Republica Platão

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República Platão

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PLATO

PLATO. A Repblica.

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SCRATES Reflete agora sobre o que te vou dizer. Qual o objeto da pintura? O de representar o que , tal qual , ou o que parece, tal qual parece? Imita a aparncia ou a realidade?

GLAUCO A aparncia.

SCRATES Logo, a arte de imitar est muito afastada do verdadeiro; e a razo por que faz tantas coisas que s toma uma pequena parte de cada uma, e esta mesmo no passa de simulacro ou fantasma. Um pintor, por exemplo, pinta um sapateiro, um carpinteiro ou outro arteso qualquer, sem ter nenhum conhecimento de suas respectivas artes. Isso no impede, se bom pintor, de iludir s crianas e aos ignorantes, mostrando-lhes de longe um carpinteiro por ele representado e que tomem por imitao da verdade.

GLAUCO Sem dvida.

SCRATES O mesmo se deve entender, meu caro amigo, de todos os que fazem como o pintor. Sempre que algum nos vier dizer ter encontrado um homem que sabe todos os ofcios e rene em si, em elevado grau, todos os conhecimentos que se acham repartidos entre muitos, preciso desengan-lo, mostrando-lhe que no passa de um tolo por se ter deixado lograr por um imitador ou mgico a quem tomou por sbio, simplesmente porque no sabe discernir a cincia da ignorncia, a realidade da imitao.

GLAUCO a pura verdade.

SCRATES Resta-nos agora considerar a tragdia e Homero, seu criador. Como ouvimos diariamente a certas pessoas que os poetas trgicos entendem muito de todas as artes e cincias humanas que se referem ao vcio e virtude e mesmo com as de natureza divina; visto que a um bom poeta necessrio estar perfeitamente instrudo nos assuntos de que trata se quiser vers-lo com xito que de outra sorte lhe seria impossvel, cumpre verificarmos se os que assim falam no se deixam iludir por esta espcie de imitadores; se, vendo-lhes as produes, esqueceram de notar que se afastam trs graus da realidade e que, sem conhecer a verdade fcil comp-los, visto que no passam, ao cabo, de meros fantasmas sem sombra do real; ou se h algo de slido no que dizem; e se, realmente, os bons poetas entendem das matrias sobre as quais o comum dos homens pensa que escreveram bem.

(...)

SCRATES A poesia imitativa produz em ns tambm o amor, a ira e todas as paixes da alma que tm por objetivo o prazer e a dor, influindo em todas as nossas aes, porque as alimenta e orvalha em vez de dessec-las; faz-nos mais viciados e infelizes, pelo domnio que d a estas paixes sobre nossa alma, em vez de mant-las inteiramente dependentes, o que nos tornaria melhor e mais felizes.

GLAUCO Tenho de concordar contigo.

SCRATES Assim, pois, caro Glauco, quando encontrares admiradores de Homero a dizer que este poeta instruiu e formou a Grcia e que a gente aprende, lendo-o, a governar-se e a bem conduzir-se nas vrias contingncias da vida e que o melhor a fazer pautar os atos por seus preceitos, ser de bom conselho acolh-los com toda a ateno e respeito, como a homens bem intencionados e virtuosos que so, e admitir que Homero o maior dos poetas e o primeiros das trgicos. Mas, ao mesmo tempo, no esqueas que em nossa repblica s se ho de tolerar como obras poticas os hinos de louvor dos deuses e os elogios de homens ilustres. Porque assim que a deres entrada musa mais voluptuosa da poesia lrica ou pica, desde esse momento o prazer e a dor reinaro no Estado em lugar da lei e da razo, cuja excelncia todos os homens reconheceram sempre.

GLAUCO Nada mais certo.

SCRATES Visto que surgiu nova ocasio de falar em poesia, j ouviste o que tenho a dizer sobre o assunto para provar que, sendo o que , tivemos razo de desterr-la de uma vez por todas de nossa repblica; porquanto fora impossvel resistir fora dos motivos que a isso nos levaram.