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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Educação Física
CARLA RIGHETO
“ÁRBITROS: VILÕES E/OU MEDIADORES DO
ESPETÁCULO?”
CAMPINAS
2016
CARLA RIGHETO
“ÁRBITROS: VILÕES E/OU MEDIADORES DO
ESPETÁCULO?”
Dissertação de Mestrado apresentada à
Faculdade de Educação Física da
Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a
obtenção do título de Mestra em Educação
Física, na Área de Concentração Educação
Física e Sociedade.
Orientadora: Profa. Dra. Heloísa Helena Baldy dos Reis
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CARLA
RIGHETO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA.
HELOÍSA HELENA BALDY DOS REIS.
CAMPINAS
2016
COMISSÃO EXAMINADORA
PROFA. DRA. HELOÍSA HELENA BALDY DOS REIS
Orientadora
PROF. DR. VAGNER REOLON MARCELINO
PROF. DR. CARLOS JOSÉ MARTINS
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de
vida acadêmica do aluno.
DEDICATÓRIA
Aos amores da minha vida:
Andrea, Daniele, Luísa, Silvana e Tatiana
AGRADECIMENTOS
Agradecer vem do latim “gratus” e significa mostrar gratidão, reconhecer um favor recebido.
E foram muitos!!! Em forma de conhecimento, palavras, abraços, torcida, tempo e silêncio.
Ajudaram-me a estudar, trabalhar, produzir, aprender, relaxar e me divertir. Alguns mais
espontâneos e efusivos. Outros contidos e tímidos. Todos muitos carinhosos, calorosos e
sinceros. Quero aqui deixar meu abraço e minha gratidão a todos os meus familiares,
professores, funcionários e amigos que me ajudaram a tornar possível esta dissertação.
Namastê!
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À Heloisa Helena Baldy dos Reis
Uma amiga orientadora!
Vou voltar a estudar. Comentei com você após uma aula sobre regras de Handebol para
alunos da Graduação da FEF em 2009. Estes convites para ministrar uma aula de regras para
os alunos da graduação são anuais, uma vez que você leciona Handebol e eu sou árbitra
internacional da modalidade.
Você me respondeu: Demorou!
Não, Heloisa. Agora eu tenho um tema que me motiva a estudar e pesquisar.
Começou o meu “longo processo”, embora planejado, de fazer um mestrado na UNICAMP.
Foram três disciplinas como ouvinte, todas sugeridas por você, para que eu tivesse a certeza
de que era isto mesmo que eu queria. Afinal, eram 23 anos longe da universidade.
Nas aulas de Sociologia conheci as obras de Norbert Elias. Em um Simpósio sobre o
Hooliganismo em 2010 presenciei as palestras de Eric Dunning, tendo o privilégio de
acompanhá-lo durante sua estada em Campinas. Somente quando ingressei no Mestrado em
março de 2013 e comecei a estudar é que me dei conta da importância de Norbert Elias e Eric
Dunning para a Sociologia do Esporte.
Este período foi fundamental e enriquecedor para a minha aprovação no processo seletivo de
ingresso no Mestrado.
Enfim, tudo certo e comecei a me “divertir”. A diversão, para os que não acompanham as
nossas orientações, quer dizer: o meu desejo de entender o tema torna meu estudo um grande
prazer. Quantas novidades: Curriculum Lattes, Plataforma Brasil, Créditos, Comitê de Ética,
PED e por aí vai. Quanto conhecimento adquirido nestes cinco anos de preparação e como
mestranda.
Eu tinha certeza que manteríamos o distanciamento necessário para concluirmos este meu
projeto, este meu desejo.
Você foi e é fundamental em todo este “processo de longa duração”. Obrigada por acreditar
em mim, investir em meu objeto de estudo e corrigir-me com seriedade, firmeza, paciência,
suavidade e carinho.
Admiro sua autenticidade, honestidade e simplicidade entre muitas das suas qualidades e
virtudes. Você trata a todos igualmente: alunos, funcionários, professores e professores
doutores e isto não é nenhuma surpresa para os que têm o privilégio de conviver com você,
sua família e suas escolhas.
Também quero compartilhar algumas decepções nesta trajetória.
Eu esperava encontrar na universidade um ambiente de troca de conhecimento neste meu
retorno. Que decepção. A competição nem sempre é sustentada em um fair play e quem perde
é toda a sociedade que investe na produção de conhecimento.
Outra decepção foi conhecer pessoas que nos livros, artigos e palestras discursam pela
democratização, contra as diferenças, por um país mais justo e de acesso a todos e, no entanto,
se mostram indiferentes a tudo e a todos quando podemos conviver no dia a dia da FEF. Estas
pessoas visam benefícios próprios.
Claro que encontrei muitas pessoas interessantes, generosas, maravilhosas.
Professora e amiga, a você a minha eterna gratidão. Por acreditar, trabalhar neste projeto,
pelas confidências do dia a dia, por partilhar seu conhecimento, pela sua amizade e pela sua
orientação, na vida e neste mestrado.
RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo estudar a violência contra os árbitros de futebol no
Brasil. Conhecido na sociedade brasileira como “juiz”, é o responsável por fazer com que as
regras do jogo sejam cumpridas e respeitadas por todos os participantes do jogo. Personagem
polêmico, criticado e questionado por dirigentes, comissão técnica, atletas, mídia, torcedores e
espectadores, os árbitros são hostilizados antes mesmo de entrarem em campo, as suas
interpretações e decisões são, quando no exercício da função de árbitro, na maior parte das
vezes, compreendidas como má-fé se contrariam a percepção do observador sobre a cena do
jogo. A teoria do processo civilizatório de Norbert Elias é o nosso referencial teórico.
Entrevistamos os três árbitros FIFA da Federação Paulista de Futebol. As entrevistas foram
realizadas de forma semiestruturada e com análise qualitativa as quais visaram compreender a
violência contra os árbitros e como eles sentem e interpretam esta violência. A violência
contra as mulheres árbitras de futebol que adentram um espaço construído culturalmente para
os homens e onde se busca a validação da masculinidade também se apresenta na nossa
análise. Concluímos que a violência dirigida aos árbitros de futebol está relacionada à
violência presente na sociedade brasileira. Embora os árbitros compreendam o futebol como
uma atividade mimética, eles repudiam a violência gerada pela falta de controle dos impulsos
e das emoções. A mídia também é responsável pela violência contra os árbitros de futebol no
Brasil. As mulheres árbitras somente terão conquistado o respeito na arbitragem brasileira
quando simultaneamente os árbitros ocuparem cargos de gestão no futebol brasileiro,
conseguindo assim equilíbrio nas relações de poder.
PALAVRAS CHAVE: Árbitros de Futebol, Violência contra Árbitros, Futebol.
ABSTRACT
The present work aimed to study the violence against soccer referees in Brazil. Known in
Brazilian society as "judge", he is responsible for making the games rules are complied with
and respected by all participants.
Controversial character criticized and questioned by officers, technical committee, athletes,
media, fans and spectators, the referees are harassed even before they enter the field. Their
interpretations and decisions are, when in the exercise of the referee function, for the most
part, understood as bad faith contrary to the perception of the observer on the game scene.
The theory of the civilizing process of Norbert Elias is our theoretical framework. We
interviewed three FIFA referees from São Paulo Football Federation. The researches were
conducted in a semi-structured form and with qualitative analysis which aimed at
understanding the violence against referees and how they feel and interpret this violence.
The violence against women soccer referees who enter a space built culturally for men and
where the search for masculinity validation is also shown in our analysis.
We concluded that the violence directed at soccer referees is related to the same violence in
Brazilian society.
Although the referees understand soccer as a mimetic activity, they repudiate the violence
generated by the lack of impulse and emotion control.
The media is also responsible for violence against soccer referees in Brazil.
Women referees will only have earned the respect in Brazilian arbitration when
simultaneously the referees occupy management positions in Brazilian soccer thereby
achieving balance in power relations.
KEY WORDS: Soccer Referee, Violence against Referees, Soccer
LISTA DE SIGLAS
ANAF - Associação Nacional dos Árbitros de Futebol
CBF - Confederação Brasileira de Futebol
CBHb - Confederação Brasileira de Handebol
CBJD - Código Brasileiro de Justiça Desportiva
CEAF/SP - Comissão Estadual de Árbitros de Futebol de São Paulo
CND - Confederação Nacional de Desportos
CONAF - Comissão Nacional de Árbitros de Futebol
CONMENBOL - Confederação Sul-Americana de Futebol
FA - Football Association
FBI - Federal Bureau of Investigation
FIFA - Fédération Internationale de Football Association
FPF - Federação Paulista de Futebol
FPFS - Federação Paulista de Futebol de Salão
FPH - Federação Paulista de Handebol
IFAB - Internacional Football Association Board
IHF - Internacional Handball Association
LCF - Liga Campineira de Futebol
LCFS - Liga Campineira de Futebol de Salão
RENAF - Relação Nacional de Árbitros de Futebol
SAFESP - Sindicato dos Árbitros de Futebol de São Paulo
STJD - Superior Tribunal de Justiça Desportiva
UEFA - Union of European Football Association
Sumário
1.1 COMO SURGIRAM AS REGRAS ............................................................................................... 25
1.2 OS ÁRBITROS ........................................................................................................................ 38
1.3 AS MULHERES NA ARBITRAGEM ............................................................................................. 41
1.4 A TELEVISÃO, A MÍDIA E OS ÁRBITROS DE FUTEBOL ................................................................ 45
2.1 “UM DOS SOCIOLÓGOS DE MAIOR DESTAQUE DO SÉCULO XX”................................................ 51
2.2 ELIAS E A SOCIOLOGIA ........................................................................................................... 52
2.3 AS RELAÇÕES HUMANAS ....................................................................................................... 54
2.4 “UM PROCESSO LONGO E NÃO PLANEJADO” .......................................................................... 61
2.5 A IMPORTÂNCIA DO FUTEBOL ................................................................................................ 65
2.6 O PROCESSO CIVILIZATÓRIO E O FUTEBOL .............................................................................. 68
2.7 O AUTOCONTROLE E AS ATIVIDADES MIMÉTICAS ................................................................... 69
3.1 A VIOLÊNCIA ......................................................................................................................... 74
3.2 A VIOLÊNCIA E AS MULHERES ÁRBITRAS NO BRASIL ................................................................ 82
4.1 OS ÁRBITROS E O FUTEBOL .................................................................................................... 86
4.2 QUEM SÃO OS ÁRBITROS? E POR QUE ELES ESCOLHERAM ESTA PROFISSÃO? ........................... 87
4.3 A PREPARAÇÃO E A “PROFISSIONALIZAÇÃO” .......................................................................... 91
4.4 A “TECNOLOGIA E A ARBITRAGEM ....................................................................................... 101
4.5 A IMPORTÂNCIA SOCIAL DO ÁRBITRO DE FUTEBOL ............................................................... 104
4.6 A VIOLÊNCIA E AS RELAÇÕES DE PODER ................................................................................ 106
4.7 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA CONTRA AS MULHERES ÁRBITRAS .................................................. 122
ROTEIRO DA ENTREVISTA .......................................................................................................... 132
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ................................................................... 135
TRANSCRIÇÃO 1 ........................................................................................................................ 142
TRANSCRIÇÃO 2 ........................................................................................................................ 158
TRANSCRIÇÃO 3 ........................................................................................................................ 173
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1. AS REGRAS, OS ÁRBITROS E AS INSTITUIÇÕES .................................................. 25
2. A TEORIA FIGURACIONAL DE NORBERT ELIAS ................................................. 51
3. A VIOLÊNCIA E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO .................................................... 74
4. COM A PALAVRA: OS ÁRBITROS .............................................................................. 86
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 124
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127
ANEXOS ............................................................................................................................... 132
13
INTRODUÇÃO
A Copa do mundo de futebol de 2014 no Brasil foi “o evento mais visto, rico e
caro da história dos mundiais” 1. Sucesso de público contou com três milhões de ingressos
vendidos, estádios lotados, a vinda de 692.000 turistas estrangeiros e a movimentação de
3.056.397 pessoas pelo país. Os investimentos econômicos do governo e da iniciativa privada
ultrapassaram valores de 33 bilhões de reais, grande parte destes investimentos foi feita na
infraestrutura das cidades sedes para a construção de estádios (8,5 milhões de reais),
aeroportos, hotéis e sistema de transportes. Foram gerados 3,6 milhões de empregos
temporários e ao término do evento a FIFA (Internacional de Futebol) superou a marca de
todos os mundiais e faturou 10 bilhões Federação de reais com 100% de isenção fiscal
concedida pelo governo federal do Brasil que necessitou atender esta exigência da FIFA para
poder sediar a competição2.
São 152 anos de história de um esporte que nasceu das práticas de jogos com
bolas nas escolas públicas inglesas e que hoje é um fenômeno mundial. O empenho dos
alunos e ex-alunos destas instituições de ensino para que se chegasse à unificação das regras
do jogo foi coroado no dia 26 de outubro de 1863 em um pub na cidade de Londres. Estava
fundada a Football Association que se tornaria a instituição responsável por reger o futebol
local. Segundo Franco Jr. (2007, p.28):
Finalmente, a 26 de outubro de 1863 representantes de várias escolas e clubes
encontraram-se na Freemason’s Tavern, no centro de Londres, para criar a Football
Association e um comitê que uniformizasse as regras. A codificação foi aprovada
em assembleia no dia 24 de novembro e publicada no jornal esportivo Bell’s Life de
oito de dezembro. Eram catorze regras simples, que davam identidade própria ao
football.
Nas primeiras regras do jogo não existiam os árbitros. As decisões de uma partida
eram de responsabilidade dos próprios capitães das equipes. Não era aceito entre os
participantes do jogo que um gentleman cometesse uma ação deliberada sobre um outro
jogador, mas o desenvolvimento e o crescimento do futebol fizeram com que as disputas
1 Reportagem de Diego Salgado e Paulo Favero, A copa que durou 7 anos. O Estado de S. Paulo, São Paulo. 13
jul 2014 Caderno de Esportes, p.11-14. 2 Os dados estatísticos foram retirados da mesma reportagem citada na nota de rodapé número 1.
14
fossem mais acirradas e os árbitros adentram o campo em 1891 para que decidissem sobre as
penalidades e expulsões de jogadores.
Este é um fato histórico importante e porque não dizer curioso. A função de
árbitro de um jogo de futebol surge quando os gentleman não mais se entendem, quando
possuem opiniões divergentes e, portanto se faz necessário alguém neutro, para ambas as
equipes que possa assumir a responsabilidade das decisões.
A pesquisa que estamos realizando estuda os árbitros3 de futebol no Brasil. O
árbitro conhecido na sociedade brasileira como “juiz”, é juntamente com sua equipe de
trabalho4, o responsável em fazer com que as regras do jogo sejam cumpridas e respeitadas
por todos os participantes5
do jogo. Personagem polêmico, criticado e questionado por
dirigentes, comissão técnica, atletas, mídia, torcedores e espectadores; as suas interpretações e
decisões são, quando no exercício da função de árbitro, na maior parte das vezes,
compreendidas como má-fé se contrariam a percepção do observador sobre a cena do jogo.
O bom árbitro é aquele que conhece as regras, identifica os momentos para aplicá-
las e também quando não é necessário apitar, sabe escolher o que é melhor para o jogo, mas
decide sempre com honestidade e estabelecendo critérios de igualdade para as duas equipes.
Não somente as regras técnicas, mas também as disciplinares devem ser respeitadas, a disputa
precisa ser realizada no chamado fair-play, ou seja, dentro de um código de ética e respeito
estabelecido pela FIFA. Uma conduta antidesportiva, seja de jogadores, comissão técnica ou
dirigente, que possa ser “administrada”, muitas vezes é a melhor escolha para aquele jogo.
Importante é que uma conduta seja “administrada” da mesma forma para a outra equipe
participante do jogo. As punições disciplinares nem sempre conduzem a partida para tensões
controladas, um árbitro experiente saberá quando aplicar a punição para evitar o aumento da
violência entre jogadores em uma partida. A violência também se faz presente entre jogadores
e equipe de arbitragem, uma das razões para que isso ocorra é quando um ou mais jogadores
discordam das marcações e punições disciplinares aplicadas pelo árbitro e perdem o controle
emocional recorrendo a agressões verbais e muitas vezes agressões físicas.
Quando experiente na função, não se faz notar durante toda a partida, é conhecido
pelos espectadores e torcedores e, por eles será xingado pelo nome. “A suposição de má-fé na
3 Com o objetivo de simplificar a redação do texto nesta pesquisa, a palavra árbitro será escrita na forma
masculina, embora se refira à função exercida por homens e/ ou mulheres. 4 Os componentes de uma equipe de arbitragem seguem as regras internacionais dos esportes.
5 Entenda-se por participantes: dirigentes, comissão técnica, jogadores e outras denominações usadas em cada
regra de uma modalidade esportiva.
15
série impressionante de equívocos em campo está sempre à frente da possibilidade mais
razoável de despreparo generalizado para o exercício da profissão” 6.
O primeiro capítulo desta dissertação nos remete a história das regras e como
surgiram os árbitros. No início a fundação da Football Association e posteriormente a
fundação da FIFA, instituições responsáveis pelo futebol na Inglaterra e no mundo
respectivamente, promoveram o desenvolvimento e o crescimento do futebol, sua
profissionalização e espetacularização e apesar de toda a importância que aqui se faz
reconhecida, não deixaremos de comentar as investigações das denúncias de corrupção na
FIFA.
A formação do árbitro de futebol, o difícil caminho das mulheres que decidem se
tornar árbitras de futebol, o uso da tecnologia e como os árbitros são tratados pelos
comentaristas e mídia esportiva também serão contemplados neste capítulo.
Para os torcedores fanáticos, o árbitro é o sujeito que “faz o seu time perder” ou
que, apesar do “juiz” atrapalhar, o seu time conseguiu vencer.
Se todos os participantes do jogo de futebol conhecem as regras do jogo, por que a
necessidade de alguém, neste caso um árbitro, atuar como mediador das decisões? Seria
possível um jogo sem árbitros?
Em vinte e dois de Junho de 1986, na Copa do Mundo de Futebol, a Argentina
venceu a Inglaterra por 2 X 1, com a “mão de Deus” 7 de Diego Maradona. Em 2009 a França
classificou-se para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, com gol irregular, quando o
jogador francês, Thierry Henry, utilizou-se da mão para ter o domínio da bola em jogo contra
a Seleção da Irlanda. O atacante brasileiro, Luís Fabiano, na Copa do Mundo de 2010, na
África do Sul, utilizou-se do mesmo recurso irregular, duas vezes no mesmo lance, para
marcar um gol no jogo Brasil x Costa do Marfim, declarando ao final do jogo: “O primeiro
toque foi sem querer, então pode”. O segundo foi à “mão santa”. “Ele (o árbitro) me
perguntou se eu tinha tocado a bola com o braço”. Eu disse “no” 8.
Ao relatar estes fatos, a mídia descreve estes jogadores como espertos, malandros
e maliciosos; a malandragem faz parte do futebol, segundo a mídia brasileira. Teriam os
jornalistas a mesma opinião se a decisão errônea dos árbitros fosse contra a seleção de futebol
do seu país? Provavelmente não estariam enaltecendo a esperteza e habilidade destes
6 Reportagem do jornalista Alfredo Ribeiro Bastos que mantém uma coluna de humor, Tutty Vasquez, no jornal
“O Estado de S. Paulo”. O texto citado foi publicado na página 8, em 04 set.. 2012. 7 O jogador argentino, Diego Maradona, disse que “se houve mão na bola, foi a mão de Deus”, frase que ficou eternizada após o torneio. Este gol desclassificou a Inglaterra
da Copa (Site UOL Notícias reportagem publicada durante a Copa do Mundo de futebol 2010 realizada na África do Sul).
8 Reportagem do jornalista Robson Morelli, enviado especial do jornal “O Estado de S. Paulo” na Copa do
Mundo de 2010 na África do Sul, no Caderno de Esportes, pág. 3 em 22 Jun. 2010.
16
jogadores e sim criticando, muitas vezes de maneira impiedosa, o responsável por validar o
gol, ou seja, o árbitro.
Creio que apesar de estarmos convivendo com frequentes erros de arbitragem não
podemos depender do fair play dos jogadores. Consequentemente, o árbitro é um “mal
necessário”.
Com a esportivização, grandes investimentos foram realizados pelas equipes de
diferentes modalidades esportivas. A pressão por resultados satisfatórios e o jogo de
interesses por parte dos dirigentes coloca o árbitro não apenas como alguém que fará com que
as regras sejam cumpridas e respeitadas, mas também como um mediador de conflitos.
Os investimentos feitos na arbitragem não são proporcionais aos investimentos
feitos na preparação dos jogadores e qualificação das comissões técnicas. Na maioria das
modalidades esportivas, o próprio árbitro é quem investe em cursos de capacitação e adquire o
seu material de trabalho. A função de árbitro esportivo não é regulamentada como profissão.
Os árbitros exercem a arbitragem concomitantemente a outra profissão9. Isto interfere na
formação, preparação e na atuação do árbitro que precisa conciliar vida profissional e
arbitragem. Acredito ser a falta de investimentos em formação de árbitros um fator
importante, ao considerarmos grande parte dos erros que eles cometem numa partida. Em
muitas modalidades os iniciantes na função, recém-aprovados em cursos deixam de ser
orientados após concluírem os cursos de formação de árbitros e, ainda que se tornem aptos a
dirigir partidas, falta-lhes a experiência, e por isso iniciam o trabalho em jogos de crianças.
Aqui se faz necessário destacar outro problema na nossa organização esportiva.
São os árbitros que durante uma partida, utilizando-se do apito, apontam erros e acertos no
jogo, sejam de caráter técnico ou disciplinar dos jogadores. Um árbitro recém-formado10
estaria apto a dirigir jogos de crianças em plena formação esportiva11
, contribuindo para que
esta criança aprenda a jogar corretamente? Particularmente, pensamos que toda a estrutura,
tanto da base teórica quanto da vivência prática, para que o jovem árbitro adquira experiências
na direção de uma partida esportiva, deveria ser proporcionada pelas entidades as quais estes
árbitros representam, sejam elas federações, confederações ou ligas.
No Brasil, poucas são as federações de futebol que investem na formação
continuada dos árbitros e acompanham o desenvolvimento do trabalho como faz a Federação
9 A regulamentação da profissão, em 10 de outubro de 2013, não trouxe mudanças significativas para os árbitros.
10 Para participar de um curso de formação de árbitro de qualquer modalidade esportiva, não é necessário ter sido
atleta ou ser graduado ou licenciado em Educação Física. 11
Os jogos de crianças, chamados de categorias de base da Federação Paulista de Futebol são dirigidos por
árbitros.
17
Paulista de Futebol (FPF). Este acompanhamento e orientação impedem que os árbitros se
acomodem, parem de estudar e treinar fisicamente. A remuneração também é um item a ser
considerado. Um árbitro recebe uma boa remuneração para dirigir uma partida quando
comparamos a média salarial da população brasileira, mas esta remuneração passa a ser
insignificante quando comparada as cifras dos salários de jogadores, e comissão técnica das
equipes profissionais, em especial de futebol.
Para o jornalista Luiz Zanin12
, cada árbitro interpreta e aplica a lei segundo seus
próprios critérios, os árbitros adotam posturas e interpretações diferentes a cada jogo.
Embora a regra seja única para todos os jogos e categorias: profissional ou
equipes de base, as ações dos jogadores requerem uma tomada de decisão dos árbitros que
não deixa de ser interpretativa, pois está associada a muitos outros fatores relacionados à
dinâmica do jogo como: deslocamento dos jogadores, velocidade da jogada, posicionamento
do árbitro. A experiência do árbitro e a importância da partida também são fatores que devem
ser considerados uma vez que exige do árbitro um melhor desempenho no equilíbrio das
tensões dos jogadores.
Quando o desempenho da equipe de arbitragem é analisado e comentado por
jornalistas e comentaristas esportivos, acreditamos estar diante de um problema mais
relevante. Muitos destes profissionais, sem jamais terem lido um livro de regras, se colocam
no direito de questionar e criticar as decisões dos árbitros, após terem utilizado, inúmeras e
repetidas vezes, recursos tecnológicos para verem a cena e exporem suas opiniões.
Na Copa do Mundo de futebol masculino de 2010, realizada na África do Sul, a
arbitragem também foi destaque na imprensa. Estadunidenses protestaram quando o árbitro da
partida anulou um gol que impediu a vitória da Seleção dos Estados Unidos contra a Seleção
da Eslovênia. Esta havia sido a primeira participação em Copas do Mundo do árbitro de Mali,
Koman Coulibaly. Comprovado o erro do árbitro, o mesmo não apitou mais nenhum jogo,
sendo dispensado do grupo de árbitros da Copa do Mundo de futebol de 2010.
Normalmente, os árbitros que se equivocam em suas interpretações ou cometem
erros, não são mais escalados se estes erros ocorreram em um megaevento, e se ocorreram em
eventos regionais e nacionais, são afastados da função temporariamente. Existe sim, a punição
para erros técnicos de arbitragem, no entanto esta informação não é disseminada pela mídia
como são divulgados os erros da arbitragem. Na Copa do Mundo de Futebol em 2014, o
12
Luiz Zanin é colunista do jornal “O Estado de S. Paulo”.
18
jornal “O Estado de S.Paulo” publicou reportagem do técnico holandês, Van Gaal, pedindo à
FIFA que árbitros sejam punidos pelos seus erros13
.
O fato é que erros de arbitragem sempre existirão, assim como os erros dos
jogadores. Os erros que ocorrem na arbitragem podem ser atribuídos à formação e experiência
do árbitro, ao seu posicionamento em campo no momento da tomada de decisão, a velocidade
da jogada, a erros de interpretações, ou seja, todos da condição humana. Apesar de todo este
contexto, há uma cobrança de que o árbitro jamais pode errar.
Apresentados os temas e problemas da pesquisa, nos cabe trazer os objetivos:
- Conhecer quem são os árbitros FIFA em atuação na Federação Paulista de
Futebol e o que os levou a escolher a arbitragem como “profissão”.
- Estudar os tipos de violências sofridas por estes, assim como o que eles sentem e
interpretam da violência sofrida.
Durante as partidas de futebol, os árbitros são hostilizados, antes do início dos
jogos, antes mesmo de entrarem em campo. Embora o futebol seja o meu objeto de estudo, a
violência contra árbitros se mostra também presente em outros esportes nos quais existe o
contato físico entre jogadores. A violência também se faz presente nas condições de trabalho,
na coação por parte dos dirigentes, nos comentários e exposições feitas pelos comentaristas
esportivos e na mídia em geral.
Sou professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino em
Campinas/SP. Pratiquei esportes ininterruptamente no decorrer de minha infância e
adolescência. Quando cursava a faculdade de Educação Física, em 1987, joguei handebol pela
cidade de Campinas nos Jogos Regionais, competição entre cidades do Estado de São Paulo.
O fato de haver duas árbitras atuando nos jogos me chamou a atenção14
. Ao término da
competição e sabendo que a Federação Paulista de Handebol (FPH) abria espaço para a
inscrição de mulheres no quadro da arbitragem, participei de um curso para a formação de
árbitros em 1987 e ao término do curso iniciei meus trabalhos como árbitra de Handebol na
FPH.
A minha prioridade não era ter a arbitragem como profissão e sim exercer mais
uma atividade dentro do esporte, contando ainda com a possibilidade de remuneração.
Quando fiz a opção por deixar de ser atleta, que na época não era uma função remunerada
13
Reportagem de Ciro Campos e Fábio Hecico, no jornal “O Estado de S.Paulo”, Caderno de Esportes, pág. 9,
em 24 de junho de 2014. 14
As árbitras são Silvana Maria Silva atualmente Árbitra Internacional de Handebol e Maria Isolina Fazzani
atualmente Árbitra Nacional de Handebol.
19
como nos dias de hoje, dediquei-me ao trabalho na Educação, quanto ao esporte, segui apenas
com a arbitragem.
Em 1996 fui aprovada para o quadro de árbitros da Confederação Brasileira de
Handebol (CBHb) e em 1997 na Federação Internacional de Handebol (IHF). Exerço a função
de árbitra até os dias de hoje, e sempre me incomodou a violência simbólica e a violência
física sofrida por árbitros de todas as modalidades esportivas. Acredito ser o árbitro vítima de
violência e também, em algumas ocasiões, fator gerador desta violência. Para Reis (2006,
p.16)
Normalmente a violência com agressões físicas ocorre precedida de agressões de
violência simbólica, e a transformação das agressões simbólicas em físicas ocorre
quando o indivíduo perde o controle durante suas manifestações afetiva /simbólicas
e parte para a violência manifesta - física.
Nos Jogos Olímpicos em Pequim 2008, pude acompanhar pela mídia, algumas
situações de violências contra árbitros. O cubano Angel Valodia Matos, atleta da modalidade
de Tae Kwon Do, foi banido para sempre do esporte depois de agredir o árbitro durante a
decisão da medalha de bronze. O atleta cubano, que foi campeão nos Jogos Olímpicos de
Sidney em 2000, na mesma modalidade de luta, Tae Kwon Do, chutou o rosto do árbitro ao
término da luta por discordar da não marcação de suposto golpe irregular do adversário. No
dia seguinte da luta do atleta cubano o jornal “O Estado de S. Paulo”, estampava: “Fidel apoia
agressor”.
Na matéria, o ex-presidente cubano dizia apoiar a atitude do lutador que não
conseguira se controlar ao ser injustiçado pelas marcações do árbitro e culpava a máfia que
burlava as regras do Comitê Olímpico. Na mesma reportagem, Fidel referia-se a outra
modalidade olímpica, boxe, na qual também protestava: “Foi criminoso o que fizeram com os
jovens da nossa equipe de boxe, para complementar o trabalho dos que se dedicam a roubar
atletas do Terceiro Mundo [...]. Há esportes em que a arbitragem está muito corrompida.
Nossos atletas lutam contra o adversário e o árbitro”15
. O árbitro agredido fora o sueco Chakir
Chelbat.
Em partida realizada em 26 de Agosto de 2012, entre as equipes do Cruzeiro/MG
x Atlético Mineiro pelo Campeonato Brasileiro de Futebol, o jornalista, Gonçalo Júnior, do
jornal “O Estado de S. Paulo”, assim descreve a partida:
15
Reportagem de Paula Pereira no jornal “O Estado de S. Paulo”, São Paulo. 26 ago. 2008, Caderno de Esportes,
p.2.
20
O empate por 2x2 teve três expulsões e lances polêmicos. Além disso, o Estádio
Independência viu cenas que pareciam ter sido abolidas do futebol brasileiro: os
cruzeirenses (torcida única no estádio) atiraram um celular (e também a bateria),
uma buzina de gás, uma camisa e vários copos de água no gramado, de acordo com
a súmula. O árbitro também relatou invasão do gramado e agressão verbal dos
dirigentes cruzeirenses. O presidente alvinegro, Alexandre Kalil, fez uma relação
entre as supostas falhas do árbitro e uma agressão que ele teria sofrido no intervalo.
Por que o juiz quase apanhou no intervalo ele se acovardou no segundo tempo e fez
a lambança que fez16
.
A violência direcionada aos árbitros fez com que os pesquisadores Andrea
Praschinger, Christine Pomikal e Stefan Stieger, do Departamento de Psicologia da
Universidade de Viena na Áustria, realizassem a pesquisa: “Posso ofender um árbitro?
Ofensas e consequências”. Os pesquisadores entrevistaram árbitros e árbitras de futebol e
identificaram quais são os tipos de ofensas que estes profissionais não toleram, punindo com
o cartão vermelho, além de um relatório disciplinar. Os insultos e agressões que eles recebem
são relacionados à: inteligência, aparência, áreas genitais, orientação sexual e o poder de
decisão dos árbitros e árbitras.
Expressões como a “máfia do apito”17
, tornaram-se mais comuns após os
escândalos que envolveram o árbitro Edílson Pereira de Carvalho, no Campeonato Brasileiro
de 2005, criminalmente punido por manipulação de resultados de jogos, favorecendo terceiros
em apostas financeiras.
O que justificaria as pessoas com diferentes expectativas sobre uma partida
adotarem a mesma postura de criticar os árbitros? Por que estes profissionais sofrem
violência? Estas são algumas das perguntas que nos motivaram a realização este trabalho e
que esperamos ter conseguido responde-las com êxito.
O segundo capítulo foi dedicado a Teoria do Processo Civilizatório de Norbert
Elias, nosso referencial teórico para esta pesquisa. As mudanças de comportamento e atitudes
dos indivíduos para uma melhor convivência em sociedade, o Processo Civilizatório, as
figurações, as relações de poder, as emoções que buscamos na prática esportiva e a violência
são neste capítulo estudadas.
No primeiro capítulo do livro El Fenómeno Deportivo, Eric Dunning (2003)
escreve sobre o quanto as emoções vividas por ele e por Norbert Elias durante as partidas de
futebol da Copa do Mundo da Inglaterra em 1966, tornaram-se os primeiros estímulos para
16
Reportagem de Gonçalo Júnior no jornal “O Estado de S. Paulo”, São Paulo. 28 ago. 2012, Caderno de
Esportes, p.1. 17
Em 2005, Promotores de Justiça de Combate ao Crime Organizado, em São Paulo, descobriram esquema de
manipulação de resultados futebolísticos envolvendo o árbitro Edílson Pereira de Carvalho e um grupo de
investidores.
21
que realizassem estudos sobre a importância social e psicológica das emoções proporcionadas
pelos esportes e atividades de lazer.
Segundo Elias em Elias e Dunning (1992), as atividades de lazer provocam uma
“excitação agradável” e proporcionam a liberação das tensões do stress. As tensões são
causadas pela rotina e obrigações de uma vida em sociedade e para conviver dentro de um
padrão de civilidade, os indivíduos reprimem os seus sentimentos e emoções em público.
Quanto mais desenvolvidas são essas sociedades, maior a variedade de atividades propostas
onde esta excitação é favorecida e as tensões são liberadas. As atividades de lazer, em
especial os esportes, permitem aos indivíduos liberar tensões e viver emoções extremas sem
correr riscos, portanto uma atividade mimética. Para Elias e Dunning(1992, p.69-70):
[...] para cumprir a função de liberação das tensões derivadas das pressões, estas
actividades devem conformar-se à sensibilidade existente face à violência física que
é característica dos hábitos sociais das pessoas no último estágio de um processo de
civilização.
Outro aspecto a ser considerado seriam as relações de poder que envolvem
jogadores e árbitro, árbitro e torcedores. Ao fanático torcedor, resta apenas torcer por um
excelente espetáculo e pela vitória de sua equipe na partida, mas a imagem da autoridade e do
poder de decisão do árbitro coloca este torcedor em uma situação de espectador impotente,
sem poder interferir nas decisões dos árbitros contra a equipe da qual é torcedor. O torcedor
acaba utilizando-se de manifestações agressivas ao tentar reclamar das decisões dos árbitros.
Relações de poder são apresentadas por Norbert Elias no livro: "Os Estabelecidos e os
Outsiders”. Seriam estes fanáticos torcedores os outsiders, aos quais é reservado apenas o
direito de assistir a partida enquanto os estabelecidos, árbitros, tem o poder de decidir? Ou
seriam os árbitros, que sofrem com estas manifestações agressivas dos torcedores, os
“outsiders”? Quem detém o poder? Árbitros ou Torcedores?
O comportamento agressivo em relação à arbitragem também ocorre em jogos de
crianças nos quais pais, fanáticos torcedores, parecem se esquecer, ou não saberem, que o
esporte é também um meio de educação e formação das crianças e adolescentes. As atitudes
agressivas em relação aos árbitros, como até mesmo contra as equipes adversárias,
proporciona um espetáculo à parte, de maus exemplos, os quais muitas vezes serão copiados
pelos filhos. Ofensas e xingamentos em eventos e competições esportivas parecem ser
“normais” desde a infância para aqueles que presenciam cenas desta natureza nos recintos
esportivos.
22
Segundo Reis (2006, p.16), “a situação estrutural brasileira contribui para uma
sociedade de indivíduos frustrados, descontentes, desiludidos, que podem expressar seus
sentimentos de maneira agressiva”. As crianças brasileiras não tem acesso a uma educação
básica de qualidade. O esporte e as demais manifestações culturais deveriam ser vivenciados e
aprendidos desde a primeira infância e poderíamos assim criar uma cultura esportiva.
Muitos torcedores que assistem aos jogos de Handebol nos quais trabalho
manifestam-se com palavras e gestos agressivos durante a partida, apresentando um
comportamento antagônico ao seu término. A agressão parece não ser direcionada ao cidadão
que atua em determinado jogo e sim, direcionada a figura do árbitro, independente destes
árbitros serem conhecidos ou não, terem dirigido anteriormente partidas do seu time ou não.
Entendemos que a agressão está relacionada à função que este indivíduo representa.
Em consulta a SCIELO18
, nota-se uma escassez de pesquisas acadêmicas na área
de esportes e sociologia, no Brasil, relacionadas aos temas: árbitro esportivo, arbitragem e
violência dirigida a árbitros.
Os grandes investimentos feitos no futebol e a crescente pressão que sofrem as
equipes por resultados positivos, por parte de dirigentes e torcedores, acabam colocando em
evidência a qualidade do serviço prestado por árbitros. Os resultados das equipes nos
campeonatos e torneios realizados trazem visibilidade, prestígio, premiações milionárias e
aumentam as possibilidades de excelentes contratos de patrocínio. Os árbitros, até então os
“outsiders”, despertou o interesse de alguns pesquisadores. Em levantamento bibliográfico
encontramos pesquisas sobre aptidão física dos árbitros (área de fisiologia) e estresse vivido
por árbitros (área de psicologia). Estas pesquisas visam entender e contribuir para uma melhor
performance desse “profissional” e uma melhor qualidade na formação dos árbitros. Árbitros
melhores formados e treinados deveriam cometer menos erros, portanto terem menor
interferência nos resultados dos jogos e consequentemente melhor qualidade de serviços
prestados. Poucas foram às pesquisas na área de Sociologia. Gostaria de citar uma importante
dissertação de mestrado e artigos publicados relacionados à área de Sociologia do pesquisador
e árbitro de futebol Bruno Boschilia 19
. Com as mulheres tendo a oportunidade de atuarem
como árbitras iniciaram-se também as pesquisas de gênero na arbitragem20
.
18
Em consulta ao Scielo, em 21 de outubro de 2012, foram encontrados sete artigos relacionados a árbitros na
área de sociologia. Acesso em 21 de outubro de 2012. 19
BOSCHILIA, Bruno. Futebol e Violência em Campo: análise das interdependências entre árbitros,
regras e instituições esportivas. 2008. 192 p. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Departamento de
Educação Física, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.
20 NASCIMENTO, A.S.; NUNES,M.L.F. A mulher árbitra de futsal: entre a norma e a resistência.
Interseções, Rio de Janeiro, v.16, n.1, p.197-216, jun.2014.
23
No terceiro capítulo estudamos a violência seus conceitos, assim como o de
agressividade. Apresentamos também os estudos sobre a tipologia da violência de Norbert
Elias e Eric Dunning e as raízes e razões da violência na sociedade brasileira e no futebol.
O quarto capítulo foi dedicado às analises das entrevistas que foram realizadas
com os três árbitros FIFA da Federação Paulista de Futebol (FPF).
A pesquisa foi desenvolvida na abordagem qualitativa. Segundo Negrini (2010) o
interesse desta abordagem está na interpretação e análise das informações e não em
generalizar os dados obtidos.
Entrevistamos os três árbitros FIFA da Federação Paulista de Futebol, ou seja,
100% dos árbitros classificados na categoria máxima da arbitragem em futebol. A escolha por
árbitros desta categoria é porque acreditamos que estes vivenciaram todas as fases da
formação na carreira de um árbitro e hoje podem arbitrar em qualquer campeonato oficial de
futebol nacional ou internacional. Com a anuência da Federação Paulista de Futebol, uma vez
que os árbitros pertencem a esta instituição, entramos em contato com os três árbitros,
explicamos o propósito da pesquisa e enaltecemos a importância de podermos contar com a
participação dos três. As entrevistas foram realizadas nos meses de Agosto e Setembro de
2015, gravadas em áudio21
, posteriormente transcritas na íntegra para análise. Optamos por
realizar as entrevistas em dias em que não havia rodadas de jogos de futebol, na cidade onde
reside cada um dos entrevistados favorecendo assim a coleta das informações em um
ambiente tranquilo e sugerido pelo entrevistado. Embora o tempo previsto para as entrevistas
fosse estipulado em aproximadamente duas horas, os três árbitros se mostraram atenciosos e
participativos e usufruindo da liberdade que um questionário semiestruturado possibilita
contribuíram com outras informações e dados que pretendemos incorporá-los brevemente em
novas pesquisas e/ ou artigos. As transcrições acompanham os anexos desta pesquisa
juntamente com a Carta de Anuência da Federação Paulista de Futebol e a cópia do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Segundo Negrine (2010, p.70) as entrevistas semiestruturadas e com perguntas
“abertas”, embora apresente questões definidas pelo entrevistador “[...] permite que se
realizem explorações não previstas, oferecendo liberdade ao entrevistado para dissertar sobre
o tema ou abordar aspectos que sejam relevantes sobre o que pensa”.
21
Gravador de áudio Smartphone Samsung
24
Os dados coletados nas entrevistas dos três árbitros foram analisados
qualitativamente inicialmente no conjunto da entrevista de cada indivíduo, posteriormente,
procuraram-se pontos convergentes entre as entrevistas. Estas foram realizadas após os
estudos teóricos o que permitiu a extração e incorporação de falas sobre os temas pesquisados
e atendendo os objetivos desta pesquisa que são: conhecer quem são estes profissionais que
optam por trabalhar como árbitros de futebol, estudar os tipos de violências sofridas por estes,
assim como o que eles sentem e interpretam da violência sofrida.
Esperamos ao término desta pesquisa termos contribuído para um melhor
entendimento da violência sofrida pelos árbitros de futebol, colaborando assim para que sejam
criadas propostas socioeducacionais que possibilitem diminuir as manifestações agressivas
aos árbitros no Brasil. Um estudo desta natureza poderá proporcionar alternativas que
colaborem com o controle da violência sofrida pelos árbitros, nas competições esportivas no
Brasil.
Segundo Elias e Dunning (1992, p.17), “o desporto demonstra com toda clareza
que constitui um campo de considerável significado social,...” e sendo Elias nosso referencial
teórico acreditamos estar contribuindo com este estudo para os estudos de violência sofrida
pela arbitragem de futebol. Para Elias a compreensão do esporte ajuda no entendimento da
sociedade e quando os estudos de esporte não são simultaneamente estudos de sociedade são
desprovidos de contexto.
25
1. AS REGRAS, OS ÁRBITROS E AS INSTITUIÇÕES
1.1 COMO SURGIRAM AS REGRAS
No XIX século a Inglaterra viveu uma série de transformações sociais, políticas e
econômicas. A Revolução Industrial normatizava o trabalho e projetava o desenvolvimento
econômico, o parlamentarismo propunha um jogo político civilizado e as diferentes formas de
restrições sociais impostas à população tinham por objetivo melhorar o convívio social nos
espaços públicos.22
A regulamentação das muitas modalidades esportivas surge na Inglaterra
nessa época, acompanhando este cenário vivido pelo país. A Inglaterra é hoje reconhecida
como a responsável pela esportivização e considerada o “berço” do futebol moderno. Segundo
Reis e Escher (2006, pág. 20):
Na fase anterior à esportivização (adoção de regras universais), os jogos eram
regulamentados por tradições locais, sendo assim variáveis suas regras de um local a
outro. A normatização desses jogos na Inglaterra passou por vários “estágios”, até se
chegar ao que hoje é denominado de esporte.
Franco Jr. (2007) comenta que nesse período, não eram apenas as práticas
esportivas que passavam por normatizações. A necessidade de regulamentos era notada
também nas estruturas da vida político-social inglesa que desejava diminuir as tensões sociais
e prevenir assim, excessos e desorganizações por parte da população, melhorando o convívio
social. Segundo o autor, estas normatizações e restrições estavam presentes também nas
práticas esportivas. Era uma época de padronização, o Estado estabelecia a constituição, leis,
decretos e códigos; as instituições informais criavam suas regras, normas e costumes; os
esportes se institucionalizavam e iniciava-se o processo de padronização das regras esportivas
tais como: as corridas de cavalo por volta de 1750, golfe em 1751, críquete em 1788, rúgbi
em 1846, futebol em 1863 e ciclismo em 1868.
Para Elias e Dunning (1992) os esportes acompanham o que foi definido por ele,
como um processo civilizatório, processo este de longa duração vivido pela sociedade em que
22 Sobre estes temas consultar: FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: Futebol, Cultura e
Sociedade. São Paulo: Companhia Das Letras, 2007.
26
um conjunto de regras e restrições levavam os indivíduos a um maior autocontrole, visando
um melhor convívio entre os cidadãos.
As public schools (escolas privadas) e as universidades de Oxford e Cambridge,
instituições de ensino destinadas as classes dominantes inglesas, foram de fundamental
importância para o processo de codificação das regras do futebol moderno. As práticas de um
jogo com bola entre os estudantes faziam parte das rotinas escolares, porém cada escola
estabelecia e jogava o futebol com regras e costumes próprios. Segundo Murray (2000, p. 21,
22):
Os rapazes da Rugby School, com seus grandes campos gramados e espaços abertos,
jogavam uma forma de futebol que permitia agarrar o jogador adversário e correr
com a bola na mão. Em Winchester, o campo era estreito, o drible era estimulado e
não havia baliza; para marcar pontos os jogadores precisavam levar a bola para o
outro lado da linha. Em Harrow, cujos os praticantes estavam entre os pioneiros do
association football, os times tinham onze jogadores, e uma grande bola era chutada
sobre um campo frequentemente enlameado. Em Westminster e Charterhouse, o
jogo era restrito a estabelecimentos fechados, impossibilitando chutes e lançamentos
longos.
Estas instituições de ensino (public schools), que inicialmente eram encarregadas
da educação de alunos pobres foram sendo transformadas, no final do século XVIII e início
do século XIX, em internatos pagos e atendiam alunos da classe média alta e classe alta. Nas
regras e costumes para se jogar futebol nas public schools, além de serem determinantes os
espaços físicos dos quais dispunham as instituições havia também uma diferença de status
entre as escolas. Enquanto a Escola de Rubgy atendia alunos das camadas sociais mais baixas,
entre a elite, a Escola de Eton tinha associações com a corte da Inglaterra. A rivalidade
presente nos jogos internos de futebol evidenciavam os problemas de disciplina e as relações
violentas que existiam entre alunos veteranos e calouros. Segundo Dunning e Curry (2006),
Thomas Arnold, diretor da Escola de Rubgy de 1828 a 1842 estabeleceu medidas
disciplinares eficazes nas relações entre os estudantes (veteranos – calouros) e entre
funcionários e estudantes. Embora não possamos afirmar, acreditamos que a normatização das
regras escolares, para um melhor convívio e maior autocontrole dos estudantes, passava
27
também pelos “grandes campos gramados” e contribuíram substancialmente ao
desenvolvimento do futebol23
.
O futebol era praticado pelos alunos nessas instituições e pelos bad-boys, ex-
alunos das public schools, segundo Murray (2000), os ex-alunos deram o impulso para que
ocorresse todo o processo de padronização das regras do jogo. Estes desejavam continuar
praticando os esportes favoritos da faculdade, uma vez que iniciavam na vida profissional e a
padronização das regras era fundamental para que clubes e instituições pudessem jogar entre
si.
Um dos mais prestigiados árbitros do futebol brasileiro e autor do livro “A regra é
clara”, Arnaldo Cezar Coelho, relata que em 1846, a Escola de Rugby, estabeleceu regras
próprias para a prática interna do futebol e menciona a reunião realizada em 1848, no Trinity
College, como o encontro que instituiu as “Regras de Cambridge”.
No início do séc. XIX, o futebol fazia parte da educação regular dos jovens ingleses,
sendo comum que cada colégio estabelecesse suas próprias regras. Em setembro de
1846, o colégio de Rugby decide publicar a mais antiga lei para o jogo com bola:
The lays of football founded on the rules of the game as played at Rugby school 24
·.
[...] Dois anos depois, é a vez dos estudantes de Cambridge reunirem-se no Trinity
College com o intuito de criar um código para o esporte bretão, com 11 regras, no
qual era proibido golpear a pelota com as mãos (COELHO, 2002, p.136).
Murray (2000) relata encontros de ex-alunos de Salop e Eton, em 1846 e converge
com Coelho (2002), no que diz respeito, a reunião realizada pelos alunos de Cambridge em
1848, reunião esta que tinha o propósito de redigir um conjunto uniforme de regras.
As primeiras regras combinadas foram delineadas em 1846 por ex-alunos de Salop e
Eton; uma delas proibia chutar os adversários com botas revestidas de aço. Porém,
em 1848, uma primeira tentativa séria de se criar um conjunto uniforme de regras
realizou-se em Cambridge (MURRAY, 2000, p.22).
23
Ler sobre este tema em: DUNNING, Eric; CURRY, Graham (2006). 24
As leis do futebol baseadas nas regras do jogo como disputado no Colégio de Rugby.(Tradução de Arnaldo
Cezar Coelho).
28
As regras propostas pela Escola de Eton eram de um jogo quase que inteiramente
jogado com os pés. Jogar com os pés exigia um maior autocontrole e os estudantes de Eton
acreditavam que seria mais difícil a classe trabalhadora jogar com estas regras. Propondo o
uso dos pés e sustentados no status de escola fundada pela realeza, que se vangloriava de
manter associações com a corte e que recebia os alunos das classes mais altas da sociedade, as
regras propostas pelos etonianos não deixava de ser uma “provocação” aos alunos da Escola
de Rugby. Jogar futebol de uma maneira diferente, com os pés, estava associado à rivalidade
das escolas que queriam manter o status e as “competições” de classe social25
. O fato é que as
regras precisavam ser unificadas. Segundo Dunning e Curry( 2006), os jogos de futebol entre
as escolas inglesas e os jogos dos ex-alunos eram problemáticos e isto justificou a reunião
realizada em Cambridge em 1848. Esta reunião em Cambridge também é mencionada por
Franco Jr. (2007, p.27), “Foi com este espírito que representantes de diversas escolas
reuniram-se em 1848, em Cambridge, para tentar uniformizar as regras daquele esporte”.
Os autores Franco Jr.(2007) e Murray (2000) consideram a reunião de Cambridge
em 1848, como o “pontapé inicial” para que fosse criado um código comum de regras para o
futebol.
Sendo a rivalidade das public schools tão significativa era compreensível que ex-
alunos e a imprensa tivessem papel fundamental na unificação das regras. Segundo Dunning e
Curry (2006, p.67)
Em 1863, uma verdadeira enxurrada de opiniões resolutas, defendendo vários jogos
foi manifestada através de cartas enviadas ao The Times por correspondentes de
escolas públicas. Entretanto, o que pode se chamar de defesa de “particularidades
das escolas” era forte no período e essas correspondências parecem ter servido
somente para acentuar as diferenças entre as formas rivais do football. Toda a
iniciativa prática para resolver o impasse teria de vir de fora das escolas públicas ou
de ex- estudantes destas escolas, que poderiam abordar a introdução de regras de
football de uma maneira relativamente mais desprendida.
A imprensa também colaborou. O Daily Telegraph publicava sugestões de um
correspondente para um “Parlamento do Football” em setembro de 1863, o jornalista John
25
Ler sobre este tema em: DUNNING, Eric; CURRY, Graham ( 2006).
29
Cartwright, escrevia artigos sobre o assunto no The Field, tudo isto, fortalecido pela opinião
pública que também almejava regras claras e unificadas para o futebol26
.
Em 1863, em uma reunião de alunos e ex-alunos de várias instituições
educacionais inglesas é fundada em Londres, a Football Association (FA), nascia assim, o
futebol moderno. Os autores Franco Jr.(2007), Reis (2006), Murray (2000) e Coelho (2002)
assim descrevem este momento histórico:
Finalmente, a 26 de outubro de 1863 representantes de várias escolas e clubes
encontraram-se na Freemason’s Tavern, no centro de Londres, para criar a Football
Association e um comitê que uniformizasse as regras. A codificação foi aprovada
em assembleia no dia 24 de novembro e publicada no jornal esportivo Bell’s Life de
oito de dezembro. Eram catorze regras simples, que davam identidade própria ao
football (FRANCO JR., 2007, p.28).
A transformação de um jogo de bola com os pés em esporte deu-se a partir de 1863,
quando foi criada a Football Association, na Inglaterra, instituição que codificou o
futebol, criando suas regras universais (REIS, 2006, p.5).
Esse regulamento fornece a base das regras do futebol, que foram debatidas em um
evento histórico com ex-alunos de diversos internatos particulares, realizado na
Freemason’s, uma taverna londrina, em 26 de outubro de 1863, e em cinco
encontros subsequentes (MURRAY, 2000, p.22).
Em 1863, alunos e ex-universitários de Cambridge, sob a liderança do jornalista
John Cartwright, iniciam uma campanha para a padronização das regras. Depois de
muita discussão, finalmente representantes de várias escolas reúnem-se na
Freemason’s Tavern, em Londres, em 26 de outubro, para criar a The Football
Association (FA), que até hoje é a responsável pelo futebol inglês. Na mesma
reunião formou-se um comitê incumbido de redigir as novas regras. Em 24 de
novembro, uma assembleia aprovou o texto e no dia 8 de dezembro a FA publicou-o
na grande imprensa (COELHO, 2002,137).
O primeiro código de regras, segundo Coelho (2002) e Franco Jr. (2007), foi
aprovado na assembleia de 24 de novembro de 1863. No grupo de alunos e ex-alunos
representantes das várias public schools houve divergências. Os representantes da Escola de
Rugby discordavam das regras que proibiam o uso das mãos27
e representantes da Escola de
26
DUNNING, Eric; CURRY, Graham (2006). 27
Sobre este tema consultar Boschilia ( 2008).
30
Blackheath, defendendo a virilidade do jogo, não aceitavam regras que punissem as ações
violentas como os “chutes na canela” 28
por parte dos jogadores. Discordando das decisões e
dos resultados das votações nas assembleias, os representantes destas duas instituições
(Rugby School e Blackheath) se retiraram das reuniões da Football Association. Em 08 de
dezembro de 1863, com a aprovação de representantes de onze instituições foram publicadas
as 14 (quatorze) regras do futebol no jornal esportivo londrino Bell’s Life.
O nosso interesse ao descrever, apoiados pelos autores, à institucionalização do
futebol moderno, além de todo o fato histórico, é mostrar que a normatização das regras, fez
parte de um processo. A esportivização do futebol comprova o que Norbert Elias definia
como processo de longa duração presente nas sociedades. Segundo Elias e Dunning (1992,
p.17), “o desporto demonstra com toda clareza que constitui um campo de considerável
significado social...”, estudos de esportes não podem ser dissociados dos estudos da
sociedade. Para este, o esporte ajuda no entendimento da sociedade e quando os estudos de
esporte não são simultaneamente estudos de sociedade são desprovidos de contexto. Todo o
processo de normatização e institucionalização vivido pelo futebol está relacionado ao
período histórico da Inglaterra.
No site da FIFA, instituição responsável pelo futebol em todo o mundo, é possível
encontrar textos sobre a história do futebol. As informações corroboram com os fatos
apresentados pelos autores supracitados e destaca a presença de onze representantes de
escolas e clubes londrinos na Freemason’s Tavern, destaque este que nos leva a pensar que a
constituição de uma equipe de futebol com onze jogadores em campo seja uma homenagem
aos participantes deste encontro.
A criação da Football Association permitiu que as regras fossem padronizadas, o
jogo aprimorado, possibilitando o desenvolvimento do futebol. Havia a preocupação de que as
regras fossem aceitas por todos os representantes, pois assim seriam respeitadas e praticadas
nos jogos entre eles.
As regras nos ensinam os limites do jogo, quais são os elementos necessários para
jogar (espaço, tempo, sujeitos e materiais) e como proceder em relação aos objetivos (bola,
gol/ alvo) e ao adversário. Estabelecem condutas comportamentais e como se deve punir um
jogador infrator. Para Elias e Dunning (1992) as práticas físicas e as competições esportivas
28
Sobre este tema consultar Murray (2000).
31
são confrontos de tensão entre indivíduos e equipes, sendo assim as regras deveriam manter a
disciplina dos praticantes e o jogo sob controle.
Para participar de um jogo de qualquer modalidade esportiva o jogador precisa
respeitar as regras do jogo As regras e normas que regem um esporte são determinadas pelas
federações internacionais de cada modalidade esportiva. Segundo Lagardera Otero e Lavega
Burgués (2008, pág. 48):
É importante destacar que, independente de quem sejam os jogadores intervenientes
em cada partida de futebol, esse jogo ostenta características e peculiaridades que o
diferenciam nitidamente de outras modalidades, em que os participantes devem
adaptar-se inevitavelmente. Essas condições exigidas pelo jogo estão estabelecidas
em seu regulamento. Daí que participar do jogo de futebol, ou qualquer outro, requer
submeter-se à coação de suas regras.
As regras do jogo foram sendo modificadas para acompanhar o desenvolvimento
do futebol, não mais restrito a alunos e ex-alunos das escolas públicas inglesas. Nas primeiras
regras não existia a presença de nenhum árbitro ou mediador. As decisões eram tomadas pelos
próprios capitães das equipes. Para Franco Jr. (2007), muitas das regras do futebol são
fundamentadas em eventos significativos para o povo inglês. A regra do offside, impedimento
ou “fora de jogo” introduzida em 1867, estaria relacionada a um “fair play”29
presente no
espírito britânico, segundo os historiadores italianos Antonio Papa e Guido Panico30
, “ Fica
‘fora de jogo’ quem adota comportamento furtivo. Quem se esconde nas costas do adversário
para fazer o gol”.
A regra do offside exigiu a necessidade de alguém presente no jogo, em local
privilegiado, a quem os capitães das equipes pudessem se reportar em caso de dúvidas. Surge
assim a figura do árbitro de futebol em 1868. Segundo Franco Jr.(2007, p.31):
Anteriormente as decisões eram consensuais entre os jogadores ou tomadas entre os
capitães dos times, mas com o impedimento ----- a regra mais inteligente do futebol,
por isso mesmo a mais difícil de ser aplicada ------ foi preciso alguém que de fora do
29
“Fair play” refere-se a uma disputa ética e honesta. Jogar segundo as regras e respeitando companheiros,
árbitros, adversários e torcedores. O programa fair play da FIFA “propõe um jogo limpo e esportividade de todos
os participantes e mantém atividades anuais relacionadas ao tema desde 1997”. A FIFA também possui uma
Comissão de esportividade e responsabilidade social que se ocupa de assuntos relacionados ao futebol e
supervisiona a conduta das pessoas relacionadas ao futebol. 30
Informação presente no livro de Franco Jr. (2007).
32
campo, e próximo a ele, tivesse melhor visão da jogada como um todo (englobando
o lançador, o receptor da bola, a posição dos defensores) para saber se ela era legal
ou não. O árbitro, portanto, nos primeiros tempos do futebol ficava fora do campo e
na verdade só atuava sob consulta dos times: exercia efetivamente uma arbitragem.
Para Coelho (2002), “Em 1868, surge a figura do juiz (umpire), que na época
ficava fora de campo e era consultado para dirimir dúvidas a pedido dos capitães das
equipes”. Hoje modalidades esportivas como o tênis de campo e o cricket ainda utilizam a
denominação de umpire para os árbitros.
Alunos e ex-alunos das public schools acreditavam que um “gentleman” jamais
cometeria uma falta deliberadamente, de maneira intencional, porém com crescimento do
futebol nasciam os clubes, as associações e consequentemente o aumento da competitividade
e das tensões nas partidas. Segundo Murray (2000, p.24), “No fim da década de 1860 e
começo da seguinte, os dirigentes da FA de Londres, que antes controlavam alguns poucos
times da cidade, estenderam seu domínio à maioria dos times ingleses e fizeram acordos com
outros países do Reino Unido”.
Com a popularidade da Copa Desafio, competição organizada pela FA a partir de
1871, a instituição se fortalecia no comando do futebol. Em 1877, acordos com outras
associações, de Londres e Sheffield, que também organizavam torneios e eram consideradas
rivais, da FA, permitiram que a FA fosse reconhecida, “como a única autoridade de futebol da
Inglaterra, e cada vez mais associações locais eram afiliadas a ela”, Murray (2000).
Para Franco Jr. (2007) a FA inspirou o surgimento das outras federações. A
Federação escocesa em 1873, a galesa em 1876 e a irlandesa em 1882. A FA foi decisiva para
o desenvolvimento do futebol. Este desenvolvimento partilhava do crescimento econômico da
Inglaterra. A realização de torneios e as disputas eram facilitadas pelo surgimento dos novos
meios de transporte. Profissionais ingleses que iam trabalhar em outros países e nas colônias
inglesas ajudavam a divulgar o futebol, uma vez que queriam continuar a prática desse
esporte. Jovens que iam estudar na Inglaterra, aprendiam a jogar futebol e retornavam aos
seus países de origem com o livro de regras e bolas nas bagagens. Foi o que aconteceu com
Charles Willian Miller, paulista, filho de pais ingleses, nascido em 1874, que foi estudar na
Inglaterra, e ao retornar ao Brasil em 1894, atuou como jogador, árbitro e dirigente até 1910.
Charles Miller é recorrentemente considerado o “pai do futebol no Brasil” e um dos
33
responsáveis pela sua propagação e desenvolvimento, ainda que pesquisas já tenham
identificado práticas de futebol no Brasil, anteriores a sua chegada.
O crescimento do esporte era evidente e com as novas associações e federações
aumentavam as divergências sobre as regras que ainda não estavam consolidadas a ponto de
atender tal abrangência. Em junho de 1886, é fundada a Internacional Football Association
Board (IFAB), com o propósito de acabar com todos os argumentos e divergências das
diferentes ligas e associações britânicas, unificando assim as regras entre elas. Para Coelho
(2002), “O dia 2 de junho de 1886 marca outro momento histórico para o futebol, quando as
quatro associações britânicas promovem a primeira reunião do Internacional Football
Association Board.” O autor descreve a IFAB como o xerife das regras.
A Internacional Football Association Board foi fundada pelas quatro associações
britânicas: Football Association (Inglaterra), a Scotish Football Association (Escócia), a
Football Association of Wales (País de Gales), e a Irish Football Association (Irlanda do
Norte) e até os dias de hoje é a “guardiã” das regras do jogo em todo mundo. Criticada por ser
considerada uma instituição conservadora e que dificulta a modernização do futebol, IFAB se
defende justificando que muitas alterações propostas estariam mudando a essência do futebol
que, segundo Franco Jr. (2007), teve muitas das suas regras escritas fundamentadas em
costumes ingleses. A IFAB atualmente realiza duas reuniões anuais, normalmente as que
discutem modificações das regras ocorrem em fevereiro e/ou março e qualquer federação
nacional associada a FIFA pode enviar propostas de modificação das regras, que serão
estudadas, analisadas e votadas pelos membros da IFAB.
Em 1886, a IFAB, era representada por dois membros de cada associação
britânica. Hoje cada uma das federações britânicas tem direito a um voto, totalizando quatro
votos. A FIFA representando as 205 federações nacionais tem direito a quatro votos. Para que
uma regra seja modificada são necessários ¾ dos votos, portanto seis votos.
No ano de 2014, na Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil, colocou-se
em prática, após anos de resistência, o uso da tecnologia. O chip colocado na bola e sensores
nas traves que confirmam através de um sinal sonoro no relógio do árbitro da partida se a bola
ultrapassou a linha de gol. O recurso foi usado pela primeira vez pelo árbitro brasileiro Sandro
Ricci, representante do Brasil, na Copa 2014, em partida disputada entre Alemanha 3 x 0
Gana. Nas reuniões de 2015, a FIFA rejeitou a proposta de uso do replay. A federação
holandesa estava realizando testes em partidas onde em caso de dúvidas o árbitro poderia
34
consultar um quarto árbitro que estaria assistindo a partida por um vídeo. Outra alteração
adiada para novos estudos e testes, seria a autorização de uma quarta substituição de
jogadores, nas partidas que necessitassem de prorrogações31
.
Em 1863, foram estabelecidas 14 regras para o jogo. As regras passaram por duas
grandes modificações, no final da década de 1930, quando o regulamento já se apresentava
com 17 regras, foi solicitado a Stanley Rous32
que fossem feitas adequações. As regras nesta
época eram escritas em uma linguagem arcaica e não possuíam uma sequência lógica33
.
Stanley Rous tornou-se o presidente da FIFA em 1961 e as regras passaram por uma segunda
revisão somente em 1997. No site da FIFA34
podemos encontrar de maneira detalhada, todas
as modificações feitas nas regras do jogo a partir de 1980.
Outras determinações não constam no corpo das regras, como a utilização do
apito pelo árbitro. Segundo Coelho (2002, p.139):
Somente em 1878 é que alguém teve a brilhante ideia de dar um apito aos juízes. O
primeiro jogo “apitado” na História ocorreu naquele ano entre Nottingham Forest e
Sheffield Norfolk. Ainda sobre o principal instrumento de trabalho do juiz, ele foi
inventado em Birmigham, também na Inglaterra, por um marceneiro chamado
Joseph Hudson.
Na origem do futebol moderno, um jogo criado para cavalheiros, não se podia
compreender que um gentleman pudesse cometer uma falta propositalmente. Talvez seja por
esse motivo que no início as regras não previam árbitros e os lances duvidosos durante as
partidas eram decididos pelos capitães das equipes. Porém a crescente competitividade entre
as equipes no período vem acompanhada do aumento da tensão e das reclamações durante o
jogo. Esta informação, presente no texto, From 1863 to the Present Day35 (FIFA, 2015), não
deixa de ser um tanto surpreendente se creditarmos a necessidade de um árbitro para as
partidas ao aumento de reclamações entre os próprios jogadores e capitães das equipes. Hoje
31
CHADE, Jamil. FIFA veta vídeo e quarta substituição. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Esportes, 1 mar
2015, p. 6. 32
Stanley Rous foi árbitro Internacional de Futebol. No final da década de 1930 ajudou a reescrever as Regras
do Jogo. Em 1961 tornou-se presidente da FIFA. Fonte: www. FIFA.com 33
Sobre este tema consultar o site da FIFA: www.fifa.com 34
Site da FIFA: www.fifa.com 35
Tradução: De 1863 até os dias de hoje.
35
eu considero o árbitro um outsider36
, único, entre vinte e dois jogadores estabelecidos. O fato
é que as disputas ficaram acirradas e em 1891 para punir as ações deliberadas dos jogadores a
IFAB, introduz a regra do pênalti, conhecido originalmente como: “O chute da morte”.
Apenas em 1894, após quatro anos da introdução da regra do pênalti, o árbitro que havia
adentrado o campo de jogo em 1891, é autorizado a decidir sobre penalidades e expulsões de
jogadores. Segundo Coelho (2002, p.140):
[...] em 1891, finalmente é permitido ao árbitro entrar no campo de jogo para fazer
cumprir algumas regras. Ele deveria ser neutro e passaria a ser auxiliado por dois
linesman ou fiscais de linha. Três anos mais tarde, o árbitro receberia mais poder,
podendo assinalar tiros livres e penais. Suas decisões passavam a ser inapeláveis.
Franco Jr. (2007) diverge das datas apresentadas por Coelho (2002) e aponta o
ano de 1886 para a entrada do árbitro em campo. Assim, Franco Jr. (2007, p.37) descreve o
fato: “Em 1886 o árbitro de futebol passou a atuar dentro do campo e em 1891 surgiram os
bandeirinhas, hoje chamados de árbitros auxiliares, para acompanhar, sobretudo os offside”.
Embora os dirigentes da FA, quisessem que o futebol permanecesse como um
esporte de lazer, o profissionalismo já se fazia presente e era necessário o seu
reconhecimento. Em 1885, a FA reconhece o futebol como esporte profissional e em 1888
clubes fundam a Liga Inglesa. Segundo Murray (2000, p.30-31), “a FA tinha o controle da
Copa FA, das disputas internacionais (nas quais o profissionalismo dominava) e do futebol
amador”.
A Fedération Internationale de Football Association (FIFA) foi fundada em 21 de
maio de 1904, em Paris. Na reunião estavam presentes representantes da França, Bélgica,
Dinamarca, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. Os ingleses contrários à fundação da FIFA
por acreditarem ser a FA, a única autoridade no esporte, não participaram da reunião e
filiaram-se a FIFA apenas em 1906. Segundo Boschilia (2008, p.89):
36
Analogia ao termo outsider do livro: “Os estabelecidos e os outsiders” de Norbert Elias e John Scotson de
2000. Elias utiliza-se deste termo para designar os novos moradores de um bairro londrino que não são aceitos
pelos moradores que neste bairro já viviam há cinquenta anos.
36
Apesar da filiação a FIFA, inicialmente, em 1906 com a condição de que o IFAB
fosse o responsável pelas modificações das regras do futebol, a Inglaterra, após duas
desfiliações, voltaria a figurar no quadro de membros da FIFA, de forma definitiva,
somente em 1946.
A FIFA é a instituição responsável pelo futebol no mundo e conta atualmente
(2015) 209 federações nacionais associadas. Para Boschilia (2008, p.92):
Além da possibilidade de votar e modificar a regra do jogo, a FIFA organiza e
gerencia administrativamente o futebol. Esse gerenciamento possibilita a
organização de campanhas incentivando, por exemplo, o aumento da prática do
futebol, a transformação social pelo esporte ou mesmo campanhas que tenham por
objetivo um futebol menos violento.
Aqui se faz necessário lembrar que a FIFA, embora tenha direito a 50% dos votos
nas reuniões da IFAB, não pode modificar a regra do jogo sem a concordância de pelo menos
25% dos votos da IFAB.
Responsável pelo futebol em todo o mundo, a FIFA “jamais esteve tão rica como
agora” 37
. A entidade confirmou um ganho líquido recorde de US$ 8,3 bilhões com a Copa
do Mundo do Brasil em 2014, valor adquirido com acordos comerciais, de transmissão e
venda de ingressos. O valor arrecadado ainda foi beneficiado pela isenção fiscal concedida
pelo governo brasileiro. Chade (2015) diz que:
Segundo cálculos internos da FIFA, foi ‘o evento foi o mais lucrativo da história,
incluindo Olimpíadas, Mundiais e outros torneios. Ontem, a FIFA, publicou
oficialmente seus números, confirmando que o Brasil realizou a ‘Copa das Copas’,
pelo menos para os cofres da entidade.
Nem tudo são glórias na história da instituição. O presidente da FIFA, Joseph
Blatter, suíço, nascido em 1936, foi eleito para o primeiro mandato de presidente em 1998.
Antes passou pelos cargos de diretor técnico (1975-1981) e secretário geral (1981-1998).
Foram 17 anos como presidente da FIFA e em 29 de maio desde ano, aos 79 anos de idade,
37
CHADE, Jamil. Lucro da entidade daria para construir as 12 arenas da Copa. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, pág. 29, 21 mar 2015.
37
foi eleito para o seu quinto mandato consecutivo. O congresso para eleger o futuro presidente
da entidade estava preparado para que Blatter e seus colaboradores comemorassem a sua
reeleição, uma vez que ele despontava como favorito, porém as prisões realizadas há dois dias
das eleições estragaram a festa, pelo menos para os cartolas da entidade. A polícia suíça, a
pedido do Federal Bureau of Investigation (FBI), justiça americana, prendeu sete dirigentes
da entidade entre eles o brasileiro José Maria Marin. O que legitimou as investigações da
polícia americana foi o fato das transações ilícitas passarem por bancos e empresas
americanas, outros suspeitos estão sendo investigados como o ex- presidente da Confederação
Brasileiro de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira e o atual presidente Marco Polo Del Nero.
Denúncias de propinas para contratos de patrocínios e corrupção para a escolha das sedes das
Copas de 2018 e 2022 somam-se as acusações de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude,
conspiração e extorsão. Em meio a esta turbulência a eleição ocorreu e Blatter reeleito. Dias
depois chegou a renunciar, arrependeu-se e decidiu convocar novas eleições para 2016. Em
dezembro baseados nas denúncias e investigações, o Comitê de Ética da FIFA decidiu pelo
afastamento de Joseph Blatter e Michel Platini, presidente da Union of European Association
(UEFA) por oito anos das atividades ligadas ao futebol. O escritor, repórter investigativo e
documentarista britânico, Andrew Jennings autor do livro: “O jogo sujo”, contendo várias
denúncias de corrupção deve estar comemorando. Segundo Jennings (2014):
Graças à egocêntrica determinação de Blatter, de se manter na presidência da FIFA,
o futebol mundial apresenta hoje um amargo cisma, jornalistas como eu, que
revelam como ele e seus associados subornaram funcionários menos ricos na África
e na Ásia, são denunciados como “racistas”. Ele não tem limite. Sem nenhum
constrangimento, mais dinheiro é doado aos gananciosos funcionários para que
comprem votos para Blatter. Independente se ele vencer a eleição ou não, seu legado
será marcado pela corrupção e pelo ódio.
Na mesma reportagem, Jennings, cita o ex-jogador dinamarquês, Olê Anderson,
atualmente artista gráfico, que produziu um livro de caricaturas, “The Blatter Cartoons”,
agora se defende nos tribunais para garantir a circulação do livro sob a acusação dos
advogados de Blatter, que ‘O livro destruirá o nome de Blatter, arruinando sua reputação’38
.
Diante de tantas denúncias de corrupção que rondam e ameaçam muitos dirigentes do Comitê
38
JENNNINGS, Andrew. Salvem o futebol das mãos da FIFA. O Estado de S. Paulo, Caderno Aliás, pág. 2, 15
jun 2014.
38
Executivo da FIFA, não será mais o livro de Olê Anderson o responsável por destruir a
reputação de Joseph Blatter e a da instituição. Ele e seus “amigos” se encarregaram disso.
Diante de tantas denúncias de propinas para contratos de patrocínios e acusações de
corrupção, lavagem de dinheiro, fraude, conspiração e extorsão retomamos aqui os
comentários de Fidel Castro: “Há esportes em que a arbitragem está muito corrompida.
Nossos atletas lutam contra o adversário e o árbitro”. Mesmo que Fidel possa ter razão nas
suas afirmações, os árbitros que se corrompem são instrumentos de alguns dirigentes do
futebol nacional e mundial que de maneira ilícita visam o futebol para enriquecimento e
benefícios próprios como tem demonstrado o início das investigações do FBI e da justiça
suíça.
1.2 OS ÁRBITROS
O árbitro esportivo é a autoridade máxima durante o jogo. Sua função é fazer com
que as regras sejam cumpridas por todos os participantes e que a disputa seja realizada no
chamado fair-play, ou seja, de acordo com as regras técnicas e disciplinares do esporte, dentro
de um código de ética e respeito estabelecido pela FIFA.
Se todos os participantes do jogo de futebol conhecem as regras do jogo, por que a
necessidade de alguém, neste caso um árbitro, atuar como mediador das decisões? Seria
possível um jogo sem árbitros?
A história nos mostra que o aumento da competitividade e popularidade do
futebol exigiu a figura de um mediador para acompanhar as disputas. Nos dias de hoje, os
grandes investimentos realizados pelas equipes e o jogo de interesses por parte dos dirigentes
esportivos aumentam a pressão sobre os jogadores, comissão técnica e árbitros por resultados
satisfatórios.
O árbitro tem o dever de conhecer as regras do jogo e saber aplicá-las, como
mediador de conflitos escolhe o que é melhor para o jogo, estabelece critérios de igualdade
para as duas equipes, decide com honestidade e procura manter as tensões dos jogadores e
comissão técnica sob controle. Segundo o regulamento de arbitragem da Federação Paulista
de Futebol (2015), artigo 21, primeiro parágrafo, são deveres do árbitro:
39
Cumprir e fazer cumprir as Leis do Jogo, o Regulamento das Competições e o
Regulamento Geral da Arbitragem, mantendo a conduta conforme os princípios
desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão, em tudo o que diga respeito à
direção dos jogos e às relações de natureza desportiva, econômica e social.
Personagem polêmico, criticado e questionado por dirigentes, comissão técnica,
atletas, mídia, torcedores e espectadores; as suas interpretações e decisões são, quando no
exercício da função de árbitro, na maior parte das vezes, compreendidas como má-fé se
contrariam a percepção do observador sobre a cena do jogo. “A suposição de má-fé na série
impressionante de equívocos em campo está sempre à frente da possibilidade mais razoável
de despreparo generalizado para o exercício da profissão” 39
. Para os torcedores fanáticos, o
árbitro é o sujeito que “faz o seu time perder” ou que, apesar do “juiz” atrapalhar, o seu time
conseguiu vencer. Segundo Franco Jr. (2007, p. 249):
Enquanto símbolo de autoridade são identificados com governos autoritários e
corruptos, frequentes na nossa história, e de maneira sistemática são agredidos
verbalmente pelas torcidas antes mesmo de começar a trabalhar. De um ponto de
vista sociológico, é como partir do pressuposto que todo árbitro é corrupto.
Para se formar como árbitro de futebol é preciso se inscrever, participar e ser
aprovado nos cursos de formação para árbitros oferecidos pelas federações nacionais. A
Escola de Árbitros da Federação Paulista de Futebol (FPF) foi criada em 1949 e mantém
cursos regulares para a formação de árbitros com duração de dezoito meses. O curso consiste
de aulas teóricas e práticas e sendo aprovado o aluno fará estágios supervisionados nas
categorias de base da Federação Paulista de Futebol. Cumpridas as exigências da Escola de
Árbitros será da competência da Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol da FPF
(CEAF/SP) todos os assuntos relacionados aos árbitros paulistas na FPF. Assim consta no
Regulamento da Arbitragem no Capítulo 1, intitulado: Definição de Competência:
Art. 1º – Compete à Federação Paulista de Futebol (FPF) coordenar e administrar o
sistema de arbitragem no âmbito das competições organizadas, promovidas ou
patrocinadas pela entidade, bem como para os jogos amistosos entre associações que
39
Reportagem do jornalista Alfredo Ribeiro Bastos que mantém uma coluna de humor, Tutty Vasquez, no
jornal “O Estado de S. Paulo”. O texto citado foi publicado na página 8, em 04 de setembro de. 2012.
40
pratiquem futebol profissional e não profissional nos termos definidos do presente
Regulamento.
Art. 2º – As competências previstas no artigo anterior serão exercidas pela
Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol (CEAF/SP).
A CEAF/SP, segundo o regulamento, é constituída por:
I – 01 (um) Presidente, nomeado pelo Presidente da FPF;
II – 03 (três) membros, indicados pelo Presidente da Comissão, todos ex-árbitros ou
ex-árbitros assistentes de futebol profissional que tenham atuado por mais de 5
(cinco) anos no quadro de árbitros da Federação Paulista de Futebol.
Uma equipe de arbitragem, segundo o regulamento, é composta por:
I- Um árbitro;
II- Dois árbitros assistentes;
III- Um quarto árbitro, exceto em competições sem previsão pela organização, o
qual exercerá as suas funções de acordo com as Leis do Jogo; e
IV– Dois árbitros assistentes adicionais, quando constar do Regulamento Particular
da Competição.
Entre as muitas competências da Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol,
destacamos as seguintes:
- Designar a equipe de arbitragem para os jogos das competições organizadas ou
apoiadas pela FPF, nos termos deste Regulamento e da legislação desportiva em vigor.
- Elaborar e divulgar os critérios de avaliação para os árbitros integrantes da Relação
Anual dos Árbitros, para fins de classificação e mudança de categoria.
A CEAF/SP classifica seus árbitros e assistentes em seis categorias, sendo a
Categoria Especial os que podem atuar em todas as competições organizadas pela FPF e os
árbitros da 6a categoria os alunos que finalizaram o curso da Escola de Árbitros e que passarão
pelo estágio supervisionado nas categorias de base. Também é da competência da CEAF/SP a
indicação dos árbitros paulistas para o Quadro Nacional de Árbitros.
Para atuar na FPF é necessário que o árbitro esteja de acordo com todos os itens
que constam no Regulamento de Arbitragem e embora cumpra todas as exigências isto não
caracteriza vínculo empregatício com a entidade. O árbitro precisa ser credenciado ao
41
Sindicato (SAFESP) e/ou a Associação Nacional de Árbitros de Futebol (ANAF). Segundo o
Regulamento de Arbitragem:
Os árbitros de futebol e seus auxiliares exercerão as suas atividades e serão
remunerados em conformidade com o disposto no § único, do art. 88, da Lei
9.615/98, ou seja, prestação de serviço autônomo, sem vínculo empregatício com as
entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração, como autônomo,
exonera a Federação Paulista de Futebol de quaisquer outras responsabilidades
trabalhistas, securitárias e previdenciárias.
Em 10 de Outubro de 2013, a presidente Dilma Rousseff, sancionou a Lei número
12.867/13 que regulariza e reconhece a profissão de árbitro de futebol. Publicada no Diário
Oficial da União (DOU) em 11 de outubro de 2013 consta dos seguintes artigos:
Art. 1ºA profissão de árbitro de futebol é reconhecida e regulada por esta Lei, sem
prejuízo das disposições não colidentes contidas na legislação vigente.
Art. 2ºO árbitro de futebol exercerá atribuições relacionadas às atividades
esportivas disciplinadas pela Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, destacando-se
aquelas inerentes ao árbitro de partidas de futebol e as de seus auxiliares.
Art. 3º(VETADO)
Art. 4ºÉ facultado aos árbitros de futebol organizar-se em associações profissionais
e sindicatos.
Art. 5º É facultado aos árbitros de futebol prestar serviços às entidades de
administração, às ligas e às entidades de prática da modalidade desportiva futebol.
Art. 6ºEsta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Apesar de ser facultativo aos árbitros organizar-se em associações e sindicatos, a
FPF exige que todos os seus árbitros sejam associados e/ou sindicalizados. Embora a lei
reconheça e regularize a profissão, sua homologação não trouxe mudanças significativas à
categoria até o momento. Os árbitros continuam sem vínculo empregatício e sem os
benefícios trabalhistas que advém de registro na Carteira de Trabalho.
1.3 AS MULHERES NA ARBITRAGEM
O Brasil se prepara para sediar os XXXI Jogos Olímpicos, na cidade do Rio de
Janeiro, em 2016. Na expectativa de resultados positivos que atendam a previsão do Comitê
Olímpico Brasileiro de finalizar as competições entre os dez melhores países no quadro de
medalhas, investimentos estão sendo feitos e a esperança e o trabalho dos organizadores
42
brasileiros é que possam ao término do evento comemorar muitas conquistas douradas pelas
equipes brasileiras masculinas e femininas.
As conquistas das seleções brasileiras femininas há tempo deixaram de ser
surpresas. A equipe de voleibol feminina é bicampeã olímpica. O handebol brasileiro
feminino foi campeão mundial em 2013 e sempre foi a equipe mais vitoriosa nessa
modalidade esportiva, temos conquistas em muitas modalidades individuais como atletismo,
judô, ginástica artística, iatismo entre outras.
Para os torcedores brasileiros, o futebol feminino tem nos representado melhor
que a equipe masculina de futebol, isto porque a equipe feminina sempre surpreende com
excelentes resultados, enquanto o torcedor brasileiro, não aceita da equipe masculina, outro
resultado que não seja a vitória. Nós, brasileiros, ainda não pudemos comemorar um título
olímpico no futebol.
Embora possamos enxergar avanços para a prática das mulheres no futebol em
relação a preconceitos e a aceitação das meninas jogarem futebol, segundo Souza Jr. (2013) o
futebol feminino continua sendo preterido e as jogadoras não profissionalizadas. Os
investimentos e as melhores condições de treinamento ocorrem apenas quando há o interesse,
por parte dos dirigentes, de uma boa participação na Copa do Mundo de Futebol Feminino e
dos Jogos Olímpicos. Para Dunning e Maguire (1997), a história das mulheres atletas é
marcada pelas restrições, discriminação e preconceito.
Desde o início, as mulheres tiveram de lutar com firmeza para tomar pé no mundo
do esporte e assim mesmo seu status, embora não gravemente ameaçado, continua
marginal, como o mostra a hierarquia prestigiosa dos esportes ainda dominados por
homens, a cobertura ainda pequena dos esportes femininos pela mídia, os prêmios de
pouco valor que as grandes esportistas recebem em comparação com os dos homens,
além da participação relativamente pequena das mulheres em manifestações como
os Jogos Olímpicos.
Pelo menos quanto à participação das mulheres, podemos comemorar avanços.
Nos Jogos Olímpicos em Londres em 2012, as mulheres correspondiam a 46% dos atletas
participantes e pela primeira vez na história as mulheres participaram de todas as modalidades
esportivas com a introdução do Boxe Feminino. É um fato histórico a considerar que Barão de
43
Coubertin, o pai das olimpíadas da Era Moderna, era contra a participação feminina. Em
Goellner (2005) podemos acompanhar o texto de Coubertin de 1938.
Technicamente as jogadoras de futebol ou as pugilistas que se tentou exhibir aqui e
ali não apresentam interesse algum; serão sempre imitações imperfeitas. Nada se
aprende vendo-as agir; e assim os que se reúnem para vel-as obedecem
preocupações de outra especie. E por isso trabalham para a corrupção do esporte,
aliás, para o levantamento da moral geral. Si os esportes femininos forem
cuidadosamente expurgados do elemento espetaculo, não há razão alguma para
condena-los. Ver-se-á, então, o que delles resulta. Talvez as mulheres
comprehenderão logo que esta tentativa não é proveitosa nem para seu encanto nem
mesmo para sua saúde. De outro lado, entretanto, não deixa de ser interessante que a
mulher possa tomar parte, em proporção bem grande, nos prazeres esportivos do seu
marido e que a mãe possa dirigir intelligentemente a educação physica dos seus
filhos (COUBERTIN, 1938, p.46).
Em 1941, apoiados no discurso os médicos higienistas, que acreditavam ser os
esportes de contato, força e resistência prejudicial à saúde, o governo brasileiro por meio do
Conselho Nacional de Desportes proibiu a prática de algumas modalidades esportivas para as
mulheres. Segundo Goellner (2005) foi uma época de diferentes concepções acerca da relação
entre mulheres e atividades físicas, não somente no que se refere à preocupação com a
natureza do corpo feminino, mas por acreditar que “na fase de estruturação do esporte
feminino no país, idéias progressistas e moralistas seduziam e desafiavam as mulheres...”.
Em 1965, a Deliberação no
7, do Conselho Nacional de Desportes proibiu as
mulheres de práticas de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia,
polo aquático, rugby, halterofilismo e baseball. Esta deliberação somente seria revogada em
1979.
Se para as mulheres atletas a situação nunca foi favorável, à situação vivida pelas
mulheres que querem se tornar árbitras é mais complicada. Sendo o esporte criado pelos
homens e para os homens, uma mulher que pretende dirigir, arbitrar partidas e disputar
espaços hegemônicos masculinos sofre uma série de barreiras, preconceitos e discriminação,
que vão desde os estereótipos de homossexual à erotização do corpo feminino. Segundo Reis
(1998, p. 46)
Os esportes modernos foram construídos culturalmente para os homens, o que
significa dizer que, assim como em todos os ramos sociais, também nos esportes a
mulher teve de conquistar sua participação e ganhar reconhecimento.
44
Na arbitragem a mulher luta pela igualdade de direitos e pelo reconhecimento para
poderem dirigir partidas de futebol profissional. Para Reis (1996, p.37):
As conquistas no campo esportivo seguem as conquistas do campo social. Como
vivemos em uma sociedade onde os valores predominantes ainda são os masculinos,
certamente no campo dos esportes o que predomina são os valores masculinos.
Nascida em 1945, a brasileira Asaléa Campos Micheli tornou-se em 1971, a
primeira árbitra do mundo de futebol. Léa Campos cursou a Escola de Árbitros do
Departamento de Futebol Amador da Federação Mineira de Futebol em 1967 e aproveitando a
“lacuna” na lei, que proibia a prática de futebol pelas mulheres, porém não mencionava que as
mulheres não poderiam ser árbitras de futebol, ao concluir o curso, buscou por quatro anos a
liberação do seu diploma junto a Confederação Brasileira de Desportes (CND) na época
presidida por João Havelange. Para que pudesse participar de um torneio amistoso e do
mundial de futebol feminino no México convidada pela FIFA, Léa necessitava da autorização
da CND que somente foi conseguida com a intervenção do presidente Emílio Garrastazu
Médici junto a CND. Embora com mais de 100 jogos apitados no Brasil e no exterior, Léa
não conseguiu atuar pela Federação Paulista de Futebol porque Álvaro Paes Leme, diretor do
Departamento de árbitros da Federação Paulista de Futebol não quis reconhecer o diploma da
árbitra40
.
Situação congênere Heloisa Helena Baldy dos Reis passou com a FPF quando em
1984 a mesma se negou a reconhecer seu curso da Liga Campineira de Futebol (LCF), na
ocasião todos os seus colegas árbitros (homens) da LCF tiveram seu diploma reconhecido
pela FPF, a resposta à entidade sobre o registro de Heloisa foi que mulher não podia apitar
futebol. A árbitra campineira teve que atuar apenas na LCF41
.
Para Dunning e Maguire (1997), ressentidas com um passado de restrições e
limitações vinculadas aos papéis femininos, as mulheres buscaram nos esportes além da
satisfação, mobilidade, sociabilidade, autoconfiança, “o desejo de ser iguais aos homens”.
40
Fonte: www.globoesporte.com 41
Em 1985 a árbitra Heloisa decide dedicar-se apenas a arbitragem de Futebol de Salão por ter os dirigentes e
seus colegas árbitros da Liga Campineira de Futebol de Salão (LCFS) incentivado. No entanto a Federação
Paulista de Futebol de Salão (FPFS) relutou em aceitar a árbitra em seu quadro de árbitros. Retornando o pedido
de árbitra como o de mesário à revelia. A queixa do erro foi levada à FPFS pelos dirigentes que retornaram com
a mesma resposta da LCF.
45
Apesar da busca pela igualdade de direitos acompanhar a história das mulheres,
acreditamos que a satisfação, o prazer em praticar e arbitrar jogos de futebol e “a busca pela
excitação” é que fazem com que muitas mulheres se aventurarem na conquista por espaço na
arbitragem e em diferentes campos sociais. Muitas vezes sofrem preconceito de outras
mulheres que corroboram com os estereótipos de feminilidade. Na busca pelo reconhecimento
as mulheres têm vencido dificuldades e tendo destaque nas diferentes profissões e a fala da
comandante do primeiro batalhão feminino afegão traduz este empenho e dedicação. Segundo
Fahima Misbah, “O que digo para as minhas recrutas é que, não podemos errar. Temos de ser
melhores do que os homens, para ter o respeito deles” 42
. O que a comandante deixa claro para
o seu batalhão feminino é que as mulheres precisam ser eficientes na função. Os erros ou até
pequenos descuidos das mulheres nas mais variadas profissões não são aceitos, se estas
profissões ainda mais se forem predominantemente exercidas por homens.
1.4 A TELEVISÃO, A MÍDIA E OS ÁRBITROS DE FUTEBOL
O interesse em assistir aos jogos de futebol começou no final do século XIX.
Segundo Reis e Escher (2006) a profissionalização do futebol em 1885 na Inglaterra, permitiu
as pessoas que não haviam estudado nas escolas públicas inglesas, que não tinham profissões
definidas e ou estivessem desempregados tivessem tempo para se dedicar aos treinamentos
desenvolvendo assim habilidades e melhorando a qualidade dos jogos. Isto nos apresenta um
significado social relevante também presente no futebol brasileiro. Vários jogadores que se
destacaram nos gramados brasileiros e até internacionais apresentavam um baixo nível de
escolaridade. Atualmente muitos jovens brasileiros abandonam os estudos para “correr” atrás
do sonho de se tornar um jogador de futebol profissional.
Consideramos a profissionalização como um marco essencial para o entendimento
do futebol como espetáculo, pois o interesse pela assistência do futebol começa a
surgir nas duas últimas décadas do século 19, quando também começam as
cobranças para ingressos nos jogos esportivos na Inglaterra e também se iniciam as
competições formais na forma de campeonatos (REIS e ESCHER, 2006, p.26).
42
Reportagem Especial de Adriana Carranca, no jornal “O Estado de S. Paulo”, Caderno Internacional, pág. 20
em 23 de setembro de 2012.
46
Se a profissionalização é considerada um marco para o crescente interesse pelo
futebol, o papel da imprensa na divulgação deste futebol e, portanto, sua contribuição para o
desenvolvimento desse esporte foi e continua sendo fundamental, desde as primeiras reuniões
dos estudantes das escolas públicas inglesas pela unificação das regras. As transmissões, no
Brasil, das partidas pelo rádio na década de 1930 e a televisão que surge na década de 1950
foram fatores importantes para que o futebol se tornasse um fenômeno mundial. Para Reis e
Escher (2006, p.6), o advento da televisão transforma o futebol em telespetáculo.
A televisão surge na década de 1950, mas a sua difusão e massificação ocorrem
somente no final da década de 1960 e principalmente na década de 1970.
Particularmente acredito que a transformação do futebol em telespetáculo se dá
depois das décadas de 1980 e 1990, com o futebol voltado quase que exclusivamente
para os interesses televisivos.
As transmissões esportivas pelo rádio somente começam a perder a preferência
após 1970, ano em que a televisão transmitiu a primeira Copa do Mundo ao vivo e em cores.
A possibilidade das transmissões ao vivo das partidas de futebol pela televisão surgiram com
o lançamento do primeiro satélite dos Estados Unidos. Na Copa do Mundo de 1966, alguns
países europeus tiveram o privilégio de acompanhar as transmissões ao vivo, oportunidade
que os brasileiros teriam apenas em 1970. Segundo Gomes e Silva (2005):
Os compêndios sobre a história do futebol brasileiro também mostram que a partir
da Copa de 1962 o Brasil passa a ter imagens através do videotape, tecnologia usada
em prol do futebol que ajudou a divulgar ainda mais este esporte. Eram imagens em
preto & branco, gravadas e transmitidas pela televisão. A desvantagem deste
sistema, neste caso, é que a emoção não era a mesma, pois o público já tinha
conhecimento do resultado. Na copa de 1966 a sistemática foi a mesma.
Vivemos a era da globalização. A tecnologia permite que a informação e a notícia,
que dependendo da notoriedade, é transmitida e divulgada em tempo real, nos coloquem
conectados e acompanhando o futebol, suas equipes e campeonatos por todo mundo. As
pesquisas científicas associadas aos treinamentos cada vez mais específicos contribuem para
que atletas estejam bem preparados para poderem proporcionar excelentes espetáculos de
futebol. Segundo Betti (2006), “O esporte vem se tornando uma parte cada vez maior da
indústria de lazer, e um fator decisivo para isto é o papel desempenhado pelos meios de
47
comunicação, em especial a televisão”. Segundo o autor, o futebol espetáculo é um “evento da
mídia com finalidades comerciais, que inclui televisionamento e reportagem com maior
espectro de cobertura que o evento da partida”. O futebol espetáculo é hoje uma mercadoria e
o que almejam os grandes investidores, empresários nacionais e internacionais, é que
“consumir” este espetáculo e seus produtos tragam muitos lucros, as empresas e aos
dirigentes. Na base desta pirâmide econômica estão os maiores responsáveis pelo espetáculo:
os jogadores. Mídia e futebol parece ter sido o casamento perfeito, pelo menos para atender
aos interesses econômicos. As emissoras favorecidas pelos recursos tecnológicos de captação
e edição de imagens, do videotape e paixão do povo brasileiro pelo futebol, investem cada vez
mais no jornalismo esportivo e nos programas de debate. Os jogadores tem sua imagem
associada a produtos e os interesses da televisão como horário das partidas, calendário dos
jogos entre muitos outros, estão acima dos interesses do “consumidor final”, o torcedor
brasileiro.
Distante da possibilidade de usufruir de toda esta tecnologia e investimentos está
o árbitro de futebol. Analisar e comentar os erros cometidos pelos árbitros é uma prática
comum no meio jornalístico. Esta prática cria visibilidade e rende horas de exposição na
mídia esportiva televisiva. Poderíamos dizer que esta prática até torna o futebol mais
empolgante. Os erros e acertos são o assunto das rodas de amigos, principalmente após a
rodada do final de semana e se todos os brasileiros são técnicos de futebol, as segundas-feiras
também são os melhores árbitros. Estas conversas são recheadas de muita emoção quando a
discussão é sobre a partida do “time de coração” e se o amigo da roda de conversa for do time
adversário, não será tão fácil concordar ou não com o verdadeiro árbitro da partida.
A FIFA mantém sua posição de entidade conservadora quando o assunto é alterar
as regras e principalmente para que o uso da tecnologia possa auxiliar árbitros e assistentes a
minimizar os erros em uma partida de futebol. Poucas foram as alterações significativas que
auxiliaram o trabalho da arbitragem. A possibilidade de utilizar uniformes de várias cores
suavizou a imagem dos árbitros, porém parece ter atendido muito mais aos interesses dos
patrocinadores dos materiais esportivos, das instituições e das imagens do espetáculo do que
para atender aos interesses dos próprios. É frequente que estes uniformes contenham
propagandas e os árbitros não recebem nenhum benefício ao usá-los. Boschilia, Vlastuin e
Marchi Jr. (2008) dizem que:
48
O aspecto autoritário, sombrio ou mesmo suspeito do árbitro, reforçado pelo seu
tradicional uniforme preto, vem sendo rompido desde a Copa de 1994, na qual foi
possibilitada a implementação de mudanças visuais e estéticas àqueles que
comandam os jogos. Dessa maneira os conhecidos “homens de preto” puderam pela
primeira vez utilizar camisas com cores que variavam do preto e do amarelo, outra
cor bastante utilizada.
Coincidentemente ou não, a utilização dos cartões amarelo e vermelho vem
acompanhando as transmissões em cores pela televisão. Antes da Copa de 1970 as
advertências aos jogadores eram anotadas em cadernetas. Um jogador que fosse expulso seria
acompanhado pelo árbitro até a linha lateral do campo. Os cartões possibilitaram que a
informação sobre as punições dos jogadores fossem visualizadas por todos e contribui para
sanar problemas de comunicação entre árbitro e jogadores principalmente em jogos
internacionais. Segundo Simon (2004, p.87) os cartões foram uma “brilhante associação de
ideias” do inglês, Ken Aston, na época, diretor de arbitragem da FIFA, que transferiu a
simbologia internacional usada nos semáforos de trânsito para o futebol.
A bandeira eletrônica, recurso utilizado pela primeira vez na Copa de 1998
favoreceu a comunicação entre árbitro e assistentes. Este recurso permitiu melhora na
mecânica dos deslocamentos do árbitro que não precisa estar em constante comunicação
visual com os assistentes. Assim, Simon (2004, p.26) descreve o equipamento:
No braço esquerdo ele terá um signal bip, aparelho em conexão com um sinalizador
na bandeirinha dos árbitros assistentes: quando estes apertam o botão que há no cabo
da bandeirinha, o signal bip dá sinal, chamando a atenção do juiz para alguma
irregularidade.
Enfim, o chip na bola e sensores instalados dentro da baliza (gol) possibilitam ao
árbitro a confirmação do gol. Um sinal é transmitido no relógio do árbitro quando a bola
ultrapassa totalmente a linha de gol. Esta tecnologia foi utilizada pela primeira vez na Copa
de 2014 e ajudou para que erros como na Copa de 2010, na qual um gol legítimo da seleção
dos Estados Unidos não fosse confirmado no jogo contra a seleção da Eslovênia e um gol
legítimo dos ingleses anulado na partida entre Alemanha e Inglaterra não se repetissem. Estes
erros eram frequentes na história das Copas.
A tecnologia do chip, apesar de importante, é ínfima se considerarmos todos os
recursos e toda tecnologia hoje disponível, que poderia auxiliar a equipe de arbitragem. Os
49
recursos do videotape, presente em algumas modalidades esportivas, para que em momentos
decisivos e importantes de uma partida, o árbitro possa se certificar de uma marcação de um
lance decisivo, não é autorizado no futebol. Segundo Reis e Escher (2005), com narrações
entusiasmadas, replays e super imagens, os torcedores saem do estádio com vontade de rever
os melhores momentos da partida e sanarem suas dúvidas sobre os lances duvidosos na TV. O
árbitro é analisado constantemente, porém as imagens televisivas é que são aceitas como
verdades absolutas e inquestionáveis. A câmera é infalível. Para Reis e Escher (2005, p.29):
O juiz seria um ser humano, portanto limitado, passível de erros, que não consegue
perceber com a exatidão das câmeras o que ocorre dentro do campo de jogo, local
supostamente comandado pelo árbitro. Supostamente porque ele está sendo vigiado
pelas câmeras e qualquer falha será corrigida, porque o juiz pode falhar, mas à
câmera não falha nunca, ‘as imagens não mentem’ como diria o comentarista, ou
então ‘as câmeras da Globo’ mostram todos os detalhes para você.
Lances polêmicos, repetidos a exaustão, incriminam “àquele” que não poderia ter
errado, tendo uma única chance de decidir. Sendo o jogo transmitido para milhões de
espectadores, muitos destes jornalistas, profissionais que são formadores de opinião, parecem
não compreender a importância e a responsabilidade de seus comentários direcionados a todos
os participantes do espetáculo esportivo (para o propósito deste trabalho, a equipe de
arbitragem) em incitar a violência. Muitos destes profissionais, provavelmente, sem jamais
terem lido um livro de regras, se colocam no direito de questionar e criticar as decisões dos
árbitros, após terem utilizado, inúmeras e repetidas vezes, recursos tecnológicos para verem a
cena e exporem suas opiniões. Para Simon (2004, p.100):
Observar os jogos por meio de recursos eletrônicos de que hoje se pode dispor numa
emissora de TV é uma coisa completamente diferente de apitar um jogo. Por isso,
parece essencial que o analista mantenha sempre um rigoroso distanciamento crítico:
tem que levar em conta as circunstâncias em que está envolvido o árbitro: frações de
segundo para tomar uma decisão, visão de jogo desde o mesmo plano em que ele
acontece etc. O árbitro em campo não conta com um monitor de TV que lhe mostre
o lance repetidas vezes. Deveria ter um?
Carlos Eugênio Simon, representante da arbitragem brasileira nas Copas de 2002,
2006 e 2010, considera que a presença de analistas de arbitragem nas emissoras de TV tem
contribuído para que o torcedor conheça melhor as regras do jogo, apesar da credibilidade de
50
que desfrutam por terem sido árbitros, o telespectador ou ouvinte não deveria considerar a
opinião destes comentaristas “definitivamente inequívoca”.
Segundo o árbitro de futebol espanhol, Eduardo Gonzalez entrevistado no
programa “Liga Confidencial” da ESPN Internacional, “Este é um jogo no qual o único em
desvantagem é o árbitro. Por quê? Porque nos julgam com 20 câmaras contra dois olhos. Eu
só tenho um ângulo. E tomara que esteja bem posicionado para ver este ângulo”.
O fato é que erros de arbitragem sempre existirão, assim como os erros dos
jogadores, porém os torcedores parecem ser mais complacentes com os erros dos jogadores. O
árbitro jamais pode errar.
Pesquisa realizada na Universidade Católica Australiana em 2008, em Sidney, por
Christopher Baldwin, tinha por objetivo examinar se o trabalho realizado por comentaristas e
jornalistas esportivos, quando analisam o trabalho da arbitragem, causa stress e ansiedade nos
árbitros e pode interferir nas tomadas de decisões destes, durante uma partida. Para os árbitros
entrevistados a mídia exagera nos comentários sobre os supostos erros da arbitragem, os
árbitros sentem-se “incomodados” ao ouvirem ou lerem os artigos publicados e análises das
partidas e acreditam que os jornalistas e analistas esportivos tem pouco conhecimento sobre
esportes. A conclusão da pesquisa mostra que a mídia embora não seja a única responsável,
causa stress e ansiedade nos árbitros. Utilizando-se de uma linguagem agressiva e de recursos
tecnológicos, expõe os árbitros e contribui para uma imagem negativa dos mesmos na
sociedade.
Para Betti (1997, p. 132), “Mas não é também isso - polêmica, dúvida e discussão
– que torna o futebol tão apaixonante as multidões, e é objeto privilegiado na temática da
própria mídia”. O fato é que o árbitro é também responsável pelo sucesso de público e
financeiro do espetáculo. E para encerrarmos este capítulo, utilizamos algumas expressões
usadas por jornalistas e comentaristas esportivos, expressões estas encontradas nas pesquisas
de Mauro Betti (1997): Oh, seu juiz, a regra é “clara”. Nada de “fazer média” e “usar dois
pesos e duas medidas” porque se o senhor não estiver “mal intencionado” hoje não vamos
perder este jogo.
No capítulo 2 abordaremos a teoria do processo civilizatório de Norbert Elias, a
qual é referência para a análise dos nossos dados e para a pesquisa como um todo.
51
2. A TEORIA FIGURACIONAL DE NORBERT ELIAS
2.1 “UM DOS SOCIOLÓGOS DE MAIOR DESTAQUE DO SÉCULO XX”43
Norbert Elias nasceu em Breslau em 22 de Junho de 1897 e faleceu em Amsterdã
em 1990. Quando perguntado sobre sua nacionalidade, Elias se identificava como: “um judeu
alemão que viveu trinta anos na Inglaterra.” Considerado um dos maiores sociólogos do
século XX, atribuía muito dos seus interesses intelectuais ao privilégio de uma excelente
formação no ensino secundário no liceu Johnnes de Breslau, hoje Wroclaw na Polônia, onde
conviveu com professores e colegas, descritos por ele como: “brilhantes”. Estudante de
medicina por influência do pai, que não teve a oportunidade de ter feito estudos universitários
e estudante de filosofia, por opção, interesse este que surgiu com os estímulos intelectuais
recebidos no liceu Johnnes. Convocado para a I Guerra Mundial dizia: “... dirigia-me para a
morte porque era obrigado”. Segundo Elias, a experiência que teve como soldado, sem direito
a escolhas, trabalhando muito duro o ajudou a conciliar dois cursos acadêmicos tão distintos.
“Para mim, o mundo só mudou com a guerra”. E realmente mudou. Segundo Elias, a guerra e
a necessidade de trabalhar em uma fábrica quando os pais já não dispunham de uma situação
econômica estável possibilitou novos interesses acadêmicos, para Elias “depois de minha
experiência durante a guerra e na fábrica, era natural que quisesse fazer estudos que
estivessem mais próximos da realidade da vida” (ELIAS, 2001, p.44).
Sua adesão à Sociologia deu-se em Heidelberg onde conviveu com Alfred Weber
e Karl Mannheim entre outros sociólogos. Em 1929 tornou-se assistente de Karl Mannheim
na Universidade de Frankfurt. Em 1933 quando percebeu os perigos de continuar a viver na
Alemanha de Hitler foi para França. Dois anos depois se mudou para a Inglaterra e escreveu a
obra: O processo civilizador, publicada em 1939, com a ajuda financeira do pai. Após o difícil
começo para se estabelecer na Inglaterra profissionalmente, por ser um imigrante, tornou-se
professor da Universidade de Leicester em 1954.
Elias nunca se perdoou por não ter conseguido convencer os pais do real perigo
que a Alemanha significava para os judeus. Seu pai morreu em 1940 e sua mãe morre em
Auschwitz.44
43
Esta frase foi retirada do texto da contra capa do livro: “Os Estabelecidos e os Outsiders”. 44
Informação retirada na dedicatória da obra: O Processo Civilizador I.
52
O jovem que queria ser professor universitário e que ouvira de um aluno de classe
no liceu, em meio a gargalhadas de outros colegas e do professor, que “O caminho que te leva
a esta carreira te foi barrado desde o nascimento”, trabalhou muito para que seu objetivo se
concretizasse. Segundo Elias (2001, p.22), ele:
Soube muito cedo o que queria fazer: queria ir para a universidade, queria ensinar e
pesquisar. Soube isso desde a minha infância, e trabalhei tenazmente para atingir
esse objetivo, mesmo que às vezes me parecesse impossível.
O “judeuzinho”, assim chamado agressivamente por alguns colegas de turma,
descritos por ele como “patifes”, nos brindou em 1994 com a obra “Estabelecidos e
Outsiders” escrita em conjunto com John Scotson. Não somente as suas obras e pesquisas,
mas toda a sua vida, nos possibilitam compreender e reconhecer a importância de Norbert
Elias, não apenas para a Sociologia, mas para todas as ciências humanas. Este é o referencial
teórico escolhido para essa pesquisa, pelas suas brilhantes obras e porque não por sua
trajetória de vida. Nas palavras de Elias (2001, p.22), ele não tinha certeza absoluta, “ mas não
duvidava nem um pouco de que minha obra um dia seria reconhecida como contribuição de
qualidade ao saber da humanidade”.
2.2 ELIAS E A SOCIOLOGIA
Elias considerava que o fato de muitos sociólogos da sua geração serem de
diferentes áreas de conhecimento isto não deveria ser entendido como um descrédito. A
sociologia se “beneficiava enormemente” de poder contar com representantes que estudaram
outras matérias. Elias dizia que a importância de Comte para a sociologia não se limitava
apenas a uma designação, em ser o “pai da sociologia” e que entre tantos trabalhos, teorias e
problemas sociológicos pesquisados, Comte já se dedicava a problemática da especialização
científica. Assim, Elias escreve sobre este tema:
Hoje em dia, a própria sociologia corre o perigo de se fragmentar em sociologias
cada vez mais especializadas --- da sociologia da família à sociologia das
53
organizações industriais, da sociologia do conhecimento à sociologia das mutações
sociais, da sociologia do crime à sociologia da arte e literatura, da sociologia do
desporto a sociologia da linguagem. Em breve, haverá especialistas em todos estes
campos, elaborando os seus próprios termos técnicos, as suas teorias e métodos que
se tornarão inacessíveis aos não especialistas. (ELIAS, 2008, p.53)
O fato de Elias ter uma formação acadêmica em medicina, interrompida nos
estágios clínicos e filosofia reforça e legitima a sua critica a toda forma de dicotomia. Sempre
contrário aos estudos que fracionam o ser humano, Elias não concordava com a separação
corpo e mente, consciência e ser, defendia que não podemos pensar e estudar os indivíduos
isolados da sociedade.
Em geral, os biólogos e os sociólogos agem como se os aspectos biológicos e sociais
dos seres humanos estivessem tão estritamente divididos e fossem tão independentes
entre si como as profissões dos biólogos e dos sociólogos e, nos casos específicos,
como os dois departamentos de biologia e de sociologia pretendem estar (ELIAS,
1994, p.21).
As suas críticas não eram direcionadas apenas aos biólogos e sociólogos, em
vários de suas obras questiona o porquê de tanta especialização e divisão entre as ciências.
Áreas de conhecimento como a economia, história, sociologia, psicologia e biologia são
frequentemente criticadas por ele por pesquisar e estudar o ser humano dividido e
individualizado. As ciências trabalham isoladamente, “grandes cientistas ocupam,
individualmente, o centro do palco”, neste quadro as descobertas anteriores, os conhecimentos
adquiridos, os erros e acertos de pesquisas anteriores são desprezados e não considerados
como parte de um processo.45
Para ele:
Normalmente, o conhecimento pré-científico é desvalorizado mesmo no caso de ser,
de forma óbvia, um conhecimento válido ou verdadeiro, por exemplo, o dos
trabalhadores da pedra e do metal ou dos primeiros agricultores dos tempos pré-
histórico (ELIAS, 1994, p.86).
Aos sociólogos também não faltaram críticas. Para Elias e Dunning (1992, p.17),
os sociólogos se preocupavam, principalmente, com estudos relacionados a economia e a
45
Estaremos mais adiante esclarecendo o significado atribuído por Elias ao termo processo.
54
política e desprezavam outros temas vistos por eles como assuntos não sérios, sem relevância
para toda a humanidade. Segundo Elias e Dunning (1992, p.16):
[...] a sociologia orientou-se para o campo restrito dos aspectos “sérios” e “racional”
da vida, o que teve como efeito que o divertimento, o prazer, o jogo, as emoções e as
tendências “irracionais” e “inconscientes” do homem e da mulher tivessem merecido
escassa atenção no âmbito da teoria e da investigação científica.
Isto parece acontecer ainda nos dias de hoje, poucos são os sociólogos que
estudam o esporte. A Sociologia do Esporte ainda é um campo pouco estudado.
2.3 AS RELAÇÕES HUMANAS
Os seres humanos possuem uma constituição biológica, neural e motora, que
possibilita o aprendizado de uma língua. A linguagem, constituída por padrões sonoros, que
não possuem a mesma representação simbólica em todas as sociedades, é a capacidade que
permite aos seres humanos se desenvolverem e transmitirem conhecimento. Em razão disso,
mais uma vez em Elias nos deparamos com o aspecto biológico e social não podendo ser
entendidos de maneira independente um do outro. Para este:
O desenvolvimento do conhecimento humano tal como o conhecemos seria
impossível sem a capacidade humana única de transmitir conhecimento, sob a forma
de componentes da linguagem, de uma geração para a outra. É um facto que o
conhecimento, quer seja uma transmissão oral ou uma transmissão por meio de um
livro, pode ser comunicado, na forma de uma língua, de uma pessoa para outra, o
que possibilita a transmissão massiva de conhecimento de uma geração para outra
(ELIAS, 1994, p.114).
Os bebês precisam dos cuidados dos pais para sobreviver e se desenvolverem. É
através de um longo processo de aprendizagem que as crianças aprendem com os adultos e
com outras crianças e que todos, crianças e adultos, transmitem conhecimento. Sendo assim,
Elias critica a concepção dos seres humanos como “homo clausus”, “indivíduos inteiramente
autossuficientes, isolados de todos os demais seres e coisa (ELIAS, 2011, p.230)”. A
55
capacidade de comunicar-se e a dependência que todos temos dos outros seres humanos é que
justifica a rejeição por uma concepção de homem isolado do mundo exterior e reforça a
concepção de “homo aperti”. Segundo Elias (2001), “um indivíduo fundamentalmente em
relação com o mundo que não é ele mesmo ou ela mesma, com outros objetos e em particular
com outros homens...”.
Os seres humanos ao nascerem necessitam de cuidados para sobreviverem,
cuidados com alimentação, proteção, higiene e amor, precisam de um ambiente saudável tanto
físico como emocionalmente para se desenvolver e se tornarem cada vez mais autônomos e
independentes para poderem fazer suas escolhas profissionais e afetivas. Esta dependência
que temos dos adultos ao nascermos, nos mostra que somos indivíduos que nos relacionamos
com outros indivíduos, que pertencemos a diferentes grupos e necessitamos de diferentes
tipos e ligações sociais. Segundo Elias (2008): “A sociedade é formada por nós e pelos outros.
Aquele que estuda e pensa a sociedade é ele próprio um de seus membros” e por que
pertencemos à sociedade, Elias sugere que o pesquisador mantenha um distanciamento uma
vez que somos também um membro desta sociedade. Embora possuam características
próprias, estudos sobre indivíduos e sociedade não podem ser considerados isoladamente e em
estado de repouso, estado este que sugere algo imutável. Nascemos, crescemos, envelhecemos
e morremos. Durante toda a nossa vida, as nossas relações com grupos específicos de seres
humanos vão se tornando cada vez mais amplas e complexas. Criamos laços de
interdependências com diferentes grupos de seres humanos. Somos dependentes da família,
escola, trabalho e Estado entre outros, mas os outros também são dependentes de nós. Esta
teia de interdependência entre as pessoas é chamada por Elias de figuração46
. Segundo Elias
(2008, p.144):
O que é que na realidade, une as pessoas em configurações? Perguntas como estas
não podem ser respondidas se começarmos por considerar todas as pessoas
individuais por si mesmas, como se cada uma fosse um Homo clausus .
46
No livro Sociologia do Esporte de Eric Dunning ( 2014, p.24 nota 4) produzido no Brasil , o autor apresenta
esclarecimentos sobre a mudança de posição de Elias no uso da palavra configuração. Elias que inicialmente
utilizou o termo configuração percebeu posteriormente que o prefixo “con” era redundante e passou a usar o
termo figuração.Sendo assim, adotamos a última forma nesta dissertação quando não se tratar de citação literal.
56
Segundo este o que une as pessoas são as diferentes formas de ligações sociais.
Ligações afetivas relacionadas às necessidades emocionais, ligações econômicas e políticas.
Segundo Elias (2008): “As dependências recíprocas das pessoas não são obviamente sempre
as mesmas em todas as sociedades nos seus vários estágios de desenvolvimento.” e em
sociedades mais desenvolvidas economicamente, as interdependências são cada vez mais
complexas. As diferentes funções exigem uma especialização cada vez maior para atender o
surgimento de novas profissões. Então, para Elias (1994, p.51):
As relações das pessoas entre si não são aditivas. A sociedade não é um amontoado
de acções individuais comparável a um monte de areia, nem um formigueiro de
indivíduos programados no sentido de uma cooperação mecânica. Ela assemelha-se
antes a uma teia de pessoas vivas que, sob uma diversidade de formas, são
interdependentes. Os impulsos e os sentimentos, os padrões e as acções de uma
pessoa podem reforçar os de outras ou desviá-los do seu objetivo inicial.
No livro “Introdução à Sociologia” de 1970, Elias sugere modelos em forma de
representações gráficas de uma sociedade egocêntrica, formada por indivíduos com a imagem
de “personalidade fechada”, o “homo clausus” que centrado em seu “ego particular” se julga
independente de todos no seu meio social e como se o mundo girasse em torno dos seus
desejos e ambições.
Figura 1 – Padrão básico de uma visão egocêntrica da sociedade.
57
A segunda representação traz a visão mais realista de indivíduos interdependentes que
constroem relações cada vez mais complexas e amplas no meio social em que vive.
Figura 2 – Representação de indivíduos interdependentes (<família>, <estado>,<grupos>e
<sociedade>, etc)47
.
À direita deste diagrama temos as seguintes representações:
1- Indivíduo (Ego, Eu);
2- Símbolo de um equilíbrio de poder mais ou menos instável;
3- Valências abertas (desligadas).
Para Elias (2011, p.240), devemos pensar a sociedade apartir de uma visão de indivíduos
dependentes. Segundo ele:
A imagem do homem como “personalidade fechada” é substituída aqui pela de
“personalidade aberta”, que possui um maior ou menor grau (mas nunca absoluto ou
total) de autonomia face a de outras pessoas e que, na realidade, durante toda a vida
47
As figuras são da obra: Introdução à Sociologia de Norbert Elias págs. 14 e 15.
58
é fundamentalmente orientada para outras pessoas e dependentes delas. A rede de
interdependências entre os seres humanos é o que os liga. Elas formam o nexo do
que aqui é chamado configuração, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente
orientadas e dependentes. Uma vez que as pessoas são mais ou menos dependentes
entre si, inicialmente por ação da natureza e mais tarde através da aprendizagem
social, da educação, socialização e necessidades recíprocas geradas, elas existem,
poderíamos nos arriscar a dizer, apenas como pluralidades, apenas como
configurações.
Elias denomina figuração toda esta rede de interdependências que liga os seres
humanos, ou seja, toda esta complexa teia de relações sociais. É a relação de dependência
homem e mulher que nos possibilita nascer. Elias (2011, p.240) atribuiu como ação da
natureza, uma dependência elementar e biológica e considerou como um dos exemplos mais
significativos da dependência dos seres humanos. Existimos porque nos relacionamos.
Para um dos propósitos desta pesquisa, que é a aplicação da Teoria Figuracional
aos esportes, Elias considera o esporte como um tipo de figuração social, que atua de forma
dinâmica e como equilíbrio de tensões entre opostos. Segundo Elias,
Um desporto ou um jogo é uma << estrutura>> ou padrão que um grupo de seres
humanos interdependentes forma entre si. Esta estrutura, padrão ou, de forma mais
correcta, configuração compreende: 1) dois indivíduos ou equipes que cooperam
uma com a outra numa rivalidade mais ou menos amigável; 2) agentes de controlo,
como árbitros e juízes de linha; e, 3), por vezes, mas nem sempre um número maior
ou menor de espectadores (ELIAS, 1992, p.302).
Embora esta figuração seja a condição necessária para a existência de um jogo,
Elias afirma que esta pertence a figurações mais alargadas, formada pela organização do
clube, os órgãos legislativos e administrativos que formulam as regras, que no futebol
compreende as Ligas, Federações e Confederações e que por sua vez também estão
interligadas com figurações mais vastas num quadro internacional. A FIFA é a instituição
máxima do futebol. É responsável pela organização mundial do futebol e pelo seu
desenvolvimento em todo o mundo. Em toda esta rede de interdependência podemos
acrescentar as inúmeras redes de pessoas que hoje trabalham e vivem do futebol, ou seja,
membros desta vasta figuração que trabalham nos bastidores para que o futebol espetáculo
aconteça são desde os trabalhadores em indústrias de artigos esportivos, operários da
construção civil, patrocinadores, jornalistas e muitos outros profissionais que nos
59
impossibilita mencionar e que comprova uma vasta e complexa configuração existente para a
realização de um jogo de futebol.
As regras de determinada modalidade esportiva, legisladas no caso do futebol
mundial pela Internacional Football Association Board (IFAB), é que garantem, em grande
parte durante uma partida de futebol, a dinâmica de toda a figuração formada pelos jogadores
das duas equipes. O árbitro e os assistentes (bandeirinhas) são os responsáveis por manter o
cumprimento das regras e o equilíbrio destas polaridades opostas, dentro de campo e nos
estádios, mas que se complementam em um equilíbrio de tensão. O árbitro e toda a equipe de
arbitragem são os mediadores ou os agentes de controles como descrito por Elias, que devem
garantir o pleno funcionamento da partida.
A dinâmica das figurações nos remete a outro conceito desenvolvido por Elias:
“poder”. Segundo Elias, o termo “poder” sempre é visto por nós, como algo “desagradável”
por ter sido durante a história do desenvolvimento da sociedade relacionado a desigualdades
sociais, ao abuso e falta de escrúpulos dos considerados mais fortes sobre os mais fracos. O
poder não pode ser reduzido “a uma ou outra concepção unidimensional, por exemplo, a
perspectiva marxista, que o reduz a propriedade e ao controlo dos meios de produção”... Para
Elias e Dunning, (1992), poder não deve ser entendido como uma “coisa” que alguns
indivíduos ou grupos possuem e outros não. Dependemos de outros e outros dependem de
nós, o poder deve ser compreendido como uma característica fundamental de todas as
relações humanas.
Dizemos que uma pessoa detém grande poder, como se o poder fosse uma coisa que
ela metesse na algibeira. Esta utilização da palavra é uma relíquia de ideias mágico-
míticas. O poder não é um amuleto que um indivíduo possua e outro não; é uma
característica estrutural das relações humanas---de todas as relações humanas
(ELIAS, 2008, p.81).
Para estes autores, embora nem sempre possamos observar equilíbrio nas relações
de poder, ela está presente sempre que existe uma relação de interdependência: relações de
pais e filhos, patrão e funcionários, homens e mulheres e equipes esportivas. Pensando nos
jogos entre equipes esportivas, o equilíbrio de poder e o equilíbrio de tensões entre as equipes
envolvidas durante um jogo de futebol é o que tornará o espetáculo atraente e excitante para
os jogadores e espectadores. Segundo Elias e Dunning (1992, p. 303), “este equilíbrio de
60
tensão é conceptualizado de uma maneira mais correcta se o considerarmos como um
equilíbrio desencadeado entre opostos, num complexo global de polaridades
interdependentes”.
Para estes, um jogo de futebol se faz apropriado ao equilíbrio de tensão entre as
equipes. Uma partida que não possamos observar equilíbrio entre as equipes se torna
desinteressante porque podemos antecipadamente prever o resultado ou porque poderá ocorrer
atitudes indisciplinares de jogadores e manifestações de violência, o que não será bom e muito
menos interessante para o espetáculo e para os interesses dos investidores e patrocinadores.
Elias e Dunning (1992, p. 303) especificam as polaridades opostas como:
1) A polaridade global entre duas equipes em oposição;
2) A polaridade entre ataque e defesa;
3) A polaridade entre cooperação e tensão entre as equipes;
4) A polaridade entre cooperação e competição em cada equipe;
5) A polaridade entre o controlo externo dos jogadores, a vários níveis (por
exemplo, dirigentes, capitães, colegas de equipa, árbitros, juízes de linha,
espectadores e por aí adiante), e o controlo flexível que o jogador exerce
sobre si próprio, quer seja de um de um ou de outro sexo;
6) A polaridade entre a identificação afectuosa e rivalidade hostil em relação
aos oponentes;
7) A polaridade entre o prazer da agressão manifestada pelos jogadores e a
limitação imposta pelo padrão de jogo sobre esse prazer;
8) A polaridade entre flexibilidade e rigidez das regras.
Para exemplificar o equilíbrio de poder de grupos, Elias (1993) utiliza a figura de
um cabo de guerra. Nesta atividade dois grupos que possuem o mesmo número de
participantes puxam uma corda em sentido contrário, o objetivo é deslocar o grupo adversário
de sua posição inicial. O que aconteceria caso surgisse um homem no jogo que não pertença a
nenhuma das equipes? Segundo (1993, p. 150), este homem,
[...] que não pertença inteiramente a qualquer dos grupos contendores, que tenha a
possibilidade de lançar a sua força pessoal ora de um lado, ora de outro, ao mesmo
tempo tomando grande cuidado para permitir que a tensão se reduza ou que qualquer
dos lados obtenha uma clara vantagem, --- então ele é a pessoa que realmente
controla toda essa tensão. O poder mínimo à disposição de um único homem, que
sozinho não poderia pôr nenhum dos grupos em movimento e, com certeza, nunca
os dois juntos, é suficiente, mediante esse arranjo de forças sociais, para mover o
todo. E é clara a razão por que é suficiente. Nesse mecanismo equilibrado, há forças
enormes, mas controladas.
61
No equilíbrio de tensões que ocorrem entre as duas equipes em uma partida de
futebol, este homem que está presente no jogo, porém atuando apenas como agente de
controle é o árbitro.
Podemos realizar um jogo de futebol apenas entre jogadores, duas equipes
adversárias que se interagem e são interdependentes nas suas ações, porém para a realização
de uma partida oficial de futebol profissional esta rede de interdependências se apresenta com
um grande grau de complexidade e tensão que invariavelmente necessita dos árbitros como
agente de controle. Embora as ações dos jogadores não dependam da presença de uma equipe
de arbitragem, são os árbitros e seus assistentes que vão garantir o cumprimento das leis do
jogo e a manutenção do equilíbrio de tensões. E a “cadeia de interdependência” não se esgota
nesta figuração, existem os espectadores, que para nós são a razão de todo o espetáculo, a
imprensa, os patrocinadores e muitos outros agentes envolvidos no espetáculo esportivo.
Pensando nas relações de poder desta figuração, que aqui chamaremos de futebol,
percebemos que para a realização de uma partida muitas relações de interdependências se
entrelaçam e precisam trabalhar harmoniosamente para que a engrenagem desta “máquina”,
como gostava de comparar Elias, não corra o risco de enguiçar.
No livro El fenômeno deportivo (2003), Eric Dunning considera como
fundamentais as seguintes características da teoria figuracional de Norbert Elias: o estudo dos
seres humanos como seres sociais e interdependentes, o propósito de associar a sociologia
clássica e a sociologia moderna com conceitos de classe social e poder, distante de uma
concepção apenas econômica e o conceito de Estado como instituição que detém o monopólio
legítimo sobre a violência.
2.4 “UM PROCESSO LONGO E NÃO PLANEJADO”
O processo civilizatório é considerado a teoria central de Norbert Elias. A história dos
costumes e as mudanças de comportamentos dos indivíduos e da sociedade do período
medievo-feudal à Idade Moderna e a Formação do Estado são nesta teoria analisados. Os
indivíduos aprendem deste a infância conceitos e comportamentos, adquirimos conhecimentos
62
que são transmitidos para sucessivas gerações mesmo sem termos consciência de que tudo faz
parte de um processo de longa duração e não planejado.
Em meu livro O processo civilizador, eu esperava ter conseguido, com a ajuda de
provas empíricas detalhadas, dominar problemas teóricos, sobretudo a mutação
civilizadora dos homens e a transformação a longo prazo do estágio de integração do
Estado. Esperava que fosse possível às gerações futuras dar sequência a esses
trabalhos assim como a outros referentes aos processos sociais de longa duração e,
caso se fizesse necessário, corrigir esses primeiros passos --- portanto, em todo caso,
garantir o desenvolvimento contínuo da sociologia, até então precário em muitos
domínios (ELIAS, 2001, p. 146).
Ao desenvolver esta teoria, Elias (2011), publicada em 1939, que pretende focar:
“tipos de comportamentos considerados típicos do homem civilizado ocidental” e questiona:
O que é ser civilizado hoje?48
.
Se algumas atitudes dos seres humanos na Idade Média são consideradas como
barbárie, o que poderíamos dizer da II Guerra Mundial e nos dias de hoje, a Era da
Globalização, das diversas barbáries, em nome do fanatismo religioso e dos crimes contra a
humanidade que visam os interesses econômicos e políticos de poucos? Elias (2011, p.178)
nos diria que tudo está em processo e durante este, viveremos processos de descivilização que
embora nos de a sensação de retroceder, quando avaliado com cautela nos mostra que
avançamos em relação a outras épocas. Esta certeza nos vem quando conseguimos observar e
acompanhar que as reações dos seres humanos perante atos de violência nos causa cada vez
mais repugnância e que toleramos cada vez menos todas as formas de violência seja esta
dirigida aos seres humanos, aos animais e ao meio ambiente.
Para melhor compreensão se faz necessário entender como Elias conceitua
civilização e civilidade e o significado destes na França/Inglaterra e Alemanha.
O conceito de “civilização” refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nível da
tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos,
às ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir ao tipo de habitações ou à
maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de punição determinada
pelo poder judiciário ou ao modo como são preparados os alimentos. Rigorosamente
48
No prefácio do livro: O Processo Civilizador I, Elias escreve que comportamentos e atitudes observadas no
homem ocidental e consideradas civilizadas diferem do que era aceito pelas sociedades medievo-feudal. O livro
foi publicado em 1939, portanto, o que era ser civilizado em 1939.
63
falando, nada há que não possa ser feito de maneira “civilizada” ou “incivilizada”.
Daí ser sempre difícil sumariar em algumas palavras o que se pode descrever como
civilização (ELIAS, 2011, p.23).
O conceito de civilização por Elias (2011) nos apresenta um “Ocidente”
orgulhoso de suas conquistas sociais e econômicas. Acreditam serem superiores as demais
sociedades e atribuem a isto as suas conquistas tecnológicas e científicas. Porém mesmo nas
sociedades ocidentais o conceito é divergente. Na Alemanha, país que tardiamente unificou o
seu território, este conceito é definido pela palavra “Kultur” encontrando significado nas
expressões artísticas, literárias, religiosas, enfim associado a “fatos intelectuais”. Para
franceses e ingleses, segundo Elias (2011, p.23), “o conceito resume em uma única palavra
seu orgulho pela importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade”.
Para Elias (2011), as mudanças das atitudes humanas e das instituições sociais
acompanham o fluxo dos fenômenos históricos, estes não podem ser entendidos como
formações estáticas porque se transformam, se desenvolvem, tem caráter de movimento.
O que cabe ser frisado aqui é o simples fato de que, mesmo na sociedade civilizada,
nenhum ser humano chega civilizado ao mundo e que o processo civilizador
individual que ele obrigatoriamente sofre é uma função do processo civilizador
social (ELIAS, 2011, p.15).
Na Idade Média, as sociedades eram descentralizadas, os guerreiros, seus
governantes, eram selvagens, cruéis e não necessitavam de formas de moderação para os seus
atos. As divergências com guerreiros rivais e o sustento do seu território eram resolvidos na
espada e as mulheres, consideradas seres inferiores, “serviam” para satisfazer os desejos
masculinos. Num processo longo e não planejado as sociedades foram se desenvolvendo
geográfica e demograficamente. As relações econômicas, a interdependência das funções
sociais e a ascensão da classe burguesa fortaleceu um poder central, uma nova aristocracia
que passava a deter o monopólio da força e o monopólio dos impostos. Neste cenário
surgiram conceitos como “cortesia”, associado às formas de comportamento que se esperava
dos frequentadores da “corte” no séc. XVI e XVII e o conceito de “civilidade” que
determinava qual deveria ser o comportamento aceitável dos indivíduos em uma sociedade
em que não era mais necessária uma nobreza guerreira e na qual ascendia uma burguesia forte
64
e participante dos mesmos espaços de convívio dos nobres. Em 1530, um tratado de autoria
de Erasmo de Rotterdam é publicado e nos seis anos seguintes a publicação chega à marca de
trinta reedições. A obra, segundo Elias (2011) “... reveste-se de uma importância especial
menos como fenômeno ou obra isolada do que como sintonia de mudança, uma concretização
de processos sociais.” A sociedade esperava e cobrava de seus indivíduos um maior controle
dos impulsos, um comportamento mais polido: à mesa, nos gestos, na maneira de falar e se
expressar, em relação as suas funções corporais e nas relações entre os sexos.49
Para Elias (2011), o controle dos impulsos e um maior autodomínio dos instintos
corporais lentamente foram se transformando de uma imposição devido à presença de outras
pessoas, para um “autocontrole automático” e incorporado. Para Elias (2011, p.137):
Tanto o tipo como o grau de controle correspondem à posição social da pessoa que
os impõe, em relação à posição daqueles em cuja companhia está. Isto muda
lentamente, à medida que as pessoas se aproximam mais socialmente e se torna
menos rígido o caráter hierárquico da sociedade. Aumentando a interdependência
com a elevação da divisão do trabalho, todos se tornam cada vez mais dependentes
dos demais, os de alta categoria social dos socialmente inferiores e mais fracos.
Estes últimos tornam-se a tal ponto iguais aos primeiros que eles, os socialmente
superiores, sentem vergonha até mesmo de seus inferiores. Só nesse momento é que
a armadura dos controles é vestida em um grau aceito como natural nas sociedades
democráticas industrializadas.
A pressão e a coação para que os indivíduos se moldem, aprendam e incorporem
“comportamentos civilizados” e reprimam atitudes e emoções, inicia-se na infância. As
crianças passam por um condicionamento precoce para que se comportem em público e não
causem vergonha aos familiares. O padrão de comportamento e controle dos impulsos
também está presente nas mudanças na agressividade dos indivíduos. Segundo Elias (2011, p.
185):
O guerreiro da Idade Média não amava só a guerra, vivia dela. Passava a juventude
preparando-se para isso. Ao chegar à idade apropriada, era armado cavaleiro e fazia
a guerra enquanto as forças lhe permitissem até a velhice. Sua vida não tinha outra
função.
49
Ler sobre estes temas em Elias (2011) e Elias ( 1993).
65
No entanto, a sociedade se desenvolveu, a cada dia aumentam as ligações e
funções sociais em uma rede complexa de interdependências e o Estado controla o monopólio
da força. Não mais resolvemos as divergências na espada. Desejam-se indivíduos equilibrados
e conscientes de sua função social, e atitudes violentas e agressivas nos causam repugnância.
O Estado, mesmo nas nações consideradas civilizadas, nem sempre cumpre com o dever de
proporcionar aos seus indivíduos o mínimo necessário para uma vida digna, e o direito à
segurança e a integridade física. Mesmo assim, como cidadãos não podemos recorrer a atos de
violência nos diferentes tipos de cadeias sociais as quais pertencemos. Espera-se que depois
de um longo processo de aprendizagem e condicionamento dos corpos, que se inicia quando
nascemos que os indivíduos consigam agir naturalmente e da mesma forma nos espaços
públicos e privados sem que isso cause uma tensão interna e traga prejuízos a sua saúde física
e emocional. Segundo Elias (2011, p.181):
A pressão para restringir seus impulsos e a vergonha sociogenética que os cerca
estes são transformados tão completamente em hábitos que não podemos resistir a
eles mesmo quando sozinhos na esfera privada. Impulsos que prometem e tabus e
proibições que negam prazeres, sentimentos socialmente gerados de vergonha e
repugnância, entram em luta no interior do indivíduo.
E é neste processo de autocontrole e da nossa luta interior para reprimirmos
nossos impulsos e nossas emoções, que o esporte e as atividades que lazer encontram
importância e significado e que nações consideradas desenvolvidas e civilizadas, se
preocupam em oferecer aos seus cidadãos uma variedade de atividades miméticas.
2.5 A IMPORTÂNCIA DO FUTEBOL
Escrever sobre a importância do esporte e seu significado social não é uma tarefa
simples, devido à complexidade do tema. No mundo globalizado, diferentes formas de jogos e
modalidades esportivas referenciam e identificam mundialmente estas sociedades e suas
culturas. O basquete americano, o judô japonês, o tênis de mesa chinês, poderíamos enumerar
muitas delas, mas nenhuma modalidade tem a aceitação mundial que teve o futebol. Se
considerarmos o esporte como prática esportiva como consumo e pelo seu prestígio
66
dificilmente acharemos alguma modalidade esportiva que supere o futebol em divulgação nos
meios de comunicação e em rentabilidade financeira. E o futebol não para de crescer. A
estratégia da FIFA é levar o esporte para os quatro cantos do mundo, aumentando o número
de praticantes e consumidores de futebol. Embora a FIFA utilize de meios suspeitos e
obscuros, como reforçam as denúncias de corrupção citadas no capítulo anterior, a FIFA tem
conseguido êxito no seu objetivo. A Copa do Mundo no Brasil foi a mais rentável já
registrada na história da competição, o número de espectadores, inclusive nos Estados Unidos
que reverência outras modalidades, cresce assustadoramente e as próximas Copas da FIFA
estão previstas para a Rússia 2018 e Catar 2022. Segundo Murphy, Willian e Dunning (1994),
“Quais serão, então, as principais razões para esta tremenda popularidade”?
Os autores atribuem à popularidade do futebol, que não está relacionada ao nível
de desenvolvimento dos países e nem as suas características sociopolíticas, há muitos fatores:
o reduzido equipamento para à sua prática e, portanto o baixo custo poder ser praticado como
lazer em campos, quadras, na rua, ou seja, em diversos tipos de terreno e adaptado para o
número de participantes, possuir regras básicas e que permanecem em sua grande maioria
inalterada desde 1863, possibilidades de inovações táticas e o equilíbrio das polaridades
ataque e defesa que torna o futebol imprevisível e excitante. Para Murphy, Willian e Dunning
(1994, p.8):
[...] uma partida de futebol permite ao espectador viver, de forma controlada e
socialmente aceitável, durante um curto espaço de tempo, todo um conjunto de
sentimentos poderosos: a esperança de ver a sua equipe marcar e a sensação
gratificante de ver concretizado o almejado gol; o medo quando a equipa adversária
ameaça marcar e o desapontamento quando esta é bem sucedida. Durante o curto
período do jogo, os espectadores alternam constantemente entre estas sensações até
que, por fim, a partida fica decidida. Então, os adeptos do lado vencedor vivem
momentos de triunfo e júbilo, enquanto os seus oponentes provam o sabor amargo
da derrota e do desespero. Se o jogo terminar num empate, os adeptos de ambos os
lados poderão experimentar um misto de todas essas emoções.
Para que uma partida de futebol proporcione todas estas emoções é necessário se
identificar com uma das equipes participantes do jogo, é necessário “viver o jogo”.
Participamos como espectadores do futebol porque temos paixão e nos identificamos com
uma das equipes. Segundo Murphy, Willian e Dunning (1994, p.11):
67
Do princípio ao fim das nossas vidas, os seres humanos orientam-se para os seus
semelhantes, estabelecendo com estes uma relação de interdependência. As pessoas
necessitam de estabelecer estreitos vínculos afetivos, quer o façam directamente com
as outras pessoas que indirectamente através dum veículo simbólico, como é o caso
das bandeiras.
Aprendemos a nos identificar porque moramos em determinada cidade ou país,
porque nos encantamos com a torcida de uma agremiação, pelos nossos vínculos afetivos com
familiares, amigos e professores. Seja qual for a nossa referência, a questão da identificação
está estreitamente ligada à questão do pertencimento. Pertencer a um “grupo”, se identificar
com este, gera sentimentos positivos em relação aos membros deste “grupo” e se nosso estudo
é sobre o futebol, um sentimento de competitividade com os outros “grupos”. Nem sempre
este sentimento pode ser entendido como exclusivo e negativo para com pessoas participantes
das equipes adversárias, o outro “grupo”, mas a razão para as atitudes agressivas em relação
aos torcedores das equipes adversárias está também relacionada a questão do pertencimento.
Para Elias (2000), o carisma grupal e o auto grau de coesão de um grupo proporciona aos
membros do grupo uma elevada autoestima e a satisfação de pertencer ao “grupo dos
melhores”. A imagem do “nós” e o ideal do “nós” contrapõe-se a imagem do “eles” como o
“grupo dos piores”.
A identificação com os “craques” do time do coração e, às vezes, o apoio da
família faz com que meninos e meninas deixem suas casas para se submeter ao processo
doloroso e excludente de conseguir pertencer às escolinhas de futebol das melhores equipes
brasileiras. Este sonho e o desejo de inúmeras crianças brasileiras são reforçados pelos meios
de comunicação que mostram com entusiasmo os “ídolos esportivos” que conseguiram vencer
obstáculos e ascender socialmente. Segundo Escher e Reis (2006):
O mito da ascensão social pelo esporte, que é constantemente enfatizado pelos
meios de comunicação, que não se cansam de mostrar exemplos de meninos pobres
que conseguiram ter sucesso financeiro por causa do futebol, é que faz milhares de
garotos tentarem alguma sorte nos testes e “peneiras” dos clubes em todo o país.
Aqui não estamos a criticar famílias e deixando de incentivar nossas crianças e
jovens nesta busca, porém acreditar no futebol como meio de ascensão social encontra um
importante significado: o baixo nível de escolaridade dos jogadores brasileiros, tanto quando
68
estes são bem sucedidos e encontram trabalho no futebol e no grande número de jovens que
abandonaram os estudos, apostaram “todas as fichas” e se deparam com uma carreira
esportiva frustrada e sem nenhuma formação profissional.
2.6 O PROCESSO CIVILIZATÓRIO E O FUTEBOL
Elias e Dunning (1992) tinham “a profunda consciência de que a compreensão do
desporto contribuía para o conhecimento da sociedade”. O processo civilizatório das
sociedades europeias que exigia dos indivíduos uma maior consciência e maior autocontrole
sobre os seus atos e suas emoções não pode entendido separado dos fatores históricos. A
formação de um Estado que detinha o controle da força física e militar e do monopólio dos
impostos proporcionando um maior equilíbrio de poderes entre as diferentes classes sociais
possibilitou uma maior pacificação e um avanço de civilização.
Durante o século XVIII, manifesta-se na Inglaterra um novo conceito de esporte,
com confrontos altamente regulamentados e com menor violência entre os participantes. Para
Elias e Dunning (1992), a estrutura de poder na Inglaterra no século XVIII é que propicia a
compreensão da gênese do esporte moderno. A Inglaterra passou por intensos ciclos de
violência que se iniciam em 1641, com a execução do Rei Carlos que invadiu o Parlamento
para prender opositores aos seus desejos. O medo e a desconfiança mútua gerada por este
episódio ainda podiam ser sentidos no século XVIII. A Inglaterra demorou para recuperar a
estabilidade e a confiança política e instaurar novamente a pacificação da sociedade. Porém a
principal divisão política era entre grupos de proprietários rurais, whigs e tories, ou seja, não
havia rivalidade entre classes sociais. Embora adversários políticos possuíssem os mesmos
interesses durante o século XVIII as tensões se acalmaram e unidos por um código de
conduta, comprometeram-se a debater e decidir de comum acordo suas posições políticas em
confrontos não violentos no Parlamento. Segundo Elias e Dunning (1992, p.54):
A presença de uma classe de proprietários rurais que não pertencia aos pares do
reino e que não se sentava na Câmara dos Lordes, mas que se encontrava
representada em número considerável na Câmara dos Comuns, teve consequências
importantes na forma que tomou o processo de distribuição das oportunidades de
poder no país. Os interesses dos proprietários, em vários dos mais importantes países
continentais, eram representados, habitualmente pelas câmaras de estado dos nobres,
69
enquanto a assembleia dos comuns representava, em geral, os interesses dos grupos
urbanos e, algumas vezes, dos camponeses. Mas em Inglaterra, devido, em parte a
existência da pequena nobreza, os interesses dos proprietários também estavam
fortemente representados na Câmara dos Comuns.
Para Elias e Dunning (1992), a distribuição das oportunidades de poder e as
decisões políticas tomadas de forma pacífica exigiam um elevado grau de moderação dos
membros do Parlamento e apontaram para um avanço de civilização na sociedade inglesa
neste período. Estas mudanças influenciaram também os comportamentos das classes altas
inglesas nos seus passatempos. Os confrontos esportivos pedem um melhor nível de
organização e uma regulamentação que garantisse a moderação da violência. Os cavalheiros
ingleses inseridos no desenvolvimento político do país podiam se reunir livremente e isto
encontra significado nas formações dos clubes esportivos de diferentes modalidades
esportivas. É neste contexto histórico de moderação da violência e da busca por regras
comuns que surge o futebol moderno com a criação da Football Association em 1863.
2.7 O AUTOCONTROLE E AS ATIVIDADES MIMÉTICAS
O desenvolvimento das sociedades e a sua industrialização registrou um aumento
no número de funções e uma crescente diversificação das profissões. Nos dias de hoje, a era
da globalização, o mercado de trabalho exige cada vez mais profissionais especializados e o
tempo dedicado ao trabalho está associado à produtividade, tempo é dinheiro nas sociedades
capitalistas. Nestas sociedades a interação, as cadeias de interdependência dos diferentes
grupos sociais são densas e para que estas relações se mantenham com um satisfatório nível
de harmonia seus indivíduos necessitam controlar seus impulsos e suas emoções. Para Elias e
Dunning (1992, p.69): “[...] a contenção de sentimentos fortes, no sentido de alguém preservar
um controlo regular firme e completo dos impulsos, afectos e emoções é um factor de origem
de novas tensões.”
O autocontrole individual para conviver com as restrições impostas pela sociedade
é de tal forma incorporado na nossa educação primária que quando temos um descontrole no
trabalho, família ou em qualquer figuração da qual pertencemos nossas atitudes nos causam
sentimentos de vergonha e medo. Segundo Elias (1993, p.242):
70
O sentimento de vergonha é uma exaltação específica, uma espécie de ansiedade que
automaticamente se reproduz na pessoa em certas ocasiões, por força do hábito.
Considerado superficialmente é o medo de degradação social ou, em termos mais
gerais, de gestos de superioridade de outras pessoas.
Segundo este mudanças na estrutura da sociedade exigiram mudanças na estrutura
da personalidade dos indivíduos. O controle é exercido pela razão, mas o medo que sentimos
da pressão que os outros exercem sobre nós moderam os nossos atos. Quanto maior a nossa
dependência dos outros, maior será o nosso espírito de previsão, nosso autocontrole a
regulação das nossas emoções. Para Elias (1993, p.247):
Na esteira da pacificação, mudou também a sensibilidade das pessoas à conduta
social. Os medos interiores crescem na mesma medida que diminuem os exteriores -
-- os medos de um setor da personalidade no lugar dos de outro. Como resultado
dessas tensões internas, as pessoas começaram a sentir experiências uma das outras
que haviam sido vedadas enquanto enfrentavam constantemente sérias e
inescapáveis ameaças de origem externa. Assim grande parte das tensões que antes
se liberavam diretamente no combate de um homem com outro tinham que se
resolver, convertidas em tensão interior, na luta do indivíduo consigo mesmo.
Se os guerreiros na Idade Média eram selvagens, cruéis e inclinados a explosões
de violência física e o ambiente em que viviam proporcionava riscos e perigos, hoje nas
sociedades civilizadas os indivíduos encontram tensões nos seus medos interiores e como não
devem expor suas emoções em público e não podem manifestar-se violentamente necessitam
transformar e canalizar os seus impulsos.50
Nas sociedades altamente industrializadas e que atingiram um avançado nível de
civilização as pessoas conseguem transformar e canalizar os seus impulsos para diferentes
tipos de atividades esportivas e culturais. Quanto maior o nível de desenvolvimento destas
sociedades maior são as oportunidades e variedades das atividades de lazer propostas para a
população. Estas atividades cumprem a função de libertação das tensões criadas pela pressão
e stress das rotinas e do autocontrole dos impulsos libidinais, afetivos e emocionais.51
Segundo Elias e Dunning (1992, p.69):
50
Ler sobre este tema em Elias (2011) e Elias (1993). 51
Não são todos os indivíduos que são bem sucedidos na sua luta interior para conter seus impulsos e
manifestações violentas.
71
As pessoas que se agitam demasiado, sob o domínio dos sentimentos que não podem
controlar, são casos para hospital ou para prisões. Determinadas condições de
elevada excitação são consideradas como anormais em qualquer pessoa e, no caso
das multidões, como um perigoso prelúdio de violência.
No avanço da civilização, poderíamos dialogar com Elias e Dunning, pois
acreditamos que a psicologia e a medicina tem alcançado resultados satisfatórios e que não
precisamos expor as pessoas a tratamentos tão radicais que requerem confinamentos. Por
outro lado a rotina e a complexidade das funções sociais colaboram para um aumento das
tensões e uma maior necessidade de autocontrole e tolerância nas sociedades que se entendem
como civilizadas.
Enquanto a excitação é bastante reprimida na ocupação daquilo que se encara
habitualmente como as actividades sérias da vida --- excepto a excitação sexual, que
está mais estritamente confinada à privacidade ---, muitas ocupações de lazer
fornecem um quadro imaginário que se destina a autorizar o excitamento, ao
representar, de alguma forma, o que tem origem em muitas situações da vida real,
embora sem os perigos e riscos. Filmes, danças, pinturas, jogos de cartas, corridas de
cavalo, óperas, histórias policiais e jogos de futebol --- estas e muitas outras
actividades de lazer pertencem a esta categoria (ELIAS e DUNNING, 1992, p. 70).
Estas atividades de lazer denominadas como miméticas cumprem a função de
proporcionar a excitação, liberar tensões e emoções reprimidas, porém ao fazê-los não
corremos perigos e riscos. Possuem um caráter imaginário, causam um descontrole, porém um
“descontrole controlado” que não será reprimido caso não ocorra excessos. É por este motivo
que quando participamos e estamos identificados com estas atividades, choramos, gritamos,
pulamos, xingamos e dentro de um nível aceitável de sociabilidade não causaremos
estranhamento às pessoas ao nosso redor. Mas como esta excitação é favorecida? Segundo
Elias e Dunning(1992, p.71):
Se perguntarmos de que modo é que se animam os sentimentos, como é que a
excitação é favorecida pelas actividades de lazer, descobre-se que isto é dinamizado,
habitualmente, por meio da criação das tensões. Perigo imaginário, medo ou prazer
mimético, tristeza e alegria são produzidos e possivelmente resolvidos no quadro
dos divertimentos. Diferentes estados de espírito são evocados e talvez colocados
em contraste, como a angústia e a exaltação, a agitação e a paz de espírito. Deste
modo, os sentimentos dinamizados em uma situação imaginária de uma actividade
humana de lazer têm afinidades com os que são desencadeados em situações reais da
vida --- é isso que a expressão << mimética >> indica ---, mas o último está
72
associado aos riscos e perigos sem fim da frágil vida humana, enquanto o primeiro
sustenta, momentaneamente, o fardo de riscos e de ameaças, grandes e pequenas,
que rodeia a existência humana.
O interesse desta pesquisa está no comportamento e nas atitudes das pessoas ao
assistirem e participarem das partidas de futebol. A identificação com uma das equipes
participantes do jogo e o equilíbrio das polaridades anteriormente citadas é o que possibilitará
a uma partida de futebol alcançar um nível de excitação que, segundo Elias e Dunning (1992),
permitirá a liberação das tensões e do stress das coisas sérias da vida. O futebol é uma
modalidade que pode ser considerada imprevisível e esta característica reforça a razão de seu
sucesso mundial. Diferente de outras modalidades esportivas onde o resultado pode ser
previsto e “apostado” na equipe que apresentar o melhor nível técnico e tático, no futebol a
vitória nunca está garantida até que o árbitro apite o final do jogo. Um contra-ataque, uma
falha do goleiro, “um lance de bola parada”, tudo pode interferir no resultado da partida.
Associado a isto, no futebol as equipes interagem e se confrontam também fisicamente.
Dentro do campo de jogo contamos com o árbitro e os assistentes, agentes de controle para
assegurar que as regras sejam respeitadas e cumpridas e que as tensões geradas pela partida
não desencadeiem em um confronto violento. As emoções vividas pelos jogadores não podem
ser comparadas com as emoções vividas pelos torcedores e/ou espectadores do jogo. Os
jogadores possuem com os clubes os quais pertencem uma relação trabalhista e são
pressionados pelos torcedores e dirigentes para conseguirem resultados positivos nos jogos.
Os torcedores e/ou espectadores possuem uma relação de identificação e pertencimento com o
clube. Existe paixão e as partidas do time do coração cumprem o propósito de uma atividade
mimética. A imprevisibilidade e o medo da derrota são sentimentos vividos pelos torcedores
durante a partida que ao seu término se modificam em sentimentos de frustração pela derrota
ou prazer e satisfação pela vitória.
O desporto, tal como qualquer actividade de lazer, no seu quadro específico pode
evocar através dos seus desígnios, um tipo especial de tensão, um excitamento
agradável e, assim, autorizar os sentimentos a fluírem mais livremente. Pode
contribuir para perder, talvez para libertar, tensões provenientes do stress. O quadro
do desporto, como o de muitas outras atividades de lazer, destina-se a movimentar, a
estimular as emoções, a evocar tensões sob a forma de uma excitação controlada e
bem equilibrada, sem riscos e tensões habitualmente relacionadas com o
excitamento de outras situações da vida, uma excitação mimética que pode ser
73
apreciada e que pode ter um efeito libertador, catártico52
, mesmo se a ressonância
emocional, ligada ao desígnio imaginário conviver, como habitualmente acontece,
elementos de ansiedade, medo --- ou desespero (ELIAS e DUNNING, 1992, p.79).
O efeito libertador, a alegria que se faz presente na vitória se contrapõe ao
sentimento de frustração, desânimo dos torcedores da equipe adversária. É necessário que os
confrontos miméticos que ocorrem nas partidas de futebol consigam permanecer na esfera
esportiva, que a provocação e as brincadeiras sejam salutares e consigam compor o espetáculo
para que mesmo derrotado o torcedor adversário possa ter usufruído de toda a excitação,
ansiedade e prazer que naturalmente afloraram na expectativa do confronto e durante os
noventa minutos do jogo. Quanto mais desenvolvida e civilizada forem as sociedades e mais
igualitárias as condições de vida de seus indivíduos maiores as chances de conseguirmos
manter o descontrole controlado e conseguir êxito para que as atividades de lazer tenham o
seu significado salvaguardado. Caso contrário o descontrole pode desencadear atitudes
violentas e este é o tema que nos propomos a seguir.
52
O conceito de catarse de Aristóteles se associa a sentimentos de alegria e purificação, um aumento da
autoestima e satisfação pós tensão como prêmio pela vitória.
74
3. A VIOLÊNCIA E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO
3.1 A VIOLÊNCIA
O estágio de desenvolvimento atingido por uma sociedade pode ser determinado
pelo que Elias e Dunning (1992) considerou como a tríade de controles básicos53
, a qual tríade
é formada pelo controle que uma sociedade tem sobre três aspectos: o controle dos
acontecimentos naturais, portanto extra-humano, associado ao nível de desenvolvimento
científico e tecnológico, o controle que seus indivíduos têm nas diferentes formas de relações
sociais e o controle que cada pessoa tem de si mesmo, o autocontrole. Neste processo de
civilização longo e não planejado, alguns elementos foram fundamentais: a formação do
Estado, o controle do monopólio dos impostos, o equilíbrio de poderes entre as classes sociais
e o monopólio da utilização da força física. A história das civilizações desde a Idade Média
até a Era Moderna nos auxilia na compreensão das mudanças de comportamento e atitudes
dos indivíduos, segundo Elias e Dunning (1992), os fatos históricos não devem ser
dissociados dos estudos sociológicos e são determinantes em todo o processo de civilização.
Para Elias e Dunning (1992) em sociedades pacificadas as disputas políticas ocorrem sem
estratégias violentas e o governo cumpre com jurisprudência o uso da força física para
controlar as diferentes tensões que surgem das relações sociais. Segundo Elias e Dunning
(1992, p.89):
[...] o inflamar periódico de estratégias violentas no caso do público de futebol, pode
ser considerado, talvez, num contexto mais alargado, como um sintoma de algum
defeito na sociedade em geral, mais do que apenas neste aspecto particular, a qual
sente prazer em cometer actos de violência --- um defeito que se aninhou sob esta
forma.
A violência no futebol não pode ser entendida se for estudada separada da
violência presente na sociedade brasileira. Para Elias e Dunning (1992, p.16), o eesporte e a
guerra “podem desencadear quer emoções de prazer quer de sofrimento e compreendem uma
mistura complexa e variável de comportamento racional ou irracional”. A busca das emoções
por meio dos esportes é necessária para combater o stress adquirido pela rotina das “coisas
sérias” da vida, mas são com frequência acompanhadas de manifestações de violência.
53
Conceito desenvolvido por Elias utilizado para determinar e medir o estágio de desenvolvimento que uma
sociedade atingiu. Este conceito foi tratado em sua obra: Introdução a Sociologia em 1970.
75
O desenvolvimento do futebol nos mostra um processo civilizatório. As práticas
esportivas realizadas nas escolas inglesas eram confrontos violentos entre os grupos de
participantes e de difícil controle das tensões. Desde o surgimento do primeiro código de
regras em 1863, as regras tem coibido a violência por parte jogadores em uma partida. As
regras e normas presentes no futebol espetáculo são instrumentos de controle para o equilíbrio
das tensões. No equilíbrio das tensões entre as polaridades interdependentes descritas por
Elias e Dunning (1992), que fazem do futebol um esporte excitante, quatro das oito
polaridades especificadas são instrumentos de controle dentro da dinâmica da figuração
formada pelos jogadores. Segundo Elias e Dunning (1992):
1) A polaridade entre o controlo externo dos jogadores, a vários níveis (por
exemplo, dirigentes, capitães, colegas de equipa, árbitros, juízes de linha,
espectadores e por aí adiante), e o controlo flexível que o jogador exerce sobre si
próprio, quer seja de um ou de outro sexo;
2) A polaridade entre a identificação afectuosa e rivalidade hostil em relação aos
oponentes;
3) A polaridade entre o prazer da agressão manifestada pelos jogadores e a
limitação imposta pelo padrão de jogo sobre esse prazer;
4) A polaridade entre flexibilidade e rigidez das regras.
O árbitro de futebol e os assistentes são agentes de controle da conduta dos
jogadores e comissão técnica e embora Elias e Dunning (1992) estejam se referindo a normas
de controles determinadas pelas regras da modalidade é o árbitro e seus assistentes, citados no
texto como juízes de linha, que farão com que a rivalidade hostil, o prazer da agressão e a
flexibilidade e rigidez das regras na partida se desenvolvam dentro do que é permitido pelas
regras e pelo código ético de condutas, o fair play.
A função do árbitro como autoridade responsável em salvaguardar as regras e a
correta interpretação destas faz com que o árbitro sofra violência e que em determinadas
situações gere a violência quando tem decisões equivocadas. Erros nas interpretações dos
árbitros nos lances do jogo podem estar associados a vários motivos como: posicionamento
do árbitro, velocidade da jogada, formação e experiência do árbitro e muitas vezes só serão
esclarecidos após a utilização dos recursos tecnológicos nas imagens das câmaras televisivas.
Recursos estes não disponíveis à equipe de arbitragem e utilizados pela mídia nas
transmissões dos jogos. Aqui se faz necessário conceituar os termos: agressividade e
violência. Segundo Pereira (1975) apud Boschilia (2008) a agressividade é:
76
inata no ser vivo. Existe na face da terra antes mesmo do aparecimento do homem
no globo. Não é condição exclusiva do ser humano. O que é exclusiva do ser
humano, à vista da sua racionalidade, é a violência, não a agressão, que é própria,
biologicamente, de todo ser vivente. Assim, pois, toda a violência é agressão, mas
nem toda agressão é violência.
A agressividade é inata nos seres humanos e está associada a princípios de
sobrevivência, nos esportes a agressividade é entendida como o ímpeto de jogadores e equipes
para obter resultados satisfatórios nas disputas, portanto, dizer que um jogador é agressivo ou
que uma equipe se posta de maneira agressiva em relação ao adversário não pode ser
entendido como violência. Esta pesquisa pretende entender a violência contra árbitros e
estaremos utilizando o conceito definido por Reis (2006) “... utilização da força (física ou
não) que atende contra a lei e/ou o direito da soberania da pessoa”. Para a autora existem
diferentes tipos de violência e esta não pode ser entendida apenas como força física e
manifestada por contatos físicos. Elias e Dunning (1992) estabelecem uma tipologia da
violência que se distingue em termos de meios utilizados, intencionalidade da ação e
parâmetros sociais, uma vez que diferentes sociedades podem distinguir atitudes violentas de
maneira diferenciada. Segundo Elias e Dunning (1992):
1) Se a violência é real ou simbólica, isto é, se apresenta a forma de uma
agressão física directa ou envolve simplesmente atitudes verbais e/ou não verbais.
2) Se a violência apresenta a forma de um “jogo” ou “simulação” ou se ela é
“séria” ou “real”. Esta dimensão pode também ser aprendida através da distinção
entre violência “ritual ou não ritual”, embora se tenha que assinalar que, com a
devido respeito a Marsh e aos seus colegas54
, ritual e jogo podem possuir um
conteúdo violento.
3) Se uma arma ou armas são utilizadas ou não.
4) No caso de as armas serem utilizadas, se os atacantes chegam a estabelecer
contacto directo.
5) Se a violência é intencional ou consequência acidental de uma sequência de
ações que, no início, não tinha a intenção de ser violenta.
6) Se se a violência iniciada sem provocação ou como sendo uma resposta, em
retaliação a um acto intencionalmente violento, ou sem a intenção de o ser.
7) Se a violência é legítima no sentido de estar de acordo com as regras,
normas e valores socialmente prescritos ou se não é normativa ou ilegítima no
sentido de envolver uma infraccão dos padrões sociais aceites.
8) Se a violência toma uma forma “racional” ou “afectiva”, isto é, se é
escolhida como modo racional como um meio de assegurar a realização de um
objectivo dado, ou subordinada a “um fim em si mesmo” emocionalmente
satisfatório e agradável. Outra forma de conceptualizar esta diferença seria distinguir
entre a violência “instrumental” e “expressiva”.
54
P. Marsh, E. Rosser e R. Harré, The Rules of Disord, Londres, 1978.
77
Hoje com os avanços científicos e tecnológicos nas sociedades a internet deve ser
considerada como meio de reprodução da violência simbólica divulgando informações
fraudulentas e difamando os indivíduos, ferindo assim, os direitos institucionalizados.
Normalmente a violência com agressões físicas ocorre precedida de agressões de
violência simbólica, e a transformação das agressões simbólicas em físicas ocorre
quando o indivíduo perde o controle durante suas manifestações afetivas/simbólicas
e parte para a violência manifesta – física (REIS, 2006, p.16).
Estaremos neste trabalho apropriando-se dos conceitos de violência simbólica e
violência física por acreditarmos estes serem os tipos de violência sofridas pelos árbitros de
futebol. A violência segundo Reis (2006), não pode ser compreendida sem a relação futebol e
sociedade.
As raízes da violência relacionada ao futebol estão na sociedade brasileira. A
formação de indivíduos apáticos ou agressivos e violentos ocorre a partir de sua
sociabilidade primária, quando já podem ser percebidas tendências a manifestações
agressivas ou apáticas: ou será mais explicitada na juventude, podendo permanecer
na fase adulta. Nas relações sociais ao longo da vida, irão demonstrar as preferências
de relacionamentos, se de forma pacífica, por um lado, ou em outro extremo de
forma agressiva (REIS, 2006, p.15).
Na formação da sociedade brasileira encontramos uma sociedade patriarcal,
escravocrata e miscigenada. O índio e o negro trabalhavam para enriquecer os senhores
brancos europeus. Tinham sua cultura desintegrada pelos padres jesuítas que os julgavam
incivilizados e neste contexto de exploração e discriminação, soma-se a exploração sexual das
mulheres. Neste ambiente de segregação criavam-se as crianças. Eram tratadas como
pequenos adultos, e com uma educação rígida e formal reproduziam os valores sociais que
recebiam dos adultos. Segundo Freire (2004, p.213), “É natural que na noção de propriedade
como de outros valores, morais e materiais inclusive o da vida humana, seja ainda o Brasil um
campo de conflitos entre antagonismos os mais violentos.”
A história social brasileira no séc. XXI apresenta-se com traços de continuidade
do que foi o processo de colonização no Brasil, uma sociedade patriarcal, com valores de
masculinidade, com desequilíbrio nas relações de poder entre os gêneros e nas diferentes
78
classes sociais com estruturas econômicas, políticas e sociais contribuindo para gerar fatores
de violências. Segundo Reis (2006, p.16): ”Essa situação estrutural brasileira contribui para
uma sociedade de indivíduos frustrados, descontentes, desiludidos, que podem expressar seus
sentimentos de maneira agressiva. Isso é preocupante para o convívio social.”
Embora os autores Freire (2004) e Reis (2006) descrevam a sociedade brasileira
em diferentes períodos históricos, estes convergem que manifestações e conflitos violentos
estão relacionados aos fatores estruturais e culturais da sociedade. Estes fatores potencializam
uma agressividade que se faz presente nos confrontos esportivos, mas que deveria se manter
sob controle e não concretizar-se em violência, se temos como referência a teoria dos
processos civilizatórios. Segundo Reis (2006), "A violência é gerada socialmente e suas raízes
e soluções são complexas, assim como o é a própria relação entre futebol e violência”. A
autora atribui a violência:
1) A formação do indivíduo e o seu entorno social que interferem na construção da
identidade e da identificação coletiva.
2) A situação estrutural brasileira que não atende as necessidades da população.
3) Os indivíduos com alto grau de agressividade, que colocam a integridade do próximo
ou de bens em risco e que no Brasil se favorecem de um sistema judiciário ainda sem
credibilidade, extremamente lento nos trâmites legais.
4) A crença, estimulada pelos meios de informação, que o futebol é um poderoso meio de
ascensão social.
5) Os valores de masculinidade e valores exacerbados de virilidade, força e sobrepujança
presente na criação do futebol e nas sociedades patriarcais como a nossa.
Segundo Reis (2006), “Os fatores geradores da violência são vários e
complexos...” e embora o interesse deste estudo seja a violência dirigida a árbitros de futebol,
esta não pode ser estudada e entendida sem a compreensão da sociedade. Sendo assim, é
importante destacar o momento atual, este ano de 2015, vivido pela sociedade brasileira de
crise moral perceptível inclusive na ordem política e econômica, gerada pela falta de
credibilidade e capacidade dos políticos na gestão deste país e as inúmeras denúncias de
corrupção no governo. Na esfera esportiva, os dirigentes incorporam as mesmas atitudes e
condutas fraudulentas e corruptas dos políticos e abrem uma crise de credibilidade nas
entidades que administram e organizam o futebol brasileiro e mundial (FIFA) envolvidas em
escândalos de corrupção.
79
Outros fatores responsáveis pela violência são mencionados por Reis (2006),
porém fatores estes observados no âmbito esportivo e para nosso interesse no futebol:
1) O consumo de álcool crescente entre jovens no Brasil;
2) A falta de autocontrole de torcedores que geram uma rivalidade hostil;
3) Reportagens na mídia e comentários de jornalistas que incitam a violência entre
torcedores e contra árbitros;
4) As decisões dos árbitros;
5) As declarações de jogadores, técnicos e dirigentes.
O que pretendemos aqui destacar é o quanto a violência está intimamente ligada
às questões estruturais e culturais de uma sociedade e o quanto as manifestações agressivas e
violentas dos pais e adultos interferem na formação das crianças. Segundo Elias (2011,
p.180), os hábitos e impulsos dos pais são incorporados pelos filhos e a família “transformou-
se no órgão principal para cultivar o controle socialmente exigido dos impulsos, e do
comportamento dos jovens”. A preocupação de Elias com as crianças é corroborada por Reis
(2006) na desestruturação da instituição família no século XXI. Segundo Reis (2006, p.18),
[...] grande parte da população jovem sofre pelas condições indignas de vida, pelo
baixo nível educacional, pela desestruturação acelerada da instituição família
vivenciada nas últimas décadas do século XX. Mesmo nas famílias estruturadas do
ponto de vista econômico, há uma falência dos valores morais e éticos que faz com
que os papéis sociais do pai e mãe deixem de ser cumpridos, gerando dessa forma
uma grande parcela de adolescentes e jovens extremamente carentes, que buscam
nos clubes futebolísticos seus ídolos e sua identidade.
Os valores éticos e morais destacados pela autora transpassam a gestão do esporte
e chega a campo. Técnicos orientam seus jogadores para a violência física como estratégia
para fazer fracassar as ações dos adversários, observamos jogos com números excessivos de
faltas e que beneficiam as equipes infratoras, uma vez que as chances de gols são destruídas e
nem sempre o comportamento do jogador violento conta com uma punição severa do árbitro.
Mauro Betti em seu livro: Violência em Campo relata depoimentos de ex-jogadores
confirmando o uso da violência como estratégica técnica e credita este comportamento, de
violação as regras, a pressão que sofrem técnicos e jogadores para a vitória que vem
acompanhada de vantagens econômicas. Para Mauro Betti, 1997, p.38:
80
Já que os profissionais são fortemente pressionados para vencer, e como as suas
recompensas econômicas são determinadas pelo seu registro de vitórias, a violência
intensifica-se conforme aumenta o grau de profissionalização e a competição torna-
se mais acirrada.
É importante destacar que os valores éticos e morais ausentes nas gestões
fraudulentas e corruptas dos dirigentes esportivos e no comportamento de técnicos e
jogadores em campo contribuem para a violência dos espectadores e torcedores. Estes
profissionais são formadores de opinião e muitos deles são ídolos dos torcedores. Suas
declarações na mídia e suas atitudes e posturas em campo e fora deste podem incitar a
violência. A falta de controle emocional, o autocontrole dos atletas é comumente interpretado
pelo torcedor como se o grupo “deles” quisesse prejudicar o “nosso” grupo e para o propósito
desta pesquisa o grupo “deles” entendemos adversários e equipe de arbitragem. Com tantas
atitudes reprováveis de dirigentes, técnicos e jogadores contrárias ao que se espera em relação
aos valores morais presentes em uma sociedade civilizada, a bandeira do fair play instituída
pela FIFA nos jogos oficiais da entidade e no significado dos lançamentos das bolas
propositalmente para a lateral para que um jogador lesionado seja atendido pela comissão
médica, nos soa como insignificante e hipócrita uma vez que contradiz com os outros
comportamentos e atitudes observáveis. Segundo Boschilia (2014):
À manutenção da violência no esporte são atribuídas diversas razões, como as
elevadas cifras investidas, a necessidade de retorno para os investidores, as
exigências físicas colocadas aos atletas, a influência gerada pelos meios midiáticos e
a exacerbação dos níveis de competição (BOSCHILIA, 2014, p.167).
Ao estudarmos os dois autores, Boschilia e Betti, e nos certificarmos da data da
publicação de suas obras, percebemos que pouco avançamos para uma cultura mais civilizada
de todos os profissionais envolvidos no futebol, principalmente quando observamos o que
Elias e Dunning (1992), considerando o esporte um << confronto simulado>>>>, diziam em
relação à violência física socialmente aceita nos jogos esportivos. Para Elias e Dunning
(1992), o equilíbrio das tensões entre as equipes precisam ser controlados para que a
rivalidade amigável não se transforme em rivalidade hostil. Segundo Elias e Dunning (1992,
81
p.331): “Isto pode acontecer quando se participa demasiado a sério num desporto, talvez na
sequência de pressões sociais ou de recompensas financeiras e do prestígio envolvido”.
O prestígio envolvido nas disputas esportivas citados pelos autores não encontram
significado apenas para a fama e valorização dos jogadores e clubes, mas faz parte dos
objetivos das nações em conquistar projeção e visibilidade mundial. Estar na mídia pode
favorecer relações diplomáticas e proporcionar acordos econômicos. Hoje os problemas
relacionados ao futebol parecem estar extra campo. Em uma perspectiva de longa duração os
níveis de violência em campo, presentes nas atitudes e comportamentos dos jogadores são
menores, o esporte requer um maior autocontrole e as regras estão mais rigorosas. Segundo
Elias e Dunning (1992):
Em comparação com o passado, também aqui se encontra, como sucede no
desenvolvimento do futebol, um nível de organização, de auto-restrição e de
segurança muito mais elevado. Como e por que razão acontece este
desenvolvimento em termos de longa duração, no sentido de padrões mais
<<civilizados>> das relações humanas verificadas nas sociedades em geral, são
questões que não necessitam nos preocupar aqui. Mas foi possível descobrir algumas
das razões por que, em paralelo com uma orientação semelhante na sociedade em
geral, um jogo como o futebol se desenvolveu a partir de uma forma de dinâmica de
grupo mais violenta para outra forma menos violenta e menos incontrolada e, por
correspondência, para um tipo de padrão de jogo diferente. Esta compreensão da
dinâmica do futebol na longa duração esclarece, em grande parte, o que é a dinâmica
do jogo no curto prazo, tal como hoje se realiza (ELIAS e DUNNING, 1992, p.
287).
A dinâmica de grupo presente no futebol e a qual se referem os autores é de um
jogo que apresenta tensões controladas pelo equilíbrio das polaridades descritas anteriormente
e que exige cooperação de todos os jogadores nesta figuração. O paralelo com a sociedade se
faz porque em uma sociedade industrializada e desenvolvida estão presentes inúmeras
ligações funcionais que como em um jogo de futebol requer autocontrole e cooperação.
O que desejamos é que a função do esporte de “excitação libertadora” possa ser
encontrada nos confrontos esportivos nos quais o espetáculo e a qualidade técnica dos jogos
não sejam substituídos por vantagens ilícitas dentro e fora do campo que justifiquem a
“vitória a qualquer preço”.
Vivemos uma cultura da violência e nossas crianças são expostas a violência
doméstica, escolar (bullying), e nos programas na televisão, em forma de entretenimento ou
82
noticiários, que banalizam e espetacularizam a violência diária presente na sociedade. Embora
atualmente estas várias manifestações violentas, com diferentes raízes e causas nos leve a
acreditar que vivemos um processo de descivilização, Dunning (2011)55
, refutou as visões
exageradas. Em uma análise de longo prazo, os níveis de violência mostram que a
convivência dos homens hoje é mais pacifica e a nossa repugnância e a empatia das pessoas
com os que sofrem violência são características de um processo civilizatório.
3.2 A VIOLÊNCIA E AS MULHERES ÁRBITRAS NO BRASIl
No final da década de 1950 e início da década de 1960, Norbert Elias e John L.
Scotson realizaram um estudo em uma pequena comunidade chamada de Winston Parva56
em
Leicester na Inglaterra. O que motivou o estudo foi o nível de delinquência juvenil em uma
das zonas que compunham aquela comunidade. Durante as investigações dos fatos e buscas
pelas explicações o interesse da pesquisa se deslocou para as relações sociais entre o grupo da
Zona 2 e o grupo da Zona 3. A Zona 2, chamada de “aldeia”, havia sido formada há 80 anos.
Todos os moradores se conheciam e detinham o controle de todos os cargos de gestão na
“aldeia”. A Zona 3, chamada de “loteamento”, tinha 20 anos e os moradores não tinham uma
relação social. Em analogia a pesquisa de Elias e Scotson (1965), utilizamos o termo
“Estabelecidos” para nos referirmos aos homens no futebol e “Outsiders” para as mulheres no
futebol. Denunciamos com isto que homens e mulheres não possuem direitos iguais no mundo
esportivo como prevê a Constituição Brasileira.
Tendo como referência a dinâmica dos grupos esportivos estudados por Elias, as
duas equipes de jogadores, participantes do jogo, seriam na nossa análise os “Estabelecidos” e
os árbitros seriam os “Outsiders”, porém embora os árbitros sofram violência e é este o
propósito desta pesquisa, estudar as violências sofridas por eles, os árbitros homens tem seu
espaço garantido e reconhecido no futebol, eles são “Estabelecidos” nas leis do jogo, pois não
existe espetáculo futebolístico atualmente sem a presença de árbitro, mas as mulheres árbitras,
as “Outsiders” continuam excluídas do direito de arbitrar partidas masculinas de futebol. A
Constituição Brasileira garante a igualdade de direitos aos homens e mulheres e a todos os
cidadãos brasileiros direitos sociais como o direito ao trabalho, a saúde e ao esporte entre
55
Palestra realizada na Faculdade de Educação Física da UNICAMP, em maio de 2011. 56
Nome fictício dado pelos autores.
83
outros, porém o esporte continua sendo uma área reservada masculina. Segundo Reis (2006,
p.15),
Em sociedades como as nossas, patriarcais, caracterizadas por valores de
masculinidade e com um poder predominantemente masculino, o futebol encontrou
terra fértil para solidificar-se e dar muitos frutos, principalmente ao capital.
A identidade dos homens foi construída social e historicamente sob valores de
masculinidade como força física, trabalho e ele devia ser o provedor da família. A história dos
homens era relacionada às coisas “sérias” da vida: economia e política. A identidade das
mulheres sempre esteve associada à maternidade, a família e aos valores de feminilidade
como delicadeza, fragilidade e dependência. A história das mulheres era relacionada à família
e sexo.
O aumento da sensibilidade e do autocontrole nas atitudes e comportamento dos
indivíduos juntamente com o controle do monopólio da força física pelo Estado,
características do processo civilizatório, associado ao desenvolvimento tecnológico e
científico, com o aumento das cadeias de interdependência e a entrada das mulheres no
mercado de trabalho transformou o esporte no principal espaço de validação da
masculinidade. Segundo Dunning e Maguire (1997), ‘... o esporte se transformou no “últimos
bastiões” do poder e da superioridade masculina para combater a “feminização” da sociedade,
e distanciar-se desta feminização’.
As relações entre homens e mulheres são relações de interdependência e, portanto
pautadas em equilíbrio de poder. Com a restrição do uso da força física e o monopólio deste
direito nas mãos do Estado as mulheres sentiram-se mais seguras para buscarem e exigirem
uma relação mais igualitária entre os sexos. No esporte as mulheres atletas têm conseguido
grandes conquistas esportivas e sociais. A representatividade feminina nos diferentes esportes
e nas representações nacionais é uma realidade. As mulheres continuam a margem quando
dirigimos nosso olhar para outros fatores:
1) A diferença nos valores das premiações masculinas e femininas;
2) A visibilidade e espaço nas mídias;
3) Número de mulheres em cargos de gestão esportiva;
4) Número de mulheres em cargos de comissões técnicas;
84
5) Investimentos em espaços físicos para treinamento;
6) Investimentos em equipes femininas e salários das atletas;
7) Condições de acesso e participação das mulheres em práticas corporais e esportivas
(MOURÃO, 2012)57
;
8) Espaço para o acesso das mulheres árbitros em campeonatos masculinos e femininos.
Estes fatores comprovam a hegemonia masculina nos esportes de rendimento e as
dificuldades de acesso das mulheres nos esportes de lazer. Segundo Mourão (2012),58
as
maiores barreiras enfrentadas pelas mulheres são:
1) O domínio masculino nos esportes;
2) Estereótipos de homossexualidade;
3) Preconceito;
4) Baixa remuneração;
5) Aceitação da família;
6) Conflito da Vida Pessoal X Vida Profissional.
Todas estas dificuldades enfrentadas pelas mulheres nos remetem ao estudo das
relações de poder de Elias e Scotson (2000). A pesquisa realizada na Inglaterra e os dados
desta pesquisa (que são apresentados no capítulo 4) nos ajudam a compreender relações de
poder presentes no âmbito esportivo.
Os “Estabelecidos” de Elias e Scotson (2000), moradores de um bairro muito
antigo, desejavam preservar a identidade do grupo e o status e por esta razão estigmatizaram
os recém-chegados moradores da nova comunidade. Consideravam os “outsiders” indignos,
pessoas de menor valor e o alto grau de coesão do grupo permitia que reservassem para si os
cargos importantes das organizações locais e o monopólio das principais fontes de poder na
comunidade.
Os Outsiders de Elias e Scotson (2000), depois de algum tempo, pareciam aceitar
com uma espécie de resignação e perplexidade a ideia de terem um grupo de menor virtude e
respeitabilidade. Estes grupos por serem de novos moradores não se conheciam e, portanto,
careciam de coesão e organização grupal.
As mulheres que almejam trabalhar como árbitras são estigmatizadas como se não
tivessem capacidade técnica e física para dirigir as partidas profissionais masculinas. Os
57
Palestra na Faculdade de Educação Física da UNICAMP em 27/06/2012. 58
Idem 4.
85
dirigentes homens querem preservar a identidade do grupo, o espaço masculino e consideram
as mulheres como indignas e com menor valor. Na sociodinâmica desta estigmatização, os
dirigentes homens atribuem características ruins ao grupo de mulheres e modelam o trabalho
dos homens pela minoria dos melhores membros do grupo considerando todos os homens
melhores que todas as mulheres. A fofoca que estabelece crenças coletivas e causam
sentimentos de virtude, prazer e excitação no grupo “Estabelecido” contribui para a exclusão
profissional das árbitras e para o preconceito, a erotização dos corpos femininos e
contraditoriamente também o estereótipo de homossexual.
O que nos causa surpresa é que como em Elias e Scotson (2000) os dados da
nossa pesquisa revelam que não existem diferenças significativas de nível educacional,
nacionalidade e profissional entre os grupos de árbitros masculinos e o grupo de árbitros
feminino. As mulheres frequentam o mesmo curso de formação e se submetem as mesmas
avaliações que os homens para serem aprovadas árbitras. É importante destacarmos que toda
estigmatização não ocorre nas relações de árbitros e árbitras e sim nas relações de dirigentes
esportivos e árbitras femininas. São estes dirigentes esportivos e os responsáveis pelo
departamento de árbitros das federações nacionais e internacionais que avaliam, indicam e
escalam as mulheres para trabalhar. E é este equilíbrio estável de poder, destes dirigentes,
alguns com cargos vitalícios que possibilitam estigmatizar as mulheres com eficácia. Hoje,
podemos observar um pequeno avanço no reconhecimento e valorização do trabalho das
árbitras assistentes, bandeirinhas, mas a função de árbitra central em jogos de equipes
masculinas de jogadores profissionais ainda é um espaço a ser conquistado pelas mulheres,
este espaço é ainda exclusividade dos árbitros homens.
86
4. COM A PALAVRA: OS ÁRBITROS
4.1 OS ÁRBITROS E O FUTEBOL
Jogar futebol faz parte da cultura brasileira, mas o que é preciso para jogar
futebol? A prática requer uma pequena estrutura e isto contribui para o sucesso da modalidade
esportiva. Precisamos apenas de uma bola, mas é comum vermos crianças chutarem uma
latinha, uma garrafa pet e outros objetos que permitam o fascínio do jogo. Marcam a baliza
com chinelos, tijolos ou latinhas. Jogam na rua, campo ou quadra. Em dias de sol e nos dias
de chuva e não precisam de árbitros. Quando muito, um colega ou amigo vai contrariado para
a função já que o número de participantes é impar ou ele fica “de próximo” 59
. Esta maneira
lúdica de jogar acompanhou a infância de muitos meninos e meninas, época que podíamos
brincar na rua e que nos esquecíamos da hora de retornar para casa. Nos dias de hoje jogar na
rua é cada vez mais difícil devido ao desenvolvimento das cidades e a falta de segurança. Para
Murphy, Willian e Dunning (1994, p.6), boa parte da atração exercida pelo jogo de futebol
“decorre, sem dúvida, do reduzido equipamento necessário à sua prática, o que o coloca ao
nível dos desportos mais baratos e acessíveis”.
Na dinâmica dos grupos esportivos estudados por Elias e Dunning (1992, p.282),
“[...], a configuração dos jogadores de uma das equipas e a dos jogadores da outra equipa são
interdependentes e inseparáveis”. Entre os jogadores da mesma equipe existem relações de
cooperação, com os adversários as relações são de oposição. Nesta dinâmica de grupos o
árbitro e seus assistentes (bandeirinhas) são agentes de controle para manter o equilíbrio das
tensões entre as equipes e para que as regras sejam respeitadas e cumpridas pelos jogadores.
Como já mencionamos as primeiras regras do jogo em 1863, não existia a figura do árbitro.
As decisões e divergências entre os jogadores eram resolvidas entre os capitães das equipes. A
regra do offside necessitou de alguém presente de jogo, em local privilegiado, a quem os
capitães das equipes pudessem se reportar em caso de dúvidas, mas o desenvolvimento do
futebol e a crescente competitividade entre as equipes fizeram com as tensões e reclamações
aumentassem e o árbitro adentrou o campo podendo decidir sobre faltas, pênaltis e punições
de jogadores em 1891. Segundo Boschilia (2008, p. 98):
59
Linguagem utilizada pelos meus alunos do Ensino Fundamental para o colega que aguarda a vez de jogar.
87
A palavra referre provém do verbo to refer que significa recorrer, assim, no limite
da expressão, sua definição original refere-se a alguém a que se deve recorrer. Com
a evolução e desenvolvimento do esporte não se torna mais necessário, nos lances
dúbios, recorrer ao referee, este interfere no jogo sem ser solicitado, sendo esta sua
função no futebol atual.
Para este trabalho de pesquisa entrevistamos os três árbitros FIFA da Federação
Paulista de Futebol. A escolha por esta categoria, FIFA, foi por acreditarmos que o árbitro
quando chega a este nível cumpriu todas as fases para a sua formação e tem a qualificação
exigida no que diz respeito às questões administrativas e regulamentares para trabalhar em
todos os campeonatos organizados pela FPF, CBF e campeonatos reconhecidos pela FIFA.
Nossos entrevistados estão na faixa etária compreendida entre 36 e 41 anos de idade e são
dois homens e uma mulher. Todos são árbitros centrais, portanto não temos entre os três
nenhum assistente (bandeirinha). Procuramos entender a escolha por esta função e como
interpretam e sentem a violência que sofrem.
4.2 QUEM SÃO OS ÁRBITROS? E POR QUE ELES ESCOLHERAM ESTA
PROFISSÃO?
Para se inscrever em um curso de formação de árbitros de futebol da FPF o
candidato precisa ter no mínimo o Ensino Médio. Segundo o Regulamento Geral da
Arbitragem da FPF (2015), “Art. 29 – A prestação de serviço como árbitro de futebol na FPF
fica condicionada às seguintes condições: II – Possuir curso de 2º grau ou de nível superior”.
Os árbitros entrevistados nesta pesquisa possuem curso superior completo, dois
são formados em Educação Física e um árbitro formado em Gestão Esportiva e Lazer.
Atualmente apenas um não trabalha na área de Educação Física é comerciante. Este dado nos
mostra um fato importante, os entrevistados atingiram um nível de excelência como árbitros, e
todos possuem curso superior, não abandonaram os estudos. Dedicam se profissionalmente a
outras atividades concomitantes ao trabalho como árbitros.
88
Arnaldo Cezar Coelho foi o primeiro árbitro não europeu a apitar uma decisão da
Copa do Mundo de Futebol em 198260
, empresário bem sucedido, comentarista de futebol da
Rede Globo de Televisão e autor do livro “A Regra é Clara”, segundo Coelho (2002, p.17):
Às vezes, fico pensando: como me tornei árbitro de futebol? Alguns dizem que o
sujeito escolhe esse caminho porque não passa de um perna-de-pau e encontra na
arbitragem um jeito de participar do jogo. Mas, no meu caso, até que eu batia uma
bolinha razoável. Não sei, não sei mesmo. Será que foi destino? O prazer em correr
riscos? Certo Masoquismo? Alguma vocação? Desde garoto, sempre gostei de
liderar.
Embora seja comum ouvirmos, que um árbitro é um jogador fracassado, este
comentário não encontra sustentação nos nossos entrevistados, quando perguntados se foram
atletas disseram:
Por incrível que pareça não. A maioria dos árbitros são ex-atletas, jogaram futebol.
Mas eu não fui atleta não. [...]. Não, só na escola, na atividade física mesmo. Joguei
Handei [sic],vôlei, essas coisas, mais nada profissional, só lazer mesmo
(ENTREVISTADO 1).
Fui jogador de futebol. Joguei aí dos sete aos 20 depois continuei jogando no
amador, até 2010 jogava futebol amador. Só parei depois que minha vida na
arbitragem tomou uns rumos maiores né [sic] (ENTREVISTADO 2).
Não, joguei futebol amador até os 19 anos de idade, mas profissionalmente não
(ENTREVISTADO 3).
O que nos parece ser significativo, porém, longe de ser essencial, que bons
árbitros quando crianças e adolescentes sempre praticaram esportes. A prática esportiva seja
por lazer, escolar ou formação esportiva esteve presente, se não de maneira contínua, em
algumas fases da vida destes árbitros. E por que alguém que possui um curso superior
completo escolhe ser árbitro de futebol tendo pleno conhecimento das dificuldades que
enfrentarão? Segundo Franco Jr. (2007, p.309):
Em teoria ele é o elemento neutro em campo, na prática é alvo a priori das
desconfianças dos dois lados que disputam a partida. Ele desperta pouca simpatia. É
o ator maldito do espetáculo futebolístico. Pode arruiná-lo, e será criticado e
60
Fonte: Wikipédia.
89
ofendido, talvez agredido. Pode contribuir para o seu sucesso, porém não terá a
glória e a remuneração de seus colegas de palco.
Considerado pelo autor como: “o ator maldito” não é possível na esfera
profissional realizar este “espetáculo futebolístico” sem a presença do vilão da história.
Vejamos o que dizem dois ex- árbitros de futebol sobre a escolha pela profissão de árbitro:
Arnaldo Cezar Coelho e Carlos Eugênio Simon.
Arnaldo era jogador de futebol de areia e segundo ele, durante os jogos das
equipes sempre algum espectador se apresentava para apitar. A exceção eram as partidas
consideradas clássicos do futebol de areia nas quais havia muita rivalidade e riscos e ninguém
se oferecia para arbitrar. Segundo Coelho (2002, p.24),
[...] para apitar aquele Radar e Copaleme, um dos maiores clássicos de futebol de
areia, ninguém parecia reunir disposição e coragem para enfrentar parada tão
indigesta. De repente, sou empurrado do alto do paredão, com cerca de um metro de
altura. E fui jogado lá de cima. Ao aterrissar na areia, vejo os dois capitães vindo na
minha direção para entregar o apito. Fui abordado como uma espécie de herói,
porque, como já disse, ninguém queria apitar aquele jogo. Acabei levando o jogo até
o final, e a partir daí o pessoal dos clubes começou a telefonar para minha casa me
convidando para apitar.
Carlos Eugênio Simon, autor do livro: Na diagonal do campo, relembra que sua
carreira na arbitragem teve início quando aluno da Escola Técnica Parobé em 1984 em Porto
Alegre/ RS. Na final dos jogos da escola depois de confusão nas semifinais ninguém se
ofereceu para apitar a partida. Em uma assembleia geral um colega levantou-se e falou: “‘Por
que o Simon não apita, pelo menos ele sabe jogar futebol’. Olhei para o cara e disse
contrariado: ‘Só podes estar brincando!’. Mas como ninguém, em hipótese nenhuma, quisesse
apitar, resolvi encarar o desafio” (SIMON, 2004, p. 20).
Os autores nos apresentam duas características importantes para a profissão de árbitro: a
coragem para tomar decisões impopulares e uma característica técnica que é o conhecimento
do jogo. Mas o que dizem os árbitros entrevistados?
Eu sempre fui muito apaixonada pelo futebol e influenciada pelo meu irmão mais
novo Eraldo, porque eu sou de uma família de seis filhos, quatro mulheres e dois
homens, onde eu sou a caçula e o Eraldo é o próximo depois de mim. [...] Então
restava nóis[sic] brincar entre nóis[sic] nós mesmos, como eu e o Eraldo éramos os
mais novos ele não brincar de boneca comigo, eu que tinha que brincar de bola com
ele, de bolinha de gude, de soltar pião, então começou a paixão de futebol
influenciada por ele, que ele é muito louco por futebol. [...] Depois ele machucou o
90
joelho, parou de jogar bola e fez o curso de árbitro, então eu sempre ia ver apitando
futebol estava no meio do futebol, jogo de futebol. E eu entendia muito de futebol, e
os amigos dele todos falavam: “você precisa fazer um curso, você é uma árbitra
nata”. [...] mas já adianto que eu não queria ser árbitra central, eu queria ser árbitra
assistente, é na época eu estava casada, e o meu esposo falava assim pra mim: ‘’você
tem que ser árbitra central porque você é muito mandona, você é muito autoritária,
você tem perfil de árbitra porque você manda demais’’. De tanto ele falar eu me
convenci e fui apitar, até então eu estava só bandeirando, fui apitar e realmente me
dei muito bem apitando, tanto que cheguei no quadro internacional, então ele tinha
razão (ENTREVISTADO (1).
Na verdade o, o futebol tá no meu sangue assim né[ sic], meu pai, meu irmão mais
velho foram profissionais. Eu também joguei futebol até os 20 e, um grande amigo
meu que é da Federação Paulista e da CBF que é o [...] que fez o curso um ano
antes, na turma anterior, 2000, 2001. Ele já queria que eu fizesse com ele aquela
época, mas eu não me via muito como árbitro assim, eu não era um jogador que
dava problema pra arbitragem assim, eu era um pouco esquentado, digamos. Então
eu tinha mais problema com adversário do que com a arbitragem. Então eu não me
via muito nesse papel de arbitro e aí em 2001 ele ficou falando tanto na minha
orelha que eu, ele me convenceu. Aí eu fui fazer a prova, tipo um vestibular assim
pra entrar, aí fui eu, o irmão dele e mais dois amigos, e tinha 450 pessoas pra 50
vagas. E eu fui aprovado, só eu passei dos quatro que fomos pra lá, e aí a partir daí
eu disse, vou começar. Iniciei o curso e aí você vai pegando gosto né[sic], você
começa a trabalhar nos jogos, você começa a receber elogios né[sic], então isso aí
vai te motivando a aperfeiçoar cada vez mais e buscar novos horizontes dentro da
área (ENTREVISTADO 2).
Bem, eu comecei arbitrando jogos na faculdade, como estagiário né[sic], tinha uma
bolsa, e na época o professor Elineu colocava estagiários trabalhar em coisas e, e ele
consequentemente trabalhava de secretário de esportes da cidade, então ele nos
colocava pra trabalhar em futebol de campo, futebol de campo, voleibol, ele era
professor acadêmico de voleibol. Então na verdade eu comecei trabalhando em
varias modalidades até me afirmar na arbitragem de futebol, então foi em conta
também pela faculdade (ENTREVISTADO 3)
Ao ser questionado sobre a influência de alguém para se tornar árbitro, o
entrevistado número 3, acrescentou:
Do irmão, [...]. Até o motivo de fazer o curso da Federação foi em, com o espelho
nele, espelho no [...]. Já era árbitro da Federação e quando eu entrei no quadro da
CBF, quando eu entrei na escola da Federação Paulista, ele já estava indo pro quadro
da FIFA (ENTREVISTADO 3).
Ser árbitro de futebol parece não estar nos sonhos das crianças e dos adolescentes.
Os autores citados e os entrevistados demonstram que a escolha pela profissão não foi
planejada. A influência de amigos, professores e familiares foi o pontapé inicial para a
identificação com a função. As reações de amigos e familiares são relatadas a seguir:
Olha os amigos e a família sempre me apoiaram bastante porque sempre souberam
da minha paixão pelo futebol, sempre acompanhei meu irmão tanto jogando, quanto
apitando. Então eles sabiam que era totalmente envolvida com aquele meio, com
aquele ambiente, então eles me apoiaram muito. E minha família me apoia muito até
hoje, graças a Deus (ENTREVISTADO 1).
91
É, eu tive um pouco assim. Nós dirigíamos um, outra época, a época do meu pai,
época até do meu irmão, ele é 12 anos mais velho que eu. Então existe um certo
receio assim com, com a relação da função do árbitro né, um pouco de insegurança
em relação a sua integridade física. Mas eu tive um pouco de restrição dos meus
pais, os amigos nem tanto, é porque também sabiam que eu tava partindo pra um
lado mais profissionalizado do futebol, não ia fazer amador, esse tipo de coisa
(ENTREVISTADO 2).
Ah, já imaginavam, até pelo fato de estar, por eu trabalhar, por eu estar, fazer
faculdade de educação física e já ter um irmão na família sendo um árbitro nacional
(ENTREVISTADO 3).
O depoimento dos entrevistados 1 e 3 nos mostra que não foi nenhuma surpresa
para familiares e amigos a escolha pela profissão. Nosso entrevistado número 2 nos aponta a
preocupação do pai e do irmão sobre a segurança e a integridade física corroborando com esta
pesquisa que se propôs estudar e entender a violência contra os árbitros.
4.3 A PREPARAÇÃO E A “PROFISSIONALIZAÇÃO”
Para alcançar sucesso na carreira algumas qualidades e características são necessárias para o
árbitro. Para Simon (2004, p.33):
Um bom árbitro tem que reunir algumas qualidades. Futebol é paixão, é disputa.
Dentro e fora do campo. As circunstâncias, no gramado limitado pelas quatro linhas,
são imprevisíveis, e quem está no controle precisa saber, a cada momento, o que
deve fazer sem vacilar. São cinco, segundo penso, os traços que basicamente,
comporão o perfil do bom árbitro:
Autoridade
Personalidade
Inteligência
Tranquilidade
Organização
Este autor considera estas cinco características como básicas para o perfil de um
bom árbitro. Corroborando com o autor, mas sustentada pelos meus estudos e na experiência
de pertencer à arbitragem, embora de outra modalidade esportiva, acredito poder aqui
considerar muitas outras características importantes para a formação de um bom árbitro.
92
Segundo Gallego (2011)61
, quatro palavras mágicas acompanham o sucesso na carreira:
Trabalho, Esforços, Sacrifícios e Sorte.
A preparação de um árbitro divide-se em quatro partes que embora distintas estão
interligadas: Preparação técnica, preparação física, preparação humana e preparação
psicológica.
A preparação técnica está relacionada a todo o conhecimento das regras e da
lógica do jogo. Estudar regras, vídeos de jogos, assistir jogos de outros árbitros, participar em
cursos e palestras e ter conhecimento técnico e tático do jogo de futebol, isto inclui sistemas
defensivos e ofensivos.
A preparação física deve fazer parte da rotina de um árbitro. Avaliações físicas
são constantes e um árbitro bem preparado fisicamente terá condições de decidir as ações do
jogo de maneira tranquila, rápida e segura.
A preparação humana diz respeito a sua formação educacional e acesso a
informação e cultura. Deve estudar idiomas porque estará interagindo com pessoas de todo o
mundo.
A preparação psicológica talvez a parte mais difícil de todas as outras
mencionadas porque requer algumas características aprendidas e incorporadas desde a nossa
infância. São elas: personalidade, independência, imparcialidade e honestidade, educação,
superação, autoestima, cooperação, concentração e atenção, senso de humor, autoconfiança,
regularidade, segurança, saber trabalhar sob pressão e ter humildade.
No regulamento de árbitros da FPF constam as avaliações periódicas as quais são
submetidos todos os árbitros. Segundo o regulamento da arbitragem da FPF:
Dos Direitos e dos Deveres Art. 20 – São direitos dos árbitros:
IV – Ser promovido de acordo com as Normas de Classificação dos Árbitros;
V – Ser indicado para o Quadro Nacional de Árbitros em conformidade com as
diretrizes emanadas pela Comissão Nacional de Arbitragem da Confederação
Brasileira de Futebol;
VIII – Requerer cópia do Relatório Técnico de Avaliação dos jogos em que tenha
atuado;
X – Requerer, da Comissão de Arbitragem, as cópias dos testes escritos e físicos,
após a divulgação dos resultados.
61
Informação Oral em palestra para árbitros de Handebol em são Paulo em 2011.
93
A relação anual dos árbitros é realizada com bases nos resultados das avaliações
escritas e físicas no início da temporada e avaliações dos jogos da temporada anterior. As
exigências da FPF estão relacionadas ao que indicamos como fundamental para a preparação
dos árbitros. Quando perguntados sobre o apoio que as instituições (FPF e CBF)
disponibilizam para toda esta preparação, assim responderam os nossos entrevistados:
Olha só, hoje de uns 3, 4 anos pra cá, melhorou muito, essa relação da entidade se
preocupar com árbitro, com o ser humano. Se preocupar com a parte psicológica, a
parte física, mas eu ainda acho que tá muito, muito aquém do que podia ser, acho
que ainda tá bem atrasado, poderia fazer muito mais coisa pra reverter pro árbitro.
Porque é muita, é muita responsabilidade, é muita, é uma carga muito pesada que o
árbitro leva né. Ficar mexendo com milhões em dinheiro, que milhões de pessoas
com paixão. Então eu acho que ele deveria ter uma coisa maior aí, em relação à
parte psicológica é, na parte física, mas acho que a gente ta caminhando pra mudar
isso. Hoje no quadro da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol, nós temos uma
psicóloga que nos acompanha que a gente faz consultas mensais, passa relatório pra
ela de como a gente tá, como tá nosso treinamento, como tá nossa vida pessoal, no
geral. Na Federação Paulista também tem, não é um acompanhamento tão especifico
e os treinamentos físicos são feitos periodicamente na Federação Paulista, onde tem
um convênio próximo ali na Barra Funda, que a gente faz um treinamento técnico de
físico. Mas eu ainda acho que podia ter um investimento maior, porque eu acho que
é muita responsabilidade que o árbitro carrega pra não ter tanto investimento no
árbitro né. É tanta cobrança, tanta dificuldade, eles cobram tanto do árbitro, mas eu
acho que não tem tanto retorno, não tem tanto investimento como deveria ter
(ENTREVISTADO 1).
É a Federação Paulista, por exemplo, ela tem um aspecto técnico assim,
Campeonato Paulista, tem uma pré temporada né, ficamos uma semana
concentrados, e foca muito mais a parte técnica né, temos o acompanhamento físico,
de todas as instituições, mas é um acompanhamento assim, pequeno durante o ano,
é, mas tem o acompanhamento psicológico, é, tem o Gustavo Corte que é daqui da
Federação Paulista psicólogo e a Doutora Marta Magalhães que é da CBF. É um
trabalho que já tem um contato maior assim, durante o ano todo, é, eu tenho meus
investimentos pessoais. Tenho nutricionista, tenho um preparador físico que me
acompanha o ano todo é, espaço que eu utilizo assim, em termos de academia
também é pago pela minha conta, aqui em [...] eu consigo ter um espaço assim que
eu consiga treinar que tem uma pista de atletismo, um campo, mas e cursos assim
durante o ano todo a CBF proporciona, a FIFA, tipo em termos de uma reciclagem
né. Mas acho que o maior investimento parte do árbitro em si assim. No dia a dia eu
tenho mais contatos com meus investimentos do que das instituições
(ENTREVISTADO 2).
Hoje eu posso falar mais especificamente da Federação na qual eu sou vinculado que
é a Federação Paulista, lá quando eu fiz o curso lá, numa fase bem anterior 98, 99,
nós tínhamos um curso de alguns meses e nós tínhamos baseados, muito focados nas
regras de jogo, tivemos pouca situação de assistir um jogo, na época não tinha um
trabalho assim era uma parte muito mais teórica e os estádios era considerados
juvenis, que você ia para os jogos, e ali nos jogos você tinha aquela correção em
relação ao seu posicionamento, essa parte bem campo de jogo. Aí nesse estagio dos
árbitros que tinham mais facilidade, que já trabalhava com amador já acabava
levando um pouco mais de vantagem e ali o árbitro ia subindo de categoria, sub20,
terceira divisão, segunda divisão, até chegar na primeira divisão. Hoje, a federação
paulista tem curso de duração de dois anos que ela trabalha com varias matérias,
varias habilidades. Ela trabalha com varias matérias, dentre elas a federação tem um
profissional, um psicólogo para acompanhar os alunos que realiza o curso,
acompanha nos jogos, acompanha nas pré-temporadas, acompanha nos
94
treinamentos, então hoje é um trabalho integrado com a preparação física, a
preparação técnica e mais a presença do psicólogo nos treinamentos e essa além e
nós por morarmos no estado de São Paulo, grande como moramos, moramos cada
um em uma região do estado e, a cada dois, três meses nós temos um trabalho
conjunto de aprimoramento em São Paulo que eles vão levando 30, 40 árbitros por
trabalho, as vezes por semana, com acompanhamento desses profissionais. Mas no
caso do treinamento físico, essa equipe técnica, uma empresa contratada pela
federação nos passa através de email, todo treinamento que a gente tem que fazer
durante a semana, cada um na sua cidade, cada um no seu tempo, intercalando com
sua rotina, intercalando com seu dia a dia. E na CBF hoje também tem toda essa
estrutura de psicólogo que nos acompanha essa parte de pratica, física e a parte
técnica, também com pré temporada, e aprimoramento dentre outros atividades. No
caso da FIFA é, como acaba sendo menos jogos, é uma carga menor de partidas,
mas todas essa estrutura de todos os países, todas essas confederações são utilizados
pra aprimoramento do arbitro da FIFA e só tem mais essa estrutura mais quando são
os jogos internacionais, competições internacionais, aí tem todo esse aparato, equipe
técnica, terapeutas, psicólogos, médicos, nutricionistas, entre outros. Mas são
competições mundiais (ENTREVISTADO 3).
Os árbitros reconhecem que nos últimos anos são sensíveis as melhoras na
formação do árbitro e no seu aprimoramento, porém consideram os investimentos pequenos se
comparados as possibilidades das instituições. Valorizam poderem contar com uma
preparação psicológica durante toda a temporada. A preparação física favorece os árbitros
residentes na cidade de São Paulo onde existe uma parceria com uma empresa contratada pela
FPF, os árbitros residentes em outras cidades recebem orientação para os treinamentos por
email. O treinamento técnico é realizado em pré-temporadas. O entrevistado 02 afirma que
investe financeiramente mais que as instituições para a sua preparação. Embora haja avanços
pensamos serem os investimentos muito aquém da necessidade se considerarmos as
exigências da profissão. Entendemos que toda a preparação se resume a uma consultoria para
treinamentos, o árbitro fica responsável por cumprir planilhas de orientação. Investir e
assessorar árbitros em todo o estado é uma tarefa difícil, mas acreditamos que ampliar as
oportunidades e possibilidades para estudos e treinamentos não seria árduo para os cofres das
federações. O trabalho deve ser contínuo.
A trajetória de um árbitro pode ser resumida em: curso de formação na Escola de
Árbitros da Federação Paulista de Futebol, início do trabalho em categorias de base e
feminino, frequentes avaliações e mudanças de categoria até pertencer ao quadro de árbitros
da FIFA.
As avaliações práticas não podem ser tratadas como mero detalhe de todo o
processo de avaliação. Para ser um bom árbitro é necessário transferir os conhecimentos para
o campo de jogo. Dirigir partidas e mediar conflitos. Os avaliadores são ex-árbitros que hoje
trabalham na formação. Avaliados a cada jogo os árbitros recebem uma pontuação que é
95
registrada em seu prontuário. Porém apitar jogos e ter possibilidades de desafios implica em
ser escalado e ser sorteado. O que dizem os árbitros a respeito das escalas e dos sorteios:
O sorteio de escala é um tema bem, bem delicado que as nossas entidades de classe
vêm lutando bastante pra tentar tirar isso do estatuto do torcedor porque tá no
estatuto do torcedor. Então tem que ser respeitado, mas é uma coisa que ninguém
concorda, acho que nem os dirigentes da arbitragem, da federação, da CBF concorda
porque fica difícil até pra eles também pra fazer essa escala, esse sorteio. Eu também
acho que eles preferiam que não tivesse, mas como a gente tem que seguir a
constituição que tá lá na, no estatuto do torcedor, que tem sorteio, então respeita o
sorteio. Mas eu acho que prejudica um pouco a carreira do árbitro porque como um
Campeonato Paulista um árbitro internacional, apitou 4 jogos porque ele não era
sorteado, sendo que se fosse por escala, com certeza ele teria um número maior de
jogos porque um jogo importante, sabia que ele era a pessoa certa pra apitar aquele
jogo, podia ter apitado aquele jogo seria muito mais fácil pra comissão de
arbitragem escalar ele e até pra comissão de arbitragem fica difícil. Porque às vezes
tem um jogo que precisa daquele árbitro, só que você tem que colocar no globo
quatro árbitros, e às vezes cai um que você queria que não caísse, mas tem que tá lá
no globo, então o sorteio eu acho que não ajuda em nada a arbitragem, nem estadual,
nem Brasileira. E as escalas seguem esse critério, então na verdade tipo assim, o
árbitro é escalado se ele for sorteado (ENTREVISTADO 1).
Eu acho que é péssimo pra todos, não é bom pra ninguém assim, é bom pro Estatuto
do Torcedor que foi quem criou isso, mas é ruim pro árbitro, porque as vezes tem
um determinado jogo que até a comissão quer escalar o determinado árbitro, mas
não consegue porque tem que fazer o sorteio é... É ruim pras equipes, que às vezes
um árbitro que seria ideal pra determinada partida de clima hostil, ou assim, coloca
um árbitro inexperiente que ta lá prejudicando ainda mais o espetáculo, e é muito
ruim assim, a gente espera que nessa MP meio 71 aí também ta embutido pra acabar
com o sorteio né[sic] (ENTREVISTADO 2).
Sim, quando criou o Estatuto do Torcedor foi uma das exigências das pessoas que
fizeram a lei de que houvesse sorteio porque eles achavam que as comissões não
eram bem claras, as escalas de árbitros, porque esse jogo não o outro árbitro, então
uma das coisas que eles fizeram foi instituído nosso país o sorteio de arbitragem, pra
se te ruma ideia eu acho que na America do Sul, acho que só dois países, Brasil e
Uruguai tem sorteio, os outros países todos são escalas, porque o sorteio teve mais
pratica pras pessoas, pras pessoas que imaginavam que teria problemas na
arbitragem pode ser que tenha sido uma forma de, de... Mas pra você lançar um
árbitro jovem não é fácil você colocar ele num sorteio, como é feito em São Paulo.
Em São Paulo você coloca 20, o numero depende, 20, 30 chegamos a ter sorteios
com 35 árbitros para 10 jogos. Pode ser que você tenha um jogo clássico que não
seja um jogo que determinado árbitro no momento, por um árbitro em inicio de
carreira, você que fica no meio de arbitragem sabe disso, que se faz as vezes em
anos, e você acaba perdendo um árbitro em uma partida, então um problema da
arbitragem que querem estreiar novos árbitros é a questão do sorteio, pra nós que
estamos diretamente com isso. Se você faz um sorteio não direcionado, não dirigido,
hoje na CBF a gente tem um exemplo que cada jogo, cerca de 2, 3 árbitro por
sorteio, então você pode direcionar também por determinados jogos na primeira
divisão de árbitros, com 20 árbitros por sorteio corre-se o risco do arbitro não estar
preparado para determinada partida que ele ta sendo indicado, muita das vezes ele é
muito jovem, e as vezes ele ta envolvido no meio desses árbitros especiais, mas as
vezes pode não ser um jogo determinado pra ele, pode ser um jogo de televisão, ele
não esteje tão preparado pra aquele jogo, então eu, [...] tenho minha opinião de que
esse sorteio de todos os árbitros acaba sendo prejudicial pra lançamento de novos
árbitros, essa é a opinião própria pra mim (ENTREVISTADO 3).
96
O sorteio é contestado por todos os entrevistados. As reclamações baseia-se que
um árbitro pode ficar rodadas sem trabalhar enquanto outros são sorteados muitas vezes, o
que acaba interferindo nas avaliações e mudanças de categoria. Defendem que a escolha de
um árbitro para um determinado jogo deva ser por nível técnico e pelo perfil do árbitro como
ser mais punitivo, mais tranquilo, enfim que estilo se adapta melhor as exigências da partida.
Segundo o Estatuto do Torcedor, capítulo VIII, Art. 32,“ É direito do torcedor que os árbitros
de cada partida sejam escolhidos mediante sorteio, dentre aqueles previamente selecionados”.
Embora a FPF e a CBF tenham estabelecido um ranking de árbitros
fundamentado em avaliações periódicas existem critérios subjetivos que fazem parte destas
avaliações. Segundo nossos entrevistados:
Então na CBF alguns árbitros, que eu não sei qual é, qual tipo de que forma é feito a
escolha, ao contrário, eles passam a ser aspirantes. Árbitro aspirante a FIFA, árbitro
central aspirante a FIFA, que deve ser também pelo desempenho nos jogos, no teste
físico, na prova teórica, que a gente também tem prova teórica. Teste físico na CBF,
e os jogos, também os jogos, creio eu que seja pelo desempenho, os melhores são
indicados a ser aspirante (ENTREVISTADO 1).
A federação paulista ela indica dos quadros, do quadro estadual, ela indica os
árbitros pro quadro nacional, aí a CBF pega os árbitros do quadro nacional que
indica pra CONMEBOL e FIFA (ENTREVISTADO 2).
Sim, hoje a federação paulista colocou os árbitros especiais que eles acabam não
abrindo mão das pessoas que são ranqueados, existe sim uma numeração nesse
ranking especiais. Existe sim, não, nós temos o conhecimento. Temos o
conhecimento dessa posição do ranking (ENTREVISTADO 3).
Entendendo todo o processo da FPF, ao finalizar o curso de formação de árbitros,
o recém-formado passará por cinco categorias até ser indicado ao quadro de árbitros da CBF,
pertencendo ao quadro da CBF será indicado a árbitro aspirante e em seguida árbitro FIFA. O
que não parece ser transparente, mesmo para os árbitros são as indicações, uma vez que
pertencendo a um seleto grupo de aspirantes, quem será o próximo indicado ao quadro da
FIFA?
Em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo” o árbitro Guilherme Ceretta de
Lima, pertencente ao quadro da CBF há dez anos, justifica a sua decisão de desistir de
pertencer ao quadro de aspirantes à FIFA. Segundo Ceretta62
A falta de critério fez com que eu resolvesse que aquilo não era mais para mim.
Existe uma política que faz com que precise mais que capacidade para ganhar
espaço e as pessoas que comandam a arbitragem hoje não são preparadas. Eles não
62
Entrevista fornecida aos jornalistas Almir Leite e Daniel Batista do jornal “O Estado de S.Paulo, São Paulo. 25
out. 2015, Caderno de Esportes, p.4.
97
foram grandes árbitros e não tem conhecimento para estarem lá. [...] Abrimos
demais o leque da arbitragem. Na necessidade de fazer política com todos
presidentes de federações, temos árbitros no Brasileiro que apitam jogos de
Estaduais com pouca expressão e quando chegam em jogos grandes, se assustam.
Vejo árbitros no Paulistão, que não estão na CBF, melhores do que alguns que estão.
Eu e um outro árbitro erramos na mesma rodada. Ele voltou duas rodadas depois e
eu ficava dez fora. Esses dois pesos e duas medidas incomodam.
Segundo Boschilia (2008), “Politicagem, ‘apadrinhamento’, troca de favores e um
estreito relacionamento com dirigentes acabam sendo considerados, pelos próprios árbitros,
como fatores importantes na escolha para testes e escalas [...].” As “palavras mágicas” para o
sucesso, como afirmou Gallego (2011), trabalho, esforços, sacrifícios e sorte parecem não
depender apenas da dedicação e comprometimento do árbitro.
As escalas, sorteios e ranking nos direcionam para outro tema importante, a
profissionalização. Nossos entrevistados possuem curso superior e trabalham em outra
atividade concomitante, porém como respondem as seguintes perguntas: A arbitragem
equivale a que porcentagem do seu tempo de trabalho? E a arbitragem equivale a que
porcentagem da sua renda salarial?
Olha eu posso te falar que a arbitragem equivale a 90% do meu tempo de trabalho.
Porque eu me dedico exclusivamente na arbitragem. Eu treino por causa da
arbitragem, eu trabalho com isso, mesmo quando eu não estou atuando no campo do
jogo, eu estou fazendo palestra, dando curso de árbitro, então na verdade a
arbitragem é minha principal atividade hoje, a minha única atividade hoje, eu vivo
pra arbitragem e da arbitragem. [...] 100% (ENTREVISTADO 1)
Ahhhh, eu acho que 90%.
Financeiros? Eu acho que 60% (ENTREVISTADO 2).
Uns 60%, 70% meio que corresponde a arbitragem aí.
75% ( ENTREVISTADO 3)
Com tantas exigências para exercer a função de árbitro como treinamentos e
disponibilidade para viagens estaduais, nacionais e internacionais nos parece compreensivo
que somente alcançarão um nível de excelência na arbitragem os candidatos que se dedicarem
integralmente a função. A escolha por trabalhos autônomos ou com flexibilidades de horários
facilitam o cumprimento de escalas e convocações, o que pensam da profissionalização?
É uma coisa que todo mundo espera né, que é um sonho nosso você poder se
dedicar. Hoje eu me dedico assim integralmente a isso, mas é, eu sei que se eu
cometo um equivoco muito grande a gente praticamente fica fora de escala assim,
reflete totalmente no meu rendimento mensal assim né, quantos mais jogos eu faço,
mais eu ganho, porque eu ganho por jogo. E se profissionalizar, pelo menos nós
temos o fixo né[sic], o fixo, aí você consegue se dedicar mais, consegue prevenir
98
lesões. Por exemplo, semana passada eu tive uma lesão fiquei dois meses parado
(ENTREVISTADO 2).
Nós acreditamos, eu acredito, eu ainda sempre colocava né, tenho essa esperança de
ver o árbitro profissional assim como outras aéreas do futebol, que hoje a gente pode
dizer que um dos poucos que não é profissional no futebol que envolve milhões,
bilhões, envolve bilhões, é o árbitro de futebol, e é um dos mais cobrados, quase
toda a responsabilidade transferência de responsabilidade que acaba passando pela
arbitragem, se a gente parar pra pensar, vários profissionais de arbitragem, que tem
seu emprego federal né, seja lá de qualquer área, hoje os maiores exemplos que nós
temos na arbitragem é os professores. São árbitros que trabalham na sua atividade na
parte da manha, principalmente em estados estaduais, ele trabalha de manha dando
aula, na parte da tarde ele se prepara e vai fazer um clássico 22h da noite num jogo
de televisão aberto pro Brasil inteiro. Ou exemplo maior, nós temos vários bancários
que trabalham na boca do caixa de um banco até as 16h, e as 22h estão
intermediando um clássico seja lá de qual jogo, numa rede aberta de televisão e
além, faz esse jogo as 22, termina meia noite, chega em casa 3, 4 horas da manha no
dia seguinte retorna pra essa jornada de trabalho, pelo ritmo que esta o futebol, os
árbitros corriam 2, 3, 4 km na década de 80. Hoje estão correndo na media de 11 a
13 por partida se a gente for analisar fisicamente, do primeiro momento,
fisicamente, se nós dois não formos profissionais atletas dificilmente é, a gente vai
conseguir acompanhar essa evolução do futebol tão profissional, com um
departamento de futebol tão profissionais que são hoje, se não houver uma melhora
em relação ao uma semi profissionalização ou uma profissionalização de fato o
árbitro poder viver realmente da arbitragem pra poder se manter, pra poder se
preparar, descanso pós jogos, nós teremos, a cada ano que passar nós teremos
dificuldades maiores pra lidar com o futebol ( ENTREVISTADO 3).
Quando perguntamos quem se responsabilizaria pelo salário fixo, como seria o
rendimento e o que está sendo proposto eles responderam:
É, teria que ser as Federações né[sic], mas a verdade que hoje nós somos pagos
pelos Clubes mandantes né[sic], um valor que é tirado da renda, tem que ter uns
investimentos não sei o que faria, da onde sairia mais eu acho que árbitro
conseguiria se dedicar mais aí prevenir lesão, às vezes não ir pra um jogo porque ele
ta machucado, se você ta com uma lesão já você vai pro jogo, taca um remédio, o
desgaste é muito grande, não é um esporte assim que as vezes que nem você falou
do Handebol, eu não sei qual é o desgaste físico do Handball, do Basquete, do Vôlei,
por exemplo, não tem um desgaste físico quanto o nosso né[sic], às vezes ate
consegue camuflar uma lesão e tal. Não por muito tempo, uma hora seu corpo não
aguenta, que nem aconteceu comigo ano passado, eu fiquei 3 meses fazendo jogo
com dor, sabia que era um ano importante pra mim, que eu tava um passo de entrar
na FIFA então não queria ficar longe ate meu corpo não aguentar mais, uma fissura
aí tive que parar, porque não conseguia nem andar né[sic]. Mas eu acho que a
profissionalização assim, ela vem pra ajudar nesse aspecto do árbitro, o árbitro
trabalhar assim como, como um profissional mesmo, não como um autor ou
prestador de serviço, você ta machucado, ta fora, vai outro no seu lugar, você fica
sem um centavo ( ENTREVISTADO 2).
Exato, são questões né[sic], acho que são um dos motivos que a presidente já, já
regulamentou a profissão. Ou melhor, ela já, já sancionou a profissão da arbitragem
agora falta a regulamentação. Então esses são, essas são uma das questões que a
própria a ANAF a profissionalização de árbitros, o sindicatos de todos os estados,
nós de São Paulo ainda busca essa proposta, qual seria melhor? Será que alguém que
já tivesse seu emprego federal com toda sua renda Abriria a mão pra ser árbitro de
futebol? Seria que haveria profissionalização só dos árbitros da FIFA, como é da
argentina. Então ainda são questões que ainda não regulamentou também por conta
99
disso, você trabalharia dois, três anos como árbitro e depois voltaria pro mercado de
trabalho normalmente, como empresa? A gente fala que o futebol no nosso pais
envolve tanta paixão, qual empresário, também um diretor, ou algo de um
profissional ia querer em seu quadro de funcionários um ex árbitro de futebol.
Então ainda são questões, ate nós mesmo sabemos dessa dificuldade mas esperamos
um meio que pessoas para que ate futuramente os próximos árbitros não sofram
tanto com essa dificuldade de você ter que dividir seu tempo, seu período ser arbitro
de futebol e ser profissional de qualquer outra área ai do mercado de trabalho
(ENTREVISTADO 3).
A profissão de árbitro de futebol foi reconhecida e regulamentada por lei em 11 de
Outubro de 2013, deste então estudam se propostas para que a profissionalização de fato
aconteça. Os árbitros continuam sem vínculo empregatício e benefícios trabalhistas. Haveria
interesse das federações em assumir este ônus? O árbitro que pertence ao quadro da FIFA
geralmente é bem escalado. E os árbitros das outras categorias que possuem rendimentos
maiores na sua profissão aceitariam ter vínculos empregatícios com entidades esportivas?
Estas são apenas algumas dúvidas presentes nas discussões para a construção de um modelo
de profissionalização para os árbitros brasileiros. As maiores preocupações demonstradas
pelos entrevistados atualmente são: a incerteza de que serão escalados semanalmente e as
lesões, períodos em que deixam de trabalhar, assumem gastos com tratamento médico e não
tem rendimentos. Segundo Paulo Calçade63
, “Não é justo que o destino de uma partida esteja
nas mãos e no sopro de um apito amador. [...] Apitar um jogo de futebol não pode ser um
bico.” Nesta reportagem, o jornalista cobrava da CBF a responsabilidade sobre a
profissionalização da categoria e comentava os protestos dos árbitros que discordavam do
veto da presidente da república, de artigo na Medida Provisória número 671 do Futebol, que
destinaria 0,5% do dinheiro da venda de direitos de televisão para os árbitros. Os árbitros,
hoje, não recebem direito de imagem. A Associação Nacional de Árbitros de Futebol (ANAF)
exige que o direito de imagem dos árbitros seja pago como são pagos os direitos de imagem
dos jogadores.
Todos os anos a imprensa divulga alguns detalhes sobre os contratos milionários
dos jogadores e técnicos de futebol. Valor pago na transferência de jogadores de equipes,
renovações de contratos e patrocínios, cota de televisão entre outros acordos financeiros.
Vejamos o que pensam os árbitros entrevistados sobre as taxas pagas para a equipe de
arbitragem.
63
Reportagem Hora de arrumar a casa, no jornal “O Estado de S. Paulo”, São Paulo. 17 ago 2015, Caderno de
Esportes, p.4.
100
Pensando no mundo do futebol eu acho que os valores pagos são absolutamente
baixo, o dinheiro que envolve o futebol, nessas novas arenas aí que as torcidas estão
acompanhando suas equipes, onde a renda passa de milhões, onde um árbitro de
futebol receber 3 mil reais é dinheiro de pinga pra eles no caso da renda que teve no
jogo, mas se você pensa na situação sócio econômica do país, se você pensar o cara
em 90 minutos ganha 3 mil reais daí é muito, que as vezes tem um pai de família
que trabalha o mês inteiro e não ganha metade disso. Mas falando no futebol,
primeiro que envolve o futebol, acho que é pouco o cache que eles pagam ao árbitro
de futebol pela responsabilidade que ele carrega, porque é muita, é muita pressão
que o árbitro carrega, é muita responsabilidade, de não poder errar, óbvio que vamos
errar sempre, nós somos seres humanos. Mas a responsabilidade é muito grande pra,
pra o dinheiro que a gente recebe, grandes rendas de jogadores, os valores
exorbitantes que recebem, os treinadores. E o principal pessoa que tem que ter que
realizar o jogo, porque sem o árbitro de futebol, apesar da gente ser odiado, mas sem
árbitro de futebol, não tem jogo (ENTREVISTADO 1).
Ah, eu acho assim, se analisar com o trabalho aí, fora do futebol, é um bom salário,
porem, no meio nosso tudo que gera assim futebol, então tem uma ideia pelos os que
os outros ganham né, os outros profissionais ganham e a arbitragem é uma, é
transmitida muita responsabilidade pro árbitro, então eu acho que tinha que ter uma
remuneração pouco melhor aí. Eu acredito assim, que aprovando esse 0,5% vai dar
uma boa melhorada né[sic] (ENTREVISTADO 2).
Eu falo assim, se a gente for levar em consideração o que se paga num país um
salário mínimo, o que se ganha varias profissões do nosso país, o árbitro se a gente
levar por esse, por essa comparação o árbitro é bem remunerado. Mas pela
responsabilidade em volta de uma partida de futebol, uma decisão de campeonato,
decisão de vaga, o investimento que é feito em equipes em milhões que são
investidos nas equipes, nós podemos dizer que o arbitro não ganha nada em relação
ao jogo de futebol. O tamanho de uma responsabilidade uma final de Copa do
Brasil, um Campeonato Nacional que vai dar uma vaga internacional, uma vaga pra
Libertadores possivelmente um Mundial de Clubes, toda visibilidade que envolve
uma partida de futebol a pressão, a televisão, grandes as equipes que ganham em
relação a direitos de televisão o árbitro não ganha pra apitar um futebol, eu posso
dizer que nós somos muito mais apaixonados do que bem remunerados para
trabalhar numa partida de futebol. Então é uma remuneração boa em relação ao
nosso país e, em relação a minha cidade, sim, mas em relação ao meio ao qual eu
estou envolvido eu não ganho, não sou bem remunerado pelo tamanho da
responsabilidade que são passados para nós nesse tempo ali de 90 minutos,
intermediando esses 90 minutos. Um exemplo, que eu fiz uma final de Copa do
Brasil envolvendo duas equipes de um mesmo estado, pela primeira vez elas
disputavam essa final de Copa do Brasil nós tivemos, um exemplo básico, nós
tivemos um valor de seis milhões e o árbitro, no caso eu que tava resolvendo aquela
partida, não tinha nem verba 000,01% daquela, pra ta sendo responsabilizado por
apitar aquela final de jogo (ENTREVISTADO 3).
A palavra responsabilidade aparece na fala de todos os árbitros entrevistados. Eles
consideram a arbitragem uma profissão de muita responsabilidade e sendo assim, os valores
das taxas são insignificantes quando comparados as cifras que envolvem o futebol. São
coerentes e sensíveis quando comparam os valores que recebem ao salário mínimo pago aos
trabalhadores brasileiros. O entrevistado número 01 deixa claro que um árbitro central FIFA
recebe três mil reais para dirigir uma partida de um campeonato profissional. Você que lê esta
dissertação e sabe que o futebol tem duas rodadas semanais provavelmente esteja fazendo
contas para saber aproximadamente qual seria o rendimento de um árbitro. Não vamos nos
101
iludir. A situação dos apaixonados pela arbitragem no Brasil é a mesma encontrada pelos
jogadores e técnicos de futebol. Estamos aqui nos reportando a uma classe que com talento e
muito trabalho alcançaram a maior qualificação que um árbitro pode receber: são árbitros
FIFA. Atualmente na CBF este quadro é composto por dez árbitros, sim, são dez árbitros
FIFA em todo o Brasil. Embora não possamos afirmar sobre a realidade dos árbitros FIFA
que são representantes das outras federações nacionais acreditamos que estes árbitros
consigam uma relativa estabilidade financeira por serem um pequeno grupo (FIFA), pelo
número de campeonatos realizados no Brasil e por serem estes árbitros os representantes da
arbitragem brasileira em campeonatos internacionais.
4.4 A “TECNOLOGIA E A ARBITRAGEM
A discussão sobre o uso da tecnologia na arbitragem é um assunto frequente e
divergente em todas as esferas do futebol. Os avanços tecnológicos presentes em todas as
áreas do conhecimento chegam de maneira discreta nos gramados esportivos e encontram um
espaço de equilíbrio entre adeptos e opositores. Os adeptos atribuem à seriedade do futebol,
quando este é tratado exclusivamente como produto, movimentando bilhões de investimentos
que são comprometidos por erros dos árbitros. Consideram também as emoções dos
torcedores que veem o time ser prejudicado por lances questionáveis e por isso,
responsabilizam a IFAB e a FIFA por atrasar as mudanças necessárias as regras que viabilize
a tecnologia como um suporte as decisões dos árbitros. Os opositores alegam que o fascínio
do futebol também se sustenta nas discussões dos torcedores após as rodadas dos jogos. São
os erros e as dúvidas sobre as jogadas que preenchem a programação esportiva das diferentes
emissoras de televisão e faz com que a curiosidade do torcedor aumente a audiência.
Defendem que as brincadeiras e gozações dos torcedores precisam ser saudáveis e fazem parte
da essência e da magia do futebol. O que pensam os árbitros entrevistados sobre o uso da
tecnologia na arbitragem de futebol:
Depende que tipo de tecnologia, hahaha. Se for a tecnologia que vai beneficiar o
árbitro eu sou. No caso de rádio comunicadora que as equipes de arbitragem usam o
sistema de detectar o gol, que eles têm um relógio se a bola entrou totalmente ou
não, chega um sinal sonoro no braço do árbitro e ele pode validar o gol ou não, esse
tipo de tecnologia é hiper, super, válido (ENTREVISTADO 1).
102
Sou a favor em alguns aspectos, hoje já temos a bandeira eletrônica que nos auxilia
né, o rádio auxiliador que fica praticamente o tempo todo ligado em outros
participantes. Porém, assim, eu sou a favor assim, chip na bola, entrou ou não
entrou, a bola porque, o impedimento pode até ser utilizado, também ou é 8 ou é
80, mas alguns lances são interpretativos, e as vezes você pega uma imagem, você
coloca nos programas esportivos ali, três acham que foi pênalti, quatro acham que
não foram, então o que não foi, você corre risco de parar o lance pra ver na TV e
tirar uma conclusão, então em alguns aspectos sim, em outros que são interpretativos
não (ENTREVISTADO 2).
Eu sou favorável sim a tecnologia mas essa que foi utilizada para a Copa do
Mundo, gol e não gol. É muito triste, é muito complicado principalmente pra nós
árbitros você terminar uma partida, você saber que aquele resultado final não foi
legitimado por conta de uma decisão. A bola entrar, você não vê, e você não dar um
gol, então uma partida que poderia ter terminado um a zero, termina zero a zero, ou
você dar o gol numa bola que não entrou. Para mim essas duas situações deveriam
sim, como foi feito na Copa do Mundo ter a utilização da tecnologia, gol, não gol.
Mas agora a gente não é pra colocar a tecnologia em todas as decisões, o futebol que
já tem aí uma duração de duas, quase duas horas, passaríamos pra duas horas e meia,
três horas, eu acho que isso ficaria mais complicado. Eu não sou favorável em todas
as situações, em todas as decisões. Mas essa de gol e não gol, aí sim na maioria das
vezes o resultado pode não ser legitimado, por causa de uma decisão que eu tomei
durante a partida ( ENTREVISTADO 3).
Os nossos entrevistados defendem o uso da tecnologia, porém com resalvas.
Concordam que toda a tecnologia que for utilizada em benefício da equipe de arbitragem deva
sim ser aprovada e incorporada às regras, porém ampliam as dúvidas quanto ao uso da
tecnologia. O recurso do chip na bola utilizado na Copa do Mundo 2014 foi citado pelos três
árbitros como positivo e necessário, mas esta tecnologia não se faz presente em todos os jogos
de futebol. Acreditamos que uma das dificuldades de implantação da tecnologia sejam as
questões financeiras, pois como proporcionar, a todos os jogos de futebol, as mesmas
condições de realização em relação às regras? Seria correto introduzir e regulamentar recursos
apenas em eventos com grandes investimentos e privar os torcedores dos campeonatos locais
das mesmas tecnologias? Pensamos que se a IFAB não puder incorporar estas mudanças as
regras, a razão maior da institucionalização do esporte, sem condições de proporcionar estes
recursos a todos os jogos, as questões ainda serão amplamente discutidas e acreditamos que
no momento, as decisões passam por regulamentos diferenciados para diferentes federações e
campeonatos de futebol.
Embora os árbitros concordem que a tecnologia ajudaria a legitimar o resultado
nos deixam transparecer muitas dúvidas de como e em quais situações estes recursos seriam
utilizados. As dúvidas que rondam a categoria sobre as mudanças são muitas e caso ocorram
mudanças não serão em um futuro breve. A preocupação com a dinâmica do jogo de futebol
verbalizada pelos três entrevistados que afirmam que mesmo com estes recursos existirão
polêmicas sobre as decisões dos árbitros.
103
Eu basicamente sou apaixonada por futebol, que sou uma amante do futebol, que
sou eu não concordo. Porque eu acho que ia acabar aquela cultura de, no outro dia
chegar e comentar com o amigo, aquela brincadeira no trabalho, na família de: ‘’ah
seu time perdeu, seu time ganhou e coisa e tal ’’. Eu que a, o futebol ele é muito
dinâmico por isso que até hoje num, num entrou esse tipo de recurso pra, no tênis
pode fazer se foi dentro ou foi fora, no vôlei dá pra ver, mas o futebol é muito
dinâmico. Já pensou? São 90 minutos, às vezes quando para pra um atendimento,
pra um, pra uma substituição, pra qualquer coisa parecida o árbitro já dá um monte
de acréscimo e já foi pouco, imagina se você parar pra decidir: ‘’perai, vamo[sic}
olha no monitor se foi, não foi’’. Isso você vai perdendo no mínimo um minuto e
meio, um minuto, sei lá, pra poder, volta, vê, volta de novo. Então eu acho que
acaba com a dinâmica do futebol, ia perder a graça, o jogo não ia ter mais 90
minutos, ia ter 1 hora e 20, porque quantas decisões são contestadas de futebol
várias durante os 90 minutos são contestadas, se toda decisão foi contestar vamo
para e vamo[sic] olha o monitor, pra mim ia perder a graça. Como amante de
futebol, como árbitra de futebol, eu acho que não seria interessante não, então eu não
sou a favor não (ENTREVISTADO 1).
É só que esses jogos vão ser utilizados que recurso, jogos de Copa do Mundo, jogos
de competições maiores assim, porque não tem condição de você fazer isso no
estadual, por exemplo, não tem recurso e acho que é um custo alto porque tem que
ter câmera, tem que ter muitas câmeras. Porque duas câmeras no estádio às vezes
podem acontecer um lance que eu vi no vôlei o lance, que o jogador deu um
peixinho assim colocou a mão pra bola bater que nenhuma câmera pegou a pedido
da FIVb acho que tinha lá 12 câmeras, no ginásio, e as únicas câmeras que tinham
que conseguiriam visualizar o lance tinham jogadores na frente, então tinha
jogadores e não viram o lance. Então o futebol tem que ter, tem que ter muitas
câmeras e eu acho também que perde a dinâmica do jogo né[sic], até pelo campo ser
maior[...] (ENTREVISTADO 2).
Na polemica e no desafio, o medo é que o futebol chegue nesse desafio que toda
decisão que você tomar no jogo alguém que vê o direito de parar aquele jogo, voltar
a essa decisão. Mas agora em que for em benefício da arbitragem, do trio de
arbitragem propriamente dito, essas situações que eu falei de gol e não gol, e essa
daí complementando depois de penais, principalmente de pênalti aí sim sou
favorável. Agora desafios para o jogo, essa decisão que você tomou não, retorna
com bola no chão, aí o futebol começa perde um pouco a graça (ENTREVISTADO
3).
A CBF busca autorização da IFAB (Internacional Football Association Board),
órgão que regulamenta as regras do futebol, para que possa testar o árbitro de vídeo. Segundo
Dolzan64
,
Pela proposta, será criado o cargo de árbitro de vídeo, que acompanhará os lances
pela TV. Com o recurso do replay, ele poderá acionar o árbitro de jogo, por meio do
ponto eletrônico para informar erros de marcação. Segundo a CBF, o árbitro de
vídeo ‘terá a atribuição de corrigir erros técnicos ou disciplinares claros e
indiscutíveis que possam alterar diretamente o resultado ou o desenvolvimento das
partidas’.
Na reportagem são citados os lances que teriam a interferência imediata do árbitro
de vídeo:
64
Reportagem de Marcio Dolzan, “CBF tenta emplacar árbitro de vídeo”, no jornal: O Estado de S. Paulo, São
Paulo. 12 set. 2015,Caderno de Esportes,.p. 21.
104
a) Dúvida se a bola entrou ou não no gol;
b) Saídas da bola pela linha de fundo, quando na mesma jogada for marcado gol
ou pênalti;
c) Definição do local de tiros livres diretos, ocorridos nos limites da grande
área, para definir se houve ou não pênalti;
d) Gols e pênaltis marcados em razão de erro em lances de falta discutíveis, não
vistas ou marcadas de modo claramente equivocado;
e) Impedimentos, caso na mesma jogada haja gol ou pênalti;
f) Jogo brusco grave ou agressão física indiscutíveis não vistos ou mal
decididos pela arbitragem.
Nestes lances que podem decidir uma partida de futebol, o árbitro conta hoje com
a ajuda dos assistentes e do quarto árbitro que trabalhando nas laterais do campo possuem um
ângulo de visão diferente do árbitro central. O uso da tecnologia ajudaria nas decisões, mas
não podemos esperar que o uso das imagens resolva todo o problema da polêmica das
interpretações das jogadas. Para a CBF que encaminha as propostas à IFAB utilizando-se do
termo lances indiscutíveis, vejamos o que diz o jornalista Antero Greco comentando uma
jogada no jogo Corinthians e Avaí do Campeonato Brasileiro de 201565
: “Lance que precisou
ser passado, reprisado, analisado com tira-teima para se chegar a alguma conclusão – e ainda
assim contraditória”.
4.5 A IMPORTÂNCIA SOCIAL DO ÁRBITRO DE FUTEBOL
Poderia ser atribuída ao árbitro de futebol alguma função social?
O futebol como qualquer outra atividade mimética tem encontrado a cada dia mais
significado na vida de muitas pessoas. O aumento das tensões geradas pela vida em
sociedade, no quadro atual intensificado pela falta de credibilidade nos dirigentes e nas
instituições deste país, devido as constantes denúncias de corrupção que parecem ser apenas a
ponta do iceberg em um cenário de abuso de poder e ganância. Estas administrações
fraudulentas e irresponsáveis com a vida dos seres humanos interferem diretamente para os
descasos na área da educação, saúde e segurança e fazem dos momentos vividos nas
atividades esportivas e culturais a oportunidade de catarse para muitos indivíduos. Para Elias
e Dunning (1992, p.70):
65
Reportagem de Antero Greco, “E as polêmicas persistem...”, no jornal: O Estado de S. Paulo, São Paulo. 17
ago 2015, Caderno de Esportes, p. 2.
105
Enquanto, nas sociedades, as rotinas públicas ou privadas da vida exigem que as
pessoas mantenham um perfeito domínio sobre os seus estados de espírito e sobre os
seus impulsos, afectos e emoções, as ocupações de lazer e de algumas formas
reminiscentes da sua realidade exterior autorizam-nas, de um modo geral, a fluir
mais livremente num quadro imaginário especialmente criado para estas actividades.
Embora a corrupção esteja presente nas instituições esportivas e na CBF as
investigações envolvem os três últimos presidentes sendo que um deles se encontra preso nos
Estados Unidos, o futebol ainda encanta e a decepção com a Seleção Brasileira de Futebol na
Copa do Mundo do Brasil em 2014, fortalece as paixões clubísticas, mas o que os árbitros
pensam quando perguntados sobre qual a importância em ser árbitro de futebol em um país
com tantas diferenças sociais e sendo o futebol considerado uma paixão nacional, uma
religião. Vejamos:
Olha só, a função de ser árbitro é dentro do campo, e fora do campo eu acho que o
árbitro age como psicólogo. Porque é, às vezes todo jogador, não falo nem tanto no
lado profissional, falando um pouco do amador, é que às vezes o jogador amador
passa a semana inteira trabalhando e sai de domingo pra se divertir. Mas às vezes ele
tá com problema em casa ou então a torcida vai só pra xingar o árbitro. O árbitro
entra no campo, ele já tá xingando, nem deu o direito de ele acertar ou errar, ele já tá
xingando. Mas aí eu sempre falo pra mim mesma, pros meus colegas, que esse é o
papel social do árbitro, o cara tá com problema dentro de casa, então ele desabafa,
relaxa, põe pra fora todo o seu problema. A gente escuta a gente tá aqui pra isso,
afinal entra em um ouvido, sai pelo outro, porque não dá pra levar a sério, o que a
torcida fala, o que os jogadores falam, então eu acho que o papel do árbitro é o
psicólogo (ENTREVISTADO 1).
O árbitro é o, como eu posso dizer, em relação a diferença social o futebol é o
esporte que nivela né{sic], que todo mundo, até do mais pobre, o mendigo ali, até o
mais rico, todo mundo tem o time e tá[sic] sempre acompanhando. O árbitro ele, ele
que dita as regras dentro do campo do jogo né[sic], mas eu não vejo assim uma, uma
relação da classe social com o árbitro assim, não tenho uma precisão sobre isso
(ENTREVISTADO 2).
Eu falo que, acho que aqui no Brasil acaba sendo né[sic], principalmente na América
Latina acaba sendo, na América do Sul posso te dizer porque eu to vivenciando isso,
existe essa dificuldade maior de ser árbitro de futebol por questões sociais, educação
né, nós lidamos com o povo que quase ninguém tem primeiro ou segundo grau
completo, a grande maioria de todos esses países e sabendo-se que o futebol a gente
mexe com a paixão das pessoas, eu falo as vezes que a pessoa não tem religião, não
tem família, mas tem uma equipe de futebol. Então a gente mexe demais, eu falo que
essa é uma responsabilidade que a gente tem que a gente mexe demais com a
emoção dessas pessoas, o tamanho dessa responsabilidade, e pelo fato ainda de não
terem um grau de instrução ou o princípio básico de educação necessário né[sic], pra
toda nossa população acaba partindo da parte governamental entre um, entre outros.
Ou própria disciplina dentro de casa (ENTREVISTADO 3).
106
O árbitro número 1 considera-se um psicólogo e diferencia a postura que se espera
dos jogadores profissionais e amadores. Parece não interpretar o xingamento dos jogadores
amadores e dos torcedores como uma forma de violência e podemos encontrar no seu
depoimento o que Elias atribuiu serem as “coisas sérias” da vida e a busca das emoções nas
atividades miméticas. O árbitro número 2 comenta as diferenças sociais e se coloca em uma
função de educador que necessita ditar as regras e controlar as tensões e o árbitro número 03
fala da dificuldade e da responsabilidade da função por mexer com a paixão das pessoas
deixando subentendido que questões sociais importantes como a falta de acesso a uma
educação de qualidade e pelo falta de uma estrutura familiar potenciavam estas emoções
porque os indivíduos fazem do futebol o seu sentido da vida. Para Elias e Dunning (1992,
p.70), muitos jovens “encontram pouca excitação na sua vida normal [...] a vida é
particularmente monótona”. No texto a preocupação de Elias é com a violência, pois faltam
aos jovens perspectivas e objetivos na vida, a vida destes jovens para Elias e Dunning (1992,
p. 92), “é acima de tudo vazia”.
4.6 A VIOLÊNCIA E AS RELAÇÕES DE PODER
No futebol a violência dirigida a árbitros parece ser entendida como parte da
cultura do jogo. Em todas as rodadas dos campeonatos de futebol existem polêmicas,
divergências e violência. Sejam jogos profissionais, amadores ou até em categorias de base. A
violência parte dos jogadores, comissão técnica, dirigentes, torcedores e imprensa. Em jogos
de crianças a violência dirigida aos árbitros parte dos pais que na presença de seus filhos
jogadores perdem o controle e “ensinam” para os filhos a cultura da violência nos jogos de
futebol. Xingar e agredir árbitros parece ser normal, mas como entender esta violência? Seria
a falta de controle das emoções? Justifica-se nas classes sociais e encontra na sociedade as
suas causas? Entender a violência contra árbitros e como eles sentem e interpretam esta
violência é o que nos propomos. Segundo Coelho (2002, p. 15):
Durante minha carreira como árbitro de futebol, envolvi-me em situações difíceis e
assustadoras. Angústias que fariam muitos desistirem da profissão. Padeci agressões
e xingamentos. Por anos a fio, fui obrigado a sair de estádios escondido em
camburão de polícia.
107
Coelho deixou os gramados em 198966
quando recebeu o convite para trabalhar
como comentarista de futebol na Rede Globo. No Campeonato Brasileiro de 2015 em partida
realizada no dia 02 de setembro entre os clubes Atlético MG x Atlético PR acompanhamos o
relato do árbitro Marcelo de Lima Henrique que dirigiu a partida no dia seguinte da derrota do
Atlético MG67
.
Henrique disse que só consegui sair do Estádio Independência, local da partida, bem
depois do fim do jogo e que só chegou ao hotel onde estava hospedado por volta das
2h45 de quinta-feira, pois temeu ser agredido. “Após a partida recebemos uma
ligação por volta das 0h15, dizendo que na volta do nosso hotel tinha um grande
grupo de torcedores aguardando a nossa chegada. Tivemos que acionar todo um
aparato policial para nos escoltar do estádio ao hotel e uma outra viatura para limpar
a área em frente ao hotel, para que pudéssemos entrar sem nenhum problema”,
contou.
São, no mínimo, vinte e seis anos que separam os relatos dos dois árbitros e as
histórias de ameaças de violência contra os árbitros se repetem todos os dias, mas o que os
árbitros entrevistados entendem por violência?
É uma boa pergunta, hahaha. O que eu entendo sobre violência? Olha eu acho que a
violência é a incapacidade do ser humano não conversar, não resolver no diálogo.
Na discussão, o tipo de discussão verbal assim, conversar, não já partir pra, é...
violência verbal, agressão verbalmente ou até mesmo agressão física. Então eu acho
que a violência, a incapacidade do ser humano de poder tentar esclarecer as
diferenças, a esclarecer a opinião, falar a dele, escutar a do outro e respeitar, ter a
capacidade do ser humano a respeitar as diferenças (ENTREVISTADO 1).
Aí... Eu acho que violência é tudo que pode te, você me falou isso, tudo que pode te
afetar de uma forma negativa assim, eu nunca tinha pensado dessa forma, mas
depois que eu conversei com você aquele dia eu fiquei refletindo e, eu acho que esse
tipo de coisa de entrevista, por exemplo, que transfere responsabilidade, é uma
violência e pode acarretar numa violência, até física. Mas tudo que tenta denegrir
sua imagem, seu trabalho, eu acho que pode ser entre aspas aí, consideradas uma
violência (ENTREVISTADO 2).
Ah eu acho que, que seria de um modo geral a violência é você expor um individuo,
não diria nem adversário.. Você expor um indivíduo a uma situação constrangedora.
Se essa violência da forma, da forma que parecer, seja lá uma ofensa moral ou até
mesmo vias de fato, a violência pode acontecer de várias maneiras hoje, então por
meio eletrônico. Então você expor um indivíduo a uma situação constrangedora pra
mim acaba sendo uma violência (ENTREVISTADO 3).
66
Fonte: http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/arnaldo-cezar-coelho/trajetoria.htm, acesso em 08 dez
2015. 67
Fonte: Jornal: “O Estado de S. Paulo, São Paulo. 4 set. 2015, Caderno de Esportes, p. 17.
108
Nas respostas dos árbitros números 1 e 3, observamos que eles se referem a
violência simbólica e a violência física. O entrevistado 2 quando convidado a participar da
pesquisa nos disse que não saberia se poderia nos ajudar porque nunca havia sido agredido,
mesmo assim, aceitou participar. Um mês após o agendamento realizamos a entrevista e nos
disse ter refletido e pensado a violência de forma mais abrangente.
Os árbitros interpretam a violência como falta de respeito, falta de capacidade de
dialogar, a exposição de um indivíduo a situações constrangedoras e a tentativa de denegrir a
imagem, neste caso, do profissional árbitro. Notamos que a violência simbólica é citada pelos
três e é frequente na vida destes profissionais.
Considerando-se que as informações sobre a violência dirigida a estes
profissionais nos são transmitidas pela mídia, como jornalistas e comentaristas esportivos
tratam os árbitros no Brasil? Segundo Betti (1997, p.34), “Os jornalistas são capazes de
influenciar as ações dos atletas e espectadores mediante o uso da linguagem” e nos apresenta
a forma como os árbitros são tratados pelos jornalistas.
Contudo, nada é mais polêmico que a atuação de um árbitro em certas partidas. Uma
arbitragem “polêmica” divide as opiniões: “Mal intencionado” ou “bandeira da
moralidade”? “Abusou da autoridade” ou foi “energético o suficiente”? “Herói ou
Vilão”? Ora os árbitros são criticados por terem sido “muito rigorosos”, ora pela sua
“complacência”. Uma arbitragem é considerada “polêmica” em partidas nas quais
muitos jogadores são expulsos ou recebem cartão amarelo. Como declarou um
árbitro: “Se não expulso, dizem que sou um banana, se ajo com rigor, sou
criticado”. De fato, “boleiros, bandoleiros, cartolas e até jornalistas acatam os
senhores de preto”: expulsou porque “foi pressionado”, “precipitado”, “exagerou”,
foi “muito rigoroso”, “quis mostrar autoridade”, teve “atitudes radicais”, ou
“compensou”, expulsando igual número de jogadores das duas equipes. Estava
“mal-intencionado”, entra “para o rol dos suspeitos”, ou, simplesmente: “ele
roubou”. Questiona-se, então, a “impunidade dos árbitros”, e sugere-se um tribunal
para julgar “os erros da arbitragem”, para punir os “árbitros que erraram”( BETTI,
1997, p. 89).
Os árbitros que comentem erros em partidas são afastamentos das escalas, existe
sim, um acompanhamento do trabalho que é desenvolvido na arbitragem paulista e brasileira.
Em todos os jogos profissionais encontramos a figura do “avaliador da equipe de arbitragem”,
por meio do relatório deste profissional, geralmente um ex-árbitro árbitros e assistentes são
avaliados. A pontuação por eles adquirida a cada jogo será parte fundamental para a formação
do ranking da temporada seguinte. O que os árbitros pensam do trabalho da mídia?
109
Como eu falei é desumano essa, esse tipo de análise, porque um comentarista de
futebol ele tá equipado de várias câmeras, várias imagens que chega pra ele, ele vê
quatro, cinco vezes pra ele poder dar o parecer dele. O árbitro vai decidir ali em três
com a foto que ele tirou aquele momento. E aí depois o comentarista de arbitragem
crucifica o árbitro por causa daquele erro, mas porque ele viu na tecnologia, e a
maioria dos comentaristas de futebol são ex- árbitros e eles na época deles, erravam
muito mais, mais muito mesmo. Só que não tinha câmera pra ser cobrado, então hoje
tá fácil pra ele comentar ou não na verdade, comentar o árbitro, hoje tá fácil pra ele
porque tem milhões de câmara pra ele olhar. Será que ele lembra quando ele tava lá
no jogo? Qual era a dificuldade que ele tinha, o quão era difícil apitar uma partida de
futebol, pra hoje ele ficar criticando o árbitro, formando opinião. Eu acho, eu não
vou nem falar o que eu acho, eu acho um absurdo (ENTREVISTADO 1).
Olha assim, eu acho que tem melhora, tem melhorado muito hoje né[sic], eu acho
que a mídia assim, uma boa parte da mídia ela vem junto com, buscando o melhor
espetáculo assim, e devido aos últimos acontecimentos da Copa do Mundo, a gente
vive um país fora do futebol que todo mundo tá um pouco de saco cheio né[sic].
Então eu acho que a mídia em termos de jogador, de arbitragem a mídia ta batendo
mais do que batia antes, mas eu acho que também tem muita mídia que é torcedora
ainda, e às vezes dão muita voz assim, quando alguém quer transferir o resultado pro
árbitro. Porque o próprio jornalista se incomodou com aquele resultado e aí também
da uma carga maior na noticia do jogador, do treinador, o dirigente que tá
transferindo. Então eu acho que tem os dois, tem que colocar na balança os dois
lados assim, tem muitos jornalistas que são sérios, buscam melhor o futebol e uns
com pensamentos antigos, então é difícil perder esse vicio do jornalista que torce,
que tem um contato muito próximo de dessa paixão de torcedor que continua
desenvolvendo o trabalho de jornalista, que é aquele jeito(ENTREVISTADO 2).
Eu acho que ela poderia ajudar muito mais com informações que mostra ai,
principalmente como a população, os torcedores, ganharam com os comentaristas de
arbitragem, desde lá dos primeiros que vieram a trabalhar, hoje, quase todos os
canais tem um comentarista de arbitragem. Então quanto mais a gente puder
divulgar as regras de jogo pra que as pessoas entendam o mínimo de regra do jogo,
facilita a nossa vida. Mas agora se for àquela mídia bairrista, torcedora, não vai
somar em nada, não vai ajudar em nada, a gente sabe que tem muito torcedor
trabalhando na mídia, tem muitas pessoas, acaba tendo o time tem paixão por
determinada equipe, mas a gente acaba respeitando. Mas às vezes não concordando
com alguns comentários que são feitos. Agora se for àquela mídia que vem pra
esclarecer, que vem pra tirar a dúvida do torcedor, pra mostrar realmente quando a
gente falha, quando a gente se equivoca, quando a gente erra, aí sim a gente a gente
somos favoráveis ai (ENTREVISTADO 3).
O trabalho dos jornalistas e comentaristas recebe duras críticas dos árbitros.
Considerado como desumanas as avaliações feitas pela mídia, uma vez que, os jornalistas e
comentaristas possuem recursos de análises não disponíveis aos árbitros. Outro fator
considerado é o tempo que o árbitro tem para tomar suas decisões. Observam melhoras no
trabalho e interesse em apresentar um trabalho de melhor qualidade com o surgimento de
jornalistas “sérios”. Esperam um trabalho mais informativo, que os profissionais da mídia se
atualizem sobre regras e se mostram desapontados com os profissionais que não conseguem
separar o trabalho jornalístico do seu lado torcedor de futebol. A “leitura” feita pelos árbitros
sobre o comportamento dos jornalistas que não separam o trabalho das emoções de torcedores
110
nos remete ao que Elias explicava como envolvimento e a necessidade de distanciamento.
Segundo Elias (2011, p.236):
O ato de distanciamento conceitual dos objetos do pensamento, que qualquer
reflexão mais emocionalmente controlada envolve [...] uma distância que existe de
fato entre o sujeito pensante e os objetos de seu pensamento. E o maior controle de
impulsos afetivos diante dos objetos de pensamento e de observação, que
acompanha todos os passos no sentido de maior distanciamento conceitual, aparece
neste momento na autopercepção das pessoas como uma grade que existe realmente
e que separa e exclui o “ser”, “razão” ou “existência”, dependendo do ponto de vista,
do mundo “externo” ao indivíduo.
Sendo a mídia formadora de opinião, o que pensam os árbitros sobre a
responsabilidade da mídia na violência entre torcedores de futebol e sobre a violência contra a
equipe de arbitragem. Segundo os árbitros:
Eu acho que sim, porque eu acho que com esses comentários que a mídia faz, com
esses comentários... Quando é ex-árbitros de futebol você entende um pouco porque
o cara foi árbitro, ele entende da regra, mas tem muito comentarista que nunca
pegou um livro de regra, não sabe nem quantas regras têm no futebol e ele comenta
absurdos, isso ele forma uma opinião. Se ele forma uma opinião negativa em relação
a árbitro, ele tá indiretamente ou diretamente insultando pouco aquilo ali. Ele acaba
sendo responsável sim, pela violência nos estádios, violência com os árbitros, com
os assistentes porque a gente tem alguns casos que o árbitro, a equipe de arbitragem
foi agredida ou insultada, ou a caminho do estádio, em tudo isso eu acho que a mídia
tem uma grande responsabilidade porque ela é formadora de opinião. Então às vezes
eles fazem um tipo de comentário desnecessário e errôneo, quando comenta
desnecessariamente, mas ainda comentando com coerência, não tá certo, mas é
desnecessário. E às vezes tem coisa que não adianta passar, ao não ser a incitar a
violência (ENTREVISTADO 1).
Olha eu acho que as violências nos estádios estão mais localizadas mais na classe
social, diferença social. Porque quem briga nos estádios não são as pessoas do bem
assim, que vão pra assistir o espetáculo, quem vê quem briga são os bandidos que
estão infiltrados nas grandes torcidas porque as vezes ele quer acompanhar uma
paixão que ele tem, isso quem financia é o próprio clube, pagam pra assistir, tem
viagem pra ir pra lá. E quando tiver esse tipo de pessoa infiltrada nas torcidas
organizadas, vai ter sempre violência, eu nunca vi assim, eu conheço muitas pessoas
que vão em estádio assim, eu nunca vi que foi no estádio e falar que brigou. Eu
escuto falar que brigou nos jornais ali que olha, aquele lá tava envolvido na briga
três meses atrás, mas, não, ele estava em outra a um ano atrás, são sempre as
mesmas pessoas que eu não sei qual é o procedimento da justiça, se pode brigar no
estádio, porque briga, depois o cara ta solto. Não sei a mídia, a mídia às vezes
divulga muito essa imagem também, se não estimula esses caras a fazer lá. Na
Europa a gente nem vê isso, o cara invade o estádio, muda o foco, talvez fosse o
caminho. Eu acho assim, esses jornalistas que dão muita ênfase, como eu falei
anteriormente nessa transferência de responsabilidade do árbitro, ou dirigente que
quer jogar tudo nas costas do árbitro porque essas respostas que eles tão dando não é
pra mídia, não é pra mim, tá falando pros torcedores deles, que ao invés de falar que
ah, o time ta mal, mexeu errado, perdeu. Não, eles preferem falar pros torcedores
deles, talvez essa violência pode acontecer pelas palavras que eles tão usando não
que aconteceu dentro do campo (ENTREVISTADO 2).
111
Eu acho que poderia ser melhor, eu acho que poderia ser melhor na forma que eles
vendem as vezes, um clássico ou uma partida buscando o que já aconteceu no
passado, o que for principalmente de uma forma negativa, ao invés de ajudar eu
acho que apimenta muito mais, coloca ainda muito mais emoção. Já cria-se um
clima desfavorável pra que você possa levar família pro campo de jogo, levar um
filho, levar um parente. Leva os torcedores, colocando como os torcedores então a
forma que se coloca, a forma de como eles colocam às vezes, umas informações,
torcidas organizadas é, eu acho que acaba sendo uma mídia vendida de uma forma
negativamente. Então eu acho que poderia ser melhor, poderia ser melhor,
principalmente com comentarista né[sic], essa mídia de torcedores já começa falar
que pode ser um problema em relação ao arbitro, em relação aquele jogador, já
começa vender aquela briga entre jogadores de jogos anteriores, pra mim é uma
mídia negativa nesses jogos. Também muito grande, principalmente quando um
equívoco, um erro que as vezes acontece de uma forma que ninguém quer e a forma
como é passada, repassa essa informação tanto ali no rádio, principalmente no rádio
ne, que são pesos locais, na maioria das vezes. A forma como eles colocam mexe
com o emocional e consequentemente com a segurança da arbitragem pós jogo.
Porque dentro de campo todos veem, nós temos 3 ,5,10, 15 policiais a nossa volta.
Mas no dia seguinte? E o aeroporto, e a rodoviária, e a estrada, e o restaurante que
você ta no dia seguinte correndo esse risco de encontrar esse torcedor,
principalmente quando você acerta e eles defendem até o último momento que o
árbitro se equivocou naquela decisão que todos já viram que tinha acertado. Então
ela poderia, assim como eu coloquei dos comentaristas de arbitragem, poderia ser
uma mídia mais esclarecedora do que defender às vezes uma opinião de que todos
tão vendo que foi de uma forma contrária (ENTREVISTADO 3).
Os árbitros responsabilizam a mídia pela violência nos estádios e a violência
contra a equipe de arbitragem. Atribuem a violência entre os torcedores pela maneira como a
mídia “vende o jogo” para que o clima de rivalidade aumente a audiência. Comentários
desnecessários e um clima de guerra parecem fazer parte da propaganda do jogo de futebol.
A violência contra a equipe de arbitragem é estimulada pelos jornalistas e comentaristas nos
comentários dos erros dos árbitros que nem sempre, segundo os árbitros são análises
fundamentadas e corretas. Por se tratar de entrevistas semiestruturadas a fala do terceiro
árbitro entrevistado nos direcionou a outra pergunta quando ele citou: o dia seguinte do
árbitro. Perguntamos a ele se a manifestação do torcedor não terminava após o apito final. O
que ele queria dizer sobre o dia seguinte. Segundo nosso terceiro entrevistado:
Sim, nós temos relatos de vários árbitros que tiveram problemas no aeroporto,
dentro do avião, você ir viajar com vários torcedores organizados no mesmo voo.
Você faz partidas em alguns estádios que só tem um voo de retorno, cê [sic] volta
com dirigente de equipe, CE volta com torcedor uniformizado ou torcedor comum
entendeu. Por isso que a gente fala que eu não quero só a profissionalização da
arbitragem, eu comentava no último final de semana que eu tava ali, eu quero a
melhoria na estrutura do que envolve um jogo de futebol, que todo mundo vê a
arbitragem apenas nos 90 minutos, mas muita gente não vê as arbitragem antes né a
sua chegada num estádio, numa cidade, num país as vezes, o seu retorno encontra
aquelas pessoas no dia seguinte, o restaurante que você vai pós o jogo que você tem
que tomar cuidado de não ir, você sabe que pode encontrar com torcedor organizado.
Então o que a gente pede é essa melhora, essa melhoria de estrutura, uma segurança
maior, segurança nos hotéis, segurança nos aeroportos, uma equipe de segurança
112
seja lá por parte dos sindicatos das associações ou parte de quem ta organizando,
gerindo essas situações (ENTREVISTADO 3).
Podemos confirmar pelo seu depoimento que o lugar que parece ser mais seguro
para os árbitros seja surpreendentemente o campo de jogo. Com as mudanças nos
regulamentos dos campeonatos prevendo maior policiamento e segurança aos árbitros, a
violência contra estes profissionais acontece agora fora dos gramados. Os árbitros não se
sentem seguros nos deslocamentos para os jogos e nas cidades onde necessitam se hospedar.
Na dinâmica do jogo precisamos apenas da interação de duas equipes de
jogadores, porém se pensarmos no futebol espetáculo as relações de interdependência são
complexas. Os jogadores necessitam pertencer a uma equipe, precisamos de equipes
adversárias, comissões técnicas, dirigentes, árbitros e jornalistas. Isto sem considerar todos os
profissionais que trabalham nos “bastidores”. Operários, indústrias de materiais esportivos e
muitos outros. Se as relações são necessárias porque os dirigentes das equipes detêm tanto
poder? Perguntamos aos árbitros como são as relações entre os árbitros e os jogadores,
comissão técnica e torcedores?
Dependendo da comissão técnica, dependendo da equipe, dependendo do jogador, é
bem difícil a, a convivência, a relação. Porque que nem eu te falei, às vezes é do
indivíduo, se ele não, não, não convive bem vai ser em qualquer lugar que ele tiver,
e têm realmente alguns jogadores, alguns técnicos, algumas comissões que são
problemáticas, que são mal-educados, que são reclamam acentuadamente, que
gesticulam. Jogador que não você não bate uma falta ele já quer reclamar, já quer
abrir o braço, já quer xingar, só que vai da pessoa, do indivíduo, não é uma questão
de: ‘’ah, é porque é jogador’’. Eu acho que se tivesse, sei lá, jogando tênis, jogando
vôlei, jogando basquete, qualquer coisa, qualquer meio que ele iria ter esse
comportamento, porque é dele, não é por causa do futebol. Eu particularmente, não
tenho muito problema com as condições técnicas porque já tô na arbitragem aqui no
estado de São Paulo há 11 anos, eu tenho um respeito, já conhece, já tem um nome
assim, já tem uma reputação, o cara vem resolver e você já sabe quem é. O cara não
é que eu vou pro campo do jogo que eu... Eles respeitam bastante, eu sinto até, os
jogadores e as comissões técnicas me respeitam mais do que respeitam os homens,
porque com homem ele vai falar no linguajar dele, de homem pra homem. Comigo
não, eu sou mulher, ele não vai falar uma coisa que ele fala pra homem, não vai falar
pra mim, então já tem aquele cuidado, aquele jeito de lidar com a árbitra feminina e,
é isso (ENTREVISTADO 1).
Eu não tenho relação nenhuma com jogador, não faço questão nenhuma de ser
amigo, é, até porque quando o calo aperta a primeira pessoa que eles vão querer
transferir é o árbitro. Você pode ter jogado 90 minutos, errou 15 gols, aí tem o lance
polêmico que decidiu o resultado do jogo, é você que decidiu os erros dele. Então eu
prefiro evitar, assim não ter contato nenhum com jogador, com comissão técnica, às
vezes encontra em aeroporto, tem o associado, que entra, conversa, mas eu não faço
questão nenhuma de me envolver. Mídia também, falo muito pouco, já participei
bastante já dei entrevistas e, os programas esportivos que fui convidado mas hoje
evito porque você não vai ganhar nada com isso, você só corre o risco de falar
alguma bobagem e virar contra você ainda, eu evito também por causa da família. E
torcedores as vezes que eles querem é um pouquinho de atenção, queira ou não
queira, você esta na casa deles né, isso quem me ensinou foi o Paulo Cesar que ele
113
tem um... O Paulo Cesar é um dos caras mais conhecidos do meio do futebol, dos
árbitros, faria um jogo de quarto árbitro com ele, todo mundo reconhece ele. Ele tem
um nome marcante assim, e às vezes o torcedor brinca, às vezes ate uma brincadeira
assim, que não me agrada, que tem que saber lidar com a situação pra não gerar um
atrito né, até porque a pessoa publica ali é você né[sic]. Então eu tenho uma relação
tranquila com torcedores e tal ENTREVISTADO 2).
Eu, eu falo por mim que eu acabo sendo, eu, eu, eu levo de uma maneira, de uma
forma que eu costumo respeitar os jogadores né[sic], dentro de campo de jogo, não
falar palavrão com eles, não partindo pra uma linguagem grosseira ou ofensiva, ate
pelo fato de não permitir que eles façam isso no jogo, então não tem esse direito de
ter um autoritário dentro de campo. Eu procuro é, que eles me respeitem, mas
também tenho que respeita-los, eu quero autoridade sem ser autoritário, é, eu sempre
levei dessa forma mesmo nos jogos amadores uma, uma, não chega a ser uma
amizade, mas um certo respeito, um certo diálogo com esses jogadores,
principalmente durante a partida, a que você não perca essa autoridade durante os
jogos. E pós jogo acontece um diálogo mais estendido mas sempre respeitando o
limite mesmo fora do jogo, o limite entre o árbitro e o jogador de futebol. Com a
comissão também, com a comissão acaba sendo, acaba sendo um diálogo um pouco
maior né [sic], com a imprensa a gente respeita também o trabalho dela ali durante o
jogo, a maioria das vezes o torcedor, a equipe do seu estado, da sua cidade, do seu
país a gente respeita isso. Mas nós não podemos perder em nenhum momento essa
oportunidade de, de exigir e de ter respeito entre essas pessoas, com nós todos
envolvidos dentro do futebol. Em relação aos torcedores são né[sic], que eu venho
falando em toda a minha, que eu venho colocando em toda minha fala que eles
acabam atuando muito mais na parte emocional, na parte do fanatismo, de querer a
vitória da sua equipe a todo custo né[sic]. E ainda tem aquele intermediário, aquele
árbitro tomando decisões impopulares, nós temos que tomar um cuidado maior,
principalmente com os fanáticos né[sic], em relação a nossa vida depois no dia a dia,
você ta na rua, você ta encontrando com esses torcedores, em aeroportos, rodoviária,
restaurantes, tem que ter esse cuidado um pouco maior. Mas também de muito
respeito e principalmente o que eu coloco muito nos meus planos de trabalho é essa
parte, de respeitar as gremiações, de respeitar jogadores, torcedores porque a gente
sabe que o futebol sendo apaixonante demais, então a gente não pode perder essa
oportunidade de, de, a gente não pode perder esse respeito né[sic] por essas pessoas,
aprender a respeitar em todos os momentos por conta dessa paixão que envolve o
futebol (ENTREVISTADO 3).
Os árbitros comentam que as relações com os jogadores e comissão técnica são
relações de respeito, porém nem sempre a recíproca é verdadeira. As decisões impopulares
associadas à necessidade de vitória das equipes acabam gerando tensões e conflitos. Os
jogadores costumam transferir a responsabilidade de um resultado negativo no jogo para a
equipe de arbitragem. Segundo os árbitros a melhor coisa é não se envolver com jogadores e
técnicos e dirigentes. Neste quadro onde se procura manter a autoridade sem ser autoritário,
alguns comportamentos e atitudes dos jogadores e comissão técnica dificultam o controle da
partida. Perguntamos: Quais são as atitudes de jogadores e comissão técnica que dificultam o
trabalho do árbitro?
A atitude de indisciplina falta de educação é reclamação acintosa, gesticulando. Esse
tipo de atitude dificulta porque às vezes o jogo tá tranquilo e o técnico, a comissão
técnica tá irritada, tá gesticulando e às vezes isso passa pro jogador, tá tudo sob
controle e o cara tá louco fora do campo, transfere pra dentro do campo e acaba
114
passando pro jogador, acaba estressando o jogo e a sua atuação no jogo. Então esse
tipo de atitude acaba dificultando o trabalho dentro do campo de jogo
(ENTREVISTADO 1).
Transferência de responsabilidade é a maior. O restante é quando reclama de uma
decisão de algum resultado ponderada, tipo assim, um questionamento, não uma
reclamação, eu acho que faz parte do futebol, às vezes você marcou alguma coisa
que você não entendeu que faz parte do dialogo assim. Mas quando quer transferir
de qualquer forma o resultado do jogo pra você, isso é a pior coisa. É o que pesa
mais do árbitro trabalhar de uma forma mais, o objetivo dele é criar um ambiente
que deixa suscetível a errar a favor da equipe dele (ENTREVISTADO 2).
A reclamação de situações que não ocorrem. A reclamação acintosa de uma coisa
que todos e depois até as imagens mostra que você não tava equivocado, que nós
chamamos de transferência de responsabilidade, essa é uma coisa que o árbitro não
aceita, não tolera (ENTREVISTADO 3).
Nas palavras dos árbitros as reclamações e a transferência de responsabilidade68
parecem ser as atitudes que mais dificultam o trabalho da equipe de arbitragem. Embora o
quarto árbitro procure cumprir as regras e o regulamento na área das comissões técnicas, a
falta de respeito, falta de disciplina e excessos colaboram para o aumento das tensões nas
partidas e tiram o foco do jogo. A transferência de responsabilidade é novamente mencionada
pelos árbitros como uma atitude que dificulta o trabalho e as relações, para o entrevistado
número 2 é visto como “a pior coisa” e para o entrevistado número 3 esta atitude não pode ser
aceita e tolerada.
Na introdução da dissertação citamos a pesquisa do departamento de Psicologia
da Universidade de Viena na Áustria: “Posso ofender um árbitro”? Perguntamos aos árbitros
quais as ofensas de jogadores e comissão técnica que eles não toleram e que ficam mais
susceptíveis a mostrar o cartão vermelho, pois na Áustria, os insultos e agressões dizem
respeito à: capacidade técnica, aparência física, caráter, orientação sexual e outros. Para os
nossos entrevistados:
[...] dentro dessas ofensas aí, foi uma ofensa moral, direto com a minha pessoa
entendeu (ENTREVISTADO01).
Racismo, eu acho que é uma coisa assim que eu não pensaria duas vezes, porque
isso ai é uma coisa que infelizmente no ano de 2015 assim não da pra aceitar, não
consigo entender o que a pessoa tem em mente pra ter uma postura dessas
(ENTREVISTADO 2).
[...] seria o caráter, a partir do momento que duvida do meu caráter de que eu possa
ta[sic] ali com segunda, terceiras intenções, pra mim acho que é o absurdo do
absurdo, que eu considero que me dedico como eu disse no inicio quase
exclusivamente pra arbitragem hoje ainda propriamente como árbitro do quadro
internacional, me considero um arbitro nacional mesmo eu não, de fato, não de
68
A transferência de responsabilidade que se referem os árbitros é quando jogadores, comissões técnicas e
dirigentes atribuem os resultados negativos dos jogos a atuação dos árbitros.
115
direito, me preparo, me programo para o que eu estou envolvido, e duvidar do
caráter acho que seria o primeiro momento (ENTREVISTADO 3).
As ofensas morais são para os nossos entrevistados as mais significativas e
puníveis com cartão vermelho. Erros dos árbitros são entendidos pelos jogadores, comissão
técnica, dirigentes e torcedores como má-fé. O árbitro não pode errar. Segundo Franco Jr.
(2007, p.249),
Enquanto símbolo de autoridade, são identificados com governos autoritários e
corruptos, frequentes na nossa história, e de maneira sistemática são agredidos
verbalmente pelas torcidas antes mesmo de começar a trabalhar. De um ponto de
vista sociológico, é como partir do pressuposto de que todo árbitro é corrupto.
Ser árbitro não é uma tarefa fácil. O sujeito precisa ser imparcial, neutro e deve
mediar conflitos e tensões. Todo o trabalho pode ser perdido em questões de minutos por um
erro que pode determinar o placar do jogo. Quanto mais equilibrada for a disputa maior a
exigência de atenção e concentração do árbitro. As tensões crescem de acordo com a
importância do jogo, porém, esperamos de todos o autocontrole e do árbitro e sua equipe o
controle de todas as tensões que um jogo envolve. O árbitro será sempre o mediador e os
jogadores os atores neste espetáculo. Para Elias (2008, p.99), “Durante muito tempo é
particularmente difícil que os jogadores compreendam que a sua incapacidade de controlar o
jogo deriva da sua dependência mútua, das posições que ocupam enquanto jogadores e das
tensões e conflitos inerentes a esta teia que se entrelaça”.
Como mediador de conflitos e responsável pelo cumprimento das leis do jogo
precisa tomar decisões impopulares, às vezes se equivoca e é xingado em coro pelos
torcedores em outras ocasiões as atitudes perdem o controle e se transformam em agressões.
Perguntamos aos árbitros: Você já sofreu violência? e sendo a resposta afirmativa, quais os
tipos de violência que você já sofrem na função de árbitro?
Diretamente não. Uma violência assim é nunca fui agredida né. Nunca colocaram a
mão em mim, apesar que já teve tentativas, tanto no amador, quanto no profissional
pelo jogo da Copa do Brasil Feminino onde uma equipe que foi desclassificada e na
hora que acabou o jogo a equipe veio tentar me agredir. Se não fosse a guarda
municipal, o policiamento que tava no campo de jogo, eu seria linchada, talvez não
estivesse aqui nem pra, pra ta[sic] dando entrevista. Por quê? Pelo simples fato de
ter perdido o jogo, com o que eu faço o jogo, gol, com essa altura nem eu posso
fazer e se eu fosse jogadora, eu não era árbitra. E pra mim é uma violência sim,
porque pra mim o que importa é a tentativa, elas tentaram me agredir, só não
agrediram porque graças a Deus tinham anjo da guarda lá. E outro tipo de violência,
que eu sofri, que nossa, até hoje eu não esqueço como eu falei, foi um jogo aqui em
São Bernardo, no estádio Primeiro de Maio, válida pelo campeonato da OAB,
Ordem dos Advogados do Brasil, onde eu fui xingada de uma forma tão, tão, baixa,
116
tão, sei lá o que falar viu, porque me machucou demais, até hoje eu não esqueço. E
foi só uma agressão verbal, mas que pra mim marcou muito (ENTREVISTADO 1).
Assim, eu nunca fui, nunca, em termos de jogo eu nunca tinha sido agredido. Eu tive
um problema com um jogador esse ano, ano passado né, num clássico que eu fiz que
tive um tranco nas costas, mas eu já trombei varias vezes com um jogador, pra mim
tinha sido uma trombada natural e depois vendo pelas imagens ele veio pra me
acertar. O único problema que eu tive com jogador, torcedor, eu pensava, eu penso
muito por ter um sangue um pouco quente assim, sabe, é... Eu não sei como me
controlaria, nessa situação me controlei muito bem porque pra mim foi natural, só
depois que eu vi que não tinha sido mais. Não assim, o que a gente sofre mais é no
estádio né, assim de torcedor, verbal né. No amador sofre muito menos, porque cê
[sic] ta ali, ali todo mundo é homem né, e às vezes não tem policiamento, então se
você quiser partir pra cima de alguém você vai partir e aí pode chegar ate o de fato.
Mas como no amador é diferente do estádio, no estádio o torcedor que eu to vendo
da arquibancada, eles não vão me encontrar, muito difícil, agora no amador não, eu
acabei, terminei o jogo, eu to ali se ele quiser me encontrar, ele vai me encontrar.
Então às vezes tem ate menos, pelo menos na época que eu trabalhava no amador,
hoje eu acho que ta bem pior né assim, tava conversando hoje mesmo com um
amigo meu que jogou muito tempo no amador e ele falou que não joga mais porque
não tem segurança nenhuma. Mas assim, o maior tipo de agressão que eu sofri, foi
verbal, dentro do estádio assim (ENTREVISTADO 2).
Sim, já sofri situações de jogadores dentro de jogo, de te empurrar, de torcida,
dirigente na porta do vestiário, falar bastante, antes de partida já estar reclamando do
árbitro que vai trabalhar naquele jogo ou pós-jogo, abrir em redes sociais coisa que
eu não tenho e nem tenho intenção de ter, de você ouvir comentários de vários
árbitros de, de vários dirigentes, torcedores. Então pra gente acaba sendo sim, não
precisa ser essa violência explicita de vias de fato, mas a gente acaba sofrendo, passa
por situações constrangedoras sempre, principalmente sendo nós os intermediadores
dessas partidas, de pessoas na sua cidade, às vezes, não tendo gostado de uma
atuação e acabar te xingando, reclamando daquela situação, então isso acaba sendo
meio que uma constância na vida do árbitro. Não, não, só no campo de jogo que já
cheguei a ter esse problema de vias de fato, mas assim, nunca uma agressão de soco
assim, mas empurrão daquela coisa de rodinha, de xingamento principalmente já
sofri (ENTREVISTADO 3) .
Os árbitros sofreram e continuam sofrendo violência. Para o entrevistado 3, isto
“acaba sendo meio que uma constância na vida do árbitro”. Sofrem agressões verbais,
agressões físicas, intimidação de dirigentes nas portas dos vestiários, xingamentos de
torcedores, jogadores, comissões técnicas e dirigentes. Quando estão fora dos gramados
sofrem comentários depreciativos nas redes sociais e na imprensa, afirmam passar por
situações constrangedores em restaurantes e aeroportos comprometendo assim a sua vida
pessoal.
A estrutura do campeonato e/ou torneio e seus respectivos regulamentos são de
fundamental importância na segurança da equipe de arbitragem. Nos campeonatos
profissionais da CBF e FPF não se realizam os jogos se o policiamento não estiver presente.
Os árbitros têm os policiais como parceiros e as punições previstas no Código de Justiça
Desportiva contra as instituições, jogadores e comissões técnicas por agressões a árbitros. Os
trabalhos do tribunal do tribunal de justiça reprimem as atitudes descontroladas dos
117
participantes do jogo embora o mesmo tribunal que pune crie espaços para recursos e
absolvições. Vejamos o que disseram os árbitros sobre a proteção que recebem do
policiamento:
[...] só não agrediram porque graças a Deus tinham anjo da guarda lá
(ENTREVISTADO 1).
O jogo em termos de série A e série B não muda praticamente nada, temos uma
equipe de policiamento que nos acompanha durante todo o jogo, entrada, saída do
campo, enquanto estamos no vestiário (ENTREVISTADO 2).
[...] com a providencia rápida do policiamento e também não deixasse que as vias de
fato ocorresse (ENTREVISTADO 3).
No Capítulo VII do Código Brasileiro de Justiça Desportivas estão previstas as
infrações relativas à arbitragem. A equipe de arbitragem poderá ser punida caso deixe de
observar as regras da modalidade e por se omitir no dever de prevenir ou de coibir violência
ou animosidade entre os atletas.
A violência contra os árbitros é tratada no Capítulo V, DAS INFRAÇÕES
CONTRA ÉTICA DESPORTIVA e no Capítulo VI, DAS INFRAÇÕES RELATIVAS À
DISPUTA DAS PARTIDAS, PROVAS OU EQUIVALENTES. Segundo o CBJD, Capítulo
V,
Art. 243-F. Ofender alguém em sua honra, por fato relacionado diretamente ao
desporto.
(Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 1º Se a ação for praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou
membro da comissão técnica, contra árbitros, assistentes ou demais membros de
equipe de arbitragem, a pena mínima será de suspensão por quatro partidas.
(Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 2º Para todos os efeitos, o árbitro e seus auxiliares são considerados em função
desde a escalação até o término do prazo fixado para a entrega dos documentos da
competição na entidade (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
No capítulo VI, encontramos a seguinte redação:
Art. 254-A. Praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente.
(Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: suspensão de quatro a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por
atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e
suspensão pelo prazo de trinta a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra
pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de
2009).
O fato das agressões contra árbitros estar prevista no CBJD não significa que os
infratores serão punidos com todo o rigor previsto. O presidente do Atlético-PR, Mário Celso
118
Petraglia, foi absolvido das insinuações que publicou em rede social de favorecimento dos
árbitros para a equipe do Corinthians e poder dos clubes paulistas69
. O jogador Dudu, da
Sociedade Esportiva Palmeiras, seria julgado por empurrão no árbitro Guilherme Ceretta após
ser expulso na partida da final do Campeonato Paulista. Segundo a reportagem de Daniel
Batista70:
A suspensão de 180 dias seria o pior cenário possível, mas dificilmente Dudu deve
ser condenado por um tempo tão grande. Geralmente, o jogador recebe uma pena
pesada, o clube recorre e a punição é revertida para poucos jogos ou multa. Pelo
menos essa é a crença da diretoria do Palmeiras nos bastidores.
A diretoria do Palmeiras tinha o exemplo da condenação do volante Petros do
Corinthians que no ano de 2014 julgado por situação similar a de Dudu foi condenado a 180
dias, a pena depois que o clube recorreu foi revertida a suspensão em três partidas. Segundo
nosso entrevistado número 2:
Interpreto como uma passada de mão na cabeça, pra não ficar ruim com ninguém às
vezes o tribunal toma essas medidas, sabe. Ah, tomou lá, seis meses, aí não, 6 vezes
é muito, e vai entrando em instância, vão brigando, e isso chega no meio termo, mas
quem busca justiça assim não tem que ter, o Brasil é diferente né[sic], se ver nosso,
nossa sociedade, isso acontece então futebol é só um reflexo.
Os insultos e xingamentos parecem ser considerados pelos agressores apenas
como uma forma de reclamação e crítica ao trabalho realizado pelos árbitros. Perguntamos
para o entrevistado 1 se ele reconhecia que a violência pode ser simbólica. Segundo ele:
Sim, sim. Pra mim a violência verbal, dependendo do que for falado é pior que um
tapa na cara, eu assim, no meu caso particular, eu nunca fui agredida de fato com um
tapa, com um soco. Tentativa eu já tive, mas nunca fui agredida chegar a..., mas eu
fui agredida de uma forma verbal que me machucou muito mais que eu não esqueço
até hoje, talvez se tivesse me dado um tapa eu já tivesse esquecido. Mas as palavras
que foram ditas machucou muito mais, é um tipo de violência sim.
O árbitro relatou ter sofrido violência de maneira bastante significativa duas
vezes. A primeira em um jogo de quartas de final da Copa Brasil Feminina de Futebol em
2014, quando após o jogo a equipe perdedora tentou agredi-lo responsabilizando-o pela
desclassificação. As atletas foram contidas pela comissão técnica e pelo policiamento. A
segunda vez foi em um campeonato amador da OAB onde um jogador da equipe perdedora
69
Fonte: Jornal: “O Estado de S. Paulo”, São Paulo. 4 set. 2015,Caderno de Esportes, p. 17. 70
Fonte: Jornal: “O Estado de S. Paulo”, São Paulo. 5 maio 2015, Caderno de Esportes, p. 15.
119
ao término da partida dirigiu-lhe ofensas morais. Questionado sobre o que teria motivado as
agressões, respondeu:
No primeiro caso, no jogo da OAB pra mim o que motivou foi à falta de educação, e
a falta de respeito com a figura do árbitro, porque talvez o cara fosse um, não sei,
porque além de ser advogado, ele pode ser um prele [sic] reitor, pode ser um oficial
de justiça, pode ser qualquer coisa que tem direito. Então ele se acha o dono da
razão, o poderoso, mas ali no campo do jogo quem manda é o árbitro, e talvez ele,
ele teve dificuldade de aceitar que ali ele era só mais um só mais um jogador entre
os 22, que ele ali não tinha privilegio nenhum, era exatamente igual o outro e quem
mandava, quem tava superior a ele, no caso era eu e o outro árbitro. E no caso da,
da, do Jogo Feminino o que motivou foi à falta de, de preparo psicológico nas
meninas, porque eu sempre falo, o jogo de futebol tem três resultados, a vitória, a
derrota e o empate. E tem que estar preparado pra um desses três resultados, e tem
que ser construído dentro do campo do jogo o resultado, que não vai ter um fator
externo ou um árbitro vai fazer eu ganhar. É você faz isso dentro do campo do jogo,
elas sofreram um gol, acabou o jogo, perderam a cabeça, falta de preparo
psicológico. E infelizmente nós temos mais no futebol feminino, esse despreparo,
esse destempero as mulheres não estão muito acostumadas, eu sou mulher, to[sic]
num futebol, é por estar, é por saber da dificuldade, as mulheres não tem esse
autocontrole. Porque no jogo masculino, um cara quer brigar sempre chega, a turma
deixa disso pra segurar, o que quer brigar. Num jogo feminino, quando as meninas
querem brigar, as outras não querem nem saber por que elas tão brigando, quer
brigar também. Então, é... Essa é a realidade, não adianta a gente contar historinha
pra você, tem que falar a verdade.
No depoimento do árbitro novamente aparecem como causas para a violência a
falta de educação, falta de respeito e a transferência de responsabilidade. Ao comentar o
campeonato amador, ele atribui ao jogador, possível advogado, o sentimento de ser autoridade
e ter o poder que provavelmente pense ter na sua vida profissional. Para Elias, o poder está
presente em todas as relações humanas e no jogo de futebol como muito bem foi mencionado
pelo árbitro a autoridade como representante das leis do jogo é do árbitro. No campeonato
feminino atribui à violência a falta de controle emocional das jogadoras. Para Elias e Dunning
(1992, p. 69), [...] a contenção de sentimentos fortes, no sentido de alguém preservar um
controlo regular firme e completo dos impulsos, afectos e emoções é um factor de origem de
novas tensões. O fato de a primeira agressão ser em um canpeonato amador da OAB nos
direcionou para duas novas perguntas: Os jogadores desta partida eram advogados? E você
acha que o nível cultural, socioeconômico interfere e tem diferença em relação ao torcedor?
Sim, o que me agrediu era advogado sim. O que me deixa mais triste ainda, porque
eu já fiz jogos em comunidades né, é que os caros chamam de favela, mas agora não
pode mais chamar favela, tem que chamar comunidade né. Já fiz muito jogos em
comunidade, assim o nível intelectual das pessoas que estavam jogando baixíssimo,
talvez nenhum, mas às vezes me respeitaram muito mais, nunca tive esse tipo de
problema em, nesses jogos. E aí o jogo da OAB, o Campeonato da OAB onde só
jogam advogados, eu fui agredida dessa forma, isso que me deixa mais triste, ou não
né, porque aí você fala, não é o nível cultural da pessoa que vai levar a ser educado
ou não, se tem respeito pelo próximo ou não.[...] porque é como te falei, não
120
depende do intelectual do indivíduo, acho que é dele. Porque às vezes você vê
pessoa de, de, de nível cultural baixo, ou nenhum, intelectual nenhum e tem respeito
pelo próximo, pela figura do árbitro, pela figura do, do assistente. Aí você fala
assim: ‘’como, o cara não tem nem estudo. É, mas ele tem educação’’. Porque tudo
eu acho que é uma coisa, educação é outra que você tem e eu não tenho, é uma coisa
de berço. E às vezes tem pessoas que tem o nível intelectual lá em cima e tem é,
graduado, pós-graduado, mestrado, só que ele não tem educação nenhuma, ele não
tem respeito nenhum com o ser humano. Então eu acho que isso aí não tem nada a
ver com nível intelectual, eu acho que vai um pouco da criação da pessoa, da, da
família, não sei, eu acho que não sei.
Para o entrevistado o nível cultural e socioeconômico do indivíduo não é
determinante para o seu autocontrole em uma partida de futebol. O entrevistado atribui à
formação e educação primária quando a criança incorpora comportamentos e valores para
uma vida em sociedade este tipo de atitude. Segundo Elias (2011, p.180),
A inter-relação dos pais e filhos, através da qual a vida instintiva da criança é
lentamente modelada, é assim determinada por nada menos do que a “razão”.
Conduta e palavras associadas pelos pais à vergonha e repugnância são muito cedo
associadas da mesma maneira pelos filhos, através de manifestações de desagrado
dos pais, por pressão mais ou menos suave. Desta maneira, o padrão social da
vergonha e da repugnância é gradualmente reproduzido no filho.
Para Reis (2006, p.18), “[...] há uma falência dos valores morais e éticos que faz
com que os papéis sociais de pai e mãe deixem de ser cumpridos” e as crianças acabam
encontrando dificuldades na escola para a convivência em sociedade.
Nosso segundo entrevistado diz ter sofrido apenas uma agressão física e sofrer
agressões verbais dentro do estádio. Na agressão física diz somente ter tomado consciência da
situação após ver o lance pela televisão, pois o empurrão, “trombada” do jogador foi pelas
suas costas. Segundo o entrevistado 2, “tive um tranco nas costas, mas eu já trombei várias
vezes com um jogador, pra mim tinha sido uma trombada natural e depois vendo pelas
imagens ele veio pra me acertar”. Ao ser perguntado sobre o que motivou a agressão o árbitro
respondeu:
Foi um lance assim que eu falei que me lesionei, eu falei que tava lesionado, e meu
posicionamento atrapalhou uma jogada do time e ele foi passar por mim e deu uma
esbarrada em mim. Mas não me derrubou nada, só me desequilibrou, é que era um
jogo de TV aberta e tal, foi buscado demais e tal, ai isso mostra que ele muda a
trajetória pra me acertar. [...] o fato de eu ter atrapalhado a jogada assim. [...] acho
que muito mais da índole dele do que, do que qualquer outra coisa.
O árbitro atribui a agressão à “índole” do jogador e reforça a fala do entrevistado
número 1 em relação a posturas e comportamentos adquiridos no convívio familiar. As outras
121
agressões por ele mencionadas parecem não terem sido significativas, porém entendemos
como agressões frequentes dos torcedores nos estádios de futebol.
O árbitro 3 entrevistado comentou assim a agressão física que sofreu: “[...] no
campo de jogo que já cheguei a ter esse problema de vias de fato, mas assim, nunca uma
agressão de soco assim, mas empurrão daquela coisa de rodinha, de xingamento
principalmente já sofri”. Afirma que as situações de violência simbólica são constantes e
partem de jogadores, comissão técnica, dirigentes e torcedores. Na agressão física sofrida
disse ter ocorrido em um jogo profissional da segunda divisão do Estado de São Paulo.
Perguntado sobre o que teria motivado a agressão respondeu: “Questão social
primeiro momento, educação, indisciplina e a paixão, emoção envolvida, emoção envolvida
no jogo propriamente. Mas acho que os maiores momentos, maiores questão pra essa
violência ainda seja educação.
O entrevistado número 3 atribui como a maior causa da violência a educação que
para nós foi entendida como a educação primária. O árbitro cita as emoções e a paixão. O
futebol é uma atividade mimética para os espectadores e os jogadores profissionais precisam
manter o controle das suas emoções.
Perguntamos aos três árbitros como eles veem e interpretam a violência contra os
árbitros de futebol. Vejamos os sentimentos que nos transmitiram ao responderem este
questionamento:
Como eu interpreto a violência contra os árbitros? É, é, é... Qualquer tipo de
violência é inaceitável né[sic], ainda mais contra um árbitro, que é o que eu sempre
falo, o cara tá se divertindo, a gente tá trabalhando, até os jogadores estão se
divertindo, acaba sendo uma forma de lazer para os jogadores. O torcedor que ta no
estádio ele tá divertindo, ele escolheu tá lá. O árbitro não, o árbitro tá trabalhando,
então imagina você. Você tá trabalhando, seu caso é, você é professora, você tá
numa sala de aula você toma um tapa, um soco, um chute de um aluno, você
trabalhando. Então assim, é inaceitável, a violência, qualquer tipo de violência, de
qualquer tipo de pessoa é inaceitável e pro árbitro ainda mais. O árbitro tá
trabalhando, ele não tá lá se divertindo, ele tá lá trabalhando, enquanto todos se
divertem, o árbitro tá trabalhando (ENTREVISTADO 1).
Eu já vi depois que já aconteceu comigo teve muitos outros casos, como se tivesse
sido comigo, como se tivesse me agredido. Sinto a dor deles lá me coloco no lugar
deles, enquanto não tiver uma punição exemplar provavelmente é o que vai
continuar acontecendo (ENTREVISTADO 2).
Muito triste né[sic], muito triste, acho que ali revela, revela o, a falta de preparo, de
educação e de respeito a esse profissional que ainda faz parte do jogo que não é o
principal, que os principais são os jogadores, mas que se faz necessário a presença
de intermediadores e desse arbitro na partida de futebol. Então essa componente
desse universo que não deveria passar pelo o que passa ou que passou
(ENTREVISTADO 3).
122
Indignados e repudiando qualquer forma de violência não apenas nos gramados,
mas em toda a sociedade os árbitros cobram mais respeito e acreditam que a violência não
pode ficar impune.
4.7 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA CONTRA AS MULHERES ÁRBITRAS
Quando decidimos por entrevistar os árbitros FIFA do Estado de São Paulo nossa
primeira decisão foi procurar nos sites da Confederação Brasileira de Futebol quem eram os
árbitros desta categoria. Para a nossa surpresa temos em São Paulo uma árbitra FIFA. A
surpresa se justifica por não vermos esta mulher e outras que pertencem a esta categoria
porém, de outros Estados brasileiros, atuando nos campeonatos profissionais de futebol em
São Paulo ou no Brasil como árbitras centrais. Nos últimos anos aumentou a presença de
árbitras assistentes (bandeirinhas) nos jogos profissionais e em todo o campeonato brasileiro
de 2015 nenhuma mulher dirigiu uma partida profissional masculina. Pedimos que o
entrevistado 1 comentasse esta postura das instituições e perguntamos se ele considerava esta
discriminação como uma forma de violência. Vejamos o que ele nos respondeu:
Eu considero sim, porque como você falou, nós mulheres. Tem eu que sou FIFA, e
tem mais quatro árbitras centrais na Federação Paulista de Futebol e realmente a
gente não tem as mesmas oportunidades que tem os homens, que são mesmas
categorias, é de referência né[sic]. No caso eu sou categoria 1, eu não tenho o
mesmo número de jogos que a outra categoria tem, se eu to na categoria 1 eu tenho
que ter o mesmo número de jogos. Aí o que estão na mesma categoria, não tem o
mesmo número de jogos, quer dizer, a gente tem menos número de jogos, menos
oportunidade[sic], pra mim é pelo simples fato de ser mulher sim é, porque nós
somos cobradas da mesma forma, nós somos cobradas no mesmo teste físico, prova
teórica, no procedimento a seguir o regulamento, só que na hora de ter o retorno da
mesma forma a gente não tem, infelizmente. Mas pra mim é um tipo de violência
sim, porque nós estamos aí lutando pelo nossos espaços, fazendo tudo que eles são
obrigado a fazer. ‘’Ah, mas pra vocês são diferentes’’ mas nós somos diferentes
porque a gente quer que seja diferente, a gente faz o que a gente tem que fazer, então
pra mim é um tipo de violência sim, pelo simples fato de ser mulher, porque tem
muita resistência ainda e tem muito preconceito. Mas infelizmente, infelizmente tem
(ENTREVISTADO 1).
Perguntamos ao entrevistado 3 porque as mulheres não apitam jogos profissionais
em São Paulo. Vejamos o que ele respondeu:
Na verdade é, a federação tem esse ranking só que nós temos mesmo FIFA, nós
temos os árbitros que são FIFA pras categorias masculinas, e o quadro também de
123
árbitros FIFA para as competições femininas, levando-se em consideração que nada
impede de uma árbitra ou de uma árbitro, dos árbitros trabalhar em competição
feminina e as árbitras nas competições masculinas. A gente nota a maioria dos
árbitros trabalha nas competições, a maioria das meninas que trabalham em
competições masculinas na primeira divisão, são as árbitras assistentes, elas acabam
achando que né[sic], que o comentário geral é muito mais fácil, prático, trabalhar
como árbitro assistente, do que como árbitro central em competições masculinas. No
caso as árbitras estarem aptas a trabalharem nos jogos masculinos hoje, elas tem que
passar no teste masculino, e é uma das coisas que é mais acontecem [sic] as vezes
conseguem para fazer parte internacional feminino mas não consegue ir por causa do
quadro. São dois quadros, são dois testes, são quadros masculinos e quadros
femininos. Nós temos também situações de mulheres que passam em testes
masculinos mas depois vem a questão da escala que aí já não é uma coisa que
depende mais dos árbitros e sim da comissão que nos escala. Aí é a preferência, a
dificuldade do jogo, aí já depende muito mais da comissão do que do próprio árbitro,
nós fazemos a nossa parte mas também dependemos muito depois de momentos que
são as escalações dos jogos.
A árbitra afirma passar pelas mesmas formas de avaliações e mesmo tendo
aprovação não possui as mesmas oportunidades que árbitros homens. Esta informação é
confirmada pelo entrevistado 3 que diz que após as avaliações “ a questão da escala que aí
já não é uma coisa que depende mais dos árbitros e sim da comissão que nos escala”.
Interpretamos esta forma de violência simbólica apoiada em dois autores. Para Reis (1998,
p.46), “Os esportes modernos foram construídos culturalmente pelos homens, o que significa
dizer que, assim com em todos os ramos sociais, também nos esportes a mulher teve de
conquistar sua participação e ganhar reconhecimento”. E pensamos que esta conquista e
reconhecimento em todos os espaços sociais precisa ser acompanhada de conquistas em
cargos de gestão das instituições esportivas no Brasil. Enquanto os homens estiverem
confortavelmente instalados nestes cargos e monopolizando as decisões dificilmente as
mulheres encontram respeito e continuarão como “outsiders” na arbitragem brasileira.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da pesquisa constatei a existência de poucas pesquisas e artigos
acadêmicos na área de Sociologia do Esporte. Como dizia Elias, a Sociologia parece não
considerar o Esporte um tema sério e relevante e nós nos referenciamos em seus estudos e
compartilhamos da ideia que o esporte ajuda na compreensão da sociedade.
Um dos objetivos da nossa pesquisa foi entender porque alguém escolhe ser
árbitro de futebol. Nossos dados contradizem o que de maneira pejorativa nos acostumamos a
ouvir na mídia e de torcedores de futebol, que os árbitros são jogadores frustrados. Os árbitros
que entrevistamos se dizem apaixonados pela arbitragem e pelo futebol. Dois entrevistados
declararam a influência de familiares e amigos para se formarem e seguirem na profissão de
árbitros. O entrevistado 2, apesar de ter jogado futebol, diz ter percebido ainda jovem que a
carreira de jogador profissional é para poucos este, assim como os outros dois entrevistados
possui curso superior e também teve a influência de familiares e amigos.
O segundo objetivo foi entender a violência contra árbitros e como eles sentem e
interpretam esta violência. As raízes e causas da violência contra árbitros também estão
relacionadas à violência que presenciamos todos os dias em nossa sociedade. A teoria do
processo civilizatório de Norbert Elias nos ajuda a compreender que viver em sociedade exige
dos seres humanos autocontrole e para isso eles reprimem as suas emoções. Os indivíduos
encontram nas atividades miméticas um espaço para extravasar estas emoções. Estas
atividades possibilitam que tenhamos reações descontroladas, porém dentro de um limite
aceito no convívio social. Nossos entrevistados entendem a violência como falta de
capacidade para dialogar, expor os árbitros a situações constrangedoras, denegrir a imagem do
profissional e ser humano. Acrescentamos a estas tentativas de agressão física que sofreram
impedidas pelo policiamento presente nos jogos, policiais estes elogiados pelos árbitros; e as
ameaças e intimidações em outros lugares como aeroportos e restaurantes que estão
relacionados ao deslocamento para a realização do jogo. A impunidade é considerada pelos
árbitros um agravante, pois faz com que estas atitudes continuem a ocorrer.
A mídia, segundo os árbitros, também é responsável pela violência contra eles. Os
jornalistas e comentaristas se beneficiam de recursos tecnológicos e fazem avaliações do
trabalho da equipe de arbitragem consideradas por eles como desumanas. Os programas de
debate esportivo após as rodadas dos jogos se beneficiam dos possíveis erros e os árbitros
125
demonstram desapontamento e esperam um trabalho mais informativo e menos “torcedor” de
toda a mídia.
A violência simbólica vivida pelas mulheres árbitras de futebol se faz presente na
falta de oportunidade de trabalho. Embora estas mulheres participem dos mesmos cursos de
formação de árbitros e dos mesmos testes e critérios de avaliações durante toda a temporada,
elas não são escaladas nos campeonatos profissionais masculinos. Pensamos que o
reconhecimento pelo trabalho e a igualdade de oportunidades precisam ser concretizados,
assim como outras conquistas como a maior presença das mulheres em cargos de gestão nas
instituições esportivas no Brasil. Para Norbert Elias, o poder faz parte de todas as relações
humanas e não deve ser entendido como algo negativo nestas relações. É necessária à
equidade de gênero em uma modalidade em que os homens encontram-se confortavelmente
instalados.
Nossos entrevistados se mostraram favoráveis ao uso da tecnologia na arbitragem
e apresentaram dúvidas sobre quais recursos poderiam ser utilizados, preocupando-se com a
dinâmica do jogo. Acreditamos que o futebol precisa usufruir dos recursos tecnológicos sendo
necessário intensificar testes de aplicação destes recursos. Como os árbitros, pensamos que
estes recursos não podem interferir na dinâmica do jogo, comprometer as emoções dos
torcedores. O futebol não pode perder sua essência.
A profissionalização é desejada e esperada por nossos entrevistados. Torcemos
para que a ANAF e demais associações e sindicatos de árbitros apresentem alternativas para
que a Lei 12.867/13 que regulariza a profissão, estabelecendo critérios para os vínculos
empregatícios que proporcionariam aos árbitros dedicarem-se apenas a esta profissão.
São 152 anos de um esporte que apaixona milhões de pessoas em todo o mundo.
Nas primeiras regras não existiam os árbitros, eles passaram a fazer parte do espetáculo
quando o esporte se desenvolveu, profissionalizou-se e os gentleman não mais se entendiam
necessitando de alguém neutro, não pertencente a nenhuma das equipes para mediar às
decisões e tensões da partida. Nos dias de hoje, os gentleman continuam não se entendendo.
As altas cifras investidas no futebol aumentam a pressão por resultados positivos nos jogos,
exigindo deste mediador capacidades sobre humanas para decidir corretamente em segundos.
Os erros fazem parte da “condição humana” e perguntamos: Quem gostaria de errar diante das
várias câmeras de televisão?
Esperamos que esta pesquisa tenha proporcionado um melhor conhecimento sobre
o trabalho da arbitragem no futebol paulista e brasileiro e possa contribuir para uma maior
aceitação e valorização do trabalho dos árbitros no Brasil. Desejamos que esta dissertação
126
estimule pesquisas acadêmicas sobre os árbitros esportivos e a arbitragem em todas as áreas
de conhecimento.
127
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132
ANEXOS
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1. Identificação
1.1. Nome (não obrigatório):
1.2. Data de Nascimento:
1.3. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
1.4. Escolaridade?
1.5. Profissão:
1.6. Foi atleta?
1.6.1 ( ) Sim
1.6.2 ( ) Não
1.7. Em caso afirmativo, de qual modalidade?
1.8. Em qual instituição realizou o curso de formação para árbitros de futebol?
1.9. Ano em que concluiu o curso de arbitragem?
1.10. Entidade esportiva na qual é registrado (Liga Federação ou Confederação)?
1.11. A arbitragem equivale a qual porcentagem da sua jornada de trabalho semanal?
1.12. A arbitragem equivale a qual porcentagem do seu rendimento mensal?
2. Ser Árbitro
2.1. Por que optou em ser árbitro de futebol? Como a arbitragem “entrou” na sua vida?
2.2. Você recebeu alguma influência para optar pela arbitragem (pessoas, fatos ou experiências)?
2.3. Como foi a reação dos amigos e familiares quanto optou em ser árbitro e qual é esta relação hoje (Apoio ou
não)?
2.4. Comente a sua trajetória como árbitro de futebol.
2.5. Qual a imagem que você, quando espectador / torcedor de jogos esportivos, tinha dos profissionais da
arbitragem antes de se formar árbitro?
2.6. Hoje, você também é um profissional da arbitragem, quando espectador / torcedor, qual a imagem que tem
do árbitro de futebol?
2.7. Quando assiste seu time jogar, como você reage em relação ao trabalho do árbitro?
2.8. Na sua opinião, qual a importância da função de árbitro? Como entende a função de ser árbitro de futebol
em um país com tantas diferenças sociais e sendo o futebol considerado uma paixão nacional, uma religião?
2.9. Comente e de sua opinião sobre a profissionalização do trabalho de árbitro de futebol.
3. Situações Políticas
3.1. Considerando-se a formação de um árbitro desde o Curso para formação de árbitro até a sua ascensão à
categoria de Árbitro Internacional (FIFA), como é a relação de trabalho, investimentos, assessoria e suporte
133
(psicológico, físico, intelectual, jurídico...) dados aos árbitros pelas Instituições (Federação, Confederação, FIFA
e Associação de árbitros) para o desenvolvimento profissional / humano?
3.2. Comente:
3.2.1- Os critérios de mudança de categoria e indicação ao quadro nacional, utilizados pela comissão de
arbitragem.
3.2.2- Os critérios de mudança de categoria e indicação ao quadro internacional (FIFA), utilizados pela
comissão de arbitragem.
3.2.3- Escalas dos jogos (sorteios)
3.2.4- Valores pagos a arbitragem
4. Relações Humanas
4.1. Como são as relações pessoais com os colegas de arbitragem? (Competitividade e/ou companheirismo e
parceria).
4.2. Existem muitos comentários sobre as escalas: quem deveria trabalhar em determinados jogos?
4.3. Comente as suas relações com jogadores, comissão técnica, torcedores, espectadores e mídia, durante a
partida e não exercendo a função de árbitro.
5. Tecnologia e Mídia
5.1. Você é a favor do uso da tecnologia nas partidas de futebol para auxiliar a arbitragem?
5.2. Caso a resposta da questão anterior seja afirmativa, quais são os recursos tecnológicos sugeridos que você
aprovaria?
6. Mídia
6.1 Como você avalia o trabalho da mídia no futebol em relação:
6.1.1 Ao desempenho da equipe de arbitragem nos jogos
6.1.2 Ex-árbitros comentaristas
6.1.3 A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência nos estádios
6.1.4. A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência contra a equipe de arbitragem
7. Violência
7.1. Poderia me explicar o que você entende por violência?
7.2. Você já sofreu violência na função de árbitro?
7.3. Quais os tipos de violência que você já sofreu?
7.4. Qual era o campeonato / evento e a importância da partida?
7.5. Qual era a categoria do jogo (faixa etária dos jogadores)?
7.6. De quem partiu a violência:
7.6.1 ( ) jogadores
7.6.2 ( ) comissão técnica
7.6.3 ( ) torcedores
7.6.4 ( ) espectadores
134
7.6.5 ( ) policiais
7.6.6 ( ) jornalistas
7.6.7 ( ) outros
7.7. A violência ocorreu:
7.7.1 ( ) antes da partida
7.7.2 ( ) durante a partida
7.7.3 ( ) após a partida
7.8. Local em que a violência ocorreu:
7.8.1. ( ) No terreno de jogo
7.8.2. ( ) Nas dependências dos estádios
7.8.3. ( ) Fora das dependências do estádio
7.9. Na sua opinião o que motivou a violência/agressão?
7.10. Em relação à segurança / violência, quais são as diferenças entre trabalhar em jogos amadores /
profissionais, Série A e Série B?
7.11. Como você avalia a segurança nos estádios e a segurança dada a equipe de arbitragem?
7.12. Como você vê e interpreta a violência contra árbitros?
7.13. Uma pesquisa realizada com árbitros de futebol na Áustria tinha como objetivo investigar quais as
situações de conduta antidisciplinar de jogadores e técnicos que levavam um árbitro a utilizar um cartão
vermelho. As respostas mais citadas pelos árbitros foram: Ofensas relacionadas à capacidade técnica, a aparência
física, ao caráter, a orientação sexual e outros. Qual é o tipo de ofensa citados na pesquisa que você menos tolera
tornando possível a punição com o cartão vermelho?
7.14 Na sua opinião, quais ofensas são de maior relevância?
7.15 Você poderia numerar as ofensas de acordo com a gravidade e necessidade de punição?
7.15.1 ( ) capacidade técnica
7.15.2 ( ) a aparência física
7.15.3 ( ) caráter
7.15.4 ( ) orientação sexual
7.15.5 ( ) outros
8. Stress e Autocontrole
8.1 Você poderia numerar quais são os motivos de maior tensão e stress:
8.1.1 ( ) Você ou a equipe de arbitragem sofrer agressão
8.1. ( ) Falta de segurança nos estádios
8.1. ( ) Trabalhar em partidas de equipes com as quais você já teve problemas em partidas anteriores
8.1.4 ( ) Atrasos e pontualidade
8.1.5 ( ) Pagamentos de taxas
8.1.6 ( ) Cometer erros em momentos decisivos da partida
8.2. Quais são as atitudes de jogadores e técnicos que dificultam seu trabalho de árbitro?
9. Existe algum outro tema ou comentário que gostaria de registrar?
135
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
“Árbitros: Vilões ou Mediadores do Espetáculo”
Carla Righeto
Número do CAAE: 1.164.183
Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante e é
elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas
antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode
levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não
quiser participar poderá retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de
penalização ou prejuízo.
Objetivos
Os objetivos deste projeto de pesquisa é identificar quem são os árbitros FIFA em atuação na
Federação Paulista de Futebol, o que os levou a escolher a arbitragem como profissão. Estudar os tipos
de violências sofridas por estes, assim como eles sentem e interpretam a violência sofrida.
Justificativa
A escassez de pesquisas acadêmicas relacionadas ao tema na área de sociologia, o desejo de contribuir
para um melhor entendimento da violência sofrida pelos árbitros de futebol, possibilitando assim para
que sejam criadas propostas sócio-educativas que permitam diminuir as manifestações agressivas aos
árbitros no Brasil.
Procedimentos
Participando do estudo você está sendo convidado a: conceder uma entrevista que será gravada em
áudio e/ou vídeo e preencher um questionário.
Observações: a) Não haverá necessidade de deslocamento do voluntário(a); b)A entrevista ocorrerá na
cidade e local escolhido pelo voluntário (a); c)Não haverá grupo experimental ou grupo de controle;
d)Para a aplicação do questionário e a realização da entrevista serão necessárias duas horas em dia e
horário a ser acordado com os (as) voluntários (as); e)Todas as despesas serão de responsabilidade do
responsável pela pesquisa.
Desconfortos e riscos
Você não deve participar deste estudo se não se sentir confortável em responder questionários e/ou
participar de entrevistas gravadas sob o formato de áudio e/ou vídeo.
O questionário e/ou as entrevistas poderão causar algum tipo de constrangimento ou desconforto em
virtude das perguntas que serão feitas. Caso isso ocorra o pesquisador se compromete a esclarecer o
136
motivo de tais perguntas ou questionamentos e caso o desconforto permaneça o pesquisador se
compromete a retirar as perguntas e não utilizar as respostas referentes às perguntas e/ou
questionamentos feitos.
Benefícios
As vantagens dos voluntários (as) que optarem por participar da pesquisa será a de contribuir para um
melhor entendimento da violência sofrida pelos árbitros (as) de futebol no Brasil.
Acompanhamento e assistência
Caso ocorra a necessidade de acompanhamento e assistência esta se dará por meio de contato
telefônico e email. Em havendo a necessidade o pesquisador se compromete a agendar um encontro
pessoal.
Sigilo e privacidade
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo, as entrevistas gravadas em áudio e
as filmagens não serão divulgadas e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam
parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será
citado.
Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:______________
Ressarcimento
Caso o sujeito da pesquisa venha a ter alguma despesa que seja fruto da participação na presente
pesquisa este deverá apresentar os comprovantes da despesa para o responsável pela pesquisa para
ressarcimento. O ressarcimento será feito por meio de depósito bancário e o comprovante será enviado
por email ao sujeito da pesquisa.
Contato: Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com Profa. Carla Righeto
Endereço Profissional: Rua Ademar Manarini, no 60 , Campinas, SP, CEP: 13058-700 , Telefone:
(19) 32611244, Tel. Celular (19) 997727665, Email Pessoal: [email protected] (pesquisador)
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você
pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua:
Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19)
3521-7187; e-mail: [email protected]
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios
previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:
137
Nome do (a) participante: ________________________________________________________
_______________________________________________________ Data: ____/_____/______
_____________________________________
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu responsável LEGAL)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração
do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter
explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado
pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP, quando pertinente. Comprometo-me
a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas
neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.
______________________________________________________ Data: ____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:______________
138
139
140
141
142
TRANSCRIÇÃO 1
Entrevistado 1
Realizada em 25/08/2015
São Bernardo do Campo / SP
Bom, boa tarde, queria te agradecer demais pra, por você tá me recebendo aqui.
Magina! É uma satisfação poder ajudar.
E tá contribuindo pra, pra esta pesquisa.
Identificação
1. Seu nome completo
1.1.
1.2. Data de nascimento
1.2. 08/02/74:
1.3. Sexo
1.3. (x) Feminino
1.4. Escolaridade
1.4. Superior Completo
Você se formou?
Gestão Desportiva e Lazer
1.5. Profissão
1.5. Árbitra de Futebol.
1.6. Você foi atleta?
1.6. Por incrível que pareça não. A maioria dos árbitros são exs atletas, jogaram futebol. Mas eu não fui atleta
não.
1.7. De nenhuma modalidade esportiva?
1.7. Não, só na escola, na atividade física mesmo. Joguei Handei, vôlei, essas coisas, mais nada profissional, só
lazer mesmo.
143
1.8. Em qual instituição você fez o seu curso de arbitragem?
1.8. Primeiro curso de arbitragem eu fiz em 2000 aqui em São Bernardo do Campo na Araputi, era uma empresa
de arbitragem, que é aqui em São Bernardo. Em 2003 eu fiz outro curso no Sapesp, que é o Sindicato de Futebol
do São Paulo e em 2004 eu fiz um curso na Federação Paulista de Futebol.
E por que você precisou fazer três cursos, eles não eram reconhecidos?
Não o daqui de São Bernardo na Araputi era só pra trabalhar aqui na região mesmo. O Sapesp é o sindicato de
árbitro é reconhecido, mas também só pra trabalhar no amador. E a Federação Paulista te dá o direito de
trabalhar em competições organizadas pela Federação Paulista de Futebol.
1.9. O da Federação em 2000?
1.9. Em 2004
1.10. Hoje você é filiada a qual instituição
1.10. Hoje eu continuo sendo filiada no Sindicato de Árbitros porque todo árbitro é necessário ser sindicalizado,
de preferência. Sou árbitra da Federação Paulista, no ano de 2007 entrei no quadro da Confederação de Futebol,
na CBF. Em 2012 eu entrei no quadro internacional, no quadro da FIFA. Então hoje eu sou das quatro entidades.
Em todas você tem vínculo?
Sim.
1.11. A arbitragem equivale a que porcentagem do seu rempo de trabalho?
1.11. Olha eu posso te falar que a arbitragem equivale a 90% do meu, tempo de trabalho. Porque eu me dedico
principalmente na arbitragem. Eu treino por causa da arbitragem, eu trabalho com isso, mesmo quando eu não
estou atuando no corpo do jogo, eu estou fazendo palestra, dando curso de árbitro, então na verdade a arbitragem
é minha principal atividade hoje, a minha única atividade hoje, eu vivo pra arbitragem e da arbitragem.
1.12. E ela equivale a quanto por cento da sua renda salarial?
1.12. 100%
2. Ser árbitro
2.1. Por que você optou em ser árbitra de futebol? Como a arbitragem de futebol entra na sua vida?
2.1. Eu sempre fui muito apaixonada pelo futebol e influenciada pelo meu irmão mais novo Eraldo, porque eu
sou de uma família de 6 filhos, 4 mulheres e 2 homens, onde eu sou a caçula e o Eraldo é o próximo depois de
mim. E fui criada em Juazeiro da Bahia, apesar de ter nascido no Pernambuco. Eu só nasci no Pernambuco, fui
criada em Juazeiro da Bahia e minha mãe falava assim: ‘’eu já tenho muito filho, não quero ninguém brincando
na rua e nem ninguém da rua brincando aqui’’. Então restava nóis brincar entre nóis nós mesmos, como eu e o
Eraldo éramos os mais novos ele não brincar de boneca comigo, eu que tinha que brincar de bola com ele, de
bolinha de gude, de soltar pião, então começou a paixão de futebol influenciada por ele, que ele é muito louco
144
por futebol. E aí nós viemos pra São Paulo em 91 é, ele foi jogar bola no time da vila, eu sempre eu ia ver ele
jogando bola. Depois ele machucou o joelho, parou de jogar bola e fez o curso de árbitro, então eu sempre ia ver
ele apitando futebol estava no meio do futebol, jogo de futebol. E eu entendia muito de futebol, e os amigos dele
todos falavam: : ‘’você precisa fazer um curso, você é uma árbitra nata’’. E em 2000 eu fiz o curso aqui em São
Bernardo como eu já falei, em 2003 no Safesp e em 2004 na Federação Paulista de Futebol, mas já adianto que
eu não queria ser árbitra central, eu queria ser árbitra assistente, é, na época eu estava casada, e o meu esposo
falava assim pra mim: ‘’você tem que ser árbitra central porque você é muito mandona, você é muito
autoritária, você tem perfil de árbitra porque você manda demais’’. De tanto ele falar eu me convenci e fui
apitar, até então eu estava só bandeirando, fui apitar e realmente me dei muito bem apitando, tanto que cheguei
no quadro internacional, então ele tinha razão.
2.2. A pergunta seguinte diz respeito a alguma influência. Nào sei se você queria completar por você falou
do seu irmão, mas se teria alguma outra influência de fatos, pessoas...
2.2. Não, a influência foi o meu irmão mesmo o Eraldo.
2.3. E a reação dos amigos quando você falou que ia ser árbitra?
2.3. Olha, os amigos e a família sempre me apoiaram bastante porque sempre souberam da minha paixão pelo
futebol, sempre acompanhei meu irmão tanto jogando, quanto apitando. Então eles sabiam que era totalmente
envolvida com aquele meio, com aquele ambiente, então eles me apoiaram muito. E minha família me apoia
muito até hoje, graças a Deus.
2.4. Queria que você comentasse a sua trajetória no futebol. Quando você começa até os dias de hoje.
Como foi esta trajetória?
2.4. Vou falar pra você que apesar de, de estar no árbitro da FIFA, de ser uma árbitra internacional onde a gente
imagina que o árbitro internacional é o topo, é o limite, é, eu não sou ainda totalmente realizada, porque ainda
sinto que eu sinto muita resistência, muito preconceito no meio com a figura aí da mulher no meio futebol. Mas a
minha trajetória foi o seguinte, comecei aqui em São Bernardo do Campo em 2000, comecei bandeirando jogos
menores, José Roque, jogos é, Copa São Bernardo, jogos de menores expressão. Em 2003 eu fui fazer o curso no
Sindicato dos Árbitros, lá eu já tinha optado por ser árbitro central, onde a primeira escala já foi apitando né.
Apitando um jogo, bandeirando dois no clube Mercedes, onde eu tive assim um grande apoio do diretor de
árbitro na época, era o atual Júlio, que hoje é o atual presidente da Sapesp e de lá pra cá, ele veio me dando
oportunidades como Copa Metropolitana, na Copa Kaiser, no Campeonato da UOV, e eu fui tendo um
reconhecimento, em 2003 pra 2004 eu fui fazer um curso na Federação Paulista de Futebol, onde eu já cheguei
assim, com um certo nome né: ‘’poxa a [...]apita’’. Então assim, já abriu algumas portas da trajetória que eu
tinha desde ao ano 2000. Na Federação Paulista comecei fazendo também jogos da categoria de bases, sub 15,
sub 17 femininos, e teve uma época na Federação Paulista, 2005 e 2006, que foi bem complicado pra mulher né.
Onde ele já não dava tanto apoio pra mulher, árbitra de futebol, queria mais pra bandeirar, foi essa que eu tive
um pouco mais de resistência, mas assim, eu me mantive forte, era isso que eu queria, então eu não desisti. Teve
dirigente da Federação Paulista de Futebol, que falou assim ó: ‘’desisti de apita, vai bandeirar porque a
Federação Paulista não quer mais mulher apitando, se você quiser apitar você pode até chegar na 1, mas difícil
145
de apitar. Porque apitando você não vai chegar em lugar nenhum, você vai passar no feminino sub 15 pro resto
da sua vida’’. A minha resposta foi: ‘’quando eu estiver escalada no feminino, no sub 15, eu vou lá e vou apitar
como se fosse a Copa do Mundo, porque eu to fazendo o que eu gosto, então eu não vou desistir. E a minha
esperança quem me veja apitando um sub 15 femininos e vê, ela apita direitinho e, alguém me vê no sub 17 e
fala pra me colocar no sub 20 e, esperar a oportunidade chegar. ‘’ E graças a Deus essa oportunidade chegou,
no dia 12 de outubro de 2003 eu tava apitando que não era jogo oficial, era um jogo dos árbitros de Brasília
contra os árbitros de São Paulo no Morumbi, onde pela primeira vez o Coronel Marinho me viu apitando, me viu
atuando, ele gostou da minha atuação, ele falou pra mim: ‘’se prepara que você vai ter sua oportunidade’’. Na
semana seguinte eu estava escalada pra apitar meu primeiro clássico que foi o Palmeiras e Corinthians sub 17 no
Flamengo de Guarulhos, na semana seguinte, na outra semana eu fui escalada pra apitar o meu primeiro sub 20 e
de lá pra cá eu tive uma sequência boa, isso já foi no final de 2006. No começo de 2007 entrei na Copa São
Paulo de Futebol Júnior, que é a vitrine de futebol, porque não tem nada no começo do ano, todo mundo tá de
olho na Copa São Paulo, e também pros árbitros que está buscando seu lugar ao solo, seu espaço, também é uma
grande oportunidade, porque são jogos bem disputados, equipes grandes, equipes de outros estados e graças a
Deus também eu tive um bom desempenho, nesse mesmo ano eu estreei no profissional na Federação Paulista.
Eu entrei na A3 que foi Independente de Limeira e União Barbarense e daí, no ano seguinte estreei na A2. Em
2010 entrei na A1 como quarto árbitro, em 2011 eu fui árbitro assistente adicional, aquele árbitro que ficava do
lado do gol, e de lá pra cá teve uma sequência boa. Infelizmente não consegui realizar ainda meu grande sonho
que seria apitar aqui no Paulista né, mas eu não perco as esperanças, eu acho que a esperança é a última que
morre e quando você tem um objetivo, quando você se dedica, quando você se prepara a oportunidade uma hora
aparece. Se não aparecer, pelo menos você sabe que fez tudo que lhe cabia, sua parte você fez.
2.5. Qual a imagem que você tinha da equipe de futebol antes de ser árbitra?
2.5. Sim, eu tinha um time de futebol sim. Porque seria hipocrisia falar: ‘’ah, não tenho um time’’. Porque
quando você entra pra arbitragem, você gosta de futebol. Se você gosta de futebol, você gosta de algum time
automaticamente, mas quando você entra pra arbitragem você esquece toda essa paixão e realmente pelos seus
colegas que estão no campo de jogo, do time da arbitragem. E a imagem que eu tinha era imagem nenhuma,
porque eu não via o árbitro em campo, antes de ser árbitra de futebol, eu nem me ligava em equipe de
arbitragem, realmente eu só me preocupava em torcer e nem, nunca, nunca visualizei assim: ‘’ah, o árbitro’’.
Também nunca xinguei árbitro, talvez inconscientemente eu achei que seria árbitro um dia, porque nunca
também xinguei árbitro. Xingava o jogador que perdia pênalti, um gol lá, mas arbitragem não.
2.6. Quando você se torna árbitra, qual a imagem da equipe de arbitragem?
2.6. Ah, quando se torna árbitro de futebol, na verdade você vai assistir o jogo, mas você não, não vê o jogo em
si, o futebol. Você vê as ações do árbitro, você vê a arbitragem, você vai pro jogo, você vai pro estádio, você vê
na televisão, você vê a atuação do árbitro. Então você já não se preocupa mais com o time, você se preocupa já
com a equipe de arbitragem. Por isso que eu falei que quando, você pra ser árbitro esquece seu time, porque você
não importa se o time que você torcia vai ganhar ou vai perder, na verdade você torce pro árbitro. Porque você
não quer que um time ganhe com um gol de pênalti que não pênalti, que foi um gol impedido, porque a gente
146
sabe como o árbitro ta se sentindo. A gente se sente muito mal quando erra, então você passa realmente a torcer
pelo time da arbitragem.
2.7. Quando assiste seu time jogar, como você reage em relação ao trabalho do árbitro?
2.7. Não tenho time mais, meu time hoje é o time de arbitragem futebol clube.
2.8. Na sua opinião, qual a importância da função de árbitro? Como entende a função de ser árbitro de
futebol em um país com tantas diferenças sociais e sendo o futebol considerado uma paixão nacional, uma
religião?
2.8. Olha só, a função de ser árbitro é dentro do campo, e fora do campo eu acho que o árbitro age como
psicólogo. Porque é, as vezes todo jogador, não falo nem tanto no lado profissional, falando um pouco do
amador, é que as vezes o jogador amador passa a semana inteira trabalhando e sai de domingo pra se divertir.
Mas as vezes ele ta com problema em casa ou então a torcida vai só pra xingar o árbitro. O árbitro entra no
campo, ele já tá xingando, nem deu o direito de ele acertar ou errar, ele já tá xingando. Mas aí eu sempre falo pra
mim mesma, pros meus colegas, que esse é o papel social do árbitro, o cara tá com problema dentro de casa,
então ele desabafa, relaxa, põe pra fora[...]. A gente escuta, a gente ta aqui pra isso, afinal entra em um ouvido,
sai pelo outro, porque não dá pra levar a sério, o que a torcida fala, o que os jogadores falam, então eu acho que
o papel do árbitro é o psicólogo.
3. Situações políticas
3.1. Considerando-se a formação de um árbitro desde o Curso para formação de árbitro até a sua
ascensão à categoria de Árbitro Internacional (FIFA), como é a relação de trabalho, investimentos,
assessoria e suporte (psicológico, físico, intelectual, jurídico...) dados aos árbitros pelas Instituições
(Federação, Confederação, FIFA e Associação de árbitros) para o desenvolvimento profissional / humano?
3.1. Olha só, hoje de uns 3, 4 anos pra cá, melhorou muito, essa relação da entidade se preocupar com árbitro,
com o ser humano. Se preocupar com a parte psicológica, a parte física, mas eu ainda acho que tá muito, muito
além do que podia ser, acho que ainda tá bem atrasado, poderia fazer muito mais coisa pra reverter pro árbitro.
Porque é muita, é muita responsabilidade, é muita, é uma carga muito pesada que o árbitro leva né. Ficar
mexendo com milhões em dinheiro, que milhões de pessoa de paixão. Então eu acho que ele deveria ter uma
coisa maior aí, em relação a parte psicológica é, na parte física, mas acho que a gente ta caminhando pra mudar
isso. Hoje no quadro da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol, nós temos uma psicóloga que nos
acompanha, que a gente faz consultas mensais, passa relatório pra ela de como a gente tá, como tá nosso
treinamento, como tá nossa vida pessoal, no geral. Na Federação Paulista também tem, não é um
acompanhamento tão especifico e os treinamentos físicos são feitos periodicamente na Federação Paulista, onde
tem um convênio próximo ali na Barra Funda, que a gente faz um treinamento técnico de físico. Mas eu ainda
acho que podia ter um investimento maior, porque eu acho que é muita responsabilidade que o árbitro carrega
pra não ter tanto investimento no árbitro né. É tanta cobrança, tanta dificuldade, eles cobram tanto do árbitro,
mas eu acho que não tem tanto retorno, não tem tanto investimento como deveria ter.
147
3.2. Comente:
3.2.1- Os critérios de mudança de categoria e indicação ao quadro nacional, utilizados pela
comissão de arbitragem.
3.2.2- Os critérios de mudança de categoria e indicação ao quadro internacional (FIFA), utilizados
pela comissão de arbitragem.
3.2.3- Escalas dos jogos (sorteios)
3.2.4- Valores pagos a arbitragem
3.2.1. Aqui na, eu posso falar diretamente da Federação Paulista porque é da onde parte tudo. Federação Paulista
indica os melhores da CBF, que ta indicando pra FIFA. Aqui na Federação Paulista de Futebol, depois que o
Coronel Marinho assumiu em 2005, depois que teve o problema da máfia do apito, foi criando o ranking, ranking
da arbitragem, onde os árbitros são divididos por categoria especial, categoria 1, categoria 2, categoria 3,
categoria 4, categoria 5 e estagiário. Onde na especial até categoria 3, o árbitro pode fazer jogos profissionais e
também jogos amadores, jogos da categoria de base. Categoria 4, 5 e 6 e estagiários são mais jogos pra fazer
amador ou feminino. Esse mundo de avaliação a gente é avaliado pelo teste físico, que são 2 testes físicos no
ano. Um no final do ano e um no meio do ano, tem prova teórica também, uma no meio do ano e um no final do
ano, é, relatórios dos observadores que vão nos jogos, que vê o seu desempenho no campo do jogo, aplicando
bem todas as técnicas de arbitragem e esse observador ele te dá uma nota e tudo isso vai pro seu prontuário, onde
no final do ano a comissão de arbitragem se reúne, vê os árbitros que tiveram as melhores notas, tanto em teste
físico, quanto em jogos. Prontuário também pediu, o regulamento da Federação Paulista em relação a vestimenta,
então você tem que tá enquadrada toda num procedimento, na que eles pedem, ao final do ano os melhores
sobem de categoria. No caso 4 sobe pra 3, o 3 pra 2, o 2 pra 1 como também pode cair, então tem essa, como
diria no senado, é a dança das cadeiras né. Na Federação que ta dentro das posições.
3.2.2. O critério de mudança de categoria na indicação pra internacional, na Confederação, como
funciona isso?
Então na CBF alguns árbitros, que eu não sei qual é, qual tipo de que forma é feito a escolha, ao contrário, eles
passam a ser aspirantes. Árbitro aspirante a FIFA, árbitro central aspirante a FIFA, que deve ser também pelo
desempenho nos jogos, no teste físico, na prova teórica, que a gente também tem prova teórica. Teste físico na
CBF, e os jogos, também os jogos, creio eu que seja pelo desempenho, os melhores são indicados a ser aspirante.
E dentro dos aspirantes, a partir do momento que surge uma vaga pra, pra ter árbitro assistente, dentro dos
melhores escolhidos. Porque no caso, aqui na Federação Paulista de Futebol, tinha três árbitros FIFA, era o [...] e
o [...]. Aí o[...] saiu, o escudo dele foi pra outro árbitro que já estava, ficou o[...] e o [...], os dois saíram,
automaticamente entrou os dois que eram aspirantes São Paulo. No caso, o[...] e o[...].
Quem indica pra FIFA é a Confederação?
É a CBF, é a Confederação Brasileira de Futebol.
E no mesmo jeito que a Confederação Paulista tem todo um regimento de ranking, na Confederação não
existe?
Deve existir sim.
Mas não claro pra todos, como funciona...
148
Pelo menos eu não tenho conhecimento.
E quantas vagas o estádio tem de árbitros e assistentes? Ou não existe um número certo de vagas pra
árbitros internacionais na Confederação?
Não tem mais essa coisa de a, o estado de São Paulo tem dois, o estado do Rio tem dois não, quem decide agora
é a.... Confederação.
3.2.3. O sorteio de escala é um tema bem, bem delicado que as nossas entidades de classe vêm lutando bastante
pra tentar tirar isso do estatuto do torcedor porque tá no estatuto do torcedor. Então tem que ser respeitado, mas é
uma coisa que ninguém concorda, acho que nem os dirigentes da arbitragem, da federação, da CBF concorda
porque fica difícil até pra eles também pra fazer essa escala, esse sorteio. Eu também acho que eles preferiam
que não tivesse, mas como a gente tem que seguir a constituição que tá lá na, no estatuto do torcedor, que tem
sorteio, então respeita o sorteio. Mas eu acho que prejudica um pouco a carreira do árbitro porque como um
Campeonato Paulista um árbitro internacional, apitou 4 jogos porque ele não era sorteado, sendo que se fosse por
escala, com certeza ele teria um número maior de jogos porque um jogo importante, sabia que ele podia ter
apitado aquele jogo seria muito mais fácil pra comissão de arbitragem escalar ele e até pra comissão de
arbitragem fica difícil. Porque as vezes tem um jogo que precisa daquele árbitro, só que você tem que colocar no
globo quatro árbitros, e as vezes cai um que você queria que não caísse, mas tem que tá lá no globo, então o
sorteio eu acho que não ajuda em nada a arbitragem, nem estadual, nem Brasileira. E as escalas seguem esse
critério, então na verdade tipo assim, o árbitro é escalado se ele for sorteado.
Não existe um controle entre um número de árbitro e um número de jogos?
É difícil ter esse controle por causa do sorteio.
Então eu tenho árbitro que trabalham muito e tenho árbitro que trabalho pouco?
Sim. Infelizmente por causa do sorteio, sim, se não tivesse o sorteio era mais fácil controlar.
3.2.4- Pensando no mundo do futebol eu acho que os valores pagos são um absolutamente baixo, o dinheiro que
envolve o futebol, nessas novas arenas aí que as torcidas estão apanhando suas equipes, onde envolve milhões,
onde um árbitro de futebol receber 3 mil reais é dinheiro de pinga pra eles que, com a renda que teve no jogo,
mas se você pensa na situação sócio econômica do país, se você pensar o cara em 90 minutos ganha 3 mil reais
daí é muito, que as vezes tem um pai de família que trabalha o mês inteiro e não ganha metade disso. Mas
falando no futebol, primeiro que envolve, o futebol, acho que é pouco o cache que eles pagam pela
responsabilidade que ele carrega, porque é muita, é muita pressão que o árbitro carrega, é muita
responsabilidade, de não poder errar, óbvio que vamos errar sempre, nós somos seres humanos. Mas a
responsabilidade é muito grande pra, pra o dinheiro que a gente recebe, grandes rendas de jogadores, os valores
exorbitantes que recebem, os treinadores. E o principal pessoa que tem que ter que realizar o jogo, porque sem o
árbitro de futebol, apesar da gente ser odiado, mas sem árbitro de futebol, não tem jogo.
4. Relações Humanas
4.1. Como são as relações pessoais com os colegas de arbitragem? (Competitividade e/ou companheirismo
e parceria).
149
4.1. Olha, a relação do árbitro de futebol é mais de parceria do que de competitividade, apesar de acontecer a
competitividade entre nós, que é fato, que a gente tem sempre que fazer o melhor porque ao final do ano poderia
subir de categoria e fazer melhor os jogos, isso é fato, a competição existe. Só que é uma competição saudável,
um torce pelo outro, apesar da gente ser concorrente a gente torce pelo outro, porque tem espaço pra todos. Se
você tiver competência, se você tiver qualidade, vai ter espaço pra todos. Então tem muita parceria, um exemplo
meu mesmo, eu sou aqui do ABC Paulista e a gente tem um grupo de árbitro aqui do ABC, de São Bernardo, de
São Caetano, de Santo André, onde a gente se reuniu, contratou um professor que passa treino pra gente e
acompanha a gente nos treinos, então fica tudo mais gostoso, tudo mais prazeroso, você treinar numa turma.
Porque as vezes tá frio, as vezes você tá cansado, não a afim mas o colega já liga e já fala: ‘’vamo treina hoje,
vamo lá, tal’’. Cê chega na pista desanimado, o cara já fala ‘’vamo aí, vamo faze o treino proposto pra hoje’’
Então um acaba incentivando o outro, motivando o outro. E é assim uma relação de muita parceria e isso no
geral, nos árbitros brasileiros, árbitros estaduais. Óbvio que tem um ou outro que não se dá bem, mas isso é ser
do árbitro, de ter parceria, até no dia a dia, foi só quando num, não consegue um convívio na sociedade, pode ser
em qualquer meio que seja, no familiar, no meio do trabalho, no meio da arbitragem, mas é um problema dele. A
grande maioria tem muita parceria.
4.2. Existem muitos comentários sobre as escalas: quem deveria trabalhar em determinados jogos?
4.2. Ah existe! Existe, existe, porque seria hipocrisia eu falar pra você que não, não existe não, é tudo um mar de
rosas, não é. Nós somos seres humanos, a gente reclama quando não ta escalado, a gente reclama assim: ‘’ah,
porque que ele foi semana passada, essa novamente e eu não tô’’. Esse tipo de comentário existe, em qualquer
meio de sociedade existe, e não adianta falar que na arbitragem não tem porque seria mentira, seria hipocrisia.
4.3. Comente as suas relações com jogadores, comissão técnica, torcedores, espectadores e mídia, durante
a partida e não exercendo a função de árbitro.
4.3. Dependendo da comissão técnica, dependendo da equipe, dependendo do jogador, é bem difícil a, a
convivência, a relação. Porque que nem eu te falei, as vezes é do indivíduo, se ele não, não, não convive bem vai
ser em qualquer lugar que ele tiver, e tem realmente alguns jogadores, alguns técnicos, algumas comissões que
são problemáticas, que são mal-educados, que são reclamam acentuadamente, que gesticulam. Jogador que não
você não bate uma falta ele já quer reclamar, já quer abrir o braço, já quer xingar, só que vai da pessoa, do
indivíduo, não é uma questão de: ‘’ah, é porque é jogador’’. Eu acho que se tivesse, sei lá, jogando tênis,
jogando vôlei, jogando basquete, qualquer coisa, qualquer meio que ele iria ter esse comportamento, porque é
dele, não é por causa do futebol. Eu particularmente, não tenho muito problema com as condições técnicas
porque já tô na arbitragem aqui no estado de São Paulo há 11 anos, eu tenho um respeito, já conhece, já tem um
nome assim, já tem uma reputação, o cara vem resolver e você já sabe quem é. O cara não é que eu vou pro
campo do jogo que eu... Eles respeitam bastante, eu sinto até, os jogadores e as comissões técnicas me respeitam
mais do que respeitam os homens, porque com homem ele vai falar no linguajar dele, de homem pra homem.
Comigo não, eu sou mulher, ele não vai falar uma coisa que ele fala pra homem, não vai falar pra mim, então já
tem aquele cuidado, aquele jeito de lidar com a árbitra feminina e, é isso.
5. Tecnologia e mídia
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5.1. Você é a favor do uso da tecnologia nas partidas de futebol para auxiliar a arbitragem?
5.1. Depende que tipo de tecnologia, hahaha. Se for a tecnologia que vai beneficiar o árbitro eu vou. No caso de
rádio comunicadora que as equipes de arbitragem usam, o sistema de detectar o gol, que eles têm um relógio se a
bola entrou totalmente ou não, chega um sinal sonoro no braço do árbitro e ele pode validar o gol ou não, esse
tipo de tecnologia é super, hiper, válido. Agora a tecnologia que só serve pra crucificar o árbitro, onde a gente
tem 3 segundos de jogo, pra uma jogada de falta, se não foi falta, se foi impedimento, não foi impedimento, e aí
o cara tá atrás da câmera monitorando, 30 câmeras pra poder definir se realmente tava impedido ou não, se foi
pênalti ou não. Esse tipo de tecnologia eu não concordo porque acaba sendo desumano pro árbitro, porque no
campo do jogo é com dois olhos e os sentidos que a gente vai decidir, só que nós somos crucificados pelas
câmeras, pelas milhões de câmeras que está no estádio de futebol. Então eu acho desumano com o árbitro de
futebol e depois reprisar várias vezes pra o, pra o analista lá da Seleção falar: ‘’não, realmente errou, coisa e
tal’’. Poxa, na Seleção ele vê em cinco tvs e nós ali na hora que tem 3 segundos pra decidir, então esse tipo de
tecnologia eu acho desleal, desumana com o árbitro.
Existem algumas questões tecnológicas, recursos na tecnologia que tão tentando ser testados né, pela
FIFA, alguns testes são feitos na Holanda do monitor ser a favor do árbitro. Esses recursos que estão
sendo testados para, como por exemplo, no voleibol, você é a favor disso, ou não? Se for pra benefício do
árbitro mesmo que mude um pouco a dinâmica da partida?
5.2. Caso a resposta da questão anterior seja afirmativa, quais são os recursos tecnológicos sugeridos que
você aprovaria?
5.2. Eu basicamente sou apaixonada por futebol, que sou uma amante do futebol, que sou eu não concordo.
Porque eu acho que ia acabar aquela cultura de, no outro dia chegar e comentar com o amigo, aquela brincadeira
no trabalho, na família de: ‘’ah seu time perdeu, seu time ganhou e coisa e tal ’’. Eu que a, o futebol ele é muito
dinâmico por isso que até hoje num, num entrou esse tipo de recurso pra, no tênis pode fazer se foi dentro ou foi
fora, no vôlei dá pra ver, mas o futebol é muito dinâmico. Já pensou? São 90 minutos, as vezes quando para pra
um atendimento, pra um, pra uma substituição, pra qualquer coisa parecida o árbitro já dá um monte de
acréscimo e já foi pouco, imagina se você parar pra decidir: ‘’perai, vamo olha no monitor se foi, não foi’’. Isso
você vai perdendo no mínimo um minuto e meio, um minuto, sei lá, pra poder, volta, vê, volta de novo. Então eu
acho que acaba com a dinâmica do futebol, ia perder a graça, o jogo não ia ter mais 90 minutos, ia ter 1 hora e
20, porque quantas decisões são contestadas de futebol várias durante os 90 minutos são contestadas, se toda
decisão foi contestar vamo para e vamo olha o monitor, pra mim ia perder a graça. Como amante de futebol,
como árbitra de futebol, eu acho que não seria interessante não, então eu não sou a favor não.
6. Mídia
6.1 Como você avalia o trabalho da mídia no futebol em relação:
6.1.1 Ao desempenho da equipe de arbitragem nos jogos
6.1.2 Ex-árbitros comentaristas
6.1.3 A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência nos estádios
151
6.1.4. A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência contra a equipe de
arbitragem
6.1.1. Como eu falei é desumano essa, esse tipo de análise, porque um comentarista de futebol ele tá equipado de
várias câmeras, várias imagens que chega pra ele, ele vê 4,5 vezes pra ele poder dar o parecer dele. O árbitro vai
decidir ali em 3 segundos, com a foto que ele tirou aquele momento. E aí depois o comentarista de arbitragem
crucifica o árbitro por causa daquele erro, mas porque ele viu na tecnologia, e a maioria dos comentaristas de
futebol são exs árbitros e eles na época deles, geravam muito mais, mais muito mesmo. Só que não tinha câmera
pra ser cobrado, então hoje tá fácil pra ele comentar ou não na verdade, comentar o árbitro, hoje tá fácil pra ele
porque tem milhões de câmera pra ele olhar. Será que ele lembra quando ele tava lá no jogo? Qual era a
dificuldade que ele tinha, o quão era difícil apitar uma partida de futebol, pra hoje ele ficar criticando o árbitro,
formando opinião. Eu acho, eu não vou nem falar o que eu acho, eu acho um absurdo.
6.1.3. Eu acho que sim, porque eu acho que com esses comentários que a mídia faz, com esses comentários....
Quando é ex árbitro de futebol você entende um pouco porque o cara foi árbitro, mas tem muito comentarista
que nunca pegou um livro de regra, não sabe nem quantas regras tem no futebol e ele comenta absurdos, isso ele
forma uma opinião. Se ele forma uma opinião negativa em relação a árbitro, ele tá indiretamente ou diretamente
insultando aquilo ali. Ele acaba sendo responsável sim, pela violência nos estádios, violência com os árbitros,
com os assistentes porque a gente tem alguns casos que o árbitro, a equipe de arbitragem foi agredida ou
insultada, ou a caminho do estádio, em tudo isso eu acho que a mídia tem uma grande responsabilidade porque
ela é formadora de opinião. Então as vezes eles fazem um tipo de comentário desnecessário e errôneo, quando
comenta desnecessariamente mas comenta com coerência, não tá certo mas é desnecessário. E as vezes tem coisa
que não adianta passar, ao não ser a incitar a violência.
7. Violência
7.1. Poderia me explicar o que você entende por violência?
7.1. É uma boa pergunta, hahaha. O que eu entendo sobre violência? Olha eu acho que a violência é a
incapacidade do ser humano não conversar, não resolver no diálogo. Na discussão, o tipo de discussão verbal
assim, conversar, não já partir pra, é, violência verbal, agressão verbalmente ou até mesmo agressão física. Então
eu acho que a violência, a incapacidade do ser humano de poder tentar esclarecer as diferenças, a esclarecer a
opinião, falar a dele, escutar a do outro e respeitar, ter a capacidade do ser humano a respeitar as diferenças.
Você reconhece então que a violência pode ser simbólica ou ela pode ser simbólica?
Sim, sim, sim. Pra mim a violência verbal, dependendo do que for falado é pior que um tapa na cara, eu assim,
no meu caso particular, eu nunca fui agredida de fato com um tapa, com um soco. Tentativa eu já tive, mas
nunca fui agredida chegar a...., mas eu fui agredida de uma forma verbal que me machucou muito mais que eu
não esqueço até hoje, talvez se tivesse me dado um tapa eu já tivesse esquecido. Mas as palavras que foram ditas
machucou muito mais, é um tipo de violência sim.
7.2. Você já sofreu violência na função de árbitro?
7.3. Quais os tipos de violência que você já sofreu?
152
7.2. e 7.3. Diretamente não. Uma violência assim, é, nunca fui agredida né. Nunca colocaram a mão em mim,
apesar que já teve tentativas, tanto no amador, quanto no profissional pelo jogo da Copa do Brasil Feminino
onde uma equipe que foi desclassificada e na hora que acabou o jogo a equipe veio tentar me agredir. Se não
fosse a guarda municipal, o policiamento que tava no campo de jogo, eu seria linchada, talvez não estivesse aqui
nem pra, pra ta dando entrevista. Por que? Pelo simples fato de ter perdido o jogo, com o que eu faço o jogo, gol,
com essa altura nem eu posso fazer e se eu fosse jogadora, eu não era árbitra. E pra mim é uma violência sim,
porque pra mim o que importa é a tentativa, elas tentaram me agredir, só não agrediram porque graças a Deus
tinham anjo da guarda lá. E um outro tipo de violência, que eu sofri, que nossa, até hoje eu não esqueço como eu
falei, foi um jogo aqui em São Bernardo, no estádio Primeiro de Maio, válida pelo campeonato da OAB, Ordem
dos Advogados do Brasil, onde eu fui xingada de uma forma tão, tão, baixa, tão, sei lá o que falar viu, porque me
machucou demais, até hoje eu não esqueço. E foi só uma agressão verbal, mas que pra mim marcou muito.
7.4. Qual era o campeonato / evento e a importância da partida?
7.4. Um era disputa, era quartas de final da Copa do Brasil Feminina de 2014, quando era jogos eliminatórios,
jogo de ida e jogo de volta. Era o jogo da volta, então era partida decisiva onde a equipe ficou fora. E esse outro
que eu te falei foi não foi uma partida decisiva nem nada, o cara perdeu a cabeça mesmo, sei lá.
7.5. Qual era a categoria do jogo (faixa etária dos jogadores)?
Os jogadores dessa partida eram advogados?
Sim, o que me agrediu era advogado sim. O que me deixa mais triste ainda, porque eu já fiz jogos em
comunidades né, é que os cara chama de favela, mas agora não pode mais chamar favela, tem que chamar
comunidade né. Já fiz muito jogos em comunidade, assim o nível intelectual das pessoas que estavam jogando
baixíssimo, talvez nenhum, mas as vezes me respeitaram muito mais, nunca tive esse tipo de problema em,
nesses jogos. E aí o jogo da OAB, o Campeonato da OAB onde só jogam advogados, eu fui agredida dessa
forma, isso que me deixa mais triste, ou não né, porque aí você fala, não é o nível cultural da pessoa que vai
levar a ser educado ou não, se tem respeito pelo próximo ou não.
7.6. De quem partiu a violência:
7.6.1 ( ) jogadores
7.6.2 ( ) comissão técnica
7.6.3 ( ) torcedores
7.6.4 ( ) espectadores
7.6.5 ( ) policiais
7.6.6 ( ) jornalistas
7.6.7 ( ) outros
No caso campeonato foi o jogador
No caso da equipe, foi a equipe toda. Só as jogadoras, na verdade a comissão técnica tentou conter. Mas foi as
jogadoras.
153
Em relação aos jogadores você acha que o nível cultural, sócio econômico interfere e tem diferença em
relação ao torcedor?
Eu acho que não, eu acho que não, porque é como te falei, não depende do intelectual do indivíduo, acho que é
dele. Porque as vezes você vê pessoa de, de, de nível cultural baixo, ou nenhum, intelectual nenhum e tem
respeito pelo próximo, pela figura do árbitro, pela figura do, do assistente. Aí você fala assim: ‘’como, o cara
não tem nem estudo. É, mas ele tem educação’’. Porque tudo eu acho que é uma coisa, educação é outra que
você tem e eu não tenho. E as vezes tem pessoas que tem o nível intelectual lá em cima e tem é, graduado, pós-
graduado, mestrado, só que ele não tem educação nenhuma, ele não tem respeito nenhum com o ser humano.
Então eu acho que isso aí não tem nada a ver com nível intelectual, eu acho que vai um pouco da criação da
pessoa, da, da família, não sei, eu acho que não sei.
7.7. Os dois casos que você citou no Campeonato Feminino a violência ocorreu antes, durante ou após a
partida?
A violência ocorreu:
7.7.1 ( ) antes da partida
7.7.2 ( ) durante a partida
7.7.3 ( ) após a partida
Após.
E no Campeonato Masculino?
Durante. No caso especifico.
7.8. Local em que a violência ocorreu:
7.8.1. ( ) No terreno de jogo
7.8.2. ( ) Nas dependências dos estádios
7.8.3. ( ) Fora das dependências do estádio
Nos dois casos dentro do campo do jogo.
7.9. Na sua opinião o que motivou a violência/agressão?
7.9. No primeiro caso, no jogo da OAB pra mim o que motivou foi a falta de educação, e a falta de respeito com
a figura do árbitro, porque talvez o cara fosse um, não sei, porque além de ser advogado, ele pode ser um reitor,
pode ser um oficial de justiça, pode ser qualquer coisa que tem direito. Então ele se acha o dono da razão, o
poderoso, mas ali no campo do jogo quem manda é o árbitro, e talvez ele, ele teve dificuldade de aceitar que ali
ele era só mais um, só mais um jogador entre os 22, que ele ali não tinha privilegio nenhum, era exatamente
igual o outro e quem mandava, quem tava superior a ele, no caso era eu e o outro árbitro. E no caso da, da, do
Jogo Feminino o que motivou foi a falta de, de preparo psicológico nas meninas, porque eu sempre falo, o jogo
de futebol tem três resultados, a vitória, a derrota e o empate. E tem que estar preparado pra um desses três
resultados, e tem que ser construído dentro do campo do jogo, que não vai ter um fator externo ou um árbitro vai
154
fazer eu ganhar. É o, você faz isso dentro do campo do jogo, elas sofreram um gol, acabou o jogo, perderam a
cabeça, falta de preparo psicológico. E infelizmente nós temos mais no futebol feminino, esse despreparo, esse
destempero as mulheres não estão muito acostumadas, eu sou mulher, to num futebol, é por estar, é por saber da
dificuldade, as mulheres não tem esse autocontrole. Porque no jogo masculino, um cara quer brigar sempre
chega, a turma deixa disso pra segurar, o que quer brigar. Num jogo feminino, quando as meninas querem brigar,
as outras não querem nem saber porque elas tão brigando, quer brigar também. Então, é.... essa é a realidade, não
adianta a gente contar historinha pra você, tem que falar a verdade.
7.10. Em relação à segurança / violência, quais são as diferenças entre trabalhar em jogos amadores /
profissionais, Série A e Série B?
7.10. Em todos os campeonatos organizados pela Federação Paulista de Futebol, pela CBF tá no regulamento da
competição precisa ter segurança externa né, policiamento, precisa ter ambulâncias equipadas com ventiladores e
tudo mais. É obvio que o jogo de campeonato da séria A1 o número de, de policias é maior, mas até se entende
porque o público também é maior, então tem que ter a segurança, tanto dentro do campo de jogo, como fora.
Então realmente a segurança é maior, o número de segurança é maior, em todos os jogos que não tiver
policiamento, não se deve começar a partida de futebol. No amador o Deus guarda hahaha, Deus é a nossa
segurança, amador é amador, a gente já ta falando.
7.11. Como você avalia a segurança nos estádios e a segurança dada a equipe de arbitragem?
7.11. Nos jogos profissionais, da Confederação Paulista de Futebol e da CBF, porque o jogo da Confederação
Paulista fica responsável por esse, esse deslocamento. Os jogos profissionais nós vamos com o nosso carro até a
Federação Paulista e lá, pegamos um taxi. Aí a equipe de arbitragem vai indo pra um só táxi, entra no estádio
numa vaga reservada pra arbitragem, o táxi continua lá parado, não sai do lugar esperando a gente, pra ir e voltar
nos jogos da Federação Paulista. Nos jogos da Categoria de Base que no caso é amador também, mesmo sendo
da Federação Paulista é amador porque é categoria de base né, sub 11, sub 12, sub 13, sub 15, sub 17, sub 20
femininos, a Confederação Paulista paga o valor do deslocamento, mas a gente que tem que ir pro campo.
Assim, geralmente esse, se não é todo mundo da mesma cidade, tem um ponto de encontro pra chegar todo
mundo junto e de preferência em um carro só, que é pra você, num, num, pelo um modo de segurança chegar
todo mundo junto, pra não ter nenhum tipo de problema.
No caso de deslocamento de táxi, existe um grupo, que cada dia é motorista diferente?
Tem uma equipe né que a pessoa é responsável pelo esse. Tem uma equipe que uma pessoa é responsável pra
escalar os árbitros, pra cada jogo mais não é sempre o mesmo motorista que a gente pega uma hora é um, uma
hora é outro, mas é sempre a mesma equipe de motorista.
7.12. Como você vê e interpreta a violência contra árbitros?
7.12. Como eu interpreto a violência contra os árbitros? É, é, é.... qualquer tipo de violência é inaceitável né,
ainda mais contra um árbitro, que é o que eu sempre falo, o cara tá se divertindo, a gente tá trabalhando, até os
jogadores estão se divertindo, acaba sendo uma forma de lazer para os jogadores. O torcedor que ta no estádio
ele tá divertindo, ele escolheu tá lá. O árbitro não, o árbitro tá trabalhando, então imagina você. Você tá
155
trabalhando, seu caso é, você é professora, você tá numa sala de aula você toma um tapa, um soco, um chute de
um aluno, você trabalhando. Então assim, é inaceitável, a violência, qualquer tipo de violência, de qualquer tipo
de pessoa é inaceitável e pro árbitro ainda mais. O árbitro tá trabalhando, ele não tá lá se divertindo, ele tá lá
trabalhando, enquanto todos se divertem, o árbitro tá trabalhando.
7.13. Uma pesquisa realizada com árbitros de futebol na Áustria tinha como objetivo investigar quais as
situações de conduta antidisciplinar de jogadores e técnicos que levavam um árbitro a utilizar um cartão
vermelho. As respostas mais citadas pelos árbitros foram: Ofensas relacionadas à capacidade técnica, a
aparência física, ao caráter, a orientação sexual e outros. Qual é o tipo de ofensa citados na pesquisa que
você menos tolera tornando possível a punição com o cartão vermelho?
7.13. Olha eu vou falar pra você. Então na verdade, eu nunca tive esse tipo de problema assim, porque eu
também acho que assim, que o grau de ofensa ou de reclamação depende muito assim, de erros e acerto da
arbitragem né. Então se um árbitro infelizmente tiver errando muito, o cara vai falar que você não sabe nada, que
você não apita coisa nenhuma. Então tipo assim, meio você não pode nem achar ruim, porque você tá errado,
então esse tipo de problema eu nunca tive. No caso que o, que o, que o advogado me ofendeu foi depois de uma
marcação de uma falta e ele não me ofendeu assim, dentro dessas ofensas aí, foi uma ofensa moral, direto com a
minha pessoa entendeu. Porque esse tipo de problema eu nunca tive no meio do jogo. ‘’Ah, porque você é muito
ruim e coisa e tal’’ porque o jogador ele tem que respeitar o árbitro. Porque se ele não respeita uma coisa dessa,
não vai ter perdão, você é uma muito brava, sei lá. Esse tipo de problema dentro do campo de jogo, eu não tive,
não tive. Uma ofensa que eu tive, foi uma ofensa moral completamente, depois que desligar o microfone eu te
falo hahaha.
7.14 Na sua opinião, quais ofensas são de maior relevância?
7.15. Você poderia numerar as ofensas de acordo com a gravidade e necessidade de punição?
7.15.1 ( ) capacidade técnica
7.15.2 ( ) a aparência física
7.15.3 ( ) caráter
7.15.4 ( ) orientação sexual
7.15.5 ( ) outros
8. Stress e Autocontrole
8.1. Você poderia numerar quais são os motivos de maior tensão e stress:
8.1.1. ( ) Você ou a equipe de arbitragem sofrer agressão
8.1.2. ( ) Falta de segurança nos estádios
8.1.3.. ( ) Trabalhar em partidas de equipes com as quais você já teve problemas em partidas
anteriores
8.1.4 ( ) Atrasos e pontualidade
8.1.5 ( ) Pagamentos de taxas
8.1.6 ( ) Cometer erros em momentos decisivos da partida
156
8.2. Quais são as atitudes de jogadores e técnicos que dificultam seu trabalho de árbitro?
8.2. Primeiro o pra mim que mais me estressa é trabalhar em equipes onde eu já tive problemas anteriores,
porque você já vai pro jogo com um tipo de preocupação a mais né, porque a equipe já não tem uma certa
tolerância com você. E aí você, olha no jogo, e essa equipe de novo, então você já começa a se preocupar. Então
é um estresse maior, é atrasos e pontualidades também é uma coisa que me irrita bastante e as equipes também
quando, quando atrasam, quando entrega documentação atrasada assim, irrita porque tira você de um
cronograma que também, da rotina que você precisa fazer no vestiário. Então assim, se eles não entrega no
horário, aí você já fica com o pouco tempo bagunçado, não segue uma ordem assim. Eu sou muito organizada, ó
duas horas a gente chega, vamos olha o estádio, vamo olha o campo se tá tudo ok. Depois a gente se troca, tem
tudo um cronograma e se uma dessas partes não funciona, aí já gera um estresse. Falta de segurança, mas aí a
falta de segurança aí já não, já não é muito um problema, onde não tem a segurança, já não faz jogo. Aí passa a
ser um problema do responsável pelo campo, da equipe do campo, que é eles que tem que providenciar. A
equipe de arbitragem sofrer alguma agressão também é uma coisa que incomoda bastante, que é um fator de
estresse sim. Cometer um erro em momentos decisivos, mas aí tem que ter, você tem que saber ter o autocontrole
né, se você sabe que cometeu um erro, você tem que ter o autocontrole, tem que discernir e bola pra frente, o
próximo lance tentar acertar, não dá pra você ficar pensando no que você errou porque você tem uma próxima
jogada, você tem que ter uma decisão acertada também pra tirar aquela imagem que ficou do erro, então você
precisa acertar o próximo. E o último é o pagamento de taxas, porque isso daí com certeza a gente vai receber.
Não.
Quais as atitudes de jogadores e comissão técnica que dificultam o teu trabalho?
A atitude de indisciplina, falta de educação é, reclamação acintosa, gesticulando. Esse tipo de atitude dificulta
porque as vezes o jogo tá tranquilo e o técnico, a comissão técnica tá irritada, tá gesticulando e as vezes isso
passa pro jogador, tá tudo sob controle e o cara tá louco fora do campo, transfere pra dentro do campo e acaba
passando pro jogador, acaba estressando o jogo e a sua atuação no jogo. Então esse tipo de atitude acaba
dificultando o trabalho dentro do campo de jogo.
Apesar de não estar aqui no roteiro, eu queria te fazer uma pergunta, se você. Uma coisa que me causou
muita surpresa, foi quando eu estava definindo o projeto, eu tinha definido com minha orientadora, que
nós tentaríamos entrevistar os árbitros FIFA. E foi surpresa descobrir que a mulher que era FIFA em São
Paulo porque quando eu chequei o site da Confederação, eu acho que foi bem no momento da transição do
Paulo César né. E a gente não viu assim muitas escalas, então eu queria que você comentasse se você
considera isso uma forma de violência, em relação a mulher, em relação ao gênero que você tem toda uma
capacidade técnica pra tá atuando, mas se você tem menos oportunidade porque você. Então é uma
pergunta que eu to acrescentando, mas eu queria que você comentasse como vê esse tipo de conduta, se
você considera isso uma violência
Eu considero sim, porque como você falou, nós mulheres. Tem eu que sou FIFA, e tem mais quatro árbitras
centrais na Federação Paulista de Futebol e realmente a gente não tem as mesmas oportunidades que tem os
homens, que são mesmas categorias, é de referência né. No caso eu sou categoria 1, eu não tenho o mesmo
número de jogos que a outra categoria tem, se eu to na categoria 1 eu tenho que ter o mesmo número de jogos.
157
Aí o que estão na mesma categoria, não tem o mesmo número de jogos, quer dizer, a gente tem menos número
de jogos, menos oportunidade, pra mim é pelo simples fato de ser mulher sim é, porque nós somos cobradas da
mesma forma, nós somos cobradas no mesmo teste físico, prova teórica, no procedimento a seguir o
regulamento, só que na hora de ter o retorno da mesma forma a gente não tem, infelizmente. Mas pra mim é um
tipo de violência sim, porque nós estamos aí lutando pelo nossos espaços, fazendo tudo que eles são obrigado a
fazer. ‘’Ah, mas pra vocês são diferentes’’ mas nós somos diferentes porque a gente quer que seja diferente, a
gente faz o que a gente tem que fazer, então pra mim é um tipo de violência sim, pelo simples fato de ser mulher,
porque tem muita resistência ainda e tem muito preconceito. Mas infelizmente, infelizmente tem.
9. Não, eu acho que não, acho que sua partida assim abordou os assuntos bem com delicadeza, bem, bem, bem
importante. Nenhum tema assim abordado não.
Eu te agradeço, a disponibilidade, a generosidade de estar participando dessa pesquisa. Obrigada.
Magina! Eu que agradeço a oportunidade de expor a nossa opinião, o nosso pensamento, as nossas ideias.
Sempre que precisar é só entrar em contato que estou sempre à disposição.
Obrigada.
De nada.
158
TRANSCRIÇÃO 2
Entrevistado 2
01/09/2015
Santa Bárbara D’Oeste
Então vamo lá. Queria te agradecer, começar te agradecendo de, de você tá participando da pesquisa.
Identificação
1.1. Nome (não obrigatório):
1.1.
1.2. Data de Nascimento:
1.2. 06/09/79
1.3. Sexo: Masculino
1.4. Escolaridade?
1.4. Superior Completo
1.5. Profissão:
1.5. Me formei em Educação Física pela UNIMEP né, faculdade em Piracicaba. Sou formado também em
técnico eletrônico, primeiro estudo que fui fazer assim logo após o colegial depois minha vida tomou outros
rumos assim, consegui fazer realmente o que eu gostava.
Então parabéns pelo dia do professor de Educação Física.
Obrigada, pra você também.
A sua profissão?
Sou treinador físico e me considero árbitro de futebol, mesmo não sendo oficializado é, mas eu me considero um
profissional da área.
1.6. Foi atleta l?
1.6.1 (x) Sim
1.6.2 ( ) Não
1.6. Fui jogador de futebol. Joguei aí dos 7 aos 20 depois continuei jogando no amador, até 2010 jogava futebol
amador. Só parei depois que minha vida na arbitragem tomou uns rumos maiores né.
Você passou por vários clubes?
Joguei pelo Rio Branco de Americana e no União Barbarense.
159
Nossa, os dois rivais.
É, os dois (haha)
1.7. Em caso afirmativo, de qual modalidade?
1.8. Em qual instituição realizou o curso de formação para árbitros de futebol?
1.8. Fiz pela Federação Paulista minha turma de 2001 e 2002. Então comecei em 2001 e finalizei em 2002.
1.9. Ano em que concluiu o curso de arbitragem?
1.10. Hoje você é registrado nas três instituições Federação, Confederação e FIFA, como é o registro?
1.10. É, na verdade a gente não tem registro assim, profissional né. É, na verdade nós somos autônomos que
prestamos serviços as Confederações e Federações né. Então a principio eu tive na Federação de 2002 a 2010 e
aí fui indicado ao Quadro Nacional e a partir daí a gente passamos a prestar serviços pra CBF e agora em 2015
pra CONMEBOL e FIFA.
1.11. A arbitragem hoje, ela equivale a que porcentagem da sua jornada de trabalho?
1.11. Ahhhh, eu acho que 90%.
1.12. A arbitragem equivale a qual porcentagem do seu rendimento?
1.12. Financeiros? Eu acho que 60%.
2. Ser árbitro
2.1. Por que optou em ser árbitro de futebol? Como a arbitragem entra na sua vida?
2.1. Na verdade o, o futebol tá no meu sangue assim né, meu pai, meu irmão mais velho foram profissionais. Eu
também joguei futebol até os 20 e, um grande amigo meu que é[...] que é da Federação Paulista e da CBF que é o
[...] que fez o curso um ano antes, na turma anterior, 2000, 2001. Ele já queria que eu fizesse com ele aquela
época mas eu não me via muito como árbitro assim, eu não era um jogador que dava problema pra arbitragem
assim, eu era um pouco esquentado, digamos. Então eu tinha mais problema com adversário do que com a
arbitragem. Então eu não me via muito nesse papel de arbitro e aí em 2001 ele ficou falando tanto na minha
orelha que eu, ele me convenceu. Aí eu fui fazer a prova, tipo um vestibular assim pra entrar, aí fui eu, o irmão
dele e mais dois amigos, e tinha 450 pessoas pra 50 vagas. E eu fui aprovado, só eu passei dos 4 que fomos pra
lá, e aí a partir daí eu disse, vou começar. Iniciei o curso e aí você vai pegando gosto né, você começa a trabalhar
nos jogos, você começa a receber elogios né, então isso aí vai te motivando a aperfeiçoar cada vez mais e buscar
novos horizontes dentro da área.
2.2. Você era uma segunda pergunta acho que você acabou respondendo. Se você teve a influência de
alguém pra entrar na arbitragem?
160
2.2. Sim, esse amigo meu, ainda ele fica meio puto comigo assim. Pô mais toda vez você fala, eu faço questão de
falar em qualquer entrevista que eu participo que eu sou muito grato que isso aí realmente mudou minha vida e a
vida da minha família.
2.3. Como foi a reação dos amigos e familiares quanto optou em ser árbitro. Você chegou assim: ‘’vou ser
árbitro de futebol’’
2.3. É, eu tive um pouco assim.. Nós dirigíamos um, outra época, a época do meu pai, época ate do meu irmão,
ele é 12 anos mais velho que eu. Então existe um certo receio assim com, com a relação da função do árbitro né,
um pouco de insegurança em relação a sua integridade física. Mas eu tive um pouco de restrição dos meus pais,
os amigos nem tanto, é porque também sabiam que eu tava partindo pra um lado mais profissionalizado do
futebol, não ia fazer amador, esse tipo de coisa.
2.4. Queria que você me comentasse a sua trajetória. Quando você começa, até agora que você é FIFA. Se
você puder comentar rapidamente sua trajetória.
2.4. Olha eu terminei o curso em 2002, aí comecei trabalhar em jogos na categoria de base assim né, na minha
época não tinha ainda sub11, sub13, ou de amador assim que a Federação também escala e, então eu fazia muitos
jogos assim, sub15, sub17. E eu fiquei ai nessa categoria mais ou menos uns 4 anos, sem ter praticamente,
evolução assim, de evolução assim que eu falo de categoria de sub20. Uma coisa que me ajudou muito foi o
amador que eu acho que o fato de ter jogado futebol assim, eu tinha uma interpretação diferenciada sabe? É...
Outro fato foi apitar amador em Limeira, eu apitei muito tempo no amador em Limeira com o [...], um ex árbitro.
E a gente na época é, você tinha pouco retorno de observadores pela Federação assim, então você não sabe muito
que CE ta deixando a desejar, o que CE pode evoluir, as coisas boas que você deve manter, e Flávio foi uma
pessoa muito importante, porque eu fazia amador pra ele em Limeira, e ele praticamente assistia todos os meus
jogos assim, ele dava esse feedback logo após o jogo né. Então foi uma fase que eu me lapidei muito, que eu
ganhei um jogo de cintura muito bom pra lidar com situações de conflito e, aí em 2006 eu comecei a... Em 2006,
2005 eu já foquei com o que eu queria, eu foquei 100% na arbitragem. Assim, tinha meus trabalhos paralelos,
porem meus patrões sabiam que apitava na arbitragem, tanto que me liberavam durante a semana, eu acho que
isso é uma das maiores dificuldades que os árbitros encontram conciliar seu trabalho com a arbitragem já que
poucos conseguem chegar num nível maximo assim, então às vezes você fica meio em cima do muro. Aonde eu
me dedico mais, até quando eu vou ta apitando ou não. E aí em 2006 eu comecei a fazer profissional e fui tendo
uma evolução assim, gradativa, mas assim, foi bem assim, lenta e que foi muito importante pra mim, porque eu
fui criado numa maturidade bacana. Eu não fui apitar divisão assim, da noite pro dia, então em 2010 o Coronel
Marinho me lançou na primeira divisão. 2009 eu fiz bons jogos da segunda divisão, jogos de líderes
praticamente, trabalhei muito, fui em bastante jogos, e, aí cheguei em 2010 ai estreei, tive um bom ano no meu
primeiro, fiz 7 jogos na serie A1, e fui indicado pro Quadro Nacional. Aí passei a fazer quarto árbitro na CBF,
na serie A, na serie B, apitei apenas 3 jogos na serie B mas foram assim, começou a fazer diferença na minha
vida, financeiramente também na minha carreira, porque o árbitro da federação paulista do primeiro semestre,
que apita a primeira divisão, apita um jogo por mês. É, tem muitos jogos pra poucos árbitros, tem poucos jogos
pra muitos árbitros. E aí fiz um bom campeonato em 2010, aí em 2011 comecei apitando os Clássicos, e graças a
Deus eu fui muito bem assim, fiz meu primeiro Clássico com Corinthians e Santos no Pacaembu, aí fiz a
161
semifinal do Paulista aquele ano São Paulo e Santos, no Morumbi e ganhei o premio de melhor árbitro em 2011.
Aí minha carreira começou meia que consolidar assim né, mas em 2011 eu não fiz serie A do Brasileiro
continuei fazendo serie B, fiz bastante serie B, fiz Copa do Brasil. Aí em 2012 estreei na Copa na serie A
também fiz um bom campeonato, poucos erros, ganhei o premio de segundo lugar aqui em São Paulo,
novamente, e aí que começou meio que os olhos começaram a se abrir pra mim né, já tive um retorno assim da
Comissão Profissional, que, que eu tinha o perfil que eles gostavam e, só que o importante do árbitro é ter uma
regularidade né, e eu acho que é uma coisa que eu tenho na minha carreira, eu erro muito pouco assim. Assim,
erros que marcam né, então, aí ano passado eu me tornei aspirante em maio e no final do ano me tornei FIFA.
Parabéns!!
Obrigada.
2.5. Qual a imagem que você, quando espectador / torcedor de jogos esportivos, tinha dos profissionais da
arbitragem antes de ser árbitro? Como que você via os árbitros, você era jogador, torcedor, qual imagem
que você tinha?
2.5. Eu tinha imagem de uma autoridade, assim, não autoritário. Autoridade como um policial tem na rua assim,
então eu sempre tive respeito em relação a arbitragem, eu tinha problemas assim, como eu falei, com adversários
assim sabe. Eu não gosto, não gostava, ate hoje assim, não só no profissional, mas no pessoal também,
empolgados assim, que quer levar vantagem assim, sabe. Qualquer custo quer passar por cima das regras.
Você jogava em que posição?
Eu era meio esquerda.
E você para pra jogar por conta da arbitragem, ou foi alguma coisa que?
Não, eu parei porque eu tinha um exemplo do meu irmão, do meu pai em casa, que poucos também... Jogador de
futebol é uma ilusão né, poucos ganham bem, então eu acho que 5% dos jogadores profissionais ganham bem,
tem uma vida assim, mediana. Meu irmão jogou profissional ate os 35 e ele conseguiu assim, fazer um bom pé
de meia assim, então é como se fosse um profissional de qualquer outra área, meu irmão conseguiu jogar por
muito tempo, então outros que não conseguem... Então tinha isso um pouco de ilusão, aí resolvi estudar, fazer
mais...
2.6. Hoje, profissional da arbitragem, quando espectador, você deve ter um time do coração né?
2.6. Não tenho, te juro, quando eu era garoto eu tinha, você fica no meio, mas é um meio que, sobre transferência
de responsabilidade, é um meio que você acaba desiludindo assim, com relação essa parte de paixão, de ídolo
assim..Claro que tem muitas pessoas boas né, mas também bastante ruim, hoje assim, eu sou totalmente isento
com relação a..
Você torce em relação ao futebol, como que você vê a imagem do árbitro?
Eu analiso muito assim com, o árbitro é um maestro né, ele que dita o ritmo do jogo, ele consegue, ele dita
conforme os jogadores querem, se o jogador não quer jogador, pode colocar 500 árbitros ali que ele não
162
consegue segurar o jogo. Aí o arbitro não vai deixar rolar muito, mas assim, eu tenho ele como um maestro. E
hoje se acontece um equivoco, as vezes quando eu to assistindo, vendo algum amigo apitar ou ate qualquer outro
esporte assim, eu consigo, eu me coloco no lugar do árbitro né, o que levou ele ao erro, e eu trabalho muito
assim, eu gosto de assistir meus jogos, logo depois, pra ver o que eu errei, porque eu errei, o que eu podia ter
feito, pra ter acertado. E eu, gosto de usar os exemplos de outros árbitros que às vezes acontecem algumas coisas
num, que nunca aconteceu, nem no futebol aconteceu, aí acontece no teu jogo. Então eu gosto de totalmente usar
exemplos de outros árbitros que passaram por algumas situações assim peculiares, porque pode ser que tenha
ocorrido e o que eu poderia ter feito pra ter solucionado.
2.7. Tem uma pergunta aqui que eu acho que vou pular.. Quando assiste seu time jogar, como você reage?
2.7. A única coisa assim hoje que eu torço, é a seleção, eu gosto né. Torcia na Copa, fiquei chocado também,
mas sem essa paixão de..
Você xinga árbitro?
Nem árbitro, nem jogador, tá todo mundo lá pra fazer seu melhor. Jogador também quando erra, o que é errar né,
2.8. Na sua opinião, qual a importância da função de árbitro num país, onde a gente tem tantas diferenças
sociais e o futebol é uma paixão nacional, é quase uma religião. Qual a importância dessa função?
2.8. O árbitro é o, como eu posso dizer, em relação a diferença social o futebol é o esporte que nivela né, que
todo mundo, até do mais pobre, o mendigo ali, até o mais rico, todo mundo tem o time e tal, sempre
acompanhando. O árbitro ele, ele que dita as regras dentro do campo do jogo né, mas eu não vejo assim uma,
uma relação da classe social como covarde, assim no tema federal sobre isso.
2.9. Eu queria que você comentasse sobre a profissionalização de ser árbitro. Profissionalizar a função de
árbitro de futebol.
2.9. É uma coisa que todo mundo espera né, que é um sonho nosso você poder se dedicar. Hoje eu me dedico
assim integralmente a isso, mas é, eu sei que se eu cometo um equivoco muito grande a gente praticamente fica
fora de escala assim, reflete totalmente no meu rendimento mensal assim né, quantos mais jogos eu faço, mais eu
ganho, porque eu ganho por jogo. E se profissionalizar, pelo menos nós temos o fixo né, o fixo, aí você consegue
se dedicar mais, consegue prevenir lesões. Por exemplo, semana passada eu tive uma lesão fiquei dois meses
parado.
Mas existe algo, tipo, eu vou ganhar um fixo e vou ganhar...?
Bônus.
Quem se responsabilizaria por esse fixo?
É, teria que ser as Federações né, mas a verdade que hoje nós somos pagos pelos Clubes mandantes né, um valor
que é tirado da renda, tirei tem que ter uns investimentos não sei o que faria, da onde sairia mais eu acho que
árbitro conseguiria se dedicar mais aí prevenir lesão, às vezes não ir pra um jogo porque ele ta machucado, se
você ta com uma lesão já você vai pro jogo, taca um remédio, o desgaste é muito grande, não é um esporte assim
163
que as vezes que nem você falou do Handball, eu não sei qual é o desgaste físico do Handball, do Basquete, do
Vôlei, por exemplo, não tem um desgaste físico quanto o nosso né, às vezes ate consegue camuflar uma lesão e
tal. Não por muito tempo, uma hora seu corpo não guenta, que nem aconteceu comigo ano passado, eu fiquei 3
meses fazendo jogo com dor, sabia que era um ano importante pra mim, que eu tava um passo de entrar na FIFA
então não queria ficar longe ate meu corpo não aguentar mais, uma fissura aí tive que parar, porque não
conseguia nem andar né. Mas eu acho que a profissionalização assim, ela vem pra ajudar nesse aspecto do
árbitro, o árbitro trabalhar assim como, como um profissional mesmo, não como um autor ou prestador de
serviço, você ta machucado, ta fora, vai outro no seu lugar, você fica sem um centavo.
Uma pergunta recente, as ultimas noticias do direito de imagem do 5% que é negado pelo governo. Quem
administraria esse 5%, porque segundo o governo não tinha o investimento nesses gastos, seria a
associação de árbitros, seria divididos pelos jogos que você, seria divididos com muitos árbitros. Existe um
plano de aplicação nesses 5%?
É, a intenção é a própria NAPI que é a Associação Internacional dos Árbitros que vai fazer, que ta encaminhando
o projeto né, e provavelmente seja por aparições, então vai ser é, recolhido né, os 0,5% vai ser divididos por
partidas e aí encaminhado o valor quando acaba a partida, e acaba sendo dividido proporcional como as taxas.
Então os árbitros que tem muitas aparições são centrais né, os assistentes e o quarto árbitro, então eu acho que é
dessa forma.
Então vocês não tem conhecimento desse projeto?
A gente tem assim, em relação ao recolhimento e a divisão. Mas a divisão entre árbitros, assistentes, é o segundo
passo né.
3. Situações políticas
3.1. Considerando-se a formação de um árbitro desde o Curso para formação de árbitro até a sua
ascensão à categoria de Árbitro Internacional (FIFA), como é a relação de trabalho, investimentos,
assessoria e suporte (psicológico, físico, intelectual, jurídico...) dados aos árbitros pelas Instituições
(Federação, Confederação, FIFA e Associação de árbitros) para o desenvolvimento profissional / humano?
3.1.1. É a Federação Paulista, por exemplo, ela tem um aspecto técnico assim, Campeonato Paulista, tem uma
pré temporada né, ficamos uma semana concentrados, e foca muito mais a parte técnica né, temos o
acompanhamento físico, de todas as instituições, mas é um acompanhamento assim, pequeno durante o ano, é,
mas tem o acompanhamento psicológico, é, tem o Gustavo Corte que é daqui da Federação Paulista psicólogo e
a Doutora Marta Magalhães que é da CBF. É um trabalho que já tem um contato maior assim, durante o ano
todo, é, eu tenho meus investimentos pessoais. Tenho nutricionista, tenho um preparador físico que me
acompanha o ano todo é, espaço que eu utilizo assim, em termos de academia também é pago pela minha conta,
aqui em Santa Bárbara eu consigo ter um espaço assim que eu consiga treinar que tem uma pista de atletismo,
um campo, mas e cursos assim durante o ano todo a CBF proporciona, a FIFA, tipo em termos de uma
reciclagem né. Mas acho que o maior investimento parte do árbitro em si assim. No dia a dia eu tenho mais
contatos com meus investimentos do que das instituições.
164
No caso das avaliações dos jogos, vocês fazem uma pré-temporada, mas vocês não têm reuniões periódicas
pra analisar, por exemplo, vídeos, algumas coisas assim?
Temos assim, que nem a federação fazemos na pré-temporada que tem isso, a CBF faz mais ou menos em abril,
maio, no inicio do campeonato brasileiro é, a FIFA faz agora em agosto, passamos então pelo um treinamento,
então só os três por ano aí vai, nós fazemos. Mas é também, eu vou pra partida de quinta-feira, chegamos no
hotel na quarta, ate as 14h da tarde e a noite a gente faz uma reunião técnica assim, a gente conversa sobre os
principais tópicos das equipes né, estuda um pouco as equipes e também vemos alguns vídeos de alguns fatos
que ocorreram, tivemos um problema com lesão de árbitros nessa ultima rodada, então a gente trabalha assim,
mais focado pelo momento que estamos vivendo. Mas contato com a regra assim é, continua.
Os avaliadores eles foram árbitros?
Sim, hoje tanto a CBF quanto a Federação e ate mesmo a FIFA, as pessoas que nos avaliam são árbitros que
pouco tempo pararam, então eles tão muito bem atualizados. A CBF faz um trabalho hoje que os avaliadores
estão conosco dentro do vestiário, então estão vivenciando a partida dali, não estão nos avaliando pela TV,
embora tenha um assessor da CBF que nos avaliam por lá e depois nos contatam após a partida e depois que a
partida termina, sentamos todos e temos esse feedback de como foi o nosso trabalho. E eu acho que isso é
fundamental pro crescimento do árbitro porque quando você vai pra uma partida, você não sabe se foi bem, se
foi mal, como eu falei anteriormente isso acontece muito no começo de carreira, e assim a gente vai se lapidando
cada vez mais né.
Então são parceiros?
Sim, a gente tem hoje avaliadores como parceiros, até a própria comissão, ate porque todo mundo ta em busca do
mesmo objetivo né, de legitimar o resultado, de fazer um bom trabalho, então as vezes tem uma cobrança mais
enérgica da comissão mas é visando bem total. Simplesmente como toda área né, temos alguns desgarro assim
né.
3.2. Comente:
3.2.1- Queria que você comentasse os critérios de mudança de categoria. Federação Paulista, na CBF não
sei como funciona.
3.2.1. É assim, a Federação Paulista ela tem um ranking né, que foi criado pelo Coronel Marinho, é e pra mim foi
uma grande valia assim, porque ele é muito bom assim, em liderar. E aí a partir desse ranking, ele numerou todos
esses árbitros, os 25 primeiros do ranking apitam primeira divisão e em ano a ano esse ranking é atualizado
devido aos seus jogos, devido aos testes físicos que você faz as provas teóricas, então faz uma montagem final e
reavalia o ranking. E, esses 25 apitam primeira divisão e os 18 primeiros ali do ranking são indicados pra, pro
Quadro Nacional da CBF. CBF visa um outro ranking, que é dividido lá por CBF 1, a Federação Paulista tem um
ranking que é dividido entre ouro, prata e bronze, especial acho que tem agora, acho que são os árbitros que são
do quadro nacional. Aí na CBF tem CBF 1 , CBF 2, CBF 3, e ai em cima do CBF 1 tem os aspirantes FIFA, tem
os especiais 2, que são exs árbitros aspirantes a FIFA, que saíram, que atingiram 38 anos, e passam ser especiais.
Aí tem os especiais 1, que são árbitros FIFA que deixaram de ser FIFA mas continuam atuando, e os FIFAS né,
aí, é um outro ranking.
165
Mas você não faz uma avaliação pra, você só vai pontuando?
As avaliações são constantes ne, teste físico, prova teórica, é... Jogos, que são varias avaliações é, todo ano, todo
final de semana você vai ta pontuando ali, vem chegando o final do ano eles reavaliam a situação de cada um
que...
Pra fazer uma indicação a Confederação é a Federação que faz a solicitação dentro do grupo?
A federação paulista ela indica dos quadros, do quadro estadual, ela indica os árbitros pro quadro nacional, aí a
CBF pega os árbitros do quadro nacional que indica pra conmebol e FIFA.
Os estados tem uma vamos supor um número de vagas, por exemplo, São Paulo são tantos FIFA, se um do
São Paulo deixa de apitar e aquela vaga continua sendo de São Paulo?
É, nos tínhamos duas vagas aqui que era o Paulo Cesar e do ????. Entrou eu e o [...], mas São Paulo tinha 3, aí
entrou um de outro estado, não é certeza, não é uma garantia, é que em termo, acho que de logística assim, não é
interessante pra CBF ter muitos árbitros FIFA em um estádio só. Porque quando vai cruzar pro Campeonato
Brasileiro, Copa do Brasil, ela fica meio sem opções assim, se tiver um árbitro, muitos árbitros, por exemplo,
vamos supor que tenha 5 em São Paulo, 5 no Rio, ai vai ter uma final de um time carioca com um paulista, mas
não tem nenhum arbitro FIFA pra ficar lá. Então é interessante ela dar uma, uma medida né.
3.2.2- Os critérios de mudança de categoria e indicação ao quadro internacional (FIFA), utilizados pela
comissão de arbitragem.
3.2.3- Escalas dos jogos (sorteios)
3.2.3. Eu acho que péssimo pra todos, não é bom pra ninguém assim, é bom pro Estatuto do Torcedor que foi
quem criou isso, mas é ruim pro árbitro, porque as vezes tem um determinado jogo que ate a comissão quer
escalar o determinado árbitro, mas não consegue porque tem que fazer o sorteio é... É ruim pras equipes, que às
vezes um árbitro que seria ideal pra determinada partida de clima hostil, ou assim, coloca um árbitro inexperiente
que ta lá prejudicando ainda mais o espetáculo, e é muito ruim assim, a gente espera que nessa MP meio 71 aí
também ta embutido pra acabar com o sorteio né.
Quantos vão pro sorteio?
Então na CBF o sorteio já é mais direcionado assim, por exemplo, vai eu e você pra sorteio de dois jogos, e aí eu
to na coluna A do jogo 2 e coluna B do jogo 7, mas e você ta também só que invertido. Você vai apitar de
qualquer forma, na Federação Paulista já vai muitos árbitros, esse ano ia, rolou 25, aí sorteiam lá aleatórios,
sorteou os 10, a próxima rodada os 10 está fora, aí ficam 15, aí sorteam 10, sobra 5, volta os 10 da primeira e
assim vai rodando. E aí nos jogos mais difíceis, Clássicos, há um numero menor assim de árbitros, vão 5, 4, 5
árbitros por jogo.
3.2.4- Valores pagos a arbitragem
3.2.4. Ah, eu acho assim, se analisar com o trabalho aí, fora do futebol, é um bom salário, porem, no meio nosso
tudo que gera assim futebol, então tem uma ideia pelos os que os outros ganham né, os outros profissionais
166
ganham e a arbitragem é uma, é transmitida muita responsabilidade pro árbitro, então eu acho que tinha que ter
uma remuneração pouco melhor aí. Eu acredito assim, que aprovando esse 0,5% vai dar uma boa melhorada né.
4. Relações Humanas
4.1. Como são as relações pessoais com os colegas de arbitragem? Se é uma relação de competição ou de
parceria?
4.1. Eu tenho bons exemplos assim comigo, eu nunca tive problema assim, de relacionamento com nenhum
árbitro, mas a gente sabe que como qualquer outra profissão algumas pessoas que são mais egoístas né, se
preocupam mais com os outros do que com ele mesmo. Mas eu sou muito tranquilo assim, o fato de ser do
interior me ajuda muito, porque eu não tenho contato com árbitros no dia a dia, praticamente, fora do ambiente
de trabalho. Quando eu to em jogos, eu tenho um bom relacionamento sim, eu acho que num...
4.2. Existem muitos comentários sobre as escalas: quem deveria trabalhar em determinados jogos?
4.2. Eu acredito que exista sim, eu falo muito pouco, prefiro não me envolver sabe, porque temos muitos
exemplos assim, porque dentro do campo quando você atinge um nível como estamos assim hoje, você ta lá
porque você chegou por mérito, então dentro de campo eu já cometi poucos equívocos, como se vê os árbitros
FIFA à regularidade predominante deles. Os árbitros que se perdem, se perdem fora do campo, se perdem
preocupados em falar da vida do outro, em ver a escala do outro, é, então eu procuro ficar muito isento disso, e
eu até aconselho os mais jovens se tem uma coisa que ta te desagradando, tal fala diretamente com a pessoa, que
resolve o problema ou desabafa com alguém fora do futebol. Essa história você fala aqui, vai chegar lá na frente
de outra forma e só tende a prejudicá-lo então, eu sou muito tranquilo com isso.
4.3. Comente as suas relações com jogadores, comissão técnica, torcedores, espectadores e mídia, durante
a partida e não exercendo a função de árbitro.
4.3. Eu não tenho relação nenhuma com jogador, não faço questão nenhuma de ser amigo, é, até porque quando
o calo aperta a primeira pessoa que eles vão querer transferir é o árbitro. Você pode ter jogado 90 minutos, errou
15 gols, aí tem o lance polêmico que decidiu o resultado do jogo, é você que decidiu os erros dele. Então eu
prefiro evitar, assim não ter contato nenhum com jogador, com comissão técnica, às vezes encontra em
aeroporto, tem o associado, que entra, conversa, mas eu não faço questão nenhuma de me envolver. Mídia
também, falo muito pouco, já participei bastante já dei entrevistas e, os programas esportivos que fui convidado
mas hoje evito porque você não vai ganhar nada com isso, você só corre o risco de falar alguma bobagem e virar
contra você ainda, eu evito também por causa da família. E torcedores as vezes que eles querem é um pouquinho
de atenção, queira ou não queira, você esta na casa deles né, isso quem me ensinou foi o Paulo Cesar que ele tem
um... O Paulo Cesar é um dos caras mais conhecidos do meio do futebol, dos árbitros, faria um jogo de quarto
árbitro com ele, todo mundo reconhece ele. Ele tem um nome marcante assim, e às vezes o torcedor brinca, às
vezes ate uma brincadeira assim, que não me agrada, que tem que saber lidar com a situação pra não gerar um
atrito né, até porque a pessoa publica ali é você né. Então eu tenho uma relação tranquila com torcedores e tal.
5. Tecnologia e mídia
5.1. Você é a favor do uso da tecnologia nas partidas de futebol para auxiliar a arbitragem?
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5.1. Sou a favor em alguns aspectos, hoje já temos a bandeira eletrônica que nos auxilia né, o rádio auxiliador
que fica praticamente o tempo todo logado em outros participantes. Porém, assim, eu sou a favor assim, chip na
bola, entrou ou não entrou, a bola porque, o impedimento pode até ser utilizado, também ou é 8 ou é 80, mas
alguns lances são interpretativos, e as vezes você pega uma imagem, você coloca nos programas esportivos ali,
três acham que foi pênalti, quatro acham que não foram, então o que não foi, você corre risco de parar o lance
pra ver na TV e tirar uma conclusão, então em alguns aspectos sim, em outros que são interpretativos não.
No caso assim como surgiu, e eu tava vendo uma reportagem de testes feito na Holanda, tipo voleibol, ter
direito desse desafio, parar o jogo. O que você pensa disso?
Sim, nesses casos sim, de impedimento e de bola entrar ou não.
Mas você acha que seria legal, para o jogo normal, olha rapidinho e continuamos?
É só que esses jogos vão ser utilizados que recurso, jogos de Copa do Mundo, jogos de competições maiores
assim, porque não tem condição de você fazer isso no estadual, por exemplo, não tem recurso e acho que é um
custo alto porque tem que ter câmera, tem que ter muitas câmeras. Porque duas câmeras no estádio às vezes
podem acontecer um lance que eu vi no vôlei o lance, que o jogador deu um peixinho assim colocou a mão pra
bola bater que nenhuma câmera pegou a pedido da FIVA acho que tinha lá 12 câmeras, no ginásio, e as únicas
câmeras que tinham que conseguiriam visualizar o lance tinham jogadores na frente, então tinha jogadores e não
viram o lance. Então o futebol tem que ter, tem que ter muitas câmeras e eu acho também que perde a dinâmica
do jogo né, até pelo campo ser maior né, eu acho que...
5.2. Caso a resposta da questão anterior seja afirmativa, quais são os recursos tecnológicos sugeridos que
você aprovaria?
6. Mídia
6.1 Como você avalia o trabalho da mídia no futebol em relação:
6.1.1 Ao desempenho da equipe de arbitragem nos jogos
6.1.1. Olha assim, eu acho que tem melhora, tem melhorado muito hoje né, eu acho que a mídia assim, uma boa
parte da mídia ela vem junto com, buscando o melhor espetáculo assim, e devido aos últimos acontecimentos da
Copa do Mundo, a gente vive um país fora do futebol que todo mundo tá um pouco de saco cheio né. Então eu
acho que a mídia em termos de jogador, de arbitragem a mídia ta batendo mais do que batia antes, mas eu acho
que também tem muita mídia que é torcedora ainda, e às vezes dão muita voz assim, quando alguém quer
transferir o resultado pro árbitro. Porque o próprio jornalista se incomodou com aquele resultado e aí também da
uma carga maior na noticia do jogador, do treinador, o dirigente que tá transferindo. Então eu acho que tem os
dois, tem que colocar na balança os dois lados assim, tem muitos jornalistas que são sérios, buscam melhor o
futebol e uns com pensamentos antigos, então é difícil perder esse vicio do jornalista que torce, que tem um
contato muito próximo de dessa paixão de torcedor que continua desenvolvendo o trabalho de jornalista, que é
aquele gênio.
168
6.1.2 Ex-árbitros comentaristas
6.1.2. Eu acho muito bom, eu acho muito bom. Acho que é uma coisa que veio pro nosso lado né, são pessoas
que estavam ali dentro tem uma visão, que eu falei que eu vejo o jogo depois onde tem um erro. Então esses
comentaristas que foram árbitros consegue ver dessa forma, alguns estão um pouco desatualizados assim, então
tem umas relações novas que ele nem sabe e às vezes ele acaba falando no ar que, infelizmente, forma opinião
alheia do que tão vendo lá e falam. Mas é uma coisa que eu gosto assim, se tiver que ver alguém na TV
comentando meu trabalho, eu prefiro pegar os que são especializados.
6.1.3 A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência nos estádios. Você acha que ela é
responsável, não?
6.1.3. Olha eu acho que as violências nos estádios estão mais localizadas mais na classe social, diferença social.
Porque quem briga nos estádios não são as pessoas do bem assim, que vão pra assistir o espetáculo, quem vê
quem briga são os bandidos que estão infiltrados nas grandes torcidas porque as vezes ele quer acompanhar uma
paixão que ele tem, isso quem financia é o próprio clube, pagam pra assistir, tem viagem pra ir pra lá. E quando
tiver esse tipo de pessoa infiltrada nas torcidas organizadas, vai ter sempre violência, eu nunca vi assim, eu
conheço muitas pessoas que vão em estádio assim, eu nunca vi que foi no estádio e falar que brigou. Eu escuto
falar que brigou nos jornais ali que olha, aquele lá tava envolvido na briga três meses atrás, mas, não, ele estava
em outra a um ano atrás, são sempre as mesmas pessoas que eu não sei qual é o procedimento da justiça, se pode
brigar no estádio, porque briga, depois o cara ta solto. Não sei a mídia, a mídia às vezes divulga muito essa
imagem também, se não estimula esses caras a fazer lá. Na Europa a gente nem vê isso, o cara invade o estádio,
muda o foco, talvez fosse o caminho.
6.1.4. A responsabilidade / influência da mídia em relação à violência contra a equipe de arbitragem. Você
acha que ela contribui?
6.1.4. Eu acho assim, esses jornalistas que dão muita ênfase, como eu falei anteriormente nessa transferência de
responsabilidade do árbitro, ou dirigente que quer jogar tudo nas costas do árbitro porque essas respostas que
eles tão dando não é pra mídia, não é pra mim, tá falando pros torcedores deles, que ao invés de falar que ah, o
time ta mal, mexeu errado, perdeu. Não, eles preferem falar pros torcedores deles, talvez essa violência pode
acontecer pelas palavras que eles tão usando não que aconteceu dentro do campo.
7. Violência
7.1. Poderia me explicar o que você entende por violência?
7.1. Aí... Eu acho que violência é tudo que pode te, você me falou isso, tudo que pode te afetar de uma forma
negativa assim, eu nunca tinha pensado dessa forma, mas depois que eu conversei com você aquele dia eu fiquei
refletindo e, eu acho que esse tipo de coisa de entrevista, por exemplo, que transfere responsabilidade, é uma
violência e pode acarretar numa violência, até física. Mas tudo que tenta denegrir sua imagem, seu trabalho, eu
acho que pode ser entre aspas aí, consideradas uma violência.
7.2. Você já sofreu violência na função de árbitro?
169
7.2. Assim, eu nunca fui, nunca, em termos de jogo eu nunca tinha sido agredido. Eu tive um problema com um
jogador esse ano, ano passado né, num clássico que eu fiz que tive um tranco nas costas, mas eu já trombei
varias vezes com um jogador, pra mim tinha sido uma trombada natural e depois vendo pelas imagens ele veio
pra me acertar. O único problema que eu tive com jogador, torcedor, eu pensava, eu penso muito por ter um
sangue um pouco quente assim, sabe, é... Eu não sei como me controlaria, nessa situação me controlei muito
bem porque pra mim foi natural, só depois que eu vi que não tinha sido mais.
E como você interpreta no caso, o jogador ter uma atitude, anti esportiva, vamos dizer assim, e depois de
serem compreensivos, como vocês árbitros, ou você no caso, interpreta isso?
Interpreto como uma passada de mão na cabeça, pra não ficar ruim com ninguém às vezes o tribunal toma essas
medidas, sabe. Ah, tomou lá, 6 vezes, aí não, 6 vezes é muito, e vai entrando em instancia, vão brigando, e isso
chega no meio termo, mas quem busca justiça assim não tem que ter, o Brasil é diferente né, se ver nosso, nossa
sociedade, isso acontece então futebol é só um reflexo.
7.3. Quais os tipos de violência que você já sofreu?
7.3. Não assim, o que a gente sofre mais é no estádio né, assim de torcedor, verbal né. No amador sofre muito
menos, porque CE ta ali, ali todo mundo é homem né, e às vezes não tem policiamento, então se você quiser
partir pra cima de alguém você vai partir e aí pode chegar ate o de fato. Mas como no amador é diferente do
estádio, no estádio o torcedor que eu to vendo da arquibancada, eles não vão me encontrar, muito difícil, agora
no amador não, eu acabei, terminei o jogo, eu to ali se ele quiser me encontrar, ele vai me encontrar. Então às
vezes tem ate menos, pelo menos na época que eu trabalhava no amador, hoje eu acho que ta bem pior né assim,
tava conversando hoje mesmo com um amigo meu que jogou muito tempo no amador e ele falou que não joga
mais porque não tem segurança nenhuma. Mas assim, o maior tipo de agressão que eu sofri, foi verbal, dentro do
estádio assim.
7.4. Eu tinha umas perguntas considerados violência, não sei se você quer considerar essa verbal, quer
considerar a violência desse empurrão. Porque eu pergunto a importância do campeonato. Que
campeonato que era, onde ocorreu isso. Qual era o campeonato / evento e a importância da partida?
7.4. Campeonato Brasileiro
7.6. De quem partiu a violência:
7.6.1 (x) jogadores
7.6.2 ( ) comissão técnica
7.6.3 ( ) torcedores
7.6.4 ( ) espectadores
7.6.5 ( ) policiais
7.6.6 ( ) jornalistas
7.6.7 ( ) outros
7.6.1. Foi um lance assim que eu falei que me lesionei, eu falei que tava lesionado, e meu posicionamento
atrapalhou uma jogada do time e ele foi passar por mim e deu uma esbarrada em mim. Mas não me derrubou
170
nada, só me desequilibrou, é que era um jogo de TV aberta e tal, foi buscado demais e tal, ai isso mostra que ele
muda a trajetória pra me acertar.
7.7. A violência ocorreu:
7.7.1 ( ) antes da partida
7.7.2 (x) durante a partida
7.7.3 ( ) após a partida
7.7. Durante a partida, a bola rolando, trombei, continuei correndo, eu nem falei nada. Pra mim tinha sido
natural.
7.8. Local em que a violência ocorreu:
7.8.1. (x) No terreno de jogo
7.8.2. ( ) Nas dependências dos estádios
7.8.3. ( ) Fora das dependências do estádio
7.9. O que você acha que motivou essa atitude do jogador?
7.9. Não, o fato de eu ter atrapalhado a jogada assim. Não, acho que muito mais da índole dele do que, do que
qualquer outra coisa.
7.10. Em relação à segurança / violência, quais são as diferenças entre trabalhar em jogos amadores /
profissionais, Série A e Série B?
7.10. O jogo em termos de serie A e serie B não muda praticamente nada, temos uma equipe de policiamento que
nos acompanha durante todo o jogo, entrada, saída do campo, enquanto estamos no vestiário. No amador isso
não existe ne, muita pouca cidade tem um policiamento que ta no campo de jogo pra proteger os árbitros, então
no amador praticamente 0 segurança.
7.11. Então pela sua fala anterior, antes eu tinha muito mais segurança em trabalhar na categoria
amadora, do que hoje?
7.11. Eu acho que assim em termos de como a violência desenvolve o país né, não só no futebol, mas criança,
por exemplo, na minha época eu ia pra escola, voltava, ficava na rua o dia todo. Hoje você não vê nenhuma
criança pra rua, você não tem segurança nenhuma, o bandido chega, leva seu filho hoje, não acha nunca mais.
Tava acompanhando um noticiário lá em São Paulo, a pessoa rouba assim na cara dura, com arma durante o dia,
eu acho que isso vai pro futebol hoje em dia, ou então tem muita gente, os bandidos não tem mais, não se
escondem mais. E às vezes da paixão, que tem o time amador, tem um cara armado, e fica puto com um lance
que acontece no profissional e te da um tiro lá, não sabe nem quem foi, então eu acho que isso, vale no amador.
7.12. Como você vê e interpreta a violência contra árbitros? Você citou um caso, mas você trabalha num
grupo grande, como você vê.
171
7.12. Eu já vi depois que já aconteceu comigo teve muitos outros casos, como se tivesse sido comigo, como se
tivesse me agredido. Sinto a dor deles lá me coloco no lugar deles, enquanto não tiver uma punição exemplar
provavelmente é o que vai continuar acontecendo.
7.13. Uma pesquisa realizada com árbitros de futebol na Áustria tinha como objetivo investigar quais as
situações de conduta antidisciplinar de jogadores e técnicos que levavam um árbitro a utilizar um cartão
vermelho. As respostas mais citadas pelos árbitros foram: Ofensas relacionadas à capacidade técnica, a
aparência física, ao caráter, a orientação sexual e outros. Qual é o tipo de ofensa citados na pesquisa que
você menos tolera tornando possível a punição com o cartão vermelho?
7.13. Eu tenho, eu ficaria em outros. Racismo, eu acho que é uma coisa assim que eu não pensaria duas vezes,
porque isso ai é uma coisa que infelizmente no ano de 2015 assim não da pra aceitar, não consigo entender o que
a pessoa tem em mente pra ter uma postura dessas.
7.14 Na sua opinião, quais ofensas são de maior relevância?
7.15. Você poderia numerar as ofensas de acordo com a gravidade e necessidade de punição?
7.15.1 (5) capacidade técnica
7.15.2 (4) a aparência física
7.15.3 (3) caráter
7.15.4 (2) orientação sexual
7.15.5 (1) outros
7.15. Orientação sexual, caráter, aparência física e técnica. Porque eu acho que a técnica faz parte do ambiente
sabe, as outras não, ta fora. Então quem trás isso pra dentro do campo é porque esta no lugar errado, não no
esporte.
8. Stress e Autocontrole
8.1. Você poderia numerar quais são os motivos de maior tensão e stress:
8.1.1 (3) Você ou a equipe de arbitragem sofrer agressão
8.1. (2) Falta de segurança nos estádios
8.1. (4) Trabalhar em partidas de equipes com as quais você já teve problemas em partidas
anteriores
8.1.4 (5) Atrasos e pontualidade
8.1.5 (6) Pagamentos de taxas
8.1.6 (1) Cometer erros em momentos decisivos da partida
8.1. Eu acho que cometer erros decisivos na partida, é tem alguns que eu nunca vivenciei assim, pagamento de
taxa eu nunca tive problema, é... Eu acho que falta de segurança nos estádios, três é a equipe de arbitragem sofrer
alguma agressão, trabalhar em partidas de equipes quais, atrasos e pagamentos.
8.2. Quais são as atitudes de jogadores e técnicos que dificultam seu trabalho de árbitro?
172
8.2. Transferência de responsabilidade é a maior. O restante é quando reclama de uma decisão de algum
resultado ponderada, tipo assim, um questionamento, não uma reclamação, eu acho que faz parte do futebol, às
vezes você marcou alguma coisa que você não entendeu que faz parte do dialogo assim. Mas quando quer
transferir de qualquer forma o resultado do jogo pra você, isso é a pior coisa. É o que pesa mais do árbitro
trabalhar de uma forma mais, o objetivo dele é criar um ambiente que deixa suscetível a errar a favor da equipe
dele.
9. Existe algum outro tema ou comentário que gostaria de registrar
Não, eu gostaria de ver depois a conclusão do trabalho, bacana assim. Até pedir pra você esse negocio de, que
citei do jogador que me acertou, nem, não sei, se tiver citado, vão saber que sou eu.
Tudo bem, eu te agradeço, te agradeço por você participar da pesquisa e por essa disponibilidade de me
atender e dedicar esse seu tempo dentro desse seu dia corrido aí.
173
TRANSCRIÇÃO 3
Entrevistado 3
Cruzeiro / SP
28/09/2015
Bom, vou começar te agradecendo por você ter aceitado participar da entrevista. A primeira parte eu
tenho umas perguntas de identificação e depois eu vou mudando o tema, tá?
Tudo bem.
1. Identificação
1.1. Nome (não obrigatório):
1.1
1.2. Data de Nascimento:
1.2. 13/06 de Junho de 77
1.3. Sexo: (X) Masculino
1.4. Escolaridade?
1.4. Terceiro grau completo
E você graduou em?
Em Educação Física
1.5. Profissão:
1.5. Hoje trabalho com o comercio, sou comerciante, tenho uma lanchonete aqui na cidade de Cruzeiro.
1.6. Foi atleta?
1.6.1 ( ) Sim
1.6.2 (X) Não
1.6.2. Não, joguei futebol amador até os 19 anos de idade, mas profissionalmente não.
1.7. Em caso afirmativo, de qual modalidade?
1.8. Em qual instituição realizou o curso de formação para árbitros de futebol?
1.8. Na escola Flávia Zetti da Federação Paulista de Futebol.
174
1.9. Ano em que concluiu o curso de arbitragem?
1.9. Eu terminei o curso em 99 né, mas no final do estagio, final de 2000.
1.10. Entidade em que você é registrado hoje (Liga Federação ou Confederação)?
1.10. Nós somos árbitros Federação Paulista, Confederação Brasileira e agora 2015, Confederação Brasileira
CBF, e agora 2015 árbitro internacional da FIFA.
1.11. A arbitragem equivale a qual porcentagem da sua jornada de trabalho semanal?
1.11. Ah... Uns 60%, 70% meio que corresponde a arbitragem aí.
1.12. A arbitragem equivale a qual porcentagem do seu rendimento mensal?
1.12. 75%.
2. Ser árbitro
2.1. Por que optou em ser árbitro de futebol? Como a arbitragem “entrou” na sua vida?
2.1. Bem, eu comecei arbitrando jogos na faculdade, como estagiário né, tinha uma bolsa, e na época o professor
Elineu colocava estagiários trabalhar em coisas e, e ele consequentemente trabalhava de secretário de esportes da
cidade, então ele nos colocava pra trabalhar em futebol de campo, futebol de campo, voleibol, ele era professor
acadêmico de voleibol. Então na verdade eu comecei trabalhando em varias modalidades até me afirmar na
arbitragem de futebol, então foi em conta também pela faculdade.
2.2. Você recebeu alguma influência pra optar pela arbitragem de fato?
2.2. Do irmão,[...]. Ate o motivo de fazer o curso da Federação foi em, com o espelho nele, espelho no[...].
Quando você começa a trabalhar na arbitragem aqui na cidade, seu irmão já era árbitro?
Já era árbitro da Federação e quando eu entrei no quadro da CBF, quando eu entrei na escola da Federação
Paulista, ele já estava indo pro quadro da FIFA.
2.3. Como foi a reação dos amigos e familiares quanto você disse que ia ser árbitro?
2.3. Ah, já imaginavam, ate pelo fato de estar, por eu trabalhar, por eu estar, fazer faculdade de educação física e
já ter um irmão na família sendo um árbitro nacional.
2.4. Comente um pouquinho a sua trajetória na arbitragem.
2.4. Então, eu comecei trabalhando com arbitragem no ano de 2007, 2006. Desculpa, de 96 á 97, aí fui fazer o
curso na Federação em 31, a minha aula dia 31 de outubro de 98, e de lá o curso terminou em agosto de 99 e
antes disso eu trabalhava na minha cidade no Campeonato amador, nas Categorias de Base, então já trabalhava
no futebol amador desde 96. Como eu disse também trabalhei em outras modalidades, principalmente no futsal
até o momento que eu me decidi largar as outras modalidades e definir só pra arbitragem de futebol de campo.
De lá, dali pra frente em 2001 já fui pro Quadro Nacional muito rapidamente fiquei no quadro, to no quadro
nacional ate hoje e em 2015 agora entrei no Quadro Internacional, em 2010 como aspirantes FIFA e agora em
2015 como árbitro da FIFA.
175
Agora então eu posso considerar que você já fez a categoria principal, não sei se é assim que chama o
profissional da federação, na confederação também e, em relação a FIFA agora você entrou em 2015?
Eu fiquei dois jogos apitando, entrei em dois jogos esse ano. Eu fiz dois jogos na Venezuela Amoura e Bocas
Juniors pela libertadores, e a duas semanas atrás eu fiz um jogo no Paraguai, nacional do Paraguai em LDU, em
La Copa Sul Americana fora mais quatro, cinco oportunidades que eu fiquei como quarto árbitro, um amistoso
do Brasil e México até, e agora já estou escalado pra trabalhar no dia 13 de Outubro no jogo entre Uruguai e
Colômbia pela eliminatória da Copa do Mundo, pra mim ta sendo um fato assim, uma surpresa muito grande
nesse meu primeiro ano porque ter essa oportunidade de trabalhar numa eliminatória de Copa do Mundo.
Parabéns!
Obrigado.
2.5. Qual a imagem que você, quando espectador / torcedor de jogos esportivos, tinha dos profissionais da
arbitragem antes de se formar árbitro?
2.5. É, sempre tive uma imagem de respeito né, por ver aquela pessoa ali como eu via, acho que como um
professor. Eu falo que eu perdi meu pai muito cedo, então meu exemplo, meu espelho sempre foi o professor de
Educação Física, o Professor Laércio e, e ele sempre exigia que respeitássemos o que tivesse respeitar o
adversário, respeitar o árbitro, então já o via como um professor, e fui ter essa certeza depois de quando eu passei
a ser árbitro de futebol, então eu sempre vejo o árbitro ali como um juiz mesmo que determinava as leis de jogo,
nós tínhamos que ter um respeito enorme pra aquele intermediador do jogo.
2.6. Hoje, você também é um profissional da arbitragem, quando espectador / torcedor, qual a imagem
que tem do árbitro?
2.6. Olha ainda continuo com essa imagem que é intermediador, é uma frase muito interessante que eu recebi
durante o curso da FIFA que ele é uma pessoa que toma decisões impopulares né, que não agradam todas as
pessoas mas sabendo assim da necessidade, da responsabilidade desse profissional hoje, profissional que ainda
de fato não tem direito mas que tem essa responsabilidade de intermediar esse jogo.
2.7. Quando assiste seu time jogar, se você tem um time do coração, como você reage em relação ao
trabalho do árbitro?
2.7. Hoje eu posso dizer que eu não tenha assim essa identificação com equipe nenhuma né, mas posso falar ai
dos jogos do Brasil, por mais que a gente note que tem uns equívocos, assim como eu tenho os meus equívocos
mas sempre com muito respeito porque hoje eu também sinto na pele como são difíceis as decisões na 120 das
decisões da partida. Então a gente sabe da dificuldade ali daquele árbitro de tomar todas essas decisões em
poucos segundos.
Você consegue assistir o jogo, ou hoje você assiti o árbitro?
Não, hoje eu não consigo assistir mais jogo nenhum. Meu filho vem jogar eu só consigo prestar atenção nos
profissionais, árbitros e assistentes que, que a gente fala que assisti jogo de futebol com a arbitragem é a coisa
176
mais chata do mundo. Fica todo mundo vendo as jogadas e nós estamos preocupados com o posicionamento
tanto dos árbitros quanto dos árbitros assistentes.
2.8. Na sua opinião, qual a importância da função de árbitro? Se a gente for pensar que a gente vive num
país com tantas diferenças sociais e que o futebol é a paixão nacional, é quase uma religião?
2.8. Eu falo que, acho que aqui no Brasil acaba sendo né, principalmente na América Latina acaba sendo, na
América do Sul posso te dizer porque eu to vivenciando isso, existe essa dificuldade maior de ser árbitro de
futebol por questões sociais, educação né, nós lidamos com o povo que quase ninguém tem primeiro ou segundo
grau completo, a grande maioria de todos esses países e sabendo-se que o futebol a gente mexe com a paixão das
pessoas, eu falo as vezes que a pessoa não tem religião, não tem família, mas tem uma equipe de futebol. Então a
gente mexe demais, eu falo que essa é uma responsabilidade que a gente tem que a gente mexe demais com a
emoção dessas pessoas, o tamanho dessa responsabilidade, e pelo fato ainda de não terem um grau de instrução
ou o principio básico de educação necessário né, pra toda nossa população acaba partindo da parte
governamental entre um, entre outros. Ou própria disciplina dentro de casa.
Apesar de você ter entrado no quadro da FIFA agora, você citou os países latinos né. Você acha que essa
postura e esse comportamento que a gente vê da população brasileira então é um comportamento comum
do país?
Sim, também. Eu vejo até, pra você ter uma ideia no Brasil nós estamos com a cruzada do respeito, que no
primeiro momento toda imprensa nacional bateu muito nos árbitros, teve muitas discussões, mas de uma forma
geral todos compraram a ideia de que futebol melhorou que tempo de bola melhorou, já diminuiu o numero de
cartões, de advertências das posições dos jogos. E quando nós estamos nós hoje brasileiros estamos trabalhando
com os árbitros da América do Sul na Libertadores e Sul Americana, isso é notório da parte deles que a gente ta
conseguindo implantar aqui no nosso campeonato principalmente porque os jogos locais hoje entre brasileiros
estão vindo árbitros de outros países. São clássicos nacionais locais são um árbitro de um terceiro, de um terceiro
país, de um segundo país e eles já notam as diferença, é o comentário geral dos árbitros da America do Sul, dessa
questão de disciplina e respeito. Entao se nós estamos conseguindo de todas as dificuldades, com todos nossos
erros ainda né, nas nossas limitações já estamos conseguindo então a gente crê que não seja tão difícil na
educação e na população assim, como um todo a gente tem uma revolução, uma melhoria aí na parte de
disciplina e na educação de pessoas.
Quando você citou a cruzada do respeito é uma coisa recente então?
Sim, essa foi... Todo ano, todo ano a CBF bate muito em um tema pra gente trabalhar nos campeonatos
nacionais, cada ano a gente tem uma bandeira, a gente diz assim. O ano passado a gente falava muito na questão
de, de respeito mesmo entre as pessoas né, principalmente de torcedores entre eles, o árbitro também tinha um
pouco dessa responsabilidade, e esse ano a cruzada do respeito dentro do campo de jogo, doa a quem doer todas
as dificuldades que teríamos, mas os jogadores teriam que ser um pouco mais disciplinados e mais educados
dentro do campo de jogo. E é o que esta acontecendo, nós tivemos a melhoria, temos a bola rolando como eu
falei diminuição de cartões, diminuição de reclamações, menos simulação, porque no segundo turno do
campeonato brasileiro foi um outro tema que foi colocado, é, acabar com a praga da simulação que também
177
mexe muito com o emocional das pessoas, que as pessoas se sentem burlados e hoje os árbitros temos um pouco
de responsabilidade em cima da simulação pra que os jogadores simulem menos durante a partida.
Então você, pelo seu pouco tempo, posso dizer assim, de experiência internacional. Você acredita que o
comportamento do europeu é diferente?
Acredito sim, até assistindo jogos, que nós hoje passamos assistindo, a maior parte do nosso tempo assistindo
arbitragem não só nacionais, não só Sul americano, mas também os europeus que ta ai na nossa televisão no
nosso dia a dia, e a gente nota eu lá realmente o numero de falta é menor, e o respeito principalmente pelo árbitro
de futebol acaba sendo maior. Pra você ter uma ideia começou a dificuldade na Europa dos árbitros lidar com
essa disciplina e já foi a bandeira da UEFA e isso sim, quando eles sentiram que estavam perdendo o controle já
entrou com essa bandeira também do respeito. E assim a CBF também levantou essa questão no Brasil e nós
estamos conseguindo dar essa volta por cima.
2.9. Queria que você comentasse um pouco sobre a profissionalização de árbitro de futebol.
2.9. Nós acreditamos, eu acredito, eu ainda sempre colocava né, tenho essa esperança de ver o árbitro
profissional assim como outras aéreas do futebol, que hoje a gente pode dizer que um dos poucos que não é
profissional no futebol que envolve milhões, bilhões, envolve bilhões, é o árbitro de futebol, e é um dos mais
cobrados, quase toda a responsabilidade transferência de responsabilidade que acaba passando pela arbitragem,
se a gente parar pra pensar, vários profissionais de arbitragem, que tem seu emprego federal né, seja lá de
qualquer área, hoje os maiores exemplos que nós temos na arbitragem é os professores. São árbitros que
trabalham na sua atividade na parte da manha, principalmente em estados estaduais, ele trabalha de manha dando
aula, na parte da tarde ele se prepara e vai fazer um clássico 22h da noite num jogo de televisão aberto pro Brasil
inteiro. Ou exemplo maior, nós temos vários bancários que trabalham na boca do caixa de um banco até as 16h, e
as 22h estão intermediando um clássico seja lá de qual jogo, numa rede aberta de televisão e além, faz esse jogo
as 22, termina meia noite, chega em casa 3, 4 horas da manha no dia seguinte retorna pra essa jornada de
trabalho, pelo ritmo que esta o futebol, os árbitros corriam 2, 3, 4 km na década de 80. Hoje estão correndo na
media de 11 a 13 por partida se a gente for analisar fisicamente, do primeiro momento, fisicamente, se nós dois
não formos profissionais atletas dificilmente é, a gente vai conseguir acompanhar essa evolução do futebol tão
profissional, com um departamento de futebol tão profissionais que são hoje, se não houver uma melhora em
relação ao uma semi profissionalização ou uma profissionalização de fato o árbitro poder viver realmente da
arbitragem pra poder se manter, pra poder se preparar, descanso pós jogos, nós teremos, a cada ano que passar
nós teremos dificuldades maiores pra lidar com o futebol.
Na minha falta de conhecimento sobre a profissionalização, como que funcionaria, por exemplo, você seria
vinculado em alguma entidade ou ao seu, como é que seria seu rendimento, o que que ta sendo proposto?
Exato, são questões né, acho que são um dos motivos que a presidente já, já regulamentou a profissão. Ou
melhor, ela já, já sancionou a profissão da arbitragem agora fala a regulamentação. Então esses são, essas são
uma das questões que a própria a ANAC a profissionalização de árbitros, o sindicatos de todos os estados, nós de
São Paulo ainda busca essa proposta, qual seria melhor? Será que alguém que já tivesse seu emprego federal com
toda sua ??? Abriria a mao pra ser árbitro de futebol? Seria que haveria profissionalização só dos árbitros da
178
FIFA, como é da argentina. Então ainda são questões que ainda não regulamentou também por conta disso, você
trabalharia dois, três anos como árbitro e depois voltaria pro mercado de trabalho normalmente, como empresa?
A gente fala que o futebol no nosso pais envolve tanta paixão, qual empresário, também um diretor, ou algo de
um profissional ia querer em seu quadro de funcionários um ex árbitro de futebol. Então ainda são questões, ate
nós mesmo sabemos dessa dificuldade mas esperamos um meio que pessoas para que ate futuramente os
próximos árbitros não sofram tanto com essa dificuldade de você ter que dividir seu tempo, seu período ser
arbitro de futebol e ser profissional de qualquer outra área ai do mercado de trabalho.
3. Situações políticas
3.1. Considerando-se a formação de um árbitro desde o Curso para formação de árbitro até a sua
ascensão à categoria de Árbitro Internacional (FIFA), como é a relação de trabalho, investimentos,
assessoria e suporte (psicológico, físico, intelectual, jurídico...) dados aos árbitros pelas Instituições
(Federação, Confederação, FIFA e Associação de árbitros) para o desenvolvimento profissional / humano?
3.1. Hoje eu posso falar mais especificamente da Federação na qual eu sou vinculado que é a Federação
Paulista, lá quando eu fiz o curso lá, numa fase bem anterior 98,99, nós tínhamos um curso de alguns meses e
nós tínhamos baseados, muito focados nas regras de jogo, tivemos pouca situação de assistir um jogo, na época
não tinha um trabalho assim era uma parte muito mais teórica e os estádios era considerados juvenis, que você ia
para os jogos, e ali nos jogos você tinha aquela correção em relação ao seu posicionamento, essa parte bem
campo de jogo. Aí nesse estagio dos árbitros que tinham mais facilidade, que já trabalhava com amador já
acabava levando um pouco mais de vantagem e ali o árbitro ia subindo de categoria, sub20, terceira divisão,
segunda divisão, até chegar na primeira divisão. Hoje, a federação paulista tem curso de duração de dois anos
que ela trabalha com varias matérias, varias habilidades. Ela trabalha com varias matérias, dentre elas a
federação tem um profissional, um psicólogo para acompanhar os alunos que realiza o curso, acompanha nos
jogos, acompanha nas pré-temporadas, acompanha nos treinamentos, então hoje é um trabalho integrado com a
preparação física, a preparação técnica e mais a presença do psicólogo nos treinamentos e essa além e nós por
morarmos no estado de São Paulo, grande como moramos, moramos cada um em uma região do estado, ;e, a
cada dois, três meses nós temos um trabalho conjunto de aprimoramento em São Paulo que eles vão levando 30,
40 árbitros por trabalho, as vezes por semana, com acompanhamento desses profissionais. Mas no caso do
treinamento físico, essa equipe técnica, uma empresa contratada pela federação nos passa através de email, todo
treinamento que a gente tem que fazer durante a semana, cada um na sua cidade, cada um no seu tempo,
intercalando com sua rotina, intercalando com seu dia a dia. E na CBF hoje também tem toda essa estrutura de
psicólogo que nos acompanha essa parte de pratica, física e a parte técnica, também com pré temporada, e
aprimoramento dentre outros atividades. No caso da FIFA é, como acaba sendo menos jogos, é uma carga menor
de partidas, mas todas essa estrutura de todos os países, todas essas confederações são utilizados pra
aprimoramento do arbitro da FIFA e só tem mais essa estrutura mais quando são os jogos internacionais,
competições internacionais, aí tem todo esse aparato, equipe técnica, terapeutas, psicólogos, médicos,
nutricionistas, entre outros. Mas são competições mundiais.
3.2. Comente:
179
3.2.1. Você já entrou em alguma coisa em mudança de categoria, mas eu queria que você comentasse um
pouquinho mais como é feita essa mudança de categoria, quando você é formado, até você ser indicado
nacional. Como é que funciona esse critério.
Bem na verdade, toda partida que você faz né, sendo lá na federação ou confederação né, seria paulista no meu
caso CBF, todos os jogos são acompanhados pelos professores de arbitragem. Entao você tem uma nota a cada
partida que você faz, e eles acabam como toda comissão nacional ou comissão nacional pega todas aquelas
notas, como foi o rendimento desse árbitro durante a competição, e eles formam hoje, dividem hoje essas
equipes por ranking. Os rankings são árbitros que trabalham na primeira divisão, dos árbitros que trabalham em
segunda, dos árbitros que trabalham serie A, caso especifico de estado, tem caso que trabalha em serie A1, aí a
segunda, um segundo bloco de árbitro trabalha na serie A2, na serie A3, e assim vão dividindo esses blocos ate
chegar na inferior, que seria sub11, sub13, campeonato feminino, e a cada ano vai tendo essa alteração de
ranking de 20 nomes, de 5 nomes, de 10 nomes. Cada categoria tem seu numero especifico de árbitro que sobem
e desce. O quadro nacional hoje também é assim e o quadro internacional também é assim, se o árbitro ta tendo
um bom rendimento ele vai subindo, se ele tem muitos problemas físicos, psicológicos, físicos, ou técnicos
durante suas partidas, no caso da FIFA, ele acaba sendo substituído por algum outro árbitro né, o árbitro que tem
dificuldade né, tanto na prova física, no campo de jogo na técnica, ou na prova teórica que nós temos também,
ele é trocado pelo melhor companheiro que é
Mas eu não tenho esse rendimento, ele não fica restrito assim, ah eu tenho que fazer tantos números de
jogos ou eu tenho um tempo pra fazer isso. Tanto tempo em uma categoria?
No caso da confederação nacional, da CBF é, fica bem, é, fica bem restrito as partidas que você faz a sua prova
teórica e a sua, o seu desenvolvimento, perdão. No caso da CBF você é avaliado pelo, pelo campo de jogo, pelas
suas partidas, pela prova teórica e pelo teste físico, isso faz com que o árbitro suba ou não no ranking nacional.
No caso da federação os árbitros tem um mínimo de avaliações, então são 5 partidas por ano e por mais que ele
faca 50 partidas, ele tem um mínimo de 5 avaliações que são consideradas desse ranking, e os melhores de cada
federação estadual são indicados ano a ano do quadro da lista nacional pra que se chegue ao quadro nacional
depende muito das federações e pra chegar no quadro internacional do seu rendimento na CBF.
Eu acompanhei um pouquinho esse ranking de vocês quando eu comecei a estudar, porque tinha toda
relação com os árbitros que eu faria a entrevista e até achei que entrevistaria seu irmão, e ele parou, optou
por encerrar a carreia, e agora achei interessante e surpresa pra mim que tinha uma menina no quadro
da FIFA, e essa menina não apita. Então como funciona isso, se ela é FIFA, entende-se que ela tem uma,
um nível técnico que tem uma capacidade pra ser FIFA. E porque ela não apita os jogos em São Paulo?
Na verdade é, a federação tem esse ranking só que nós temos mesmo FIFA, nós temos os árbitros que são FIFA
pras categorias masculinas, e o quadro também de árbitros FIFA para as competições femininas, levando-se em
consideração que nada impede de uma arbitra ou de uma árbitro, dos árbitros trabalhar em competição feminina
e as árbitras nas competições masculinas. A gente nota a maioria dos árbitros trabalha nas competições, a
maioria das meninas que trabalham em competições masculinas na primeira divisão, são as árbitras assistentes,
elas acabam achando que né, que o comentário geral é muito mais fácil, pratico, trabalhar como árbitro
assistente, do que como árbitro central em competições masculinas. No caso as árbitras estarem aptas a
180
trabalharem nos jogos masculinos hoje, elas tem que passar no teste masculino, e é uma das coisas que é mais
acontecem as vezes conseguem para fazer parte internacional feminino mas não consegue ir por causa do quadro.
São dois quadros, são dois testes, são quadros masculinos e quadros femininos. Nós temos também situações de
mulheres que passam em testes masculinos mas depois vem a questão da escala que aí já não é uma coisa que
depende mais dos árbitros e sim da comissão que nos escala. Aí é a preferência, a dificuldade do jogo, aí já
depende muito mais da comissão do que do próprio árbitro, nós fazemos a nossa parte mas também dependemos
muito depois de momentos que são as escalações dos jogos.
Nesse ranking ainda citando sobre o Paulo quando deixou a arbitragem ele abre espaço pra que seja
indicados, naquele ranking que são especiais também existe primeiro, segundo, terceiro, ou no ranking
não? Que tão lá?
Sim, hoje a federação paulista colocou os árbitros especiais que eles acabam não abrindo mao das pessoas que
são rankiados, existe sim uma numeração nesse ranking especiais.
Mas vocês não tem conhecimento?
Existe sim, não, nós temos o conhecimento. Temos o conhecimento dessa posição do ranking.
Não é divulgado no site?
Pode ser que não seja divulgado no site, mas os árbitros entrando nas suas escalas online, aí no seu email que faz
contato direto na confederação, ele tem sim a possibilidade e a condição de saber essa numeração nesse ranking.
Existe numero de vagas na CBF?
Sim, sim.
Por estado?
Sim, cada estado tem seu numero, o estado que tem mais árbitro da CBF é o de São Paulo, são 20 árbitros.
Estado do Rio de Janeiro 18 árbitros e aí os outros estados já vão diminuindo de vagas, pra gente ter uma ideia,
das cidades que tem poucas equipes, disputando competições nacionais tem 2, 3 vagas pra árbitros e 4, 5 por
assistentes, são pautas que o estado marca por ter muito mais equipes participando do quadro das competições,
acaba sendo um numero maior de árbitros, um exemplo, pra que se tenha um quarto árbitro em varias partidas
das competições na maioria das vezes o árbitro seja do estado. Nós temos um exemplo em São Paulo, nós temos
5 equipes serie A, duas, uma equipe hoje na serie B, 3, 4 equipes na serie C e 2, 3 equipes na serie D. Então você
precisa de um numero maior de árbitro e eles dificilmente colocam o árbitro da FIFA como quarto árbitro, até
coloca, mais dificilmente. Se você considerar que o árbitro da FIFA tá envolvido em competição nacional ou até
internacional e os outros árbitros envolvidos no quadro nacional em diversas series, você acaba tendo um
numero de árbitros em estados que tem maiores números de equipe.
No caso quando você tem dentro da CBF, três árbitros FIFA pra que um outro árbitro chegue a indicação
de FIFA, precisa abrir essas três vagas? Ou pode ter mais árbitros?
181
No Brasil nós temos 10 árbitros da FIFA masculinos, esse é ó numero de vagas Maximo que a FIFA coloca,
FIFA e CONMEBOL, Confederação Sul americana de futebol coloca em disponibilidade do Brasil, 10 árbitros
da FIFA. Então para que entre outro algum árbitro do Brasil no quadro internacional, nós temos um exemplo do
ano passado né, nessa mudança de 2014 pra 2015 que o Paulo Cesar saiu e foi proposta, acabou indo pra
COMEBOL o representante nacional hoje da comebol, e abriram mais duas vagas pra outros árbitros. Então com
essa de abrir quatro vagas, entrou eu,[...], Anderson Daron e Delson Freitas. Anderson Daron do Sul e Delson do
Pará, e eu e o Claus é meu outro companheiro aqui de São Paulo. Também não existe vaga limitada pra
determinado estado, qualquer árbitro que tiver bem em qualquer momento do país pode ser indicado. Porque
hoje nós temos no país 10 árbitros da FIFA e 10 árbitros aspirantes não é que abriu uma vaga vamos pegar
qualquer árbitro da CBF colocar no quadro internacional, não. Hoje já se tem um quadro aspirante a FIFA que
são 10, quase no mesmo nível no quadro da FIFA esperando uma oportunidade pra entrar nesse quadro.
3.2.3- Queria que você comentasse os sorteios, as escalas e os sorteios.
3.2.3. Sim, quando criou o Estatuto do Torcedor foi uma das exigências das pessoas que fizeram a lei de que
houvesse sorteio porque eles achavam que as comissões não eram bem claras, as escalas de árbitros, porque esse
jogo não o outro árbitro, então uma das coisas que eles fizeram foi instituído nosso país o sorteio de arbitragem,
pra se te ruma ideia eu acho que na America do Sul, acho que só dois países, Brasil e Uruguai tem sorteio, os
outros países todos são escalas, porque o sorteio teve mais pratica pras pessoas, pras pessoas que imaginavam
que teria problemas na arbitragem pode ser que tenha sido uma forma de, de... Mas pra você lançar um árbitro
jovem não é fácil você colocar ele num sorteio, como é feito em São Paulo. Em São Paulo você coloca 20, o
numero depende, 20, 30 chegamos a ter sorteios com 35 árbitros para 10 jogos. Pode ser que você tenha um jogo
clássico que não seja um jogo que determinado árbitro no momento, por um árbitro em inicio de carreira, você
que fica no meio de arbitragem sabe disso, que se faz as vezes em anos, e você acaba perdendo um árbitro em
uma partida, então um problema da arbitragem que querem estreiar novos árbitros é a questão do sorteio, pra nós
que estamos diretamente com isso. Se você faz um sorteio não direcionado, não dirigido, hoje na CBF a gente
tem um exemplo que cada jogo, cerca de 2, 3 árbitro por sorteio, então você pode direcionar também por
determinados jogos na primeira divisão de árbitros, com 20 árbitros por sorteio corre-se o risco do arbitro não
estar preparado para determinada partida que ele ta sendo indicado, muita das vezes ele é muito jovem, e as
vezes ele ta envolvido no meio desses árbitros especiais, mas as vezes pode não ser um jogo determinado pra ele,
pode ser um jogo de televisão, ele não esteje tão preparado pra aquele jogo, então eu, Luiz Flávio tenho minha
opinião de que esse sorteio de todos os árbitros acaba sendo prejudicial pra lançamento de novos árbitros, essa é
a opinião própria pra mim.
Quem determina a forma do sorteio é a instituição?
Sim, é a instituição que decide, São Paulo o motivo do sorteio ser todos os jogos dos 10 árbitros é uma decisão
de... Na época foi decisão da presidente da confederação que era a ???, que pediu que o sorteio foi de todos os
árbitros para os 10 jogos independendo dos árbitros, pra ele todos os árbitros tinham condição de trabalhar
nesses jogos e na CBF temos a diferença que acaba indo dois ou no máximo três árbitros por seleção.
3.2.4- Valores pagos a arbitragem.
182
3.2.4. Eu falo assim, se a gente for levar em consideração o que se paga num país um salário mínimo, o que se
ganha varias profissões do nosso país, o árbitro se a gente levar por esse, por essa comparação o árbitro é bem
remunerado. Mas pela responsabilidade em volta de uma partida de futebol, uma decisão de campeonato, decisão
de vaga, o investimento que é feito em equipes em milhões que são investidos nas equipes, nós podemos dizer
que o arbitro não ganha nada em relação ao jogo de futebol. O tamanho de uma responsabilidade uma final de
Copa do Brasil, um Campeonato Nacional que vai dar uma vaga internacional, uma vaga pra Libertadores
possivelmente um Mundial de Clubes, toda visibilidade que envolve uma partida de futebol a pressão, a
televisão, grandes as equipes que ganham em relação a direitos de televisão o árbitro não ganha pra apitar um
futebol, eu posso dizer que nós somos muito mais apaixonados do que bem remunerados para trabalhar numa
partida de futebol. Então é uma remuneração boa em relação ao nosso país e, em relação a minha cidade, sim,
mas em relação ao meio ao qual eu estou envolvido eu não ganho, não sou bem remunerado pelo tamanho da
responsabilidade que são passados para nós nesse tempo ali de 90 minutos, intermediando esses 90 minutos. Um
exemplo, que eu fiz uma final de Copa do Brasil envolvendo duas equipes de um mesmo estado, pela primeira
vez elas disputavam essa final de Copa do Brasil nós tivemos, um exemplo básico, nós tivemos um valor de 6
milhões e o árbitro, no caso eu que tava resolvendo aquela partida, não tinha nem verba 000,01% daquela, pra ta
sendo responsabilizado por apitar aquela final de jogo.
4. Relações Humanas
4.1. Como são as relações entre colegas de arbitragem, se é uma relação de parceria ou de
competitividade.
4.1. Existe sim uma competitividade, mas na minha opinião, na minha opinião né, particularmente sadia, pra
mim. Mas existe muita amizade, muito trabalho em equipe que é o nosso lema, o nosso tema em todas as
partidas que a gente vai resolver, mesmo sendo árbitro central ou o quarto árbitro existe sim uma, uma amizade
muito grande né, um companheirismo, trabalho em equipe, é um torcendo muito pelo outro, porque a gente fala
que são poucas as pessoas que torcem por nós, os nossos familiares e comissões de arbitragem e poucos amigos
que não são fanáticos e nem tão apaixonados, então eu parto do principio que eu torço muito pelos meus
companheiros, tenho pouco de dificuldade nos meus jogos para que os outros jogos também sejam facilitados.
Então eu sou um dos maiores torcedores da arbitragem para que o meu trabalho seja bem facilitado, mas existe a
competitividade, existe um outro caso mesmo de os exs árbitros não ter ali uma certa intimidade com alguns
outros companheiros, problemas de personalidade né, de opinião própria mais na grande maioria são assim,
árbitros que tão sempre preocupados um com o outro.
4.2. Existem muitos comentários sobre as escalas: quem deveria trabalhar em determinados jogos ou não?
4.2. Isso é normal, isso é normal, normal, é natural em todas as áreas. Acho que na arbitragem de todas as
modalidades, mas acima de tudo existe o respeito muito grande que é aquilo que a gente fala, se ela foi no
momento determinada pra um, escalada pra um determinado jogo é porque ele tem uma pequena condição de
levar com condição de atua com responsabilidade e competência, mas que as vezes é um comentário natural, que
as vezes acontece sim. É que nós como árbitros também as vezes não sabemos de uma estreia, de um lançamento
que trabalha minuciosamente ali naquele árbitro e as vezes nós não estamos lá tão envolvidos com aquele dia a
dia do árbitro, então é normal que saia sim esse comentário, mas com muito respeito.
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4.3. As relações com jogadores, comissão técnica, torcedores, espectadores e mídia, durante a partida e
quando você termina uma partida. Existe diferença, como são essas relações dentro do futebol?
4.3. Eu, eu falo por mim que eu acabo sendo, eu, eu, eu levo de uma maneira, de uma forma que eu costumo
respeitar os jogadores né, dentro de campo de jogo, não falar palavrão com eles, não partindo pra uma linguagem
grosseira ou ofensiva, ate pelo fato de não permitir que eles façam isso no jogo, então não tem esse direito de ter
um autoritário dentro de campo. Eu procuro é, que eles me respeitem, mas também tenho que respeita-los, eu
quero autoridade sem ser autoritário, é, eu sempre levei dessa forma mesmo nos jogos amadores uma, uma, não
chega a ser uma amizade, mas um certo respeito, um certo diálogo com esses jogadores, principalmente durante
a partida, a que você não perca essa autoridade durante os jogos. E pós jogo acontece um diálogo mais estendido
mas sempre respeitando o limite mesmo fora do jogo, o limite entre o árbitro e o jogador de futebol. Com a
comissão também, com a comissão acaba sendo, acaba sendo um dialago um pouco maior ne, com a imprensa a
gente respeita também o trabalho dela ali durante o jogo, a maioria das vezes o torcedor, a equipe do seu estado,
da sua cidade, do seu país a gente respeita isso. Mas nós não podemos perder em nenhum momento essa
oportunidade de, de exigir e de ter respeito entre essas pessoas, com nós todos envolvidos dentro do futebol. Em
relação aos torcedores são né, que eu venho falando em toda a minha, que eu venho colocando em toda minha
fala que eles acabam atuando muito mais na parte emocional, na parte do fanatismo, de querer a vitória da sua
equipe a todo custo ne. E ainda tem aquele intermediário, aquele árbitro tomando decisões impopulares, nós
temos que tomar um cuidado maior, principalmente com os fanáticos ne, em relação a nossa vida depois no dia a
dia, você ta na rua, você ta encontrando com esses torcedores, em aeroportos, rodoviária, restaurantes, tem que
ter esse cuidado um pouco maior. Mas também de muito respeito e principalmente o que eu coloco muito nos
meus planos de trabalho é essa parte, de respeitar as gremiacoes, de respeitar jogadores, torcedores porque a
gente sabe que o futebol sendo apaixonante demais, então a gente não pode perder essa oportunidade de, de, a
gente não pode perder esse respeito ne por essas pessoas, aprender a respeitar em todos os momentos por conta
dessa paixão que envolve o futebol.
5. Tecnologia e mídia
5.1. Você é a favor do uso da tecnologia pra arbitragem e você é a favor, qual a tecnologia que é favorável.
5.1. Eu sou favorável sim a tecnologia mas essa que foi utilizada para a Copa do Mundo, gol e não gol. É muito
triste, é muito complicado principalmente pra nós árbitros você terminar uma partida, você saber que aquele
resultado final não foi legitimado por conta de uma decisão. A bola entrar, você não vê, e você não dar um gol,
então uma partida que poderia ter terminado um a zero, termina zero a zero, ou você dar o gol numa bola que
não entrou. Para mim essas duas situações deveriam sim, como foi feito na Copa do Mundo ter a utilização da
tecnologia, gol, não gol. Mas agora a gente não é pra colocar a tecnologia em todas as decisões, o futebol que já
tem aí uma duração de duas, quase duas horas, passaríamos pra duas horas e meia, três horas, eu acho que isso
ficaria mais complicado. Eu não sou favorável em todas as situacoes, em todas as decisões. Mas essa de gol e
não gol, aí sim na maioria das vezes o resultado pode não ser legitimado, por causa de uma decisão que eu tomei
durante a partida.
Eu tomei conhecimento na imprensa, uns dias atrás a autorização na FIFA pro uso de um ponto por
questões de finalidade. Então você acha que essa tecnologia não estaria ajudando?
184
Eu creio que vai ajudar sim, vai ajudar muito, e eu falo que quanto mais coisas puder colocar pra ajudar a
arbitragem, né, porque hoje é difícil nós querermos competir com a tecnologia, olho humano, três pessoas, no
máximo quatro, trabalhando num jogo. Tínhamos já o auxilio, o apoio de dois árbitros nacionais que foram
tirados né, foi apenas um teste que não continua, pra nós quanto mais pessoas tiverem envolvidos é melhor pra
nós, pra legitimar os resultados, vai ser um teste que vai ser muito benefico, assim como a FIFA foi pioneiro em
colocar dois árbitros dentro de campo, colocar 7 bolas que se usa no mundo inteiro nós esperamos que também
dê certo a questão da tecnologia. Eu falei do gol e não gol mas lembrando que lances diários, o que puder vir
para nos ajudar e nos auxiliar vai ser sempre em benefício do futebol.
Na verdade então o que você coloca de uma maneira contraria, tem aquela coisa da polemica para o jogo,
o que foi, vamos ver de novo... Tipo voleibol.
Na polemica e no desafio, o medo é que o futebol chegue nesse desafio que toda decisão que você tomar no jogo
alguém que vê o direito de parar aquele jogo, voltar a essa decisão. Mas agora em que for em benefício da
arbitragem, do trio de arbitragem propriamente dito, essas situações que eu falei de gol e não gol, e essa daí
complementando depois de penais, principalmente de pênalti aí sim foi favoravel. Agora desafios para o jogo,
essa decisão que você tomou não, retorna com bola no chao, aí o futebol começa perde um pouco a graça.
6. Mídia
6.1.1. Como você avalia o trabalho da mídia no futebol em relação à equipe de arbitragem?
Eu acho que ela poderia ajudar muito mais com informações que mostra ai, principalmente como a população, os
torcedores, ganharam com os comentaristas de arbitragem, desde lá dos primeiros que vieram a trabalhar, hoje,
quase todos os canais tem um comentarista de arbitragem. Então quanto mais a gente puder divulgar as regras de
jogo pra que as pessoas entendam o mínimo de regra do jogo, facilita a nossa vida. Mas agora se for àquela
mídia bairrista, torcedora, não vai somar em nada, não vai ajudar em nada, a gente sabe que tem muito torcedor
trabalhando na midia, tem muitas pessoas, acaba tendo o time tem paixão por determinada equipe, mas a gente
acaba respeitando. Mas às vezes não concordando com alguns comentários que são feitos. Agora se for àquela
mídia que vem pra esclarecer, que vem pra tirar a dúvida do torcedor, pra mostrar realmente quando a gente
falha, quando a gente se equivoca, quando a gente erra, aí sim a gente a gente somos favoráveis ai.
6.1.2 A segunda em relação aos comentarias, Ex-árbitros.
6.1.2. Sim, eu acho que pra informar os torcedores, em geral, no ambianto geral, quem ta acompanhando a
partida, entende qual foi a decisão que aquele árbitro tomou, ou porque não tomou, esse profissional, esse ex
árbitro principalmente faz um papel de educador, de professor até para ensinar as pessoas em relação ao, ao que
o árbitro está de comandante de jogo. Então facilita muito mais até em relação a polêmica. Dentre esses
comentaristas, já diminui, principalmente no acerto do arbitro, já diminui essa polêmica em relação ao dia
seguinte.
6.1.3 A responsabilidade da mídia em relação à violência nos estádios
6.1.3. Eu acho que poderia ser melhor, eu acho que poderia ser melhor na forma que eles vendem as vezes, um
clássico ou uma partida buscando o que já aconteceu no passado, o que for principalmente de uma forma
185
negativa, ao invés de ajudar eu acho que apimenta muito mais, coloca ainda muito mais emoção.. Já cria-se um
clima desfavorável pra que você possa levar família pro campo de jogo, levar um filho, levar um parente. Leva
os torcedores, colocando como os torcedores entao a forma que se coloca, a forma de como eles colocam as
vezes, umas informações, torcidas organizadas é, eu acho que acaba sendo uma mídia vendida de uma forma
negativamente. Então eu acho que poderia ser melhor, poderia ser melhor, principalmente com comentarista né,
essa mídia de torcedores já começa falar que pode ser um problema em relação ao arbitro, em relação aquele
jogador, já começa vender aquela briga entre jogadores de jogos anteriores, pra mim é uma mídia negativa
nesses jogos.
6.1.4. A responsabilidade da mídia em relação contra a equipe de arbitragem
6.1.4. Também muito grande, principalmente quando um equívoco, um erro que as vezes acontece de uma forma
que ninguém quer e a forma como é passada, repassa essa informação tanto ali no rádio, principalmente no rádio
ne, que são pesos locais, na maioria das vezes. A forma como eles colocam mexe com o emocional e
consequentemente com a segurança da arbitragem pós jogo. Porque dentro de campo todos vêem, nós temos
3,5,10, 15 policiais a nossa volta. Mas no dia seguinte? E o aeroporto, e a rodoviária, e a estrada, e o restaurante
que você ta no dia seguinte correndo esse risco de encontrar esse torcedor, principalmente quando você acerta e
eles defendem até o último momento que o árbitro se equivocou naquela decisão que todos já viram que tinha
acertado. Então ela poderia, assim como eu coloquei dos comentaristas de arbitragem, poderia ser uma mídia
mais esclaredora do que defender às vezes uma opinião de que todos tão vendo que foi de uma forma contrária.
Eu vou precisar voltar numa pergunta que eu te fiz por conta da sua resposta nessa pergunta. Então você
acha que a manifestação do torcedor não é só no calor da partida, porque você citou e no dia seguinte ,
quando você encontra no aeroporto, então você acha também que teria problemas?
Sim, nós temos relatos de vários árbitros que tiveram problemas no aeroporto, dentro do avião, você ir viajar
com vários torcedores organizados no mesmo voo. Você faz partidas em alguns estádios que só tem um voo de
retorno, CE volta com dirigente de equipe, CE volta com torcedor uniformizado ou torcedor comum entendeu.
Por isso que a gente fala que eu não quero só a profissionalização da arbitragem, eu comentava no ultimo final
de semana que eu tava ali, eu quero a melhoria na estrutura do que envolve um jogo de futebol, que todo mundo
vê a arbitragem apenas nos 90 minutos, mas muita gente não vê as arbitragem antes ne a sua chegada num
estado, numa cidade, num país as vezes, o seu retorno encontra aquelas pessoas no dia seguinte, o restaurante
que você vai pós o jogo que você tem que tomar cuidado de não ir, você sabe que pode encontrar com torcedor
organizado. Então o que a gente pede é essa melhora, essa melhoria de estrutura, uma segurança maior,
segurança nos hotéis, segurança nos aeroportos, uma equipe de segurança seja lá por parte dos sindicatos das
associações ou parte de quem ta organizando, gerindo essas situações.
7. Violência
7.1. O que você entende por violência?
7.1. Ah eu acho que, que seria de um modo geral a violência é você expor um individuo, não diria nem
adversário.. Você expor um individuo a uma situação constrangedora. Se essa violência da forma, da forma que
186
parecer, seja lá uma ofensa moral ou até mesmo vias de fato, a violência pode acontecer de varias maneiras hoje,
então por meio eletrônico. Então você expor um individuo a uma situação constrangedora pra mim acaba sendo
uma violência.
7.2. Você já sofreu violência na função de árbitro?
7.2. Sim, já sofri situações de jogadores dentro de jogo, de te empurrar, de torcida, dirigente na porta do
vestiário, falar bastante, antes de partida já estar reclamando do árbitro que vai trabalhar naquele jogo ou pós-
jogo, abrir em redes sociais coisa que eu não tenho e nem tenho intenção de ter, de você ouvir comentários de
vários árbitros de, de vários dirigentes, torcedores. Então pra gente acaba sendo sim, não precisa ser essa
violência explicita de vias de fato, mas a gente acaba sofrendo, passa por situações constrangedoras sempre,
principalmente sendo nós os intermediadores dessas partidas, de pessoas na sua cidade, às vezes, não sendo uma
sala de atuação e acabar te xingando, reclamando daquela situação, então isso acaba sendo meio que uma
constância na vida do árbitro.
Você já sofreu violência física, além desse empurrão que você citou?
Não, não, só no campo de jogo que já cheguei a ter esse problema de vias de fato, mas assim, nunca uma
agressão de soco assim, mas empurrão daquela coisa de rodinha, de xingamento principalmente já sofri.
A sua família já sofreu algum tipo de violência?
Já de reclamações aqui na cidade onde a gente mora e aquela, mandar uma reclamação por terceiro, através de
um familiar. Mas já, já aconteceu.
7.4. Nesse jogo que você citou de ter sofrido a violência, qual era a importância da partida?
7.4. Ah, foi uma competição de segunda divisão do estádio de São Paulo.
7.5. Qual era a faixa etária dos jogadores?
7.5. Profissional. E também em competições amadoras, principalmente no amador que não tem policiamento,
não tem segurança, que ali que a gente fala que o árbitro, é uma das maiores virtudes de um árbitro é a coragem.
A gente fala que a gente tira o chapéu pros árbitros amadores, que eu também já passei que vale mesmo no
profissional, que acaba contando em torcidas, sem a presença de segurança de policiais ou de seguranças que
pode sofrer que ele possa trabalhar naquele jogo. Também já sofri essa violência de empurrão, de chute até em
campeonato amador, mas em profissional uma vez no jogo da segunda, terceira divisão.
7.6. De quem partiu a violência:
Eu vou fazer alguns itens, se você quiser citar você comenta se não responde sim ou não.
7.6.1 (x) jogadores
7.6.1 (x) jogadores
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7.6.2 ( ) comissão técnica
7.6.2 (x) comissão técnica
Só por ofensa grosseira.
7.6.3 ( ) torcedores
7.6.3 (x) torcedores
Também ofensas, graças a Deus, só ofensa grosseira, nunca via de fato.
7.6.4 ( ) espectadores
7.6.4 (x) espectadores
Também não.
7.6.5 ( ) policiais
7.6.5 (x) policiais
Se eu já sofri violência da policia? Não, não
7.6.6 ( ) jornalistas
7.6.6 (x) jornalistas
Jornalista ofensa moral, verbal, poderia ser. Em trabalho isso é quase que normal natural na nossa profissão.
Agora de dirigentes teve uma vez que se não fosse a escolta policial eu poderia sofrer uma via de fato em uma
competição profissional.
E jornalista em campo?
Já ouvi, comigo não, e aconteceu de colocar o microfone na boca do árbitro de uma, aquela coisa de querer
enfrentar no final do jogo, mas agredir o árbitro, chegar abrir boletim de ocorrência. Mas comigo não.
7.6.7 (x) outros.
Não, não cheguei graças a Deus eu tive poucos problemas até hoje aí, na minha carreira. Graças a Deus.
7.7. A violência ocorreu:
7.7.1 ( ) antes da partida
7.7.2 (x) durante a partida
Aquela coisa de marcação falta ou pênalti e ver todos os jogadores mais exaltados te empurrando.
7.7.3 ( ) após a partida
Término não?
Término de partida também aconteceu, mas com a providencia rápida do policiamento e também não deixasse
que as vias de fato ocorresse.
188
7.8. Local em que a violência ocorreu:
7.8.1. ( ) No terreno de jogo
7.8.2. ( ) Nas dependências dos estádios
7.8.3. ( ) Fora das dependências do estádio
7.8. Caminho, como diria trajeto de campo e vestiário, túnel, túnel, dirigente foi no túnel. Não, não me recordo
coisas de torcedores de ficar reclamando.
7.9. O que você acha que motivou a violência, esse motivo à violência?
7.9. Questão social primeiro momento, educação, indisciplina e a paixão, emoção envolvida, emoção envolvida
no jogo propriamente. Mas acho que os maiores momentos, maiores, maiores questão pra essa violência ainda
seja educação.
7.10. Eu vou te fazer uma pergunta, mas eu acho que você já respondeu. Em relação a violência, quais são
as diferenças em trabalhar em jogos amadores e jogos profissionais em Série A, Série B.
7.10. A diferença acaba sendo segurança, falta de garantia que a gente diz. A falta de garantia que a gente diz na
maioria das vezes, estrutura de estádio, às vezes tem alambrado ou algo mais, ou a falta de policiamento,
segurança mesmo no jogo.
7.11. Como você avalia a segurança nos estádios e a segurança dada a equipe de arbitragem?
7.11. Excelente, excelente, em quase todas as partidas que a gente trabalha é uma responsabilidade muito grande
por parte da policia, da segurança, com a equipe de arbitragem principalmente, é uma responsabilidade. Eu já
cheguei a conversar com um tenente né, comandante de policiamento, ele fala que nós árbitros não temos noção
do tamanho da responsabilidade deles em relação a essa segurança. E a cada ano que passa a gente nota que
melhora, antigamente tudo dentro do campo de jogo, a partir do momento que coloca dentro do regulamento de
competição que a equipe perde mando, perde isso, perde aquilo, pega 100, 150 km pra uma cidade vizinha, já
diminui, já começa educar mais, a treinar um pouco mais e diminui aonde a indisciplina dentro de campo de
jogo. Hoje nós vemos nos estádios, quando um torcedor joga alguma coisa, todos os outros torcedores na hora já
entrega pra policia o torcedor que jogou algum objeto, então acaba sendo mesmo educacional, é uma questão
disciplinar e educacional ao mesmo tempo.
Quando vocês realizam jogos do campeonato paulista, vocês deslocam da Federação pro jogo?
Sim, nós vamos de fretado, um táxi fretado que nos pega na nossa sede e nos leva para o estádio. E quando
trabalhamos em jogos em outro estado as vezes é o quarto árbitro ou o delegado regional, delegado representante
da federação que esta envolvido com a gente dentro de jogo, com a arbitragem e equipe de arbitragem. Nos pega
no hotel, nos leva para o jogo e retorna para o hotel ou diretamente ao aeroporto.
Mas esse transporte não tem nenhum tipo de acompanhamento?
Só em jogos de muita responsabilidade ou finais de campeonatos, ou jogos que pensam comentários. Um jogo de
alto risco nós vamos com abatedores ou escolta policial, somente nessas situações.
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7.12. Como você vê e interpreta a violência contra árbitros?
7.12. Muito triste né, muito triste, acho que ali revela, revela o, a falta de preparo, de educação e de respeito a
esse profissional que ainda faz parte do jogo que não é o principal, que os principais são os jogadores, mas que
se faz necessário a presença de intermediadores e desse arbitro na partida de futebol. Então essa componente
desse universo que não deveria passar pelo o que passa ou que passou
7.13. Uma pesquisa realizada com árbitros de futebol na Áustria tinha como objetivo investigar quais as
situações de conduta antidisciplinar de jogadores e técnicos que levavam um árbitro a utilizar um cartão
vermelho. As respostas mais citadas pelos árbitros foram: Ofensas relacionadas à capacidade técnica, a
aparência física, ao caráter, a orientação sexual e outros. Qual é o tipo de ofensa citados na pesquisa que
você menos tolera tornando possível a punição com o cartão vermelho?
7.13. Tudo bem, a quinta não entrarei em detalhe. A capacidade técnica nenhum arbitro gosta de achar que não ta
bem na partida, por mais que ele sofra, que ele tenha um equivoco durante o jogo, pra ser mais exato, porque na
maioria das vezes quando o jogador ou dirigente fala com você, ele acha que você não sabe nada, que você
desconhece tudo por conta de um erro, ele acha que você desconhece tudo, então eu acho que deixa o arbitro
muito mais aborrecido é quando o arbitro acha que não esta preparado tecnicamente pra aquela partida. Mas em
primeiro lugar seria o caráter, a partir do momento que duvida do meu caráter de que eu possa ta ali com
segunda, terceiras intenções, pra mim acho que é o absurdo do absurdo, que eu considero que me dedico como
eu disse no inicio quase exclusivamente pra arbitragem hoje ainda propriamente como arbitro do quadro
internacional, me considero um arbitro nacional mesmo eu não, de fato, não de direito, me preparo, me programo
para o que eu estou envolvido, e duvidar do caráter acho que seria o primeiro momento. Segundo parte técnica,
parte física eu me preparo o máximo possível para os jogos, ao não ser quando tive lesão. Já tive 3 lesões sai, por
conta de lesão mas ai era uma coisa que não dependia tanto de mim, orientação sexual é uma coisa que já caiu no
gosto do torcedor, ele gosta mesmo de xingar e alem de tudo não liga pra isso. Mas caráter em primeiro
momento, capacidade técnica dois, aparência físicas três, orientação sexual quatro e outros cinco. Não, outro
qualquer outra coisa que se fala ou que se faça, mas assim, hoje a gente fala que se concentra se procura estar tão
equilibrado nos jogos que às vezes quando surge qualquer outro comentário durante o jogo você não consegue
perceber tamanho foco que você esta envolvido no jogo.
8. Stress e Autocontrole
8.1. Você poderia numerar quais são os motivos de maior tensão e stress:
8.1.1 (1) Você ou a equipe de arbitragem sofrer agressão
8.1.2 (2) Falta de segurança nos estádios
8.1.3 (5) Trabalhar em partidas de equipes com as quais você já teve problemas em partidas
anteriores
8.1.4 (4) Atrasos e pontualidade
8.1.5 (6) Pagamentos de taxas
8.1.6 (3) Cometer erros em momentos decisivos da partida
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8.1. A primeira é a equipe de arbitragem sofrer agressão, inadmissível, como eu falei, nós somos mais
apaixonados, do que bem remunerados para trabalhar num jogo, então é inadmissível, seja no campeonato
amador. Seja inadmissível um jogador sai da sua casa, to envolvido no futebol amador que seja e sofrer uma
agressão, ele não esta ali brincando, ele esta ali trabalhando e fazendo ali na maioria das vezes de uma forma,
envolvendo muito mais paixão do que remuneração, então primeiro momento o que pode deixar o arbitro muito
mais aborrecido, essa situação da agressão. Em segundo lugar pra mim, é a falta de segurança nos estádios,
inadmissível você fazer um grande jogo, tanto que todos os regulamentos não nos autoriza a começar um jogo,
uma partida sem policiamento. Hoje eu falei que nós mexemos com emoção e com paixão é difícil você fazer
sem ter o mínimo de confiança. Cometer erros em momentos decisivos da partida, isso pra mim também enrosca
né, tá ali concentrado, com o controle da situação e nada mais triste para um arbitro é você chegar na sua casa, e
saber que uma decisão equivocada sua é, envolveu o resultado final da partida, acho que não tem erro maior para
o árbitro é você não legitimar o resultado final de uma partida. Se você fizer uma outra, não uma pesquisa, mas
uma outra, no comentário geral da arbitragem nós não esquecemos da partida que fomos bem, dois, três, você
esquece. Mas o arbitro nunca tira da cabeça o momento que ele se equivocou, que ele foi mal, que ele prejudicou
uma equipe, isso morre com o arbitro, tamanho responsabilidade e a situação que a gente não quer cometer erros
em momentos decisivos das partidas, pra mim essa fica em terceiro lugar. Trabalhar em atraso, pontualidade não
da, não da para um arbitro que trabalha em grandes jogos viver no atraso. Eu acho que disciplinou muito minha
vida foi ser arbitro de futebol e trabalhar com essa pontualidade de arbitragem, que se eu faço um jogo as quatro,
eu tenho que estar as duas no estádio, se eu chegar duas e meia eu já sou punido. Então pontualidade em relação,
se for relacionado ao arbitro pra mim acaba não caindo porque acabei me disciplinando muito bem em relação a
isso. Agora atrasos e pontualidades pela equipe não é só uma falta de respeito com o árbitro, mas também com o
publico envolvido. A partir do momento em que as pessoas respeitar mais, jogadores, arbitragem, o publico que
esta pagando por esse evento futebol, eu acho que a gente vai, ai sim a gente vai crescer muito mais em muitas
outras situações que envolvem o respeito. Ai sim o futebol vai passar a ser um espetáculo no nosso país, a partir
do momento que começar a respeitar o torcedor de maneira correta, com pontualidade, não haver atrasos de
jogos e uma coisa que a CBF e a Federação já esta conseguindo implementar nesses últimos dois, três anos nas
competições nacionais e internacionais. Eu falei das quatro né? Essa é o que fica em quinto, pagamentos de taxas
claro que todo mundo quer ser remunerado, mas você sabe que uma hora ou outra você vai ser remunerado por
esse jogo, então eu acabo não me estressando nesse fato com os dirigentes que não querem pagar porque de uma
hora ou outra você vai receber por isso. Como a gente fala né, a gente acaba trabalhando mais por paixão do que
realmente pra esse pagamento de taxa, sabendo que você vai receber lá na frente, então procuro não me estressar.
Eu já me preparo, posso ter, posso passar por essas situações em todas as partidas que eu trabalho.
8.2. Quais são as atitudes de jogadores e técnicos que dificultam seu trabalho?
8.2. A reclamação de situações que não ocorrem. A reclamação acintosa de uma coisa que todos e depois ate as
imagens mostra que você não tava equivocado, que nós chamamos de transferência de responsabilidade, essa é
uma coisa que o árbitro não aceita, não tolera.
9. Existe algum outro tema ou comentário que gostaria de registrar?
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9. Acho que foi bem completa, a maior questão foi bem completa, mas eu creio, acredito que foram bem
abordados todos os temas né, falamos bem dessa parte psicológica, falamos dos nossos treinamentos, da nossa
responsabilidade que tem com o que a gente tá envolvida né e, a questão da família que sofre muito com as
nossas atuações, torcem. Como nós moramos em cidade do interior, a cidade acaba respirando arbitragem, as
pessoas veem falar pra gente: ``hoje eu não vou torcer pra minha equipe, to aqui pra você fazer um belo
trabalho``. Então não tem nada mais que prazeroso e realização pessoal que você adquirir o respeito dessas
pessoas, sabendo ali que você ta tentando trabalhar ali com ética e com responsabilidade. Independente da
categoria, do gênero que você ta trabalhando. Então essa é a satisfação pra gente, legitimar o resultado e chegar
no vestiário com a sensação de dever cumprido e maior ainda, as pessoas ate esquecem aquele arbitro que estava
envolvido no jogo, não tem satisfação melhor saber que a gente não teve participação de erro no resultado final
do jogo.
Queria te agradecer, por essa segunda-feira, por essa tarde que você muito solícito, muito generoso por
dar essa entrevista.
Eu que agradeço Carla né, mais uma, mais um trabalho né, principalmente acadêmico que a gente tem essa
oportunidade de falar de arbitragem. E falar de arbitragem pra mim, eu ficaria aqui até dez horas da noite, se
tivesse assunto, que me dá prazer de falar de arbitragem, eu faço o que eu faço porque eu gosto, sou apaixonado
pelo o que faço, às vezes as pessoas não entendem né, que as vezes é uma pergunta, você também sabe do que
estou falando. As vezes as pessoas perguntam: ``como você foi gostar de ser arbitro, ser xingado, passar o final
de semana longe da sua família, da sua mulher, do seu filho?``. As vezes deixa o filho chorando, mudar data de
aniversario, é que nós gostamos muito do que nós fazemos, somos apaixonados pelo o que fazemos e temos o
prazer de ta falando disso e de procurar passar essa informação pra o maior numero de pessoas possíveis né. É o
que muitas mais pessoas tenham entendimento dessas regras que possa atuar ou trabalhar de uma forma que nós
trabalhamos.
Eu te agradeço e te desejo muito sucesso!
Muito obrigado, pra nós.