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Ano VI - N.º 17 - 21 de Setembro a 21 de Dezembro de 2006 Parques de Gaia: Rota Verde Reportagem: Reserva ornitológica Entrevista: Lobos híbridos

Parques e Vida Selvagem - Ano VI - Nº 17

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Page 1: Parques e Vida Selvagem - Ano VI - Nº 17

Ano VI - N.º 17 - 21 de Setembro a 21 de Dezembro de 2006

Parques de Gaia: Rota VerdeReportagem: Reserva ornitológica

Entrevista: Lobos híbridos

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30 RESERVA ORNITOLÓGICA DO MINDELOreportagem

Recebeu o primeiro estatuto de protecçãohistoricamente criado. Hoje, é vê-lo: apesar da incúriaainda reúne recursos para ser reerguido.

39 CÃO OU LOBO?entrevista

Em Espanha o ADN de um lobo analisado em Vairão,no CIBIO da Universidade do Porto, evidenciouhibridização. Que implicações surgem daí?

6 PARQUES DE GAIARota Verde

A abertura ao público do Parque da Lavandeira, emAgosto do ano passado, veio demonstrar a necessidadedestes espaços. É objectivo da Câmara Municipal deGaia aumentar a oferta de espaços verdes públicosem mais de 50%.

SECÇÕES

Ver e falar: O Leitor escreve 8

Portfolio: Estuário do Douro 11

Fotonotícias 14

Reserva Natural 24

Migrações 26

Quinteiro 28

Parque da Serra das Meadas 36

Colectivismo 44

Crónica 48

Revista “Parques e Vida Selvagem” • Director Nuno Gomes Oliveira • Editor JorgeGomes • Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia, E. M. • PropriedadeParque Biológico de Gaia, E. M. • Pessoa colectiva 504888773 • Tiragem 80.000exemplares. ISSN 1645-2607 • N.º Registo no I.C.S. 123937 • Dep. Legal 170787/01 •Administração e Redacção Parque Biológico de Gaia, E. M. - Estrada Nacional 222 -4430 -757 AVINTES – Portugal • Telefone 22 7878120 • E-mail: [email protected]• Página na internet: http://www.parquebiologico.pt • Conselho de Administração NunoGomes Oliveira, Nelson Cardoso. Foto da capa: Chapim-carvoeiro num alimentadorde barra. Foto: João Luís Teixeira

Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadasda responsabilidade de quem as assina.

Esta Revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico deGaia e o Jornal de Notícias.

sumário

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editorial

4 | PARQUES E VIDA SELVAGEM

Chegou o bom tempo!Finalmente chegou o bom tempo! O Verão acabou, já chove e, hoje (24 de Setembro), houve no ParqueBiológico de Gaia a primeira cheia do ano do Rio Febros.

Um Verão em que, dizem, ardeu uma grande área da floresta portuguesa;temos corrido o país de Norte a Sul e, floresta, não vimos nenhumaqueimada.Vimos, isso sim, hectares e hectares de culturas mono-específicas oumistas de Pinheiro e Eucalipto, ardidas este ano e em anos anteriores.Floresta é outra coisa: é um ecossistema composto por uma associaçãode árvores, arbustos e outras plantas, em interacção com uma faunavariada.É verdade que as culturas de mono-específicas, os Pinhais e os Eucaliptais,também têm importância ambiental e socioeconómica: evitam algumaerosão, retêm carbono, produzem riqueza material.Particularmente importante é a missão de “sumidouro” de carbono,como forma de luta contra o efeito-de-estufa, reduzindo o excessivoCO2 produzido pela indústria e os transportes.De facto, as árvores (e outras plantas) retiram o CO2 da atmosfera,através da fotossíntese, e armazenam-no nos seus troncos e raízes. Tudose anula, no entanto, quando um incêndio florestal devolve à atmosferaesse carbono.E é isso que tem acontecido em Portugal: colocamos a floresta comoprioridade nacional, comemoramos dias das árvores e da floresta,plantamos milhares de árvores, anualmente, com as crianças das nossasescolas e depois... deixamo-las arder!Tudo pela errada política florestal das últimas décadas que privilegiou

as exóticas, nomeadamente o eucalipto, em detrimento das espéciesbem adaptadas e com maior resistência ao fogo.Em Portugal, salvo em pequenas áreas recônditas do Gerês, das serrasdo Açor ou da Arrábida, não se vê floresta natural; as belíssimas paisagensflorestais de muitos países da Europa ou da América do Norte (comelevado valor para o Turismo) são raridade em Portugal, não porque nãoexistissem no passado recente, mas porque foram liminarmente destruídaspelo objectivo de produzir madeira a todo o custo.É altura de alterar este estado de coisas; esperamos que a “EstratégiaNacional para as Florestas”, aprovada em 15 de Setembro passado pelaResolução n.º 114/2006 do Conselho de Ministros, ajude a mudar, peseembora o facto de insistir em centrar a abordagem da floresta numaperspectiva exageradamente “produtivista”, em lugar de a centrar, comodeveria ser depois do Protocolo de Quioto e em pleno século XXI, nosserviços ambientais que presta.É, pois, bem-vinda a chuva! Param os incêndios, refaz-se a florestado longo período de seca, vestem-se os montes de verde.As alterações climáticas, quer se queira ou não, quer se defenda umaou outra teoria, já produzem efeitos visíveis na fauna e na flora.Árvores adultas, com décadas, morreram este Verão por falta deágua, outras contorceram-se com a seca e largaram ramos (“Acidentematou um bebé e a sua avó. Sintra: dois feridos na queda de umeucalipto vão ser operados hoje”, notícia da Agência Lusa, 07.08.2006),

Por Nuno Gomes Oliveira Director

Rola-brava

Processionária

Esquilo-europeu

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PARQUES E VIDA SELVAGEM | 5

povoamentos de pinheiro recém-plantados foram totalmentedevastados por pragas, como a Processionária-do-pinheiro(Thaumatopoea pityocampa), um insecto desfolhador que atacapinheiros e cedros, mas também incomoda pessoas, por causar alergias(“Reacção terá sido provocada pelo contacto com "lagarta do pinheiro".Santo Tirso: 29 alunos da Escola da Ponte hospitalizados com alergiacutânea” notícia da Agência Lusa, 05.01.2006).A fauna ressente-se: o Papa-moscas (Ficedula hypoleuca), pequenopássaro migrador que, habitualmente, chega ao Parque Biológico deGaia, vindo do Norte, em meados de Agosto, este ano começou achegar em Julho, e em quantidades muito menores que as habituais.A Ferreirinha (Prunella modularis), que até há poucos anos era comume nidificava habitualmente no Parque Biológico e na área litoralNorte até Aveiro, parece ter retirado para Norte.Os migradores transarianos (aqueles que migram de África para a Europa,atravessando o Deserto do Sara, e vice-versa) alteram, ao que parece,os seus hábitos: as Rolas-bravas e as Andorinhas este ano foram escassase o Cuco mal se ouviu. Por outro lado, muitas Cegonhas já não regressama África.Entretanto, somos assustadoramente invadidos por plantas infestantes,como a Cortadéria ou Erva-das-pampas (Cortaderia selloana), umagramínea de grande porte (folhas até 3 m) originária das pampas daAmérica do Sul (Chile, Brasil e Argentina) e que foi espalhada por todo

o mundo como planta ornamental; é, de facto, ornamental, mas estáa ocupar e destruir, em Portugal, grandes extensões de habitats deespécies autóctones.Neste contexto de mudanças climáticas há que repensar a nossa relaçãocom a Natureza, protegendo e conservando de maneira decidida o queresta das florestas no mundo, e replantando a floresta que, no passado,consumimos de maneira não sustentada.A árvore já não se planta só porque dá madeira, frutos ou sombra,porque embeleza as nossas avenidas ou paisagens ou porque, quandoassociada em florestas, combate a erosão e fomenta a biodiversidade:hoje, num mundo em aquecimento global e desertificação, a árvoreplanta-se porque fixa e armazena o carbono atmosférico.Portugal, nos termos do Protocolo de Quioto, não pode aumentar, de2008 a 2012, as suas emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) emmais de 27%, com relação aos níveis de 1990 (no entanto, aumentamos31% de 1990 a 2000...).Para se atingir esse objectivo há que fazer grandes alterações nos sectoresda indústria e dos transportes, mas há, também, que plantar maisflorestas, com resistência natural ao fogo, como os Carvalhais do Nortede Portugal.No Parque Biológico de Gaia iremos plantar este Inverno mais 3 hectaresde Carvalhal ajudando, à nossa escala, a reduzir o efeito de estufa e aaumentar a biodiversidade.

Águia-calçada

Carvalho-alvarinho

Fotos: Arquivo PBG

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Parques de Gaia: Rota Verde

A recente abertura ao público do Parque da Lavandeira (20/08/2005)veio demonstrar a necessidade que a população tem deste espaços.Por isso, é objectivo do Município aumentar, nos próximos anos, aoferta de espaços verdes públicos em mais de 50%.

Previsão da evolução da área de Parques de Gaia

Neste momento Vila Nova de Gaia tem três parques sob gestão daEmpresa Municipal Parque Biológico de Gaia. E.M.: o Parque Biológico,o Parque de Dunas da Aguda e o Parque da Lavandeira.Pretende-se, a partir desses três parques iniciais, criar uma rede de

parques, unidos por uma rota ou percurso, a que chamamos ROTAVERDE, e que complementa a LINHA AZUL, já existente, que percorreo litoral.O Município encarregou deste projecto a Empresa Municipal ParqueBiológico de Gaia, devido ao seu know-how na área do projecto eexploração de parques.Não se pretende fazer parques iguais, mas sim estabelecer prioridadesde intervenção de acordo com as potencialidades de cada sítio.A Conservação da Natureza, a Educação Ambiental e a Conservaçãodo Património Cultural estarão sempre presentes, a par do Recreioe Lazer.Alguns espaços já existentes, como o Parque das Corgas (Seixezelo),o Parque do Maravedi (Mafamude), o Parque de S. Caetano (Vilar doParaíso), integrarão esta rede.Para breve, estão já preparadas quatro intervenções: Parque da Quintado Castelo (Crestuma), Parque Público de Olival, Parque Público deSandim e Refúgio Ornitológico do Estuário do Douro, este últimocom a colaboração da APDL (Administração do Porto de Douro eLeixões).Outras quatro aguardam a posse dos terrenos: Parque do Vale de S.Paio (Canidelo), Parque das Pontes (Stª. Marinha) e Parque da QuintaMarques Gomes (Canidelo).Em início encontra-se o estudo da Serra de Canelas, um amplo espaçoexpectante, no centro geográfico do Concelho, que poderá vir a darlugar a um amplo parque multi-usos.No âmbito da operação de Revitalização do Centro Histórico de Gaia,prevê-se a criação de mais 180.400 m2 de espaços verdes.

Vila Nova de Gaia é um concelho carenciado de espaços verdes, nomeadamente de parques de proximidadeTexto: Luís Filipe Menezes Fotos: Arquivo PBG/JG

PARQUE Data de Abertura área actual m2 área prevista m2

Parque Biológico de Gaia 21/03/83 350 000 520 000

Parque de Dunas da Aguda 31/01/97 30 000

Parque da Lavandeira 20/8/2005 110 000 130 000

Parque do Vale de S. Paio Em estudo 55 000

Refúgio Ornitológico Em estudo 210 000

Parque da Quinta do Castelo Em estudo 9 000

Parque Público de Sandim Em estudo 1 000

Parque Público de Olival Em estudo 1 000

Parque Quinta M. Gomes Em estudo 150 000

Parque das Pontes Em estudo 50 000

490 000 1 126 000

TOTAL PREVISTO 1 126 000 112 ha

6 | PARQUES E VIDA SELVAGEM

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PARQUES E VIDA SELVAGEM | 7

roteiro

Em simultâneo, pretende o Município de Gaia levar a cabo um amploplano de arborização urbana, em colaboração com as Juntas deFreguesia, fazendo com elas contratos de arborização, nos termosdos quais se responsabilizam pela conservação das árvores.Este plano de arborização fomentará corredores verdes ao longo daRota Verde dos Parques de Gaia.Elemento básico para o desenvolvimento deste projecto é aelaboração, pelo Parque Biológico, da CARTA VERDE DE GAIA, quedará suporte técnico às intervenções, ao planeamento e aoconceito.A informação sobre toda esta intervenção continuará a chegarà população através da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM,

PARQUE Vocação Principal Vocação Complementar

Parque Biológico de Gaia Educação Ambiental Conservação da Natureza

Parque de Dunas da Aguda Conservação da Natureza Educação Ambiental

Parque da Lavandeira Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Parque do Vale de S. Paio Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Refúgio Ornitológico Conservação da Natureza Educação Ambiental

Parque da Quinta do Castelo Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Parque Público de Sandim Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Parque Público de Olival Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Parque Quinta M. Gomes Recreio e Lazer Conservação da Natureza

Parque das Pontes Recreio e Lazer Preservação do Património

editada em parceria com o JORNAL DE NOTÍCIAS, e com umatiragem de 80.000 exemplares, distribuídos gratuitamente emtoda a Região Norte, como encarte trimestral daquele periódico.Entretanto, está criada a imagem da Rota Verde dos Parques de Gaia,cuja apresentação pública foi feita em 14 de Agosto de 2006.

Características dos parques

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A revista é um espaço de quem a lê. Esperamos que a cada ediçãoseja de mais leitores.Por isso teve lugar a pergunta em cima, que foi espontânea aorecebermos o e-mail do jovem estudante de Barcelos Rui Andrade.Na sua mensagem sentiu-se um encanto natural pela vida selvagem,que o leva a fotografar a natureza como se aquelas formas de vidapudessem esvair-se como água em areia solta.Rui Andrade enviou-nos na sua mensagem estas duas fotos e diz:«Estas duas borboletas da espécie Lasiocampa quercus foramencontradas de formas distintas. A fêmea foi atraída durante a noitepela luz, enquanto o macho estava ao anoitecer a descansar juntoa uma janela de um edifício. Conheci esta espécie quando encontreiuma lagarta e, por não saber o que era, perguntei aos peritos doCentro de Conservação da Natureza (Tagis) e fiquei a saber quepertencia a uma tal Lasiocampa quercus. Foi a primeira vez quepude ver os dois sexos de forma tão próxima e clara, porque atéentão só conhecia o macho pelos seus ziguezagueares apaixonados».Sabemos aqui que não é fácil encontrar pousadas as Alvarinhas* — nome comum que damos a esta espécie de borboleta «nocturna»e que é frequente no Parque Biológico de Gaia —, sobretudo seforem fêmeas.Geralmente associadas aos bosques de carvalho, de cuja folhagemse alimentam as lagartas, tenderão a desaparecer quanto mais aflora nativa do nosso país escassear.Tendo de comprimento cerca de cinco centímetros, é um insecto

Alvarinhas do carvalhal

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Fotos: Rui Andrade

Fêmea de AlvarinhaLasiocampa quercus

Macho de AlvarinhaLasiocampa quercus

vistoso e os machos podem ver-se em voo em pleno dia sobretudono mês de Agosto, quando tentam localizar as fêmeas paraacasalamento.

* Uma das plantas hospedeiras desta borboleta é a árvore principal do bosqueautóctone do litoral Norte, o carvalho-alvarinho (Quercus roble).

E por que não abrir um cantinho nesta revista para jovens com algo de interesse para mostrar?

descobrir

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Há questões que ficam em aberto sempreque alguém lê esta revista. Se alguns leitoresnão dizem de sua justiça, outros há que nãotêm papas na língua...

Começamos pelo Além-mar, com Eliana deOliveira, de São Paulo, Brasil: «Vi a revista eadorei. É muito interessante, informativa ediversificada. Acredito que a única forma deconservar o meio e a fauna é através daeducação ambiental, e com certeza a Revista«Parques e Vida Selvagem» está contribuindopara isto. Parabéns!».Voltando a Portugal, escreve AugustoMachado, de Aver-o-Mar: «Pela primeira veztomei contacto com a vossa revista "Parquese vida selvagem" (...). Cumprimentos e muitaforça porque estão no caminho certo».Diz também Joaquim Pinto, por correioelectrónico de 11 de Julho passado: «Já andavahá dias pra escrever-vos. Vi a vossa revista pelaprimeira vez este mês e gostei de a ver. Desdepequeno que aprecio a natureza.Há uns anos achei piada a essa coisa de deitarcomida para pássaros no meu quintal, e atétentei. Digo isto porque os pardais nunca se

interessaram pelo comedouro. Era um demadeira com rede dos lados, até tinha bonsacabamentos.Já vi fotografias em revistas com pássarosbonitos a comerem nos comedouros. Mas jápensei até se não seriam fotografias mentirosas,quero dizer, feitas com aves dentro de gaiolasmaiores e treinadas para comerem dessescomedouros.Que segredo há para conseguir isso aqui emcasa?».De facto, ainda não nos tínhamos lembradode treinar aves para as fotografarmos mais ajeito. Mas com certeza que não há necessidadede tanto gasto de tempo.Os animais são como o ser humano: criamhábitos. Se montar comedouros para avesselvagens no seu jardim e estiver a ser o pioneirodas redondezas, elas terão de perceber quenão se trata de um novo modelo de armadilha.É que, apesar de ser ilegal a captura de pássaros,ainda há muitos passarinheiros espalhados poreste país...Depois de a passarada perceber que não setrata de uma armadilha, começará a ganharcoragem para petiscar. Nessa altura, costuma

haver uma ave mais despachada, como umchapim-carvoeiro ou um verdilhão, que o serápor razões diversas: temperamento,inexperiência, fome...Se a tentativa de que fala na sua mensagemocorreu na Primavera, ao invés de ser noOutono/Inverno, as aves que apreciam oscomedouros de mistura de grão costumampraticamente abandoná-los quando dispõemde alternativas como larvas de insectos e outrosatractivos de ementa...Mas não são só as aves granívoras que podeatrair ao seu jardim. Os melros, uma espéciecom um talento especial para existir numagrande diversidade de ambientes, cidadesincluídas, tende a comer fruta e insectos dosmais variados. Se oferecer a este tipo de avesessa via, também os terá à vista, bem perto desi.Compreende-se que, para quem gosta, o factode ter aves selvagens perto de casa é muitoatractivo: poderá partilhar ao vivo dos maisinteressantes — esses sim — segredos da vidaselvagem.

Texto e foto: Jorge Gomes

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Aves ensinadas?

ver e falar

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Urze: flor de Outono

pétalas

A Comunidade Europeia,através de Directiva,defende o habitat urzal-tojal.O tojo pertence à família daservilheiras

Cordões-de-freiraErica ciliaris

Queiró Erica cinereaOutro insecto que dependedestes recursos: azulinha(Lampides boeticus)

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Urze, aqui torga-ordinária, em florCalluna vulgaris

A vegetação de um sítio conta histórias.Onde há salgueiros a água anda perto.Uma vertente vestida de giestas revelao incêndio que as antecedeu e um solocom alguma profundidade...

Onde a urze e o tojo aparecem está em cursouma fase de sucessão ecológica num ponto ondeterão ocorrido incêndios sucessivos. No início ascinzas e o pouco que não pereceu; no fim, se nãohouver intervenção, o carvalhal.De momento, a vida esgueira-se entre as agressõesà terra, resistindo com as armas da sobrevivência.A introdução de eucaliptos e pinheiros lixiviama terra que herdou as bênçãos do carvalhal edepois terá sido usada na agricultura.Como herança, há um habitat reconhecido emDirectiva da Comunidade Europeia que ali medra:o urzal-tojal.Os seres vivos resistentes parecem atestar que,

mesmo assim, nada está perdido. A terra saturadade químicos agressivos, autêntico herbicida, nãoconvém que resvale para terrenos de cultivo, sobpena de lhes tirar produtividade.No caminho os olhos param na flor lilás daurze, um pica-pau canta e dá o alarme:enquanto há gente, o perigo é iminente –primatas à vista!Ali não há regadores. Tais luxos não constamdo sítio. Adaptada a condições de secura, aurze-queiró exibe a paciência dos céus quandotem de aguardar pela chuva. Se umas gotasde orvalho se lhe agarram em noite de nevoeiro,sustém as minúsculas folhas para as deixarpousar… e cair. Na escassez o pouco é muito.Nem por isso a urze deixa de ser generosa. Quemlhe agradece são os insectos, até porque o seuexemplo arrasta um compincha espinhoso de floramarela: o tojo.Imperturbáveis, os insectos dançam ao sol e

polinizam o jardim natural pintado a tons deamarelo e púrpura suave.Uma brisa agita as plantas bravas e deixapensamentos. Quem diria? Um desabrochar tãoalegre no Outono?Ao passar, não julgue que está a ver sempre a mesmaespécie de urze. Há várias! Por exemplo, a torga-ordinária (Calluna vulgaris), as queiró (Erica cinereae Erica umbellata), a cordões-de-freira (Erica ciliaris),a Daboecia cantabrica, a Erica arborea... Umas eoutras distinguem-se pela flor e pela folha, sendocerto que a floração das várias espécies não ocorrenas mesmas épocas do ano.Mas a família das urzes — as Ericáceas — é vasta.Sabia que o medronheiro lhe pertence?Quem não se importa muito com isso é o relógionatural. Entre brisas e ventanias, pingos de chuvae raios de sol, há que seguir em frente…

Por Henrique Nepomuceno Alves e Jorge Gomes

Esta floração apoia também insectos migradorescomo a bela-dama (Vanessa cardui) e, por consequência,aves que passam em busca de outros sítiospara passarem a época mais fria do ano...

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Douro: um estuáriocom asas...p

ort

folio

Corvos-marinhos

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Quem ali passa muitas vezes não repara. Nomínimo, vê ao longe e não distingue a valentefatia de património natural que neste estuáriose perfila.Na época em que o frio visita o Norte da Europa,há alturas em que é impossível não depararcom muitas visitas, aos milhares...Comprimidas entre as margens do estuário doDouro, água, vaza e flora recebem bandos emfuga do rigor de um Inverno que se anuncia:

abundam então os corvos-marinhos e as garças-reais, com um séquito de aves limícolas demenor porte como as rolas-do-mar e osmaçaricos-das-rochas, entre milhentos outros.Patas altas e bicos compridos, as grandes garças-reais são incontornáveis! Capazes de engolirdesde encorpadas tainhas a ratazanas, enfrentama luta pela sobrevivência num meio cada vezmais exíguo.É por isso que também não será difícil nesta época

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ver na Baía de S. Paio uma meia dúzia de garças-brancas-pequenas, ave cujas imagens em bailarico à tona da águadeu o 1.º Prémio do Concurso de Fotografia da Natureza aLuís Bravo Pereira, que agora partilha consigo estes trabalhos.Mais difícil é detectar no estuário o cintilante guarda-rios, a não ser quando voa na arte de se proteger. Nasobservações de aves organizadas pelo Parque Biológicode Gaia o ano passado neste sítio a colorida ave foi vistarepetidas vezes.Agora, enquanto um homem trabalha o limo em buscade bicha de pescador, entre uma bicada numa tainhadistraída e um golpe de asa, ao som das ondas mansase da brisa outonal, deleite-se com a câmara indiscretade Luís Bravo Pereira neste valioso refúgio ornitológico...

Corvos-marinhos

Garça-branca-pequenaPilritos e garças-reais

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Guarda-rios

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Corvo-marinho

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O dia do noitibó

fotonotícias

Que é que se passa com os poetas?Usam rosas e jasmins para aqui e para ali,mas de plantas não menos talentosas nadadizem...Veja-se o tojo: até terá mais picos que a maiorparte das rosinhas! Inseridos nos poemas,davam figuras mais intensas...Ao lado de estradas e em habitats com estatutode protecção comunitária, o tojo-arnal ou otojo-molar florescem quase todo o ano. Osespinhos são uma dupla defesa: contra asecura do clima nos terrenos em que medram— a superfície exposta ao calor diminui — econtra os herbívoros que tudo mordiscam.Mas a flor é um anúncio luminoso que chamavários bichos, dando-lhes casa e mesa, nopuzzle grande da diversidade biológica. Vistade perto, dificilmente se lhe resiste, mas émelhor não tocar!

Noitibós entregues no Parque Biológicode Gaia para recuperação

Texto e foto: Jorge Gomes

Se à noite todos os gatos são pardos, no que toca aos noitibós, estes animais são mais fáceisde ver... com os ouvidos!A fauna ibérica engloba diversas aves noctívagas. Geralmente as corujas, de olhos brilhantes,detêm o monopólio da atenção. Mas há outros personagens, tão ou mais discretos, que dedia parecem mais um pedaço de textura de tronco, mas assim que anoitece cantam, esvoaçame comem uma grande gama de insectos. Falamos, claro, do noitibó.Quando próximo da Quinta de Santo Tusso, no Parque Biológico de Gaia, se tratava o terreno,avistou-se uma ave estranha a voar do chão, deixando à vista dois ovos pintalgados.A espécie já tinha sido detectada pelo canto, mas de vestígios fotografáveis ainda não haviaregisto...

Texto e fotos: Jorge Gomes

Para além dos espinhos

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Uns dão à sola para outras paragensquando o Outono sopra, outrosamealham provisões para resistir aodesgaste das temperaturas mais baixas,outros ainda fazem uma longa soneca.Muitas aves, como as andorinhas ouas rolas-bravas, batem asa para África.Mas ir a pé ou a nado para o sul jáimplica um grande problema. Mais valejuntar sementes, como fazemos esquilos, ou então recorrera estratégias de monge tibetano:abrandar o metabolismo num buraco,resistir ao frio poupando calorias.Fazem-no os notáveis morcegos,talentosos mamíferos alados,e os ouriços-cacheiros, hibernando.Os répteis, como os lagartos e as cobras,também se abrigam, mas logoque um solzinho de tempo frio dáum ar de sua graça, deixam a letargiae aquecem-se, que isto de estar paradotantos meses não faz bem à cabeça!

PARQUES E VIDA SELVAGEM | 15

Apolo emocionou-se e um intenso calorestival imperou no últimofim-de-semana de Maio.

Em Vila Nova de Gaiae arredores viam-se numerosas

mariposas nocturnasem voo para Norte.

No perfil pareciam ser, a maior parte,a borboleta-gama,

espécie comumque migra na Primavera.

De dia, foi possível confirmar: estavampor todo o lado. Passar

próximo de qualquer arbusto fazialevantar alguma para a folhagem densa

de outras plantas.à luz do dia foi possível tirar teimas: era

mesmo uma quantidade invulgar deAutographa gamma!

Ernestino Maravalhas, lepidopterologista,lembra que em 1996 ocorreu algosemelhante.Alguma imprensa falou de pragade borboletas, mas não é a palavraadequada: derivando as borboletas delagartas fitófagas, não se assistiu auma devastação nem nada parecido.É certo que a lagarta se alimenta devárias plantas silvestres, mas o maiscurioso é que, agora, no Outono,teremos por perto as «netas» das gamaque sobreviveram à miríade depredadores, como aves, insectos, répteise outros. Isso porque as que chegam ao

Norte da Europa reproduzem-se por lá,e a descendência tende a vir para sul para

fugir ao frio que se anuncia...Texto e foto: Jorge Gomes

Foge que vem aí o frio

Texto e foto: Jorge Gomes

Avós e netas

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Não acredito, mas que as há, láisso há...Entre os animais selvagens queadoptaram o Parque Biológicode Gaia para lar, entre ginetase doninhas, as mais conhecidasserão as raposas. Não porquese vejam, mas pelos vestígiosque deixam. Quem duvidar,pode ver todos os dias o desafiodo macho livre em forma dearranhadelas no observatóriodo cercado das raposas emcativeiro...Furtivas, encontram nestareserva natural um territórioóptimo com alimento e abrigo.Amigas de recantos e dasombra, sábias e adaptáveis,aproveitam as oportunidades.A sobrevivência toca a todos.

Texto e foto: Jorge Gomes

Esperto como uma raposa

Só no ano passado é que esta espécie foi registada pela primeiravez no Parque Biológico de Gaia. Pouco abundante, nada faria

supor que este ano esta borboleta da família dos Ninfalídeos seviesse a tornar tão abundante, como também em todo o Norte.

Alvão, Douro Internacional, até no centro de cidades comoGuimarães, lá andavam elas à fartazana.

No Parque Biológico, não era difícil deparar com asArgynnis pandora a namoriscar por todo o lado.

E se as fêmeas eram umas oferecidas, os rapazolas queremantes de chegar ao cerne da questão, dançar, confirmar

bem se o esforço de transmissão do ADN bate certopara ter êxito reprodutivo. Além das feromonas,

há que conferir a expressão corporal, o sexo certo,o ritmo e os sinais de boa saúde.

Se algum destes detalhes de identificação da espéciefica omisso, quase as ouvimos dizer «Menina, perdõe-me

o equívoco!», e lá vai bater a asa para outro sítio...

Texto e foto: Jorge Gomes

O ano de pandora

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fotonotícias

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Pardais ao ninho...Vários países da Europa Ocidental deitam as mãosà cabeça: o pardal-dos-telhados (Passer domesticus)está em declínio!O facto toma contornos de preocupação, uma vezque se trata de uma ave generalista que se alimentasobretudo de grão e de insectos, bem adaptada aomeio urbano.Sendo assim, poderá ser um sinal da natureza sobrealguma forma de degradação do meio em quevivemos. Alguns investigadores apontam comocausas a poluição e até as radiações da tecnologiahodierna.Na Grã-Bretanha esta espécie consta da ListaVermelha de Espécies Ameaçadas: neste país, em15 anos a população deste pardal diminuiu 90%.Na República Checa reduziu 60%, na Alemanha, em30 anos, 50%. Esta preocupação alarga-se à Itália,à Finlândia e à Bélgica.Além do pardal-dos-telhados, em Portugal, háoutras: o pardal-montês, fácil de ver no ParqueBiológico de Gaia, e o pardal-espanhol, comdistribuição no Sul.

Texto e foto: Jorge Gomes

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Cuidado com o bispo!

Não se trata de heresia, dependendo do ponto de vista.É bem pior: sempre que uma espécie exótica

se instala num ecossistema diferente do que lhe épeculiar, a estimativa do resultado é dramática.

Além de outras, mais conhecidas e se calhar com menorimpacto ambiental, uma ave originária da África Ocidental

está a reproduzir-se também em Salreu, perto de Estarreja, umazona húmida. Já ocorrem perto de uma dezena de casais...

A espécie em causa dá-se pelo nome bispo-de-coroa-amarela(Euplectes afer) e a história é invariavelmente a mesma: «Na maioria

das vezes são exemplares libertados de gaiolas por pessoas que o fazeminconscientemente sem que tenham noção do problema que estão a

criar», diz Rui Brito, biólogo do Projecto BioRia. «Trata-se de um passeriformecom aproximadamente 13 cm de tamanho. Ocorrem alguns indivíduos em

Salreu há quatro ou cinco anos pelo menos, embora estejam aparentementea aumentar de número visto estarem a reproduzir-se na zona».

O assunto não fica por aqui: «O macho do bispo-de-coroa-amarela, que é muitoterritorial e agressivo, ameaça as espécies autóctones, ou seja as espécies

naturais do nosso país, competindo pelo território e pelo alimento».Por isso, «importa — não só para esta área de Salreu em particular, mas para todo o

país — implementar na prática uma estratégia activa e bem delineada de combate àsespécies exóticas, com a maior brevidade, sob pena de um dia destes ser demasiado

tarde». Além disso, «deveria promover-se a nível nacional uma campanha para explicar àspessoas o perigo de libertarem aves exóticas das gaiolas para o meio ambiente, procurando

dissuadi-las desse comportamento tão prejudicial à nossa avifauna e incentivara observação de aves no seu meio natural com binóculos e não as comprar para colocar

gaiolas», afirma Rui Brito.

Texto: Jorge Gomes Foto: João Luís Teixeira

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A água é um dos materiais mais usados paraapagar incêndios. Os incêndios sãovingativos: fazem com que a água regressemais depressa ao mar e, em vez de ser fontede vida, torna-se num meio de desertificação.Não acredita? Ora veja…Em alvoroço, as chamas crestam, pulverizam,destroem. Quem mais tira proveito disso sãoas plantas exóticas como os eucaliptos, asacácias e as háqueas-picantes.Entre tempestades e bonanças, depois docataclismo todos perdem. Um incêndioprejudica o ambiente em que vivemos,nomeadamente:- destrói bens e vidas…- ameaça ou extingue populações de seresvivos, diminuindo a diversidade biológica,património de toda a humanidade…- aumenta a erosão do solo, tanto maisquanto maior a pluviosidade, deser-tificando-o…- reduz assustadoramente a capacidade deinfiltração da água da chuva, degradando acapacidade dos lençóis freáticos…

drama

Incêndios

- encharca de nutrientes ribeiros e lagos,eutrofizando-os…- favorece os extremos climáticos calor-frio…

Se o somatório destes factos não chega, quemais dizer dos incêndios que ardem todosos anos nos noticiários?

Foto: João Luís Teixeira

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“Nunca vi assim tantos, o máximo que tinha visto juntoseram sete casais!”, diz David Silva, o funcionário do Parque Biológicoque ali trabalha já há três anos...

Um olhar mais atento não deixa ainda perceber a gravidade da situação:dezenas de borrelhos (contámos 45) escondem-se no Parque de Dunasda Aguda. Mais permissivos que os residentes, só voam quando se estámuito perto.Este comportamento não é frequente nos borrelhos que costumamandar junto da linha de água à espreita de alimentos trazidos pelo marou pelos rios.

Tentou-se explicar este acontecimento: é possível que, com os campistase banhistas que ocuparam o estuário do rio Douro, as aves que aí seencontravam fugiram em busca de outros sítios, porque o respeito delespara com a natureza deixa muito a desejar.Um santuário no Inverno, um deserto no Verão. Os dias com milharesde aves de várias espécies são já uma miragem. Quando esta revista sairem Outubro, espera-se que o estuário renasça com as migrações vindasdo Norte da Europa.Se as autoridades responsáveis patrulharem as praias, se se construiruma reserva no estuário, a vida poderá manter-se todo o ano.

Texto e fotos: João Luís Teixeira

Dunas da Aguda: reunião de borrelhos

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Vinte borrelhos nesta pequena área:ao todo, no Parque de Dunas da Aguda contaram 45...

Pormenor do estuário do rio Douro neste Verão

parques de Gaia

Quem visitou o Parque de Dunas pela primeira vez não seapercebeu da anomalia... Foto: Jorge Gomes

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Alberto AndradeEstá ligado ao surgimentodo Parque Biológico de Gaia.Fica a homenagem nestaspáginas, após a entrevistarealizada no segundo númerodesta revista…

Os homens estendem a suaexistência pela memória do quefazem. E quem primeiro encheuas mãos de calos e de terra na obrahoje intitulada Parque Biológicosabe disso.Em 18 de Julho, falece em VilaNova de Gaia, aos 79 anos deidade, Alberto Andrade, sindicalista,deputado e autarca.Nascido em Oliveira de Azeméis,em 1927, Alberto Martins Andrade foi empregado bancário e converteu-se num líder do movimento sindical nesse sector.Em 1961, foi candidato a deputado pela oposição pelo círculo do Portoe, em 1975, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte portuguesa.No ano anterior, com queda do fascismo em 25 de Abril de 1974, exercerafunções de presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipalde Vila Nova de Gaia, onde desempenharia, mais tarde, cargos de vereadore de presidente da Assembleia Municipal.Na revista «Parque Biológico» n.º 2 disse Alberto Andrade sobre a origem

desta instituição: «Na Câmaradiscutia-se a exiguidade dasdimensões do horto municipal. Porsugestão do vereador do Ambiente,que era o eng.º técnico agrárioLuís Cid Doroteia, concluiu-se serurgente um espaço para ampliaro horto. Precisávamos de maisplantas. Surge a hipótese deaquisição da Quinta da Cunha deBaixo, onde está instalado o ParqueBiológico. Eu, particularmente, eo eng.º Cid Doroteia, oficialmente,encaminhámos o processo. ACâmara comprou a quinta, queestava semiabandonada» e tinhaespaço a mais. Pensou-se.«Chamar-se-ia qualquer coisa

como Centro de Educação Ambiental. O Nuno, de facto, é que deitoumãos a isto e, de etapa em etapa, chegou-se ao que é hoje».Há mais de 20 anos, quando os temas de ambiente eram algoincompreensível para quase todos, já Alberto Andrade e alguns outrosabriam caminhos. Desse pioneirismo, o resultado mais nítido é o ParqueBiológico de Gaia.Alberto Andrade falou-nos da sua expectativa nesse tempo: «O Parquetem tido uma actividade notável. Até pensei que a experiência aquiacumulada se fosse multiplicando em n municípios por todo o país».

Alberto AndradeFoto: CD/PBG

O Parque de Dunas da Aguda foi o epicentro de diversasactividades para crianças e adultos em pleno Verão

Uma delas envolveu a Universidade Júnior, uma forma de ocuparos alunos do ensino secundário durante parte das longas fériasde Verão.Logo na recepção, o botânico Henrique Nepomuceno Alvesexplicava o essencial da dinâmica das dunas, o talento das suasplantas e animais para subsistirem neste ambiente arenoso.Depois, seguia-se uma ida ao parque. Os borrelhos foram umanovidade e o ninho na areia um facto demorado de descobrircom binóculos, mas dos lindos lagartos-ocelados, vistos antesem fotografias, eram mais fáceis de encontrar, nesta época, sóos vestígios.Em pleno Agosto, e desde Junho, o programa «Manhã na praiae tarde no campo», dois dias por semana, permitiu aosparticipantes seguir uma visita guiada por um técnico nesteparque de dunas. De tarde, era possível visitar o Parque Biológicode Gaia, estando a deslocação assegurada por um autocarro.O Parque de Dunas da Aguda foi criado em 1997 pela CâmaraMunicipal de Vila Nova de Gaia, através do Parque Biológico, ecom a colaboração do programa LIFE (União Europeia).

parques de Gaia

Tesouros nas dunas

Uma breve espreitadelaao último ninho de borrelhodo ano em 20 de Julho

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Aberto ao público há um ano, o Parque da Lavandeira, no coração da cidadede Vila Nova de Gaia, foi o palco da apresentação da Rota Municipal de ParquesVerdes

Em 14 de Agosto, Nuno Gomes Oliveira, director do Parque Biológico de Gaia, napresença do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Luís FilipeMenezes, apresentou no Parque da Lavandeira, em Oliveira do Douro, um novoconceito: a Rota Municipal de Parques Verdes.No momento, foi dito que o investimento nestes equipamentos destinados àpopulação ainda não terminou: no imediato segue-se a abertura do complexodesportivo do parque.«O projecto dos parques de Gaia corporiza uma lógica que surge na sequência dosucesso do Parque Biológico, orçado em seis milhões de euros. Uma empresamunicipal que o gere consegue cobrir cerca de 40% das despesas. Um valor quepoderá atingir os 60% devido a receitas provenientes da consultoria prestada,sobretudo, a outros municípios».Além dos parques já existentes em Gaia, estão em estudo sete, a saber, Parque doVale de S. Paio, Refúgio Ornitológico do Estuário do Douro (em colaboração coma Administração dos Portos do Douro e Leixões), Parque da Quinta do Castelo,Parque Público de Sandim, Parque Público de Olival, Parque da Quinta MarquesGomes e Parque das Pontes.O Município gaiense encarregou a Empresa Municipal Parque Biológico de Gaiadesta tarefa devido ao seu know-how na área do projecto e exploração de parques.No presente, a população usufrui todos os dias do Parque da Lavandeira, onde overde da natureza se liga a um apreciado trilho pedestre e a diversos aparelhosdesenhados para exercício físico ou mental, como é o caso do jogo-do-galo.

Lavandeira: uma oferta de lazer

parques de Gaia

Apresentação da Rota Municipal de Parques Verdesno Parque da Lavandeira: Nuno Gomes Oliveira, do Parque Biológico,e Luís Filipe Menezes, presidente do Executivo gaiense. Foto cedida por M.R.

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As actividades de lazersão um dos atractivosno Parque da LavandeiraFotos: João Luís Teixeira

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Aconteceu no Parque

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parques de Gaia

Nos meses de Julho e Agosto as Oficinas e os Campos deVerão pintaram a manta no Parque Biológico de Gaia.Dezenas de crianças participaram numa mão-cheia deactividades, acompanhadas por técnicos, que om certezajamais irão esquecer.Um merecido destaque também para a parceria com oMinistério da Ciência e da Tecnologia através do programaCIÊNCIA VIVA.Com início em Agosto e prolongando-se em Setembro, abiologia, a astronomia e a geologia foram secções atendidasatravés de inúmeras actividades.«À descoberta das borboletas» deu a conhecer os nomes ereconhecimento de várias mariposas diurnas culminandocom a criação de um jardim de borboletas.«Noites ao luar» e «Observação do Sol» aproximaram osdistantes corpos celestes.«Morcegos do Parque» revelou a utilidade destes mamíferosvoadores e o seu reconhecimento através de gravador deultra-sons.

«Da célula ao ser» revelou o progressivo desenvolvimentodos pintos dentro do ovo à medida que a incubaçãoavança.«Ninho e comedouro em directo» levou os participantesà intimidade do quotidiano de algumas aves selvagens.«As dunas não são As dunas não são divãs» deu a conhecero surgimento das dunas e as adaptações da vegetação acondições de vida tão frágeis.«De onde vem a areia» revelou a forma como cada grãopode contar o seu passado.«O caminho da água» expôs o percurso trilhado pela águada torneira que abrimos em casa.«Areias movediças, simulação da deriva» assentou nummodelo que interpreta o processo complexo do transportede sedimentos ao longo da costa e a influência das obrasali edificadas.Antes do ano findar ainda deverá ter lugar a Semana daCiência e Tecnologia. No fim de Outubro conta-se que hajamais informação.

Os Campos de Verão incluíramuma amostra do trabalho de lavradorna Quinta de Santo Tusso, nopercurso de descoberta da natureza

AgendaTome nota das actividades que em brevevão decorrer no Parque Biológico de Gaia...

ESTUÁRIO DO RIO DOURO:OBSERVAÇÃO DE AVESNos domingos, 5 de Novembro e 3 de Dezembro,das 10h00 às 12h00, junto à Baía de S. Paio,apareça com os seus binóculos e verá com outrosolhos a avifauna selvagem que ali se refugia.Basta aparecer!

SÁBADOS NO PARQUENos primeiros sábados de cada mês, de Novembroem diante, há um programa especial. De manhãum atelier de educação ambiental. De tarde,uma palestra, seguida de visita guiada epercurso de observação de aves selvagens. Maisinformações no site do Parque ou pelo telefone227878120.

MAGUSTOSábado, 11 de Novembro, leve os seus filhos aapanhar castanhas no tapete de folhas dos

castanheiros do Parque e participe no magustona eira, onde pode saltar a fogueira.

CURSO DE ORNITOLOGIAA Sociedade Portuguesa para o Estudo das Avesministra no Parque Biológico de Gaia, nos próximosdias 11 e 12 de Novembro o curso «Iniciação àOrnitologia». O formador é Paulo Travassos.O custo para sócios da SPEA é de 43 euros e paraquem não é sócio é de 53. As refeições, o transportee o alojamento não estão incluídos no preço docurso e são da responsabilidade dos participantes.Sugestões de alojamento: contactar a hospedariado Parque Biológico de Gaia. Telefone: 227878120.Informações: Alexandra Lopes,[email protected]; Tel.: 213220430.

A LUZ DO PARQUE IIIEm 2 de Dezembro, sábado, abre a exposição defotografia da natureza resultante do concursoorganizado pelo Parque em 2006, com entregade prémio.

ECOTURISMO: DO PORTO AO SOAJOPode inscrever-se para 9 e 19 de Dezembro nopercurso organizado pelo Parque emcomemoração do Dia Internacional dasMontanhas. O tema é «A civilização do granito»e passa pela citânia de Sanfins, antas de Mezio,espigueiros do Soajo, castelo de Lindoso, Centrode Interpretação do Parque Natural Baixa Limia(Espanha), calçada romana e marcos milenários,mata de Albergaria, Brufe.

OFICINAS DE INVERNOEm 18 de Dezembro abrem as oficinas deInverno. Destinam-se a crianças e jovens. De18 a 22 e de 26 a 29 de Dezembro, das 9h00às 17h30.

RECEBA NOTÍCIAS POR E-MAILPara os leitores saberem das suas actividades abreve prazo, o Parque Biológico sugere uma visitasemanal a www.parquebiologico.pt ou peça-aspelo e-mail [email protected]

Fotos: Arquivo PBG

Atelier «Paparoca da bicharada»

Visita ao parque DiverLanhoso

Atelier «À descoberta das borboletas»

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recuperar

Os andorinhões querem-se no ar

Cria de gavião a ser recuperadano Parque Biológico

Com sorte consegue ver alguns andorinhões aindaem deslocação para África. Apesar de já sentirem achamada do Sul que os leva de regresso regiõesmais amenas, os andorinhões-pretos foram umasonora companhia estival. Na cidade ou no campo,sobretudo nas primeiras horas do dia ou ao pôr-do-sol, ouvimos o piar animado destas aves desenhadaspela evolução para viver no ar: sriiirr... sriiirr, sriiirr...Os insectos voadores ascendem na atmosfera àmedida que o calor aumenta, e na peugada destaspresas vão os andorinhões (Apus apus) que fazemquase tudo no ar: comem, reproduzem-se, e atéchegam a dormir enquanto voam...Sem estarem tão perto das andorinhas enquantoespécie como possa parecer, são senhores dos ares.Alguns têm um início de vida no Centro deRecuperação do Parque Biológico. Quem os entregageralmente encontra-os caídos dos ninhos no sótãode casa, por exemplo. Quanto a números, veja: entre17 de Junho e 26 de Julho, houve 21 pessoas aentregarem crias desta espécie ao cuidado do Parque.Algumas, mais desenvolvidas, basta lançá-las comcuidado ao ar para que iniciem o primeiro voo dasua vida. Outras necessitam de alimento paracrescerem. Passado um tempo, estão aptas a serlibertadas. Ocorreu também um caso, entre outros,de uma cria de gavião encontrada «a vaguear numaestrada» pelo funcionário Joel Silva, do SEPNA, oserviço de defesa da fauna selvagem da GuardaNacional Republicana.Em breve terá asas para voar, esta rapina discreta,especializada a caçar entre as árvores dos bosques,como acontece com um espécime selvagem quetem sido visto por alguns privilegiados no carvalhaldo Parque Biológico de Gaia.

Texto e fotos: Jorge Gomes

Bufo-pequeno-de-orelhasjá libertado após ser entregueno Centro de Recuperação

Andorinhão-negromesmo antes da horada liberdade

Crias de andorinhão-negro a serem alimentadas

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Reserva natural

Uma reserva natural é um espaço dedicadoà vida selvagem. Grande? Pequeno?Um hectare? Mil hectares?Isso é o mais importante? Talvez não...

As galinhas-de-água parecem ter sido entre abicharada as primeiras a achar que não importao tamanho de um espaço dedicado à vidaselvagem. Importante é que se sintam bem! Olago tem a ementa adequada, entre grão einsectos, e a maioria dos predadores sente-sedesencorajada a tentar a sorte ali. Por isso jácriaram este ano na ilha, mesmo sem confiar

lá muito na vizinhança. Macho e fêmea nãose distinguem à vista, mas as crias, mesmoquando são do tamanho dos pais, vestem penascinzentas.O lago tem peixe, sabem as garças-reais. Deum ano para o outro, entre migrações,aprenderam que ninguém se aproxima delas.A mesma cerca eléctrica que repele o acessode doninhas e ginetas, raposas e gatos faz comque os seres humanos permaneçam, comodevem, no trilho de descoberta da naturezapredefinido.O mesmo não acontece com a cobra-de-escada,

que no Outono procura abrigo para hibernar,serpenteando pelas plantas, sem descurar oratito que, pela calada, petisca os grãos atiradosdo comedouro de mesa ao chão por chapins,verdilhões e pardais.Terra rica, o cornichão e o poejo, os mentastrose outras herbáceas dão um verde vivo ao chão,uma alegria ao olhar.Um melro canta e delimita o seu território faceaos casais rivais que se ocultam ali perto. Quemnão liga a isso são as aves migradoras quepassam, como rouxinóis, papa-moscas e asandorinhas mais tardias. Estes aproveitam a

As cegonhas, se recuperarem,voarão desta reserva quandoquiseremTexto: Jorge Gomes

Fotos: João Luís Teixeira

Felosa Faisão-fêmea

Uma das cegonhasem pleno vooFoto: JG

Reserva Naturalvista do observatório

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conservação

Patos-reais

Gaivota juvenil

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O Parque Biológico deGaia vai acolher umaEstação de EsforçoC o ns t a n t e d eAnilhagem Científicade Aves, que faráparte de um projectode recolha de dadosao nível europeuchamado Projecto deEstações de EsforçoConstante (PEEC).O projecto é da maiorimportância paramon i to r i za r a spopulações de avesda Europa e a sua evolução, sobretudo quando se sublinha a recenteintrodução, pela Comunidade Europeia, do estado das populações dasaves enquanto indicador da qualidade de vida e factor de avaliaçãodo nível de desenvolvimento. «É da maior relevância o envolvimentodo Parque na obtenção destes dados científicos», afirma Rui Brito,biólogo.A data de execução será em início de Outubro «para ainda apanharmosa migração pós-reprodutora». Será constituída, em princípio, por duassessões mensais, realizadas ao sábado em datas a definir. Terão iníciopelas seis da manhã, decorrendo até à hora do almoço.Nesta actividade, para além da recolha de dados científicos, pretende-se proporcionar acções simultâneas de educação ambiental, onde aspessoas poderão tomar contacto com as aves de muito perto,visualizando todo o processo de marcação que constitui a anilhagem,bem como da recolha dos dados biométricos.

Monitorização de espécies

Garça-real

reserva natural para repousar e se nutrirem,a fim de seguirem viagem.Uma das cegonhas surpreende e voa emcírculos por cima do grande cercado. A silhuetaé bem diferente da das garças-reais, maisfáceis de ver, mas a envergadura parece amesma.Um dia irá voar para mais longe seguindo oapelo de uma liberdade plena, assim como asgaivotas juvenis quando ganharem asas paraplanar com confiança.Uma carriça guarda o muro por baixo doobservatório, onde todos os anos faz ninho ebate o pé à concorrência.Se for discreto, pode sentar-se e ver umareserva ao sabor das estações do ano, agora,quando todas são poucas.É assim neste novo espaço logo no início dopercurso de descoberta da natureza do ParqueBiológico de Gaia. Indo lá, ainda vai conseguirobservar mais coisas, sobretudo se usarbinóculos. Mas, essas, não lhe conseguimosdizer agora…

ANILHAS PARA AS AVES

O Cent ro deConservação dasBorboletas dePortugal (Tagis) vaiter por parceiro oParque Biológico deGaia — lado a ladona região Norte como Parque Nacional daPeneda-Gerês, oParque Natural deMontesinho e oParque Natural doAlvão — no ProjectoPor tuguês deMonitorização deBorboletas já no próximo ano.«As borboletas diurnas são consideradas óptimos indicadores de alteraçõesao nível da diversidade biológica. Pertencem à ordem dos insectos, quesão o grupo com maior número de espécies, representando mais de 50%da biodiversidade terrestre. Ao contrário da maioria dos insectos, existemuita informação sobre borboletas diurnas, pois são fáceis de observare o seu elevado valor estético é apreciado pelo público», diz Patrícia Garcia-Pereira, bióloga.O fim destas actividades é a conservação de habitats e das suas espécies,o que permitirá ao ser humano colher daí maiores benefícios.

OLHO ATENTO ÀS BORBOLETAS

FlâmulaFoto: JG

Anilhagem de um lugreFoto: JG

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A busca de alimento ou a fuga de um clima perigoso levantam asasas das aves e desenham no céu os movimentos fantásticos damigração destes seres alados.Entre muitos outros, alguns tartaranhões, andorinhas, cucos e rolas-bravas ouvem ao longe a canção do Outono.Antes que o arvoredo amareleça e agite tons vivazes, diante dagrande sinfonia dourada elas preparam a viagem para sul à medidaque mais sentem que nos próximos meses permanecer ali seria umheroísmo de morte anunciada.Há meio ano, alguns habitat por estas bandas serviram-lhes para sereproduzirem, mas agora não são uma oferta tentadora. Há quedeslizar para um clima mais ameno, atravessando o mar Mediterrâneo,o Norte de África e depois as temíveis extensões de areia que sãoo deserto do Sara.Enquanto uns vão, outros vêm. A descida no mapa repete-se maisa norte com as aves que ali se reproduziram.Os papa-moscas dão o alerta cedo, em Agosto. Os mais ansiosos

aparecem logo na primeira quinzena. Pousam num ramo, batem aasa. Depois, em Setembro é vê-los passar... mas fica a preocupaçãode ano a ano parecerem ser cada vez menos. Certo é que vêm tantoda Inglaterra como dos países nórdicos, onde o Inverno vai dar cartasem forma de neve.Nesta época, os papa-moscas adultos do sexo masculino vestem-secomo as fêmeas e os juvenis, deixando a plumagem branca e pretacom que foram vistos na Primavera mais a norte, pela Europa.Olho vivo, bico ágil, lá vão moscas, aranhas, vespas, borboletas eafins garganta abaixo, antes que desapareçam sob a batuta do seuciclo de vida. Em Fevereiro, quando regressarem ao Norte, não osveremos!Depois vem Novembro. Chegam os bandos de felosas. Se há umdiospireiro no quintal, ali estão elas na árvore despida de folhas,entre os frutos coloridos.Insecto que ali ande com excesso de confiança é prémio fácil deconseguir!

As aves migradoras conhecem as rotas aéreas como ninguém, sem recurso a bússola ou mapa. Estes animaisinterpretam o calendário luminoso da natureza de forma prodigiosa, mas sem sítios para repouso e nutrição,arriscam-se a desaparecer...

voar

Quando o Outono canta mais alto

Texto: Jorge Gomes

Papa-moscas (Ficedula hypoleucos)junto ao prado dos corçosFoto: João Luís Teixeira

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Estrelinha-real Foto: Jorge Gomes

Em fins de Fevereiro revertem o percurso, saltaricando entre salgueirose amieiros, com os primeiros rebentos do ano.E as estrelinhas? Tão pequenitas quanto discretas, surgem emDezembro, enquanto vasculham e debicam o arvoredo, e até cercasde gado. Um casulo, uma larva de insecto, uma aranhita, dificilmentealgum petisco lhes escapa no afã de se nutrirem.Os lugres — também chamados pintassilgos-verdes — chegam com asestrelinhas. Em bandos. Entre ervas catam o grão que sobra, atentosao olhar gélido de algum predador oculto.Grandes, vêm as garças-reais. Enchem o estuário do rio Douro euma dúzia delas deslizam até Avintes, aceitando a hospitalidade doParque Biológico. Há até um juvenil que permanece o ano inteirona área, enquanto as outras garças se deslocam para os locais ondese reproduzem, mais acima, no coração da Europa.O carteiro não traz missiva a dizer isto, mas o vento sussurra quecomeçam a chegar por estes dias mais algumas garças-reais desejosasde permanecer nesta terra durante os meses mais frios do ano.Enfim, coisas da sobrevivência: é uma vida a ir e a ficar...

As capturas ilegais são mais uma ameaçana vida das aves migradoras Foto: JG

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FelosaFoto: JLT

Portugal: Migrações das aves

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Se notar que está a ouvir mais do que é costume pássaros a cantaremno seu quintal não se admire. Além do casal que fez ninho no seu jardim,outros piscos-de-peito-ruivo arribam do Norte, alguns deles pela primeiravez. Para não chegarem a vias de facto, há que puxar de valentes trinadospara demarcar bem o território, que «isto de ter hóspedes que não foramconvidados não está com nada», pensam eles...Depois, numa mata próxima, poderá ver uma vez por outra os chapins-rabilongos, agora em bando. Com longas penas caudais, são ticos quese ouvem antes de se verem, com um piar subtil, sustentador de coesãono grupo, enquanto debicam insectos em saltarico pelo arvoredo.Mas a melhor fórmula para atrair as aves ao seu jardim está na presençade plantas nativas, as espécies típicas da região em que vive. Pode

adquiri-las num horto. Nenhuma outra flora criou laços tão fortes deinterdependência com a fauna selvagem como elas.As sementes, frutos e insectos que oferecem, sem menosprezar o abrigoque estas plantas dão, funcionam como reforços para as aves beneficiaremde subsídios úteis à sua sobrevivência.O pilriteiro e o carvalho, o sabugueiro e o catapereiro, o amieiro e osalgueiro, cardos e prímulas, entre outras, abrem caminho ao interessedas aves da região pelo seu quintal.Se tiver uma horta, melhor ainda. Alguns girassóis, crucíferas, um talhãode centeio, outro de alfazema, outro de gramíneas espontâneas vêm apreceito...Diz a experiência que essa variedade atrai ainda mais os amigos de penas

Não faça vista grossa! A passarada está a bater-lhe à porta: para além das aves residentes, o seu jardimrecebe visitantes de passagem e hospeda novas aves...

quinteiro

Convide-os: eles agradecem!

O fast-food doscomedouros para avesselvagens: uma rede,grão a granel; os lugresvindos da Rússia nãohesitam...

O relógio anual condiciona as aves que visitam ou vivem noseu jardim: quer uma dica?

– Tome nota dos dias em que viu as últimas andorinhas eoutras aves que sejam típicas visitantes do tempo quente,antes de partirem para sul.– Uns vão, outros vêm: anote os primeiros visitantes de Outono.Os papa-moscas são dos primeiros, em meados de Agosto.– Dê mais atenção aos alimentadores de jardim. Vão começar

a ter maior desgaste...– Pense em enriquecer a flora do seu jardim, está no tempocerto.– Não deite ao lixo fruta que já não sirva para consumo: háaves, como os tordos e melros, que agradecem o cardápio.– Apesar da probabilidade de haver água, providencie namesma água para beber e para as aves se banharem. – Este Inverno, podem vir pais, avós e netos das aves queaproveitam os recursos do seu quintal: acolha-os bem!

AS AVES NO OUTONO

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Pisco-de-peito-ruivo: na sua populaçãohá os residentes e os que vêm do Nortea sacudir um frio maior

para o pé de si. Mas diversidade não significa incluir flora que nada maisoferece à passarada do que poleiro, como eucaliptos, acácias, magnóliase outras espécies exóticas.O Outono é uma altura óptima para substituir plantas no seu jardim.A dormência iminente da vegetação, depois de crescer e se reproduzir,dá o mote para as podas e os transplantes.É também uma boa época para instalar estrategicamente os alimentadoresque vão ser capazes de poupar as vidas de muita passarada durante aépoca fria do ano.

Mas há mais expedientes para reforçar o seu convite às aves selvagens:um deles passa por erigir um muro artesanal que exponha fendas enichos para que plantas rupícolas e numerosos insectos ali se alojem.Se se puser no lugar dos amigos de penas do seu jardim - consegue? - não lhe será difícil perceber como a ideia é animadora!Os migradores, se gostarem, para o ano voltam... e já corre a notícia deque poderão trazer a família.

Texto e fotos: Jorge Gomes

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Pilriteiro

Chapim-rabilongoChapim-azul Milheirinha

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Dunas de S. Jacinto: reserva natural

A chuva parou. O cordão dunar estende-se a perder de vista até Vila do Condesob nuvens ameaçadoras.Ao longe, uma carrinha desliza, vagarosa,pela duna cinzenta e pára. Um homemsai, abre a porta traseira. Não tarda, caiuma espécie de frigorífico comido pelotempo. Depois, o condutor sobe a dunae fica a olhar o mar. Não é difícil perceberque aprecia a paisagem, mas quando achuva retorna, passados alguns minutos,toma o caminho de volta.É um pesadelo? Não, há mesmo quemsuje aquilo a que reconhece valor...Agora o sol quer espreitar e encorajaum passeio pelos trilhos vicinais.Pedro Macedo, da Associação dos Amigosdo Mindelo, é o anfitrião: «A ReservaOrnitológica do Mindelo cada vez maisrecolhe a simpatia da população, mesmosem que esta conheça plenamente o seupatrimónio natural».Acentua: «Decorreu o ano passado umestudo na Reserva que analisou o seuvalor ecológico». Pedido pela autarquiavila-condense ao Centro de Investigaçãoem Biodiversidade e Recursos Genéticosda Universidade do Porto (CIBIO), estelevantamento do património naturalhodierno levou à elaboração de um planoestratégico com vista ao Ordenamentoe Gestão da Reserva.Este sítio — com especial destaque paraa zona terminal do rio Ave, alagadiça — já ancorou inúmeros investigadores aolongo do tempo, sobretudo no que tocao estudo da avifauna: desde pelo menosfins do século XIX.

Entre dunas

Nesta manhã tépida de Outono nãosopra uma brisa. O terreno plano entreas dunas beijadas pelas marés e a dunaprofunda acolhe tufos de juncos,encimados pelas sementes. São vestígiosóbvios de lagoachos. Nos anos em quemais chove, o lençol freático sobe e crialagos de água doce.No fim do Inverno, os anfíbios juntam-se nesses charcos ao ritmo da reprodução.«São 82% das espécies nacionais que alivivem e nas lagoas limítrofes a sul,segundo o estudo prévio feito pelostécnicos da Universidade do Porto»,garante Pedro Macedo.Ao caminharmos, súbito, um peneireiro

reportagem

Mindelo: uma reserva do Norte

Há quase 50 anos, em 2 de Setembro de 1957, o Governo Português deentão criou, por decreto-lei, a Reserva Ornitológica do Mindelo,respondendo a uma solicitação do professor doutor Joaquim Rodriguesdos Santos Júnior, então director do Instituto de Zoologia Dr. AugustoNobre, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Reserva Ornitológica

A Reserva Ornitológica do Mindelo foi criada há 49 anos e situa-se próximo de Vila do Conde. Trata-se, só, da primeiraárea protegida criada em Portugal. Agora, tudo aponta para que venha a ser uma «área de paisagem protegida»,englobando, a sul, o Castro de S. Paio...

Meses depois, novo decreto-lei, de 16/05/58, ampliava a área da Reserva Ornitológicaaté à Foz do Ave, consagrando 594 hectares à protecção da Natureza.Os anos passaram. Mindelo foi vigiado pelo guarda-florestal António Jesus Pereira,ali foram anilhadas milhares de aves, foi estudado por vários ornitólogos e outroscientistas e, lentamente, invadido por construções, muitas delas de legalidademais que duvidosa.

Já em 11/07/73, por indicação do Prof. Santos Júnior, escrevemos um ofício emnome da, entretanto criada, Sociedade Portuguesa de Ornitologia ao director-geraldos Serviços Florestais e Aquícolas a protestar pela construção de um armazémno Mindelo, uma primeira e tímida ameaça à primeira Reserva Natural de Portugale primeira Reserva Ornitológica da Europa.Sopra a História os ventos do 25 de Abril de 74, vai-se o dito director-geral, chegamos novos responsáveis, e fica o armazém! Virado o ciclo, publica-se em 1976 anova lei-quadro das áreas protegidas, sem que a situação jurídica do Mindelofosse actualizada.Em 1977, no I Congresso Nacional de Ornitologia, promovido no Porto pelo Núcleode Estudo e Protecção da Vida Selvagem, alerta-se para a conservação da Reservado Mindelo.

Santos Júnior na Reserva Ornitológica de Mindelo,em 1960. Foto cedida: Arquivo NGO

Por Nuno Gomes Oliveira

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"Anilhando rolasno acampamento da Bouça daAreia, na Reserva Ornitológicado Mindelo. Pousadas nochapéu duas rolas anilhadas;uma, a da esquerda soerguida,parece prestes a levantar voo;a outra mantém-se alapada ematitude manifesta de mansidão.Em cima da mesa poleiro com5 negaças. Na mão esquerda do"roleiro", o rodafol, feito de umarco de arame e rede, que servepara transportar as rolas paraserem anilhadas" (extraído deSantos Júnior, 1961)

De novo, em Maio de 1984, durante as I Jornadas daVida Selvagem, é proposta a reformulação jurídica daReserva do Mindelo, certos do seu interesse eimportância.Em 1987 o SNPRCN (Serviço Nacional de Parques,Reservas e Conservação da Natureza, actual ICN),instituto dependente da Secretaria de Estado doAmbiente, e a CCRN (Comissão de Coordenação daRegião Norte), elaboraram um Plano Preliminar daPaisagem Protegida do Mindelo, plano esse que nuncaseria implementado, pese embora ter demonstrado ointeresse da área protegida.Nesse ano de 87, surge a edição conjunta CCRN /QUERCUS, denominada “MINDELO, PARA UMMANUAL DE MÉTODOS E PROCEDIMENTOS”,escrita por Walter Gomes; mereceu esta publicaçãoum texto de introdução do Prof. Luís Braga da Cruz,então Presidente da Comissão de Coordenação daRegião Norte, mas não foi atribuída ao Mindelonenhuma medida de protecção.Em Junho de 1991 o Serviço Nacional de Parques,Reservas e Conservação da Natureza volta à carga,e elabora um parecer sobre Mindelo em que defendeque a área “deverá ser classificada em diploma legaladequado” e que, entretanto, “seja inequivocamenteconsagrada no Plano Director Municipal (de Vila doConde) em fase de elaboração.”Este parecer, subscrito pelo Dr. António Teixeira, édias depois mandado enviar à Câmara Municipal deVila do Conde pelo Secretário de Estado do Ambiente,

Eng.º Macário Correia, onde dá entrada a 20 de Junho,e é despachado, no mesmo dia, pelo Presidente daCâmara, sem comentários, para o Gabinete dePlaneamento; fica a informação sepultada no Processo28/16 da referida autarquia.Que nos deixaram em troca da reserva natural?Um monte de barracões, de urbanizações de maugosto, um litoral degradado, meio século depois decontinuamente alertados para a importância daconservação.Mas Mindelo continua a ser Reserva, pois ninguémrevogou o Decreto de 1957!Na realidade, o Decreto-lei n.º 19/93 de 23/01/1993,que rege a criação e classificação de áreas protegidas,é bem claro, no seu Artigo 32.º: “Áreas protegidasexistentes: 1- ... os respectivos diplomas de criaçãosão revogados no momento da entrada em vigor dosdecretos regulamentares que procederem à suaclassificação...Ou seja, o diploma de 1957, que criou a ReservaOrnitológica do Mindelo, só será revogado com apublicação do decreto regulamentar que reclassificara reserva.E a sua preservação, no quadro da criação de umarede de áreas protegidas no litoral, continua a ser deinteresse nacional e comunitário.A recente politização deste assunto na Assembleia daRepública pode ter vantagens e desvantagens; masuma coisa é certa: Mindelo subiu à mais alta instânciado Estado Português.

Rede de disparo ou de virar no ar armada, ou aberta, em volta doramalho, tendo ao lado o guarda-florestal António de Jesus Pereira

Rede de arrastar: foram usadas diversas técnicas decaptura de aves para anilhagem - Fotos: arquivo NGO

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levanta a poucos metros e voa baixo,enquanto se distancia. Ou descansava ouexplorava o rasto de um rato-do-campo,avistado do céu.*À esquerda está o mar coberto pela protecçãoda duna primária. Nesta, uma plêiade deespécies de plantas especializadas nestehabitat fazem questão de sobreviver.Algumas são únicas! É o caso da Jasionemaritima (variedade sabularia) — exclusivadas dunas portuguesas a norte de Aveiro — ou da Coincya johnstonii, um endemismoexclusivo do litoral da Área Metropolitanado Porto. Como cereja no topo do bolo, háainda uma orquídea-brava, a Spiranthesaestivalis, sem descurar uma violetaendémica difícil de encontrar durante pertode meio século, depois de referida porGonçalo Sampaio, a Viola henriquesii.A caminho da foz da ribeira de Silvares, umbando de pintassilgos dispara e bate asas

para mais longe. Um trilho estranho, cavadoa jipe, abre-se agora na crista da dunaprimária, com rastos recentes. Crime à luzdo dia?

Zona húmida

A ribeira de Silvares sai do interior da mata esome-se nas dunas. Com o pé ainda numhabitat dunar, dirigimo-nos para uma zonahúmida. Ao longe vê-se uma das altas dunasdas muitas que há séculos dominavam edefendiam a costa do vigor do mar.A vegetação típica destes sítios salta à vista.A tabua e o caniço dominam, constituindoabrigo para aves como as galinhas e frangos-de-água. Aguarda-se ainda o dia da suadespoluição. Muitas andorinhas voam aindana paisagem…Vestígios de coelho-bravo assaltam-nos ospassos de quando em quando. Não longe,

pegadas de doninha marcam o chão. Salgueirose outra vegetação densa fazem o coberto dosolo, criando um ambiente diferente das dunasprimárias. Estamos em terreno de reservaAgrícola e Ecológica nacional.Além da duna alta que se via da praia, hácampos de cultura de milho. Entra-se namata. O carvalho-alvarinho e o sobreiroressurgem a pedir licença para viver, apesarda concorrência feroz de eucaliptos.Pássaros cantam, ocultos na copa doarvoredo. Mais abaixo, um pisco-de-peito-ruivo territorial hesita em arredar pé dali.A urze floresce na berma dos caminhos daReserva Ornitológica do Mindelo (ROM) epinta de um lilás luminoso o trilho.Ouve-se água correr por perto. E cheira-se:a poluição é intensa.Mesmo assim coexiste com condições agrícolasque evocam as masseiras, um sistema de cultivotradicional mantido em rectângulos de terreno

O pisoteio das dunas com veículosmotorizados é punível por leiFoto: JG

Violeta-bravaViola henriquesiiFoto: Henrique Nepomuceno Alves

Pedro Macedo, um rosto daAssociação dos Amigos do Mindelo

Os habitat da reserva incluem insectosespeciais: lagartas da borboleta Brithys crini

Rã-ibéricaFoto: JG

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cercados de sebes vivas, prenhes de vegetaçãonativa sustentadora de vida selvagem.

Espaço natureza

A estação de Mindelo Norte do Metro já temperto uma paragem de nome sugestivo: EspaçoNatureza.Apesar da incúria, a natureza quer resistir noMindelo.«Os estudos realizados na área desta ReservaOrnitológica desenham para o sítio o estatutode Área de Paisagem Protegida, a ser requeridapela autarquia», comenta Pedro Macedo, econtinua: «Esta Reserva foi a primeira áreaprotegida em Portugal e a primeira reservaornitológica da Europa», ou seja, assume «opioneirismo no âmbito da conservação danatureza em Portugal».Além disso, o seu valor não está em causa: «OPOOC Caminha-Espinho», ou seja, o Plano de

Ordenamento da Orla Costeira, «refere-se a estaReserva como quase a única área com importânciade conservação de nível regional entre o litoralde Esposende e a Barrinha de Esmoriz, o que fazdesta área um importante refúgio a conservar atodo o custo».Também «o carácter pioneiro da ROM, nacionale internacionalmente, por via dos estudos deornitologia aí desenvolvidos pelo Prof. SantosJúnior a partir da década de 1950» são mais umapremissa deste silogismo.O estudo «feito pelo CIBIO aponta ainda outraspotencialidades: trata-se de uma extensão delitoral onde existem áreas consideráveis nãourbanizadas, o que constitui uma situação deexcepção positiva no litoral da Área Metropolitanado Porto», bem como «a possibilidade única naregião de reconstituição da estrutura completado ecossistema dunar e a diversidade das espéciesvegetais em presença». Destaca-se também «adiversidade paisagística resultante de um mosaico

constituído por praias, dunas, linhas de água,zonas húmidas, bouças, campos agrícolas e núcleospopulacionais ainda em bom estado deconservação ou passível de recuperação» e «apossibilidade de conservar ou recriar unidadesde paisagem com elevado valor ecológico visual,e cultural». A «aptidão da área de estudo para acriação de áreas de recreio e lazer de distinção,com uma posição central dentro de uma áreametropolitana e com grande acessibilidade»,associada a «um notável património de práticade educação ambiental e participação daspopulações» apontam para um futuro melhor.

Texto: Jorge Gomes. Fotos: João Luís Teixeira

* Diversas espécies de rato deixam rastos de urina pelostrilhos que habitualmente fazem entre a toca e asfontes de alimento. O reflexo ultravioleta da urina secaé detectado pela vista dos peneireiros, que sabem ondeaguardar pela presa.

Uma orquídea-brava pontuanesta Reserva Ornitológica:a Spiranthes aestivalisFoto: Henrique Nepomuceno Alves

Juncal

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Os campos agrícolas são outra mais-valia nos vários habitatdesta Reserva Ornitológica

Rolas-do-mar nos vestígios de umimportante sapal da Reserva: no meio,um penetra, um maçarico

Foz da ribeirade Silvares

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Para conhecer melhor a ReservaOrnitológica do Mindelo contacte aAssociação dos Amigos do Mindelopara a Defesa do Ambiente, a fimde se informar das actividades quea breve prazo estejam a desenvolver.

Associação dos Amigos do Mindelopara a Defesa do AmbienteRua da Estrada Velha, 3034485-487 MINDELO - PortugalTm: +351 93 606 11 60 / 96 487 41 [email protected]: www.amigosdomindelo.pt

CONHECERMELHORA RESERVA

Na Reserva Ornitológica de Mindelovai decorrer, no próximo dia 14 deOutubro, com início às 10h00, um«Regresso ao futuro».Esta actividade tem por objectivo«recuperar a memória das acçõespioneiras de anilhagem científica deaves realizadas na Reserva deMindelo, chamando a atenção paraum património histórico a preservar,num novo contexto que salvaguardeo futuro deste espaço natural únicona região».Em torno da ornitologia, haverálugar a uma acção de anilhagem deaves com antigos alunos daFacu ldade de C iênc ias daUniversidade do Porto, maisconcretamente biólogos formadosem 1960, que participaramactivamente na criação da ReservaOrnitológica do Mindelo, em 1957,com o Prof. Santos Júnior.Esta ideia surgiu numa acçãointegrada nas comemorações dos 49anos da Reserva. Podem participarou assistir todos os interessados,mediante inscrição prévia.

REGRESSOAO FUTURO

1 Km

Rio

Ave

Vilado Conde Azurara

Varziela

Árvore

Silvares

Mindelo

ReservaOrnitológicado Mindelo

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Na serra das Meadas há um parque biológico. Ao ver javalis e veados,raposas e ginetas, águias-de-asa-redonda e corujas, entre outrosanimais, o visitante encontra espaço para caminhar e descobrir tambémespécies que sobrevivem pelos seus próprios meios...

reportagem

Lamego: Parque Biológicocaminha para um futuro melhor

Trepadeira-comum

A sete quilómetros de Lamego encontra o Parque Biológico da Serra das Meadas.Com 50 hectares, abriu ao público em 5 de Junho de 2002.A ideia inicial foi criar «uma área privilegiada para fins didácticos, científicos ede lazer». Este atractivo turístico da região surgiu de uma parceria entre a Associaçãopara o Desenvolvimento do Vale do Douro e a Câmara Municipal de Lamego,apoiada por um programa comunitário.Apesar de estar hoje a ser alvo de acentuados melhoramentos, nesse grandeespaço os visitantes encontram diversas espécies de aves, répteis e mamíferos,umas em cativeiro, outras em liberdade.Os percursos assinalados abrangem cerca de três quilómetros. Passo a passo,mesmo sem saber, pode estar sob o voo de uma águia ou de um açor e, não longede si, aves como pica-paus e trepadeiras tratam do seu sustento.Em pleno Outono, o sol despede-se mais cedo. O carvalhal pinta-se de tonsacastanhados enquanto os veados bramam, enchendo o ar com o som do seucio. Só o mais forte irá dispor das fêmeas.Os javalis, robustos, contam vários juvenis, brincalhões. Com o encanto típico de

Veado

Pormenor do percursodo Parque

Texto: Jorge GomesFotografias: João Luís Teixeira

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O bufo-real é a maior ave de rapinanocturna da fauna ibérica

Os javalis são parentes dasdiversas raças de porco

toda a infância, quando nevar estarão aptos para resistir ao frio.Neste espaço de ar livre o contacto directo com a natureza é inevitável.Para que isso possa ser concretizado de forma mais efectiva, este ano «foicelebrado um protocolo de colaboração com o Parque Biológico de Gaia queconsiste na elaboração de um estudo de recuperação e melhoramento doParque Biológico da Serra das Meadas e organização do dossier necessáriopara o respectivo licenciamento. Esperamos ter todas as infra-estruturasprojectadas concluídas durante o ano de 2007», diz Andreia Castela, biólogaao serviço do parque.Este parque biológico de Lamego «é um instrumento fundamental para educaros jovens e a população em geral no respeito, protecção e preservação doambiente. Inserido numa floresta de beleza invulgar, o parque é já uma dasmais importantes infra-estruturas turísticas de Lamego e da região».

HorárioJunho a SetembroQuartas/quintas:10h00-17h00Sábados/domingos:15h00-18h00Outubro a MaioSábados e domingos:9h30-12h30 e 13h30-17h00GruposContactar: Parque Biológico

da Serra das MeadasE-mail: [email protected]âmara Municipal de LamegoRua Padre Alfredo Pinto Teixeira5100 LamegoTelefone: 254609600. Fax:254609601Mais informação:http://www.cm-lamego.pt/

AO VISITAR

Carvalhal

O peneireiro é um falconídeo

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salpicos

Aos répteis aplica-se mais o termoletargia do que hibernação - na foto,uma cobra-de-água-de-colar adulta

A temperatura influencia processos biológicos,químicos e fisiológicos dos animais ectotérmicose endotérmicos (Sacarrão, 1991).No entanto, dentro de certos limitesexistem variados processos para mantero ambiente interno estável...

Existem três tipos de respostas a alteraçõesclimáticas: fisiológicas, morfológicas ecomportamentais, sendo as primeiras as maiscomplexas.Dentro das respostas morfológicas, entre outras,podemos pensar nas espécies endotérmicas, ouseja, as que mantêm a sua temperatura, aquelasque apresentam maior tamanho, habitam emregiões mais frias. Isto porque o aumento dovolume diminui as perdas de calor devido à razãosuperfície/volume.Quanto a respostas comportamentais, temoscomo exemplos mais óbvios a migração sazonal,com a procura de habitats mais favoráveis, e ahibernação.A hibernação, por si só é uma excelente estratégiapara passar o Inverno, uma vez que o animal ficainactivo e o seu metabolismo mais lento, aomesmo tempo que as necessidades energéticassão suprimidas com a gordura armazenada.No entanto, os ursos polares são muitas vezestidos como hibernadores. Na verdade, a sua

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clic

Viva!Para este númerorecebemos uma foto donosso leitor Américo Rui,de Vizela, retratando umascegonhas juvenis ainda noninho em Miranda doDouro.Em primeiro lugar, aposição do fotógrafopeca por não estar defrente para o ninho(posição da câmaraverde), onde apanhavaos três juvenis de frentee só o céu como fundo, uma imagem mais natural e interessante.Outro reparo incide no enquadramento: tente fazer imagens ao alto e baixodo mesmo motivo, a imagem retrata um ninho numa igreja, a mancha decéu é exagerada pois não nos traz nada de novo e importante à imagem,está a mais na fotografia. Como a cruz é um elemento não removível daimagem, ficava bem mais um bocado visível da igreja de modo a apercebermo-nos da adaptação desta espécie à urbanização imposta pelo homem.

O terceiro juvenil fica sobreposto por outro, deslocando-se uns metros podiafacilmente remediar isso.Face à imagem apresentada, o reenquadramento é a melhor solução, ficamaqui duas propostas — uma mais aproximada, retirando à imagem elementossupérfluos; e outra mais natural das crias no ninho…Continuem a enviar imagens!

João Luís Teixeira

temperatura basal, tal como o metabolismo,não tem um decréscimo acentuado e as fêmeaspodem dar à luz. Note-se que nos verdadeiroshibernadores a diminuição da temperaturacorporal não permite um estado de hipotermianos mamíferos; o que acontece é que estesanimais periodicamente aquecem.Assim sendo, de que modo é que os animaisse apercebem que devem ou não entrar emhibernação? É pois perante um estímulo exteriorque os receptores detectam o calor e o frio, o“órgão de Ruffini” e o “corpúsculo de Krause”respectivamente. O calor estimula o

termorregulador do sistema nervoso central,em oposição ao frio que, estimula o sistemanervoso parassimpático.Tal como muitos animais, também nós,humanos, apresentamos mudanças fisiológicasprovocadas pelo calor ou pelo frio. Quem nãose lembra da erecção dos pêlos ou do tremormuscular quando sentimos frio ou ainda datranspiração quando temos calor?

Por Sara Pereira, bió[email protected]: Jorge Gomes

Como se fez...

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Em pleno vale do rio Sabor, há uma dúzia deanos, quem por ali passasse iria acabar porestranhar o comportamento daquela gente.Eles estariam bem? Meio escondidos junto doazinhal, uivavam como bichos bravos! Imitavamlobos para quê?Coragem teriam de a ter: se algum amigo-do-gatilho ali passasse, de olho míope, apesar dalei proibir, podia ter ideias más… Ouvido à

escuta, chega um uivo longínquo em resposta,seguido de outro diferente. Seriam lobos... ouimitações? Tio Zeca, numa aldeia próxima, diriasobre isto com o seu sotaque local: «Coisasdaqueles moços da universidade…».Um dos imitadores de lobo era Nuno Ferrandde Almeida, investigador do Centro deInvestigação em Biodiversidade e RecursosGenéticos (CIBIO) e professor da Faculdade de

Uma pesquisa científica decorrida no CIBIO, Vairão, próximo de Vila do Conde, concluiu preto nobranco: há lobos híbridos em Espanha. Como lidar com esta ameaça ao património natural ibérico?

Nem cão nem lobo...

entrevista

Texto: Jorge GomesFoto: Arquivo PBG/JG

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Nuno Ferrand de Almeidaé investigador do Centrode Investigação emBiodiversidade e RecursosGenéticos (CIBIO)Foto: João Luís Teixeira

Ciências da Universidade do Porto. Estava nacompanhia de José Luís Rosa, técnico do ParqueNatural de Montesinho, quando decorria otrabalho de caracterização genética emorfológica do cão-de-gado transmontano.Na altura ainda não era considerado raçaautóctone portuguesa.Mas explicado, afinal aquele comportamentofazia sentido: imitar os uivos dos lobos sinalizavaalcateias, dava ideia da existência de crias efacilitava a colheita de outros elementos úteisà pesquisa, já que o lobo é uma espécie difícilde avistar, e ameaçada...Com a população deste carnívoro a expandir-se, numa tímida retomada do território naturalque ocupava antigamente, o contacto commatilhas de cães ferais é um problema potenciale aponta para o empobrecimento genético daespécie Canis lupus signatus, o nome científicodo lobo-ibérico. É aí que entra o trabalho delaboratório.Para puxar o fio à meada, uma primeirapergunta.Como surgiu esta descoberta dos loboshíbridos na Península Ibérica?Nuno Ferrand de Almeida — Temos umprotocolo com o Instituto da Conservação daNatureza através do Sistema de Monitorizaçãode Lobos Mortos.Sempre que são encontrados animais destes

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A natureza criou o lobo, o homem moldou o cão. O cão-de-gado transmontanoé uma das raças autóctones... Foto: Arquivo PBG/JG

mortos — seja por armadilhas,atropelamento, abate a tiro, envenenamentoou outro processo de abate — os corpos sãotransportados para o Laboratório Nacionalde Investigação Veterinária, sendo aínecropsiados. Avalia-se a causa da mortee depois são retiradas amostras de materialbiológico que chegam aos laboratórios doCIBIO.Fazemos então uma análise do perfilgenético desses animais. E uma entre asvárias questões a que podemos respondercom base nesse perfil genético é se elestêm ou não algum grau de hibridação.Esse é um problema importante a nível daconservação do património genético emmuitos sítios do mundo, e naturalmenteem Portugal nas espécies mais ameaçadascomo, por exemplo, o lobo.Em Portugal também já há cruzamentoentre lobos e cães?N. F. A. — Até hoje, com algumas dezenasde animais estudados, não encontrámosnenhuma evidência clara de hibridação,embora ainda tenhamos poucas amostrasda população residual que existe no Sul doDouro e que é importante em Portugal emtermos de conservação.Por causa do desenvolvimento destatecnologia fomos contactados por colegasespanhóis e foi possível descobrir, emcolaboração com esses biólogos da Galiza,uma região no Noroeste da província dasAstúrias onde apareciam grupos mistos decães ferais e de lobos.Pediram-nos para intervir. Enviaram-nosamostras de vários desses indivíduos quetinham sido capturados e fizemos umaanálise «às cegas», isto é, realizámos umaanálise genética dessa amostra e depoisaplicámos uma análise estatística paraprocurar saber se essas amostras tinhamorigem em cães ou em lobos ou ainda se

seriam híbridos. E conseguimos detectardois indivíduos que eram claramentehíbridos de cão e lobo, confirmando assuspeitas dos técnicos que estão a trabalharnessa região das Astúrias, onde existe nãosó mistura de indivíduos como tambémhibridação.Isso é uma ameaça à conservação dadiversidade biológica?N. F. A. — Isso é muito problemático. Aocorrência de hibridação entre uma formadoméstica e uma forma selvagem vaiprovocar, se for suficientemente propagada,em primeiro lugar a alteração dascaracterísticas genéticas das populações delobo mas depois pode modificar uma sériede características de ordem morfológica,comportamental e outras. Há uma série dedescrições segundo as quais o lobo híbridop o d e a p r e s e n t a r a l t e r a ç õ e scomportamentais ligadas a uma maioragressividade para o homem do que o lobo,que é tipicamente discreto.Os espanhóis — da mesma forma que outrospaíses europeus e nos Estados Unidos daAmérica — estão interessados emdesenvolver esta metodologia no sentidode podermos, eficaz e rapidamente, verificaresses animais.Este é um alerta muito importante dadopelo CIBIO, pela primeira vez na PenínsulaIbérica.Isso é notícia. Mas como surgem esseshíbridos de cão e lobo?N. F. A. — Ainda não sabemos muito bem.Aquilo que estamos a procurar fazer éprimeiro perceber qual a direcção docruzamento: se os lobos híbridos resultamde um lobo macho e de uma cadela ou seé o contrário.Os nossos resultados apontam para umasituação em que isto acontece em zonasmarginais da distribuição. Por outras

palavras, em zonas muito fragmentadas dedistribuição do lobo-ibérico poderão ocorrerindivíduos essencialmente isolados, queterão a possibilidade de encontrar cãesferais — que estão a aumentar no territórioibérico — e isso configurará a maior partedas situações que potenciarão a ocorrênciade hibridação.Será diferente nas populações bemestabelecidas e de elevada densidade, comoos resultados nos mostram.Este problema não é assim tão significativo,quer em Portugal quer em Espanha. Osresultados mostram que os lobos que noschegam como sendo lobos são, de facto,lobos. Nas zonas marginais pode haverproblemas. Isso é importante no estadoactual porque os lobos se estão a expandirnas populações ibéricas. Então, se existeessa expansão, é possível que haja umaumento de contacto e isso poderá significaruma maior probabilidade de ocorrência daalteração da composição genética daspopulações de lobo. Temos de estar atentosa esse problema!Esta hibridação já ocorreu noutras partesdo mundo, não?N. F. A. — Sim, na Europa conheceu-se ocaso da Noruega. Na América, isso ocorremais no Canadá. Existem até criadores quepromovem este tipo de cruzamentos.Acontece mais a Norte do que por exemplonos Estados Unidos da América. Aspopulações são mais abundantes, e aí épossível que ocorra hibridação maisfrequente. Mas não há dados reportadosna literatura científica.Estamos em contacto com investidoresamericanos no sentido de avaliarmos se atecnologia que desenvolvemos aqui noCIBIO é aplicável à detecção de híbridosnas populações americanas. Estãointeressados na nossa ajuda para uma

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utilização dessas ferramentas molecularescapazes de diagnosticar os casos apresentados.Isso será excelente.Nessas análises trabalham com ADNmitocondrial?N. F. A. — Não: com ADN nuclear. O ADNmitocondrial não é adequado a responder aesta questão, porque só se transmite por viamaterna. Como queremos saber se um indivíduoé originário de uma população de lobos ou decães temos de ter não um mas múltiplosmarcadores moleculares e só os encontramosno genoma nuclear. A esses marcadoreschamamos-lhes micro-satélites (pequenasregiões do ADN nuclear comuns tanto a machoscomo a fêmeas), muito variáveis, úteis naidentificação individual, que se utilizam porexemplo na espécie humana em tudo o que éforense, na identificação de um criminoso. Issopermite-nos descobrir o perfil, que é único,do indivíduo em causa. No nosso caso,construímos uma bateria de micro-satélites,de algumas dezenas, que nos dão um poderestatístico muito sólido capaz de nos dar umaabordagem segura destas questões.Há uma diferença de ADN mitocondrial entrelobo e coiote de 4%; entre cão e lobo é deapenas 0,2%; e entre lobo e raposa?N. F. A. — O homem criou o cão nos últimos12 mil anos. Foi a primeira domesticação. Hojesabemos com toda a evidência que, de todasas espécies que conhecemos, foi do lobo queo cão derivou.Nem o chacal nem o coiote, que até podemhidridar com o lobo em certas condições,contribuíram para as raças domésticas. Todasas mudanças que existem em termosmorfológicos e comportamentais – porqueconhecemos cães muito mansos e outrosextremamente agressivos – foram variaçãogenética retirada de populações selvagens delobo e moldadas depois pelo homem porselecção artificial. A raposa ainda está maisdistante do lobo do que o coiote.As raças autóctones portuguesas foramcaracterizadas do ponto de vista genéticoaqui em Vairão. Qual a raça que está maispróxima do lobo?N. F. A. — Todas estão igualmente distantes,digamos assim. Existe uma diferença quandocomparamos raças de cães com o lobo. Vemosque há diferenças significativas entre aspopulações ibéricas de lobo e as raças de cãesque são autóctones da Península Ibérica.Provavelmente os nossos cães não resultamda domesticação directa das populações delobo-ibérico. Vieram transportadas pelo homemdurante a colonização da Europa, de outroslados, provavelmente do Leste europeu e daÁsia. As nossas raças são bastante próximasentre si. Claro que têm diferenças que resultamda sua própria história. Mas isso acontece entreanimais tão diferentes como o cão-de-águaou como o perdigueiro ou como os cães-de-gado. Nota-se que não resultaram dacontribuição das populações ibéricas de lobo.

Já viu lobos nalgum dos seus trabalhos decampo?N. F. A. — Já vi lobos num estudo realizadonos anos 90 sobre o cão de gadotransmontano, um recurso importante parao Nordeste. Ver lobos emocionou-me imenso.É um contacto fabuloso com uma espécieque é muito difícil de ver, mas que é umadas mais emblemáticas do mundo e com

uma relação histórica intensa de amor eódio com o ser humano.É fundamental podermos conservá-la.Temos algumas centenas de indivíduos emPortugal, o que quer dizer que só algumasdezenas de fêmeas têm crias em cada ano,e po r tan to é fundamenta l quedesencadeemos todo o tipo de esforçospara conservar esta espécie.

Em zonas muito fragmentadasde distribuição do lobo-ibérico

poderão ocorrer indivíduosisolados que terão a

possibilidade de encontrar cãesferais e isso configurará a maior

parte das situações quepotenciarão a ocorrência de

hibridação. Será diferente naspopulações bem estabelecidas

e de elevada densidade.

Estatuto dos membros da alcateia

Distribuiçãona Península

Maioresprejuizos no gado

Maiordensidade de lobos

Menordensidade de lobos

Portugal

Galiza

Estremadura

Serra Morena

Astúrias Cantábria

Lobos na Península Ibérica

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Portugal é o país europeu com maior extensão costeira, tambémé o país com a maior Área Económica Exclusiva, onde muitasdestas aves residem, migram ou se alimentam. Identificar as áreasmais importantes para as aves no meio marinho e construirferramentas adequadas para as proteger é o novo desafiode uma parceria coordenada pela Sociedade Portuguesapara o Estudo das Aves. Conheça o LIFE IBAs Marinhas.

Mas… onde procurar estas aves? Na costa não seria suficiente, porque asaves marinhas apenas a visitam para nidificar. Procurámos responder a estaquestão através da realização de um programa intensivo de observaçõese de marcação e seguimento, utilizando barcos, aviões, emissores de rádio,de satélite etc.O projecto da SPEA pretende identificar e delimitar as Áreas Importantespara as Aves no mar. Estas zonas, denominadas IBAs, do inglês ImportantBird Areas, já existem em terra, e constituem a principal ferramentaconservacionista da SPEA. Existem 90 IBAs terrestres no país. Agora começao trabalho de identificação no mar. O esforço é tão arriscado como necessário.

Como procuramos aves no mar?O nosso trabalho combina a utilização de dados puramente estatísticos efísico-biologicos do meio marinho com o seguimento activo das populaçõesde aves marinhas presentes em Portugal. Ao mesmo tempo que recolhemosestes dados oceanográficos, o projecto IBAs Marinhas prevê realizar múltiplasobservações a bordo de barcos de pesca e/ou oceanográficos no Continente,Açores e Madeira. Paralelamente à caracterização do oceano, vamos marcaras espécies marinhas mais ameaçadas residentes em Portugal. Aqui, oprojecto torna-se ainda mais interessante. A SPEA vai seguir as rotas dasaves conforme se desloquem para se alimentar ou repousar.

Os resultadosOs mapas e os dados obtidos ao longo deste projecto constituem o princípiodo trabalho.Uma vez identificadas as áreas é necessário aplicar medidas de avaliaçãoe gestão das mesmas. Estas medidas podem ser permanentes ou temporárias,e poderão afectar o trânsito marítimo, ou as pescas, em pontos concretosonde possam ocorrer fortes concentrações de aves marinhas. Por ultimo,e seguindo o critério da BirdLife International, será necessário propor adesignação destas IBAs como Zonas de Protecção Especial Marinhas (ZPE).

Lagartagis: lagartase borboletas

À procura das avesmarinhas

O TAGIS – Centro de Conservação das Borboletas vai inauguraro LAGARTAGIS em 11 de Novembro, no Dia do Jardim Botânicoda Universidade de Lisboa

O LAGARTAGIS é a primeira estufa de criação de borboletas comuns dafauna da Península Ibérica aberta ao público. Será uma nova estrutura doJardim Botânico da Universidade de Lisboa com 220 metros quadrados dejardim e um laboratório de 40 metros quadrados.Nele irá ver um jardim com plantas mediterrânicas e habitado por mais dedez espécies de borboletas, que poderão ser observadas nas diversas fasesdo seu ciclo de vida: ovo, lagarta, crisálida e adulto.Percorridos os caminhos ao longo dos canteiros, árvores e lago da estufa,os visitantes encontram junto ao laboratório uma enorme montra onde seencontram lagartas e crisálidas, com formas, cores e tamanhos muitodiferentes.O LAGARTAGIS foi criado para proporcionar às crianças em idade escolarum novo espaço para aprender a valorizar o nosso património natural atravésda experiência.Serve também para ensinar a biologia das borboletas e a sua interacção comas plantas, contribuindo para despertar o interesse para a importância daconservação da natureza e da biodiversidade.Além disso, o LAGARTAGIS é um recanto do Jardim Botânico óptimo paradescansar, para ler, para contemplar e usufruir de um espaço privilegiadode elevada diversidade de plantas floridas e borboletas.O Tagis - Centro de Conservação das Borboletas de Portugal é a entidaderesponsável pela criação do LAGARTAGIS. A coordenação científica da estufaé da Doutora Patrícia Garcia-Pereira que trabalha com uma equipa de cincopessoas: as biólogas Ana Sofia Leitão e Maria João Verdasca, com a engenheiraflorestal Adriana Galveias, com o técnico Paulo Simões e com o jardineiroLuís Carvalho. Os sócios do Tagis colaboram naturalmente com as iniciativasda associação, tendo contribuído para a procura e captura das borboletasda estufa.Poderá visitar o Lagartagis a partir de 11 de Novembro, todos os dias (incluindodomingos e feriados) das 10h00 às 18h00. Nas visitas guiadas e nos atelierspedagógicos tem de haver marcação prévia: Tel.: 213965388 - E-mail:[email protected]

colectivismo

Texto: Ivan RamírezFoto: Pedro Geraldes

CagarraCalonectris diomedea

Texto: Patrícia Garcia-PereiraFoto: Frank Pennekamp

INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕESTagis – Centro de Conservação das Borboletas de PortugalMuseu Bocage – MNHNRua da Escola Politécnica, 581250-102 LisboaTel. + Fax: 21 396 53 88E-mail: [email protected]: www.tagis.net

SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das AvesAvenida da liberdade, nº 105 - 2º - esq. 1250 - 140 LisboaTel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 - E-mail: [email protected]ágina da Internet: www.spea.pt

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Amigos do ParqueManutençãode árvores jovens

Para quem adora um passeio na natureza, com toda a segurançaimaginável, aderir à Associação dos Amigos do Parque Biológicode Gaia (AAPBG) é uma excelente opção...

O óbvio por vezes parece invisível. Se ainda não se associou a estacolectividade e visita o Parque Biológico de Gaia várias vezes porano, pode estar trilhado nesta primeira frase.Há no mínimo duas grandes vantagens na adesão à AAPBG. Umaconsiste em não ter de consultar o recheio da sua carteira para entrarno Parque Biológico. Outra é dar mais recursos para as sempre possíveismelhorias deste equipamento de educação ambiental.Às vezes, é como no ditado popular: «a necessidade aguça o engenho».Os primeiros cidadãos vistos a palmilhar o percurso de descoberta danatureza do Parque Biológico de Gaia são sócios desta associação.Porque o médico cardiologista recomendou ou por puro prazer, logoque o Parque abre às 9h00, pé ante pé, ali vão em marcha.Entre plantas e árvores, ao som de pássaros e ao sopro das aragensainda tépidas de Outono, torna-se um hábito a favor da saúde.É certo que nem todos os médicos estarão atentos para recomendarisso, mas os benefícios do contacto com a natureza num ambienteseguro é útil à saúde de toda a gente, pelo que dispensa toda equalquer prescrição.

Contacto:Associação dos Amigos do Parque Biológico de GaiaParque Biológico de Gaia4470-757 AVINTES

Vem já de tempos bem antigos o aforismo“Árvore ruim não dá bom fruto”!

Trata-se, de facto, de uma máxima perfeitamente transponível paraa realidade daquilo que se entende como a verdadeira ArboriculturaUrbana.Abarcando todo um conjunto de técnicas de instalação e manutençãode árvores em ambiente urbano, a correcta arboricultura urbanadeverá passar, também, pelo melhor acompanhamento dos primeirosanos das árvores jovens.Nessas fases, qualquer cuidado, por insignificante que pareça, acabapor ser determinante na qualidade futura do arvoredo.Contra tudo o que ilustra a imagem (em baixo), surgem, neste âmbito,algumas recomendações. Não menos importante que a garantia daqualidade inicial dos exemplares a plantar, ressalta a necessidade deadequação e correcta manutenção do seu sistema de tutoragem.A escolha do tipo e dimensão dos tutores, aliada à qualidade domaterial e disposição das respectivas ligações, não só minimiza osdanos tantas vezes verificados nestas árvores (feridas deestrangulamento, de abrasão, etc.) como permite o desejável auxílioà sua instalação. Por outro lado, este sistema exige vistorias frequentes,vulgarmente descuradas. Só com uma vigilância e intervenção bastanteatentas se conseguirá corrigir eventuais falhas, através, por exemplo,da reposição das ligações, correcção da pressão exercida sobre a árvore,entre outros.Que seja então este o nosso legado para o futuro: “Quem plantaárvores e cria, tem alegria”…

Contactos:Sociedade Portuguesa de ArboriculturaTel. 227 878 120; Tlm. 934 309 871Página da Internet: www.sparboricultura.pt

Texto e foto: SPA

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A relevância da biodiversidadedo berço da humanidade

crónica

Texto e foto: Jorge Paiva, biólogoIlustrações: Paula C. L. D. SilvaGráficos: Susana P. L. D. Silva

Alguns autores admitiam que os Primatasevoluíram desde os finais do Cretácico, há 75 milhões de anos (M.A.), por duas linhasdistintas: uma originando Primatas arcaicos(Plesiadapiformes) e outra formando osverdadeiros Primatas (Euprimatas).

Actualmente, os Plesiadapiformes não estãoincluídos nos Primatas. Assim, considera-seque os verdadeiros Primatas evoluíram desdehá cerca de 65 M.A. (início do Paleocénico)por duas linhas: uma dos Estrepsirrinos eoutra dos Haplorrinos. (Gráfico 1 e Figura 1).Os primeiros Adapiformes (extintos) eLemurídeos (Lémures, Madagascar e Loris,Ásia e África) têm o lábio superior dividido,imóvel (inexpressivo) e com rinário (pele nuaem volta das narinas); ao passo que osHaplorrinos têm o lábio superior indiviso(contínuo), movível (expressivo) e sem rinário(apresentam pilosidade em torno das narinas).Os Haplorrinos evoluíram, há cerca de 55M.A., por duas linhas, uma formando osextintos (55-30 M.A.) Omomiídeos (Eurásiae América do Norte) e outra que originou(55-50 M.A.) os Tarsiformes (Filipinas, Bornéu,Sumatra e outras ilhas do Sudeste Asiático),nocturnos (olhos muito grandes), com asextremidades posteriores muito maiscompridas que as anteriores (adaptação aosalto), cauda também muito comprida (nãopreênsil) e cérebro relativamente pequeno,com lóbulos olfactivos desenvolvidos e osverdadeiros Símios ou Antropoídeos [diurnos,com uma única espécie (sul-americana)nocturna, Aotus trivirgatus, com olhos detamanho normal e frontais (visãoestereoscópica), membros posteriores eanteriores menos diferenciados, às vezes comos anteriores mais compridos (braquiação),com ou sem cauda e cérebro relativamentegrande, com os lóbulos olfactivos muito

reduzidos]. Os Símios formam dois grandesgrupos: os Platirrinos, do Novo Mundo (sul-americanos), com cauda preênsil, narinasdirigidas para os lados, afastadas (septo largoe achatado) e três premolares; e Catarrinos,do Velho Mundo (africanos e asiáticos), semcauda ou com cauda não preênsil, narinasdirigidas para baixo, aproximadas (septoestreito) e dois premolares. Os Catarrinosconstituem dois grupos, os Cercopitecídeos

(macacos) com cauda, tórax achatadolateralmente e omoplatas laterais; e osHominóides [Pongídeos ou Antropomorfos(Hylobates ou Gibão, Pongo ou Orangotango,Gorilla ou Gorila e Pan ou Chimpanzé) eHominídeos (Ardipithecus, Paranthropus,Australopithecus, Homo)], sem cauda, tóraxachatado dorsiventralmente e omoplatasdorsais. Posteriormente, consideraram-se osHominóides como uma super-família

Gráfico 1

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(Hominoidae) com três famílias. Hilobatídeos(Hylobatidae), com o gibão (Hylobates);Pongídeos (Pongidae), com o orangotango(Pongo) , gorila (Gorilla) e chimpanzé (Pan);e Hominídeos (Hominidae), com os génerosextintos (Ardipithecus, Paranthropus,Australopithecus, etc.) e o género actual(Homo), ao qual pertence a nossa espécie(Homo sapiens) e as espécies extintas (Homorudolfensis, Homo habilis, Homo ergaster,Homo erectus, Homo antecessor, Homoheidelbergensis e Homo neandertalensis).Actualmente, depois de se saber que o gorilae o chimpanzé diferem geneticamente apenasem 1% do homem, os Pongídeos deixaram deconstituir uma família diferente da dosHominídeos. Uma semelhança genética tãoaproximada, implica, no mínimo, que todospertençam a uma mesma família, que seconsiderou ser a família dos Hominídeos(Hominidae). Assim, actualmente, a super-f a m í l i a d o sH o m i n ó i d e s(Hominoidae) incluina mesma trêsfamílias, mas numconceito diferente:H i l o b a t í d e o s(Hylobatidae), com ogibão (Hylobates);Pongídeos (Pongidae),com o orangotango( P o n g o ) ; eH o m i n í d e o s(Hominidae), comduas sub-famílias:Paníneos (Paninae)com o gorila (Gorilla)e o chimpanzé (Pan)e H o m i n í n e o s(Homininae), com oscinco géneros extintos (Orrorin, Ardipithecus,Kenyantropus , Australopithecus eParanthropus) e o género actual (Homo), aoqual pertence a nossa espécie (Homo sapiens)e as sete espécies extintas (Homo rudolfensis,Homo habilis, Homo ergaster, Homo erectus,Homo antecessor, Homo heidelbergensis eHomo neandertalensis).Porém, a paleontologia humana tem estadosujeita a um ritmo incessante e ± vertiginosode mudança pelas constantes e recentesdescobertas. Além disso, nem sempre há amesma interpretação sobre um mesmo fóssilhumanóide. Assim, as origens e evoluçãohumana não são, ainda, consensuais. Nada se sabe da descendência doAegyptopithecus, um pequeno animal africanode há 30 milhões de anos (M.A.), talvez o nossoantepassado mais distante. Foi durante oMioceno (24-5 M.A.) que surgiram, nocontinente africano, os primeiros Hominóidesou Hominoidea (super-família que englobaparte dos anteriores Pongídeos e Hominídeos).Quando há 20 M.A. apareceram os

Dryopithecus, grande parte da África e daEurásia estava coberta de densas florestas, comabundância de rebentos, folhas, flores e frutos,de que se alimentavam estes Símios que, porisso, diversificaram imenso com formação denovas espécies e géneros (ex.: Sivapithecus,Lufengp i thecus , Ouranop i thecus ,Ankarapithecus e Gigantopithecus). OsDriopitecídeos eram muito parecidos com osactuais Símios, deslocando-se com os 4membros assentes no solo (quadrúpedes). Hácerca de 18-13 M.A., além da África se ter“ligado” à Eurásia, houve também grandesmodificações climáticas, tendo levado aodesaparecimento de muitas florestas tropicais,dando lugar a bosques e savanas. Assim, passoua haver uma forte competição entre osDriopitecídeos, de que resultou a extinção demuitas espécies, tendo-se originado osRamapitecídeos, que viviam nas orlas dasflorestas e proliferaram em África, Ásia e Europa

há 14-8 M.A. O Ramapithecus foi consideradoum Hominídeo, mas, actualmente, não fazparte de uma linha evolutiva dos Hominídeos,mas dos Pongídeos [orangotango (Pongo)],tendo sido englobado no género Sivapithecus.Depois de alcançar o máximo de diversidadehá cerca de 10 M.A., os Hominóides entraramem rápida decadência, tendo-se extinto amaioria das espécies há cerca de 7 M.A.Aprincipal razão dessa extinção foi porque há7-6 M.A. houve não só alterações climáticas,como também relevantes movimentostectónicos, tendo-se originado o Vale doRift, com altas montanhas e vastas planícies,de que resultou uma grande diversidade dehabitats e, portanto, elevada Biodiversidadee um grupo de Símios, os Cercopitecídeos,muito competitivo (actualmente, maisabundantes e diversificados). Aparecem,então, os principais grupos de animaisherbívoros das savanas africanas, como osantílopes, outros ruminantes, equídeos, etc.Terão, então, surgido, há cerca de 6 M.A.,nessa região africana, os primeiros

representantes dos Hominídeos. Oscandidatos a primeiros Hominídeos são osfósseis de Orrorin tugenensis, da formaçãomiocénica de Lukeino ( Tugen Hills, Quénia),descrito em 2001. Esses primeirosrepresentantes da nossa família, os nossosdirectos antepassados mais remotos, nãoapareceram nas savanas em expansão, poisos fósseis do Ardipithecus ramidus (Aramis,Etiópia; 4,4 M.A.) indicam uma vida florestal,com alimentação semelhante à dos actuaischimpanzés. Nos Primatas dá-se, então, apassagem para a posição erecta (5-6 M.A.),mais adaptada para a colheita de frutos apartir do solo, para o transporte de alimentospara as fêmeas com crias e para uma melhorvisualização dos “inimigos” nas savanas. Obipedismo não resultou, pois, apenas danecessidade do uso de utensílios com asmãos. São disso testemunho as pegadasfósseis (3,75 M.A.) do trilho (± 30 m) de

Laetoli (Tanzania) ded o i s H o m i n í d e o s( A u s t ra l o p i t h e c u safarensis) adultos e umacriança. Nessa áreatambém apareceramtrilhos de antepassadosde lebres, galinhas-do-mato (fracas), elefantes,girafas, rinocerontes,antílopes, etc. Aparecemvá r i o s f ó s s e i s deAustralopitecídeos, quesão, inequivocamente,Hominídeos, como a“Lucy” (Australopithecusafarensis) em Hadar(Etiópia), A. robustus em

Olduvai (Tanganica), A.anamensis (4 M.A.) no

Lago Turkana (Tanganica) e A. africanus (3,2-2,2 M.A.) em Makapansgat e Sterkfontein(África do Sul). Estes Hominídeos,indubitavelmente bípedes, recorriam, comcerteza, frequentemente às árvores, o que écomprovado não só porque os membrossuperiores eram mais compridos do que osdo homem moderno, como também pelacurvatura dos dedos das mãos e, certamente,também se refugiavam, à noite, em cavernas,tal como o fazem, actualmente, Símios comoos babuínos. Na primeira metade da décadade 90 foram encontrados fósseis de maisdois Australopithecus [A. garhi, no Quénia(2,5 M.A.) e A. hahrelghazali, do Chade (3,5M.A.), o único fóssil de Australopithecus aocidente do vale do Rift]. No entanto, foidescrita (2001) mais uma nova espécie deHominídeo (Kenyanthropus platyops), nonorte do Quénia, com a face achatada. Todasestas espécies de Hominídeos indicam quedurante o período entre 3,5 e 3,2 M.A. essespré-humanos estavam adaptados a diversosambientes.

1 - Estrepsirrinos (lábio superior dividido e com rinário); 2-3 Haplorrinos [(lábio superiorindiviso e sem rinário), 2 - Hominóide, 3 - Hominíneo]

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Figura 1

crónica

Page 49: Parques e Vida Selvagem - Ano VI - Nº 17

Há cerca de 2,5 M.A. dá-se uma bifurcação naárvore da evolução humana. Por um lado,aparecem as formas de dentição mais robustasde Australopithecus, actualmente incluídasnoutro género, os Paranthropus (2,5 M.A.) [P.aethiopicus (Plioceno), da África Oriental; P.boisei (Plioceno-Pleistoceno) da África Orientale P. robustus Pleistoceno) da África do Sul],que se extinguiram há 1,5-1 M.A., constituindo,portanto, um ramo evolutivo distinto do quedeu origem ao género Homo e, por outro lado,o ramo que evoluiu até à nossa espécie. É nesteramo que evoluíram as espécies que sedistinguiam pelo aumento da capacidade dacaixa craniana, como as espécies do desabrochardo género Homo (H. rudolfensis e H. habilis).É assim que, nessa mesma área do vale do Rift(Omo, Olduvai e LagoTurkana), aparecemfósseis do Homo habilis(± 2 M.A.), utilizador dosprimeiros utensílios.(Figura 2).onde hoje se situa agarganta do Olduvai,existia um grande lago,onde desaguavamvários rios ladeados deflorestas ripícolas degaleria (nas margens dosrios), que forneciamfrutos e outros produtos,e grandes quantidadesde mamíferos, alguns demaior porte que asespécies congéneresactuais, que serviram dealimento desses nossosantepassados. Surgem,então (2 M.A.), uns seres humanos (Homoergaster), nitidamente diferentes dos anterioresHominídeos e dos Paranthropus [P.aethiopuicus (Plioceno), P. boisei (Plioceno-Pleistoceno) e P. robustus (Pleistoceno)];uma linha evolutiva paralela que, como sereferiu, se extinguiu (1 M.A.) no Pleistoceno.Um dos esqueletos fósseis humanos maiscompletos que se encontrou até hoje [orapaz de Nariokorome, no Quénia (1,6 M.A.)],pertence a esta espécie (Homo ergaster). Denotar que, quando surge este Homoníneo(Homo ergaster), o protagonista da primeirasaída de África há cerca de 1,8 M.A., já setinham manifestado os três acontecimentosmarcantes da evolução humana: o bipedismo,a evolução da capacidade craniana e amanufactura das indústrias líticas. Os hábitosdos Kung do Calaári (Namíbia), caçadores-recolectores, são um testemunho actual doshábitos destes nossos antepassados que, talcomo os Kung, provavelmente baseavam asua alimentação em produtos vegetais. Hácerca de 1,8-1,5 M.A. surge o Homo erectus,nómada e caçador. Com as alteraçõesclimáticas de há 1,5 M.A., aumenta a área

de savanas e sobrevive o caçador, nómadae de maior capacidade craniana (H. erectus).Tal como o H. habilis e H. ergaster, o H.erectus (um ramo evolutivo do H. ergaster)tem o corpo menos coberto de pêlos que osantepassados, para que o arrefecimentocorporal seja conseguido pela evaporaçãodo suor e, também, de pele escura, porselecção natural através da radiação solar.O H. erectus migra para o Sul e para o Norte,penetrando no continente asiático [o H.erectus de Java (1,8 M.A.) é dissotestemunho]. Aliás, a saída de África prende-se com o tipo de vida do H. erectus, que eracaçador-recolector, o que implicava adeslocações de vários quilómetros ao fim dealgumas gerações, tendo-o levado,

naturalmente, a atingir Java. Há cerca de 1M.A., segundo alguns autores, o H. erectusevolui, aparecendo o H. neandertalensis (±120 mil anos) e o H. sapiens (± 100 mil anos).Segundo outros autores actuais, H. ergasterevoluiu por duas linhas paralelas; umaoriginando, no Pleistoceno Inferior ( 1,5 M.A.)o H. erectus, que se extinguiu nos finais doPleistoceno Médio (0,3 M.A.) e outraoriginando o H. antecessor nos finais doPleistoceno Inferior (0,9-0,8 M.A.). Este,através de duas linhas evolutivas deu origem,por um lado, ao H. heidelbergensis (0,5 M.A.),que evoluiu para o H. neandertalensis,extinto (há ± 30 mil anos) e que chegou aconviver com o H. sapiens e, através de outralinha evolutiva, deu origem ao H.rodhesiensis, tendo-se formado, depois, oH. sapiens.Não há apenas esta hipótese monofiléticapara a espécie humana (H. sapiens). Há,fundamentalmente, duas hipótesesexplicativas para a emergência do homemmoderno (H. sapiens) na África (± 100 milanos), Ásia (± 70 mil anos), Austrália (± 60mil anos), Europa (± 35 mil anos) e América

(± 20 mil anos, sendo aqui o fóssil maisantigo conhecido, o fóssil brasileiro Luzia,com 12500 anos). Uma, a hipótese de origemúnica, admite que o homem moderno teveuma origem geográfica única, na ÁfricaOriental. Outra, a hipótese de origem multi-regional, defende a emergência mais oumenos simultânea das populações humanasmodernas em várias regiões do Globo (ÁfricaOriental, Próximo Oriente, Sudeste Asiáticoe Ásia Continental). Os testemunhos paleo-antropológicos, arqueológicos, genéticossociais e linguísticos apoiam uma origemafricana do homem moderno. No entanto, estaé uma maneira simplista de apresentar estaquestão, não unanimemente aceite pelosantropólogos. Trata-se, pois, de uma

problemática complexa,tal como o afirmou D.Lieberman, em 2001(Another face in ourFamily Tree. – Nature410): “a história evolutivados humanos é complexae não está resolvida.”elevada Biodiversidadeque se desenvolveu noVale do Rift e que aindahoje ali persiste foi, pois,crucial e relevante paraa e v o l u ç ã o d o sHominídeos. (Figura 3).Sem esse PatrimónioBiológico (plantas eanimais) tão diversificadonão só não se teriaoriginado a nossa espécie(H. sapiens), com nãosobreviveríamos.

Desde o aparecimento de vida no GloboTerrestre, a Biodiversidade foi aumentando deuma maneira ± descontínua. Sabe-se quehouve 5 diminuições drásticas de Biodiversidadeespaçadas de milhões de anos (Gráfico 2).Porém, após essas grandes perdas deBiodiversidade, a permuta genética entre osseres que sobreviveram em cada uma dessascatástrofes naturais e a adaptabilidade àsvariadas modificações climáticas e geológicas,a Biodiversidade não só recuperava, comotambém foi aumentando durante a históriaevolutiva do Globo. É de realçar que osHominídeos, particularmente as espécies dogénero Homo, se formaram quando existia omáximo de Biodiversidade na Terra, tendo-se,também, originado nos ecossistemas terrestrescom maior diversidade (savanas africanas, juntoàs florestas tropicais). Estes factos são doisindicativos muito relevantes de que a nossaespécie não é apenas dependente daBiodiversidade, mas sim de elevadaBiodiversidade. Infelizmente, a maioria dapopulação humana nunca se capacitou disso,fazendo desaparecer outras espécies,praticamente desde que se formou, de tal modo

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Hominídeo necrófago raspando a carcaça de uma zebra

Figura 2

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Biodiversidade (vegetal e animal) no Vale do Rift.Quénia, margens do Lago Nakuru. Agosto de 1999.Figura 3.

Gráfico 2

que se assiste, actualmente, à 6ª drástica perdade Biodiversidade. Porém, esta não por causasnaturais, como foram as outras 5, mas porculpa exclusiva da espécie humana que temvindo a destruir não só ecossistemas, comotambém matando indiscriminadamente asoutras espécies que coabitam com ela noGlobo Terrestre.É, pois, vital para a Humanidade, preservarmosa diversidade dos seres vivos (Biodiversidade),que não são apenas as nossas fontesalimentares, fornecendo-nos muito mais doque isso como, por exemplo, substânciassalutares (mais de 70% dos medicamentos sãoextraídos de plantas e cerca de 90% são deorigem biológica), vestuário (praticamentetudo que vestimos é de origem animal ouvegetal), energia (lenha, petróleo, cera, resinas,etc.), materiais de construção (madeiras), etc.Além disso, as plantas, com a fotossíntese,despoluem pela absorção do anidrido carbónico(CO2), e purificam o ar com o oxigénio (O2)que produzem. Até grande parte da energiaeléctrica que consumimos não seria possívelsem a contribuição do Património Biológicopois, embora possa estar a ser produzida pelaágua de uma albufeira, esta tem de passarpelas turbinas da barragem e estas precisamde óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos

do crude, que é de origem biológica.Enfim, sem o Património Biológico nãocomíamos, não nos vestíamos, não tínhamosmedicamentos, não respirávamos, não

tínhamos luz eléctrica e outras formas deenergia, etc.Sem os outros seres vivos não sobrevi-veremos!...

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