e discutir como tais grupos

desenvolvem seus aspectos culturais. É preciso focar como suas deliberações ocorrem e

com quais restrições afetam a aplicabilidade de deliberações em sociedades divididas.

Como exemplo, a migração étnica da Comunidade dos Estados Independentes

para Israel é amplamente considerada como um “laboratório de etnicidade”. A maioria

das pesquisas foca sobre fatores sociais e linguísticos de reestruturação de identidade,

em que o engajamento crítico com status social, de classes e de ambiente urbano é o

mais novo desenvolvedor sócio-econômico e urbano no leste europeu.

5. Considerações Finais

A partir das ideias abordadas tanto com base em Mancini quanto em

Koskenniemi, pode-se dizer que o direito internacional não provocará uma revolução

mundial. Talvez tal revolução não seja nem possível, nem necessária. No entanto, como

Koskenniemi deixa claro, por necessidade de compreender nossa realidade social

através do direito internacional, teremos de estar aptos a apoiar causas justas nas mais

diferentes formas (culturais, sociais, individuais), para, então, nos tornarmos sujeitos

comprometidos com uma política progressista, sob um viés universalismo-

particularidades.

Se realmente for possível redimir a promessa transformadora do direito

internacional e fazer com que seus seguidores reflitam de uma maneira mais acurada e

ajam de forma mais eficiente, tal redenção exigirá colocarmos o direito internacional em

uma continuidade histórica que o reconheça simultaneamente como parte da

modernidade e da crítica à modernidade.

Mancini também deixa seu legado ao direito internacional contemporâneo ao

enfocar a necessidade de um cosmopolitismo entre as nações, o que pode ser apreciado

na Carta das Nações Unidas de Direitos Humanos e da maior integração entre os povos,

como é o caso da União europeia. Porém, não podemos esquecer, tal qual já abordado,

que o estatismo (statehood) e os direitos individuais aparecem como formas de teologia

política. Hoje, o desconstrutivismo leva adiante parte do legado da dialética Realismo-

Idealismo. Neste sentido, ao analisar Mancini e Koskenniemi e suas perspectivas sobre

a nacionalidade, é possível encontrar a melhor forma de como isso pode ser feito sem

perdermos a ambição da universalidade do Direito.

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