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POSSIBILIDADES E LIMITES DO ATIVISMO JUDICIAL RESUMO: O presente artigo aborda um dos principais aspectos do debate atual sobre a política judiciária no Brasil, o ativismo judicial. A partir de uma análise doutrinária e jurisprudencial, este artigo tratará do contexto histórico que fez surgir o ativismo judicial como um fenômeno mundial buscando seu conceito no cenário jurídico brasileiro, e no panorama global. Analisaremos, ainda, a distinção de ativismo judicial e judicialização da política, sintetizaremos as causas do ativismo judicial, os limites e as possibilidades do Judiciário em interferir nas funções designadas aos outros Poderes, diante da necessidade de tornar efetivos os direitos fundamentais positivados pela Constituição da República de 1988. PALAVRAS-CHAVE: ativismo judicial, direitos fundamentais, democracia, judicialização da política. ABSTRACT: The present work addresses one of the main aspects of the current debate over judiciary politics in Brazil, the judicial activism. From a doctrinal and jurisprudential analysis, this work studies the historical context that gave birth to the judicial activism as a worldwide phenomenon, searching for its concept in the Brazilian juridical scene and in the global perspective. We also analyze the distinction between judicial activism and the judicialization of politics, and summarize the causes of judicial activism and the limits and possibilities of the Judiciary in intervening in functions designated to the other Powers, due to the necessity to actualize the fundamental rightsestablished by the Constitution of the Republic of 1988. KEY WORDS: judicial activism, fundamental rights, democracy, judicialization of politics. 1. INTRODUÇÃO

Possibilidades e Limites Do Ativismo Judicial

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Page 1: Possibilidades e Limites Do Ativismo Judicial

POSSIBILIDADES E LIMITES DO ATIVISMO JUDICIAL

RESUMO: O presente artigo aborda um dos principais aspectos do debate atual sobre

a política judiciária no Brasil, o ativismo judicial. A partir de uma análise doutrinária e

jurisprudencial, este artigo tratará do contexto histórico que fez surgir o ativismo

judicial como um fenômeno mundial buscando seu conceito no cenário jurídico

brasileiro, e no panorama global. Analisaremos, ainda, a distinção de ativismo judicial

e judicialização da política, sintetizaremos as causas do ativismo judicial, os limites e

as possibilidades do Judiciário em interferir nas funções designadas aos outros

Poderes, diante da necessidade de tornar efetivos os direitos fundamentais

positivados pela Constituição da República de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: ativismo judicial, direitos fundamentais, democracia,

judicialização da política.

ABSTRACT: The present work addresses one of the main aspects of the current

debate over judiciary politics in Brazil, the judicial activism. From a doctrinal and

jurisprudential analysis, this work studies the historical context that gave birth to the

judicial activism as a worldwide phenomenon, searching for its concept in the Brazilian

juridical scene and in the global perspective. We also analyze the distinction between

judicial activism and the judicialization of politics, and summarize the causes of judicial

activism and the limits and possibilities of the Judiciary in intervening in functions

designated to the other Powers, due to the necessity to actualize the fundamental

rightsestablished by the Constitution of the Republic of 1988.

KEY WORDS: judicial activism, fundamental rights, democracy, judicialization of

politics.

1. INTRODUÇÃO

O crescente impacto da expansão da atividade jurisdicional, principalmente após a

Constituição de 1988, demonstra uma importante análise de reflexões e pesquisas

acerca do fenômeno ativismo judicial no Brasil.

Não possuindo conceito unívoco, se convencionou chamar de ativismo judicial a

atuação do Poder Judiciário em aplicar os princípios e direitos fundamentais

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contemplados no texto constitucional a fim de contornar as omissões dos Poderes

eleitos e conferir soluções mais justas e adequadas ao caso concreto.

Em linhas gerais o fenômeno é descrito como inevitável, decorrente de uma sequência

de eventos que, Luís Roberto Barroso (2009) resume em três panoramas: a força

normativa da constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a reelaboração da

doutrina da interpretação constitucional.

No entanto, ocorrem sérias críticas sobre a expansão da atividade dos tribunais,

principalmente quando questionado à percepção da teoria democrática. Por

conseqüência, debates a respeito do avanço do Judiciário sobre o espaço

tradicionalmente reservado aos poderes democraticamente eleitos estão sendo vistos

com mais freqüência e sua legitimidade, atualmente, é um dos principais temas a

serem discutidos por envolver questões políticas, jurídicas e sociais. Daí se nota a

tamanha importância do tema, pois ele abarca todos os setores da sociedade.

Neste diapasão, sintetizaremos brevemente o cenário histórico, os significados

atribuídos ao ativismo judicial por autoresinternacionais e nacionais, o panorama

global e nacional, a distinção do ativismo judicial e a judicialização da política, as

principais causas motivadoras, e ainda, as possibilidades e limites do ativismo judicial.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

O termo “ativismo judicial” foi utilizado pela primeira vez em 1947, nos Estados Unidos

(judicial activism), em um artigo escrito por Arthur Schlesinger Jr. e publicado na

revista Fortune. O jurista se dedicou a descrever no seu artigo as linhas de atuação da

Suprema Corte americana ao desempenhar um papel de efetivação de políticas para a

promoção do bem estar social – com base nas concepções políticas dos juízes.

Com a transição do Estado Absoluto para o Estado Liberal surgiram os direitos

fundamentais de primeira dimensão – com o objetivo de impedir a interferência estatal

na vida privada dos cidadãos, sendo-lhes permitida a fruição plena da sua liberdade,

mas por outro lado a população ficava dependente da iniciativa dos poderes eleitos.

Devido a essas circunstâncias e com base no reconhecimento das inúmeras

infringências a direitos humanos ocorridos na Segunda Guerra Mundial, surgiram

como vontade do legislador ordinário e como meio de obter soluções mais justas e

adequadas à realidade social: a positivação dos direitos e garantias fundamentais, o

fortalecimento do Poder Judiciário e das Cortes Constitucionais no controle de

constitucionalidade e a potencialização da força normativa das Constituições.

Nesse cenário surgem os direitos fundamentais de segunda dimensão, que impõem

ao Estado o dever de proteger os direitos e liberdades individuais, bem como atuar

para realizar os direitossociais. Essas mudanças serviram de inspiração para o

Neoconstitucionalismo – fenômeno marcado pela aplicação direta de princípios

constitucionais, emprego de conceitos jurídicos indeterminados, ampliação do controle

de constitucionalidade, busca da solução mais justa no caso concreto, valorização do

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poder Judiciário e dos precedentes judiciais.

Desse conjuntos de acontecimentos surgiu o fenômeno que veio a ser denominado

como ativismo judicial.

3. CONCEITOS DE ATIVISMO JUDICIAL E DISTINÇÃO ENTRE ATIVISMO JUDICIAL

E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

O termo não possui um significado homogêneo, sendo utilizado desde meados do

século XX para criticar a atuação dos juízes que interferem, com critérios subjetivos,

em questões sociais controvertidas que deveriam ser decididas pelos poderes

legitimados, pelo voto popular; ou para designar a intensa atividade do Poder

Judiciário, sua intervenção em casos duvidosos ou claramente políticos, a amplitude e

intensidade dos efeitos das decisões judiciais, assim como o protagonismo do juiz no

processo.

Sobre o tema Miarelli e Lima (2012) ressalta que diante de novas necessidades, onde

a lei não se mostra suficiente ou diante de necessidades que forjam uma determinada

interpretação do texto de lei, é o momento em que o esforço do intérprete faz-se sentir.

Tem-se como Ativismo Judicial, portanto, a energia emanada dos tribunais no

processo da criação do direito.

Assim, na concepção de Elival da Silva Ramos (2010): “ativismo é quando o tribunal

ultrapassa o limite do texto normativo e passa a criar, e que com a postura ativista o

Judiciário está na verdade substituindo o Congresso”.

A condutaativista propõe às decisões judiciais uma legitimidade quando impõe

obrigações, sem, no entanto, haver uma expressa previsão legal por parte do

legislador.

Diante do exposto, o ilustre autor Luiz Roberto Barroso (2009) defende que a postura

ativista se manifestaria por meio de diferentes condutas que incluiriam:

i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente previstas em

seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinaÌrio;

ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador,

com base em criteÌrios menos riÌgidos que os de patente e ostensiva violação da

Constituição;

iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder PuÌblico, notadamente em

mateÌria de poliÌticas puÌblicas.

Para o autor esse movimento decorre da nova hermenêutica constitucional da

interpretação dos princípios e das cláusulas abertas.

Sob outra análise, Sunstein (2005) aborda que, “o ativismo judicial pode ser

mensurado pela frequência com que um determinado magistrado ou tribunal invalida

os atos de outros poderes de Estado, especialmente do Legislativo”.

Em síntese, define-se o ativismo judicial como a interferência do Judiciário em

assuntos de competência do Legislativo ou do Executivo, ou a invasão da política pelo

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direito.

Além do ativismo judicial podemos identificar outro parâmetro ligado ao protagonismo

do Judiciário: a judicialização da política. Ambos têm a ver com a ruptura do sistema

tradicional e a estagnação de separação de Poderes, onde tratam da expansão da

atividade do Judiciário, dando-lhe maior status institucional.

O termo judicialização da política passoua ser utilizado a partir da obra de Tate e

Vallinder (2005), onde os autores mencionaram o conceito e as condições

institucionais para a expansão do Poder Judiciário no processo decisório em Estados

democráticos.

Para os autores judicializar a política, “implica expandir a área de atuação do Poder

Judiciário e valer-se dos métodos e procedimentos próprios do processo judicial para a

resolução de conflitos nas arenas políticas distintas daquelas típicas dos tribunais em

dois contextos”.

Em sentido diverso da expressão “ativismo judicial”, a judicialização da política —

segundo José dos Santos Carvalho Filho (2010) — “ocorre quando questões sociais

de cunho político são levadas ao Judiciário, para que ele dirima conflitos e mantenha a

paz, por meio do exercício da jurisdição”.

Para Luis Roberto Barroso (2009), ‘‘a judicialização nasceu do modelo constitucional

que se adotou e não de um exercício deliberado de vontade política, já o ativismo, há

uma escolha, do magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais a fim de

dar-lhes maior alcance e amplitude.’’ Assim, o autor aborda as seguintes diferenças:

"A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família,

frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a

rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um

fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um

exercíciodeliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o

Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma

constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao

juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a

escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o

seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder

Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil,

impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia

de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do

Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais." 

É notória a existência de uma ligação entre jurisdição e política em ambos os casos.

Acontece que essa aproximação deriva de necessidade, quando se está diante de

judicialização, e de atitude, quando se trata de ativismo.

4. PANORAMA GLOBAL E NACIONAL

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O ativismo é um fenômeno ocorrente em todo contexto global devido ao grande

embate do alargamento do exercício do Judiciário. Em diversas partes do mundo e em

estágios diversos, os tribunais vêm se realçando como protagonistas de decisões

envolvendo questões de competências políticas. Cabe destacar que, o ativismo judicial

não é uma prática que decorre apenas entre os órgãos do Judiciário, tem-se

identificado esse fenômeno também entre os Tribunais Constitucionais. Nessa

acepção, são constantes os exemplos de ativismo na América Latina, nos Estados

Unidos e na Europa.

Nos Estados Unidos, o ativismojurídico foi identificado desde o caso Marbury versos

Madison, em 1803, quando a atuação do Judiciário no controle da constitucionalidade

das leis passou a exercer um papel de destaque na vida política e social daquele país.

Na Europa, os Tribunais Constitucionais além de solucionarem os conflitos suscitados

entre jurisdições e exercerem atividades administrativas ou julgarem a

constitucionalidade das leis e tratados internacionais, decidem sobre as violações dos

direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

No Brasil, o Judiciário tem adotado um papel mais ativo na interpretação da

Constituição e das leis após a promulgação da Carta de 1988, intensificando a

essência e a extensão de suas normas. Com efeito, em algumas ocasiões,

sobrepondo-se ao Legislativo na tomada de decisões.

Logo após a ditadura militar, o ativismo judicial ganhou corpo no cenário judicial do Rio

Grande do Sul e desde então vem ganhando força e importância nos estudos sobre

política judiciária no Brasil, por desempenhar um aspecto mais dinâmico na atuação

do Direito e da Justiça pelo Poder Judiciário em contraste a atuação do juiz

espectador. Então, iniciou-se uma crescente judicialização, em que a decisão de

questões de grande relevância e reprodução política e social foi transferida a órgãos

do Poder Judiciário.

Com isso, criou-se um ambiente propício para o surgimento do ativismo judicial, tanto

que nos últimos anos o STF decidiu questões polêmicas como pesquisas com células-

tronco embrionárias, nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, compatibilidade de

dispositivos da Lei de Imprensa com a Constituição de 1988, quebra de sigilo judicial

porCPI, demarcação de terras, criação do Conselho Nacional de Justiça, adoção das

regras da união estável para uniões homoafetivas, possibilidade de interrupção de

gestação de feto anencefálico, dentre outras.

5. CAUSAS DO ATIVISMO JURÍDICO

A consagração do ativismo judicial no Brasil se deve principalmente à promulgação da

Constituição, que positivou diversos princípios, direitos e garantias sociais e

individuais, proporcionando sua dedução em juízo, fortaleceu o Poder Judiciário e

ampliou o controle de constitucionalidade.

Além disso, a Constituição passou a envolver matérias que antes eram deixadas para

o processo político majoritário e para a legislação ordinária, transformando política em

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direito, na medida em que uma questão disciplinada em uma norma constitucional se

transforma em uma pretensão exigível judicialmente.

Como uma das principais causas do ativismo judicial, a impossibilidade do legislador

em acompanhar a movimentação dos fatos sociais, com a mesma rapidez que estes

se desenrolam, faz com que o ponto elevado de um sistema jurídico consista no dom

criador do juiz quando, através do desenvolvimento dos seus princípios basilares,

desobriga-se da solução dos casos concretos.

Nesse sentido, com o decorrer do tempo a percepção de que a norma abstrata nem

sempre pode dar a solução aos problemas jurídicos evoluiu. Diante de tais normas,

defende-se que, cabe ao interprete valorar o sentido das cláusulas abertas e optar por

possíveis soluções. Por conseqüência, o interprete passa a ser partícipe do sistema de

criação do direito, rompendo a divisão clássica dos poderes preconizada por

Montesquieu, acarretando oativismo.

Por conseguinte, Castro (2007) observa que:

No mais, um intérprete do Direito não deve defender a existência de conceitos fixos,

imutáveis, independentes das mudanças históricas, haja vista que este se revela como

um ser histórico inserido em um determinado contexto social, político e cultural.

Reforçando esse entendimento, o Ministro Celso de Mello (2012) defendeu que as

práticas ativistas eventualmente exercidas pelo Judiciário se tornaram “uma

necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam,

excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa

determinação do próprio estatuto constitucional”.

Em outras palavras, se a inércia dos Poderes eleitos é reprovável por frustrar direitos

constitucionais que lhes cabia viabilizar, e se cabe ao Poder Judiciário, e em especial

o STF, protegê-los e efetivá-los, é a sua missão, como forma de expressão do Estado,

encontrar soluções que privilegiem a Constituição e os direitos que nela se fundam.

Ibânez (2003) alerta que: “o ativismo decorre de uma mudança do comportamento

jurisprudencial dos tribunais, que passaram a atuar nos vazios institucionais

decorrentes da inércia do Executivo e do Legislativo”.

Essa alteração teria sido impulsionada pelas inovações dos padrões das escolas

jurídicas perante a crise do positivismo, pelo descuido do Executivo, pelo

aprimoramento das instituições judiciais, pela intensa procura sociedade civil por mais

justiça e pela constitucionalização dos direitos fundamentais.

Cabe ainda ressaltar que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro

também representa uma causa paraexpansão do ativismo judicial no Brasil, uma vez

que qualquer questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou

jurídico pode ser submetido à apreciação da Suprema Corte.

6. POSSIBILIDADES E LIMITES DO ATIVISMO JUDICIAL

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No Estado democrático de direito, a aferição da efetividade às normas constitucionais

através da interpretação das leis, dos atos administrativos e da Constituição é do

Poder Judiciário. A ideia central é a de que o Judiciário tem a prerrogativa e o dever de

concretizar os preceitos constitucionais em casos de omissão total ou parcial do

Legislativo ou Executivo. O Judiciário, deixa de ser simples canal da lei, para acolher a

responsabilidade de esclarecer o direito efetivamente, materializando o conteúdo vago

dos princípios.

Com a intervenção legítima do Judiciário, para preservar a supremacia constitucional,

considera-se a atuação de cada interprete primordial para a efetivação das

transformações implementadas pela Constituição de 1988. Embora reconheça a

importância atribuída a atuação do interprete, Cappelletti (1993) não defende uma

discricionariedade sem limites:

Quando se afirma, como fizemos, que não existe clara oposição entre interpretação e

criação do direito, torna-se contudo necessário fazer uma distinção, como dissemos

acima, para evitar sérios equívocos. De fato, o reconhecimento de que é instrínseco

em todo ato de interpretação certo grau de criatividade – ou, o que vem a dar no

mesmo, de um elemento de discricionariedade e assim de escolha –, não deve ser

confundido com a afirmação de total liberdade do intérprete. Discricionariedade não

quer dizer necessariamentearbitrariedade, e o juiz, embora inevitavelmente criador do

direito, não é necessariamente um criador completamente livre de vínculos. Na

verdade, todo sistema jurídico civilizado procurou estabelecer e aplicar certos limites à

liberdade judicial, tanto processuais quanto substanciais.

Nesse mesmo sentido, ressalta Lênio Streck (2011):

Embora o juiz seja uma pessoa com convicções e história de vida, a limitação ao seu

subjetivismo e a sua parcialidade se dá justamente no impedimento de uma

fundamentação que extrapole os argumentos jurídicos e na obrigatoriedade de se

construir a decisão com a argumentação participada das partes, que, como partes

contraditoras, possam discutir a questão do caso concreto, de modo que a decisão

racional se garanta em termos de coerência normativa, a partir da definição do

argumento mais adequado ao caso. Assim, o objetivo é garantir que um juiz, mesmo

com suas convicções, não apresente um juízo axiológico, no sentido de que todos os

cidadãos comunguem da mesma concepção de vida, ou que os valores ali expostos

na sentença vinculem normativamente todos os demais sujeitos do processo.

Portanto, a atuação do Judiciário deve ser resguardada. Não poderá substituir a

competência dos Poderes Executivo e Legislativo na íntegra, por outro lado, cabe ao

Judiciário atuar como órgão de controle de constitucionalidade das suas ações, decidir

conflitos por via da argumentação e interpretar racionalmente os preceitos

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constitucionais com o objetivo de garantir a democracia e proteger os direitos

fundamentais.

Sobre a função individual dos três Poderes, Zaffaroni (2012) defendeu no relatório do

julgamento da ADI3367, uma separação dos poderes de forma, tanto participativa,

quanto fiscalizadora e corretiva:

Não há em Montesquieu qualquer expressão que exclua a possibilidade dos controles

recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe em algo

parecido com ‘três governos’ e, menos ainda, que não reconheça que no exercício de

suas funções próprias esses órgãos não devam assumir funções de outra natureza.

É clara a importância de observar os limites de cada sistema, posto que, com isso

haverá a harmonização das funções dos três poderes. A interferência demasiada do

Judiciário em assuntos de competência do Legislativo ou do Executivo, levando em

conta que a aplicação das leis é variável, no tempo e em cada caso concreto, pode

causar a extensão de direitos não expressamente previstos em lei ou na Constituição.

Essa extensão de direitos é consequência de uma interpretação ampliativa de normas

registradas, ou com base em princípios jurídicos gerais como a razoabilidade,

dignidade da pessoa humana, igualdade, dentre outros.

Em todos os casos o interprete, que irá aplicar concretamente o direito, deverá atuar à

luz da legalidade, sem perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é

representativo. Ou seja, deve aplicar o entendimento mais correto, observando os

preceitos constitucionais.

Sobre o exposto, Castro (2007) ressalta que:

Um juiz, ao decidir, visará um futuro melhor para a sociedade ou tentará supor

conseqüências, buscando alcançar a decisão que lhe parecer mais adequada e que,

também, melhor atenda as necessidades humanas e sociais.

7. CONCLUSÃO

Com a consagração do ativismo - através dapromulgação da Constituição de 1988 -

foram positivados diversos princípios, direitos e garantias individuais e sociais,

fortalecendo assim, o Poder Judiciário e ampliando o seu controle de

constitucionalidade.

A postura do Judiciário em interpretar a Constituição de maneira ampla e abrangente,

com o intuito de contornar a prejudicialidade da inércia ou insuficiência da atuação dos

Poderes eleitos, passou a ser designada de ativismo judicial. Em outras palavras,

pode ser resumida na atitude dos juízes de interpretar as normas jurídicas sem se

limitar às restrições formais e objetivas, e levando em conta que a aplicação das leis é

variável, no tempo e em cada caso concreto.

Ao longo do texto, demonstrou-se que esse fenômeno já é analisado em um panorama

global e autores nacionais já tentam sistematizar seus paradigmas. No Brasil, o

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crescimento do ativismo desafia os juízes a atuarem positivamente no sentido de

concretizar o rol de direitos fundamentais. Com esse papel mais ativo, o Judiciário tem

decidido questões de grande relevância, sendo alvo de críticos que acreditam que há

uma usurpação de competências. Ou seja, o Judiciário estaria interferindo nas funções

típicas do Legislativo e Executivo.

De forma sucinta, distinguimos os dois fenômenos mais discutidos nas sociedades

contemporâneas. A judicialização seria um fato, uma circunstância que decorre do

desenho institucional brasileiro, e não um exercício deliberado de vontade política. Já

o ativismo uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a

Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

As principais causas do ativismo decorrem da inérciados órgãos públicos que não se

manifestam ou postergam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão

submetidos por expressa ordem constitucional. Foi corretamente frisado que as

práticas ativistas eventualmente exercidas pelo Judiciário se tornaram “uma

necessidade institucional”, considerando a imprudência, em muitos casos, dos órgãos

do Poder Público em se omitirem ou retardarem o cumprimento das obrigações.

Por fim, importa consignar que a atuação do Judiciário em suprir a ausência de atos

do Legislativo e Executivo deve ser limitada em partes, destinando-se em evitar a

interferência total nas funções dos outros dois Poderes. De outro modo, tendo sido

observado a relevância do caso e os limites de cada sistema, cabe ao juiz garantir a

democracia, proteger os direitos fundamentais, aplicar concretamente o direito

atuando à luz da legalidade, sempre impondo o entendimento mais correto e

observando os preceitos constitucionais.

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