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professoredições anteriores

1. f u t u ro d o l i xo | d e z e m b ro 2012

2. s u b ú r b i o s e i d e n t i da d e s | m a rço 2013

3. r e a l i s mo m ág i co n o s é c u lo x x i | o u t u b ro 2013

4. mo b i l i da d e u r b a n a | a b r i l 2014

5. m e n o s 30 | o u t u b ro 2014

6. e d u c aç ão : m i to s e fato s | d e z e m b ro 2014

7. co n s u mo co n s c i e n t e | j u n h o 2015

8. e m p r e e n da- s e | d e z e m b ro 2015

9. voz e s d o v e l h o c h i co | m a i o 2016

10. s omo s to d o s o l í m p i co s | ag o s to 2016

11. a s s i s ta a e s s e l i v ro | ja n e i ro 2017

12. co r p o : a rt i g o i n d e f i n i d o | j u n h o 2017

13. e n t r e da d o s | s e t e m b ro 2018

edição 14

capa: © thiago santos

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editorial A profissão que faz todas as profissões 4

professoresrep Histórias de classe 8

diários 24 horas na vida do professor 14

educador nota 10 Pergunte aos mestres 22

entrevista Paulo Jubilut 34

panorama Docentes pelo mundo 40

valorização Dignos de nota 42

entrevista Andria Zafirakou 44narrativasentrevista Héctor Lozano 50

linha do tempo Ofício nas artes 54

crônica Jô Bilac 64 perspectivaspesquisa Visão panorâmica 68

artigo Telma Vinha e Cesar A. Amaral Nunes 70

ponto de vista Fernando Abrucio 80

entrevista Ricardo Paes de Barros 88

políticas públicas Educação em letras e números 96

crônica Marcelo Tas 100estudantesvozes da galera! Falas que vêm das salas 104

visão de mundo Múltipla escolha 110

memória afetiva Antevisão do futuro 116

making of Olhos nos olhos 120

caderno

conselho editorialDjamila RibeiRo, filósofaeDna Palatnik, gerente de Desenvolvimento de Dramaturgia da GloboFeRnanDa toRRes, atriz e escritoraGabRiela mouRa, relações-públicas e escritoraGeoRGe mouRa, autor e roteirista ilona szabó, cientista políticajailson De souza e silva, geógrafo e professorlázaRo Ramos, ator e escritormaRcus baRão, presidente do Fórum da juventude da cPlPmônica WalDvoGel, jornalista

coordenação editorialbeatRiz azeReDoviRiDiana beRtoliniGisele Gomes

curadores desta ediçãocao HambuRGeR, cineastamônica Dias Pinto, pedagogatatiana klix, jornalista

colaboradores desta ediçãoalice anDRésana cataRina PinHeiRoana Paula bRasilmaRiana vasconcellosWilly Hajli

editora-chefeGRaziella betinG

edição e entrevistasPaulo jebailiRubem baRRos

traduçãoelenice aRaujojayme Da costa Pintolivia DeoRsola

revisãoRicaRDo jensen De oliveiRa

projeto gráfico e versão digitalcasa 36

fotografiatHiaGo santos

produção gráficatoninHo amoRim

globo

comunicaçãoséRGio valente, diretor

responsabilidade socialbeatRiz azeReDo, diretora

globo universidadeviRiDiana beRtolini, gerenteviviane tanneR, supervisora

equipeFatima Gonçalves GabRiela GonzaGaGisele GomesHelena klanGisabella sallesjuan cRisaFullileticia castRo milana beRnaRtt

caderno globo 14são Paulo, novembro 2018tema: professorissn 2357-8572

editor: Globo comunicação e Participações s.a.Globo universidadeendereço: Rua evandro carlos de andrade, 160são Paulo – sP ceP 04583-115

edição digital o caderno estádisponível em versão digital no link:aPP.caDeRnosGlobo.com.bR

podcastesta edição tem uma versão em podcast, feita em parceria com a Rádio Globo, disponível no link: radioglobo.globo.com/podcasts

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A profissão que faz

editorial

Logo após ter sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, o escritor franco-arge-lino Albert Camus escreveu uma carta a Louis Germain, seu professor primário numa escola pública de um bairro operário de Argel. Diz ele:

Deixei que passasse um pouco o movimento que me envolveu todos esses dias antes de vir falar-lhe de coração aberto. Acaba de me ser concedida uma grande honra que não procu-

rei, nem solicitei. Mas quando eu soube da notícia, meu primeiro pensamento, depois de minha mãe, foi para o senhor. Sem o senhor, sem essa mão afetuosa que estendeu ao me-nino pobre que eu era, sem seu ensino, sem seu exemplo, nada disso teria acontecido. Eu não faço questão dessa espécie de honra. Mas essa é ao menos uma ocasião para dizer-lhe o que o senhor foi e é sempre para mim, e para asse-gurar-lhe que os seus esforços, o seu trabalho

e o coração generoso que colocava naquilo que fazia continuam vivos em um de seus pe-quenos pupilos que, apesar da idade, não deixou de ser seu aluno reconhecido. Eu o abra-ço, com todas as minhas forças.

Louis Germain, de Argel, mas poderia ser a Franciele, de Campo Grande; a Diva, de Curi-

atingem escolas do mundo inteiro, sem ter resolvido muitas das dificuldades do século 19, dentre as quais a relativamente recente universalização do ensino público no país, não faltam iniciativas e trajetórias, pessoais e coletivas, inspiradoras e que ajudam a dis-seminar boas ideias e práticas dentro e fora das escolas e suas comunidades.

Para trazer a figura do professor para o centro do debate, o Caderno abriu seus canais de escuta aos maiores interessados e envolvidos nesse cenário: os próprios professores, de di-ferentes regiões e realidades brasileiras e do exterior. O panorama é complementado com infográficos e dados sobre a educação, entre-vistas e análises de especialistas e estudiosos no tema. Também falamos com os alunos, principais parceiros dos professores, e jovens que estudam pedagogia e sonham em tornar o ensino seu ofício.

Esta publicação faz parte de um conjunto de ações desenvolvidas desde 2013: a veiculação de campanhas de valorização do professor na televisão; a parceria na realização do prêmio Educador Nota 10; a promoção de rodas de conversa com profissionais da Globo sobre

tiba; o Itamar, de Presidente Prudente; o Ma-rinaldo, de Barcarena; ou a Andria, de Brent. Todos professores de educação básica de vá-rios cantos do Brasil e do exterior, cujas his-tórias e relatos reproduzimos a seguir. Em sua 14a edição, o Caderno Globo tem como per-sonagem principal o professor. Os profissio-nais que formam todas as profissões.

Diante de uma sala de aula, o professor é aquele que lida não apenas com um grupo de alunos, mas está no ponto de confluência de diversas questões da sociedade. Saúde, segurança, carências alimentares, saneamen-to básico, violência doméstica são alguns dos temas presentes na rotina de cada um dos 2,2 milhões de professores de educação básica que atuam no Brasil. Mas não só: no contato direto com o aluno, o professor está em con-tato também com a riqueza da diversidade e das potencialidades da sociedade. E sua pre-sença pode, e geralmente é, transformadora.

Além de dedicação e vocação, muitas vezes se exige do educador uma carga maior de heroísmo individual em comparação a outras carreiras. E, embora o professor no Brasil precise lidar com problemas do século 21, que

temas relacionados; a realização de cinco edições do programa Mitos e Fatos da Educação, em parceria com a Globonews; duas edições do REP: Repercutindo ideias - Histórias de Classe, plataforma divulgada em mídias di-gitais; além da promoção do Mês da Educação na Globo, quando toda a programação da emissora se dedica ao tema. Projetos que co-laboram com a construção de uma narrativa inspiradora sobre o professor, central na agen-da de desenvolvimento do país.

Este número do Caderno traz um ensaio do fotógrafo pernambucano Thiago Santos, que levou seu projeto Olha pra mim, uma coleção de retratos de rostos anônimos recortados a partir de seus olhares, para escolas públicas da cidade de São Paulo. Esta edição contou com a curadoria da pedagoga Mônica Dias Pinto, da Fundação Roberto Marinho, a jornalista Tatiana Klix, do Porvir, e o cineasta Cao Ham-burger. O debate que se inicia nestas páginas é estendido na versão digital do Caderno (app.cadernosglobo.com.br) e em seu podcast, realizado em parceria com a Rádio Globo (http://radioglobo.com.br/podcasts).

Boa leitura.

todas as profissões

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rep

EducadorEs dE várias partEs do Brasil contam suas trajEtórias E o EnvolvimEnto com ExpEriências transformadoras

Um dos principais atributos de um bom profes-sor é ser um bom narrador. E, por mais que alguns já nasçam ou cresçam com essa veia mais de-senvolvida, as narrativas mais cativantes e en-volventes são feitas de vivências, do contato com situações e dificuldades variadas, da interação com as mais diversas pessoas, com experiências capazes de ajudar a escrever o que somos.

O narrador é aquele que conserva a história da comunidade em que vive, ou aquele que, mo-vido pela curiosidade, percorre outros mundos, conta novas histórias nos lugares por onde vai passando e toma contato com pessoas diferen-tes. De um ou de outro jeito, preserva e amplia o que sabemos do mundo.

As histórias a seguir trazem diferentes inquie-tações e olhares, mas sobretudo buscas de pessoas que não cessaram até que encontrassem sua identidade naquilo que fazem, na neces-sidade de estar em contato com o outro, de crescer com aqueles a quem ensinam.

Os professores a seguir participaram do REP Histórias de Classe, plataforma de histórias inspiradoras da Globo, promovida pela Direto-ria de Responsabilidade Social. Em duas edições, 16 professores compartilharam suas experiên-cias, publicadas nas mídias digitais da Globo e acessíveis na versão digital do Caderno.

meus pais me ensinaram que a educação era a coisa mais importante da minha vida. Eu sonhava entrar na escola. mas quando chego lá, já sou uma criança muito marcada pelo racismo, pelos xingamentos que remetiam à minha cor e ao meu cabelo. Eu começo a sonhar em ter o poder de ser invisível, assim continuaria na escola sem sofrer as agressões. passo pela primeira série sem aprender a ler. na segunda série, numa ocasião, a professora creusa me chama.

“Ela descobriu que eu não sei ler e vai me dar uma bronca.” para minha surpresa, ela me colocou no colo e, ali, eu tomei decisão mais importante da minha vida: eu não queria ser invisível. Queria ser professora, porque a crença, o amor, a vibração que ela tinha quando eu aprendia era algo tão forte, que me transformou profundamente.

Eu me tornei professora aos 19 anos, me sentindo a pessoa mais importante do mundo. até que, depois de uma década em sala de aula, eu entro numa turma de 6o ano em que não conseguia dar aula. recebi um diagnóstico de depressão profunda. disse a mim mesma: “ou eu desisto ou preciso me ressignificar”.

criei uma conta numa rede social para me sentir conectada com os meus alunos. percebi que era recorrente nas redes as meninas reproduzirem o referencial da mulher objetificada. decidi criar o projeto mulheres

inspiradoras. propus aos alunos o estudo da biografia de grandes mulheres; eles leram obras de autoria feminina e os desafiei a descobrir a mulher inspiradora da vida deles. foram entrevistar essas mulheres e sanar as lacunas que tinham em relação à história da mãe, da avó e da bisavó. Essas mulheres também relataram que, depois das entrevistas, se reaproximaram dos filhos, dos netos e ficaram surpresas de se descobrirem tão inspiradoras.

Esse projeto recebeu três prêmios no Brasil e um internacional. foi transformado em programa de governo e hoje chega a 15 escolas públicas do distrito federal. mas há dois prêmios que são intangíveis. o primeiro, ouvir das alunas:

“professora, descobri que eu quero ser uma mulher que carrega uma grande história”. o segundo prêmio foi, 34 anos depois, reencontrar a professora creusa e, ao entrevistá-la, fazer a pergunta que carregava desde os 8 anos:

“Quando a senhora olhava para mim, via uma criança tímida, assustada, sempre na expectativa de um safanão e de um xingamento?”. Ela disse:

“Eu não via nada disso. via uma criança que queria aprender”. naquele momento, ela me ensinou mais uma lição valiosa. o que de mais importante a gente pode fazer como educador é olhar para cada criança e para cada adolescente no que eles têm de potência e de força e não naquilo que falta a eles.

Gina Vieira, 46 anos, criadora do projeto Mulheres inspiradoras e professora do distrito federal

O olhar que enxerga a potência

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Quando pequena, eu sonhava em ser astronauta. Quando abria os olhos, estava em sertãozinho [sp], cidade de mais ou menos de 20 mil habitantes. a escola era o lugar que alimentava os meus sonhos. na 3a série, fui à olimpíada de astronomia. não fui premiada, mas fiquei encantada. na 4a série, consegui a minha primeira medalha, de ouro. com isso, ganhei uma bolsa de estudos numa escola particular. aos 13 anos, entrei numa depressão profunda. parei de estudar. com o apoio de amigos, familiares e de ex-professores, busquei tratamento. voltei a estudar, fiz uma prova parecida com o Eja [Educação de jovens e adultos]. concluí o ensino médio e decidi que queria mais. Em 2012, entrei na usp para cursar bacharelado em matemática aplicada a negócios. Em 2013, recebi uma bolsa do governo e fui para um intercâmbio de um ano na itália.

foi a primeira vez que andei de avião, a primeira vez que pude estar um pouco mais perto do céu, literalmente.

voltei para terminar a faculdade e recebi uma proposta de estágio num banco em são paulo. não tinha ninguém parecido comigo, era um ambiente com poucas mulheres, poucas pessoas negras, poucas pessoas vindas da periferia.

Eu ingressei no Ensina Brasil. Essa rede compartilha comigo o sonho de que um dia todas as crianças terão uma educação de qualidade. não fui astronauta, escolhi ser professora, dessas que pisam na sala e olham para cada aluno como uma potência.

fui preso três vezes, baleado algumas vezes. aos 6 anos fui morar com um casal de tios. meu pai e minha mãe se tornaram moradores de rua. meu tio, alcoolista, agredia a mim e a minha tia. aos 13 anos me envolvi com criminalidade e com as drogas. aos 16 anos fui preso, cumpri medidas socioeducativas na antiga febem, onde conheci um professor que me ensinou algumas técnicas de pintura. ao sair, voltei a cometer crimes. fui baleado aos 18 anos, cinco tiros no peito. Estendido na rua, pensei em me entregar para a morte, quando um grupo de crianças que saíam

da escola dizia: “aguente firme”. uma mulher me levou para o hospital.

aos 22 anos fui preso pela última vez, cumpri cinco anos de pena. saí muito pior que entrei. Eu não queria mais ser o criminoso que roubava pouca coisa. Eu queria ser um grande criminoso.

comecei a trabalhar naquilo que eu poderia naquele momento: entregar panfletos, servir mesa no restaurante. Eu fazia esses bicos para sobreviver, mas sonhava em cometer um grande crime. mas isso nunca aconteceu,

itaMar XaVier de caMarGo, 37 anos, professor de artes na rede Municipal de presidente prudente (sp)

franciele santos, 25 anos, professora de MateMática na rede estadual de caMpo Grande (Ms)

porque conheci pessoas que olharam para mim como um sujeito de direitos. Essas pessoas me ajudaram porque enxergaram minhas necessidades, me ajudavam a pagar aluguel, comprar coisas. o amor delas foi me deixando constrangido, envergonhado do que eu tinha feito e do que pensava em fazer. a maneira que essas pessoas me tratavam me levara a querer tratar as pessoas ao meu redor com o mesmo amor.

um dia, entregando panfleto, percebi que as pessoas que tinham

uma vida melhor tinham um nível de escolarização melhor que o meu. retomei os estudos, fiz um supletivo, ganhei uma bolsa para fazer faculdade de pedagogia. tive muita dificuldade, porém fui até o fim.

passei num concurso para professor do fundamental 1. Escondia a minha história, tinha medo que me rejeitassem. mas me inspirei no meu professor da febem e escrevi um livro, que fez sucesso, me levou para a televisão. a educação contribuiu para que eu viesse a me libertar de um estado de miséria e me tornar uma pessoa melhor.

Entrei para ser diretor de uma escola. tinha uma lista de 14 escolas para escolher. uma pessoa amiga falou:

“Essa escola presidente campos salles não pegue de jeito nenhum, é uma escola de favelados e baderneiros”. o motivo principal foi que a origem daquelas famílias de Heliópolis é semelhante à da minha família. Então, eu não estava entre baderneiros e favelados, estava entre os meus. E construímos com a comunidade um projeto em que o aluno é protagonista. lá, o bom professor é aquele que oferece recursos para que os alunos caminhem com as próprias pernas.

a escola pública, para mim, é a casa de todos. o aluno tem de viver e exercer a cidadania cotidianamente na escola. E eles tomam decisões a partir de uma ética baseada em três princípios: autonomia, responsabilidade e

solidariedade. Esses princípios já são comungados por milhares de pessoas da comunidade.

Em 2002, roubaram 21 computadores. aquilo, para mim, gestor da escola considerada integrada com a comunidade, foi um ato violento. fui fazer o B.o. na rua, falávamos com as pessoas:

“não foi a escola, o diretor, o prefeito que foram roubados, foram os filhos de vocês. vocês pagam impostos, é por isso que tem esses computadores lá”. três dias depois, um carro e uma moto me fecham. pensei: “pronto, acabou”. o cara do carro falou: “aí, sr. Braz, vamos devolver os computadores”.

Em resposta, retirei os muros da escola, porque a segurança é a integração escola-comunidade. Quem tem de cuidar da escola é a comunidade onde a escola está inserida.

Braz rodriGues noGueira, 66 anos, educador, eX-diretor da eMef caMpos salles (são paulo, sp)

Espaço dos sonhos

Quem se importa

Construção coletiva

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sou neta de escravos. meu pai foi ferroviário e minha mãe, doméstica, lavadeira e parteira dos pobres. tive uma família espetacular.

Eu sempre soube da flip [festa literária de paraty], mas nunca sobrava dinheiro para ir. aí eu falei:

“Estou com 77 anos. não posso morrer sem ver uma flip”. daí vem a mesa do lázaro ramos com a jornalista portuguesa [joana Gorjão Henriques], com um livro de denúncia [Racismo em português – O lado esquecido do colonialismo]. comecei a chorar. Quando vi, estava em pé e foi aquilo que vocês viram. falei com a alma, com o peso que carreguei na vida.

o que me deixou feliz foi o respeito com que aquelas pessoas me ouviram. no final, uma menina de uns 13 anos, branquinha, veio muito tímida.

– a senhora pode me dar um abraço? – mais que um, quantos você quiser.

Ela começou a chorar: – Eu quero pedir perdão para a senhora.

Quase desmaiei: – você não tem de pedir perdão. Estou feliz porque você me ouviu e compreendeu.

– mas eu tenho de pedir perdão pelo que meus antepassados fizeram com vocês.

– Querida, você não precisa me pedir perdão. porque eu tenho certeza que o seu filho não vai fazer com os negros, com os índios, com os pobres da periferia o que fizeram comigo.

Eu acredito nessa nova geração e tenho mais é que acreditar, porque eles vão mudar esse país. a educação é a verdadeira libertação.

diVa GuiMarães, 78 anos, professora aposentada de curitiBa (pr)

Quando eu comecei, o que mais queria era que a aula de Educação física fosse um espaço em que todos tivessem a oportunidade de participar, independentemente do nível de habilidade.

um grande desafio foi receber crianças com deficiência na minha aula. a gente é formado para lidar com um padrão de aluno, e eu vi que as minhas estratégias eram insuficientes para lidar com aquela diversidade. isso me causava uma angústia muito grande:

“o que eu fiz por essa criança hoje?”. só recebê-las com carinho, com respeito, não basta.

um aluno que me marcou muito tinha uma doença degenerativa. Ele começou a perder a força nas pernas. um dia, ele caiu na minha frente. Quando eu fui levantá-lo, ele se recusou e começou a chorar.

“professora, eu não consigo, eu não consigo mais...” aquilo me tocou fundo. Eu pensei: “não posso permitir uma criança na minha frente desistir dela própria. tem de haver um jeito”.

fernanda pedrosa, 37 anos, Belo horizonte (MG)

Eu falei: “você consegue, sim. de alguma forma, a gente consegue”. abracei-o pelas costas, coloquei os pés dele em cima dos meus e fiz das minhas pernas as pernas dele para irmos até a quadra. Essa e outras situações me impulsionaram a buscar mais informação e formação. fiz diversos cursos e sempre procurei adotar uma prática com os meus alunos que fosse compartilhada, para que juntos pudéssemos encontrar soluções. para que esse processo de inclusão não partisse só de mim. começamos a

desenvolver projetos, que renderam até prêmios. fiz mestrado em Educação, com foco em Educação inclusiva, e comecei a atuar na formação de outros profissionais.

a mensagem que tento levar é daquela Educação física que acolha a todos. de pensarmos na inclusão do corpo na escola, na Educação física, como algo extremamente necessário para a formação do indivíduo, e pensarmos nas pessoas com deficiência como sujeitos de direitos dentro da escola.

O abraço que valeu uma vida

O corpo acolhido na escola

nunca me passou pela cabeça ser educadora. me casei com 19 anos e fui morar numa cidade de 2 mil habitantes. meu esposo trabalhava em banco, e os funcionários e as esposas foram ser os professores da escola local. depois fui para o acre, onde ensinei matemática no fundamental e fiz o curso de letras.

retornei à paraíba, na cidade de solânea. comecei a lecionar em três lugares. aí, surgiu uma oportunidade para seleção de professora substituta da universidade. Quando botei meus pés na universidade, ganhando mais do que nos três empregos, com tempo pra estudar, pesquisar, eu disse: “aqui é meu lugar”. fiz meu mestrado e nos mudamos para Bananeiras, cidade vizinha, a maioria na zona rural. surgiu a proposta de alfabetizar lavradores. começamos esse projeto social com

seis alunos e terminamos com 21. daí eu disse: “meu lugar não é mais dentro da universidade, meu lugar é aqui”. fui fazer doutorado, pois precisava me fundamentar melhor para transformar aquela escola. desde o início, não tínhamos apenas a preocupação de ensinar a ler e escrever, mas de trabalhar o ser humano na sua multidimensionalidade. E eles começaram a pedir que aquele trabalho fosse estendido aos filhos.

Em 2015 iniciamos com a nova proposta: sem seriação, com tudo construído a partir de projetos. Eu não acredito na educação que vem de cima para baixo, em que tudo é imposto e com um currículo que não faz sentido para as crianças. Elas estudam aquilo que faz sentido e transforma a realidade na qual estão inseridas.

leila coelho, 51 anos, educadora eM Bananeiras (pB)

Do campus para o campo

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diários

horas24A pedido do CAderno, doCentes de reAlidAdes diversAs registrAm suAs jornAdAs de trAbAlho

na vida do professor

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diários

Alguns me perguntam como que eu consigo sempre estar sorrindo. Não é sempre que eu estou verdadeiramente animado e motivado, mas aprendi que chegar com um sorriso em sala, para quem normalmente já foi muito maltratado fora dela, é um primeiro passo para que o dia ou a noite sejam melhores

Continuo dando aulas porque não conheço nenhum trabalho que me encante, me ensine e recompense mais do que esse. Lido com seres singulares e aprendo a conhecer, ensinar e amar cada um deles, com seus repertórios e histórias de vida

Acordo e faço um café da manhã rápido. saio às 6h30. vou de carro e dou carona para outros professores que trabalham em duas escolas antes da minha. Chego às 6h50, a tempo de um café. Às 7h, o sino toca. Como alguns alunos chegam atrasados, fico à porta por uns minutinhos até todos entrarem. Começo com um “bom dia” e pergunto se estão bem. “não, professor”, e emendo: “então vamos ficar bem estudando Química”. Quando tenho uma janela entre aulas, utilizo para planejar, corrigir ou ajudar a coordenadora pedagógica. A cada aula, são diversos os desafios, desde o simples “me explica de novo?” até “professor, estou com problemas”, que podem ser coisas bem pesadas. e, de aluno em aluno, tento buscar brilhos e energias

para me manter ativo e comemorando as pequenas conquistas. por exemplo, uma aluna que no início do ano não tinha perspectiva: “só quero me formar e arranjar um emprego qualquer”. no final do ano, ao saber da minha história e de outros colegas meus, sonha em fazer usp e ser professora de matemática. sino da saída: 11h20. Às quintas-feiras, fico na escola até às 14h, auxiliando um projeto de empoderamento feminino, em que ensinamos conteúdos por meio da fotografia, para que as alunas possam se enxergar e enxergar as outras colegas, percebendo que podem, sim, ocupar espaços nos quais normalmente não são estimuladas a estar. Chego em casa por volta das 11h45. Almoçamos, eu e meu colega que mora comigo, também professor.

tenho 35 anos, sou professora há 16 anos. ser professora foi o meu sonho desde quando brincava de escolinha com minhas bonecas. meu primeiro emprego remunerado foi como babá dos meus sobrinhos. depois, trabalhei em pré-escolas. engravidei aos 16 anos, mas não parei de estudar e me formei em pedagogia. Comecei a trabalhar na mesma escola em que estudei quando criança. Fiz pós-graduação em psicopedagogia e passei no concurso para trabalhar como docente em escolas públicas. engravidei e agora minha família tem o juan lucas, de 18 anos, e a livia maria, de 6 anos. de manhã, leciono na escola municipal jardim europa, no 3°ano (ciclo 1), e à tarde, no Colégio senhora de Fátima (rede particular), na turma do nível 2 (4 e 5 anos). meu dia de trabalho começa às 6h30. geralmente preciso estender roupas antes

de ir para o trabalho, coloco minha filha na cadeirinha do carro e a levo até a casa da minha mãe, em uns 15 minutos. A escola fica a um quilômetro de distância da casa da minha mãe. leciono das 7h30h às 11h30. dependendo do dia, tenho alguns acompanhamentos com a minha filha antes do almoço. Às segundas-feiras, ela faz fisioterapia miccional no hospital pequeno príncipe, pois nasceu com uma má-formação no aparelho urinário, que desencadeou diversos problemas de saúde e quatro cirurgias. Às terças, ela faz acompanhamento psicológico devido à utilização de um conduto para passagem de sonda. depois, almoçamos. há dois anos e meio preciso passar a sonda nela todos os dias. dou seus remédios antes de ir para escola. normalmente minha irmã nos leva à escola, que fica a umas cinco quadras da casa da minha mãe.

6h–12h30 6h30–13h10

12h30–17h50

13h10– madrugada

17h50–23h30

tiro um cochilo, pois o sono noturno é curto. Às 13h30, faço um café antes de retomar as atividades de escola ou as ações dos projetos dos quais faço parte: um cursinho pré-vestibular para alunos de escola pública que fundei com outras amigas ou o projeto de empoderamento feminino.

Às sextas-feiras, às 14h, saio para dar aula no cursinho. são 90 minutos, mas passam voando. Chego em casa em torno de 16h30, dá tempo para um lanchinho antes de mais um turno. em outros dias, quando não tenho projetos no período da tarde, aproveito para correr ou fazer outra atividade física.

na escola, levo a livia à sala dela e corro para a minha. As crianças já estão com a minha auxiliar. Às 17h50, pego a livia e vou novamente com minha irmã à casa da minha mãe. pego meu carro, passo na panificadora. Chego em casa por volta de 18h30. geralmente, meu marido está com o café da tarde à mesa. Conversamos. Quase sempre tenho alguma coisa da escola para fazer: corrigir, preparar atividades. A livia tem lição e preciso auxiliar na sua alfabetização. Faço muitas coisas ao mesmo tempo. Quando vejo, estou colocando roupas na máquina, digitando no computador, respondendo mensagens, arrumando o lanche para o dia seguinte e ficando doida. Antes de dormir, a livia faz fisioterapia em casa

e é a vez de o pai passar a sonda e dar os remédios. deito e leio, geralmente algo relacionado à educação. Quando percebo, já é madrugada. meu maior desafio é o tempo, curto demais para tantas tarefas, o que resulta em cansaço. outro desafio são as crianças com diversos problemas emocionais, familiares, clínicos, que não estão ao meu alcance resolver. isso me deixa indignada, me faz querer ser a melhor professora todos os dias. Continuo dando aulas porque não conheço nenhum trabalho que me encante, me ensine e recompense mais do que esse. lido com seres singulares e aprendo a conhecer, ensinar e amar cada um deles, com seus repertórios e histórias de vida.

saio e dou carona para os mesmos professores da manhã. Chego na escola às 18h15. também espero os alunos. de noite, os atrasos são maiores. A aula começa às 18h30. Cumprimento-os com um “boa noite” e pergunto se estão bem: “não, professor, estou cansado”. respondo: “bora ficar feliz estudando Química”. Alguns me perguntam como eu consigo sempre estar sorrindo. não é sempre que eu estou verdadeiramente animado e motivado, mas aprendi que

chegar com um sorriso em sala, para quem normalmente já foi muito maltratado fora dela, é um primeiro passo para que o dia ou a noite sejam melhores. saio, muitas vezes, exausto. o desgaste físico, mental e, às vezes espiritual, é grande. As aulas terminam às 22h30. Chego em casa às 22h50. janto, normalmente a comida requentada do almoço (cozinhar à noite significa menos tempo de sono). Quando não há pendências, deito às 23h30.

Bom dia, boa noite! Seres singularesLiciane Lourenço, curitiba (Pr)GuiLherme toyohara, camPo Grande (ms)

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1918

Uma das dificuldades que enfrentamos, na condição de professores nas escolas indígenas, é a falta de políticas públicas que possam abranger a qualificação do quadro de recursos humanos, prioritariamente nos setores de acompanhamento pedagógico, formação continuada para professores e de serviços auxiliares, no preparo da merenda e na limpeza

Após o jantar, fico na internet, pesquisando e preparando a aula do dia seguinte. Me sinto tão responsável pela qualidade da aula que vou mediar que algumas colegas dizem que sou ‘cê-dê-efe’ e ‘caxias’, mas na verdade gosto e me esforço para ser cada dia melhor

segunda-feira. Acordo mais cedo, afinal se inicia mais uma semana de aula na escola sertanista Francisco meireles. levanto, deixo meu filho mais novo, oypakoner, de 3 anos, dormindo em minha cama. Acordo os outros dois, a thayla, de 16 anos, para cuidar dele enquanto eu estiver na escola, e o nahm, de 13 anos, para alimentar os animais e soltar os cavalos no pasto. desço para a casa do meu sogro, que fica no centro da aldeia, onde todos chegam para tomar café. Converso com eles e já está na hora de me arrumar para mais um dia de aula. tomo meu banho, visto calça e camisa de mangas compridas, pois aqui na aldeia tem muitos mosquitos borrachudos, com o início das chuvas. saio de casa às 7h, não gasto mais que cinco minutos para chegar, a aula começa às 7h30. Chego antes, porque tenho que varrer as salas e o pátio, dar uma verificada na merenda para fazer, enquanto a turma vai chegando.sempre as primeiras a chegar são as alunas eline, de 8 anos, e nicole, de 10 anos. elas vêm ao meu encontro com um abraço e com um elogio: “você está

muito bonita hoje, professora!”. isso faz com que me sinta disposta a retribuir esse carinho com a melhor aula possível. logo chega o professor daniel. ele dá aula junto comigo, pois decidimos unir as turmas de 1o ao 5o ano para que os alunos tenham mais interação, sendo uma alternativa para suprir a falta de professores nas turmas dos anos iniciais do ensino fundamental. inicio a aula. enquanto vou à cozinha preparar a merenda, o professor daniel fica com a turma, mediando as atividades. Fico entre a cozinha e a sala até terminar de preparar o lanche. Às 9h30, as crianças saem para o recreio. enquanto elas lancham, eu e o professor daniel organizamos a cozinha, lavamos as panelas e pratos. voltamos à sala e continuamos até 11h30. Ao final da aula, eu, o professor daniel e os alunos arrumamos a sala, deixando tudo organizado para a turma da tarde. só então vamos embora. Chegando em casa, tenho de preparar o almoço. thayla cuidou do oypakoner e arrumou a casa. Almoçamos e já volto para escola.

o despertador toca. enquanto a água ferve, arrumo os lanches da manhã e da tarde, o almoço e minha maçã. Ao tomar meu cafezinho sagrado, olho a previsão do tempo no celular. tomo banho, me arrumo, chamo meu marido, que me leva para a primeira escola, que fica a 15 minutos de carro da minha casa. no caminho, conversamos sobre coisas corriqueiras. Chego ao Ceu emei Anton makarenko, no itaim paulista, zona leste de são paulo, por volta de 6h50. na sala, aguardo os 35 alunos entre 5 e 6 anos. Às 7h, eles chegam conversando, cantando. realizo

atividades, proponho projetos, utilizo espaços da escola, tudo isso observando e interagindo com as crianças. durante o lanche delas, tomo meu lanche da manhã, pensando na próxima atividade. Converso com colegas e lá se vão os 15 minutos. Às 11h, entrego a turma para minha parceira, sintetizando as ocorrências da manhã. na sala dos professores realizo 45 minutos de hora- -atividade, tempo em que reflito sobre a prática, planejo ações e organizo materiais para as próximas aulas. por volta de 11h45, saio e pego dois ônibus para ir ao Cei, também no itaim paulista.

Manhã 5h30–12h20

Tarde

12h20–19h

19h– hora de dormir

eu e o professor daniel preparamos a aula para o dia seguinte. discutimos o tema que trabalharemos na semana e as atividades a serem realizadas em sala e fora dela. também limpamos o refeitório e banheiros. os professores que lecionam para o segundo segmento do ensino fundamental chegam e aplicam suas aulas nos horários da tarde e da noite. eles também ajudam na organização e limpeza da escola. uma das dificuldades que enfrentamos, na condição de professores nas escolas indígenas, é a falta de políticas públicas

que possam abranger a qualificação do quadro de recursos humanos das secretarias estaduais e municipais, prioritariamente nos setores de acompanhamento pedagógico, formação continuada para professores e de serviços auxiliares, no preparo da merenda e na limpeza. no final da tarde, acompanho meu marido, naraymi, na floresta em busca de algum animal ou peixe para a família se alimentar. hoje ele pescou um “gopama”, peixe-elétrico. minha cunhada cozinhou-o com água e sal e comemos todos juntos.

esquento a marmita. nesse momento consigo dar uma olhada nas redes sociais e conversar com colegas. separo material para a aula da tarde. Às 13h, entro em sala com outra professora; são duas turmas numa mesma sala com 20 crianças de 2 a 3 anos. nesse horário, as crianças dormem e, enquanto velamos o sono delas, preencho o diário de classe, leio o caderno de bordo. Às 13h30, as despertamos para o café da tarde. dobramos os lençóis, organizamos os colchões, os acompanhamos ao banheiro, conversamos e cantamos. nesse momento, alguns se aconchegam no colo,

outros contam o que fizeram na manhã. no refeitório é servido o leite. A tarde segue com as atividades, brincadeiras, leitura de histórias, projetos e parque. por volta de 16h30, vamos para o jantar, momento em que revezo 15 minutos de café com minha parceira de sala. depois fazemos a higiene das crianças, trocamos a roupa e esperamos as famílias. Até 18h, todos já foram embora. Até às 19h, participo do momento de formação com a coordenadora pedagógica do Cei e o grupo de professoras. estudamos o tema do currículo integrador e trocamos experiências.

volto de carona com uma colega. A primeira coisa que faço em casa é “me jogar” no sofá. Fico de 10 a 15 minutos sem fazer nada. recomposta, vou conversar com meu filho de 18 anos e vamos jantar. meu marido, que trabalha com alimentação, faz a comida. Após o jantar, fico na internet, pesquisando e preparando a aula do dia seguinte.

me sinto tão responsável pela qualidade da aula que vou mediar que algumas colegas dizem que sou “cê-dê-efe” e “caxias”, mas na verdade gosto e me esforço para ser cada dia melhor. tomo banho, assisto a um pouco de tv. tenho a mania de contar quantas horas vou dormir e fico feliz quando esse tempo passa de seis horas.

Aldeia do conhecimento Dois turnos e um sofáLuana camPos Pedro de Lima, são PauLo (sP)eLisânGeLa deLL-armeLina suruí, cacoaL (ro)

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renata moura duarte, brasíLia (dF) maria José Gomes de souza, Ferreiros (Pe)

Mesmo em meio a ferros e concreto, uma centelha de mudança, ainda que tímida, começa a surgir. A esperança, principal sentimento da cadeia, passeia por esses obstáculos

Meu trabalho começa bem antes de entrar em sala de aula, quando planejo as atividades. Levo um bom tempo pesquisando como trabalhar o conteúdo para fazer meus alunos desenvolverem as competências e as habilidades de que necessitam. Penso em cada aluno, com suas potencialidades e dificuldades

preciso estar pronta. não é difícil escolher a roupa do dia. É sempre uma calça jeans, tênis, uma camiseta de cor sóbria e o colete preto – sem ele não posso passar dos altos portões. esse traje, de tecido leve, possui vários bolsos, nos quais carrego uma caneta, um apontador, um lápis, um pincel para quadro branco e algum item de higiene pessoal. levar livros e cadernos é autorizado, desde que não contenham arames ou algum apetrecho que possa ser utilizado com “segundas intenções”. para transportá-los, uma bolsa de material transparente. transparente também deve ser minha conduta por ali. Cerca de 24 km de carro me separam de casa até meu local de trabalho. É para este lugar afastado dos olhares e tão órfão de sentimentos, em meio a muros altos e arames farpados, que me dirijo todos os dias. muito prazer, sou professora de língua portuguesa e leciono em uma escola-prisão, atendo alunas encarceradas, dentro de celas de aula. me identifico na portaria. mesmo que eu seja conhecida pelos agentes, o procedimento de segurança é sempre realizado. sou recepcionada em uma grande construção, onde ficam as presas em regime semiaberto. Algumas são ex-alunas, outras trabalham no restaurante que atende os servidores (a comida das internas é fornecida por uma empresa) e as demais trabalham e voltam somente para

dormir. o núcleo de ensino é protegido por um pesado portão. para entrar é preciso, mais uma vez, que nos identifiquemos. entramos todos juntos, eu e meus colegas de biologia, matemática, inglês, Ciências, geografia, Artes. nesse momento tudo se transforma! É um festival de “oi, professora!”, “bom dia, professores! o que faremos hoje?”. somos a novidade, o elo com a vida aqui fora. trazemos notícias do tempo, do jornal, os acontecimentos da política, aquele conto de Clarice lispector que arranca lágrimas, as novidades da novela, a história antiga relacionada com a atualidade do país. A curiosidade aguçada, o desejo de aprender e o respeito pelos professores, comportamentos cada vez mais escassos nas escolas regulares, estão presentes no nosso cotidiano. Antes das aulas, trocamos de lugar. por vezes, sou a presa e elas caminham soltas pelo corredor, enquanto são direcionadas para as salas de aula. de dentro da sala dos professores, por trás das grades, as observo passar. na aula, sou a troca entre a afetividade e o diálogo imprescindíveis, como dizia nosso mestre maior, paulo Freire, para a aprendizagem significativa. nos instantes em que estamos juntas, dentro da cela/sala de aula, há confiança. mesmo em meio a ferros e concreto, uma centelha de mudança, ainda que tímida, surge. A esperança, principal sentimento da cadeia, passeia por esses obstáculos.

tenho 41 anos, sou professora há 16 anos. trabalho no Colégio municipal papa joão paulo ii, na turma do 1o ano do ensino fundamental 1. meu trabalho começa bem antes de entrar em sala de aula, quando planejo as atividades. levo um bom tempo pesquisando como trabalhar o conteúdo para fazer meus alunos desenvolverem as competências e as habilidades de que necessitam. penso em cada aluno, com suas potencialidades e dificuldades. Às 6h, toca o despertador. meu esposo levanta e coloca a água do café para esquentar, enquanto faço a leitura da liturgia. tomo banho, sigo para a cozinha, colocamos a mesa. tomo café rápido. na garagem, meu esposo me espera para me levar para a escola de moto. são uns dez minutos até lá. no caminho, já encontro algumas mães e alunos, alguns gritam: “tia!”. eu aceno. na rua seguinte, um pit-stop obrigatório: a casa da minha mãe. Falo com ela rapidamente, entro na casa do meu irmão, que fica ao

lado. ele acabou de ser pai de gêmeos, dou uma olhadinha nos bebês e saio. já são 7h20 e não gosto de chegar atrasada. Acelera! Fico na porta da sala. toca a sineta, 7h30, os alunos começam a entrar, cheios de alegria. iniciamos a nossa viagem no caminho da alfabetização. primeira parada, falar com deus na oração; em seguida, a leitura do dia, a correção da tarefa de casa, e chegamos ao ponto em que me preparei anteriormente. percebo como ensinar é gratificante. olhar o caderno do aluno e ver sua aprendizagem. eu vejo isso como algo extraordinário. imagine um monte de letras diante de uma criança e, depois de um tempo, ela começa a identificar, escrever, reconhecer o som. nem sempre tudo acontece como o planejado. existem os desgastes diários. mas, diante de tudo, não posso desistir de fazer cada vez melhor o meu trabalho. Como passa rápido! livro de ponto, caderneta entregue na secretaria, hora de voltar para casa.

Antes de 7h às 17h 6h–11h30

17h em diante...

11h30–17h

17h–dia seguinte

refaço aqueles quilômetros que agora parecem mais longos. o esforço do dia e a intensidade do ambiente pesam. em casa, antes de qualquer atividade com a família, preciso de um bom banho. refaço minhas

energias, ficando um pouco em silêncio, sozinha ou dando uma volta acompanhada de um labrador. este é o momento de curtir a valiosa sensação de liberdade.

meu esposo e eu vamos para casa. Almoçamos. Às 12h50, ele sai para o trabalho e continuo meus afazeres domésticos. Ao terminar, um descanso. despertador para 14h20, hora de cuidar

do trabalho do dia seguinte. pensar, ler, pesquisar e planejar novamente. minha preocupação é como atender a todos com equidade; tendo em vista que são mentes, reações e histórias de vida diferentes.

Caminho para casa da minha mãe, com minha irmã e meus sobrinhos. Conversamos, fico com os bebês do meu irmão. Quando percebo, são 18h30, tenho de voltar e preparar o jantar. meu esposo chega às 19h05. gosto de deixar tudo pronto. Às 19h30 jantamos. enquanto arrumo a cozinha, conversamos. Às 20h, assistimos

à tv. Às 21h, banho e logo após, nos recolhemos, oramos, um momento de paz.Amanhece, enquanto tomo meu banho, penso que o que mais me causa angústia é perceber o quanto precisamos melhorar para alcançarmos uma aprendizagem de qualidade. Ao mesmo tempo, isso me motiva a querer ensinar sempre mais e melhor.

Na cela de aula Profissão de fé

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Educador nota 10

AmestresPergunte

aos lgum aluno te marcou de maneira especial? E um pro-fessor? Como você era em seu primeiro dia em sala de aula? Como acha que estará daqui a dez anos? Essas e outras perguntas foram feitas aos vencedores do Prêmio Educador Nota 10, iniciativa que reconhece práticas inspiradoras de docentes, coordenadores pedagógicos e gestores de esco-las públicas e particulares de educação básica.

O Prêmio é uma iniciativa da Globo, da Abril e de suas fundações Roberto Marinho e Victor Civita, e já reconheceu 231 professores e diretores escolares de todo o país e distribuiu premiações que, juntas, superam a marca de R$ 2,6 milhões. A edição de 2018 recebeu 4.100 inscrições de projetos pelo país. A seguir, uma compilação das respostas dos vencedores desta edição do prêmio.

Vencedores da edição 2018 do Prêmio Educador Nota 10 contam momentos marcantes de suas carreiras e o que os colocou entre os melhores educadores do país

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como você era no seu primeiro dia de aula e como imagina que será daqui a dez anos?Não foi o dia mais fácil. Primeiro porque não queria ser professora, escolhi o curso de Letras por gostar das disciplinas, mas não via uma estreita relação entre a teoria e a prática. Temia o enfrentamento na sala de aula, o desafio de trabalhar com adolescentes. A inexperiência me impedia de preencher as lacunas que ligam o saber e o ensinar. O tempo me mostrou que a maior lição de quem ensina é aprender sempre. Daqui a dez anos, espero estar com uma rica bagagem, uma professora que não se cansa de aprender para, assim, não perder o vigor da sala de aula; levar a cada aluno que por minhas mãos passou a necessidade e a curiosidade de quem se dispõe a querer, a ser e a se tornar uma pessoa melhor. Como diria Guimarães Rosa:

“Viver é perigoso, porque aprender a viver é que é o viver mesmo”. E eu aprendo todos os dias!

Existem alunos que não aprendem?Os alunos não aprendem aquilo que não lhes interessa. Saber dosar a necessidade e a importância prática torna a aprendizagem um processo que leva ao sucesso. Cada um aprende a seu modo e no tempo que lhe é necessário. Infelizmente, às vezes, queremos trabalhar partindo apenas daquilo que gostaríamos que o outro aprendesse.

Educador nota 10

Ana Claudia Santos

Ana Paula Mello

Língua portuguEsa Ensino médio EE padrE pauLo santo antônio do montE (mg)

gEografia fundamEntaL 2 Em LEvi carnEiro nitErói (rJ)

Qual o aspecto que mais está faltando para o professor ser valorizado hoje no Brasil?Respeito. O magistério precisa ser visto pela sociedade como profissão, e não como sacerdócio.

como outros serviços públicos poderiam ajudar a escola a ser mais significativa?Para a garantia de uma educação pública de qualidade, precisamos entender a necessidade de aproximar a escola dos serviços de saúde, transportes e culturais, todos em prol dessa escola. Na nossa cidade, por exemplo, temos diversos museus e centros culturais que atendem a escola pública; no entanto, não temos transportes para levar os alunos. Considerando que, na maior parte das vezes, o trabalho de campo que realizo com meus alunos é o único passeio a instituições culturais oficiais, eu opto por levá-los mesmo sem ter transporte gratuito. Em muitos casos, o aluno precisa pagar a sua passagem para ter acesso a um direito.

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Cristiane Dias

Elenir Novaes

Língua EstrangEira fundamEntaL 2 EEB maria José HuLsE pEixoto criciúma (sc)

matEmática fundamEntaL 1 Em campos do amaraL são sEBastião do paraíso (mg)

Educador nota 10

teve algum aluno que te marcou?Um aluno me marcou por ter sido um desafio na carreira. Ele chegou na sala, não lia nem escrevia, apesar de estar no segundo ano do ensino fundamental. Não conseguia estabelecer vínculo com a turma, apresentava um comportamento inapropriado, chegava a assustar os colegas. Certo dia, numa aula, usei gibis para a roda de leitura, o que provocou interesse dele instantaneamente. Por meio dos gibis foi alfabetizado, sentiu-se bem consigo mesmo, aprendeu a conviver em grupo, respeitando e sendo respeitado. Sua mudança foi visível para toda a comunidade escolar e para os familiares.

Existem alunos que não aprendem?Todos têm condições de aprender algo, o que diferencia é o tempo para que essa aprendizagem ocorra. O que precisa ser refletido é que cada aluno tem uma forma única de compreender o conteúdo. Precisamos, como professores, encontrar uma estratégia também única de chegar até ele.

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Qual a sua melhor conquista como professora dentro da escola?Dar 45 minutos de aula falando apenas em Inglês, disciplina que leciono. E o que foi ainda melhor: os próprios alunos me pediram. Isto é normal acontecer em escolas particulares, mas muito, muito difícil acontecer em escolas públicas, pois os alunos são resistentes ao que lhes é estranho. Leciono Inglês em escola pública faz 15 anos e, por muitas vezes, ouvi alunos me perguntarem:

“Por que temos que estudar inglês, se estamos no Brasil?”. Também considero o Prêmio Educador Nota 10 como uma grande conquista, que vem reconhecer meu trabalho como educadora.

teve algum aluno que te marcou?Lembro de um aluno que quis participar de um concurso nacional de redação. Até sua redação ficar boa, pedi que ele a reescrevesse três vezes. Seu texto foi selecionado entre outros 21. Fomos a São Paulo e ele viajou pela primeira vez de avião. Ele havia me dito que seu sonho era ser piloto de avião. Passamos por uma turbulência muito forte, que deixou todos muito assustados. Quando desembarcamos, perguntei: “Depois dessa, você ainda quer ser piloto de avião?”. Ele me respondeu: “Agora mais do que nunca”. Ele não se tornou piloto de avião, mas me deixou uma grande lição. Embora eu passe por turbulências em sala de aula, quero continuar a ser professora e vou responder o mesmo que meu aluno: agora mais do que nunca.

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vEncEdora da votação

popuLar “EstE proJEto é 10”

Educador do ano

Houve algum professor que te marcou?Sim. Sérgio Gracia. Professor da disciplina de estrutura da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul [UEMS]. Marcou a minha vida pela sua postura ética, companheirismo e profissionalismo. Dizia sempre: “Não tenham medo de errar. Errem. Cometam novos erros, mas não cometam os velhos erros que cometeram com vocês”.

como você era no seu primeiro dia de aula e como imagina que será daqui a dez anos?Cheia de entusiasmo, querendo mudar o mundo. Hoje tenho 32 anos de profissão. Amo o que faço. Procuro manter o entusiasmo e acredito que educação é o melhor instrumento para transformação da sociedade. Daqui a dez anos estarei aposentada e espero que os professores continuem acreditando na escola pública e no ensino de qualidade, sendo valorizados com melhores salários e condições dignas de trabalho, segurança e respeito.

Ivonete DezinhomatEmática fundamEntaL 2 EmEf profEssor miLton dias porto naviraí (ms)

História fundamEntaL 2 Em áttiLa nunEs rio dE JanEiro (rJ)

Educador nota 10

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o que você mais almeja com a profissão?Me manter feliz com o magistério, ser reconhecido em minha área. Também ser valorizado pelo poder público e, principalmente, ser lembrado pelos meus alunos, marcando-os. Que eu possa contribuir para que a próxima geração seja melhor do que a minha.

como outros serviços públicos poderiam ajudar a escola a ser mais significativa?Como espaço de integração e de construção de conhecimento, a escola precisa capitanear e liderar processos integrados, com palestras ligadas à saúde, com falas sobre prevenção de doenças, com seminários que debatam drogas e violência. A parceria com secretarias de Saúde, de Assistência Social, entre outras, é mais que bem-vinda, trazendo um know-how às falas e, novamente, permitindo uma escola significativa.

José Couto Júnior

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teve algum aluno que te marcou?O Pedro, um estudante que estava no sétimo ano e usava fralda. Nas minhas aulas ele era genial e amava estar ao meu lado, parecia que meu corpo potencializava vida para ele naquele espaço. O garoto não saía do meu lado e me agradecia sempre que podia. Sempre que eu parava para montar a aula, pensava nele e na possibilidade de explorar suas condições. Tenho muita saudade dele.

Qual a importância de os professores trabalharem coletivamente?Fazer com que os estudantes percebam as conexões dos diferentes componentes. Além disso, o trabalho coletivo precisa ser também com os estudantes e as famílias. Quando todos se sentem pertencentes no processo, com suas vozes valorizadas, a vida na escola fica mais potente.

Marcos Ribeiro

Educação física fundamEntaL 2 EJa, ciEJa campo Limpo são pauLo (sp)

Língua portuguEsa aLfaBEtização – fundamEntaL 1 EmEif Jupariquara BarcarEna (pa)

Educador nota 10

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Marinaldo Sarmento

Qual a importância de os professores trabalharem coletivamente?As decisões coletivas sobre as propostas pedagógicas no âmbito escolar são de extrema importância para que os objetivos planejados possam se concretizar quase que na sua totalidade. Evitam a repetição de rotinas que muitas vezes deixam a aula enfadonha e sem interesse, levando o educando a sentir-se desestimulado.

como outros serviços públicos poderiam ajudar a escola a ser mais significativa?Tendo participação ativa nas ações propostas pelas instituições de ensino, colaborando com os conhecimentos e experiências vividas nesses serviços públicos, contribuindo assim para a formação de significados de forma crítica e criativa, para formar cidadãos mais atuantes.

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Qual a sua melhor conquista como professor dentro da escola?Cada processo, cada progresso, cada resposta positiva ou transformação, cada olho brilhante e sobressalto tem o seu valor. Não tem maior, não tem melhor. Ser professor é conquista diária.

teve algum aluno te marcou?Uma aluna transgênero. Ela me fez relembrar um passado em que eu era a vítima. Ela olhou diretamente em meus olhos e pude ver mais do que talvez gostaria de ver sobre o mundo... sobre as pessoas... sobre a sociedade. Ela acendeu em mim o desejo de lutar com mais força contra uma sociedade opressora e preconceituosa, para que no futuro não tenhamos mais olhos com tanta dor, com tanto descaso e desrespeito à vida e à humanidade.

Mauro Rosa

artE fundamEntaL 2 EJa, EmEB isidoro Battistin são BErnardo do campo (sp)

artE fundamEntaL 2 EmEf prEfEito dário crEpaLdi morro grandE (sc)

Educador nota 10

Mikael Miziescki

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Existem alunos que não aprendem?Todos aprendem. Nós, professores, precisamos valorizar as particularidades de cada um e apresentar inúmeras possibilidades de os alunos experienciarem os conteúdos, as atividades e se disporem a enfrentar qualquer dificuldade. Nenhum aluno pode ficar para trás, nenhum! Nunca desisti de um aluno, até mesmo daqueles que me proporcionaram situações problemáticas ou de indisciplina. Meus alunos não são máquinas, são pessoas. Eu não tenho o direito de mecanizar minha disciplina, preciso torná-la humana. Há outras questões muito mais relevantes do que notas numéricas.

como outros serviços públicos poderiam ajudar a escola a ser mais significativa?Entendendo que educação é investimento, e não gasto.

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paulo jubilut é professor de Biologia e criador da plataforma Biologia Total.

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entrevista

aula online AdversidAde nA cArreirA

proporcionou A professor

A oporTunidAde de descoBrir que

poderiA AlcAnçAr muiTo mAis genTe

dAndo AulAs viA inTerneTU Hoje, sua plataforma Biologia Total contabiliza

em torno de 6 milhões mensais de acessos via redes sociais, mais outros 2,5 milhões mensais no YouTube. E, apesar de não pensar em voltar à sala de aula tradicional, Jubilut continua co-nectado à realidade do professor brasileiro, sem o qual não vê saídas para a educação.

Você sente falta do contato pessoal com os alunos, daquela coisa do dia a dia?Esse contato é como um casamento. Tem dia que você está mal-humorado, tem dia que algum aluno está com um problema e talvez seja ríspi-do com você. Então, dessa relação diária na escola, eu não sinto falta. É muito desgastante e está cada vez pior, a gente vê os professores re-clamando de indisciplina, falta de respeito, agres-sões. Agora, do contato sinto falta. Mas, pela minha visibilidade, recebo muitos convites para ir a escolas, para conversar com os professores. É outra relação. Vou lá, passo um exemplo, a gente fica só no namoro, na melhor parte do relacionamento. E recebo muito feedback dos alunos, da sua realidade, do que estão passando.

Só depois que comecei a viajar pelo Brasil é que entendi como a educação funciona, o quanto é problemática. Enquanto eu trabalhava em es-colas elitizadas, não tinha noção dos problemas que a gente tem. Isso me deu grande bagagem. Como vou muito a palestras e eventos, é uma forma de suprir essa necessidade de contato. Sou muito mais feliz no mundo físico do que no virtual, em função das interações olho no olho.

com paulo jubilut

Uma desavença em sala de aula, de certo modo, resultou em um dos grandes sucessos da educação online. Uma aluna, de uma família de classe alta em Curitiba, teve uma áspera discussão com seu professor de Biologia, insultan-do-o e ouvindo de volta comentários pouco abonadores sobre suas recorrentes desavenças com professores, pon-tuadas por ameaças.

O conflito causou a demissão de Paulo Jubilut, o professor de Biologia em questão, então com 31 anos, 11 deles como docente. Em pleno mês de outubro, enquanto não arru-mava outra atividade, ele pensava mudar de profissão: resolveu deixar suas aulas registradas em vídeo no YouTu-be. “Seria o meu legado à humanidade”, relembra ele.

O legado começou a tomar um tom mais presente à medida que os vídeos foram sendo bem avaliados por alunos e pro-fessores de ensino médio. Eles começaram a se correspon-der com Jubilut, agradecendo a ajuda que os vídeos haviam proporcionado na compreensão de questões sobre biologia.

Tal retorno animou o professor, que resolveu viver disso. Em 2013, ele colocou no ar uma plataforma, seguindo a lógica de muitos negócios de internet: assinatura barata, acesso livre a alguns conteúdos e pago para aqueles mais elaborados e exclusivos.

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oOutra coisa é que o ensino médio, por exemplo, tem uma grade curricular tão extensa que você passa meio batido por quase tudo. Isso me incomodava muito, pois tinha muito mais para falar. Quando fui para a internet, tive a liberdade de dar as aulas que sempre quis, no tempo que eu quero. E, a partir do feedback dos alunos, fui fazendo adaptações. Quando você grava um vídeo para tanta gen-te, vê que uma piada que antes você fazia em classe e dava certo agora ofende uma pessoa. Só tive essa percepção ao ficar mais exposto. Se você fala algo idiota e não é ques-tionado, não para e pensa naquilo. Assim, fui evoluindo a linguagem da videoaula até chegar ao que é hoje, com computação gráfica, aulas gravadas na África para falar de relações ecológicas, na Malásia para gravar branqueamen-to de corais.

E como surgiu a plataforma? Com o projeto do YouTube, montei um curso online, por-que queria oferecer mais do que as videoaulas. Em 2013, criei uma plataforma, um sistema por assinatura, com preços populares, para viabilizar o projeto e permitir que eu fizesse as coisas que tinha vontade de fazer. Hoje, 30 pessoas trabalham aqui, e montamos um estúdio de pri-meiro mundo. Trouxe um quadro digital da Coreia do Sul que conecta com o celular do aluno. No nosso estúdio, montamos uma sala para receber os estudantes. Eu posso dar um exercício e colocar no quadro, eles resolvem no celular e na hora tenho as respostas e consigo ver as difi-culdades deles. Posso falar no que eles erraram, os motivos etc. Com isso, você torna o aprendizado muito mais pode-roso. Queria mostrar que é possível trabalhar com celular em sala de aula desde que seja algo motivante para o aluno.

Você sonhava em montar a empresa?Eu não tinha ideia de montar a empresa, as coisas foram acontecendo. Também não tinha ideia de que iria me tor-nar um professor virtual. Fui botando aula na internet, o negócio foi crescendo. De repente, precisava de alguém para responder às mensagens. Assim começou a empresa, porque para contratar precisava ter CNPJ. E foi indo. Aí precisava de apostila para os alunos. Contrata um designer! De repente, são 30 pessoas.

Qual o perfil predominante das pessoas que acessam a sua plataforma?Setenta por cento do nosso público é de mulhe-res dos 18 aos 24 anos. Uma hipótese: como ainda vivemos numa sociedade machista, as mulheres têm um acúmulo de atividades muito grande, e o ensino a distância se encaixa na ro-tina delas. Pois trabalham, têm de cuidar do filho, deixar tudo em ordem, vão ter um tempo para estudar ali pelas 22h, 23h. Nossos picos de aces-so ocorrem nesse horário, de 22h até 0h. Isso mostra que são pessoas que estão trabalhando, que têm o turno da noite ainda cheio e só arru-mam tempo para estudar no final da noite. E são principalmente mulheres que fazem isso. Nessa faixa etária muitas já são mães, às vezes têm de cuidar do filho quando ele chega da creche. É uma realidade muito comum no país.

E vocês atingem também os alunos mais novos, dos ensinos médio e fundamental 2?Geralmente, eles começam a nos acessar quan-do estão com 14, 15 anos. O primeiro contato é pela rede social, a maior parte fica só aí. A maior parte do conteúdo que produzimos é gratuita. Mas, quando eles entram no ensino médio, têm provas e começam a entrar nesse mundo das videoaulas. A vantagem do vídeo online é que ele é uma atitude ativa, a pessoa te procura por uma razão. Por uma prova, um concurso. O que nem sempre acontece na es-cola, muitas vezes o cara está às 7h e nem sabe o que está fazendo ali.

Critico muito o horário escolar, pois o adoles-cente tem necessidade de dormir mais, pelo menos nove horas, e tem também dificuldade de cuidar do sono, dorme mais tarde. Como esse cara vai aprender com sono? Outro dia vi uma escola, se não me engano na Coreia do Sul, que às 8 da manhã eles param uma hora para o aluno descansar. Fizeram um teste e viram que o aprendizado melhorou muito por causa des-se intervalo. Ainda estamos num esquema de Revolução Industrial, de botar os filhos na escola cedo para ir trabalhar, sem pensar na realidade do estudante. O sono é importante, porque é na hora que você está dormindo que guarda as informações. Se tem privação de sono,

A falta de apoio institucional ao profes-sor é um dos grandes problemas em relação à valorização da carreira? Com certeza. Fala-se muito da reforma do ensino médio, que irá mudar, tirar disciplinas, ter ensino integral, mas vejo pouca gente fa-lando sobre a formação do professor. Como posso estudar para dar uma boa aula, preparar uma atividade diferenciada, se trabalho 40, 50 horas por semana? E, provavelmente, no final de semana vou ficar corrigindo prova. O pro-fessor não tem tempo de estudar, de se espe-cializar, e acaba marginalizado em termos intelectuais. Fica com aquele esqueleto de aula, sem profundidade. Claro que há exceções. Mas não é só aumentar salário, porque aí ele vai continuar dando 50 aulas por semana, só que ganhando mais. É preciso prepará-lo melhor. A sociedade mudou drasticamente nos últimos dez anos, principalmente por causa das tec-nologias, só que os professores não acompa-nharam essa mudança. Hoje temos professores analógicos e alunos digitais. O professor tem a sensação de que não consegue mais se co-municar com o estudante. Os líderes que pen-sam a educação hoje no Brasil são pessoas do século 20 que fazem a educação para pessoas do século 21. A nova geração não sabe o que é não ter internet. E temos dificuldade de nos colocar no lugar deles para entender como ter um espaço de aula mais produtivo. A base para transformar isso é a formação do professor.

Quando você começou a gravar suas aulas, elas eram muito diferentes daque-las que você dava ao vivo? Quando comecei, queria que parecesse algo mais informal, um bate-papo, como se fosse uma aula particular. Nunca usei giz, quadro, para romper com aquela coisa de escola prussiana. Era eu sentado olhando para a câmera do laptop. Mas, quando eu ainda estava na escola, já fazia algu-mas coisas pela internet. Usava a Tweet Cam, que era uma forma de fazer transmissão ao vivo para os meus alunos. Por exemplo, quando havia uma prova, eu entrava no dia anterior e dava uma aula de revisão pela internet. Na escola, muitos professores criticaram isso. Houve resis-tência pela inovação que eu estava trazendo.

entrevista

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que diz que a internet possibilitou que uma pessoa pobre da Zâmbia tivesse acesso ao mes-mo número de informações que o Barack Oba-ma. O problema é que ele não sabe procurar. E isso é função da escola, ensinar esse cara a apren-der. Como você vai ensinar o cara a aprender se você proíbe a tecnologia dentro da sala de aula? Acho que a escola tem de ser mais parceira, e não simplesmente proibir.

As ferramentas disponíveis são boas? O que você prevê de novo em termos de recursos para os próximos tempos? A verdade é que a maior parte das salas de aula mal tem cadeira para os alunos. Fui ao Oiapoque agora, visitei uma escola indígena e não havia cadeira para os alunos. Quando a gente fala de tecnologia, é uma coisa muito elitizada, para poucos ainda. Mas sabemos que vai caminhar para isso. Então temos realidade aumentada, realidade virtual, a própria linguagem de vídeo permite fazer coisas que não conseguimos fazer fisicamente. Não consigo levar 50 estudantes para a África para estudar Biologia. Mas posso ir à África e fazer um vídeo maravilhoso que vai ser consumido por milhares de estudantes. Nossas aulas hoje usam computação gráfica, tudo o que tem movimento eu animo. Fica me-nos abstrato para o estudante, ele consegue visualizar aquele processo, às vezes um proces-so que ocorre dentro de uma célula, algo sobre o que ele não tem imagem do que seja no cére-bro dele. Vejo uma tendência rumo ao ensino híbrido, a sala de aula invertida, ou seja, vamos usar o espaço de aulas para atividades, discus-sões, interações sociais, deixando a parte ex-positiva para assistir em vídeo em casa. Os alunos aprendem fazendo. A educação maker é uma tendência, incorporando os professores de Física, Química, História. Agora, antes de tudo isso – óculos 3D, impressão 3D etc. –, te-mos de entender que nossos professores têm uma péssima formação. É preciso investir na formação deles e criar uma estrutura mínima para o ensino público brasileiro, para que os estudantes possam ter um espaço de interação decente. Antes de tentar botar o Robocop den-tro das salas de aula, soltando raios, temos de fazer o feijão com arroz bem temperado.

críticas e pensei: “Eu tenho a obrigação de falar sobre isso”. Quando você pega uma fake news de ciência, ela é muito bem escrita. Mesmo quem conhece bem o assunto olha e começa a achar que a argumentação faz sentido. Então é preciso fazer algo que chame atenção, que seja bem-feito, bem gravado, bem escrito, para dizer que certas coisas não são verdadeiras. Este ano mesmo fiz vários vídeos no meu canal falando sobre vacinação, os movimentos antivacina. Eu explico de onde vem esse mito, por que as pessoas acham que vão ter problemas. Tento combater a anticiência. Isso está cada vez mais forte, a internet faz coisas para o bem, mas também para o mal. Em relação a essas histórias, elas estão no imaginário popular há muito tempo. A internet permitiu que elas ganhassem escala. Tem um professor de uma universidade, por exemplo, que insiste em dizer que o aquecimento global não existe. Vi que era preciso sair um pouco do universo do ensino médio e expandir para o dia a dia. Houve um tempo em que ficava incomodado com as falas de que a biologia não serve para nada. Resolvi pegar as coisas do dia a dia para falar sobre biologia. Por exemplo, tem razões políticas, econômicas, um monte de coisas que explicam por que o sarampo chegou ao Brasil. Crises na Venezuela, falta de cobertura vacinal na região norte do Brasil, então você consegue uma visão mais global e mostra o motivo de isso tudo estar acontecendo. É o que as pessoas querem, entender os acontecimentos de forma organizada.

Voltando aos celulares: você defende o uso, mas ele não tem causado desconcentração nos alunos, atrapalhando as aulas?Pois é, a França agora proibiu. Acho que proibir é pior. O argumento de tirar a tecnologia da sala de aula para dar um tempo para o estudante não consumir enquanto estiver na escola é válido. O problema é perguntar se eles querem isso. Não dar voz a essas pessoas é problemático. As pessoas que fazem a educação não dialogam com eles, não perguntam “vocês não acham que estão usando demais o celular?”, não buscam um consenso. A proibição, para o jovem, às vezes incentiva mais o uso do que se abrisse um debate sobre isso. Acho totalmente possível conscientizá-los. E há muita coi-sa legal que se pode fazer. Hoje tem uma frase muito batida

como é que você vai ter aprendizagem? Quan-do o cara vem procurar o vídeo, ele já dormiu, comeu, está motivado por alguma razão, aber-to a receber aquela informação. Quando dou palestras, os professores dizem que depois de dez minutos de aula os alunos começam a olhar o celular. Aí eles dizem: “Ah, mas no meu tem-po, não era assim”. E eu pergunto: “Você mor-reu? Se não morreu, teu tempo é agora”. O que acontece é que o cara continua usando trans-parência, dando a mesma aula de 20 anos atrás. E os alunos mudaram totalmente. Eles têm muito mais autonomia para buscar informação. Por que a escola não trabalha em cima da curio-sidade deles?

Como é a recepção das aulas entre os professores de Biologia? Tem interação com eles?Um terço dos nossos assinantes é de professores de Biologia. Eles assistem para ver as estratégicas didáticas que eu usei e as utilizam nas próprias aulas. Ou seja, o site é um apoio para preparar as aulas. Indiretamente, então, trabalhamos com formação de professor por meio da plataforma online. A viagem à África foi justamente isso. Tinha visto umas fotos de leões com zebra mor-ta e pensava: “Poxa, não seria legal dar essa aula lá, tendo como pano de fundo o leão, a zebra”. Para minha sorte, conseguimos gravar um leão que matou a zebra. Acharam a aula maravilhosa. Eles têm sede de conhecimento. É só a forma como se embala esse conhecimento que está errada, e é isso que tem de ser discutido.

Ao mesmo tempo, há em todo o mundo hoje uma onda de negação da ciência e dos conhecimentos, com propagação de ideias contrárias à existência do aqueci-mento global ou contra as vacinas. Como você tem lidado com isso?A superexposição faz mal. Você começa a ser atacado, começam a te xingar. E tivemos reações muito agressivas, eu não entendia muito os motivos. Então, lá por 2015, para não ser agre-dido, eu não tocava nesses assuntos. Ficava naquele “isentão”, em cima do muro, para não apanhar. Até que chegou uma época em que comecei a ficar mais cascudo com relação às

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O que aprOxima e distancia O prOfessOr brasileirO de seus pares em OutrOs países

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docentes pelo mundo

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(educação primária)

Alunos/sala

21 (média) 24/18 (púb./priv.)

Salário inicial anual

13,9 mil dólares (estatutários)

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Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

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(educação primária)

alunos/sala

21 (média) 21/21 (púb./priv.)

Salário inicial anual

32,8 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

779 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

81%

(educação primária)

Alunos/sala

22 (média) 24/20 (púb./priv.)

Salário inicial anual

19,8 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

800 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

42

Mulheres professoras

68%

(educação primária)

Alunos/sala

25 (média) 23/27 (púb./priv.)

Salário inicial anual

30,3 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

671 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

78%

(educação primária)

alunos/sala

30 (média) 28/32 (púb./priv.)

Salário inicial anual

23,4 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

1.064 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

81%

(educação primária)

alunos/sala

19 (média) 20/18 (púb./priv.)

Salário inicial anual

33,4 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

673 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

79%

(educação primária)

Alunos/sala

24 (média) 23/25 (púb./priv.)

Salário inicial anual

41,8 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

865 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

40

Mulheres professoras

não disponível

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(educação primária)

alunos/sala

19,5 (média) 21/18 (púb./priv.)

Salário inicial anual

39,1 mil dólares (estatutários)

Jornada anual

1.004 horas trabalhadas

Semanas/ano trabalhadas

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Mulheres professoras

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fOnte: educatiOn at a glance 2018, indicadOres publicadOs pela OrganizaçãO

para a cOOperaçãO e desenvOlvimentO ecOnômicO (Ocde)

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valorização

Incentivo à experiência docente desde os primeiros anos dos cursos de licenciatura, aproxi-mação entre teoria e prática e reconhecimento dos trabalhos de excelência são os princípios que movem alguns dos mais importantes programas e prêmios voltados para estudantes e professores da educação pública no Brasil.

O contato com a sala de aula e o “chão da escola” pode ter início já nos primeiros semestres da vida universitária. Essa vivência ajudará não só no exercício da profissão, mas também na consistência dos conhecimentos adquiridos, mais embasados no confronto com a realidade.

Veja, a seguir, alguns dos principais programas e prêmios, em âmbito nacional e internacional, disponíveis para professores e estudantes.

Pibid

Programa de residência Pedagógica

rede conectando saberes

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Ação da Política Nacional de Formação de Professores, instituída em 2017, com primeira chamada das instituições selecionadas em agosto de 2018. Como o Pibid, está vinculado à Capes e visa a dar experiência de sala de aula para os universitários, só que nesse caso para aqueles que estão na metade final de suas licenciaturas.

Com acompanhamento de um professor da escola em sua área de ensino e sob coordenação de um professor da universidade, o estudante deve fazer uma imersão no universo escolar, com foco principal em regência de sala de aula e intervenção pedagógica. As bolsas variam de R$ 400 a R$ 1.500. http://bit.ly/2JkozE0

Iniciativa da Fundação Lemann, congrega mais de 200 educadores de excelência de todo o país. Nela, os participantes contam com oportunidades para trocar experiências, participar de formações e apoiarem-se mutuamente no intuito de promover maior qualidade e equidade na educação nacional. http://bit.ly/2SqMLc8

GLobaL TEachEr PrizE Promovido pela Varkey Foundation desde 2014, foi concebido para valorizar o educador. Um júri escolhe um professor que tenha empreendido ações de transformação na escola, com os alunos ou na comunidade. O vencedor recebe US$ 1 milhão. www.globalteacherprize.org

PrêMio Educador NoTa 10 Uma iniciativa da Abril e da Globo, realizada por suas fundações Victor Civita e Roberto Marinho, a cada ano reconhece práticas inspiradoras de professores, coordenadores pedagógicos e gestores de escolas públicas e particulares de educação básica. Em 2018, associou-se ao Global Teacher Prize. www.educadornota10.org.br

ProfESSorES do braSiL Acontece nos âmbitos regional, estadual e nacional, com certificações, premiações em dinheiro e viagens. É organizado pelo MEC e parceiros para reconhecimento do trabalho de docentes de escolas públicas. http://premioprofessoresdobrasil.mec.gov.br/

ESPíriTo PúbLico O prêmio conferido pelo Instituto República e pela Agenda Brasil do Futuro reconhece o trabalho de profissionais da área pública que tem impacto positivo em educação, meio ambiente, segurança e gestão/finanças públicas. Cada finalista (um por setor) recebe R$ 50 mil e uma viagem a Londres para conhecer o serviço público britânico. http://premioespiritopublico.org.br/sobre/

ProfESSor rubENS MuriLLo MarquES A cada ano, a Fundação Carlos Chagas premia com R$ 20 mil três formadores dos cursos de licenciatura que têm práticas e experiências inspiradoras. https://www.fcc.org.br/fcc/premios/premio-rubens-murillo-marques/

uNESco A entidade confere prêmios a ações de educação nas categorias: alfabetização, desenvolvimento sustentável, educação para o gênero feminino, eficácia pedagógica dos professores e tecnologia da informação e comunicação. Variam de US$ 40 mil a US$ 300 mil. https://en.unesco.org/prizes

Criado em 2002, deu origem à Olimpíada de Língua Portuguesa, política pública adotada pelo MEC. Envolve formação docente presencial e a distância, trabalho textual com alunos e premiações para as melhores redações de estudantes do 5o ano do fundamental ao 3o ano do ensino médio. Iniciativa do Itaú Social com coordenação técnica do Cenpec, visa ao ensino da leitura e da escrita, além da troca de experiências e acesso a materiais formativos em uma plataforma virtual. Tem apoio de instituições como Consed, Undime e Canal Futura. http://bit.ly/2ycEolg

Programa escrevendo o Futuro

Uma das políticas mais bem-sucedidas de apoio à carreira do professor, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), da Capes, concede bolsas para alunos de cursos presenciais dos primeiros anos de faculdade. Os estágios são em escolas públicas, com prioridade para escolas com notas abaixo de 4,4 no Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb).

Visa à aproximação entre teoria e prática e entre universidades e escolas públicas, com incentivo à experimentação. Prioriza disciplinas em que há carência de docentes, como Matemática e Física. Além da bolsa para os estagiários, remunera os professores-supervisores das disciplinas nas escolas e os coordenadores de áreas do conhecimento nas universidades. http://bit.ly/2obLqca

INICIATIVAS VALORIzAM O TRABALhO DO PROFESSOR E ESTIMULAM O AUMENTO DA qUALIDADE DA EDUCAçãO NO PAÍS

Dignos de nota

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Professora de artes em uma

escola que reúne alunos de mais de

30 etnias, a britânica andria Zafirakou faZ da

inclusão sua bandeira e vence o

Global Teacher Prize de 2018

Tecelã de esperança

com AndriA ZAfirAkouentrevista

E m 18 março de 2018, a britânica An-dria Zafirakou, filha de mãe cipriota e pai grego, viveu um dia totalmen-te diferente de sua rotina. Formada em Moda e Tecelagem com ênfase em Administração pela Universida-de de Brighton, no condado de East Sussex (ao lado do famoso condado de Kent), Andria é professora da es-cola comunitária Alperton, em Brent,

nos arredores de Londres. Sua escola, com 1.500 alunos das mais variadas origens étnicas, situa-se num local mar-cado pela pobreza e pela violência.

Por seu trabalho nessa escola, onde ministra a disciplina Artes e Tecelagem para alunos entre 11 e os 18 anos, Andria foi convidada para ir a Dubai por ser uma das dez finalistas

do Global Teacher Prize, uma espécie de Oscar da educa-ção mundial, promovido pela Fundação Varkey com base em votos da comunidade de educadores de vários países. Ela concorreu com 30 mil professores de 173 países.

Venceu e foi premiada com US$ 1 milhão. Muito desse di-nheiro deve voltar às atividades que essa professora de 39 anos promove em sua escola, onde é também diretora ad-junta associada, responsável pelo treinamento de pessoal e membro da equipe de liderança e de gestão de programas de planejamento familiar da instituição.

Com uma sólida ligação com sua família, inspirou-se na avó, que era tecelã de seda em Chipre, para fazer sua es-pecialização em design de tecelagem.

A seguir, a entrevista que Andria concedeu ao Caderno.

anDria ZaFiraKOUé professora de Artes e Tecelagem, vencedora do Global Teacher Prize de 2018.

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Qual é o seu maior desafio como professora?São muitos. Alperton é uma esco-la central, localizada numa das par-tes mais pobres do Reino Unido, com muitas crianças que vivem na pobreza e moram em casas lotadas, compartilhadas entre várias famí-lias. Brent reúne etnias bastante diversas e tem a segunda maior parcela de negros, asiáticos e mi-norias étnicas da Inglaterra e do País de Gales. Embora eu celebre a diversidade do bairro e os nossos alunos, existem barreiras e divisões na comunidade em geral que não são próprias das crianças, mas que as impedem de circular livremen-te e fazem com que se sintam so-zinhas. Dentro do possível, esses obstáculos precisam ser eliminados.

Descobri que alguns de meus alu-nos se refugiam no banheiro de suas casas em busca de alguns mo-mentos de silêncio para fazer o dever de casa; outros faltam à es-cola porque precisam buscar os irmãos em outras escolas, ou co-zinhar para a família num horário de refeição estipulado, em casas de ocupação múltipla. É triste per-ceber que alguns alunos não to-maram café da manhã, que talvez tenham ido para casa depois da aula ontem, tenham dormido, le-vantado e voltado à escola sem terem se comunicado com uma única pessoa nesse período; mui-

tos talvez tenham medo de ir para casa. Há grandes desafios envolvendo a integração, como conseguir que nossos alunos se sintam relaxa-dos e confortáveis para que se concentrem apenas em seus estudos.

Tem usado estratégias especiais para isso?Tenho trabalhado duro para tornar a nossa escola um refúgio seguro para nossos alunos. Não importa o que esteja acontecendo na casa deles ou nas ruas – que todas as preocupações e tensões deles sejam deixadas fora do nosso espaço. Ofereço uma área na escola para os alunos que precisam estudar e fazer o dever de casa fora do horário escolar regular e du-rante as férias.

Como integrante da equipe de liderança, tive o privilégio de participar de iniciativas como melhorar o desenvolvimento profissional em toda a escola, redefinir o currículo para que ele de fato dialogue com os alunos e a forma como levam a vida. Assim, podemos ganhar a confiança deles e estreitar o nosso relaciona-mento com eles e com seus pais. Meu objetivo é oferecer a todos os estudantes de Alperton a melhor educação e as melhores oportunidades possíveis na vida.

Quando você percebeu que aprender outros idiomas ajudaria a se comunicar com seus alunos?Aprendi a saudação básica, “oi” e “tchau”, em diversos dos 35 idiomas falados em Alperton, incluindo gujaráti, hindi, tâmil e português. Isso foi para ajudar a remover as barreiras culturais e sociais que existem na área. Se as crianças vi-vem isoladas em sua própria comunidade e não conseguem falar livremente com os colegas na escola, isso cria todo tipo de dificuldade.

Essas saudações básicas em diferentes idiomas também ajudam a iniciar relações valiosas com os pais de meus alunos, muitos dos quais não falam inglês. É importante nos aproximarmos e tentarmos conquistar a confiança. Quando os alunos percebem que estamos ao lado deles, que nos importamos com o que acontece a eles e desejamos que tenham sucesso no que es-

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colherem fazer na vida, isso faz toda a diferença.

Reforçamos os valores que promo-vem a compreensão entre as dife-rentes culturas. Por estarmos em uma das regiões mais multicultu-rais de Londres, nos esforçamos para garantir que o aprendizado se dê em um ambiente de respeito mútuo. É uma questão de ser in-clusivo, abraçar culturas e crenças e nutrir um senso de comunidade.

Qual a maior recompensa de ser professora?Provavelmente, aquele momento em que a gente sente que mudou a vida de alguém – talvez ao ter despertado o olhar deles para a beleza das artes pela primeira vez, e eles terem entendido o que aqui-lo pode fazer por eles. Isso é tão poderoso que deixa a gente sem ar, afasta totalmente todos os mo-mentos tristes e as coisas negati-vas que a gente venha a experi-mentar na educação ou fora dela. Como professora, tive a sorte de ter várias vezes essa experiência. Quando acontece, mesmo que o dia tenha sido longo e cansativo, esse momento revolucionário re-vigora e coloca a gente para cima.

Que atributos você considera essenciais para a sua atividade?Os professores precisam manter o foco, ser determinados e cui-dadosos e, portanto, precisam ser capacitados e apoiados. Isso co-meça por um salário decente e a garantia de que eles possam tra-balhar o currículo e repassar os outros quesitos essenciais da edu-cação para formar futuros cida-dãos íntegros.

às pessoas como está ajudando a transformar isso em realidade, de quais ferramentas precisa para desempenhar o melhor trabalho possível e como isso é importan-te. Você tem de acreditar, assim como os seus alunos, que tudo é possível.

Qual a importância da escola para o desenvolvimento da ju-ventude nos dias de hoje?Pais e família, escola, a comunida-de local na qual as crianças crescem

– todas essas peças são importantes no quebra-cabeça de como os jo-vens se desenvolvem. Na escola, usaremos cada vez mais uma com-binação de disciplinas, incluindo Psicologia, Ciências da Educação, Economia, Linguística, Neurociên-cia e Genética, para buscar uma compreensão mais profunda de como o cérebro dos jovens funcio-na de fato e de como a educação pode ser melhor.

As artes muitas vezes não recebem investimento e são subestimadas em todo o mundo, mas são muito importantes. Elas ajudam o aluno a ganhar confiança, a desenvolver sua personalidade e a obter suces-so em outras matérias, graças ao incentivo e ao impulso que a expo-sição a outras linguagens propor-ciona. As artes também são vitais no desenvolvimento de habilidades como pensamento crítico, colabo-ração, inovação e empatia, todas as habilidades humanas avançadas das quais nossos alunos precisarão no ambiente de trabalho e na so-ciedade de amanhã, na qual estão destinados a ser tornar verdadeiros cidadãos globais.

O respeito ao professor na sociedade é funda-mental. Precisamos elevar o status dos profes-sores globalmente para garantir que a educação seja tratada como prioridade máxima, como deve ser. Todos – de pais a gestores de educação, empresas e líderes comunitários, governos locais e o Estado – precisam entender que pre-parar os jovens para um futuro extremamente imprevisível é um investimento crucial no futuro da raça humana e do planeta.

o que você diria a um aluno que pensa tornar-se professor?Que não é um trabalho com horário fixo, é um compromisso real e, se for sua paixão, você saberá no íntimo que de fato quer ensinar e que nada irá detê-lo ou impedi-lo de realizar esse sonho. Você simplesmente não terá dú-vidas sobre isso. É um chamado, não um tra-balho aleatório que se faz por acaso. Se há uma disciplina em particular que você ama e con-segue se imaginar compartilhando esse entu-siasmo com os outros, formando mentes jovens, então é certamente o caminho a seguir. Eu encorajaria a todos os estudantes realmente dispostos a se tornarem professores a seguir esse sonho, compartilhar esse entusiasmo e assumir esse compromisso. Certamente, o mundo está precisando de professores e, pes-soalmente, não consigo pensar em uma car-reira mais recompensadora.

O professor deve se orgulhar de seu trabalho e de sua profissão. Contar às pessoas o que faz e sobre as crianças para quem leciona, sobre sua paixão, imaginação e sonhos. Deve dizer

entrevista

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héctor lozano é escritor, diretor e produtor espanhol.

5150

Por meio de filósofos, Professor de série da televisão esPanhola incentiva alunos a exercitar o Pensamento crítico

penso, logo questiono

onflitos com os pais, redes sociais, sexualidade, mer-cado de trabalho. Essas e outras questões que povoam o universo da adolescência na atualidade podem ser abordadas por pensadores da antiga Grécia, como Sócrates, Aristóteles e Platão. Ou mais modernos, como Michel Foucault. É numa junção assim que se estabelece o princípio da série Merlí, produzida pela TV3, emissora da Catalunha, desde 2015. Disponíveis

no Brasil pela Netflix, os episódios acontecem predominantemente em sala de aula de uma escola pública. A série leva o nome do pro-tagonista, Merlí Bergeron, interpretado por Francesc Orella, um professor de Filosofia que instiga os alunos a pensar por si mesmos.

“Merlí os convida a ser críticos, a questionar o que veem nos meios de comunicação, a não se deixar levar pela opinião da maioria, a duvidar de tudo”, explica Héctor Lozano, o criador da série. Na en-trevista a seguir, o escritor e produtor comenta como concebeu a obra e expõe pontos de vista sobre a educação.

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entrevista

O que o levou a pensar em uma série cujo principal cenário é uma escola?A escola é muito importante porque ali se prepara nosso futuro como sociedade e o futuro de cada um, em um nível pessoal. Interessa-me muito o tema e, sobretudo, tratar sem frivolidades os adolescentes.

Merlí é um professor que sur-preende e seduz seus alunos ao inverter a ordem das coisas. Dis-tancia-se do cotidiano burocrá-tico escolar e convida os alunos a exercer a liberdade de pen-samento e de ação. Seria essa uma das chaves para gerar em-patia com os jovens, tanto na escola como na série de TV?Exatamente. Merlí os convida a ser críticos, a questionar o que veem nos meios de comunicação, a não se deixar levar pela opinião da maioria, a duvidar de tudo... A refletir. Esta foi a minha maneira de me aproximar dos jovens e também do espectador, por isso acredito que não apenas os ado-lescentes gostaram, como também o público de todas as idades.

Merlí se transforma em sala de aula. Mostra-se seguro e pare-ce estar preparado para tudo. Longe da escola, não se mostra tão seguro. Quais foram suas referências para criar o perso-nagem?Tive muitas fontes: Sociedade dos poetas mortos [1989, dir.: Peter Weir], O clube dos cinco [1985, dir.: John Hughes]. E muitos outros fil-mes e peças de teatro. O cinema clássico foi o que mais me ensinou a aprofundar as relações entre os personagens. Está tudo escrito, ninguém inventa nada. Eu uni dois conceitos que pareciam impossíveis de juntar: filosofia e adolescentes. E esse coquetel tem funcionado.

A escola às vezes tem dificulda-des para abordar temas como sexualidade, drogas e suicídio. A filosofia abre portas para se falar sobre esses assuntos?A filosofia abre portas para tudo. Por isso acho que deveria ser obri-gatória desde os 6 anos. Por que em sala de aula se fala de Mozart, e não de Sócrates? Na adolescência os alunos chegariam a ter um nível de análise e de oratória importan-te. Mas será que isso interessa aos políticos? Acho que não. Filosofia e poder não se dão muito bem.

No primeiro episódio, o profes-sor de catalão diz a Merlí: “Pre-via-se que a filosofia acabaria desvalorizada por todos”. Em uma época em que tudo tem de ser útil e eficaz, você acha que essa seja a tônica pela qual de-vemos apreciar a filosofia? A filosofia até pode não servir para nada, isto é, para nenhum propó-sito econômico. A filosofia serve para saber, para entender, e isso já é muito, já é enriquecedor. Mas também podemos lutar contra a ideia de que com filosofia não é possível ganhar a vida. Quem dis-se? Onde está escrito isso? Há pessoas que ganham, sim, dinhei-ro com filosofia.

A busca pelo conhecimento se tornou fundamentalmente uti-litária, como diz o filósofo ita-liano Nuccio Ordine, autor de A utilidade do inútil? É preciso lutar contra essa única concepção utilitária das humani-dades. Elas servem, e muito, e são bastante necessárias.

A revolução tecnológica está mudando nossas vidas. A esco-la não é alheia a essa realida-de. Em sua opinião, como os instrumentos digitais podem e devem ser incorporados ao dia a dia da escola?Uma lousa, celulares desligados e um bom professor. Não é neces-sário nada mais.

Por que a inserção no mercado de trabalho é recorrente na série? Os adolescentes se preocupam com o futuro. Foi por meio do personagem Pol, que vem de uma família de classe baixa, que entrei nesse tema do trabalho. A incer-teza do adolescente sobre seu fu-turo no mercado de trabalho é uma coisa difícil de levar. A es-cola tem de acompanhar o aluno nesses momentos.

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Se você fosse o diretor de uma escola, como ela seria? Sou muito clássico. Os celulares seriam proibidos nessa escola. Fi-losofia desde os 6 anos. Fisicamen-te aberta à natureza (mais saídas, mais excursões, mais visitas a mu-seus, ao teatro e ao cinema). Dis-ciplina de história do cinema seria obrigatória dos 11 aos 14 anos. E, sobretudo, um corpo de professo-res que se entregue ao máximo à luta contra o bullying. Se um aluno fizer bullying, tem de ser tratado, é preciso falar com a família e in-clusive retirá-lo por um tempo da sala de aula. É preciso garantir a segurança do menor acossado.

O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) afirma que a grande mis-são da escola é ensinar os alu-nos a pensar. Acha que essa ideia ainda é válida? Completamente. Kant recolheu esta máxima de Horácio: Sapere aude, ou seja, “atreva-se a conhe-cer”. Com essas palavras em latim, ele estava nos convidando à ma-turidade, a não nos deixar levar pela massa, a ser críticos... Está valendo agora mais do que nunca, e é necessária. Sobretudo quando vemos o auge de movimentos de ultradireita em tantos países, in-cluindo a Espanha.

52 53

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A professora

Autores: Benedito Lacerda e Jorge Faraj

Na gravação de Sílvio Caldas, a professora é a musa de um boêmio que

entoa os versos: “Essa operária divina,/ que lá no

subúrbio ensina/ as criancinhas a ler”.

Normalista

Autores: Benedito Lacerda e David Nasser

Um dos grandes sucessos da carreira de Nélson Gonçalves, esse samba fala da paixão por uma aluna do antigo curso normal, de nível médio, destinado à formação de professoras.

1938 19491963

proFESSor é FigUra DE DEStaqUE NaS artES, rEtrataDo DE FormaS variaDaS No tEatro, CiNEma, NovELa E múSiCa

linha do tempo

O professor

Autores: moacyr Franco e Canarinho

Em ritmo de marcha, moacyr Franco interpreta um professor que, ao

emendar uma sequência de perguntas e respostas aos alunos, produz uma

canção humorística.

My fair lady

(My fair lady. EUA. Dir.: George Cukor)

Na comédia inspirada na peça Pigmalião, de george Bernard Shaw, o professor Henry Higgins (rex Harrison) aposta que consegue transformar uma pobre mulher (audrey Hepburn) em alguém capaz de circular na alta sociedade.

Ao mestre, com carinho

(To sir with love. EUA. Dir.: James Clavell)

Sidney poitier vive um engenheiro que, após perder o emprego, aceita lecionar em uma escola londrina. a turma é repleta de alunos indisciplinados, dispostos a boicotá-lo. aos poucos, ele encontra estratégias para mudar o comportamento dos jovens.

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O primeiro amor

Autor: Walter Negrão

Direção: Walter Campos e régis Cardoso

a novela tem um professor como protagonista. Luciano, interpretado por Sérgio Cardoso, assume a direção de uma escola. além de lidar com um grupo de alunos baderneiros, enfrenta a oposição da ex-namorada e professora de inglês (tônia Carreiro), que tenta lhe tomar o cargo na instituição.

1972

Gabriela

Autor: Walter george Durst

Direção: Walter avancini e gonzaga Blota

Subdiretor e professor do ginásio Enoch, o personagem de marco Nanini dá o tom lírico na trama adaptada da obra de Jorge amado. Na versão de 2012, o professor Josué é vivido por anderson di rizzi.

1975

1967

Nina

Autor: Walter george Dürst

Direção: Walter avancini e Fabio Sabag

ambientada nos anos 1920, a novela tem a

protagonista na figura da professora Nina.

idealista, a personagem de regina Duarte luta

contra o conservadorismo da época.

1977

1964

Água viva

Autor: gilberto Braga e manoel Carlos

Direção: paulo Ubiratan e roberto

talma

Dedicado à profissão e convicto de seus ideais, o professor de História

Edir (Cláudio Cavalcanti) vive

conflitos com a sogra Lourdes (Beatriz Segall), sempre interessada em

status e ascensão social. as rusgas geram

desgastes na relação com a esposa, márcia

(Natália do vale).

1980

Meus tempos de criança

Autor: ataulfo alves

Nesse samba com tons nostálgicos, ataulfo alves desfila uma série de memórias afetivas da infância. Um dos versos marcantes fala da “saudade da professorinha,/ que me ensinou o bê-á-bá”.

1956

Legenda: – Música – Cinema – Teatro – Televisão

5555© DivULgação

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A aurora da minha vida

Autor e diretor: Naum alves de Souza

reminiscências despertadas pela visita do protagonista ao colégio da

infância. os personagens não têm nomes, apenas cargos (o professor, o

diretor) ou estereótipos (a apressada, o gordo etc.). Na primeira de várias

montagens, atuaram marieta Severo, pedro paulo rangel e Cidinha milan.

Estampas Eucalol

Autor: Hélio Contreiras

gravada inicialmente por Xangai, essa saga de herói cita seres mitológicos. ao final, o narrador volta trazendo a moça com que ia se casar: “a professora que roubei do rei Lear”.

Chaves

(El chavo del ocho. México. Dir.: Enrique Segoviano e

Roberto Bolaños)

o seriado mexicano trazia o professor girafales

(rubén aguirre). originalmente integrante

de outro programa, o personagem entrou na

segunda temporada de Chaves, em 1973. No Brasil, o programa começou a ser

exibido em 1984 pelo SBt.

A gata comeu

Autor: ivani ribeiro

Direção: Herval rossano e José Carlos pieri

o protagonista é o professor Fábio Coutinho (Nuno Leal maia), que mantém bom relacionamento com seus alunos. o mesmo não acontece quando está junto de Jô, vivida por Christiane torloni.

1981 19

82

1985

1984

De quina para a lua

Autor: alcides Nogueira

Direção: atílio riccó, mário márcio Bandarra e

ricardo Waddington

agildo ribeiro vive o professor de matemática

Dante Cagliosto. Ele comanda a busca

por um bilhete de loteria premiado

que perpassa a trama.

Roque Santeiro

Autor: Dias gomes

Coautoria: aguinaldo Silva

Direção: paulo Ubiratan

Homem letrado de asa Branca, o professor

astromar Junqueira (rui resende) se notabiliza

pelos poemas e discursos proferidos nos eventos

sociais da cidade. Sobre ele recai a desconfiança de

virar lobisomem.

1985-8

6

Rá-Tim-Bum

“olá, classe!” o cumprimento efusivo, após a entrada acelerada em cena, é a marca

registrada do professor tibúrcio, personagem do programa infantil exibido

pela tv Cultura. Era interpretado por marcelo tas, também roteirista e diretor

da atração.

Sociedade dos poetas mortos

(Dead poets society. EUA. Dir.: Peter Weir)

ao lecionar na tradicional Welton academy, o professor John Keating (robin Williams)

estimula os jovens alunos a pensar com autonomia e bom senso. Filme vencedor do

oscar de melhor roteiro original.

O salvador da pátria

Autor: Lauro César muniz

Direção geral: paulo Ubiratan

a professora Clotilde (maitê proença) chega a tangará para alfabetizar

trabalhadores rurais. Entre eles, está Sassá mutema, que se tornará um político.

1989

Escolinha do professor Raimundo

Texto final: Eduardo Sidney

Direção: Cininha de paula, Cassiano Filho e paulo ghelli

personagem marcante de Chico anysio, o professor raimundo surge no rádio nos anos 1950, criado por Haroldo Barbosa. a partir de 1973, aparece como quadro em vários humorísticos na tv. Em 1990, torna-se um programa que, entre reprises e nova versão, permanece no ar até hoje.

As 200 crianças do dr. Korczak

(Korczak. Polônia. Dir.: Andrzej Wajda)

o filme conta a trajetória de Janusz Korczak (Wojciech pszoniach), pediatra e

professor que cria, já no final de sua vida, um orfanato para 200 crianças em

meio à Segunda guerra mundial.

1990

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linha do tempo

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O dono do mundo

Autor: gilberto Braga

Direção geral: Dennis Carvalho

malu mader vive a professora márcia, alvo de uma aposta do cirurgião Felipe Barreto (antonio Fagundes). Ela passa por transformações ao longo da trama, marcada por questões relacionadas à ética.

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Madadayo

(Madadayo. Japão. Dir.: Akira Kurosawa)

o último filme do cineasta japonês narra a história de reuniões periódicas de alunos com um estimado professor. o termo que dá nome à obra tem o significado aproximado de “ainda não”, uma alusão ao convívio entre eles.

Mr. Holland, adorável professor

(Mr. Holland’s opus. EUA. Dir.: Stephen Herek)

Em busca de renda complementar, o músico interpretado por richard Dreyfuss torna-se professor. após superar as dificuldades iniciais, Holland precisa se desdobrar para dar assistência a um filho que nasce com surdez.

Mentes perigosas

(Dangerous mind. EUA. Dir.: John N. Smith)

michelle pfeiffer é Louanne Johnson, mulher que abandona a carreira militar para realizar o sonho de ser professora. Com alunos em situação de risco social, ela apela para métodos pedagógicos pouco ortodoxos.

Oleanna

Autor: David mamet

Direção: Ulisses Cruz

Um encontro entre um professor universitário e uma aluna com dificuldade de aprendizado desencadeia uma série de tensões. a peça estreou em 1992 na inglaterra. No Brasil, uma das montagens contou com direção de Ulisses Cruz e antonio Fagundes e mara Carvalho no elenco.

Nosso professor é um herói

(Le plus beau métier du monde. França. Dir.:

Gérard Lauzier)

Laurent manier (gérard Depardieu) é um

professor de História recém-divorciado que se

transfere para um colégio da periferia.

Diante da bagunça e violência, ele encontra

jeitos para se relacionar bem com os alunos.

Central do Brasil

(Brasil. Dir.: Walter Salles)

Dora (Fernanda montenegro) é uma ex-professora que escreve cartas ditadas por pessoas analfabetas, mas não as envia aos destinatários. ao topar com Josué, que acaba de perder a mãe, ajuda na procura pelo pai do menino. a busca se transforma numa jornada interior da própria Dora.

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Beradêro

(Chico César)

Entoada a cappella, a canção do compositor paraibano menciona o educador pernambucano paulo Freire. “No peito dos sem peito uma seta/ a cigana analfabeta/ lendo a mão de paulo Freire”.

Malhação: Múltipla Escolha

Autores: maria Elisa Berredo, patrícia moretzsohn, Cláudio torres gonzaga e ricardo Hofstetter

Direção: ricardo Waddington, Flávio Colatrello e Edson Spinello

a escola múltipla Escolha, do professor de português pasqualete (Nuno Leal maia), é cenário de boa parte das tramas.

As três irmãs

Autor: anton tchékhov

Direção: Enrique Diaz

Clássico de 1900, teve uma montagem no Brasil em 1999, com Cláudia abreu (irina), Julia Lemmertz (olga) e maria padilha (macha). as três vivem numa pequena cidade, querendo voltar a moscou. a peça evoca as figuras do professor e do militar.

1999

O cravo e a rosa

Autores: Walcyr Carrasco e mário teixeira

Direção geral: Walter avancini

Edmundo Neves (Ângelo antônio) é um professor que, mesmo apaixonado por

Bianca (Leandra Leal), faz poesias para Heitor (rodrigo Faro) cortejar a moça.

alusão ao clássico Cyrano de Bergerac.

2000-01

Uma mente brilhante

(A beautiful mind. EUA. Dir.: Ron Howard)

vencedor do oscar de melhor filme de 2002, narra a história de John Nash, exímio matemático. Diagnosticado com esquizofrenia, o personagem interpretado por russell Crowe tem outra batalha além das equações.

2001

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linha do tempo

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Coração de estudante

Autor: Emanuel Jacobina

Direção geral: ricardo Waddington e rogério gomes

protagonista, o professor Edu leciona Biologia e chega à cidade de Nova aliança. Fiel a seus princípios e defensor do meio ambiente, o personagem de Fábio assunção rivaliza com o fazendeiro João mourão (Cláudio marzo).

60

linha do tempo

Mulheres apaixonadas

Autor: manoel Carlos

Direção geral: ricardo Waddington, rogério gomes e José Luiz villamarim

Helena (Christiane torloni) é professora de História e diretora de escola, onde trabalha raquel, professora de Educação Física (Helena ranaldi). Com a personagem, a novela aborda a questão da violência contra a mulher.

YáYá Massemba

Autores: Capinam e roberto mendes

Na música, interpretada por maria Bethânia, o narrador expressa seus sentimentos na travessia de um navio negreiro. a canção finaliza com os versos:

“vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”.

O sorriso da Mona Lisa

(Mona Lisa smile. EUA. Dir.: Mike Newell)

Na década de 1950, a personagem de Julia roberts é uma professora recém-formada em uma

universidade de hábitos mais liberais. Ela começa a lecionar em uma instituição mais conservadora,

onde questiona os padrões da época.

Escola de rock

(School of rock. EUA. Dir.: Richard Linklater)

Nessa comédia musical, Jack Black é o músico desempregado Dewey Finn. Ele vai lecionar em uma escola. ao notar o talento musical dos alunos, monta uma banda de rock às escondidas da direção.

Pro dia nascer feliz

(Brasil. Dir.: João Jardim)

Documentário mostra realidades diferentes do

sistema educacional. Conta com depoimentos

de estudantes e professores de escolas públicas e particulares

de São paulo, rio de Janeiro e pernambuco.

O grande desafio

(The great debaters. EUA. Dir.: Denzel Washington)

Nos anos 1930, melvin tolson (Denzel Washington) se empenha para motivar seus alunos de uma pequena instituição de ensino no texas a participar de debates com estudantes da prestigiosa Universidade Harvard.

Maria Montessori – Uma vida dedicada às

crianças (Maria Montessori – Una vita per i bambini. Itália.

Dir.: Gianluca Tavarelli)

Com paola Cortellesi no papel da biografada, o

filme aborda o pioneirismo da italiana que virou

referência em educação. Formada em medicina, foi

militante feminista e criadora de um método

revolucionário de ensino.

20022003

20052004

Sete pecados

Autor: Walcyr Carrasco

Direção geral: Jorge Fernando

miriam (gabriela Duarte) dirige uma escola pública. Ela lida com alunos malcomportados e funcionários desmotivados, como o professor de Educação Física vicente (marcelo Novaes) e a bibliotecária maura (maria regina).

2007-8

Ciranda de pedra

Autor: alcides Nogueira

Direção geral: Carlos araújo

No remake da novela, Cleo pires vive a dedicada e amorosa professora margarida. Na primeira versão, de 1981, a

personagem foi interpretada por alzira andrade. adaptação da obra de Lygia Fagundes telles.

Entre os muros da escola

(Entre les murs. França. Dir.: Laurent Cantet)

François Bégaudeau, professor também na vida real, faz o papel de um educador na periferia de paris. Numa sala de aula

que representa um recorte da sociedade, as tensões permeiam a convivência entre

o professor e os estudantes.

2008

Três irmãs

Autor: antonio Calmon

Direção geral: Dennis Carvalho e José Luiz villamarim

Suzana (Carolina Dieckmann), uma das três irmãs do título, é

professora de geografia. Entre as atividades, ela incentiva o

envolvimento dos estudantes em ações de preservação

do meio ambiente.

2008-9

Verônica

(Brasil. Dir.: Maurício Farias)

andréa Beltrão interpreta uma professora da rede municipal do rio de Janeiro. assolada pela violência no cotidiano da escola, demonstra sinais de esgotamento. Um dia, ao notar que os pais não foram buscar um aluno, resolve levá-lo para casa dele e se vê envolvida numa intrincada trama.

20092007

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O aluno – Uma lição de vida

(The first grader, Reino Unido, EUA, Quênia. Dir.: Justin Chadwick)

No quênia, Kimani maruge (oliver Litondo), 84 anos, decide se alfabetizar em uma escola primária. Diante de muitas dificuldades, a professora (Naomie Harris) é decisiva para que ele realize seu intento.

Fina estampa

Autor: aguinaldo Silva

Direção geral: Wolf maya

alexandre Lopes (rodrigo Hilbert) é professor universitário que dá aulas de Neurociência. tem como assistente de laboratório patrícia (adriana Birolli), com quem se envolve.

Além do horizonte

Autores: marcos Bernstein e Carlos gregório

Direção geral: gustavo Fernandez

a professora Celina é admirada e respeitada pelos alunos da cidade de tapiré. a personagem de mariana rios se caracteriza por enfatizar a importância dos estudos. Chega a formar uma turma especial de matemática.

Meu pedacinho de chão

Autor: Benedito ruy Barbosa

Direção geral: Luiz Fernando Carvalho e Carlos araújo

Juliana (Bruna Linzmeyer) chega para dar aulas na primeira escola

de vila Santa Fé. a construção contraria os interesses do coronel Epaminondas (osmar prado), que manda incendiar o local, mas sua

ordem não é cumprida.

Em família

Autor: manoel Carlos

Direção geral: Jayme monjardim e Leonardo Nogueira

a professora Dulce (Lica oliveira) dá aula na universidade onde estuda o filho adotivo, andré

(Bruno gissoni). Lá, alguns conflitos familiares são expostos.

a personagem forma casal com o professor pedro paulo (Eduardo

galvão), que leciona na faculdade de Letras.

Conselho de classe

Autor: Jô Bilac

Direção: Bel garcia e Susana ribeiro

a diretora de uma escola provoca uma revolta estudantil seguida de destruição ao proibir um aluno de usar boné. é afastada. Na reunião do conselho para decidir o futuro

da escola, dados da realidade dos professores vêm à tona.

Sala dos professores

Autor: Leonardo Cortez

Direção: marcelo Lazzaratto

Encenada pela Companhia Elevador, a

peça mostra professores em intervalos e reuniões, quando travam diálogos

que vão do banal ao conflituoso, no dia a dia de uma escola privada.

Malhação – Vidas brasileiras

Autora: patrícia moretzsohn

Direção: Natália grimberg

gabriela Fortes (Camila morgado) leciona português e Literatura

numa escola particular. idealista, acredita na educação. Em uma de suas ações de inclusão de alunos

carentes, reencontra rafael (Carmo della vecchia), amor da juventude,

diretor de uma oNg.

20152017

2018

20112013

2014

Merlí

(Merlí. Espanha. Dir.: Héctor Lozano)

Francesc orella dá vida ao personagem central dessa série produzida pela tv3. merlí Bergeron é um professor de Filosofia que lança mão de métodos pedagógicos pouco tradicionais. Seu intento é estimular a capacidade de reflexão dos alunos, o que não o livra de controvérsias.

Uma noite sem o aspirador de pó

Autora: priscila gontijo

Direção: Suzan Damasceno

Áurea (Suzan Damasceno) é uma professora de Literatura vinda do interior que espanta a solidão da metrópole conversando com objetos de seu apartamento. até conhecer o vizinho manuel (Donizeti mazonas).

Malhação – Viva a diferença

Autor: Cao Hamburger

Direção: paulo Silvestrini

Entre os personagens da temporada, está a professora

Dóris, diretora do Colégio Estadual Cora Coralina, que lida com várias

dificuldades no dia a dia, mas acredita na educação pública. Ela

vive com o professor Bóris.

Retrato – Revelando histórias

Autora e diretora: Elisa machado

a montagem conta a história de Léia, uma professora já

aposentada, mas que não abdica de seu lugar de interlocutora de

seus alunos. No pátio de sua casa, ela conversa com vários deles,

esperando um convidado especial.

Nunca me sonharam

(Brasil. Dir.: Cacau Rhoden)

Depoimentos de alunos, professores, gestores e especialistas traçam um panoram a do ensino médio na rede pública. ao abordar dificuldades, angústias, mas também sonhos e expectativas nessa etapa, documentário traz à tona o valor da educação.

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201620

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linha do tempo

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por Jô BilacCRÔNICA

presente!Se foSSe Só uma queStão de conteúdo didático, Seriam aS máquinaS a noS dar aula

iovanni Bilac!”, alguém falou meu nome em voz alta.“Giovanni Bilac!”, como um pássaro, atravessando a atmosfera, pela

segunda vez. “Giovanni Bilac!”, pronunciado de novo, dessa vez atingido, acordei:“Presente!”

Estava em sala de aula.

Todos os olhares voltados pra mim.

Duvidei se aquilo era um sonho ou não. Respondi “presen-te” instintivamente. Achei que era a lista de chamada. Me enganei, mas não de todo, ao dizer “presente”. Era fim de ano, amigo secreto da turma e meu momento de presentear quem eu havia tirado.

Inclusive, era essa a razão da minha sonolência ali na aula. Tinha passado a noite me revirando na insônia, pensando no presente que a minha mãe tinha comprado pro meu amigo secreto. Era uma grande responsabilidade, afinal, eu havia tirado a professora. Pois é. Tirar professor no ami-go-secreto é como tirar o bilhete premiado, uma honra, mas o prêmio é você quem dá.

Pensei nisso tudo enquanto atravessava a sala, com o em-brulho na mão, gastando sola. Cheguei até a mesa da pro-

G fessora. Lá, em pé, encarei minha turma de frente. E, naquele segundo, perdi o medo. Já não me importava se ela ia gostar ou não do presente, eu nem tinha escolhido. Não importava. Naquele momento eu fui tomado por um orgulho, quase divino, ao me dar conta, falando em voz alta: “A professora Clea é minha amiga secreta”.

Naquela hora, olhei pra minha professora como quem olha pra um amigo.

Ela abriu o embrulho e sorriu. Era um chinelo de tricô, do tipo pantufa. E, como prova de amizade, me devolveu um abraço. Descobri o cheiro da minha professora. Leite de rosas.

Clea era professora de escola pública havia 20 anos e, pra completar o orçamento, vendia cosméticos da Avon. Hoje ela me lembra a “Neide Candolina”, professora baiana da música do Caetano Veloso. Mas naquela época eu não co-nhecia a Bahia nem Caetano. Conhecia Clea, entusiasma-da, explicando “a teoria dos conjuntos”, com círculos no quadro-negro. Nunca mais a esqueci falando: “Imaginem dois conjuntos. Por exemplo: conjunto de professores e conjunto de alunos. Existe uma zona comum entre os dois conjuntos, uma interseção, qual seria?”. Olhei sorrindo pra ela, eu já sabia a resposta.

COSMOSO alarme do despertador presente. Tocou uma vez, mas Clea só teve coragem de abrir os olhos na terceira, ainda em dúvida se estava sonhando, se estava acordada. Mas

que diferença fazia agora, já estava acostumada a não saber os finais dos seus sonhos. Ou melhor, gostava de pensar que o final era justamente a ruptura.

Antes mesmo de se levantar da cama, listou mentalmente o itinerário do dia: Banho/perfume/ café/filhos/marido/ônibus lotado/trânsito intenso/centro da cidade/Saara/Rio Branco/avenida Brasil/salário atrasado/comprar cos-méticos/vender cosméticos/pagar conta/metrô/trem/dor de dente/ escola/aula/alunos/conselho de classe/provas/boletim/vender mais cosméticos/para as colegas/para as mães de alunos/mais ônibus/mais metrô/mais trânsito/filhos/marido/janta/programar o despertador/dormir.

Ela respira fundo.

Levanta da cama e pisa no chinelo de crochê. Lembra do presente, sorri.

O PRESENTEA campainha tocou três vezes.

Pedi desculpas pro meu vizinho, eu estava no banho. Ele é argentino, e peculiar, 1: Quer fazer concurso público. 2: Pra professor. 3: Numa escola noturna pra jovens e adultos. No seu aniversário, dei de presente o meu livro Conselho de classe, que é um texto de teatro que se passa numa escola pública do Rio de Janeiro.

Eu: Gostou do livro?

jÔ bIlAC é dramaturgo, roteirista e diretor

Vizinho: Gostei tanto que trouxe esse manual de zoologia fantástica pra você, é do escritor Borges.

Eu: Teu conterrâneo!

Vizinho: Sim, tem um capítulo que me lembrou o teu livro, onde fala da estátua imaginada por Etienne Bonnot de Con-dillac pra refutar a doutrina cartesiana das ideias inatas. A estátua tem forma humana, e nunca percebeu ou pensou. Aí, Condillac começa dando um sentido vital pra ela: o olfato. Demonstra, assim, que um cheiro de rosas confere à estátua a atenção e a partir de outros estímulos, memórias e compa-rações, ela poderia engendrar as faculdades do entendimen-to, construindo assim a noção do eu. O que você acha disso?

Nessa hora lembrei da Clea/leite de rosas/amigo/professor/secreto/Avon/escola/sono/sonhos inacabados/chinelo de tricô/conjunto/intercessão/alunos/professores/entusias-mo/cosmética/…

Origem da palavra cosmética: cosmos. Origem da palavra entusiasmo: o deus dentro de mim.

Se fosse só uma questão de conteúdo didático, seriam as má-quinas a nos dar aula. Mas há um deus dentro de Clea, e em seu rosto tem um cosmo, carrega discursos que comunicam mesmo que calados. É o professor quem redimensiona o con-teúdo, quem constrói pontes para as narrativas, derruba fronteiras da ignorância: traz a compreensão.

Para a professora Clea e meu vizinho Javi

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Estudo mostra quEm são os profEssorEs da Educação básica no brasil E quais suas dificuldadEs, nEcEssidadEs E ExpEctativas

pesquisa

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68

Maioria feMininaDa pré-escola ao ensino médio, os professores brasileiros são:

Eles são cerca de 2,2 milhões em toda a educação básica brasileira. Apesar de muitos terem tido uma formação inicial que não os preparou de maneira satisfa-tória para a realidade das salas de aula, continuam a se dedicar aos estudos ao longo dos anos para preencher as lacunas que percebem com a prática docente. Ao contrário do que muitos pensam, salário não é sua maior reclamação (apesar de a remuneração ser mencionada negativa-mente). Oferta de formação continuada e criação de canais de comunicação com gestores e responsáveis por políticas pú-blicas são as principais demandas. A seguir, um resumo do levantamento Profissão Professor, iniciativa do Itaú So-cial/Todos pela Educação, com realização do Ibope Inteligência e divulgação em julho de 2018. Foram ouvidos 2.160 pro-fessores em todo o Brasil, divididos de acordo com percentuais indicados pelo Censo Escolar.

reMuneraçãoQuanto ganha um professor?

a entrada Dos atuais professores:

78% escolheram voluntariamente a profissão:

34% por prazer de ensinar/transmitir conhecimento

13% por aptidão/talento

5% por gostar da disciplina

21% dos docentes escolheram a carreira por falta de opção (de emprego ou de cursos onde morava)

7,3 salários mínimos renda média familiar

4,8 salários mínimos renda média pessoal

R$ 2.455,35piso da categoria* *em 2018, para jornada de 40 horas semanais

coMo MelhorarAlgumas das medidas sugeridas para a valorização docente:

municipal................................56%estadual..................................41%particular................................22%*

43%....................................fundamental 237%....................................fundamental 137%.......................................ensino médio

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E En

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o:

72%

53%

fizeram o ensino médio em redes públicas

cursaram o superior na rede privada

idade médiados professores

tempo médio de profissão

73%dos professores

das redes públicas são os

principais responsáveis

pela renda das famílias

nívEis dE Ensino Em quE dá aula

* O total é maior do que 100%, pois há professores que atuam em mais de uma rede

idades (em anos):

onde lecionaM

origeM e continuidade dos estudos

teMas trabalhados na forMação versus a sua iMportância Professores revelam que os temas mais importantes são os menos bem trabalhados na formação inicial

68%mulheres

32%homens

três em cada dez professores dizem ter sido adequadamente preparados em sua graduação. Gostariam que as dimensões práticas da formação tivessem sido mais bem ensinadas.

carr

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form

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op

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1743

69% dar mais oportunidades de

qualificação a professores

que estão atuando

62% pagar melhor

todos os professores

conhecimento prático sobre como planejar uma aula

conhecimento sobre didáticas específicas da sua disciplina

fundamentos e métodos da alfabetização

importância

quanto foi bEm trabalhado

conhecimento sobre métodos de avaliação da aprendizagem dos alunos

conhecimento sobre gestão de sala de aula

conhecimento sobre teorias da aprendizagem/como o aluno aprende

conhecimento sobre o pensamento de grandes teóricos da educação e da

história da educação

38% realizar campanha

de mídia pela valorização

7,6

7,37,7

7,2 7,1

6,5 6,9

9,4

9,3

9,39,2

9,2

67% Envolver e escutar os professores nos

debates sobre políticas

educacionais

46% fixar os

professores em uma escola

36% tornar o acesso

à profissão mais seletivo

64% restaurar

a autoridade e o respeito pela figura

do professor

44% tornar pública

as competências para a profissão

22% demitir professores

que não são comprometidos

escolha Quem quer ser professor? 23% recomendariam a profissão a um jovem

49% certamente não a recomendariam (o principal motivo é a falta de valorização da carreira)

19% possuem apenas ensino superior

79% continuam estudando após a graduação; especialização é a modalidade mais buscada

51% fizeram a pós-graduação

8,5

9,4

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por Telma Vinha e Cesar a. amaral nunes

ao tratar da mesma forma indisciplina e violência, escola perde oportunidade de agir de forma reflexiva e transformadora

artigo

telma Vinha é pedagoga e doutora em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professora do Departamento de Psicologia Educacional da mesma instituição. Vice-coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Unesp/Unicamp.

Cesar a. amaral nunes é doutor em Física pela Universidade Técnica de Munique, mestre e bacharel em Física pela USP. Gerente de soluções do Instituto Unibanco e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Unesp/Unicamp.

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artigo

(ABGLT) mostrou que 24,6% dos jo-vens sofreram agressões físicas e 73% foram agredidos verbalmente na es-cola por causa da sua orientação se-xual. E a maioria afirmou nunca ter presenciado intervenção dos profis-sionais da instituição quando houve agressões, tampouco foram abordadas tais temáticas nas aulas. A escola apa-rentemente trata o problema como normal entre alunos.

Contudo, o problema do aumento da violência escolar, principalmente em escolas públicas, é controverso e ne-cessita de análise cuidadosa. Conside-ramos violências “duras” aquelas re-guladas pelo Código Penal, como lesões, extorsão, tráfico de droga, agressões físicas, roubo etc. E, ao contrário da percepção vigente, alguns estudos in-dicam que, na média, não há aumento da incidência de violência dura. Porém, há o crescimento7 de outro tipo de con-flito: as “incivilidades”, particularmen-te as pequenas infrações que se repetem constantemente, agressões verbais, insultos, provocações e desrespeito.

Menor que o alardeado Um exemplo são os resultados divul-gados pela Fundação Lemann e pela Meritt Informação Educacional a par-tir dos dados da Prova Brasil que mos-trou que, em 2011, 1,9% dos docentes respondeu ter sido agredido fisica-

deram que já ocorreu violência em suas escolas. Ao serem indagados so-bre o tipo de agressão a que foram submetidos nos últimos 12 meses, esses jovens responderam que: 27,7% sofreram cyberbullying, 20,9% foram ameaçados, 25%, roubados ou furta-dos e 13%, agredidos fisicamente.

Ao serem questionados sobre o que fazem quando são agredidos, menos da metade dos jovens procura um membro da equipe escolar demons-trando não confiar nas medidas que serão tomadas. A escola deveria ser um lugar de proteção e de resolução dos conflitos por meio do diálogo. Contudo, não é o que se tem encon-trado: o estudo mostra que, diante das agressões, as escolas terceirizam o problema, chamando os pais, a polícia, o conselho tutelar, ou punem com advertências, suspensões, transferên-cias ou expulsões. Outro dado chama atenção: quase um terço dos entre-vistados revela que já sofreu algum tipo de discriminação por raça, reli-gião, deficiência física, orientação sexual, classe social e preferência po-lítica. O problema da discriminação aparece em vários estudos. A escola é palco de inúmeras agressões, contudo elas parecem ser ainda mais frequen-tes contra os jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transe-xuais). Uma pesquisa de 2017 de as-sociação que defende esses grupos

1 WentZel, 2017.

2 vinHa et al., 2017; leme, 2006; lemann, 2014, 2015; ZecHi, 2008, 2014; garcia, 2009, 2010; aQuino, 2016.

3 tardeli, 2003; oecd, 2013; silva, matos, 2017; tartuce, nunes e almeida, 2010

4 talis, 2009, 2013. principais resultados disponíveis em: http://www.oecd.org/edu/school/talis-2013-country-note-Brazil-portuguese.pdf.

5 ocde, 2017. disponível em http://www.ideas-forum.org.uk/news/item/89-oecd-global-competency-report-published.

6 aBramovaY, 2016. disponível em http://flacso.org.br/files/2016/03/diagn%c3%B3stico-participativo-das-viol%c3%aancias-nas-escolas_completo_rev01.pdf.

O Brasil tem altíssimos índices de violência envolvendo jovens, e, se-gundo a Organização Mundial da Saú-de (OMS), a violência interpessoal é a maior causa de morte destes.1 O conceito de violência interpessoal inclui assassinatos, agressão, brigas, bullying, violência entre parceiros se-xuais, feminicídio e abuso emocional.

Os conflitos estão bastante presentes também no interior das escolas. A indisciplina dos alunos é considerada um dos fatores mais preocupantes no cotidiano escolar pelos professores.2 Inúmeros estudos3 mostram que a “indisciplina” contribui para a insa-tisfação, a desmotivação e o estresse dos docentes, impactando a atrativi-dade e a permanência na carreira do magistério. Segundo a pesquisa Tea-ching and Learning International Sur-vey – Talis –,4 de 2013, o Brasil é um dos países que apresentam maior fre-quência de problemas disciplinares em sala de aula, sendo que os profes-sores utilizam por volta de 18% do tempo de aula para conseguir manter a classe em ordem.

Os dados de outra pesquisa, realizada pela OCDE5 com mais de 100 mil pro-fessores e diretores de escola dos en-sinos fundamental e médio de 34 paí-ses, revelam que, no Brasil, 12,5% dos educadores disseram sofrer agressões verbais ou intimidações de alunos ao menos uma vez por semana (a média entre todos os países foi de 3,4%).

A violência na escola é sentida também pelos alunos. O estudo coordenado pela socióloga Miriam Abramovay6, pesquisadora da Faculdade Latino- -Americana de Ciências Sociais (Fla-cso), em investigação com mais de 8 mil jovens estudantes em sete capitais, aferiu que 70% desses alunos consi-

mente por estudantes dentro de co-légios, índice inferior aos 2,3% de 2007. Porcentagem parecida foi en-contrada entre os docentes que rela-taram casos de agressão física contra alunos cometida por professores na escola em que atuavam (1,5% em 2011 e 1,62% em 2007). Revelou-se também que, em 2011, 0,85% dos professores relatou ter visto alunos frequentarem a escola portando armas de fogo, sen-do 1,14% em 2007. E, ainda, 4,04% relataram casos de alunos portando facas e canivetes na escola em 2011, contra 5,17% em 2007. Esses resul-tados indicam que, na média, não houve aumento desse tipo de violên-cia em cinco anos. Claro que existe violência escolar, mas em menor nú-mero do que o alardeado. Sua maior incidência é encontrada, principal-mente, em algumas unidades esco-lares de grandes centros.

Então, por que essa percepção gene-ralizada de aumento da violência es-colar? A resposta pode estar na falta de diferenciação dos diferentes pro-blemas de convivência, sendo todos considerados violência. Constata-se tal equívoco em uma pesquisa feita pelo Sindicato dos Professores do En-sino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o Instituto Data Popular8

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7 DEBARBIEUX, 2006; LUCATO, 2012; RAMOS, 2013; BLAYA et al., 2006; GARCIA, TOGNETTA, VINHA, 2013.

8 APEOESP, 2015.

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A incivilidade ou as pequenas infra-ções à ordem estabelecida, como, por exemplo, provocações, comporta-mentos irritantes, insultos, zombarias, grosserias, conversas à margem do que se está tratando em classe, falta de pontualidade, indelicadeza, atri-buição de apelidos, demonstração de indiferença, interrupção, entre outras, são condutas que se contrapõem às regras da boa convivência, do que se espera de um bom comportamento social e, portanto, são condutas “per-turbadoras”, mas não violentas.

Comportamentos como esses sempre estarão presentes em maior ou menor grau na escola e incomodam mais pela intensidade e frequência do que pela gravidade. É o que mostra o relato a seguir de uma classe de 8o ano em que havia muitas incivilidades:

a classe com muito ruído, alunos em pé, gritando, não se escuta uma con-versa em tom mais baixo. a professo-

ra vai andando e segurando os braços dos alunos que estão em pé, abaixan-do-os, fazendo com que se sentem. ela se volta para frente da turma e come-ça a explicar o conteúdo e dizer que era para fazer a atividade que estava colocada na lousa, mas o barulho não permite que seja ouvida, pouquíssimos alunos prestam atenção.

profª: – gente, vamos sentar, vamos sentar...

ninguém a ouve. a classe continua no maior barulho. duas alunas se apro-ximam da professora para perguntar se a proposta era para ser realizada em dupla ou individualmente. ela res-ponde para todos da classe:

profª: – gente, está escrito na lousa, vocês sabem ler!

alguns alunos jogam pedacinhos de papel nos outros colegas. apesar de ver a brincadeira, a professora não realiza nenhuma intervenção. Quando os alunos querem pedir licença para os colegas para ver o que está escrito na lousa. gritam:

– licenÇa!

ninguém escuta o pedido desses alu-nos sobre sair da frente da lousa, ou, se o ouvem, ignoram. a maioria não faz a atividade, continua conversan-do e brincando com o colega ao lado.

Inúmeras vezes, as incivilidades são vistas como “brincadeiras da idade” ou “falta de educação”, sendo ignoradas ou contidas rapidamente pelos profes-sores quando atrapalham a ordem da classe e o trabalho com os conteúdos. Ao agirem assim, acabam por promo-ver um ambiente favorável à banaliza-ção dos maus-tratos, posto que o docente não realiza intervenções cons-trutivas que auxiliem alunos a com-preender a necessidade do respeito a qualquer pessoa, da coordenação de perspectiva e sentimentos e do “tratar bem” nas relações entre os pares.

que teve como participantes 1.400 docentes de escolas estaduais paulis-tas. Os resultados mostraram que es-ses professores consideram violência escolar xingamentos; violência física; falta de educação; problemas fami-liares; violência/agressão em geral; bullying; mau comportamento entre alunos. Também aparecem indisci-plina, drogas e álcool, falta de valo-rização do professor e vandalismo. Percebe-se, portanto, que muita coi-sa é considerada violência, incluindo até falta de educação, mau compor-tamento e problemas dos pais. Esses professores parecem desconhecer a existência de diversos tipos de pro-blemas de convivência, com nature-zas distintas e que pedem intervenções também diferenciadas para que re-sultem em melhoria no convívio.

Tal indiferenciação tem sido encon-trada também na mídia em geral. Um exemplo foi veiculado no jornal pau-listano Agora, em 10 de abril de 2013, numa reportagem intitulada “Crescem casos de violência em escolas estaduais de SP”. Na matéria consta que “o nú-mero de casos de indisciplina, brigas, vandalismo, furtos, roubos e outros delitos registrados em escolas esta-duais da capital mais do que dobrou em dois anos”. E aponta para o regis-tro de 2.154 ocorrências em 2010, contra 5.378 casos em 2012.

No trato com as incivilidades, é im-portante diferenciar aquilo que “nos” incomoda (perspectiva particular), como as gírias ou chicletes, dos atos que realmente interferem na qualida-de da convivência do grupo (perspec-tiva coletiva), como provocações constantes ou rispidez. Essas questões devem ser discutidas com os profes-sores, em busca de coerência da equi-pe nas intervenções, e com a classe, nos encontros sistematizados para conversar sobre os problemas, sem nomear ninguém, dando espaço para que os alunos digam como querem ser tratados e elaborando normas em con-junto. O foco deve ser na qualidade da convivência que todos querem ter.

Não raro, no cotidiano da sala de aula, a incivilidade é confundida com in-disciplina. As incivilidades, indisci-plinas e transgressões são consideradas condutas perturbadoras (e não vio-lentas), porém se diferenciam. Atual-mente, pesquisadores da área9 consi-deram indisciplina ações e situações

9. amado, 2001; ZecHi, 2008, 2014; estrela, 1994; garcia, 2006, 2010, 2013; moriconi, BÉlanger, 2015; silva, matos, 2017.

Constata-se, assim, que a indisciplina e as brigas são vistas como violência, o que gera alarmismos e incentiva me-didas coercitivas e controladoras, como, por exemplo, a contratação de empresas de segurança, instalação de filmadoras e parcerias com as secre-tarias de Segurança ou com o Exérci-to na gestão das escolas, buscando-se na atuação policial o que caberia às escolas. Assim, elas são desqualifica-das em seu papel de formar para a cidadania e destituídas de sua função pedagógica de promover a aprendiza-gem da convivência democrática. Essa questão é séria e precisa ser discutida pela comunidade escolar e pela socie-dade, porque influencia diretamente a formação que queremos oferecer para nossas crianças e jovens.

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Ao analisarem o fenômeno da indis-ciplina escolar por meio dos dados do Pisa, Silva e Matos10 observam que as situações de indisciplina ocorrem tan-to em escolas públicas quanto em particulares, não havendo relação significativa com nível socioeconô-mico, origem familiar, infraestrutu-ra da escola, gênero e tamanho da classe. Porém, identifica-se uma re-lação significativa com a repetência e com relação professor-aluno (quan-to melhor a relação professor-aluno, menor a indisciplina). As pesquisas revelam também que a indisciplina depende mais de fatores intra do que extraescolares, e as características, atitudes e práticas do professor podem exercer um papel fundamental na sua prevenção. Essas atitudes traduzem--se no tratamento justo e respeitoso, no bom relacionamento com os alu-nos, na disponibilidade para ajudar os estudantes, na escuta atenta e no interesse demonstrado pelo bem-es-tar dos menores.

As intervenções construtivas nas si-tuações de indisciplina buscam a me-lhoria da relação professor-aluno, o estabelecimento ou a revisão do con-trato professor-aluno e a revisão das ações pedagógicas que levem os es-tudantes a conectarem-se novamen-te com a aprendizagem.

variadas que compartilham alguma forma de desordem nas relações pe-dagógicas, capazes de interferir nas condições de aprendizagem, como, por exemplo, alunos fazerem o jogo da velha durante a apresentação de um seminário. Ela atravessa a relação pro-fessor-aluno e está relacionada à rup-tura do contrato de aprendizagem. Apesar de poder ser atribuída à indis-posição dos alunos, também pode ser decorrente de um currículo não co-nectado com a linguagem, cultura e condição econômica dos alunos

Na aula de História do 8° ano, o pro-fessor pediu que os alunos abrissem no capítulo 6°. Começou a ler em voz alta o texto que iniciava esse capítu-lo e, após um ou dois parágrafos, fa-zia uma pausa para explicar aos alu-nos o que tinha sido lido. Enquanto ele lia em voz alta, observamos a clas-se bastante dispersa: um aluno dese-nhava cuidadosamente com caneta nas costas das mãos; uma garota pas-sava corretivo líquido nas unhas como se fosse esmalte; alguns alunos esta-vam desatentos, meio sonolentos; outros conversavam entre si; três me-

ideia expressa pelo método pikas, desenvolvido pelo psicólogo sueco anatol pikas para os casos já confirmados de bullying. ele defende que a solução do problema do bullying é compromisso de todos os envolvidos. É uma abordagem que tenta investigar as causas desse problema, bem como chegar a uma solução duradoura para o caso por meio de uma série de reuniões individuais ou coletivas com os estudantes envolvidos.

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ninos e duas meninas jogavam papei-zinhos, tampas de caneta e borracha uns nos outros, mas de forma velada... Às vezes, o professor interrompia a leitura e pedia que um aluno conti-nuasse a ler de onde ele tinha parado. Diante do desconhecimento do aluno do lugar em que deveria começar a leitura, o professor chamava outro, e assim por diante, censurando-os por não estarem atentos, pelo mau com-portamento e pelas brincadeiras. Dis-se que esse capítulo ia cair na prova e que não iria repetir a explicação.

Para lidar com a indisciplinaRetomamos o relatório do Talis que cons-tatou que os professores brasileiros per-dem 18% do tempo de aula tentando controlar a indisciplina: “Os resultados do Brasil indicam que um número subs-tancial de professores não alcança o padrão mínimo de disciplina em sala de aula que permita o ensino”.

10. silva, matos, 2017. disponível em http://dx.doi.org/10.18222/eae.v28i68.4590.

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11. LUCATTO, L. C. A justiça restaurativa nas escolas: investigando as relações interpessoais. Dissertação de mestrado, Campinas: Unicamp, 2012.

Já o bullying não é conduta perturba-dora, mas sim violenta, pois é a prá-tica de atos agressivos entre pares. Ele se diferencia de outras formas de vio-lência pelas seguintes características: há intenção do(s) autor(es) em ferir; são atos repetidos contra um ou mais alvos constantes; há uma concordân-cia do alvo sobre o que pensam dele e há espectadores. Esse aspecto é mui-to importante porque os ataques de bullying são escondidos dos adultos, mas não dos pares, ou seja, há sempre uma plateia que testemunha as agres-sões. São garotos e garotas, de idades próximas, que assistem silenciosos e alimentam o problema, dando poder e prestígio ao autor. Muitas vezes, esse público participa com risos, manten-do a imagem de que isso é divertido e de que pertence ao grupo dos po-derosos. Há, ainda, a excessiva preo-cupação com a própria imagem perante os outros ou o medo de se tornar vítima. Os adolescentes estão construindo sua identidade social e receiam não serem aceitos. A entre-vista que se segue,11 com um garoto alvo de bullying, ilustra essas ideias:

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Os conflitos escolares ainda são mal compreendidos no Brasil. Em geral, a instituição escolar não se vê como também promotora deles e muito me-nos se sente implicada na busca de soluções que promovam a aprendi-zagem da convivência democrática. Muitos consideram que o gerencia-mento dos problemas comportamen-tais está além da função de professor e pedem intervenções externas para coibi-los. No estudo realizado pela Apeoesp,15 a maioria dos professores (74%) considera que a falta de res-peito, de valores e de educação dos alunos é a principal causa da violên-cia nas escolas. Atribuem também a violência à educação em casa (49%) e à desestruturação familiar (47%) e sugerem como medidas para a redu-ção desse problema os debates sobre o tema, profissionais de suporte pe-dagógico, investimento em cultura e lazer e policiamento nas áreas próxi-mas. Ao serem questionados sobre quem pode resolver o problema da violência nas escolas, mais de um terço dos docentes apontam a família (35%), o Estado (19%) e a diretoria (13%). Esses dados vêm ao encontro de outros estudos, como o realizado pela pesquisadora Maria Malta Cam-pos, da PUC-SP (A qualidade da edu-cação sob o olhar dos professores, 2008), que indicam que a escola não se vê como também promotora dos confli-

estão presentes em cerca de 30% dos estudantes pesquisados. Especifica-mente, o bullying foi verificado em 10% dessa amostra, não havendo di-ferença significativa na ocorrência entre as escolas das capitais e das ci-dades do interior. Outra pesquisa, coordenada pelos pesquisadores Tog-netta, Rosário e Avilés13 com 2.600 estudantes entre 14 e 15 anos de es-colas públicas e privadas do estado de São Paulo, aferiu que 16% deles eram alvos, 19,5%, autores e 63%, espec-tadores de episódios do gênero.

A partir de um diagnóstico, a cons-trução de um programa antibullying exige uma reflexão da comunidade educativa sobre as próprias condutas, assumindo novos compromissos e pro-pondo estratégias sistêmicas tais como: círculos de qualidade, desenvolvimen-to da assertividade para vítimas e da empatia para agressores, aplicação do método de preocupação compartilha-da (ver texto na pág. 77),além da for-mação de equipes de ajuda.14 Devemos atuar também na plateia, já que a iden-tificação do bullying no estágio inicial é mais fácil para os alunos e o auxílio, eficaz. É preciso construir um progra-ma permanente com estratégias claras de intervenções no curto e no longo prazo que permitam que a escola es-teja de fato atenta às angústias de seus alunos.

pesq.: você disse que não gosta de algumas coisas na sua sala, o que você não gosta?

aluno: alguns alunos ficam me xin-gando, outros ficam me batendo, dando rasteiras... aí a gente cai, ficam xingando, batendo na gente, entra na sala enchem o saco e a gente não consegue fazer a lição.

pesq.: e eles xingam de quê?

aluno: ah... de gay filho da puta.

pesq.: e o que você faz quando eles te xingam?

aluno: eu falo que vou falar pra coor-denadora, eles me ameaçam... então eu fico com medo porque a mãe não tem tempo de vir aqui, né?

pesq.: como você se sente na hora que te xingam?

aluno: ah, eu me sinto muito “ruim” porque as pessoas não têm educação pela gente. eles querem “se achar” só porque são mais velhos que a gente... maiores, né? fica todo mundo rindo, achando engraçado me zoarem.

Um estudo12 realizado pelo Centro de Empreendedorismo Social e Admi-nistração em Terceiro Setor (Ceats) e Fundação Instituto de Administração (FIA) com mais de 5 mil alunos do ensino fundamental 2 mostra que os maus-tratos entre pares na escola

tos, muito menos se sente implicada na busca de soluções que promovam aprendizagem da convivência demo-crática. Consideram a administração das situações conflituosas entre os estudantes como algo desviante da função de professor e, por conseguin-te, propõem intervenções externas para coibi-las.

A forma como lidamos com os con-flitos interfere na formação das nos-sas crianças e jovens. Gostaríamos que os alunos respeitassem volunta-riamente as regras, quando justas e necessárias. Por outro lado, o despre-paro e a insegurança quase generali-zada dos educadores diante dessas

situações acarretam o emprego de soluções temporárias, tais como as punições e a vigilância sistemática. Um aluno que agride e é punido com advertência ou suspensão pode apren-der a evitar brigas na escola ou a não ser pego, mas não significa que de-senvolveu formas não violentas de expressar seus sentimentos e estra-tégias mais cooperativas e respeitosas para resolver seus conflitos. Não raro, tais conflitos acabam se transferindo para “a rua” ou para o mundo virtual. Ao utilizar principalmente procedi-mentos disciplinares normativos e punitivos, a atuação da instituição parece ter como objetivo principal somente evitar os conflitos dentro do seu espaço. As escolas têm atuado como “bombeiros”, “apagando in-cêndios” depois que os conflitos ocor-rem, e não agindo de maneira preventiva, com ações sistematizadas coordenadas.

Não queremos formar jovens “edu-cados” apenas quando estão diante de autoridades ou quando monitora-dos. O ideal é que eles aprendam a interagir seguindo critérios e regras morais que sempre consideram os sentimentos, as necessidades e a pers-pectiva de si mesmos e as dos outros. Por ser um laboratório social por ex-celência, em que uma pessoa perma-nece por muitos anos, a escola tem uma influência e uma responsabili-dade significativa na formação de cidadãos autônomos, que sabem re-solver conflitos de maneira assertiva e não violenta.

12. plan, 2010. disponível em http://www.ucb.br/sites/100/127/documentos/biblioteca1.pdf.

13. tognetta, rosÁrio, avilÉs, 2016.

14. as equipes de ajuda são uma modalidade de sistemas de apoio entre pares ou redes de proteção em que alunos são escolhidos pelos colegas para atuar diante dos problemas de vitimização e

maus-tratos entre pares e outros conflitos que impedem ou prejudicam a convivência na escola (tognetta, daud, 2017).

15. apeoesp, 2013.

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músico argentino Emilio Balcarce já somava 82 anos quando foi procurado para ser diretor de uma or-questra-escola que levaria o seu nome. Esquecido desde o final dos anos 1970, Emilio guardava um conhecimento que ameaçava perder-se sem chegar às novas gerações. Maestro, compositor e instru-mentista, ele era a memória viva da técnica com que sua geração tocava os tangos que se tornaram sinô-nimo não só da cultura, mas da alma argentina. E, entre todos os instrumentos, o que ele melhor do-

minava era o bandoneon, símbolo maior do gênero musical definido como “um pensamento triste que se dança”.

E o que faz aqui a história de um músico argentino? Bem, ela tem mais a ver conosco do que parece num primeiro momento. A escola de Bal-carce foi o ponto de inflexão para unir passado e presente, com a téc-nica dos antigos – vários outros foram reunidos – passando aos jovens, que a somaram ao que já sabiam e ampliaram seu repertório e sua formação com esse convívio. Se você gosta de música, pode conhecer melhor essa história por meio do documentário Si sos brujo, una histo-ria de tango (2005), de Caroline Neal (http://bit.ly/2JmdGSa).

Agora, se você está mais preocupado com a educação brasileira, assim como o cientista político Fernando Abrucio, chefe do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, é bom tomar esse exemplo como análogo, em escala bem menor, ao problema que estamos próximos de viver com nossos professores. Isso porque, do total de 2,2 milhões de docentes de educação básica no Brasil, cer-ca de metade deve se aposentar num prazo que varia de quatro a oito anos. E serão substituídos por jovens que chegarão às escolas menos preparados do que eles próprios chegaram.

É preciso fazer da escola uma verdadeira comunidade de aprendizagem, propiciando o convívio constante entre professores com variados níveis de experiências, defende cientista político

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“É preciso criar uma cultura profissional do ofício de professor”, reforça Abrucio, para quem a formação tem o importante papel de dar com-petências profissionais diversas – interpessoais, de comunicação, didáticas, metodológicas. Mas essa cultura comum, criada no convívio em que se ensina uma técnica particular de percutir um instrumento ou de saber abordar um aluno, precisa de espaço para ocorrer. “É no período de residência que os médicos viram médicos. Não temos um espaço institucional em que os professores viram professores”, observa.

Antes disso, no entanto, é preciso atrair os jovens à profissão, dificuldade que tem sido verificada em vários países. Um exemplo re-cente de nação que resolveu atacar o problema com uma campanha pública de convencimen-to é o Chile. Mesmo com a melhor educação da América do Sul, o país aprovou em 2016 uma lei que cria o sistema de desenvolvimen-to profissional docente. No seu embalo, em 2017, veiculou uma campanha para incentivar os jovens à docência. Um dos filmes publici-tários trazia a então ministra da Educação, Adriana Delpiano, atribuindo o futuro de me-ninos e meninas chilenos aos docentes. Sob o título Professores: a profissão mais importante do Chile, buscou despertar nos jovens o signi-ficado que a escolha representa.

Fator estratégicoCom a revolução digital dos últimos anos e a transformação do conhecimento em um gran-de diferencial das economias contemporâneas, a educação tem sido objeto de reformas re-centes em muitos países. E, como ressalta Abrucio, um dos grandes desafios do Brasil é pensar em termos sistêmicos, para que as ações tenham mais efetividade e não se tornem ape-nas esforços isolados.

Nesse sentido, um caminho que pode nos aju-dar é aquele apontado pela pesquisadora e presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Bernardete Gatti, que defende que a formação de todas as licenciaturas das disciplinas específicas deveria ocorrer num mesmo lugar, também com a licenciatura em pedagogia, oferecendo, além de conhecimen-to disciplinar específico, o conjunto de saberes batizado na Europa, desde os anos 1960, de ciências da educação, mesmo título do livro de um dos pioneiros do campo, Gaston Mialaret.

Ou seja, que metodologias, didáticas e todas as experiências práticas pudessem dialogar diretamente também com as disciplinas que lhes dão base teórica, da antropologia à neu-rociência, passando pelos fundamentos clássicos (sociologia, história, psicologia e filosofia da educação).

“Vamos ter um terrível apagão docente”, aler-ta Abrucio. E uma das alternativas para evitá-lo ou para minimizar seus efeitos, diz ele, é apro-veitar da melhor forma possível esses expe-rientes professores em vias de se aposentar. Para tanto, ele aponta duas possibilidades: ou atrasar o processo de aposentadoria (o que ajudaria a aliviar o problema fiscal do país), ou criar um mecanismo de premiação, sem in-corporação do benefício, para aqueles que se aposentarem virarem mentores dos jovens docentes que estão ingressando na carreira.

Em conversa com o Caderno, Abrucio listou e comentou os principais fatores que podem dar materialidade para a muito comentada e pou-co detalhada ideia da valorização docente. Entre esses pontos destacam-se:

• mudanças substantivas na formação inicial e continuada dos professores;

• aumento da atratividade da carreira, com a criação de campanhas de comunicação e de incentivos financeiros para que os jovens mais qualificados se interessem pela profissão;

• melhoria dos canais para a escuta docente;

• um novo desenho da carreira, com oferta de salário inicial mais alto e vários níveis inter-mediários;

• transformação das escolas em comunidades de aprendizagem, com a permanência do professor, se possível, em tempo integral;

• criação de uma cultura do professor, tradu-zida na noção de profissionalidade que daria identidade a todos como sujeitos de um mes-mo ofício.

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No entanto, outro elemento é importante para essa escolha: a destinação de incentivos finan-ceiros, em forma de bolsas que vigorem na graduação ou mesmo no ensino médio, como forma de atrair os estudantes para a carreira. Quando isso é feito já no ensino médio, ajuda aqueles que necessitam desde cedo colaborar com a renda de suas famílias.

Para completar as estratégias de atratividade, deve-se elevar o salário inicial. No âmbito das carreiras públicas no Brasil, muitas delas, es-pecialmente aquelas ligadas ao direito e à jus-tiça, tiveram o salário de entrada bastante ma-jorado desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, a ponto de ultrapassar o ganho inicial de um professor em mais de uma dezena de vezes. Em 2016, por exemplo, o vencimento inicial de um procurador da República ou de um juiz federal era de R$ 28.947,55, cerca de 13,5 vezes mais do que o piso salarial do pro-fessor, que no mesmo ano era de R$ 2.135,64.

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função – de professor para diretor ou técnico de secretaria – para receber um salário maior. Com isso, desfalca a escola e vai exercer algo para o qual não foi preparado, que exige outras competências, o que demandará novamente um longo aprendizado. No citado exemplo de Cingapura, o docente permanece vinculado a uma escola, a não ser no topo da carreira, em que existe a figura do mestre, alguém que muda de escolas, porém com a missão de trazer, como um docente de alta especialização, um olhar de fora para as práticas que analisa.

Momento-chaveEssa troca geracional que se avizinha, ao lado da alta competitividade internacional que tem redundado nas mudanças dos sistemas de di-versos países, torna o momento de extrema importância para que o Brasil mexa conjunta-mente na formação docente, nos processos da carreira e na oferta de formação continuada.

Dois aspectos devem ressaltados nesse senti-do. O primeiro deles é que a educação, como enfatiza o professor da FGV, é um fenômeno intergeracional, o que vale tanto para alunos e famílias como para professores. E a nova geração que está assumindo os postos de do-cência vem, em sua maioria, de famílias com pouca escolaridade, resultado da tardia uni-versalização brasileira. Significa que esse ciclo de aprendizado contínuo, de preferência uti-lizando ao máximo a geração que está se apo-sentando, será vital para que não decaiamos do ponto em que estamos.

O segundo ponto assinalado por Abrucio é que precisamos manter os olhos abertos para o que está acontecendo no mundo, para as experiên-cias que estão dando certo, o que se está bus-cando, principalmente em países com cultu-ra ou histórico semelhante ao nosso.

Como enfatiza o professor da FGV, essa dife-rença acaba sendo ruim para os dois lados: para o procurador ou juiz, gerará frustração ao lon-go da carreira, pois já começa num patamar muito alto, tendo pouca margem para subir; além disso, tende a atrair para o professorado aqueles que não têm condições de conseguir outras funções mais bem remuneradas. Para o país, o desequilíbrio cria desigualdade exces-siva e insatisfação geral. Mas aqui há uma cer-teza: para valorizar a carreira docente, atrair jovens mais bem formados e conquistar parâ-metros mais elevados de profissionalidade, será preciso fazer esse esforço, que se traduz na sinalização, com um salário inicial mais robus-to, de uma carreira que permita progressões. Ou seja, é questão de achar a dosagem certa.

Comunidades de aprendizagemEssa progressão, hoje, está ligada quase que exclusivamente a um fator inercial: o tempo de serviço. Numa época extremamente dinâmica, com muitos novos aportes teóricos chegando às escolas e pedindo diálogo com a prática, esse modelo tem se mostrado mais do que esgotado.

O modelo que mais tem prosperado transfor-ma a escola no centro do processo de apren-dizagem não só de alunos, mas também dos próprios professores. Vários países têm orga-nizado as escolas como comunidades de apren-dizagem, entre eles Portugal, Finlândia, Cingapura, Xangai (China) e o estado da Co-lúmbia Britânica, no Canadá, entre outros. Esses lugares instituíram a escola como um local onde circula e se constrói continuamen-te um saber colaborativo.

No caso de Cingapura, há mentores na esco-la que funcionam como lideranças que orga-nizam o processo em conexão com o órgão

Por exemplo, se muitos sistemas, em especial os orientais, foram bem-sucedidos em vários fatores, estão hoje se ressentindo da baixa criatividade de alunos que respondem bem a testes padronizados, mas têm dificuldades no campo da linguagem, entre outros. Ou como na Coreia do Sul, em que a pressão excessiva levou o país a ter a maior taxa média de suicí-dio juvenil do mundo.

Por esse motivo, o desejo nostálgico de resti-tuir a “ordem de antigamente”, de uma escola que corresponde mais a uma visão idea-lizada do passado do que à realidade, pode nos fazer retroagir.

“Os defensores do ‘Escola sem Partido’, um modelo que não foi adotado por nenhum país do mundo – não só os bem-sucedidos, mas nenhum –, não percebem que o tipo de esco-la que estão vendendo é a morte da escola e do professor, um desastre no médio e longo pra-zos”, diz Abrucio.

O Escola sem Partido é um movimento que apresentou projetos de lei semelhantes em municípios, estados e no Congresso Nacional, com o intuito, segundo seus defensores, de não permitir doutrinação dos alunos pelos docentes. A Assembleia do estado de Alagoas chegou a aprovar a Lei 7.800/2016, depois vetada por inconstitucionalidade pelo gover-nador Renan Filho. O caso aguarda votação no Supremo Tribunal Federal, com parecer inicial do relator, ministro Roberto Barroso, que tam-bém considera a lei inconstitucional.

equivalente à nossa Secretaria de Educação. Esses mentores vão ajudando os docentes des-de a sua chegada à escola e ao longo de toda a sua carreira. À medida que vão se tornando mais experientes, esses mesmos docentes co-meçam a participar da formação de quem está chegando, e assim sucessivamente.

“Temos de complexificar a carreira docente formando um espaço de aprendizado contínuo, em que se possa ter várias funções – professor iniciante, professor que treina os iniciantes, coordenador de disciplinas, mentor. Com isso, a sala de aula ganharia maior centralidade na política educacional”, sintetiza Abrucio.

Além de esses vários estágios compreenderem a evolução tanto da aquisição de competências quanto financeiras, permitem também que a ascensão profissional não retire o docente da sala de aula ou do ambiente escolar. Hoje, é muito comum que um profissional mude de

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os educadores. Combateu-se a reprovação, em que antes o país apresentava altos índices, e os professores passaram a trabalhar de forma mais coletiva, pensando num processo de me-lhoria constante da educação. Com isso, Por-tugal passou do 29o ao 18o lugar em Ciências no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) entre 2012 e 2015, melhorando também em Leitura (de 22o para 15o) e Mate-mática (28o para 21o).

Recalibragem e dedicação exclusivaIndagado sobre como avalia os resultados do Plano Nacional de Educação (PNE) nas quatro metas relativas à docência (15, 16, 17, 18; ver www.observatoriodopne.org.br), Fernando Abrucio mostra desânimo. “Infelizmente, o PNE deixou de ser uma bússola”, avalia. Para ele, apenas os abnegados da educação ainda cobram o poder público a partir das metas do plano, mas elas já deixaram de ser reais, em parte devido ao seu abandono, em parte por talvez terem sido muito ambiciosas. Ele avalia que é preciso ver o que é factível neste momen-to para restabelecer as metas, cuja existência é imprescindível. “Governos contemporâneos trabalham com metas, e não dá para dobrar as metas se você não sabe qual é a meta”, diz.

Um exemplo é a meta 6, que, em tese, poderia trazer muitos benefícios à educação, sobretu-do ao ensino médio, uma vez que prevê a por-centagem de escolas públicas com matrículas de educação e de matrículas de ensino integral em escolas públicas para 2024 (meta de 50% e 25%, respectivamente, resultados hoje de 40,1% e 15,5%).

A educação integral e em tempo integral traz uma série de benefícios à formação do aluno, se feita adequadamente. Mas custa caro. E, em muitas redes, ofertá-la para alguns significa tornar precária a oferta para outros ou, ainda que se mantenha igual, ter uma oferta desnivelada.

O melhor seria, então, que a matriz de acompa-nhamento e pensamento fosse haver professores trabalhando em um único local em tempo integral, pois a sua permanência por mais tempo e traba-lhando em uma única unidade é o maior benefí-cio da escola de tempo integral, defende Abrucio.

Essa presença seria um ponto basilar para a formação das comunidades de aprendizagem, para a interação entre os docentes, para a rea-lização de um trabalho efetivamente coletivo e o acompanhamento da carreira. Significaria, também, dar mais institucionalidade à escola, fortalecer o ambiente escolar, criar uma iden-tidade entre profissional e local de trabalho.

Segundo muitos economistas brasileiros, a edu-cação tem sido um empecilho para o cresci-mento do país, cujos índices de produtividade estão estagnados faz algumas décadas. E, aler-ta Abrucio, “se matarmos a escola e o professor, nosso futuro é o subdesenvolvimento”.

Por isso, ao falarmos sobre valorização docen-te, precisamos passar do apoio genérico à de-finição mais precisa do que ela significa. E, ao olharmos os exemplos internacionais, três deles dizem mais coisas ao Brasil. Em primei-ro lugar, o já mencionado Chile, pela proxi-midade geográfica e histórica, exemplo no processo de construção social de uma nova importância para o professor. Em segundo lugar, a Austrália, que já serviu de base na questão curricular e também pode fazê-lo em relação à articulação federativa, um de nossos grandes entraves para fazer funcionar as po-líticas públicas.

E, por fim, o país de maior influência e proxi-midade histórica e de pensamento, que é Por-tugal. Como o Brasil, Portugal universalizou tarde a educação, apenas nos anos 1970. Aí, como bem expressou o educador António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, em discurso feito no Brasil anos atrás, os portugueses fizeram uma opção clara pela escola pública, atrelada inclu-sive ao processo de redemocratização do país.

Depois, a partir do início desta década, houve uma grande reforma na formação inicial e a adoção das escolas como comunidades de apren-dizagem, estimulando a formação continuada.

Isso criou uma mudança de mentalidade entre

Por meio desse processo é possível garantir a transmissão geracional de conhecimentos em meio a buscas de novos parâmetros. E, refor-çando os laços com a cultura nacional, talvez tornássemos mais conhecido o fato de que houve, lá no século 19, um gênero musical chamado de tango brasileiro. Seu maior ex-poente foi o compositor Ernesto Nazareth, autor de clássicos como Brejeiro e Fon-fon (am-bos denominados tangos brasileiros, mas re-conhecidos como autênticos chorinhos). A primeira composição desse gênero misterioso, no entanto, permite muitas e variadas leituras do Brasil, com a criatividade que não nos fal-ta: assinada por Henrique Alves de Mesquita em 1871, chama-se Olhos matadores.

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ricardo paes de barros é economista-chefe do Instituto Ayrton Senna (IAS) e professor da cátedra de mesmo nome no Insper.

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Como se dá a articulação entre educação de qualidade e a competitividade de um país? Ninguém sabe direito como se dá essa relação. O que se sabe é que, na maior parte dos países, quando melhora a educação, a pro-dutividade aumenta. E se houver mais pro-dutividade, em alguma medida, o país se torna mais competitivo. Aumentar a educação, no Brasil, não tem ajudado a melhorar a pro-dutividade. Desde o início da década de 1980, ela está meio parada, apesar de termos au-mentado muito a quantidade de educação. Parte disso é falta de qualidade, o que tem de mudar. O Brasil está sendo ultrapassado, em termos de produtividade por trabalhador, pela China. Com uma produtividade menor que a da China, não teremos um salário muito maior do que o chinês. É um problema grave que temos de entender com mais cuidado. Pode ser tanto um problema da educação como também do sistema econômico.

entrevistacom ricardo paes de barros

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ducação de quali-dade só ocorre com professores de qua-lidade dando aulas de qualidade. Para que esse encadeamento se estabeleça, a chave im-prescindível é o professor. Essa é a lógica defendida

por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna (IAS) e professor da cátedra de mesmo nome no Insper. Pesquisador de questões como desigualdade social, mercado de trabalho e educação, PB, como é conhecido, considera fun-damental o reconhecimento do professor, tanto em termos sociais quanto monetários.

Na entrevista a seguir, feita na sede do IAS, em São Paulo, ele aborda temas como a relação entre edu-cação e competitividade de um país, sistemas de avaliação do docente e comenta casos bem-suce-didos na educação do Brasil.

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Como você analisa o nosso mo-delo de financiamento da edu-cação básica?A ideia do Fundeb [Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], de que o gasto por aluno tem de ser equalizado na medida do possível, é sensacional. Temos de aprimorar, desenvolver mais, porque só o Fun-deb não dá conta. Em boa medida, ele tenta equalizar o gasto por alu-no dentro de cada unidade da Fe-deração e de cada etapa – médio, fundamental etc., mas não consegue equalizar o gasto por aluno entre estados, porque o que o governo federal coloca não é suficiente para isso. Não tem de ser exatamente igual, porque pode haver variação de custo de vida que justifique al-guma diferença, mas a diferença que há ainda é muito grande. É pre-ciso fazer vários reparos no finan-ciamento, na direção de nos apro-ximarmos de um gasto por aluno mais igual. Se bem que o ideal seria gastar mais nos lugares mais vul-neráveis e menos num lugar menos vulnerável, de maneira que se pos-sa fazer uma discriminação positi-va e melhorar a igualdade. Mas a ideia básica do Fundeb é muito boa.

Há um descompasso? As atividades econômicas têm de saber aproveitar a educação que o brasileiro tem. É surpreendente haver, por exemplo, multinacio-nais das mais variadas no Brasil e, mesmo assim, não termos os cen-tros de pesquisa e desenvolvimen-to dessas empresas. Então, não é só que a educação não fala com a atividade econômica. A atividade econômica talvez tenha certa di-ficuldade em conversar com a edu-cação no Brasil.

Qual a sua definição de educa-ção de qualidade?Tem uma célebre visão da Unesco, quatro grandes pilares da educação. A boa educação é aquela que de-senvolve plenamente a pessoa. O que isso significa? Segundo o rela-tório Delors [político francês Jacques Delors, que organizou para a Unes-co o relatório da Comissão Interna-cional sobre Educação para o Sécu-lo 21], significa aprender a aprender, que é aprender para o resto da vida; tem de se tornar uma pessoa capaz de realizar coisas; tem de aprender a conviver, essencialmente saber viver em sociedade, saber se rela-cionar, resolver conflitos etc.; e aprender a ser, que é se conhecer, gerenciar bem seu comportamen-to, suas emoções, seu pensamento. Uma educação que cobre essas qua-tro áreas é uma educação de boa qualidade, que vai gerar um jovem autônomo, que sonha, formula pla-nos futuros e busca esses sonhos.

Como analisa o volume inves-tido hoje, dos pontos de vista do percentual do PIB geral e do investimento por aluno, per ca-pita? Em 2015, vários países se reuniram na Coreia do Sul e decidiram que o gasto com educação tem de ser en-tre 4% e 6% do PIB. Estamos che-gando aos 6%. Estamos gastando duas vezes mais do que com saúde, é um dos setores sociais que menos podem reclamar de falta de esforço fiscal. Evidentemente, o Brasil tem uma renda per capita mais baixa e o gasto por aluno é menor. O salário do professor, aliás, o salário de todo mundo no Brasil, é muito menor do que o salário de todo mundo na Ale-manha. É natural que nosso gasto por aluno vá ser menor, uma vez que a educação é uma coisa muito intensiva em recursos humanos; portanto, o gasto em recursos hu-manos é praticamente todo gasto com educação. Um país que tem um salário mais baixo vai ter um gasto mais baixo.

Com o salário mais baixo, a atratividade da carreira é menor e tende a atrair gente menos qualificada. O professor recebe de 60% a 70% da remuneração de outros profissionais com for-mação superior equivalente. Depende do local. Em São Paulo, o salário do professor municipal é muito mais alto que o salário do professor estadual. No Mato Grosso do Sul, o salário é muito mais alto do que o salário em São Paulo. O professor é um cara muito impor-tante. O exemplo máximo disso é o Japão, onde todo mundo tem de se abaixar perante o imperador, menos o professor, porque até o imperador precisa de um professor. Nunca ha-verá educação de qualidade se não

houver professor de qualidade. Você pode pagar mal o professor? De jei-to nenhum. Agora, é preciso inven-tar um sistema de pagamento para ele. Tem de estudar o plano de car-reira dos professores, que é uma das coisas mais importantes para o país. Saber selecionar os professores e pagá-los muito bem.

Ouve-se a expressão “apagão docente”. É o que mostram os dados?A posição do salário dos professores perante o mercado flutua muito. E depende muito do lugar em que você está. Quando se entra numa recessão, o salário de todo mundo cai e o salário do professor começa a ficar mais atraente. Quando vem a recuperação no salário de todo mundo, o salário do professor não responde a essas flutuações de mer-cado. No Brasil, dada a importância do professor, a gente deveria ter duas coisas: uma, que o MEC tentou criar, que é uma espécie de concur-so nacional de professores. Não é que cada município tem de seguir aquele protocolo. Mas, se você tiver uma avaliação nacional que consi-ga avaliar quem está entrando na carreira, e pela qual cada município pode escolher “para mim, o mais importante é isso, vou dar peso 5, peso 2 para aquilo e peso zero para aquilo”. Atualmente, cada muni-

cípio, cada estado tem de fazer o seu concurso para conseguir os seus professores. Com uma prova nacio-nal é muito mais fácil, como o Enem hoje. Antes, cada universidade tinha uma prova, era muito difícil para o cara de Roraima entrar numa uni-versidade paulista, o cara tinha de vir aqui fazer a prova ou tinha de fazer várias provas. Agora, você faz uma que vale para todo mundo e eventualmente cada um pode dar peso diferente para aquilo que acha mais importante. É preciso estabe-lecer um sistema que avalie os pro-fessores não só na entrada, mas de uma maneira rotineira. O que não é fácil.

Qual seria a segunda coisa?Avaliar o que é um bom professor é tarefa difícil, não é fazendo uma prova, tem de ver a prática. Os ame-ricanos têm um sistema de certifi-cação de bons professores, veem como eles dão aulas, como corrigem provas, como dão retorno aos alu-nos, como compreendem o que os alunos estão errando, o que estão acertando. É preciso criar um sis-tema para avaliar os professores para estarmos seguros de que o salário deles está compatível com o do mer-cado. E tem de ter uma progressão na carreira que encoraje os profes-sores a participar.

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pode ficar muito chata. Não pode-mos perder a beleza e essa delica-deza da paixão por aprender, co-nhecer. A valorização social dos professores é tão importante quan-to a valorização monetária. Os alu-nos vêm com todo tipo de problema para sala de aula, dar aula é uma coisa emocionalmente demandan-te, muito dura. Não tem dinheiro que vá te convencer a fazer isso, você vai fazer porque realmente gosta. Mas é claro que o salário tem de ser compatível.

Há algum país com o perfil pa-recido como nosso que esteja indo por um bom caminho? Tem um monte de país tendo pro-gresso educacional fantástico, todo mundo investindo pesadamente em melhorar a educação. Os países mais ricos do mundo estão investindo uma fortuna para saber como me-lhorar a qualidade da educação. Coreia do Sul, Finlândia, Portugal, Chile estão muito preocupados com isso, é onde estão botando todo o potencial de uma nova geração. Se usar isso bem, o país vai avançar

incrivelmente. Se usar mal, só pode dar errado. Mas o Brasil não preci-sa olhar tanto para fora, porque a gente tem sistemas educacionais absolutamente fantásticos no Bra-sil. Em Cocal dos Alves, eles sabem mais matemática do que um aluno médio da Alemanha. Então para que precisa olhar para Alemanha? Pos-so olhar para Cocal dos Alves. Bre-jo Santo vai num caminho parecido. Há uma quantidade grande de sis-temas que já alcançaram as metas do Ideb [Índice de Desenvolvimen-to da Educação Básica] para 2021. E estão em lugares geralmente pobres. O Brasil tem muito que aprender com o próprio Brasil. Se quiser olhar para fora, diria para olhar para Por-tugal e Chile, que fizeram avanços importantes, sem deixar de chamar a atenção que eles têm problemas enormes. Não há país que não es-teja envolvido ativamente com o processo de melhoria da educação.

Até que ponto a descontinuida-de de políticas pode comprome-ter a sustentabilidade das ini-ciativas que dão certo por aqui? O Brasil tem uma vantagem: siste-mas educacionais incrivelmente descentralizados. Temos mais de 5 mil sistemas educacionais indepen-dentes. Pode trocar o presidente da República, o ministro da Educação, como aconteceu várias vezes, e o sistema educacional lá no interior do Piauí, do Ceará vai continuar funcionando muito bem. Se fosse centralizado, seria muito mais pro-blemático. Essa descentralização tem duas vantagens: há gente tes-tando coisas muito diferentes, en-contrando soluções diferentes e

Seria o suficiente?Ser professor é uma profissão espe-cial. Nunca ninguém vai ser atraído a ser professor porque vai ganhar bem. O cara é atraído porque tem paixão por dar aulas. Sempre foi assim, é assim em todo lugar do mundo. Obviamente, você não tem de usar isso para abusar dos profes-sores e pagar um salário mais baixo porque eles adoram fazer o que es-tão fazendo. Mas ser professor é, acima de tudo, uma paixão. O cara que não é apaixonado por dar aula, que não é apaixonado por ensinar, é melhor não ensinar, porque não vai dar certo. É preciso atrair os apaixonados por dar aula e remu-nerar de uma maneira que se sintam orgulhosos da profissão que têm.

O reconhecimento social tam-bém ajuda, não é?A gente tem de reconhecer como sociedade. O sucesso de grande par-te dessas cidades no interior do Nor-deste que estão tendo um desem-penho educacional fantástico, como Cocal dos Alves [PI] ou Brejo Santo [CE], ou várias cidades no noroes-te do Paraná, é porque o professor anda na rua e o aluno fala “papai, aquele ele é meu professor”. Essas sociedades estão apaixonadas pelo conhecimento e o professor é um cara muito importante. Educação é uma coisa muito delicada, ou seja, pode ser muito legal se a gente se apaixonar pelo conhecimento, ou

A nossa pesquisa acadêmica tem olhado para esses exemplos? No Inep [Instituto Nacional de Pes-quisas Educacionais Anísio Teixei-ra], você consegue ver em dez mi-nutos que Cocal dos Alves, Brejo Santo, Sobral [CE] são casos ex-cepcionais. Quais são os sistemas bons e com baixo investimento, a gente sabe. O que não sabemos direito, porque não é investigado, é por que esses bons sistemas são bons. Precisamos fazer aquilo que se faz numa escola de administra-ção, que é um estudo de caso. Qual é o segredo de cada sistema desses? O que Sobral faz de bom que tem de ser replicado pelo Brasil? E Co-cal dos Alves? O que Espírito San-to fez que todos os estados brasi-leiros deveriam copiar? Nenhuma instituição do Brasil está fazendo isso. O MEC deveria fazer isso e erra na medida em que está mais preo-cupado em dizer aos municípios o que eles devem fazer, em vez de aprender com eles o que deve ser feito. Não tem sentido ter tantos sistemas e não aprender com eles.

A relação entre o número de anos estudados e a renda média da população continua evoluin-do do mesmo jeito que na dé-cada passada? Em geral, quem tem mais educação, em média, tem uma renda maior. Se você analisar a desigualdade histórica de renda no Brasil – e o trabalho do [economista Carlos] Langoni na década de 1970 deixa-va isso claro –, era fundamental-mente porque a diferença de renda entre pessoas com diferentes níveis educacionais era muito alta. O Bra-sil era um dos países do mundo onde o aumento de educação co-mandava os maiores aumentos de renda. Na década de 1970, as pes-

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entrevista

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te baixa escolaridade sem mexer em quem tem alta escolaridade. Houve também um aumento grande de pessoas que elevou a escolaridade. Mas o Brasil ainda tem um nível de escolaridade muito baixo em função da variedade e da complexidade da produção nacional. Deveríamos de-mandar uma força de trabalho mais qualificada. A gente tem de trabalhar para o nosso sistema econômico se entender melhor com a educação brasileira, que tem de olhar mais para a economia e ver o que os se-tores precisam em termos de com-petências. E o sistema econômico tem de aproveitar melhor e acredi-tar um pouco mais nos talentos e na educação brasileira.

No geral, os nossos sistemas de avaliação da aprendizagem são de bom nível. Mas não devería-mos também avaliar aquilo que contribui para esses resultados, como desempenho docente, a gestão etc.?A gente sabe medir o aprendizado, mas para realmente garantir o di-reito à educação para todos teríamos de medir o aprendizado, a profi-ciência do aluno no início do ano letivo. “Professor X, estou te entre-gando uma turma que tem este ní-

vel de aprendizado. Vamos ver qual é o aprendizado desses alunos no final do ano letivo.” Ou dali a dois anos, se o professor for ficar esse tempo. É o que se chama de valor adicionado, ou seja, quanto aquele professor adicionou ao aprendizado daquela turma. Alguns professores adicionam muito, e outros, muito pouco. Quando isso acontece, é uma violação do direito à educação por-que uma criança só tem 11 anos ou 12 anos uma vez na vida. Se pega um professor ruim e não aprende, não tem como voltar. Então, mes-mo em termos de aprendizado, ain-da temos de avançar bastante, ava-liar ano a ano, conectar isso com o professor, porque essa é a melhor maneira de saber o que é um bom professor. Alguém que sistemati-camente pega um conjunto de alu-nos que sabe pouco e entrega sa-bendo muito é um bom professor. Quem pega um conjunto de pessoas que sabe pouco e entrega sabendo pouco não é um bom professor. Es-tamos medindo ainda a média do sistema, da escola. Mas não sabemos quem está contribuindo para aqui-lo. Na educação, só tem uma coisa que realmente importa: o professor.

E ele tem de ser avaliado?Temos de ser capazes de avaliar a qualidade dos professores. É difícil, não vai ser com uma prova apenas. Está bem documentado no mundo que provas não avaliam a qualidade do professor. É um trabalho de cer-tificação complexo, mas necessário. Tem de avaliar a aula. Um bom pro-fessor é aquele que consegue dar várias aulas ao mesmo tempo. Se aquele aluno não está entendendo alguma coisa, explica de um jeito, para outro, de outro jeito. Precisa ter uma empatia cognitiva, enten-der como os alunos raciocinam. Tem

soas mais educadas mediam a ren-da delas em termos de dúzias de salários mínimos, tamanha era a distância entre quem tinha educa-ção superior e quem tinha educa-ção primária. Era 15, 20 vezes maior. Hoje, para alguém ter uma renda de 20 vezes o salário mínimo é muito mais difícil. Diria que qua-se dois terços, mais da metade da queda na desigualdade no Brasil, desde o início do milênio, vêm do fato de que houve um achatamen-to salarial entre diferentes níveis educacionais. Hoje, ter mais edu-cação aumenta sua renda muito menos do que há 15 anos. A desi-gualdade no Brasil não teria caído se isso não tivesse acontecido. Por um lado, é legal, há menos desi-gualdade, porque quem tem uma educação maior não tem um salá-rio tão alto. Isso quer dizer que se um advogado, um arquiteto, um médico não ganham tanto assim, o acesso a eles é mais fácil. Uma sociedade em que os salários são mais próximos torna uma série de coisas melhor e a sociedade mais igual. O lado problemático é que o incentivo para se educar diminuiu. Financeiramente, fazer o ensino médio hoje é muito menos vanta-joso. Em alguns estados, como San-ta Catarina, a diferença entre quem faz o médio ou não é tão pequena que, se você fizer o médio, talvez aumente a sua renda em 15%, al-guma coisa assim.

Isso acontece por excesso de oferta de pessoas que cursa-ram o ensino médio ou porque o ensino médio não agregou tanto assim para aqueles que o fizeram?Por vários motivos. Desde o aumen-to do salário mínimo, que aumenta o salário de quem tem relativamen-

de ser capaz de dar o retorno. O aluno erra, e o bom professor é aque-le que interpreta a resposta do alu-no, que identifica o caminho do pensamento que o fez errar. A ava-liação do professor tem de ir por aí.

Não há o risco de colocar toda a responsabilidade em cima do professor quando a docência também é um trabalho coletivo? Há a coordenação pedagógica, o trabalho coletivo dos profes-sores, da direção, as condições de infraestrutura. Não seria preciso olhar para essas coisas também?Sim e não. Tem uma coisa que as pessoas chamam de locus interno de controle. O professor tem de chamar a responsabilidade e dizer: “Preciso de apoio, preciso de um monte de coisas”. Mas, se não tiver nada, entrar numa sala de aula e disser que não sabe educar as crian-ças, é melhor nem entrar. Tem de ser aquele cara que entra na sala de aula e diz que vai dar um jeito, vai descobrir uma maneira de ensinar aquelas crianças. Sempre vão faltar alguns recursos. O Mao Tsé-tung dizia que o bom camarada é aque-le que está mais ansioso para ir onde os problemas são maiores. Esse é o professor. Onde todo mundo diz “ninguém consegue ensinar esses caras”, ele fala “então dá essa sala

para mim”. Tem um programa americano famoso, Teach for Ame-rica, em que eles pegam caras das melhores universidades que não são professores. Recrutam aqueles que fizeram Física, Economia, Ad-ministração, qualquer curso, e en-viam aos lugares mais vulneráveis das cidades. Uma vez, perguntei como recrutavam esses caras. Dis-seram: “A gente só busca uma coi-sa para recrutar: pegar o cara que está disposto a ir aonde ninguém quer ir e que acha que vai resolver o problema”. O professor é aquele cara que vai entrar na sala de aula e não quer saber quem está lá den-tro, vai dar um jeito naquilo porque está sob seu controle. Você já entrou numa sala de aula com 20 ou 30 adolescentes? Não tem nada que quem está fora da sala de aula pode te dar que vai te ajudar a enfrentar aquelas feras. Claro, numa sala quente, sem internet, sem nada, fica muito mais difícil. Mas nas me-lhores escolas aqui de São Paulo dar aula no ensino médio é difícil. O cara tem de ser muito bom. Os adolescentes são delicados, você tem de saber lidar.

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políticas públicas

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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024) – Aumenta de 10% para 12% a participação da União no orçamento da educação e estabelece os quatro anos do ensino primário como obrigatórios.

Em 5 de outubro é promulgada a nova Constituição. No capítulo III, seção 1, ela versa sobre educação e a trata como “direito de todos e dever do Estado e da família”, em colaboração com a sociedade. Tem como princípios a igualdade de condições no acesso, liberdade de aprendizado, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, entre outros.

Elaborado pelo Conselho Federal de Educação, o

Plano Nacional de Educação é aprovado e

homologado.

Criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Hoje

o Saeb abrange um conjunto de avaliações externas do 5a e 9a anos do ensino

fundamental e 3a ano do ensino médio, que mensuram o desempenho dos alunos e dos

sistemas em Língua Portuguesa e Matemática.

O governo militar cria o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral - Lei 5.379), para assumir a alfabetização de adultos, com meta de abranger

11,4 milhões de pessoas até 1971 e de erradicar o problema até 1975.

É promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96). Concebida para dar as grandes linhas da educação, previu liberdade para redes e escolas tomarem decisões pedagógicas. Desde então, foi bastante modificada.

Criação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Concebido para servir como avaliação diagnóstica do conhecimento dos alunos

do ensino médio, dava pontos extras para o ingresso em vestibulares.

Revisão da LDB (Lei 5.692). Dispõe sobre o ensino de primeiro e segundo graus. Pontos

principais: une os quatro anos de primário aos quatro do ginásio no ensino de primeiro grau,

obrigatório e com oito anos, e abole o curso de admissão. Transforma a etapa posterior no

ensino de segundo grau, com três anos e estímulo à criação de cursos técnicos.

São elaborados e lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais, com referenciais

nacionais comuns não obrigatórios sobre aprendizagens relevantes para os alunos da

educação básica.

Implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Aprovado em 1996 e voltado para o financiamento dos oito anos de ensino fundamental. Passou a remunerar cada rede pública conforme o número de alunos matriculados em cada uma das etapas, o que teve forte papel indutor para a municipalização das matrículas.

Aprovação do primeiro Plano Nacional de Educação (Lei 10.172) pós-redemocratização. Com mais de 300 metas, o PNE 2001-2010 caiu no esquecimento pelo veto à proposta de elevar o financiamento a 7% do PIB e pela falta de mecanismo de acompanhamento.

Entram em vigor as Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Formação de Professores da Educação Básica

(licenciaturas), documento que atualiza a formação aos moldes propostos

na LDB de 1996.

Gestar I. Programa do Fundescola em parceria com Banco Mundial. Voltado para a formação continuada de professores do fundamental 2 em Língua Portuguesa e Matemática. Foi substituído em 2004 pelo Gestar II, com oferta de 300 horas de formação.

Criado o Exame Nacional de Certificação de Competências

para Jovens e Adultos (Encceja). Prova destinada a dar uma oportunidade de

certificação nos ensinos fundamental e médio para aqueles que não concluíram no tempo certo.

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educação em letras e números

AS MEDIDAS AO LONGO DE qUASE 60 ANOS DE HISTóRIA PARA GARANTIR O ACESSO DA POPULAçãO BRASILEIRA AO ENSINO

E PARA A MELHORIA DA qUALIDADE DA APRENDIzAGEM

70 milhõespopulação do país

segundo o IBGE.

170 milhõespopulação do país

segundo o IBGE.

121,1 milhõespopulação do país segundo o IBGE.

146,8 milhõespopulação do país segundo o IBGE.

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População brasileira é de

94,5 milhõesde pessoas, pelo IBGE.

© FOTOS: wIkIMEDIA COMMONS

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políticas públicas

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Início da ampliação do ensino fundamental de

oito para nove anos, com acréscimo

de um ano no fundamental 1. Prazo

final para a modificação em 2010.

Criação da Prova Brasil, de caráter censitário, para avaliação da qualidade

da educação básica.

Implantação do Programa Pró- -Letramento. Voltado para os docentes

dos anos iniciais do fundamental. Curso semipresencial de 120 horas com revisão de

currículo e metodologias para melhorar leitura, escrita e Matemática.

Criação da Universidade Aberta do Brasil, por meio da Lei 5.800, para promover a formação inicial e continuada de professores, por meio da educação a distância. Para docentes sem formação superior em serviço e aqueles que atuam fora de suas áreas de formação.

Criação do Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (Ideb) para medir a qualidade da educação básica de redes públicas e escolas,

com metas estabelecidas para 2021.

Aprovação da Lei 11.738, que estabelece o piso salarial nacional para os

professores do magistério público da educação básica. Com previsão de reajuste anual,

o salário é referente ao regime de 40 horas semanais, das quais no máximo 2/3 para atividades com alunos.

Entrou em vigor em 2009.

Criação da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, parceria entre MEC, secretarias municipais e estaduais e instituições de ensino superior, voltada para os docentes da educação infantil e ensino fundamental.

Implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ampliação do Fundef, para financiar a educação básica, das creches (0 a 3 anos) ao ensino médio (14-17 anos). Está previsto até o final de 2020 e terá de ser renovado ou convertido em lei permanente.

Aprovação da Emenda Constitucional 59, que amplia a obrigatoriedade da educação de 6 a 14 anos para dos 4 aos 17 anos, correspondendo à pré-escola, ensinos fundamental 1 e 2 e ensino médio.

Instituição da Política Nacional de Formação de Profissionais de

Magistério da Educação Básica, com diretrizes de longo prazo para a formação

de professores, entre elas a elaboração do Plano Nacional de Formação de Professores da

Educação Básica (Parfor), que visa a aprimorar a formação de 600 mil docentes em exercício.

A educação básica é feita predominantemente na rede pública: 82% das matrículas estão sob

responsabilidade das redes municipal, estadual e federal. 72,2% na educação infantil, 83,1% no

ensino fundamental e 87,7% no médio. 78,7% das escolas de educação básica

do país são públicas.

Enem passa a ser utilizado por universidades públicas e privadas como forma de seleção

para ingresso. É introduzida a Teoria da Resposta ao Item, mesmo modelo do

americano SAT.

Aprovada a reforma do ensino médio. A nova lei flexibiliza o currículo, tornando apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática obrigatórias nos três anos, e cria itinerários formativos para a escolha do aluno, um dos quais é voltado para a formação técnica e profissional. Sua implantação depende de aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Base Nacional Comum Curricular. É aprovada a Base Nacional Comum

Curricular para a educação infantil e o ensino fundamental. A BNCC estabelece 10

competências que devem nortear a organização dos currículos, a serem feitos por redes e

escolas, e “o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais”. Até 2020 todas as

redes deverão obrigatoriamente passar a observar em seus

currículos as aprendizagens

essenciais explicitadas pela

BNCC.

Ministério da Educação e secretarias assinam o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), programa nacional baseado em seu similar de Sobral (CE) e adotado no estado do Ceará para fazer com que crianças se alfabetizem até os 8 anos de idade.

Anunciada em 2017 e com início em 2018, o MEC lança a Política Nacional de Alfabetização, com ações de desenvolvimento profissional para docentes, estímulo com bolsas à presença de um estudante de pedagogia em classe e a mudança da meta de alfabetização do terceiro para o segundo ano do ensino fundamental.

Realizada a primeira versão da Avaliação Nacional da

Alfabetização, prova censitária com os

alunos do 3o ano do ensino fundamental, o último do “ciclo de

alfabetização”.

Após quatro anos de tramitação, entra em vigor o Plano Nacional de Educação 2014-2023. Com 20 metas, cria mecanismos de acompanhamento por meio de fóruns, mas a crise econômica e a falta de prioridade política pós-impeachment o relegam a segundo plano.

Iniciada a implementação da Base Nacional Comum Curricular, com a construção de currículos em regime de colaboração em todos os estados brasileiros.

208,5 milhõespopulação do país,

segundo o IBGE. 24% vivem nas capitais

190,7 milhõespopulação do país segundo o IBGE.

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2017

2018FONTES CONSULTADAS: História das ideias pedagógicas no Brasil, Dermeval Saviani, Autores Associados, 2007; Políticas docentes no Brasil – Um estado da arte, Gatti, Barreto e André, MEC, 2011; CPDOC/FGV; IBGE; Fundação Carlos Chagas; Ministério da Educação; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira; Observatório do PNE; Governo Federal 99

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100 101

por Marcelo TasCRÔNICA

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diSponível na internet, qual a tarefa do profeSSor? ele pode Ser SubStituído por um algoritmo? a profiSSão eStá ameaçada de extinção por robôS e inteligência artificial? claro que não!

aurentius de Voltolina, pintor renascentista, retratou uma das primeiras salas de aula da história. A imagem mostra a figura do mestre num púlpito à frente dos alunos, que, sentados em fila, miram ou copiam passivamente o conteúdo da aula em seus cadernos. Há um

tédio nítido entre os integrantes do fundão, que conversam displicentemente. Num canto, vê-se um aluno dormindo. Detalhe: a tal sala de aula é da Idade Média, século 14, Universidade de Bolonha.

Seiscentos anos depois, pergunto: quantas salas de aula você conhece que ainda se parecem com a retratada por Voltoli-na? Imagino que muitas. Mais do que arrumar a mobília, impor disciplina ou enfiar traquitanas tecnológicas dentro da escola, precisamos reinventar a forma de aprender. Que mudança de mentalidade é necessária para que a educação possa abraçar a complexidade do mundo contemporâneo? Como tornar a tecnologia uma aliada e não um entrave à educação? Qual o novo papel do professor?

Para responder a questões tão robustas, precisamos de coragem para encarar o óbvio. Aliás, não devemos temer o óbvio nem as sutilezas do óbvio. Repare: na maioria das situações, quando evitamos o óbvio, somos movidos pela arrogância ou pelo medo. Superá-los é tarefa crucial para enxergar as armadilhas e as oportunidades no horizonte.

L Os tempos atuais cobram caro de quem subestima a gigan-tesca revolução na forma como compartilhamos informa-ção. Os degraus da escalada exponencial das inovações ficam altos rapidamente para quem tem medo, arrogância ou preguiça de encarar a mudança. Isso vale para educa-dores, médicos, políticos, líderes empresariais... e, sobre-tudo, para comunicadores, como eu.

Mesmo sem saber sua idade, leitor ou leitora, posso afirmar com boa chance de acerto que somos parte da última ge-ração formada por professores que atuavam como se fossem a única fonte de informação dos alunos. E, na maioria das vezes, eram mesmo!

Meu professor de História no colégio em Ituverava, a peque-na cidade onde nasci no interior de São Paulo, se chamava Eurivane. Homem suave, charmoso, cara de galã de novela de época. Gastava metade da aula copiando o conteúdo do dia no quadro-negro. Seu Eurivane tinha letra bonita, era caprichoso e desenhava mapas e gráficos usando três cores diferentes de giz. Ao término da tarefa, acendia o cigarro, enquanto aguardava a sala terminar o copia e cola.

Frequentemente, a geração digital é acusada de ter inven-tado o copy-paste. É uma tremenda injustiça. Desde a Idade Média, como vemos no retrato de Voltolina, até seu Eurivane, gerações e gerações utilizaram tal método pe-

dagógico. No século 20, surgem as primeiras tentativas de atualizar o modelo de acesso, troca e produção de conhe-cimento. Na virada do milênio, o furacão digital escanca-ra a necessidade de redesenhar o sistema.

Se a informação está disponível na internet, qual a tarefa do professor? Ele pode ser substituído por um algoritmo? A profissão está ameaçada de extinção por robôs e inteli-gência artificial? Claro que não! É o contrário. Com tudo disponível de forma desorganizada e abundante, abre-se hoje uma enorme oportunidade de o professor assumir seu papel essencial: ser o curador do que é relevante na ava-lanche de estímulos digitais e provocador do diálogo co-letivo para a produção do discernimento.

Não teria sido sempre esta a missão do professor: ser uma referência na jornada árdua do aprendizado? Só que o mo-mento pede um novo professor, de peito e ouvidos abertos para gerar engajamento dos alunos para uma criação cola-borativa do novo aprender a aprender. E mais: as metodo-logias para atingir os objetivos desejados – curiosidade, empatia, narrativa, resiliência, para citar alguns – devem se manter em constante atualização, como os aplicativos dos nossos telefones. É a hora de convocar os educadores e dar--lhes autonomia. A era digital tem tudo para ser a era do professor. É a profissão mais valorizada nas nações que se atrevem a lutar pela liberdade e alegria dos seus cidadãos. A

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omARCelo tAs é jornalista, comunicador e educador.

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Falas que vêm das salasEstudantEs ExprEssam dEsEjo dE maior intEração com profEssorEs E comunidadE Em sEus procEssos dE formação

ssim como os professores, os jovens pedem passagem quan-do o assunto é educação. Eles também querem escuta atenta para suas necessidades e dese-jos, em especial para as formas de relacionamento com o uni-

verso adulto, tão essencial e contraditório nessa fase difí-cil, porém instigante, de suas vidas. E, quando ouvidos e respeitados, revelam enorme vontade de participação e de solidariedade, mostrando que sinais positivos são capazes de transformar potência em energia fluida. Para isso, o diálogo e a proximidade com os professores são essenciais, pois a sua valorização significa a valorização de ambos.

A seguir, um mosaico do olhar dos estudantes para a es-cola e para as relações com professores e entre eles próprios, em três diferentes formas de captação desses sentimentos: a pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, feita em 2016 pelo Porvir e pela Rede Conhecimento Social; o Papus Educação, de junho de 2018, realizado no Rio de Janeiro, iniciativa da Globo para aproximar os jovens e os produ-tores de conteúdo da TV; e o documentário Nunca me so-nharam (2017), produzido por Maria Farinha Filmes e pelo Instituto Unibanco, com direção de Cacau Rhoden, sobre os jovens e o ensino médio. amBiEntE idEaL

AVOZES DA GALERA!

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4 em cada 10 jovens estão satisfeitos com as aulas e os materiais pedagógicos

dos jovens gostam de estudar

em suas escolas

afirmam que a escola oferece um ambiente

favorável para aprender

dos jovens dizem que

não participam

das decisões da escola

dos jovens consideram que atividades que

integram professores, pais

e alunos são imprescindíveis na

escola ideal

70% 62%

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4 em cada 10 jovens acreditam que, na escola ideal, é importante interagir

com a comunidade do entorno

4 em cada 10 jovens desejam ter oficinas e atividades de vídeos, jornais, programas de rádio, blogs, fotografia e outras mídias

7 em cada 10 jovens acreditam que as relações dos alunos com a equipe escolar

e com seus colegas precisam melhorar

6 em cada 10 jovens afirmam que há olimpíadas de conhecimento nas escolas

Nossa Escola Em (RE)coNstRução | PoRVIR

Pesquisa feita primeiro com grupo de atuação de 25 adolescentes entre 13 e 21 anos, gerou questionário para 132 mil jovens de todo o país, da mesma faixa etária, com prevalência entre 15 e 17 anos. Pergunta guia: “Como seriam ambientes educacionais inclusivos que incentivariam as individualidades dos estudantes e promoveriam a transformação social? E como poderíamos criá-los?”.

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• Permitiria troca de conhecimento e respeito entre os participantes, incluiria habilidades pessoais e aceitaria as diversidades.

• Incentivaria a inclusão de estudantes, de modo que eles se sentissem à vontade com seus aspectos pessoais.

• Acolheria e incentivaria debates sobre questões de gênero, criminalização da pobreza, racismo e intolerância religiosa.

• Seriam ambientes existentes ou novos que instruiriam, capacitariam e influenciariam o estudante no sentido de potencializar suas habilidades e onde haveria total interação entre todos os atores da instituição.

A escola pública fez eu enxergar além do que minha realidade me possibilitava [...], afirmar minha identidade como pessoa negra.

Sou negra, empoderada e feliz

por ter estudado em escola pública. Lá me encontrei,

me redescobri e me reconheci.

ana flávia souza

Passei por perseguição por lutar pela educação. Tive que mudar de turno.Rafael Paiva

A conquista vem sempre depois do medo. Eu

posso? Eu consigo? E se...? Vá! Que você vai

conseguir, da comunidade para o

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Escola pública fez eu sair da zona de conforto. Q

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VOZES DA GALERA!

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Eu não sei mais o que eu quero fazer

da vida. Eu gosto de muita coisa, eu

quero fazer muita coisa, e eu não sei

por onde começar. Milena lisBoa

A minha raça influencia, mas também a minha cultura influencia. ‘Porque ela é negra, ela ainda mora em Caxias, ela não estudou em um colégio muito bom’ e toda essa junção dessas três coisas que eu falei não vai deixar eu concorrer a um lugar melhor. suzany felix

É daquela matéria que, se você me perguntar daqui a dez anos, eu vou falar ‘poxa, eu tive uma professora que me ensinou assim, assim e assim’. E essas são as coisas que marcam. Primeiramente, é o professor que te marca numa matéria. GaBRiel feRReiRa

Tenho medo de não realizar meus desejos, tenho medo de não realizar meus sonhos. Jaqueline Rosa

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Adolescência é a uma fase bem difícil de se viver, mas é mais inesquecível de todas. MaRia lúcia Mattos

Como meus pais não foram bem-sucedidos, eles também não me davam forças pra estudar. Acho que nunca me sonharam sendo um psicólogo, um professor, um médico. Eles não sonhavam. Eu aprendi a sonhar sozinho.feliPe liMa

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VOZES DA GALERA!

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A irrequieta carioca Ana Carolina da Hora terá de utilizar os seus conhecimentos de algoritmos para programar um que lhe permita fazer to-das as coisas que quer. Um algoritmo que a ajude a equacionar seu tempo para ser pesqui-sadora acadêmica, professora universitária e da educação básica, além de ativista social em prol das mulheres em geral, em especial das negras.

Aos 23 anos e a um e meio de terminar a facul-dade de Ciências da Computação na PUC-Rio, Ana já pesquisa, ensina e é ativista. Mas quer fazer isso em escala maior, algo que vai toman-do mais corpo a cada dia. Em junho deste ano, por exemplo, ela foi convidada, com todas as despesas pagas, para assistir à WWDC, confe-rência mundial da Apple que reúne desenvol-vedores todos os anos. Entre todos os jovens presentes, era a única mulher negra.

Nada mau para quem entrou na faculdade aos 17 anos e quase não cursou por falta de auto-rização do pai. Separado da mãe de Ana, ele achava que a filha já havia estudado o suficien-te. Sua mãe, no entanto, professora de história e língua portuguesa, conseguiu explicar a si-tuação e autorizá-la a estudar. Ela e a avó,

também professora de língua portuguesa, fo-ram as maiores incentivadoras da garota que desde os 12 anos, depois de ter ganhado um misto de videogame e computador, tornou-se vidrada em programação.

No segundo ano da faculdade, foi chamada para um estágio no Centro Educacional da Lagoa, para ensinar programação na educação básica. Conseguiu transferência para a PUC, mais per-to do estágio, e lá um mundo se abriu. Em 2016, começou a trabalhar no Olabi, organização social que tem como meta democratizar a pro-dução de tecnologia.

Ali, tomou contato com a linguagem Python e virou uma pyladie, membro de um grupo de mulheres que programam em Python. “Rea-lizamos os encontros, não cobramos, buscamos incentivar as meninas. Os meninos que qui-serem participar podem, mas têm de levar uma menina com eles”, explica ela, cujo sonho é ver mais meninas negras programando.

Além disso, criou o Computação sem caô, um guia no Instagram para quem quer aprender a programar.

Uma de suas próximas metas é tentar um mes-trado no badalado MIT, em Massachusetts, Estados Unidos, de preferência orientada pela pesquisadora Joy Buolamwini, do Media Lab, que está lutando para mudar algoritmos de programas de reconhecimento de pele. Ou eles excluem a população negra, ou, quando os bancos de dados trazem suas características de DNA, são voltados para ações discrimina-tórias, como identificar perfil de presos.

Por isso, Ana quer conectar-se à educação e criar mais pontes entre os ensinos médio e su-perior: para ajudar mais meninas negras a pro-gramar e a serem reconhecidas como capazes.

Alunos de pedAgogiA explicAm por que, entre tAntAs opções de cArreirA, decidirAm pelA docênciA

múltiplaescolha

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visão de mundo

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visão de mundo

O Jardim Ângela, às margens da represa de Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, ficou famoso mundo afora quando o capitão Cafu levantou a taça da Copa do Mundo de 2002, no Japão, com o nome do bairro estampado na camiseta. Foi ali que, 15 anos depois, com pouco mais de um ano formada em Pedago-gia, Júlia Basellotto precisou deixar um pouco de lado o conhecimento adquirido na facul-dade e colocar em campo a empatia.

Hoje com 34 anos, Júlia veio morar em São Paulo em 2012, quando resolveu viver com o namorado Gabriel, hoje pai de seu filho. Já era formada em Enfermagem, que cursou em So-rocaba, sua cidade natal. Em 2015, formou-se pedagoga no Instituto Singularidades, na capi-tal. Passou num concurso, foi chamada seis meses depois e foi trabalhar no Capão Redondo.

Antes de começar “lá no fundão do Jardim Ângela”, mudou-se para Juquitiba, na Grande São Paulo. Fazia 150 quilômetros de carro por dia para dar aulas numa escola em que, como descobriu, as famílias eram muito carentes e distantes do colégio. Era preciso intimá-los. Dava aulas para uma classe de 3o ano em que havia uma menina que fazia bolos, cuidava dos irmãos e cuja mãe nunca aparecia. Só veio no momento da rematrícula.

“Tive de abandonar a parte pedagógica por uns dois meses, só para criar vínculo para que eles não se agredissem. Havia uma menina que

subia no armário, problema no 1o e 2o ano. Comigo, não subiu mais. Aprontava, mas me-nos. Fiz de tudo: roda de conversa para des-cobrir coisas em comum, desenho, música, sabia o nome de todos eles, e isso era muito importante”, relembra Júlia.

No final do ano desenharam a si próprios como super-heróis. Não conseguiu alfabetizá-los, mas fez muitos entrarem ao menos na fase si-lábica. Deixou um portfólio detalhado sobre as crianças, facilitando o reinício dos trabalhos no ano seguinte. Afinal, a descontinuidade muitas vezes faz as crianças voltarem à estaca zero.

Neste ano, Júlia foi morar e dar aulas no Cam-po Limpo, em classes de pré-escola.

Da sua segunda formação, exalta a exigência do curso, que fez com que desenvolvesse atri-butos como capacidade leitora, ortografia e matemática. “Vi o quanto precisava melhorar. Li textos que exigiam capacidades que ainda não tinha desenvolvido. Aprendi a complexi-dade da educação. E aprendi a ser uma pessoa melhor, mais paciente.”

Logo depois, prestou novo concurso e voltou ao Zulmira Campos como professora de Língua Portuguesa do ensino médio. “Fui lecionar para moleques da minha idade. Eu tinha 22 anos, alguns deles, 20. Foi quando entendi que a educação não é só passar conteúdo, com-preendi a realidade dos alunos, a necessidade de fazer um trabalho mais humanizado que a apostila que me deram na minha primeira es-cola”, relembra Marcela.

Com esses alunos, realizou um dos trabalhos de que mais se orgulha. Viu que tinham ódio in-discriminado de quem julgavam rico. Traba-lhando com rap, fez isso virar manifestação literária partindo da letra de O milionário do sonho, de Elisa Lucinda, gravada por Emicida. “Fizeram textos lindos, que não exprimiam apenas raiva, mas uma percepção social e his-tórica. Começaram a se perguntar por que es-tavam naquele lugar, e não em outro”, conta.

Depois de três anos ali, pegou as economias e voltou a São Paulo no final de 2015. Conheceu sua companheira, Cauana, com quem está casada, deu aulas para a educação infantil e na Fundação Casa, para menores infratores. Con-viveu com meninos apreendidos por um furto de tênis e outro que já cometera cinco assas-sinatos. Percebeu que os adolescentes precisam de regras claras. “Eles são carentes, a agressi-vidade é uma maneira de chamar atenção. Se as regras forem bem explicadas, funcionam.”

Hoje, cursa o 2o ano de Pedagogia no Instituto Singularidades, em São Paulo. “Queria apren-der a alfabetizar. A gente sempre encontra alunos analfabetos, ou que não sabem mate-mática. Quero poder dar aulas no fundamen-tal 1 e no 2”, diz.

Do curso, destaca a interação entre teoria e prática. “Hoje, já me sinto segura para orien-tar uma atividade com uma criança de 7 anos. Aprendi a relacionar as duas coisas.”

Desde cedo, a santista Marcela Pelloni acos-tumou-se a passar o dia todo na escola. Pela manhã, como aluna; à tarde, acompanhava a mãe, professora de Educação Física na Escola Estadual Zulmira de Campos. Antes dos 10 anos, já pensava em, como a mãe, ser profes-sora de Educação Física. Na família, a avó e duas tias também são professoras.

No ano do vestibular, parou os treinos de han-debol, mesmo sendo da seleção da cidade, para estudar. Entrou em Letras no Mackenzie, em São Paulo, onde uma das tias lecionava no curso de Publicidade. No último ano, prestou concurso para o estado, passou e foi dar aulas numa escola na Casa Verde, como professora substituta.

Os seis meses iniciais foram sob medida. Tinha apenas uma classe (de 9o ano) e os alunos eram tranquilos e interessados. Pouca orientação recebeu além das apostilas que deveria seguir e o lugar em que a antecessora havia parado. As poucas sequências didáticas da faculdade a auxiliaram a estruturar as primeiras aulas.a

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visão de mundo

Em meados de 2018, Manuella Campos reen-controu uma amiga de infância, agora estudan-te de Engenharia. Ao ser questionada sobre que curso estava fazendo, não respondeu direta-mente, mas também não deu margem a dúvida.

– Adivinha?

– Já sei. Pedagogia. Ah, Manuella, é a tua cara!

Ser professora é um desejo manifestado desde a infância. Nas brincadeiras de escolinha, ela era sempre a professora. Mais crescida, ajuda-va os irmãos nas tarefas escolares.

Moradora de Camaragibe, na região metropo-litana do Recife, Manuella está no último ano do curso, na Universidade Federal de Pernam-buco. E nunca cogitou outra carreira. “Vejo a empatia em tudo o que um professor faz. Faz para que o outro adquira conhecimento, para que o outro tenha a possibilidade de ver melhor o mundo”, explica.

Ela localiza a gênese desse encantamento na descoberta da leitura. Embora sejam várias as professoras que a inspiraram, demonstra especial carinho por aquela que a alfabetizou. “Lembro dela como se fosse hoje. Tenho muita vontade de reencontrá-la, mas não tenho o contato. Quando aprendi a ler, encontrei um novo mun-do, que me fez aspirar a outras coisas. Desde então, venho lendo muito e me sinto realizada quando ensino um aluno a ler também”, diz.

Para os primeiros passos na carreira, Manuella acredita que, por questões do mercado de tra-balho, o mais provável será lidar com educação infantil. Mas conta que a universidade descor-tinou uma possibilidade que lhe pareceu igual-mente interessante: a educação de jovens e adultos. “Vi que eles têm desejos, embora alguns tenham perdido a oportunidade naquele que seria o momento considerado certo na vida. Mas eles vão em busca de adquirir conhecimento. Nem que seja para assinar o nome ou pegar um ônibus, isso já é importante. Eles dão valor a isso”, observa.

Aos 24 anos, ela sabe que encontrará desafios. Os de ordem prática: “Chegar para um aluno e ele não ter ideia de como se escreve, de como se lê, de como interpretar o mundo é bem di-fícil no início”. E os relacionados ao contexto da profissão: “Seja com o diálogo com os pais, no diálogo com o mundo mesmo, com a ques-tão de a profissão não ser tão valorizada quan-to deveria, porque é uma profissão que forma outros profissionais”.

Mas é justamente ao listar percalços que Ma-nuella reafirma seu propósito. “Eu sou meio idealista também, gosto de imaginar as coisas que a educação pode transformar”, conta.

“Não fiquei contente com o que eu vi. Alunos de 4o ano sem saber ler e escrever”, conta. Como consequência, resolveu fazer iniciação científica voltada para a alfabetização. Estagiou em classes do 3o ano do ensino fundamental em escolas públicas e privadas e na educação de jovens e adultos. E constatou que, quanto menos os professores exigem e esperam dos alunos, menos eles dão.

“Os mecanismos usados para estimular os pro-cessos de metacognição trazem resultados mui-to melhores”, diz Jussara. Em poucos dias, ela apresentará o resultado de sua pesquisa de ini-ciação. Depois, prestará concurso para a prefei-tura de São Paulo e para o Sesi. “Quero trabalhar na escola pública. Vi muita gente comprometi-da e querendo mudar essa realidade. Nem pen-so mais em universidade corporativa.”

Com quatro irmãos, ela é a primeira de sua família a terminar um curso superior. Inda-gada sobre o que ajudaria a valorizar a carrei-ra docente, elege três aspectos: valorização social desde a família, continuidade de polí-ticas públicas e formação continuada com foco em inovação pedagógica.

O encontro da paulistana Jussara Teles, 41 anos, com a Pedagogia foi quase casual. Filha de pai metalúrgico e mãe trabalhadora do setor ho-teleiro, Jussara cedo ingressou na indústria têxtil. Por duas vezes tentou fazer o curso su-perior, mas não teve ânimo suficiente para os cursos de Administração e Teologia.

Até que, cinco anos atrás, foi ser vendedora no comércio de chocolates. Como sua empresa dispõe de uma universidade corporativa vol-tada para a humanização das relações de tra-balho e para a melhoria no atendimento, teve a oportunidade de conhecer o universo dos pedagogos. E pensou: “Ah, quer dizer que não é só na sala de aula”.

Com a ideia de que teria um grande campo de oportunidades, ingressou na PUC-SP em 2015. Desde então, a cada semestre fez estágios em escolas públicas, em diferentes níveis educa-cionais. Ficou inconformada com os resultados dos processos escolares de alfabetização.

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Personalidades relembram Professores que marcaram suas vidas

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Se a infância e a adolescência podem ser di-vertidas e alegres, trazem também suas angús-tias. Principalmente quando voltamos o olhar a nós mesmos e nos indagamos quem somos, de que gostamos e o que sabemos fazer bem. Essa última questão costuma ser a mais difícil, pois, tirando aquelas pessoas com dons ex-traordinários, a quase totalidade de nós tem não mais que aptidões em estado bruto, talen-to em potência a descobrir.

E encontrar quem os consiga enxergar por trás de outras coisas mais latentes, como a agitação ou o enfado que tantas vezes marcam a infân-cia, é uma das coisas mais sublimes e impor-tantes. A seguir, você conhecerá a história de pessoas que, mesmo após muitos anos depois de terem alcançado o sucesso em suas profis-sões, continuam a se lembrar de quem, lá atrás, viu diamante onde parecia haver só areia. Em comum, essa visão especial era de um profes-sor, mesmo que ele estivesse dentro de casa.

fui alfabetizado aos 4 anos pela minha avó, uma mulher extraordinária que, mesmo sem ter nunca pisado em uma sala de aula, se autoalfabetizou com os livros de seus filhos. ela me ensinou a ler da mesma maneira que havia descoberto a leitura: memorizando a forma inteira de cada palavra.

ao entrar na escola, já tinha lido livros complexos como Caçadas de Pedrinho [monteiro lobato] e Meu pé de laranja lima [José mauro de vasconcelos]. mas logo vi que só conseguia ler letras impressas e em tipografias específicas!

Tive de reaprender a ler e escrever pelo método fonossilábico. só fui escrever com segurança no terceiro ano primário e, ainda assim, quando falhava em executar o ditado, criava desenhos rudimentares que representavam as palavras faladas, uma espécie de taquigrafia pessoal. meus cadernos pareciam um livro de anotações de um arqueólogo egípcio.

um desses cadernos chamou a atenção do senhor belotto, meu professor de matemática, que, em suas horas vagas, projetava monumentos para espaços públicos. ele apanhou o caderno da minha mão em meio a uma aula em que eu resolvia um problema e, vendo que mais do que a metade do texto era de desenhos e diagramas, pediu que eu traduzisse a mensagem codificada.

Para a sua surpresa, eu o fiz. imediatamente, fui enviado à sala

da diretoria com a certeza de que havia feito algo errado. mas recebi um convite para representar a nossa escola em um festival de artes para escolas públicas.

o professor belotto me preparou. Passou horas me mostrando livros de história da arte, desenhos, pinturas e até histórias em quadrinhos. um universo que eu parecia amar antes de ter conhecido. decidi naquele momento que jamais abandonaria as musas, e a arte estaria sempre presente na minha vida. o meu primeiro professor de artes era mestre em matemática!

o evento, no Pavilhão da bienal, reuniu centenas de crianças que possuíam uma forma especial de comunicar ideias. É minha mais remota memória de estar me sentindo como uma parte funcional e integrada ao mundo que me rodeava. Havia descoberto a normalidade dos meus sonhos e a convicção em um ser latente e criativo.

minha avó e o professor belotto representam a harmonia entre um conhecimento adquirido na proteção da casa, voltado à amplidão do mundo exterior, e uma educação escolar padrão, mas atenta ao indivíduo. descobri, graças aos meus mestres, a ciência dessa dicotomia essencial do interno e do externo, da mente e da matéria, da consciência e do fenômeno se catalisou em um modus operandi que vem alimentando o meu processo criativo durante a minha vida inteira.

Vik Muniz, 56 anos, artista plástico e fotógrafo

A junção de dois mundos

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crescer com uma educadora em casa é algo completamente diferente. minha mãe é professora de artes e de música e me deu aula de história da arte no ensino médio. um dia, a gente estava fazendo um trabalho em que precisava reproduzir um de dois desenhos da Tarsila do amaral. a gente estava estudando a semana de arte moderna de 1922, e aí a minha mãe pregou no quadro duas obras da Tarsila: Flores e Abapuru.

Todo mundo estava escolhendo o Abapuru por ser mais simples. Também escolhi o Abapuru. minha mãe foi passando de mesa em mesa e, quando me viu, me perguntou qual eu estava fazendo. eu falei: “o Abapuru”.

ela disse para eu parar e fazer o Flores. aí eu perguntei por quê, e ela me disse que eu sabia que o Abapuru era muito fácil para mim.

lembro que fiquei injuriada na hora, porque ela não me deixava chamá-la de mãe, mas foi muito mãe ali comigo. Hoje entendo que ela estava mostrando que eu não poderia sempre escolher os caminhos mais fáceis, que eu tinha de me desafiar, sair da minha zona de conforto. e que, assim, coisas incríveis poderiam acontecer.

sempre gostei muito de desenhar, de criar. cheguei a pensar em fazer artes antes de escolher a Publicidade. Pensei em fazer desenho industrial, design de Joias. ela sabia que isso fazia parte da minha vida.

e eu tinha feito aquela escolha porque o tempo ia passar mais rápido, eu ia poder conversar com os meus amigos mais cedo. ela me ensinou que sair da zona de conforto é crescer, é evoluir. eu uso isso todos os dias na minha vida.

eu morava no interior de são Paulo e tinha por volta dos 13 ou 14 anos. nunca fui aquele aluno exemplar. meu talento teve de ser descoberto e lapidado. depois que fui afastado da minha terceira escola, uma professora me recebeu e me obrigou a estudar a história de um homem que, quando eu era criança, estava saindo da cadeia. me obrigou a assistir a reportagens sobre esse homem.

Para mim era horrível, eu preferia ficar vendo o chapolin, o chaves, vendo o desenho. mas daquilo dependia o meu trabalho da escola. fiquei assistindo, decorando nomes, datas, foi muito

complicado. até o momento em que eu tive de apresentar o trabalho. Peguei uma cartolina, montei o trabalho, apresentei, muito tímido (eu era gago quando criança), mas ela me obrigou.

lembro como se fosse hoje: eu tinha de dizer que nelson mandela estava saindo da prisão, que ia lutar pela liberdade na África do sul. eu nem sabia o que estava dizendo, só estava repetindo as coisas. mas o processo de repetição também foi um processo de retenção. lembro também que, no dia de apresentar o trabalho, cheguei atrasado. e ela chamou a minha atenção na frente de todo

Manoel soares, 39 anos, repórter e atiVista social

iza (isabela cristina correia de liMa liMa), 28 anos, cantora

mundo e disse que eu precisava aprender a respeitar horário.

em 2009, na emissora onde eu trabalhava, a rbs, participei de uma prova para cobrir a copa do mundo da África do sul, em 2010. boa parte das perguntas falava sobre a luta de mandela, a luta contra o apartheid. enquanto alguns colegas tiveram de aprender naquela hora que mandela pertencia à tribo xhosa, que ele tinha como nome do meio rolihlahla, essas coisas já estavam no meu coração porque a minha professora havia colocado lá. fui cobrir a copa do mundo, vi a última aparição de

mandela em público. na volta da África, retornei à cidade do interior de são Paulo, procurei a professora. rodei a cidade toda até que me disseram que ela tinha falecido. Para mim foi muito forte, porque, quando vi mandela, eu chorava. mas eu não sabia se chorava porque estava emocionado por ver um dos maiores líderes mundiais ou porque compreendi tudo que aquela professora tinha feito. e quando fiquei sabendo que ela partiu, eu também chorei. chorei porque cheguei atrasado. Temos que valorizar os professores. eles conseguem ver o que não estamos vendo, sentir o que não estamos sentindo. então, não chegue atrasado.

eu morava em são José dos Pinhais (Pr). lá tive um grande impulso na minha carreira. o meu sucesso vem por causa de um professor. eu estudava em escola pública, pois minha família era humilde.

o meu professor de Português começou a ver que eu desenhava em tudo que era lugar em que não era para desenhar. eu tinha uns 7, 8 anos. ele chamou o meu pai: “seu filho é um artista. você tem de dar vazão à criatividade dele”. desde então, meu pai começou a trazer várias coisas para eu desenhar e pintar.

o professor falou para o meu pai que eu precisava frequentar uma escola de arte. meu pai disse que não tinha dinheiro. ele respondeu: “não tem problema, eu pago uma escola de arte para o seu filho e ele vai estudar com as minhas filhas em curitiba”.

o meu universo se abriu. comecei a ver um monte de coisas de que eu gostava, mas não entendia o que era. o olhar desse professor, leopoldo scherner, foi decisivo. ele era atento a cada aluno.

ele chegou a fazer uma exposição dos meus desenhos na Puc de curitiba. Para mim, aquilo era a coisa mais importante do mundo. ele já faleceu, mas eu o acompanhei até os 90 anos.

a partir dessa experiência, tive a ideia, com a marisa orth, o vik muniz, a malu barreto e o giovanni bianco, de fundar uma escola aqui no rio, como um agradecimento por ter vivido essa situação. nessa escola, ensinamos jovens a ter profissões ligadas à arte e ao profissionalismo do espetáculo. vimos um monte de talentos impulsionados pela transformação da educação.

gringo cardia, 61 anos, cenógrafo e diretor de teatro e teleVisão

Um passo à frente

Sem atraso

Destino traçado

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making of

olhosnoSolhos

FotógraFo desdobra projeto e capta imagens de proFessores, alunos e Funcionários de escolas públicas

Olhar focado nos olhares alheios. O desafio é decifrar que mensagens cada expressão transmite. Em 2014, o fotógrafo pernambucano Thiago Santos deu início ao projeto Olha pra Mim, no Recife. A proposta é questionar como seriam as relações sociais se pudéssemos enxergar o outro apenas pelo seu olhar. Atualmente o projeto reúne mais de mil fotos tiradas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e na Índia.

Foi a partir dessa experiência que o Caderno propôs duas missões para Thiago. A primeira, retratar os vencedores do prêmio Educador Nota 10. Depois, captar imagens de alunos, professores e funcionários de escolas públicas da cidade de São Paulo. Munido de seu equipamento e sensibilidade, o fotógrafo visitou a EE Carlos Maximi-liano Pereira dos Santos, na Vila Madalena (região oeste), a Emef Infante Dom Hen-rique, no Canindé (região central), e a Emei Nelson Mandela, no Limão (norte).

“Eu amei o desafio do Caderno de fotografar o olhar do universo das escolas”, con-ta Thiago. “Fiquei num mix de sentimentos bons ao entrar nas escolas escolhidas. Perceber o olhar de cuidado dos educadores com os alunos. O olhar cansado e grato pelo seu trabalho da tia zeladora. O olhar feliz das mulheres da cozinha. O olhar 360 graus do diretor, sempre alerta a tudo e todos. O olhar do futuro dos alunos é o que mais encanta.”

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