102
P A R E C E R P A R E C E R JOSÉ AUGUSTO DELGADO JOSÉ AUGUSTO DELGADO – Parecerista. Consultor. Advogado. Magistrado durante 43 anos. Especialista em Direito Civil. Ministro Aposentado do STJ. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Idem pela Universidade Potiguar do RN. Acadêmico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Acadêmico da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico da Academia de Direito Tributário das Américas. Acadêmico da Academia Norteriograndense de Letras. Acadêmico da Academia de Direito do Rio Grande do Norte. Professor Aposentado da UFRN. Professor convidado do Curso de Especialização do CEUB Brasília. Ex-Professor da Universidade Católica de Pernambuco. Ex-Juiz Estadual. Ex-Juiz Federal. 1.A CONSULTA A COOPERATIVA MÉDICA DO RIO GRANDE DO NORTE – COOPMED/RN, a ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS DO RN E O SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por seus diretores, solicita-nos parecer jurídico sobre fatos que descreve do modo que, resumidamente, passamos a apresentar: a)O Estado do Rio Grande do Norte há mais de dez anos vem celebrando negócios jurídicos bilaterais (contratos) que obrigam a Cooperativa consulente à prestação de serviços médicos cirúrgicos e intervencionistas, por seus associados, aos usuários do SUS, nas especialidades de cardiologia (Arritimologia, Hemodinâmica e Cirurgia Cardíaca), Cirurgia Cardiovascular, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Cirurgia Oncológica Ginecologia, Mastologia, Página 1 de 102 1

Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A COOPERATIVA MÉDICA DO RIO GRANDE DO NORTE – COOPMED/RN, a ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS DO RN E O SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por seus diretores, solicita-nos parecer jurídico sobre:

Citation preview

Page 1: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

P A R E C E RP A R E C E R

JOSÉ AUGUSTO DELGADOJOSÉ AUGUSTO DELGADO – Parecerista. Consultor. Advogado. Magistrado durante 43 anos. Especialista em Direito Civil. Ministro Aposentado do STJ. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Idem pela Universidade Potiguar do RN. Acadêmico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Acadêmico da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico da Academia de Direito Tributário das Américas. Acadêmico da Academia Norteriograndense de Letras. Acadêmico da Academia de Direito do Rio Grande do Norte. Professor Aposentado da UFRN. Professor convidado do Curso de Especialização do CEUB – Brasília. Ex-Professor da Universidade Católica de Pernambuco. Ex-Juiz Estadual. Ex-Juiz Federal.

1.A CONSULTA

A COOPERATIVA MÉDICA DO RIO GRANDE DO NORTE – COOPMED/RN, a ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS DO RN E O SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por seus diretores, solicita-nos parecer jurídico sobre fatos que descreve do modo que, resumidamente, passamos a apresentar:

a)O Estado do Rio Grande do Norte há mais de dez anos vem celebrando negócios jurídicos bilaterais (contratos) que obrigam a Cooperativa consulente à prestação de serviços médicos cirúrgicos e intervencionistas, por seus associados, aos usuários do SUS, nas especialidades de cardiologia (Arritimologia, Hemodinâmica e Cirurgia Cardíaca), Cirurgia Cardiovascular, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Cirurgia Oncológica Ginecologia, Mastologia,

Página 1 de 98

1

Page 2: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Otorritonolaringologia e Urologia), Cirurgia Pediátrica, Cirurgia Plástica, Cirurgia Torácica, Cirurgia Vascular, Cirurgia Geral, Neurocirugia e Ortopedia, bem como a regular prestação de plantões e procedimentos eletivos.

b)As obrigações contratuais da Cooperativa consulente são todas de natureza médica e prestadas, também, em regime de plantão presencial de 12 (doze) horas efetivamente trabalhadas, tendo como local unidades hospitalares indicadas pelo Estado contratante, compreendendo, também, procedimentos seletivos.O objeto fundamental da contratação sempre foi o de complementar financeiramente a prestação de seérviços ao SUSsulente, a fim de atender aos usuários do sistema por ele administrado e executado pelos SUS nos hospitais e clínicas credenciados e convencionados pelo sistema universal de assistência à saúde.

c)Os contratos em questão foram sempre firmados com base no art. 25 da Lei n. 8.666, de 1993, que ampara, no caso, a inexigibilidade de licitação, sem nunca terem sofrido qualquer impugnação do Tribunal de Contas, do Ministério Público e de quaisquer outras pessoas públicas ou privadas.

d)Ocorreu que, em 31.12.2008, com o término do prazo do último contrato celebrado, o Estado do Rio Grande do Norte, não obstante a absoluta imperiosidade dos serviços médicos continuarem a ser prestados, pela necessidade de não se interromper a proteção à saúde dos usuários do SUS, resolveu não renová-los, apontando como motivação ter recebido comunicação do Ministério Público Estadual para assim agir, tendo em vista tal instituição ter

Página 2 de 98

2

Hindenberg Dutra, 22/01/09,
E o Estado do RN? O parecer trataconsulta sobre o contrato com o Estado (alínea “e”).
Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Ver comentário anterior.
Page 3: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

manifestado opinião no sentido de serem ilegais os mencionados pactos, sob a alegação de que os serviços de proteção da saúde médicos acima referidos só poderemm ser prestados por profissionais médicos servidores públicos vinculados ao Poder Público mediante concurso.

Os A consulentes, em face do panorama acima descrito, formulam os seguintes questionamentos:

I – Há amparo jurídico para a existência, validade e eficácia dos contratos de prestação de serviços médicos que a Cooperativa firmou, em nome dos seus associados, com o Estado do Rio Grande do Norte e a Prefeitura Municipal?

II – Os princípios e diretrizes constitucionais e infraconstitucionais aplicados ao SUS permitem a firmação de contratos e convênios com pessoas jurídicas de direito privado para a prestação de serviços médicos e hospitalares, em face da insuficiência do Poder Público em executá-los em benefício da clientela que está subordinada ao referido sistema?

III – As cooperativas de trabalho legalmente constituídas podem sofrer limitações, em suas atividades, impostas por agentes públicos, especialmente pelo Ministério Público?

IV – A prática do cooperativismo é estimulada, no Brasil, pela Constituição Federal?

V – Qual o alcance das recomendações expedidas pelo Ministério Público no sentido do Estado do Rio Grande do Norte não renovar os contratos de prestação de serviços médicos com a Cooperativa consulente?

Página 3 de 98

3

Page 4: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

VI – Quais os efeitos jurídicos da não renovação dos mencionados contratos terem provocado estado de calamidade pública na saúde da população do Estado do Rio Grande do Norte, conforme reconhecido pelo Poder Executivo em decreto expedido?

VII – Há outros aspectos jurídicos relevantes que devem ser considerados em torno do fato do Estado do Rio Grande do Norte não ter renovado os contratos acima indicados?

Passamos, a seguir, a expor o nosso entendimento, com base na interpretação que fazemos do nosso sistema legal, sobre as questões apresentadas pelosa consulentes, respondendo, ao final, ao que nos foi questionado.

2. A EVOLUÇÃO DO COOPERATIVISMO NO MUNDO E NO BRASIL.

A Ciência Jurídica tem investigado, de forma profunda, a evolução crescente do movimento cooperativista no mundo, atestando os benefícios que esse sistema de circulação de riquezas e de produção de trabalho tem produzido para as economias dos povos civilizados.

É necessário, para bem se compreender a importância do cooperativismo na era contemporânea, que sejam relatados, primeiramente, os fatos que lhe deram origem, situando-os no espaço e no tempo.

A história registra que, na antiguidade, os seres humanos praticaram formas de cooperação ou de ajuda mútua nos seus relacionamentos econômicos. Os babilônios, por exemplo, exploravam, em comunidade, terras arrendadas, enquanto gregos e romanos constituíram sociedades de auxílio-mútuo para funerais. Os cristãos, na época antes de Cristo, destinavam pessoas que, em grupos formados, tinham por missão guardar gêneros alimentícios, adotando um sistema muito aproximado

Página 4 de 98

4

Page 5: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

com o atualmente seguido pelas cooperativas de consumo.

Não obstante essas demonstrações de solidariedade por parte dos antigos, a realidade retrata que as cooperativas surgiram com o alvorecer do capitalismo, ganhando espaço na época da Revolução Industrial (século XVIII), tendo como berço a Inglaterra. Os fenômenos que determinaram o surgimento das cooperativas são explicados, com bastante clareza, por Arilson Favareto, no artigo “Uma Introdução à História do Cooperativismo”, publicado no site http://www.escolanet.com.br. Informa o referido doutrinador:

“Mas é somente com o surgimento do capitalismo que nascem também as cooperativas tal qual as conhecemos hoje. A Revolução Industrial, que acontece na Inglaterra, na metade do século XVIII, cria as condições que levaram ao surgimento das primeiras cooperativas: os trabalhadores das manufaturas da época eram qualificados e possuíam associações de ofício, que controlavam o exercício profissional; com a introdução das máquinas, estes trabalhadores começaram a sofrer a competição das fábricas, que empregavam pessoas não qualificadas, e produziam produtos mais baratos do que os artesanais.

O desdobramento natural de tal situação estava no fato de que, em pouco tempo, grandes contingentes de trabalhadores ficariam sem trabalho. As associações fizeram de tudo para impedir que as máquinas tirassem o sustento de seus membros. Ações clandestinas violentas – como a quebra das máquinas – foram reprimidas com vigor. Ao mesmo tempo, Robert Owen, um dos precursores do socialismo, argumentava que a indústria, em si, era benéfica, pois barateava os bens de consumo, mas argumentava também que as fábricas deveriam ser colocadas sob o controle dos trabalhadores, e que os resultados do trabalho em comum deveriam

Página 5 de 98

5

Page 6: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

ser repartidos igualmente. Owen propunha ainda que, ao redor das fábricas, se formassem aldeias cooperativas, em que os meios de produção seriam possuídos e geridos coletivamente.

Durante sua vida Owen criou várias aldeias com este caráter, uma nos EUA e as demais na Inglaterra. Na primeira metade do século XIX o owenismo tornou-se um movimento de massas na Inglaterra e passou a inspirar o nascente movimento das trade-unions. Owen tornou-se uma expressiva liderança das lutas operárias e passou a orientar os sindicatos a formar cooperativas de produção, visando disputar o mercado dos capitalistas.

Nesta época, centenas de cooperativas foram formadas e em diversas ocasiões os sindicatos tentaram levar adiante a estratégia preconizada por Owen. A reação dos capitalistas, claro, não tardou: foi organizada uma violenta ofensiva contra as organizações dos trabalhadores: trabalhadores com ligações com o movimento operário foram expulsos das empresas; listas com os nomes dos ativistas circulavam para impedir-lhes que conseguissem emprego; os trabalhadores eram obrigados a assinar uma promessa de jamais se filiar a um sindicato.

Com isso, parte dos sindicatos teve de fechar e outros passaram à clandestinidade. Com o declínio do movimento operário, muitas cooperativas também encerraram suas atividades. Mas, em 1844, um pequeno número de trabalhadores industriais fundou em Rochdale, um importante centro têxtil, uma cooperativa de consumo que eles chamaram “A sociedade dos pioneiros eqüitativos”. Eram todos militantes operários owenistas ou cartistas (partidários de um grande movimento da época que lutava pelo sufrágio universal masculino). Apoiados na experiência das décadas anteriores, eles adotaram oito princípios como base de sua

Página 6 de 98

6

Page 7: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

organização. Estes mesmos oito princípios inspirariam por muito tempo ainda a organização de cooperativas por todo o mundo”.

Os princípios que foram pregados pelos Pioneiros de Rochdale e que hoje estão presentes no sistema cooperativista são os seguintes:

a)A Sociedade seria governada democraticamente, cada sócio tendo um voto, independentemente do capital que tenha investido.

b)A Sociedade seria aberta a qualquer pessoa que quisesse se associar, desde que integralizasse uma quota mínima, igual para todos, de capital.

c)Sobre a divisão do excedente, o capital seria remunerado a uma taxa fixa de juros.

d)Sobre o critério a ser adotado para divisão do excedente, de que trata a regra anterior: o excedente que sobra depois de remunerado o capital deveria ser distribuído entre os sócios conforme o valor de suas compras.

e)A Sociedade só venderia à vista.

f)A Sociedade deveria apenas vender produtos puros e de boa qualidade.

g)A educação dos sócios seria um dos princípios da Sociedade.

h)A Sociedade deveria ser neutra política e religiosamente.

Lembra, ainda, Arilson Favereto, artigo citado, que o cooperativismo, desde o seu surgimento, tem evoluído em todos os países do mundo, tendo, hoje, importante participação na constituição do PIB de cada região onde ele atua.

Página 7 de 98

7

Page 8: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Registramos sobre essa evolução os comentários do celebrado autor:

“A Sociedade dos Pioneiros começou a funcionar muito modestamente, em 1844, com capital de 28 Libras, coberto em parte por um empréstimo do sindicato dos tecelões. Um ano depois o quadro de sócios já tinha aumentado de 28 para 74. Durante os primeiros anos, o crescimento foi modesto, mas em 1849 o Rochdale Savings Bank faliu, o que fez com que muitos ex-depositantes se associassem aos Pioneiros. O número de sócios subiu de 140, em 1848, para 390 no ano seguinte.

À esta época, a inspiração maior do movimento cooperativo era claramente socialista associacionista. A organização das cooperativas estava ligada a um objetivo maior, que era a construção de uma sociedade mais eqüitativa e justa. Além do próprio Owen, outros nomes importantes ligados a estas idéias foram seus discípulos Thompson e Cabet, ou dos chamados socialistas utópicos franceses Fourier e Blanc.

A partir da segunda metade do século XIX o cooperativismo separou-se do socialismo associacionista (ou utópico). Isso se deu quando os socialistas marxistas repudiaram o associacionismo, criticando as cooperativas como insuficientes para a emancipação do assalariado e contrárias ao programa comunista. Os marxistas alegavam que somente pequenos grupos de operários eram libertados do julgo do capital, transformando-se em burgueses.

Ainda no final do século XIX ocorre um novo surto de expansão do cooperativismo, sobretudo na Europa Ocidental e na América do Norte, motivados pela ocorrência de crises econômicas e a necessidade de respostas ao conseqüente problema do desemprego.

Página 8 de 98

8

Page 9: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Durante o século XX, o pleno emprego, que perdurou durante aproximadamente trinta anos após a Segunda Guerra Mundial, aliado às conquistas salariais e de direitos sociais que os trabalhadores obtiveram no período, fez com que o interesse pelo cooperativismo diminuísse. Mas isso não quer dizer que ele deixou de existir, bem ao contrário: consolidaram-se não só antigas cooperativas como surgiram muitas novas e em diferentes ramos, como se verá adiante. De outro lado, nos países socialistas desenvolveu-se um intenso movimento de cooperativização e coletivização, porém, na maioria das vezes ela foi conduzida de uma maneira verticalizada, onde o Estado acabava substituindo o papel do empregador.

O final do século XX, principalmente a partir dos anos setenta, é palco de uma nova retomada do movimento cooperativista. As transformações tecnológicas com a introdução de máquinas e técnicas de gestão que poupam força de trabalho, associada ao desmonte de políticas sociais, fizeram com que as cooperativas voltassem a ser vistas como alternativa ao desemprego. Paralelamente, algumas das mesmas transformações tecnológicas que penalizaram os trabalhadores também abriram importantes possibilidades de novos mercados para as cooperativas.

É na virada para este último terço do século que aqueles velhos princípios do cooperativismo são retomados e atualizados. No XXIII Congresso da Aliança Cooperativa Internacional, em Viena, na Áustria, eles ficaram assim estabelecidos: 1. Adesão livre. 2. Indiscriminação social, política, religiosa e racial. 3. Um homem, um voto. 4. Retorno das sobras. 5. Juro limitado ao capital. 6 Educação permanente. 7. Cooperação intercooperatiava.”

Página 9 de 98

9

Page 10: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

A importância do cooperativismo como sistema econômico e de prestação de serviços conduziu a Organização das Nações Unidas a lhe dedicar especial atenção, principalmente por ser uma entre outras formas de contribuir para a consecução das “Oito Metas para o Milênio” que estabeleceu a fim de ajudar a diminuir a miséria e a pobreza no mundo até 2015. Esta contribuição do cooperativismo para o alcance dessa meta pela ONU foi estudada pelo escocês Johnston Birchall  em seu livro “Cooperativas e as Metas de Desenvolvimento do Milênio”, que foi lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a Committee for the Promotion and Advancement of Cooperatives (Copac). O autor destaca, na obra mencionada, o papel e o potencial das cooperativas em ajudar para que as metas de melhoria econômica e social do mundo sejam alcançadas.

Na atualidade, a Organização das Nações Unidas (ONU) “reconhece que as cooperativas desempenham um papel importante no desenvolvimento econômico, social e cultural das comunidades, promovendo a mobilização das pessoas para reagirem contra o problema do desemprego e da exclusão social”, conforme informam os juristas que se voltam a examinar a atuação de tão importante instituição.

O movimento das cooperativas nos cinco continentes é coordenado pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), “entidade que tem por objetivo promover discussões em torno desse modelo de organização de geração de trabalho e desenvolvimento econômico e social e cultural das comunidades, promovendo a mobilização das pessoas para reagirem contra o problema do desemprego e da exclusão social”, conforme reconhece a doutrina.

A ACI – Aliança Cooperativa Internacional foi criada em 1895. É a entidade responsável pela coordenação do cooperativismo no mundo. Ela, além de representar as cooperativas, tem também o papel de apoiar o seu desenvolvimento e integração do sistema cooperativista. Sediada em Genebra, Suíça, a ACI é membro do Conselho das Nações Unidas –

Página 10 de 98

10

Page 11: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

ONU. Na América, as Cooperativas são representadas pela OCA – Organização das Cooperativas das Américas,com sede localizada em Bogotá, Colômbia, órgão composto por 20 países, incluindo o Brasil. , cuja sede localiza-se em Bogotá, Colômbia.

A importância do movimento cooperativista no mundo e no Brasil foi realçado no dia 05 de julho de 2008, quando mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo comemoram sua data anual. Atualmente, segundo a ONU, cerca de 3 bilhões de homens, mulheres e crianças – metade da população mundial – têm suas subsistências garantidas por meio de cooperativas.

Realçado deve ser que, no tocante ao Brasil, o cooperativismo tem avançado aceleradamente e ainda há muito espaço para crescimento. Há 7,6 milhões de filiados, por exemplo, às cooperativas rurais e urbanas no Brasil. Já nos EUA há cerca de 150 milhões de cooperados e, na Índia, 250 milhões. No campo, a produção gerada pelas cooperativas brasileiras é de R$ 60 bilhões, o que corresponde 2,85% do PIB nacional. Nas cidades, as cooperativas estão em diversas áreas do nosso dia-a-dia, desde a reciclagem de lixo, a prestação de serviços, consumo, crédito e até a organização de eventos e execução de artes cênicas. As cooperativas, no Brasil, proliferam-se também nas áreas de saúde, educação, compra de alimentos, aquisição de imóveis e obtenção de crédito. A organização em cooperativas tornou-se, sobretudo, a forma encontrada por milhares de pessoas para inserir-se no mercado de trabalho e garantir a fonte de renda para suas famílias, conforme tem constatado os estudiosos do tema. São realidades jurídicas que recebem forte incentivo do Estado como Nação, conforme iremos a seguir demonstrar.

3. COOPERATIVAS. NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADES.

Cooperativa, na terminologia jurídica, designa a organização ou a sociedade, constituída por várias pessoas, com o fito de melhorar ou

Página 11 de 98

11

Page 12: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

aprimorar a economia ou o trabalho dos seus associados.

Na sua composição, a cooperativa adota, ordinariamente, natureza civil e se classifica como sociedade de pessoas e não de capitais.

Na vida de relações, constituem-se, com freqüência, cooperativas destinadas ao desenvolvimento (i) da produção agrícola e da produção industrial, ao (ii) agrupamento de profissionais, que dão origem às chamadas cooperativas de trabalho, ao (iii) favorecimento de compras e de vendas em comum, ao (iv) beneficiamento de produtos, ao (v) abastecimento, à (vi) melhoria das condições indispensáveis à obtenção de crédito, ao (vii) seguro de pessoas, de bens e de valores, à (viii) construção de casas populares, (ix) à editoria de obras intelectuais e à (xi) implantação de escolas, sem que se possa dizer que esse elenco, a despeito de variado e extenso, esgote o rol das atividades que ensejam a agregação de pessoas, nos moldes instituídos pela Lei nº 5764, de 1971, e pelo Código Civil, arts. 1093 a 1096.

A agregação sob forma cooperativa, que cresce, de forma avassaladora, em todos os continentes e, em especial, no Brasil e nos demais países latinos, tem, como característica primordial, proeminente e principal, a proscrição de lucros, que não podem, sob nenhum pretexto, ser apurados e distribuídos entre os cooperados, como ressai, com absoluto coeficiente de certeza, do discurso pronunciado pela Lei nº 5764, de 1961, art. 3º.

Assinalam as sociedades cooperativas, também, outros traços enumerados pelas normas legais de regência, que afastam, desenganada e incontornavelmente, a motivação finalística dos cooperados da obtenção, por qualquer deles, de proveito econômico conceituável como lucro.

Assim, as sociedades em comento conformam-se:

Página 12 de 98

12

Page 13: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

(i) pela variabilidade ou dispensa do capital social. Em razão da variabilidade, o capital pode aumentar ou diminuir, caso se admitam novos sócios ou se excluam sócios antigos. De qualquer forma, o capital, quando declarado, funciona como índice de responsabilidade, que pode ser limitada, se o cooperado é chamado a responder pelo valor de suas cotas e pelo prejuízo verificado nas operações, de modo proporcional à sua participação em tais operações, ou ilimitada, se o associado responde, sem limitação, pelas obrigações sociais (Código Civil, art. 1095, §§ 1º e 2º);

(ii) pela limitação da soma das cotas que cada sócio pode titular;

(iii) pela intransferibilidade das cotas, ainda que por herança, a terceiros estranhos à sociedade;

(iv) pelo quorum, necessário ao funcionamento e à tomada de deliberações pela assembléia geral, que se apura a partir do número de presentes à reunião, sem dependência do capital representado;

(v) pelo direito de cada sócio a um só voto, nas deliberações afetas à assembléia geral, qualquer que seja o valor de sua cota;

(vi) pela distribuição dos resultados, em proporção ao montante das operações realizadas pelo sócio com a sociedade;

(vii) pelo impedimento à repartição do fundo de reserva entre os sócios, mesmo em caso de dissolução da sociedade; e

(viii) pela área de atuação, pois à sociedade é defeso, de modo terminante, estender a sua atividade além dos limites em que, naturalmente, possa exercer o seu controle, ou tenha condições de reunir os seus associados.

Essas características, em seu conjunto, mostram que as sociedades cooperativas comprometem, irremediavelmente, os seus

Página 13 de 98

13

Page 14: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

integrantes com os objetivos por elas visados, decorrendo, dessa asserção, que os cooperados, à oportunidade de sua constituição e ao longo de toda a sua existência, são animados por uma motivação finalística, que prepondera sobre os resultados provenientes da atividade comum. Essa verdade, que se extrai não somente da lei, mas, também, das realidades que se espraiam sobre os diferentes espaços físicos e as diversas ambiências sociais, evidenciam que o cooperativismo não somente ajuda a movimentação do Estado, mais ainda, por, enquanto modalidade de atuação associativa, esse fenômeno exsurge como instrumento apto a levar à coletividade, os serviços que o Poder Público deve prestar sob o timbre da eficiência, da diuturnidade e de serem fundamentais à saúde dos cidadãos e à vida humana.

4. O COOPERATIVISMO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988 E NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.

A Constituição Federal, art. 174, § 2º, manda que a lei, com exclusão de qualquer outra alternativa, estimule e apóie o cooperativismo, que, por força desse mandamento, passou a ser uma das vigas mestras da atividade econômica que viceja no Estado brasileiro, pois, do contrário, a função legislativa estaria exonerada dos deveres de fomentá-lo e de respaldá-lo, os quais, em virtude da cogência reconhecida aos preceitos incorporados à Carta Política, não devem ser vistos, estudados, analisados e interpretados como promessas vagas, estéreis e inconseqüentes.

A dicção do art. 174, § 2º, da Lex Legum, que emana, direta e imediatamente, do postulado da dignidade humana (art. 1º, III, CF) e do princípio da liberdade de associação para fins lícitos (CF, art. 5º, XVIII), ressalta dúplice dimensão: (i) uma, de caráter individual, que se encerra no direito de criar ou de aderir à cooperativa preexistente, de nela permanecer ou dela sair, quando conveniente ao associado; (ii) outra, de caráter social, que impõe, ao Poder Público, a obrigação indeclinável de reconhecer, valorizar,

Página 14 de 98

14

Page 15: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

incentivar o surgimento e velar, por todos os meios, pela existência dos entes cooperativos, pois, sem deixar qualquer margem de discrição ao administrador, é isso o que quer a Carta Política.

A mensagem constitucional, portanto, é de prestigiar o máximo as atividades das cooperativas, dando-lhe suporte jurídico e não permitindo que lhes sejam impostas quaisquer restrições no desempenho dos seus objetivos por qualquer agente público, incluindo-se, em tal contexto, o Ministério Público.

Toda a sistemática posta na Constituição Federal regulando o cooperativismo está voltada para homenagear e aprimorar os valores que o cercam: a) Ajuda Mútua e Responsabilidade; b) Democracia; c) Igualdade; d) Equidade; e) Solidariedade; f) Honestidade; g) Transparência e h) Responsabilidade Social.

Não é demais lembrar que, além do art. 174, § 2º, da CF, obrigando o Poder Público a estimular o cooperativismo no Brasil, o mesmo diploma maior, em seu art.146, III, “c”, impõe que seja dado, por Lei Complementar, tratamento tributário adequado ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. Há, ainda, que se considerar que a associação em cooperativas constitui um direito fundamental do cidadão, conforme acima demonstrado.

No campo infraconstitucional, o regime cooperativista é regido pela Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e pelo Código Civil de 2002. A Lei n. 5.764, de 1971, define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. Do seu conteúdo, destacamos para registro os dispositivos seguintes:

a)O art. 1º que estabelece a Política Nacional de Cooperativismo ao determinar que: Art. 1° “Compreende-se como Política Nacional de Cooperativismo a atividade decorrente das iniciativas ligadas ao sistema cooperativo,

Página 15 de 98

15

Page 16: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

originárias de setor público ou privado, isoladas ou coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interesse público.”

b)O art. 2º e seu parágrafo único que fixam as atribuições do Governo Federal no sentido de estimular o cooperativismo. Impõe a postura seguinte: Art. 2° “As atribuições do Governo Federal na coordenação e no estímulo às atividades de cooperativismo no território nacional serão exercidas na forma desta Lei e das normas que surgirem em sua decorrência.” Parágrafo único. “A ação do Poder Público se exercerá, principalmente, mediante prestação de assistência técnica e de incentivos financeiros e creditórios especiais, necessários à criação, desenvolvimento e integração das entidades cooperativas.”

c)O art. 3º que, expressamente, após definir o contrato de sociedade cooperativa como sendo de pessoa, estabelece que tal forma de associação não pode ter o lucro como objetivo: Art. 3° “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”.

d)O art. 4º que afirma serem as cooperativas sociedades de pessoas, “com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;III - limitação do número de quotas-partes

Página 16 de 98

16

Page 17: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;

V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços”.

e)A dissolução das cooperativas só pode ocorrer como definido nos art. 63 e 64 que ditam: Art. 63. “As sociedades cooperativas se dissolvem de pleno direito:

I - quando assim deliberar a Assembléia Geral, desde que os associados, totalizando o número mínimo exigido por

Página 17 de 98

17

Page 18: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

esta Lei, não se disponham a assegurar a sua continuidade;

II - pelo decurso do prazo de duração;

III - pela consecução dos objetivos predeterminados;

IV - devido à alteração de sua forma jurídica;

V - pela redução do número mínimo de associados ou do capital social mínimo se, até a Assembléia Geral subseqüente, realizada em prazo não inferior a 6 (seis) meses, eles não forem restabelecidos;

VI - pelo cancelamento da autorização para funcionar;

VII - pela paralisação de suas atividades por mais de 120 (cento e vinte) dias.Parágrafo único. A dissolução da sociedade importará no cancelamento da autorização para funcionar e do registro.

Art. 64. “Quando a dissolução da sociedade não for promovida voluntariamente, nas hipóteses previstas no artigo anterior, a medida poderá ser tomada judicialmente a pedido de qualquer associado ou por iniciativa do órgão executivo federal”.

f)A definição de atos cooperativos expressada pelo art. 79 assim redigido: Art. 79. “Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”.

Página 18 de 98

18

Page 19: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

A Lei n. 5.764, de 1971, de onde destacamos os dispositivos acima mencionados, é composta por 136 artigos que disciplinam o funcionamento das cooperativas, a demonstrar que elas são realidades jurídicas no sistema de direito brasileiro, pelo que não podem sofrer limitações em suas atividades pelo Poder Estatal, inclusive pelo Ministério Público.

5. DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DAS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS DA SAÚDE. O SUS NA CF.

A Constituição, na cabeça do seu art. 6º, considera a saúde como direito social, nivelando-a, no particular, à educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados.

No art. 196, a Constituição estabelece uma relação bipolar: ao tempo em que proclama que a saúde é um direito de todos, cria, para o Estado, o dever de torná-lo efetivo, dizendo-lhe, impositivamente, que, para tanto, precisam ser implementadas políticas sociais e econômicas, capazes de (i) reduzir o risco de doença e de outros agravos e de (ii) propiciar o acesso universal e igualitário às ações e serviços tendentes à sua promoção, proteção e recuperação.

O direito à saúde, de natureza fundamental, conforma-se, portanto, como um direito público subjetivo, exigível do Estado, que suporta o dever de prestá-lo, sem que possa invocar, para dele abster-se ou exonerar-se, a reserva do financeiramente possível, conquanto saibam, os seus dirigentes e os administrados, que ela substancia uma condição de viabilidade dessa e de todas as outras promessas constitucionais de igual natureza (cfr. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gounet Branco, in Curso de Direito Constitucional – IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, 2ª ed., 2008, págs. 1367/1368; e Sérgio Pinto Martins, in Fundamentos de Direito da Seguridade Social, 6ª ed., São Paulo, Atlas, pág. 156).

Página 19 de 98

19

Page 20: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Do direito à vida, que contempla a generalidade dos seres humanos, resulta que, se doente, a pessoa física deve receber um tratamento condigno, compatível com o desenvolvimento e o avanço científico e tecnológico das ciências médicas, quaisquer que sejam as suas situaçõesão econômicas e posição social, a menos que se deseje elidir a valia da sua consignação em cláusulas constitucionais.

José Afonso da Silva (cfr. in Comentário Contextual à Constituição, Malheiros Editores, 2ª ed., São Paulo, 2006, págs. 767/768, com grifos no original) destacou, com inexcedíveis clareza e precisão conceitual, os contornos do direito à saúde e a sua relevância na ordem constitucional:

“A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Os conservadores criticam o texto constitucional, sob o argumento de que é impossível um direito à saúde, porque não haveria como dar saúde, já que esta é uma questão fisiológica que foge ao arbítrio do Poder Público. Esse modo de encarar o direito à saúde chega a ser mesquinho e parco de sensibilidade. Gomes Canotilho e Vital Moreira colocaram bem a questão, pois, como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes, conforme anotam: “uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando à prevenção das doenças e ao tratamento delas.” Como se viu do enunciado do art. 196 – e se confirmará com a leitura dos arts. 198 a 200 -, trata-se de um direito positivo “que exige prestações do Estado e que impõe aos entes públicos a realização de determinadas tarefas (...), de cujo

Página 20 de 98

20

Page 21: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

cumprimento depende a própria realização do direito”, e do qual decorre um especial direito subjetivo de conteúdo duplo: por um lado, pelo não cumprimento das tarefas estatais para a sua satisfação, dá cabimento à ação de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, “a”, e 103, § 2º); e, por outro, o seu não atendimento, in concreto, por falta de regulamentação, pode abrir pressupostos para a impetração do mandado de injunção (art. 5º, LXXI)...”

A bipolaridade, anteriormente remarcada, aproxima da perfeição a norma em comento, pois tanto comete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o dever de assegurar a saúde aos seus destinatários, como enumera as prestações necessárias ao atingimento desse desiderato, evitando, assim, que direito de tamanha envergadura se convole em promessa irrealizável.

O dever do Estado, de tornar ao alcance de todos o acesso às ações de saúde, não se restringe à recuperação ou à oferta da medicina curativa, mas compreende, também, um plexo de serviços em ordem a evitar a instalação do quadro patológico, como se obtém da cláusula “...que visem à redução do risco da doença e de outros agravos, inserta na parte final do art. 196, da Constituição Federal. É esta a importância da norma: a promoção e a proteção de uma vida humana saudável, que, juntamente com o restabelecimento da saúde, enfeixam-se em um direito fundamental”.

Dos cometimentos prescritos ao Estado, pela Constituição Federal, art. 196, nasce um direito originário a prestações, de irrecusável atendimento pelo Poder Público, que deve ser satisfeito sempre que presentes, no mundo fenomênico, conforme as notas tônicas arroladas J.J Gomes Canotilho:

“Afirma-se a existência de direitos originários a prestações quando: (1) a partir da garantia constitucional de

Página 21 de 98

21

Page 22: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

certos direitos (2) se reconhece, simultaneamente, o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efetivo desses direitos; e (3) a faculdade de o cidadão exigir, de forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos.” (cfr. in Direito Constitucional, 6ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1995, pág. 543)

Demonstrada, com sólida radicação doutrinária, a irrecusabilidade, pelo Estado, das prestações compreendidas na locução ações de saúde, vejamos como devem ser desenvolvidos os meios prescritos pela Constituição Federal, art. 196.

Impende destacar, em primeiro plano, que se inclui na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, prover, legislativamente, sobre “previdência social, proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII).

Pois bem: isso significa que, no campo da saúde, a atividade legiferante da União está limitada ao estabelecimento de normas gerais (CF, art. 24, § 1º), cabendo aos Estados e ao Distrito Federal editar normas suplementares (CF, art. 24, § 2º), que vêm a lume com um objetivo certo e indestorcível: ajustar as ações de saúde, desenvolvidas nos limites do seu território, às peculiaridades locais.

Sobreleve-se, a propósito, que os Municípios ficaram à margem da competência concorrente, disciplinada pela Constituição Federal, art. 24. Daí não se segue, contudo, que esses entes políticos se ressintam de parcela de poder para complementar, no que couber, as legislações federal e estadual, sobretudo no tocante à regência dos serviços de saúde, que devem prestar, de forma contínua e ininterrupta, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado em que estiverem situados (CF, art. 30, VII).

Depois de delinear o denominado Sistema Único de Saúde , e de declinar-lhe as diretrizes e as

Página 22 de 98

22

Page 23: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

fontes de financiamento (art. 198, caput, I e II, e §§ 1º e 2º), a Constituição Federal permite que instituições privadas dele participem, de modo complementar e segundo as suas diretrizes, que são trasladadas do direito legislado e expressas em convênio ou em contrato de direito público, para cuja celebração é assegurada preferência às entidades filantrópicas e às entidades desprovidas de fins lucrativos, que compreendem, dentre outras, as cooperativas de trabalho médico (CF, art. 199, § 1º).

Mas não é só: ademais da preferência, substantivada em disposição constitucional expressa, das entidades sem fins lucrativos sobre as instituições privadas com fins lucrativos para, em igualdade de condições, conveniar ou contratar com o Poder Público a prestação de serviços de saúde, a Constituição Federal veda, de modo terminante, que estas últimas recebam da União, dos Estados ou dos Municípios auxílios ou subvenções, em ordem a possibilitar o seu funcionamento (CF, art. 199, § 2º).

Não se diga que a prestação paga pelo Estado a uma instituição privada com fins lucrativos, por força de um contrato, tem inerência a esse negócio jurídico e, por isso, não pode ser vista nem tratada, para os fins cogitados, como subvenção ou auxílio. E isto porque a vedação em causa não deve ser examinada sob um ângulo meramente formal, mas, isso sim, sob o seu aspecto material, que requesta a investigação dos motivos conducentes à contratação.

Pois bem: é sabido que os hospitais particulares, neste e em outros Estados da Federação, convivem com agudas crises financeiras, marcadas por débitos com as Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, a Previdência Social, o Fundo de Garantia e fornecedores, que podem levar parte deles à ruína. Se isso é certo, não é menos certo que contratos emergenciais, firmados com instituições cercadas por tantos e tamanhos débitos, a pretexto de resolver o caos da saúde, podem configurar, substancialmente,

Página 23 de 98

23

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Verificar a conveniência de inserir a questão do vínculo trabalhista.
Page 24: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

auxílios ou subvenções aptos a frustrar a teleologia da vedação inscrita na Constituição Federal, art. 196, § 2º.

A mera possibilidade desse enliço, que não é remota, deveria conter a ação do Ministério Público, ou refrear os propósitos dos seus integrantes, pois, ademais de defender a ordem jurídica (CF, art. 127, caput), essa instituição deve proteger o patrimônio público e social, podendo, para alcançar esse fim, instaurar o inquérito civil, a que se refere a Constituição Federal, art. 127, III, e propor a ação civil pública de responsabilidade por danos prevista e regulada pela Lei nº 7374, de 1985.

Fixados estes pontos, tem-se que inexistem óbices à contratação da Cooperativa consulente, para desenvolver ações de saúde em nome do Estado do Rio Grande do Norte e do Município de Natal, à conta de recursos próprios e dos recursos alocados ao Sistema Único de Saúde. Mas não é só: convém lembrar que, além da ausência de impedimento jurídico para a contratação, à Cooperativa consulente, que não visa lucros nem os distribui entre os seus associados, é reconhecida preferência que tem para celebrar o ajuste, em igualdade de condições com as instituições privadas com finalidade lucrativa.

Não devemos perder de vista que o direito à saúde é de natureza fundamental. Apresentando-se o Estado como sem condições de prestar os serviços necessários para garantir a sua prestação com eficiência, o que é o seu dever, não impede a Constituição Federal que, enquanto o Poder Público não se aparelhar para tal mister, firme contratos com Cooperativas Médicas de Prestação de Serviço para cumprir o desiderato constitucional.

6. A RENOVAÇÃO DO CONTRATO COMO EMANAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

A consulente, através de sucessivos contratos, vem desenvolvendo ações de saúde, às coletividades sujeitas ao poder administrativo do Estado do Rio

Página 24 de 98

24

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
E a Constituição Estadual? Na página 20 se defende a competência dos Estados e do Distrito Federal para editar normas suplementares.
Page 25: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Grande do Norte e do Município de Natal. Esses negócios jurídicos nunca foram contestados pelo Ministério Público e receberam aprovação do Tribunal de Contas, tendo em vista a plena legalidade que os revestia.

Em decorrência desse fato, os médicos cooperados incorporaram, aos seus orçamentos, os resultados ou proveitos econômicos originários do trabalho associativo, que, em conseqüência, concorrem, decisivamente, para a subsistência dos seus núcleos familiares e das pessoas que se colocam debaixo de sua dependência.

Na essência do cumprimento dos referidos contratos, o Estado, com a colaboração das cooperativas, prestou, com eficiência, os serviços de assistência à saúde, em todos os níveis, que a população necessitou. A incapacidade do Estado de cumprir a vontade constitucional por via de serviços diretos, isto é, por seus médicos servidores públicos, em face do pequeno contingente existente em seus quadros funcionais, foi afastada com a parceria firmada com as Cooperativas. O sistema SUS, consequentemente, funcionou por mais de um decênio no Rio Grande do Norte realizando os seus objetivos.

Não é justo, assim, que mencionados profissionais fiquem privados de tais rendimentos e comprometam, com essa privação, o sustento de inúmeras pessoas, que interferem fortemente na cadeia produtiva, na condição de adquirentes de serviços de educação, de alimentos, de vestuários e de vários outros objetos idôneos a formar as denominadas relações de consumo.

Não é de justiça e ofende ao postulado da dignidade humana a postura do Estado em não renovar os contratos já enfocados, contribuindo, como ele próprio reconhece, para se estabelecer um estado de calamidade pública na saúde pública. O cidadão hipossuficiente, especialmente, está ferido em seu direito fundamental de ser assistido pelo Poder Público quando necessita de zelar pela

Página 25 de 98

25

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Seria contingente!
Page 26: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

sua saúde, a fim de garantir uma vida com melhor qualidade e mais longeva.

Por outro lado, é imperioso lembrar que a Cooperativa consulente vem prestando, ao longo de todos esses anos, serviços que se notabilizam pela sua elevada qualidade, porquanto, até o momento, inexistem questionamentos respeitantes (i) à sua concordância com as regras pertinentes ao correto exercício da medicina, tampouco com (ii) à sua compatibilidade com o inegável desenvolvimento científico e tecnológico dessa área do conhecimento.

Convém frisar, aliás, que o incontroverso ajustamento do serviço às regras da profissão exsurge, em concreto, como um consectário da presunção de legitimidade que marca o ato administrativo, como um atributo seu, eis que, sem embargos às objeções formuladas pela Promotoria de Saúde da Comarca de Natal, a titular desse órgão jamais produziu, e não produzirá nunca, prova dotada de força e consistência para infirmar essa verdade.

Mas a presunção de legitimidade não tem inerência apenas com os seguidos e uniformes atos de renovação: essas avenças foram objeto de criteriosas auditagens, levadas a efeito pelo Tribunal de Contas do Estado, na exercitação da competência elencada na Constituição Federal, art. 71, I e II, e 75, caput, que não lançou nenhuma glosa detrimentosa à despesa e ao padrão dos serviços.

Feitos estes aclaramentos, cumpre reevidenciar: as circunstâncias jurídicas que vêm de ser apontadas – sucessivas renovações contratuais e ausência de glosa pela Corte de Contas – fazem nascer, em benefício das prestações que vinham sendo contratadas, a certeza de que os profissionais responsáveis pelos serviços, à semelhança da entidade que os agrega, sempre procederam com absoluta lisura, para com o Estado e a coletividade atendida, em obséquio à presunção de legitimidade e veracidade que acompanha o ato

Página 26 de 98

26

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Melhor tirar!
Page 27: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

administrativo, testificando-lhe a validade, até que o Poder Público, por decisão coberta pela preclusão administrativa, ou o Judiciário, louvado em prova consistente e incontroversa, pronuncie a sua invalidade.

A asserção que vem de ser feita encontra conforto na opinião indiscrepante da doutrina (cfr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo, 15ª ed., Atlas, São Paulo, 2003, págs. 191 e segs., Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 18ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2004, págs. 387/388: do mesmo autor: Elementos de Direito Administrativo, Revista dos Tribunais, 1ª ed., São Paulo, 1983, pág. 51, Diógenes Gasparini, in Direito Administrativo, Saraiva, 4ª ed., 1995, pág. 72) e, em especial, no magistério de Hely Lopes Meirelles, que deixou lançado:

“Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade dos seus atos, para só após dar-lhes execução.

A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que atingidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos como válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos e beneficiários dos seus efeitos.”

Página 27 de 98

27

Page 28: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Em passo seguinte, concluiu o acatado publicista:

“Outra conseqüência da presunção de legitimidade é a transferência do ônus da prova do ato administrativo para quem a invoca. Cuide-se de argüição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia.” (cfr. in Direito administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 19ª ed., São Paulo, 1994, pág. 141. Grifos do original)

Sob outro ângulo de análise, convém salientar que a atuação administrativa, sendo dominada e informada pela lei, tem a sua validade dependente da observância, pela autoridade competente para empreendê-la, de um fim público, mesmo que a esse elemento não se reporte, às expressas, a norma de regência.

Tenha-se presente, porém, que afigura-se insuficiente a persecução, pelo Estado, de uma finalidade qualquer de interesse coletivo: é imperioso que seja buscado o objetivo específico, entendido como a finalidade expressa ou implícita que, para esse efeito, é apurada, concretamente, a partir da natureza da prestação ou do serviço.

Se a autoridade ressentir-se de meios e modos para declinar, objetiva e convincentemente, as razões de fato e de direito determinantes do modelo de comportamento que vinha sendo seguido, anos a fio, é forçoso reconhecer o seu afastamento do fim público, que tanto pode estar expresso em lei, como despontar por injunção peculiar à realidade vivenciada em determinada unidade federada.

As práticas e rotinas administrativas precisam guardar uma teleologia, que, concernindo ao interesse público, compõe o seu teor ideológico e ideativo. Em decorrência, para afastar-se de determinada prática ou rotina, ou substituí-la por outra, incumbe à autoridade, com exclusão de

Página 28 de 98

28

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Verificar se tem crase!
Page 29: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

qualquer outra alternativa, demonstrar, circunstanciadamente, que a mudança trará ganhos para a coletividade, pois, só assim, permanecerão intocados dois elementos fundamentais de legalidade: a finalidade e o motivo.

Ou na precisa lição de Caio Tácito:

“Outro requisito fundamental de legalidade é a finalidade do ato administrativo. Juntamente com o motivo, ele determina a vontade do agente, conduzindo-a a uma destinação fixada pelo legislador. Os motivos precedem ao ato, criam as condições de sua existência, servem de ponto de apoio ao processo intelectual e volitivo de que emana a realização do objeto. A finalidade é o sentido teleológico do ato, é o objetivo jurídico e material a que se dirige, em última análise, a ação administrativa.”

(...)“Os motivos e a finalidade do ato se

sucedem e se completam, mas não se confundem. Toda manifestação de um agente administrativo está condicionada ao interesse público, como destinatário permanente da ação do Estado. Assim, in genere, qualquer ato administrativo está vinculado a um fim público, mesmo que a ele não se reporte, explicitamente, a norma legal de competência. Mas não é suficiente que o ato administrativo se enderece a uma finalidade qualquer de interesse coletivo. É necessário que se observe a finalidade específica, ou seja, o fim expresso ou implícito relacionado com a própria natureza do ato. Se o agente visou a realização de outro fim socialmente legítimo, mas em discrepância com o objetivo da regra legal executada, haverá, igualmente, vício substancial de nulidade e o ato se tornará írrito e nulo.” (cfr. Ato e Fato Administrativo, in Temas de Direito Público – Estudos e Pareceres -, 1997, Renovar, Rio de

Página 29 de 98

29

Page 30: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Janeiro, 1º vol., págs. 299/300. Grifos do original)

Assim, à míngua de prova forte eo suficiente para elidir a verdade de que os serviços de saúde prestados pela consulente, através dos seus associados, atendem, satisfatoriamente, às necessidades dos administrados, aos entes públicos que deles são tomadores – Estado do Rio Grande do Norte e Município de Natal – cabe, por imposição das necessidades enfrentadas pelas populações assistidas pelo Sistema Único de Saúde – SUS -, testificar o seu elevado padrão de qualidade e propiciar a sua fruição, sem solução de continuidade, pelo universo dos seus destinatários.

Os fatores agora remarcados impõem, às entidades políticas obrigadas a desenvolver as denominadas ações de saúde, a renovação da avença, salvo se os seus dirigentes quiserem, a descoberto de causa legítima, infligir maus tratos à segurança jurídica, que, no caso em apreço, atende a duas ordens de interesses: (i) ao direito da consulente à renovação do contrato e, consectariamente, ao interesse dos cooperados na permanência da situação; e (ii) ao direito subjetivo público, de cada administrado, a serviços de saúde assinalados por elevado padrão qualitativo, como os que foram prestados até o último dia 31 de dezembro.

Abstraídos os argumentos até aqui expendidos, observamos que o tempo tem o condão de consolidar situações jurídicas, tornando-as imunes aos efeitos de impugnações, ainda que formuladas com supedâneo jurídico e por forma certa, como se obtém da Lei nº 9784, de 1999 (art. 54), que subordinou o anulamento dos atos administrativos à observância do prazo de 05 (cinco) anos.

Dito por outras palavras: o direito positivo brasileiro, inspirado em experiências européias, subordinou o desfazimento dos atos administrativos, quaisquer que sejam eles, à apresentação do questionamento no prazo de 05

Página 30 de 98

30

Page 31: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

(cinco) anos, pena do perecimento da oportunidade de fazê-lo para a Administração, que, para os fins cogitados, compreende todos os órgãos de controle da atividade estatal, inclusive o Ministério Público e os Tribunais de Contas.

Ora, no caso que nos foi apresentado, à Cooperativa consulente vem sendo reconhecido, desde um passado bastante recuado, o direito de renovar, com o Estado do Rio Grande do Norte e com o Município de Natal, os contratos de prestação de serviços médicos, para o atendimento ambulatorial e cirúrgico das populações carentes, às expensas dos recursos alocados ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Essa situação, que se instalou no contexto das Administrações Públicas estadual e municipal, gerou, para os assistidos, o direito à fruição dos serviços, que lhes vinham sendo prestados, já que, a despeito das objeções formuladas pelo Ministério Público, que parece arrostar para si a função administrativa, pende de demonstração cabal a vantagem, fática e jurídica, que resultaria da pretendida substituição das cooperativas de trabalho médico pelos hospitais particulares.

Se inexiste vantagem nessa substituição, que deveria refletir-se na eficiência do serviço, é fora de dúvida que as populações, contempladas pelas ações de saúde desenvolvidas pelo Estado do Rio Grande do Norte e pelo Município de Natal, têm direito à subsistência dessa atividade, nos moldes em que ela vinha sendo desempenhada, se não por outro motivo, porque são imodificáveis as práticas que se repetem por um período razoavelmente longo e que se mostram compatíveis, no interregno considerado, com a sua finalidade intrínseca.

Como os usuários do serviço têm direito subjetivo público ao seu auferimento, que não pode, em absoluto, experimentar solução de continuidade, é inquestionável que a consulente tem o direito à renovação do contrato, para que se combinem e se conciliem o interesse público e os

Página 31 de 98

31

Page 32: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

interesses individuais da consulente e dos seus cooperados.

Sobre a permanência das situações jurídico administrativas, por força do tempo transcorrido, lê-se em Ruy Cirne Lima, que, em casos assim, propugna, frise-se uma vez mais, pela subsistência dos atos nulos:

“É preciso considerar que, não raro, algumas circunstâncias militam a favor da permanência de um ato nulo. O tempo transcorrido pode gerar situações de fato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nulidade que originariamente as comprometia (Miguel Reale, ob. cit., 27, pág. 68). Duas hipóteses são geralmente apresentadas: a primeira, que é a da convalidação ou sanatória do ato nulo ou anulável; a segunda, que é o decurso do tempo. No que concerne à primeira hipótese, Santi Romano nos fala da possibilidade de anulamento de um ato administrativo, que inobstante a sua invalidade, tenha se mantido por um longo tempo. Afirma Santi Romano que antes de mais nada é de avaliar se essa sua persistência por um período mais ou menos amplo de tempo, além da influência que possa ter na eventual sanatória do ato, não tenha determinado o desinteresse por parte da Administração Pública de anulá-lo. Na avaliação de cada caso devem ser considerados elementos diversos, que variam de acordo com os respectivos casos: condições e situações de fato consolidadas; a conveniência que aconselha “quieta nom movere”; a consideração que uma Administração sábia deve ter pela equidade; o dano superior à vantagem que do anulamento pudesse advir.

O decurso do tempo também é motivo para que o anulamento do ato administrativo não seja decretado. A Lei nº 9784/1999 estabelece o prazo de decadência de cinco anos, findo o qual

Página 32 de 98

32

Page 33: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

decai o direito da Administração de anular os atos administrativos, com a única ressalva da “comprovada má fé” (Lei 9784/1999, art. 54). O nosso direito foi buscar no direito europeu a concepção da decadência do direito de anular a Administração os seus próprios atos.” (cfr. in Princípios de Direito Administrativo, 7ª ed., Malheiros Editores, 2007, pág. 275)

Antes de positivada pelo direito legislado, essa posição foi defendida, entre nós, por juristas do quilate de Bilac Pinto e Seabra Fagundes, sendo que este último averbou:

“A infringência legal no ato administrativo, se considerada abstratamente, aparecerá sempre como prejudicial ao interesse público. Mas, por outro lado, vista em face de algum caso concreto, pode acontecer que a situação resultante do ato, embora nascida irregularmente, torne-se útil aquele mesmo interesse. Também as numerosas situações alcançadas e beneficiadas pelo ato vicioso podem aconselhar a subsistência dos seus efeitos.” (cfr. in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 5ª ed. Forense, 1979, pág. 47)

Em nota à lição reproduzida, observou o festejado jurisconsulto ao pé da página 47 da obra colacionada:

“A conciliação dos interesses individuais e coletivos aconselharia manter o ato. Nesta combinação de interesses é que assenta, notadamente, a diversidade de critério no que respeita à manutenção do ato vicioso entre o Direito Público e o Direito Privado. Neste é só o unilateral interesse da parte, em favor da qual existe a nulidade, que decide o seu pronunciamento. O Estado, porém, encarnando interesses impessoais e tendo

Página 33 de 98

33

Page 34: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

por objetivo a realização do bem público abdica da faculdade de promover a decretação da nulidade, tendo em vista, em caso determinado, o interesse geral, mais bem amparado com a subsistência do ato defeituoso. Isso se dá porque o Estado confunde o seu interesse com o coletivo, e é bem de ver que em se tratando de dois particulares uma identificação semelhante não ocorreria.

O ato, por exemplo, que sem obediência a preceitos legais, faça numerosas concessões de terras a colonos, com o fim de fixá-los em determinada região, apesar de vicioso, merecerá ser mantido se só após a instalação e fixação dos beneficiários se constatar a sua irregularidade. Os interesses destes, pela sua importância do ponto de vista social e econômico, indicam a necessidade de sua persistência. Esta se pode dar, neste como em casos semelhantes, pela ratificação através de outro ato regularmente praticado, ou pelo simples silêncio da Administração Pública, renunciando, tacitamente, ao direito de invalidá-lo.”

Tecidas estas considerações, temos por demonstrada a possibilidade da renovação do contrato, que, sendo plenamente consonante com o interesse público, transforma-se em dever, tanto para o Estado do Rio Grande do Norte, quanto para o Município de Natal.

Por último, cabe-nos registrar que são impertinentes e desprovidas de seiva jurídicas as objeções formuladas pelo Ministério Público. Aliás, essa instituição, para manter-se alinhada com os seus propósitos constitucionais, máxime com o desiderato modelado pela Carta Política, art. 127, sob a fórmula “...incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”, deveria buscar, pelos meios ao seu alcance, o restabelecimento do serviço, ao invés de impor-lhe

Página 34 de 98

34

Page 35: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

solução de continuidade, evitando, assim, a instauração de caos na área da saúde pública.

7. REFLEXÕES JURISPRUDÊNCIAIS SOBRE A OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM PRESTAR SERVIÇOS PARA PROTEGER A SAÚDE DO CIDADÃO, POR CONSIDERAR ESSE DIREITO COMO SENDO ABSOLUTO E FUNDAMENTAL.

A Constituição Federal de 1988, conforme já salientamos, dedica todo um capítulo visando proteger a saúde dos cidadãos, impondo essa obrigação ao Estado.

Os postulados, os princípios e as regras dispostas, expressamente, na Constituição Federal, em benefício da proteção da saúde de cada brasileiro, especialmente dos hipossuficientes, merecem, pela categoria de direito fundamental que eles caracterizam, ser conhecidos de modo pleno. Por essa razão, registramos o inteiro teor do capitulo da Constituição Federal que cuida da saúde. Eis os seus termos:

Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Art. 197. “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Art. 198. “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

Página 35 de 98

35

Hindenberg Dutra, 21/01/09,
Verificar a conveniência desta afirmação.
Page 36: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuíz dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que trata o § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

Página 36 de 98

36

Page 37: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.

§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.”

Art. 199. “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

Página 37 de 98

37

Page 38: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Art. 200. “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

O exame do texto Constitucional conduz o intérprete doutrinário as fixar as seguintes diretrizes para cumprimento do que nele contém:

Página 38 de 98

38

Page 39: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

a)A proteção da saúde e da vida do ser humano pelo Estado constituem os mais importantes direitos subjetivos de que os cidadãos são portadodores, pelo que as metas para tornar eficaz e efetivos e eficazes os procedimentos administrativos a seu respeito são regulados por diretrizes específicas.

b)A relevância do direito dos cidadãos de ter a sua saúde protegida obriga o Estado a adotar políticas sociais e médicaseconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e a garantir acesso de modo universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

c)A Constituição Federal, expressamente, determina que o Poder Público disponha, por via de lei específica, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou, de forma complementar, através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado, abrindo espaço para uma parceria toda especial para a consecução dos fins visados.

d)Os serviços médicos de proteção à saúde devem ser efetuados por meio de ações e serviços públicos de saúde que devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.

e)A Constituição Federal garante ampla liberdade à iniciativa privada para prestar serviços de saúde à população. Ao mesmo tempo, autoriza que as instituições privadas participem de forma complementar do sistema único de

Página 39 de 98

39

Page 40: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

f)Com base no contexto constitucional acima montado, as cooperativas médicas de trabalho, por serem pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, estão autorizadas pela Constituição Federal a contratarfirmarem contratos com o Poder Público para colaborarem, de forma complementar, com O SUS para o alcance dos seus objetivos.

g)A Constituição Federal veda, expressamente, a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos, bem como não permite, salvo situações esxpeciais previstas em lei, a contratação de pessoas estrangeiras.

O Supremo Tribunal Federal, por via da jurisprudência emitida, tem insistido de que o direito à saúde além de ser fundamental, ele é relevante, pelo que a ações administrativas para a sua guarda não podemr sofrer solução de continuidade.

Na linha do acima afirmado, merecem exame os seguintes pronunciamentos do STF:

a) (ADPF 54-QO, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 27-4-05, DJ de 31-8-07): “Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental — como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade —, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada a argüição de descumprimento de preceito fundamental”

Página 40 de 98

40

Page 41: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

b) "O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade." (RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-00, DJ de 24-11-00).

c) “.........O relator reconheceu, por outro lado, que o princípio da dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da legislação infraconstitucional, essa transcendência alcançaria a proteção de tudo que se revelasse como o próprio início e continuidade de um processo que desaguasse no indivíduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei 10.406/2002 (Código Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (Código Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro, da vedação à gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes de

Página 41 de 98

41

Page 42: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

seu corpo vivo e do ato de não oferecer risco à <saúde> do feto, e da criminalização do aborto, ressaltando, que o bem jurídico a tutelar contra o aborto seria um organismo ou entidade pré-natal sempre no interior do corpo feminino. Aduziu que a lei em questão se referiria, por sua vez, a embriões derivados de uma fertilização artificial, obtida fora da relação sexual, e que o emprego das células-tronco embrionárias para os fins a que ela se destina não implicaria aborto.....” (“(ADI 3.510, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 28 e 29-5-08, Informativo 508).

d) “....Frisou, no ponto, que o § 4º do art. 199 da CF(...) faria parte, não por acaso, da seção normativa dedicada à saúde, direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196), que seria garantida por meio de ações e serviços qualificados como de relevância pública, com o que se teria o mais venturoso dos encontros entre esse direito à saúde e a própria Ciência (CF, art. 5º, IX). (ADI 3.510, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 28 e 29-5-08, Informativo 508)”.

e) Constitucional. Administrativo. Mandado de segurança. Município do Rio de Janeiro. União Federal. Decretação de estado de calamidade pública no sistema único de saúde no município do Rio de Janeiro. Requisição de bens e serviços municipais. Decreto 5.392/2005 do presidente da República. Mandado de segurança deferido. Mandado de segurança, impetrado pelo município, em que se impugna o art. 2º, V e VI (requisição dos hospitais municipais Souza Aguiar e Miguel Couto) e § 1º e § 2º (delegação ao ministro de Estado da Saúde da competência para requisição de

Página 42 de 98

42

Page 43: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

outros serviços de saúde e recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações relacionados aos hospitais requisitados) do Decreto 5.392/2005, do presidente da República. Ordem deferida, por unanimidade. Fundamentos predominantes: (i) a requisição de bens e serviços do município do Rio de Janeiro, já afetados à prestação de serviços de saúde, não tem amparo no inciso XIII do art. 15 da Lei 8.080/1990, a despeito da invocação desse dispositivo no ato atacado; (ii) nesse sentido, as determinações impugnadas do decreto presidencial configuram-se efetiva intervenção da União no município, vedada pela Constituição; (iii) inadmissibilidade da requisição de bens municipais pela União em situação de normalidade institucional, sem a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Suscitada também a ofensa à autonomia municipal e ao pacto federativo. Ressalva do ministro presidente e do relator quanto à admissibilidade, em tese, da requisição, pela União, de bens e serviços municipais para o atendimento a situações de comprovada calamidade e perigo públicos. Ressalvas do relator quanto ao fundamento do deferimento da ordem: (i) ato sem expressa motivação e fixação de prazo para as medidas adotadas pelo governo federal; (ii) reajuste, nesse último ponto, do voto do relator, que inicialmente indicava a possibilidade de saneamento excepcional do vício, em consideração à gravidade dos fatos demonstrados relativos ao estado da prestação de serviços de saúde no município do Rio de Janeiro e das controvérsias entre União e município sobre o cumprimento de convênios de municipalização de hospitais federais; (iii) nulidade do § 1º do art. 2º do decreto atacado, por

Página 43 de 98

43

Page 44: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

inconstitucionalidade da delegação, pelo presidente da República ao ministro da Saúde, das atribuições ali fixadas; (iv) nulidade do § 2º do art. 2º do decreto impugnado, por ofensa à autonomia municipal e em virtude da impossibilidade de delegação." (MS 25.295, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-05, DJ de 5-10-07).

f) “...Princípio da dignidade da pessoa humana. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância....” (HC 92.961, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 11-12-07, DJE de 22-2-08).

g) “Acontece que esse caso em parece peculiar, e muito peculiar – se o superlativo for admitido eu diria peculiaríssimo –, porque a lei federal faz remissão à Convenção da OIT n. 162, art. 3º, que, por versar tema que no Brasil é tido como de direito fundamental (saúde), tem o status de norma supralegal. Estaria, portanto, acima da própria lei federal que dispõe sobre a comercialização, produção, transporte, etc., do amianto. (...) De maneira que, retomando o discurso do Ministro Joaquim Barbosa, a norma estadual, no caso, cumpre muito mais a Constituição Federal nesse plano da

Página 44 de 98

44

Page 45: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

proteção à saúde ou de evitar riscos à saúde humana, à saúde da população em geral, dos trabalhadores em particular e do meio ambiente. A legislação estadual está muito mais próxima dos desígnios constitucionais, e, portanto, realiza melhor esse sumo princípio da eficacidade máxima da Constituição em matéria de direitos fundamentais, e muito mais próxima da OIT, também, do que a legislação federal. Então, parece-me um caso muito interessante de contraposição de norma suplementar com a norma geral, levando-nos a reconhecer a superioridade da norma suplementar sobre a norma geral. E, como estamos em sede de cautelar, há dois princípios que desaconselham o referendum à cautelar: o princípio da precaução, que busca evitar riscos ou danos à saúde e ao meio ambiente para gerações presentes; e o princípio da prevenção, que tem a mesma finalidade para gerações futuras. Nesse caso, portanto, o periculum in mora é invertido e a plausibilidade do direito também contraindica o referendum a cautelar. Senhor Presidente, portanto, pedindo todas as vênias, acompanho a dissidência e também não referendo a cautelar.” (ADI 3.937-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, voto do Min. Carlos Britto, julgamento em 4-6-08, DJE de 10-10-08).

h) "Acórdão recorrido que permitiu a internação hospitalar na modalidade ‘diferença de classe’, em razão das condições pessoais do doente, que necessitava de quarto privativo. Pagamento por ele da diferença de custo dos serviços. Resolução n. 283/91 do extinto INAMPS. O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos

Página 45 de 98

45

Page 46: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação da citada Resolução n. 283/91 do INAMPS, que veda a complementariedade a qualquer título, atentou para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, o de assistência à saúde." (RE 226.835, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-12-99, DJ de 10-3-00). No mesmo sentido: RE 207.970, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 22-8-00, DJ de 15-9-00.

i) Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios." (RE 195.192, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-2-00, DJ de 31-3-00).

j) A Constituição Federal assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado, facultada à iniciativa privada a participação de forma complementar no sistema único de saúde, por meio de contrato ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (CF, artigo 199, § 1º). Por outro lado, assentou balizas entre previdência e assistência social, quando dispôs no artigo 201, caput e inciso I , que os planos previdenciários, mediante contribuição, atenderão à cobertura dos eventos ali arrolados, e no artigo 203, caput, fixou que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por fim a

Página 46 de 98

46

Page 47: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; à habilitação e reabilitação das pessoas deficientes e à promoção de sua integração à vida comunitária; à garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, inferindo-se desse conjunto normativo que a assistência social está dirigida à toda coletividade, não se restringindo aos que não podem contribuir. Vê-se, pois, que a assistência à saúde não é ônus da sociedade isoladamente e sim dever do Estado. A iniciativa privada não pode ser compelida a assistir à saúde ou a complementar a previdência social sem a devida contraprestação. Por isso, se as entidades privadas se dispuseram a conferir aos seus filiados benefícios previdenciários complementares e os contratados assumiram a obrigação de pagar por isso, o exercício dessa faculdade não lhes assegura o direito à imunidade tributária constitucional, outorgada pelo legislador apenas às entidades que prestam assistência social, independentemente de contribuição à seguridade social (CF, artigo 203), como estímulo ao altruísmo dos seus instituidores." (RE 202.700, voto do Min. Maurício Corrêa, julgamento em 8-11-01, DJ de 1-3-02).

De tudo quanto examinado, firmamos-se a conclusão que a ideologia seguida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal configura linha de atribuir exclusiva responsabilidade ao Poder Público quando não toma as devidas providências para que a assistência médica voltada para proteção da saúde da população seja executada.

Página 47 de 98

47

Page 48: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

A tudo se soma o entendimento que ressai da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que cabe ao SUS, administrado pelos Estados e pelos Municípios, estes hoje como gestores principais, a obrigação de não permitir que as ações administrativas de proteção àa saúde, como as atividades médicas, não sofram solução de continuidade. Na situação enfocada, quando o próprio Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal, por via de Decretos expedidos, reconhecem o estado de calamidade pública no campo de assistência à saúde que eles têm a obrigação de prestar, torna-se mais grave essa responsabilidade pela extensão das conseqüências civis, políticas e sociais. O dano causado à população é imensurável, exigindo a adoção de política de urgência para afastar a crise estabelecida com a postura de não renovar os contratos de prestação de serviços médicos com a Cooperativa Consulente.

Não pode ficar sem atenção o fato de que o próprio Estado do Rio Grande do Norte, em documento (Ofício n.3.620/GS, da Secretaria de Estado de Saúde Pública) datado de 15 de dezembro de 2008, encaminhado ao Procurador Geral do Estado, solicitava a manutenção das contratações temporárias firmadas com as Cooperativas com base nas Leis ns. 8.397/03 e 9.004/2007. No referido ofício, a autoridade administrativa registra: “As razões do pleito que ora formulamos tocam tanto o déficit de pessoal já existente no quadro, ocasionada pela ausência de concurso público há mais de 10 (dez) anos, quanto à demora na conclusão do que fora realizado recentemente, em virtude de inúmeras irregularidades na aplicação das provas, que ensejaram a rescisão do contrato com a empresa original e substituição por outra”. Mais adiante, informa, no mencionado ofício, o Exmo. Sr. Secretário de Estado da Saúde Pública: “Demais disso, conforme se observa na justificativa apresentada pela Coordenadoria de Recursos Humanos (anexa), mesmo após a nomeação dos profissionais em questão o déficit existente na rede permanecerá, porquanto algumas especialidades não apresentaram inscritos suficientes para preencher as vagas disponibilizadas e outras como neurocirurgia,

Página 48 de 98

48

Page 49: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

neurologia infantil, cirurgia pediátrica e psiquiatria infantil sequer tiveram inscritos. Resta claro, pois, que diante de uma estrutura humana insuficiente para desempenhar a contento os serviços de atenção à saúde os contratados temporariamente exercem um papel de suma importância na gestão estadual do SUS, complementando as escalas de trabalho das unidades hospitalares e de referência. Assim, considerando a natureza essencial dos serviços de saúde e o caos que seria causado no sistema acaso as contratações temporárias fossem abruptamente alijadas, confiamos na sensibilidade do nobre julgador pra que estenda o prazo limite anteriormente acordado por mais 6(seis) meses”.

O próprio Estado do Rio Grande do Norte, antes de decretar estado de calamidade pública, reconheceu a sua ineficiência de bem atender ao programa do SUS. Com a decretação do estado de calamidade pública e a realidade dos fatos, todos tornados públicos, a situação agrava-se em proporções geométricas, aumentando a responsabilidade do Poder Público.

Convém observar que no Estado do Rio Grande do Norte, conforme está em documento datado de 05 de dezembro de 2008 expedido pela Secretaria do Estado da Saúde Pública, assinado pelo Coordenador dos Recursos Humanos, a deficiência de servidores médicos implica em um número superior a 4.600 profissionais. Havia, na época, 1.521 vagas abertas em função de aposentadorias, óbitos, relotações, demissões e exonerações, o que bem revela a razão pela qual a situação chegou ao ponto indicado pelo normativo que decretou estado de calamidade pública.

O reconhecimento pelo Estado de que os serviços de saúde à população estão em estado de calamidade pública pode levar a graves conseqüências talvez ainda não percebidas pelos seus dirigentes, se medidas urgentes não forem tomadas. Já afirmamos e repetimos que o direito à saúde é de natureza fundamental, que ele visa proteger a dignidade e a vida do ser humanoa. O Estado tem a responsabilidade de executá-los para

Página 49 de 98

49

Page 50: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal, seu art. 34, afirma:

Art. 34. “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a

Página 50 de 98

50

Page 51: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.

Questionamos para discussão no campo jurídico se a permanência do estado de calamidade pública na área dos serviços de saúde à população configura atentado aos direitos fundamentais da pessoa humana e compromete intensamente a permanência da garantia da ordem pública. Abrimos espaço para analisar tais aspectos, que não devem deixar de ser considerados e analisados pelas autoridades dirigentes do Estado, por existir precedente na administração brasileira, a exemplificar a intervenção da União nos serviços de saúde no Estado do Rio de Janeiro. Urge, consequentemente, que medidas sejam tomadas para cessar o estado de calamidade pública. O único meio de execução imediata e revestido de contornos legais de que dispõem o Estado do Rio Grande do Norte e a Prefeitura Municipal do Natal é a renovação dos contratos de prestação de serviços públicos com a Cooperativa consulente, cessando a situação caótica da assistência à saúde, sem prejuízo de, no curso do tempo, com previsão orçamentária específica, cuidar de criar, por autorização legal, vagas no quadro da Secretaria da Saúde e realizar o necessário concurso público para suprir as necessidades do setor com a nomeação de 4.600 profissionais habilitados, conforme sugerido pela autoridade administrativa já indicada.

8- LEGALIDADE DOS CONTRATOS FIRMADOS PELO PODER PÚBLICO COM AS COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO SUS. HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO FATO ADMINISTRATIVO CONSUMADO.

Demonstramos no curso do presente parecer que as cooperativas, como entidades jurídicas valorizadas pela Constituição Federal, vêm se tornando uma modalidade cada vez mais expressiva para a organização dos trabalhadores e para a prestação de serviços terceirizados no âmbito do SUS. Neste setor de relevante importância para ser respeitado o direito de todos à saúde,

Página 51 de 98

51

Page 52: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

especialmente do cidadão hipossuficiente, a contratação de profissionais médicos associados em cooperativas representam, desde a criação do SUS, uma importante opção de inserção no mercado de trabalho no setor de um modo geral.

Afirmam os analistas jurídicos desse tipo de negócio jurídico que “no SUS, o surgimento de cooperativas de profissionais de saúde constitui fenômeno próprio da segunda metade dos anos 90 e tem particularidades muito especiais, quais sejam: a) as cooperativas não se limitam a congregar os profissionais liberais clássicos, podendo envolver outras categorias em composições heterogêneas (como no caso do PSF) e trabalhadores semi-profissionais (tais como os agentes comunitários de saúde); b) são contratadas pelos gestores do SUS, numa relação de terceirização, para prestar serviços em hospitais e na rede básica, podendo ou não participar da "gestão" local da assistência em determinada área. Há, nesse sentido, dois tipos de cooperativas no SUS: as que são apenas fornecedoras de trabalho na prestação de serviços de saúde; e as cooperativas que são "gerenciadoras", ou seja, que não só fornecem força de trabalho mas assumem a gestão de uma ou mais unidade de saúde da rede. As cooperativas gerenciais, cujo exemplo melhor conhecido é o PAS em São Paulo, têm sido objeto de inúmeras polêmicas no passado recente, na medida em que a adoção deste modelo implica em que influenciam diretamente a gestão do sistema. Portanto, as cooperativas gerenciais são agentes terceirizados que tanto realizam a prestação de serviços de saúde como a gerência de algumas unidades de saúde”.

Enumeramos, a seguir, as razões que favorecem, no contexto atual, a disseminação do regime das cooperativas de trabalho no SUS, tomando por base estudo analítico realizado por especialistas em políticas públicas de saúde e publicado no sítio internet http://www.nesp.unb.br/polrhs/Temas/cooperativas_trabalho, acessado em 20.01.2009. Elas são as seguintes:

“a) na cooperativa, a vinculação de pessoal é feita de forma bastante flexível, através de um contrato global e, provavelmente, a custos mais reduzidos do que se o gestor tivesse que arcar com todos os encargos trabalhistas inerentes ao emprego público celetista e com os custos da função de administração de pessoal;

b) há uma aspiração, por parte de muitos profissionais, especialmente dos médicos, de manter uma condição de autonomia no mercado de trabalho, e a organização cooperativa satisfaz adequadamente a esse anseio;

Página 52 de 98

52

Page 53: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

c) a condição de funcionário público é hoje muito pouco valorizada aos olhos dos profissionais de saúde;

d) as tradicionais vantagens de remuneração diferenciada da aposentadoria no sistema de previdência pública foram anuladas e deverão doravante, na maioria dos casos, ser negadas aos que ingressarem nas novas carreiras dos empregados celetistas;

e) a cooperativa cria um vínculo coletivo de solidariedade entre os profissionais, que obriga o gestor local do SUS a ter disposição para negociar os valores dos contratos e outros elementos que fazem parte das condições de trabalho”.

Diante do quadro realista analisado pela Ciência Jurídica, esta conclui que “Como na maioria das situações, as cooperativas não têm à sua disposição clientes privados alternativos, mas se vêm obrigadas a vender seus serviços ao setor público, sua capacidade de barganha é limitada” .Por força dos fatores acima celebrados, a jurisprudência incentiva a participação das cooperativas no SUS, via contratos de prestação de serviços dos seus associados com o Poder Público, por haver um “equilíbrio de forças propício a que os gestores possam exercer uma adequada regulação dessas relações contratuais, estabelecendo, por exemplo, metas de desempenho, mecanismos de supervisão, critérios comuns de avaliação de qualidade dos serviços prestados, etc. Ou seja, o gestor, o Poder Público goza de prerrogativas que lhe favorecem para estabelecer um razoável grau de controle sobre o serviço terceirizado via cooperativas de profissionais”.

A fundamentação jurídica exposta conduz, portanto, a não interromper a relação negocial que durante muitosdoze anos foi mantida entre a Cooperativa consulente e o Poder Público (Estado do Rio Grande do Norte e Prefeitura Municipal do Natal). Influente a consideração de que durante todo o tempo em que a Cooperativa consulente manteve contratos de prestação de serviços médicos para cumprimento, em caráter complementar, das atribuições do SUS, nenhum questionamento foi apresentado pelo Ministério Público. Tais contratos, consequentemente, produziram os seus efeitos e foram considerados legais, aprovados pelo Tribunal de Contas e contribuiramidores para a normalidade da política de saúde adotada pelo SUS.

A lógica jurídica e a proteção da estabilidade jurídica não permitem que, abruptamente, como está agora a acontecer, tais contratos até então considerados lícitos perante o ordenamento

Página 53 de 98

53

Page 54: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

jurídico passem a ser tachados de ilegais, sem que tenha a respeito existido pronunciamento do Poder Judiciário.

Por outro ângulo, a prestação de serviços da forma como vinha sendo executada não pode ser interrompida por simples recomendação do Ministério Púùblico, tendo em vista que, além da gravidade do cumprimento dessa recomendação pelas conseqüências provocadas na saúde dos cidadãos, fere, de modo profundo os princípios da segurança jurídica, da continuidade do serviço público, especialmente, o referente à proteção da saúde, de natureza fundamental e o do fato consumado nas relações jurídicas administrativas.

A doutrina e a jurisprudênciaente, no tocante a impossibilidade do serviço público ser interrompido, tem se manifestado de acordo com o pensamento de Celso Ribeiro Bastos (in Curso de direito administrativo, 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 1996, p. 165.): "O serviço público deve ser prestado de maneira continua, o que significa dizer que não é passível de interrupção. Isto ocorre pela própria importância de que o serviço público se reveste, o que implica ser colocado à disposição do usuário com qualidade e regularidade, assim como com eficiência e oportunidade"... "Essa continuidade afigura-se em alguns casos de maneira absoluta, quer dizer, sem qualquer abrandamento, como ocorre com serviços que atendem necessidades permanentes, como é o caso de fornecimento de água, gás, eletricidade. Diante, pois, da recusa de um serviço público, ou do seu fornecimento, ou mesmo da cessação indevida deste, pode o usuário utilizar-se das ações judiciais cabíveis, até as de rito mais célere, como o mandado de segurança e a própria ação cominatória".

Sobre a conjugação da obrigatoriedade do cumprimento desse princípio com o que prestigia o fato consumado e as situações legais constituídas, estas não podendo ser modificadas pelos efeitos da segurança jurídica, invocamos o pensar da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A segurança jurídica impõe-se no caso em

debate para configurar estabilização as situações

Página 54 de 98

54

Page 55: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

hostilizadas, tudo em homenagem ao que está posto

no PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,

cujos termos ditam:

“Nós, representantes do povo

brasileiro, reunidos em Assembléia

Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a

justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna

e internacional, com a solução pacífica

das controvérsias, promulgamos, sob a

proteção de Deus, a seguinte

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL”.

Constitui-se em sobreprincípio ou postulado,

pouco importa a denominação, a imposição contida

no preâmbulo da Constituição Federal no sentido

de que todos os integrantes do Poder Público,

inclusive o Ministério Público, devem zelar pela

segurança jurídica, do bem-estar, da harmonia

social e zelo pelos direitos fundamentais da

Página 55 de 98

55

Page 56: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

cidadania, com destaque a proteção da saúde de

cada ser humano.

Não é razoável, nem proporcional, em um

Estado Democrático de Direito, onde deve haver

integral respeito à dignidade humana, à

cidadania, à saúde do homem,a estabilização das

relações jurídica, após decorrido prazo de doze

anos de prestação de serviços com base em

contratos lícitos firmados com a Administração

Pública, tudo ser interompido sem que haja amparo

legal.

A inércia do Ministério Público por muitos

anosdoze ano,não contestando judicialmente os

contratos questionados mantidos pela consulente

com o Poder Público, atesta a legitimidade com

que tais negócios jurídicos foram celebrados,

reforçando essa característais a aprovação pelo

Tribunal de Contas e pelo Poder Legislativo. É

razoável extinguir o vínculo contratual, não

renovando o negócio jurídico até então produtor

de efeitos positivos na prestação dos serviços

médicos administrados pelo SUS, por simples

recomendação do Ministério Pùblico? O Poder

Público, ao cumprir tal ordem sem expressivo

apoio do ordenamento jurídico, não está tornando-

se refém do Ministério Público e renunciando ao

seu dever de cumprir as suas obrigações de zelar

pela saúde da população? Há amparo jurídico para

Página 56 de 98

56

Page 57: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

a pretensão do Ministério Público para assim

proceder? As atribuições do Ministério Público

não estão desproporcionais, interferindo

diretamente nas açõesos administrativas do Poder

Público no campo da saúde?

Com absoluta certeza as respostas para todas

as perguntas acima formuladas são no sentido de

não ser possível homenagear a pretensão de,

imediatamnte, o ser humano não ter a sua saúde

zelada e preservada, pela omissão do Poder

Público. Mostraremos, com outros fundamentos além

dos já alinhados, as razões que caracterizam a

não razoabilidade do proceder em não renovar os

contratos de prestação de serviços públicos pela

consulente à saúde dos cidadãos. pela

consulente.

Com o máximo de respeito à instituição do

Ministério Público, há a referida ousadia emde

recomendar a não renovação dos contratos pelo

Poder Público, extrapolandoou os limites das

nobilíssimas atribuições que a Constituição

Federal outorga a tão importante órgão para a

consolidação de um Estado Democrático de Direito.

Fixados esses pontos, observamos que cresce,

dia a dia, a importância do princípio da

segurança jurídica, como instrumento apto a

Página 57 de 98

57

Page 58: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

promover a normalidade dos atos sujeitos à égide

do Direito Público.

Isto porque a segurança jurídica, que está

ligada à exigência de estabilidade das situações

reguladas pelo direitojurídicas, ainda que

surgidas à margem da legalidade, encerra um dos

princípios formadores do próprio Estado de

Direito, impondo-se, por isso, como norte à

solução de não ser criado caos no serviço

público, como está a acontecer nos de saúde

prestados pelo Estado do Rio Grande do Norte.

A ilegalidade da renovação dos contratos em

questão, defendida pelo Ministério Público, data

vênia, é posicionamento surpreendente e sem vida

para o ordenamento jurídico, por ser

inconciliável com os postulados e princípios do

Direito Público contemporâneo, pois a noção

conceitual de interesse público ou de utilidade

pública, em torno da qual gravita toda essa área

do conhecimento jurídico, requesta, não raro, a

sobrevivência de ação administrativa que esteja

voltada para a proteção dos direitos fundamentais

do cidadão, no caso, entre eles, o de proteção da

sua saúde. A incidência do princípio da segurança

jurídica, com destaque quando os atos

administrativos não contêm vícios, como é o caso

analisado, formafaz harmonia fiel ao princípio da

legalidade.

Página 58 de 98

58

Page 59: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

É dizer: na província explorada pelos

publicistas é necessário, em inúmeros casos, a

prevalência da segurança jurídica e do fato

consumado. O que não se pode defender, no trato

da saúde pública, é a inércia do Poder Público, a

omissão, sob pena dos agentes responsáveis por

tal quadro irregular serem responsabilizados. O

fato de o serviço à saúde ter sido prestado pela

Cooperativa consulente, por meio dos seus

associados, por longo tempo, sem qualquer

contestqação, gera a crença de sua legitimidade.

A respeito do que estamos defendendo,

lembramos lição de Miguel Reale sobre o tema:

"À primeira vista, esta hipótese

pode confundir-se com a anteriormente

examinada, mas há duas situações

distintas, embora correlatas: no

primeiro caso, indaga-se se, verificada

uma nulidade, é lícito à autoridade

abster-se de pronunciá-la ex officio ou

de promover a ação própria com tal

objetivo, por entender ser de manifesto

interesse público a manutenção do ato;

no segundo, indaga-se se, a despeito do

longo tempo decorrido, quando a

situação de fato já se revestiu de toda

aparência de legalidade, ainda subsiste

o poder de decretação unilateral da

Página 59 de 98

59

Page 60: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

nulidade existente, ou se tal

declaração só é possível mediante

pronunciamento da justiça.

No meu modo de ver, são as mesmas

as exigências axiológicas que legitimam

a preservação do ato contra decisões

imprevistas e tardias, pondo limites ao

chamado benéfice du préalable,

entendido, às vezes, como um poder

suscetível de ser exercido a qualquer

tempo.

Não é admissível, por exemplo,

que, nomeado irregularmente um servidor

público, visto carecer, na época, de um

dos requisitos complementares exigidos

por lei, possa a Administração anular

seu ato, volvidos, quando já

constituída uma situação merecedora de

amparo e, mais do que isso, quando a

prática e a experiência podem ter

compensado a lacuna originária."

(...)

"Escreve com acerto José Frederico

Marques que a subordinação do exercício

do poder anulatório a um prazo razoável

pode ser requisito implícito no

princípio due process of law. Tal

Página 60 de 98

60

Page 61: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

princípio, em verdade, não é válido

apenas no sistema de direito norte-

americano, do qual é uma das peças

basilares, mas é extensível a todos os

ordenamentos jurídicos, visto como

corresponde a uma tripla exigência, de

regularidade normativa, de economia de

meios e formas e de adequação à

tipicidade fática. Não obstante a falta

de termo que em nossa linguagem

rigorosamente lhe corresponda,

poderíamos traduzir due processo of law

por devida atualização do direito,

ficando entendido que haverá infração

desse postulado fundamental toda vez

que, na prática do ato administrativo,

for preterido algum dos momentos

essenciais à sua ocorrência; porém

destruídas, sem motivo plausível,

situações de fato, cuja continuidade

seja economicamente aconselhável, ou se

a decisão não corresponder ao complexo

de notas distintivas da realidade

social tipicamente configurada em lei.

Assim sendo, se a decretação de

nulidade é feita tardiamente, quando a

inércia da Administração já permitiu se

constituíssem situações de fato

revestidas de forte aparência de

Página 61 de 98

61

Page 62: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

legalidade, a ponto de fazer gerar nos

espíritos a convicção de sua

legitimidade, seria deveras absurdo

que, a pretexto da eminência do Estado,

se concedesse às autoridades um poder

indefinido de autotutela." (cfr. in

Revogação e Anulamento do Ato

Administrativo, 2ª ed., Forense, Rio de

Janeiro, 1980, págs. 70/71. Grifos do

original)

Esse pensamento está presente, outrossim, na

obra de Seabra Fagundes, que, escrevendo sobre

esse relevante tema jurídico, deixou lançado:

"A infringência legal no ato

administrativo, se considerada

abstratamente, aparecerá sempre como

prejudicial ao interesse público. Mas,

por outro lado, vista em face de algum

caso concreto, pode acontecer que a

situação resultante do ato, embora

nascida irregularmente, torne-se útil

àquele mesmo interesse. Também as

numerosas situações pessoais alcançadas

pelo ato vicioso, podem aconselhar a

subsistência dos seus efeitos."

Em notas de roda pé, consignou o autor por

último citado, reportando-se a experiências

Página 62 de 98

62

Page 63: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

européias, que se mostram válidas em face do

nosso direito:

"A conciliação dos interesses

individuais e coletivos aconselha

manter o ato. Nesta combinação de

interesses é que assenta, notadamente,

a diversidade do critério no que

respeita à manutenção do ato vicioso

entre o Direito Público e o Direito

Privado. Neste é só o unilateral

interesse da parte, em favor da qual

existe a nulidade, que decide o seu

pronunciamento. O Estado, porém,

encarnando interesses impessoais e

tendo por objetivo a realização do bem

público abdica da faculdade de promover

a decretação da nulidade, tendo em

vista, em caso determinado, o interesse

geral, mais bem amparado com a

subsistência do ato defeituoso. Isso se

dá porque o Estado confunde o seu

interesse com o coletivo, e é bem de

ver que em se tratando de dois

particulares, uma identificação

semelhante não ocorreria."

(...)

"O ato, por exemplo, que sem

obediência a preceitos legais, faça

Página 63 de 98

63

Page 64: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

numerosas concessões de terras a

colonos, com o fim de fixá-los em

determinada região, apesar de vicioso,

merecerá ser mantido se após a

instalação e fixação dos beneficiários

se constatar sua irregularidade. Os

interesses destes, pela sua importância

do ponto de vista social e econômico,

indicam a necessidade de sua

persistência. Esta se pode dar, neste

como em casos semelhantes, pela

ratificação através de outro

regularmente praticado, ou pelo simples

silêncio da Administração Pública,

renunciando, tacitamente, ao direito de

invalidá-lo." (cfr. in Controle dos

Atos Administrativos pelo Poder

Judiciário, 5ª ed., Forense, Rio de

Janeiro, 1979, págs. 47/48. Grifos

acrescentados)

Ruy Cirne Lima, outro acatado cultor do

Direito Administrativo, acosta-se à corrente que

sufraga a sanação do ato, pelo decurso do tempo,

apresentando-a como a mais adequada ao interesse

público:

"É preciso considerar que, não

raro, algumas circunstâncias militam a

favor da permanência de um ato nulo. O

Página 64 de 98

64

Page 65: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

tempo transcorrido pode gerar situações

de fato equiparáveis a situações

jurídicas, não obstante a nulidade que

originariamente as comprometia.

Duas hipóteses são geralmente

apresentadas:

- a primeira, que é a convalidação

ou sanatória do ato nulo ou anulável;

- a segunda, que é o decurso do

tempo.

Santi Romano nos fala da

possibilidade de anulamento de um ato

administrativo, que inobstante a sua

invalidade, tenha se mantido por longo

tempo."

(...)

"O decurso do tempo também é

motivo para que o anulamento do ato

administrativo não seja decretado. A

Lei nº 9784/1999 estabelece o prazo de

cinco anos, findo o qual decai o

direito da Administração de anular os

atos administrativos, com a única

ressalva da "comprovada má fé" (Lei nº

9784/1999, art. 54). O nosso direito

foi buscar no direito europeu a

Página 65 de 98

65

Page 66: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

concepção da decadência do direito de

anular a Administração os seus próprios

atos.

Na França, o anulamento do ato

administrativo, que é denominado de

"retrait", é possível desde que o

recurso contencioso seja formalizado no

prazo de 2 (dois) meses, a partir da

decisão administrativa. A

jurisprudência considera que a

segurança jurídica é mais importante do

que a legalidade, desde a decisão do

"affaire Dame Cachet", no ano de

1922..." (cfr. in Princípios de Direito

Administrativo, 7ª ed., atualizada por

Paulo Alberto Pasqualine, Malheiros

Editores, São Paulo, 2007, pág. 275.

Grifos acrescentados)

Sob idêntica motivação, o Colendo Supremo

Tribunal Federal, em diversas oportunidades,

convalidou práticas semelhantes às investiduras

vergastadas, como se obtém das ementas adiante

transcritas:

"CONTROLE EXTERNO – TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO – MOVIMENTAÇÃO

FUNCIONAL – FATOR TEMPO –

CONTRADITÓRIO.

Página 66 de 98

66

Page 67: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

O ato de glosa do Tribunal de

Contas da União na atividade de

controle externo, alcançando situação

constituída – ocupação de cargo por

movimentação vertical (ascensão) – fica

sujeito ao prazo decadencial de cinco

anos previsto no art. 54 da Lei nº

9784/99 e ao princípio constitucional

do contraditório, presentes a segurança

jurídica e o devido processo legal."

(cfr. Mandado de Segurança nº 26.353 –

9 – Distrito Federal, Plenário,

unânime, relator Min. Marco Aurélio, in

DJU, 7.03.2008. Grifos acrescentados)

"EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO.

Funcionário(s) da Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos – ECT. Cargo.

Ascensão funcional sem concurso

público. Anulação pelo Tribunal de

Contas da União – TCU.

Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo

TCU há mais de cinco (5) anos.

Consumação, ademais, da decadência

administrativa após o qüinqüênio legal.

Ofensa a direito líquido e certo.

Cassação dos acórdãos. Segurança

concedida para esse fim. Aplicação do

art. 5º, inc. LV, da CF, e do art.. 54

da Lei Federal nº 9784/99. Não pode o

Página 67 de 98

67

Page 68: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Tribunal de Contas da União, sob

fundamento ou pretexto algum, anular

ascensão funcional de servidor operada

e aprovada há mais de 5 (cinco) anos,

sobretudo em procedimento que não lhe

assegura o contraditório e a ampla

defesa." (cfr. Mandado de Segurança nº

26.628 – 7 – Distrito Federal,

Plenário, unânime, relator Min. Cezar

Peluso, in DJU, 22.02.2008. Grifos do

original. Do mesmo relator: Mandado de

Segurança nº 26.405 – Distrito Federal,

in DJU, 22.02.2008)

Os excelentes escólios doutrinários e

precedentes jurisprudenciais colacionados guardam

símile com a espécie sub judice, servindo, em

conseqüência, de nortes para a solução que lhe

vier a ser dada, porquanto:

a – a consulente e o Poder Público (Estado do

Rio Grande do Norte e a Prefeitura Municipal do

Natal, em instante algum, se afastaram da boa fé

e da legalidade ao firmarem os contratos que

perduram os seus efeitos por doze anos, em

situação renovada;

b – a publicidade conferida aos referidos

contratos, seguida de sua comunicação ao órgão

dotado de competência para, no âmbito dos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário, ordenar,

Página 68 de 98

68

Page 69: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

executar e controlar a despesa com o pessoal

vinculado aos seus serviços, obsta, de modo

terminante, a identificação do intuito de

mascarar ou encobrir os negócios jurídicos

questionados, que, agora, o Ministério Público

pretende que sejam ilegais; estinatários;

c – o não atuar do Ministério Público por

doze anos com relação aos referidos contratos,

que foram considerados legais pelo Tribunal de

Contas, pela Assembléia Legislativa, ao aprovar

as contas do Executivo, caracteriza

reconhecimento de legalidade de tais negociações

públicas e que atingiram os seus objetivos

primordiais;

d – a ausência de objeção formal, por 12

anos, à existência, a validade e a eficácia de

tais contratos, conforme os fatos comprovam, fez

nascer a convicção de que são legais os atos a

eles correspondentes, reforçando a presunção de

legitimidade e de veracidade inerente às práticas

administrativas, impedindo, decorrencialmente, a

sua invalidação, a requerimento ou por provocação

dos órgãos para tanto competentes.;

Temos consciência do alongamento das

presentes razões de resposta. Pedimos desculpas

por tal ocorrência. Ocorre que estamos sendo

Página 69 de 98

69

Page 70: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

testemunhas de um quadro de calamidade pública na

prestação de serviços à saúde, no Estado do Rio

Grande do Norte. Há cidadãos morrendo e centenas

sofrendo em filas esperando assistência médica.

Há crianças entregues ao abandono no zelo da sua

saúde. Há, portanto, violação ao direito

fundamental da cidadania de ter a sua saúde

assegurada pelo Estado e direito de viver.

Em face desse estado de inquietude, pedimos

compreensão para que sejam bem

visualizadascompreendidas a ansiedade, o

sofrimento e a angústia dos que estão sofrendo os

efeitos da crise ora vivenciada na prestação de

serviços à saúde, no Rio Grande do Norte ora

vivenciada. Os direitos dos cidadãos necessitam

ser respeitados com a continuidade do serviço

público essencial aqui anotado, renovando-se,

imediatamente, os contratos questionados, por

termos certeza da legalidade desse proceder, haja

vista encontrar-se amparado pelas razões

jurídicas já mencionados e apresentar harmonia

com inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal

que prestigiam a segurança jurídica e o fato

consumado. .

Eis várias decisões do Supremo Tribuna

Federal sobre segurança jurídica no referente a

prática de negócios jurídicos administrativos:

Página 70 de 98

70

Page 71: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

a) RE-AgR 342210 / AM - AMAZONAS AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE Julgamento:  24/06/2008           Órgão Julgador:  Segunda Turma

DJe-152  DIVULG 14-08-2008  PUBLIC 15-08-2008

AGTE.(S): ESTADO DO AMAZONASADV.: PGE-AM - RICARDO ANTONIO

REZENDE DE JESUSAGDO.(A/S): IRÁCLITO JOSÉ CHAVES

GARCIAADV.: JOSÉ PAIVA FILHO

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR

PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS.

APOSENTADORIA. GRATIFICAÇÃO INSTITUÍDA

PELA LEI ESTADUAL 1.762/86. MANUTENÇÃO.

AGRAVO IMPROVIDO.

1. Prevalência da boa-fé e da

segurança jurídica a convalidar os

efeitos da Lei Estadual 1.762/86

perante a Constituição da República,

para incorporar a gratificação

instituída ao patrimônio dos

servidores. 2. Controvérsia suscitada

já dirimida por ambas as Turmas do

Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

3. Agravo regimental improvido. 

b) ADI 3660 / MS - MATO GROSSO DO SUL 

Página 71 de 98

71

Page 72: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a):  Min. GILMAR MENDES Julgamento:  13/03/2008           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

DJe-083  DIVULG 08-05-2008  PUBLIC 09-05-2008

REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

REQDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

INTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DE MATO-GROSSO DO SUL -

AMANSULINTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO SUL-MATO-

GROSSENSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO -ASMMPADV.(A/S): ANDRÉ LUIZ BORGES NETTOINTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS

DELEGADOS DE POLÍCIA DO ESTADO DE MATOGROSSO DO SUL-ADEPOL/MSADV.(A/S): ANDRÉ LUIZ BORGES NETTOINTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS

PROCURADORES DO ESTADO DE MATO GROSSODO SUL - APREMSADV.(A/S): ANDRÉ LUIZ MALUF DE

ARAÚJO

EMENTA: Ação direta de

inconstitucionalidade. 2. Efeito

repristinatório da declaração de

inconstitucionalidade. 3. Custas

judiciais. Destinação a entidades

privadas. Inconstitucionalidade. O

Supremo Tribunal Federal já manifestou,

por diversas vezes, o entendimento de

que é vedada a destinação dos valores

Página 72 de 98

72

Page 73: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

recolhidos a título de custas e

emolumentos a pessoas jurídicas de

direito privado. Precedentes. 4. Ação

julgada procedente. Tendo em vista

razões de segurança jurídica e de

excepcional interesse social, aplica-se

o art. 27 da Lei n° 9.868/99, para

atribuir à declaração de

inconstitucionalidade efeitos a partir

da Emenda Constitucional n° 45, de

31.12.2004.

Decisão

O Tribunal, por unanimidade,

julgou procedente a ação direta, nos

termos do voto do Relator. Em  seguida,

após o voto do Relator, da Senhora

Ministra Cármen Lúcia e dos Senhores

Ministros Carlos Britto, Ricardo

Lewandowski, Cezar Peluso e Sepúlveda

Pertence, que atribuíam os efeitos da

declaração de inconstitucionalidade a

partir da EC nº 45/2004; e dos votos

dos Senhores Ministros Marco Aurélio e

Joaquim Barbosa, que aplicavam os

efeitos ex tunc, o julgamento foi

suspenso para colher os votos dos

Senhores Ministros Eros Grau, Celso de

Mello e da Senhora Ministra Ellen

Página 73 de 98

73

Page 74: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Gracie (Presidente), ausentes

justificadamente no julgamento. Falou,

pelos amici curiae, o Dr. Ângelo

Sichinel. Presidência do Senhor

Ministro Gilmar Mendes (Vice-

Presidente). Plenário, 18.06.2007.

Decisão: O Tribunal, por

unanimidade, julgou procedente a ação

direta. Por maioria, deliberou atribuir

à declaração de inconstitucionalidade

efeitos a partir da Emenda

Constitucional nº 45/2004, vencidos os

Senhores Ministros Marco Aurélio e

Joaquim Barbosa, este último com voto

na assentada anterior, que aplicavam

efeitos ex tunc à decisão. Votou a

Presidente, Ministra Ellen

Gracie...........Plenário, 13.03.2008.

c) RE-AgR 341736 / AM - AMAZONAS AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a):  Min. GILMAR MENDES Julgamento:  26/02/2008           Órgão Julgador:  Segunda Turma

DJe-055  DIVULG 27-03-2008  PUBLIC 28-03-2008

AGTE.(S): ESTADO DO AMAZONASADV.(A/S): PGE-AM - RICARDO

ANTÔNIO REZENDE DE JESUSAGDO.(A/S): LUIZ MACÁRIO PEREIRA

DO LAGO

Página 74 de 98

74

Page 75: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

ADV.(A/S): AUTA DE AMORIM GAGLIARDI MADEIRA E OUTRA

EMENTA: Agravo regimental em

Recurso Extraordinário. 2. Gratificação

incorporada aos proventos do servidor.

Lei no 1.762, de 1986 do Estado do

Amazonas. 3. Observância ao princípio

da segurança jurídica. Boa-fé do

agravado. 4. Agravo regimental a que se

nega provimento.

2ª Turma,

26.02.2008.

d) MS 26405 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO Julgamento:  17/12/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-2008

IMPTE.(S): ALECXANDRA CONSUELO DE SOUZA E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S): LUISA ISAURA MARTINSIMPDO.(A/S): TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO.

Funcionário (s) da Empresa Brasileira

de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo.

Ascensão funcional sem concurso

público. Anulação pelo Tribunal de

Página 75 de 98

75

Page 76: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Contas da União - TCU.

Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo

TCU há mais de cinco (5) anos.

Inobservância do contraditório e da

ampla defesa. Consumação, ademais, da

decadência administrativa após o

qüinqüênio legal. Ofensa a direito

líquido e certo. Cassação dos acórdãos.

Segurança concedida para esse fim.

Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e

art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não

pode o Tribunal de Contas da União, sob

fundamento ou pretexto algum, anular

ascensão funcional de servidor operada

e aprovada há mais de 5 (cinco) anos,

sobretudo em procedimento que lhe não

assegura o contraditório e a ampla

defesa.

Decisão

O Tribunal, à unanimidade,

concedeu a ordem de mandado de

segurança, nos termos do voto do

Relator. Votou a Presidente, Ministra

Ellen Gracie. Ausentes,

justificadamente, o Senhor Ministro

Eros Grau e a Senhora Ministra Cármen

Lúcia. Plenário, 17.12.2007.

Página 76 de 98

76

Page 77: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

e) MS 26628 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO Julgamento:  17/12/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno - DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-2008

IMPTE.(S): LUIS ANTÔNIO DA SILVA SOUZA E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S): LUISA ISAURA MARTINSIMPDO.(A/S): TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO (TC Nº 00089119983)

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO.

Funcionário (s) da Empresa Brasileira

de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo.

Ascensão funcional sem concurso

público. Anulação pelo Tribunal de

Contas da União - TCU.

Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo

TCU há mais de cinco (5) anos.

Inobservância do contraditório e da

ampla defesa. Consumação, ademais, da

decadência administrativa após o

qüinqüênio legal. Ofensa a direito

líquido e certo. Cassação dos acórdãos.

Segurança concedida para esse fim.

Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e

art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não

pode o Tribunal de Contas da União, sob

fundamento ou pretexto algum, anular

ascensão funcional de servidor operada

e aprovada há mais de 5 (cinco) anos,

sobretudo em procedimento que lhe não

Página 77 de 98

77

Page 78: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

assegura o contraditório e a ampla

defesa.

O Tribunal, à unanimidade,

concedeu a ordem de mandado de

segurança, nos termos do voto do

Relator. Votou a Presidente, Ministra

Ellen Gracie.. Plenário, 17.12.2007.

f) No mesmo sentido do acórdão

acima citado, temos os julgados e

decisões monocráticas seguintes:

f.1 - MS 20999 (RTJ 131/1101), MS

24268 (RTJ 191/922), MS 26353, RE

158543 (RTJ 156/1042).

f.2 - Decisões monocráticas: MS

26237, MS 26393, MS 26406.

g) MS 26782 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO Julgamento:  17/12/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-03  PP-00559

IMPTE.(S): SORAYA GUERRA DE SOUZAIMPTE.(S): MARCELO SILVA DE GOESADV.(A/S): LUISA ISAURA MARTINSIMPDO.(A/S): TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO (TC Nº 00089119983)

Página 78 de 98

78

Page 79: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO.

Funcionário (s) da Empresa Brasileira

de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo.

Ascensão funcional sem concurso

público. Anulação pelo Tribunal de

Contas da União - TCU.

Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo

TCU há mais de cinco (5) anos.

Inobservância do contraditório e da

ampla defesa. Consumação, ademais, da

decadência administrativa após o

qüinqüênio legal. Ofensa a direito

líquido e certo. Cassação dos acórdãos.

Segurança concedida para esse fim.

Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e

art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não

pode o Tribunal de Contas da União, sob

fundamento ou pretexto algum, anular

ascensão funcional de servidor operada

e aprovada há mais de 5 (cinco) anos,

sobretudo em procedimento que lhe não

assegura o contraditório e a ampla

defesa.

O Tribunal, à unanimidade,

concedeu a ordem de mandado de

segurança, nos termos do voto do

Relator. Votou a Presidente, Ministra

Ellen Gracie.. Plenário, 17.12.2007.

Página 79 de 98

79

Page 80: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:  Acórdãos

no mesmo sentido :

MS 26790, JULG-14-04-2008  UF-DF  

TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO  N.PP-006,

DJe-097  DIVULG 29-05-2008  PUBLIC 30-

05-2008, EMENT VOL-02321-01  PP-00103;

MS 26784, JULG-17-12-2007  UF-DF  

TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO  N.PP-006,

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-

02-2008. EMENT VOL-02308-03  PP-00565;

MS 26786, JULG-17-12-2007  UF-DF  

TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO , N.PP-006,

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-

02-2008, EMENT VOL-02308-03  PP-00571;

MS 26800, JULG-17-12-2007  UF-DF  

TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO  N.PP-006,

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-

02-2008, EMENT VOL-02308-03  PP-00577;

MS 26802, JULG-17-12-2007  UF-DF  

TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO, DJe-031 

DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-2008,

EMENT VOL-02308-03  PP-00583;

MS 26804 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00589;

Página 80 de 98

80

Page 81: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

MS 26805 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO, DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00595;

MS 26815 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO , DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 -

EMENT VOL-02308-03  PP-00601;

MS 26816 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO  N.PP-

006

DJe-031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC

22-02-2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-

00607;

MS 26817 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00613;

MS 26822 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00619;

MS 26824 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

Página 81 de 98

81

Page 82: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00625;

MS 26829 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00631;

MS 26832 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 = EMENT VOL-02308-03  PP-00637;

MS 26840 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00643

MS 26845 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00649;

MS 26873 - JULG-17-12-2007  UF-

PR   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00655 -;

MS 26875 - JULG-17-12-2007  UF-

DF   TURMA-TP  MIN-CEZAR PELUSO - DJe-

031  DIVULG 21-02-2008  PUBLIC 22-02-

2008 - EMENT VOL-02308-03  PP-00661

Página 82 de 98

82

Page 83: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

h) MS 26363 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO Julgamento:  17/12/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

IMPTE.(S): DALVANIA GOMES DELGADO

PINTO E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S): ARAZY FERREIRA DOS

SANTOS E OUTRO(A/S)

IMPDO.(A/S): TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO

Ementa - CONTROLE EXTERNO -

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO -

MOVIMENTAÇÃO FUNCIONAL - FATOR TEMPO -

CONTRADITÓRIO. O ato de glosa do

Tribunal de Contas da União na

atividade de controle externo,

alcançando situação constituída -

ocupação de cargo por movimentação

vertical (ascensão) -, fica sujeito ao

prazo decadencial de cinco anos

previsto no artigo 54 da Lei nº

9.784/99 e ao princípio constitucional

do contraditório, presentes a segurança

jurídica e o devido processo legal.

Página 83 de 98

83

Page 84: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

O Tribunal, à unanimidade,

concedeu a ordem de mandado de

segurança, nos termos do voto do

Relator. Votou a Presidente, Ministra

Ellen Gracie. Ausentes,

justificadamente, o Senhor Ministro

Eros Grau e a Senhora Ministra Cármen

Lúcia. Plenário, 17.12.2007.

i) ADI 3819 / MG - MINAS GERAIS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a):  Min. EROS GRAU Julgamento:  24/10/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação: DJe-055  DIVULG 27-03-2008  PUBLIC 28-03-2008

EMENT VOL-02312-03  PP-00356REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA

REPÚBLICAREQDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO

DE MINAS GERAISREQDO.(A/S): ASSEMBLÉIA

LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAISINTDO.(A/S): DEFENSORIA PÚBLICA DO

ESTADO DE MINAS GERAISADV.(A/S): DPE - MG MARLENE

OLIVEIRA NERY

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 140,

CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, E ARTIGO 141

DA LEI COMPLEMENTAR N. 65. ARTIGO 55,

CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.

15.788. ARTIGO 135, CAPUT E § 2º, DA

LEI N. 15.961. LEIS DO ESTADO DE MINAS

Página 84 de 98

84

Page 85: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

GERAIS. INVESTIDURA E PROVIMENTO DOS

CARGOS DA CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO

ESTADUAL. SERVIDORES ESTADUAIS

INVESTIDOS NA FUNÇÃO DE DEFENSOR

PÚBLICO E NOS CARGOS DE ASSISTENTE

JURÍDICO DE PENITENCIÁRIA E DE ANALISTA

DE JUSTIÇA. TRANSPOSIÇÃO PARA A RECÉM

CRIADA CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO

ESTADUAL SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO.

MODULAÇÃO DOS EFEITOS. AFRONTA AO

DISPOSTO NOS ARTIGOS 37, II, E 134, §

1º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Os

preceitos objeto da ação direta de

inconstitucionalidade disciplinam a

forma de investidura e provimento dos

cargos da carreira de Defensor Público

Estadual. 2. Servidores estaduais

integrados na carreira de Defensor

Público Estadual, recebendo a

remuneração própria do cargo de

Defensor Público de Primeira Classe,

sem o prévio concurso público.

Servidores investidos na função de

Defensor Público, sem especificação do

modo como se deu a sua investidura, e

ocupantes dos cargos de Assistente

Jurídico de Penitenciária e de Analista

de Justiça. 3. A exigência de concurso

público como regra para o acesso aos

Página 85 de 98

85

Page 86: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

cargos, empregos e funções públicas

confere concreção ao princípio da

isonomia. 4. Não-cabimento da

transposição de servidores ocupantes de

distintos cargos para o de Defensor

Público no âmbito dos Estados-membros.

Precedentes. 5. A autonomia de que são

dotadas as entidades estatais para

organizar seu pessoal e respectivo

regime jurídico não tem o condão de

afastar as normas gerais de observância

obrigatória pela Administração Direta e

Indireta estipuladas na Constituição

[artigo 25 da CB/88]. 6. O servidor

investido na função de defensor público

até a data em que instalada a

Assembléia Nacional Constituinte pode

optar pela carreira, independentemente

da forma da investidura originária

[artigo 22 do ADCT]. Precedentes. 7.

Ação direta julgada procedente para

declarar inconstitucionais o caput e o

parágrafo único do artigo 140 e o

artigo 141 da Lei Complementar n. 65; o

artigo 55, caput e parágrafo único, da

Lei n. 15.788; o caput e o § 2º do

artigo 135, da Lei n. 15.961, todas do

Estado de Minas Gerais. Modulação dos

efeitos da decisão de

Página 86 de 98

86

Page 87: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

inconstitucionalidade. Efeitos

prospectivos, a partir de 6 [seis]

meses contados de 24 de outubro de

2007.

Decisão: Após os votos colhidos,

em que foi julgada parcialmente

procedente a ação para, dando

interpretação conforme à Constituição

ao artigo 140, caput, da Lei

Complementar nº 65, de 16 de janeiro de

2.003, restringir o sentido da

expressão defensores públicos, de modo

que ela alcance somente aqueles

aprovados em concurso público para o

cargo; declarar a inconstitucionalidade

do parágrafo único do artigo 140, do

artigo 141, ambos da LC nº 65/2003, e

do artigo 135, caput e § 2º da Lei nº

15.961, de 30 de dezembro de 2.005,

todas do Estado de Minas Gerais, foi

indicado pelo Relator adiamento para a

próxima sessão extraordinária.

Presidência da

Senhora Ministra Ellen Gracie.

Plenário, 17.10.2007.

Decisão: O Tribunal adiou para a

próxima sessão a

Página 87 de 98

87

Page 88: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

deliberação sobre a modulação dos

efeitos da declaração de

inconstitucionalidade. Presidência da

Senhora Ministra Ellen Gracie.

Plenário, 18.10.2007.

O Tribunal, por maioria, nos

termos do voto reajustado do Relator,

julgou procedente a ação direta para

declarar a inconstitucionalidade do

artigo 140, caput, parágrafo único, e

do artigo 141, ambos da Lei

Complementar nº 65, de 16 de janeiro de

2003; do artigo 55, caput, parágrafo

único, da Lei nº 15.788, de 27 de

outubro de 2005; e do artigo 135, caput

e § 2º, da Lei nº 15.961, todas do

Estado de Minas Gerais, vencidos, em

parte, os  Senhores Ministros Marco

Aurélio e Gilmar Mendes. Votou a

Presidente, Ministra Ellen Gracie. Em

seguida, o Tribunal, por maioria, nos

termos do disposto no artigo 27 da Lei

nº 9.868, decidiu que a declaração terá

eficácia a partir de 6 (seis) meses, a

contar da decisão tomada hoje, vencido

neste ponto o Senhor Ministro Marco

Aurélio, que fixava o prazo de 24 meses

para esta eficácia. Votou o Presidente,

Página 88 de 98

88

Page 89: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Ministro Gilmar Mendes ( Vice-

Presidente). Plenário, 24.10.2007.

j) RE-AgR 364511 / AM - AMAZONAS AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO Julgamento:  23/10/2007           Órgão Julgador:  Segunda Turma.

Publicação: DJe-152  DIVULG 29-11-2007  PUBLIC 30-11-2007. DJ 30-11-2007  PP-00108  EMENT VOL-02301-04  PP-00704.

AGTE.(S): ESTADO DO AMAZONASADV.(A/S): PGE-AM - R. PAULO DOS

SANTOS NETOAGDO.(A/S): RITA DE CÁSSIA

NEGREIROS CAVALCANTIADV.(A/S): ANTÔNIO DO NASCIMENTO

ARAÚJO 

 

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO -

SERVIDOR PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

- APOSENTADORIA - GRATIFICAÇÃO

INSTITUÍDA PELA LEI ESTADUAL Nº

1.762/86 - MANUTENÇÃO - OBSERVÂNCIA AOS

POSTULADOS DA BOA-FÉ DOS CIDADÃOS E DA

SEGURANÇA JURÍDICA - RECURSO DE AGRAVO

IMPROVIDO.

Decisão

A Turma, por votação unânime,

negou provimento ao recurso de agravo,

nos termos do voto do Relator. 2ª

Turma, 23.10.2007.

Página 89 de 98

89

Page 90: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Indexação

- Observação

- Acórdãos citados: MS 22357, MS

24268, MS 24927,

RE 197917, RE 341732 AgR, RE

364017 AgR, RE 384334 AgR,

RE 395167 AgR, AI 395316 AgR, AI

402427 AgR-ED, RE 434221 AgR.

N.PP.: 6.

Análise: 04/12/2007, NAL.

Acórdãos no mesmo sentido

RE 570480 AgR - JULG-19-02-2008 

UF-AM   TURMA-02  MIN-CELSO DE MELLO 

N.PP-006

DJE-078  DIVULG 30-04-2008  PUBLIC

02-05-2008 - EMENT VOL-02317-07  PP-

01360.

RE 440750 AgR - JULG-23-10-2007 

UF-AM   TURMA-02  MIN-CELSO DE MELLO 

N.PP-006

DJe-152  DIVULG 29-11-2007  PUBLIC

30-11-2007 - DJ   30-11-2007  PP-00109 

EMENT VOL-02301-05  PP-00886

Página 90 de 98

90

Page 91: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

RE 460139 AgR - JULG-23-10-2007 

UF-AM   TURMA-02  MIN-CELSO DE MELLO 

N.PP-006

DJe-152  DIVULG 29-11-2007  PUBLIC

30-11-2007 - DJ   30-11-2007  PP-00109 

EMENT VOL-02301-05  PP-01004

RE 462700 AgR - JULG-23-10-2007 

UF-AM   TURMA-02  MIN-CELSO DE MELLO 

N.PP-006

DJe-152  DIVULG 29-11-2007  PUBLIC

30-11-2007 - DJ   30-11-2007  PP-00110 

EMENT VOL-02301-05  PP-01039

k) RMS 25902 / DF - DISTRITO

FEDERAL 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 

Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO 

Julgamento:  16/10/2007           Órgão

Julgador:  Primeira Turma

Publicação: DJe-165  DIVULG 18-12-

2007  PUBLIC 19-12-2007 - DJ 19-12-

2007  PP-00055  EMENT VOL-02304-01  PP-

00121.

RECTE.(S): CARLA POLASTRI FERREIRA

ADV.(A/S): CARLOS FREDERICO GUSMAN

PEREIRA E OUTRO(A/S)

Página 91 de 98

91

Page 92: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

RECDO.(A/S): UNIÃO

ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA

UNIÃO 

 

EMENTA Recurso Ordinário. Mandado de

Segurança. Servidor Público. Anistia.

Leis nºs 8.878/94 e 9.784/99. Prestação

jurisdicional. 1. O tema concernente à

ilegalidade do ato coator, tendo em

vista que a impetrante teria

apresentado toda a documentação exigida

para o processamento do pedido de

anistia, não foi examinado no acórdão

recorrido, mesmo após a oposição dos

embargos declaratórios. A questão foi

trazida na inicial do mandado de

segurança (fl. 8), caracterizada a

negativa de prestação jurisdicional. A

apontada ilegalidade, que resultou na

retirada da principal fonte de sustento

da impetrante, merece minucioso exame,

ressaltando-se, ainda, a necessária

prudência decorrente dos princípios da

segurança jurídica e do direito

adquirido ventilados no Parecer do

Ministério Público Federal. 2. Recurso

ordinário conhecido e parcialmente

provido.

Página 92 de 98

92

Page 93: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Decisão

A Turma conheceu do recurso

ordinário em mandado de segurança, lhe

deu parcial provimento e julgou

prejudicado o agravo regimental, nos

termos do voto do Relator. Unânime.

1ª. Turma, 16.10.2007. 

l) MS 24448 / DF - DISTRITO

FEDERAL 

MANDADO DE SEGURANÇA 

Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO 

Julgamento:  27/09/2007           Órgão

Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação: DJe-142  DIVULG 13-11-2007  PUBLIC 14-11-2007 - DJ 14-11-2007  PP-00042  EMENT VOL-02299-01  PP-00146.

IMPTE.(S): APARECIDA MARIA SOARESADV.(A/S): TERSON RIBEIRO CARVALHOIMPDO.(A/S): TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃOIMPDO.(A/S): SECRETÁRIO DE

RECURSOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DO

PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO 

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA.

SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E

GESTÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ATO DO

Página 93 de 98

93

Page 94: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.

COMPETÊNCIA DO STF. PENSÕES CIVIL E

MILITAR. MILITAR REFORMADO SOB A CF DE

1967. CUMULATIVIDADE. PRINCÍPIO DA

SEGURANÇA JURÍDICA. GARANTIAS DO

CONTRÁRIO E DA AMPLA DEFESA. 1. O

Secretário de Recursos Humanos do

Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão é parte ilegítima para figurar

no pólo passivo da ação mandamental,

dado que é mero executor da decisão

emanada do Tribunal de Contas da União.

2. No julgamento do MS nº 25.113/DF,

Rel. Min. Eros Grau, o Tribunal decidiu

que, "reformado o militar instituidor

da pensão sob a Constituição de 1967 e

aposentado como servidor civil na

vigência da Constituição de 1988, antes

da edição da EC 20/98, não há falar-se

em acumulação de proventos do art. 40

da CB/88, vedada pelo art. 11 da EC n.

20/98, mas a percepção de provento

civil (art. 40 CB/88) cumulado com

provento militar (art. 42 CB/88),

situação não abarcada pela proibição da

emenda". Precedentes citados: MS nº

25.090/DF, MS nº 24.997/DF e MS nº

24.742/DF. Tal acumulação, no entanto,

deve obversar o teto previsto no inciso

Página 94 de 98

94

Page 95: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

XI do art. 37 da Constituição Federal.

3. A inércia da Corte de Contas, por

sete anos, consolidou de forma positiva

a expectativa da viúva, no tocante ao

recebimento de verba de caráter

alimentar. Este aspecto temporal diz

intimamente com o princípio da

segurança jurídica, projeção objetiva

do princípio da dignidade da pessoa

humana e elemento conceitual do Estado

de Direito. 4. O prazo de cinco anos é

de ser aplicado aos processos de contas

que tenham por objeto o exame de

legalidade dos atos concessivos de

aposentadorias, reformas e pensões.

Transcorrido in albis o interregno

qüinqüenal, é de se convocar os

particulares para participar do

processo de seu interesse, a fim de

desfrutar das garantias do

contraditório e da ampla defesa (inciso

LV do art. 5º). 5. Segurança concedida.

Decisão: O Tribunal, por

unanimidade, excluiu do pólo passivo o

Senhor Secretário de Recursos Humanos

do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão e concedeu a

segurança, nos termos do voto do

Relator. Votou a Presidente, a Senhora

Página 95 de 98

95

Page 96: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Ministra Ellen Gracie. Ausentes,

justificadamente, o Senhor Ministro

Eros Grau e, neste julgamento, o Senhor

Ministro Celso de Mello. Plenário,

27.09.2007.

Demonstramos através dos inúmeros acórdãos do

STF que acabam de ser citados como a segurança

jurídica é homenageada, no referente à prática de

atos administrativos quando há pretensão dos

mesmo serem desconstituídos após terem produzido

efeitos no temo. Diferentemente não é a situação

que estamos a analisar no presente parecer.

9 – A CONTRATAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

MÉDICOS AO SUS COM PESSOAS JURÍDICAS QUE TÊM COMO

OBJETIVO O LUCRO.

A Constituição Federal de 1998, em seu artigo Art. 199 determina que . “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”

De acordo com a mensagem constitucional as instituiçõe privadas, tipo que a consulene ostenta, pode participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público. Exige a vontade constitucional que tenham preferência absoluta para firmação dos contratos as instituições sem fins lucrativos e as entidades filantrópicas. A consulente, por ser uma cooperativa legalmente constituída, não tem fins lucrativos em face de proibição legal. Os seus resultados são imediatamente distribuídos entre os cooperados de forma previamente disciplina em normativos reguladores do sistema cooperativista.

Página 96 de 98

96

Page 97: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

As pessoas jurídicas privadas, no caso entidades hospitalares e casas de saúde, que tenham fins lucrativos, isto é, que distribuem lucros com os seus sócios, estão impedidas de celebrarem contratos para, de forma complementar, prestarem serviços ao SUS e serem teles serão remnunmerados. Nunca a participação de forma complementar e necessário para a higidez e eficiência do sistema.

10 – CONCLSÕESApresentamos as conclusões dos fundamentos desenvolvidos no

presente parecer com a preocupação de oferecimento de respostas aos questionamentos da consulente.

Em face de tudo quanto exposto, concluímos que:a) O fato dos contratos anteriormente firmados pela

Cooperativa consulente com o Estado do Rio Grande do Norte, durante longos anoso prazo de 12 (doze) anos, sem nenhuma contestação pelo Poder Judiciário, por a tanto não ter sido provocado, com aprovação do Tribunal de Contas e da Assembléia Legislativa, caracteriza a absoluta legalidade do referido negócio administrativo.

b) O direito à saúde é de natureza relevante e fundamental. A sua prestação pelo Poder Público não pode sofrer solução de continuidade, sob pena de responsabilidade dos gestores públicos.

c) O SUS é um sistema unificado de prestação de serviços públicos à saúde que necessita da colaboração de pessoas jurídicas de direito privado para que sejam executados com eficácia e eficiência, em face da complexidade que os envolvel. A tanto permite o at. 199 da CF: “ - As instituições privadas poderão participar de forma complementar dSo sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.

d) O reconhecimento de estado de calamidade pública nos serviços de saúde decretata pelo Estado do Rio Grande do Norte e pela Prefeitura Municipal do Natal exige que, imediatamente, sejam renovados os contratos que por doze anos vinham sendo mantidos com as Cooperativas de Prestação de Servições Médicos, para de forma complementar serem atingidos os objetivos do SUS, sob pena de ferimento aos princípios da dignidade humana, da continuidade do serviço público fundamental e o de que o Estado, como Poder

Página 97 de 98

97

Page 98: Parecer do Ministro José Augusto Delgado - II Fórum FENAM de Cooperativismo Médico

Público, tem a obrigação de zelar pela saúde dos seus cidadãos e da vida humana.

e) O reconhecimento de estado de calamidade publica na área de saúde pelo Estado do Rio Grande do Norte e pela Prefeitura Municipal do Natal pode ensejar, caso não haja uma imediata solução para o problema, intervenção federal, por a tanto permitir o art. 34, III e VII, “b”, da CF.

f) As Cooperativas no Brasil são entidades de direito privado prestigiadas, expressamente, pela Constituição Federal que estimula a sua criação e desenvolvimento com incentivos fiscais e facilidade de atuação, sem permitir qualquer intervenção do Poder Público em seu funcionamento.

g) Não há razoabilidade jurídica para o Ministério Público intervir na Administração Pública Estadual e Municipal fazendo recomendações que provoquem, como provocaram as questionadas no presente parecer, quebra do princípio da continuidade do serviço público e caos na prestação de ações protetoras da saúde pública da cidadania.

h) O Executivo, o Judiciário e o Legislativo são independentes no cumprimento de sua missão pelo que não podem sofrer interferências desproporcionais com as regras do ordenamento jurídico por quaisquer outros órgãos que integram a estrutura do Estado, notadamente quando cumprem as determinações da Constituição e das leis infraconstitucionais. .

i) São indiscutíveis a legalidade da firmação de contratos pelo Poder Público com as Cooperativias Médicas de Prestação de Serviço para, de forma complementar, viabilizar a eficiência dos serviços médicos prestados à população pelo SUS, haja vista que tais pessoas jurídicas de direito privado, sociedades simples, não visam lucro.

j) A obrigação do Poder Público zelar pela saúde dos seus administrados é de natureza fundamental. Não pode ser restringida por ação de qualquer Poder, por ser, tal atividade, necessária ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito, à proteção à saúde e à vida humana..

Página 98 de 98

98