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Influência da nutrição neonatal no desempenho produtivo e sanitário de
frangos de corte
DVM., MSc. Marcelo Dalmagro
A avicultura tem experimentado nas últimas décadas uma evolução genética
sem precedentes. Em uma demonstração bastante esclarecedora onde foram
comparadas linhagens avícolas de 1957 e 2001, Havenstein et al. (2003a,b)
determinaram que em torno de 85% do avanço na produtividade avícola deveu-‐se
ao melhoramento genético e somente 15% à nutrição e manejo alimentar. Durante
esse período houve um incremento anual de mais de 1% (45 g) no peso vivo das
aves. As melhorias obtidas em 44 anos resultaram em um frango de corte que
necessita aproximadamente 1/3 do tempo e 1/3 do alimento para chegar a 1.800 g
de peso vivo. Esta impressionante evolução genética segue aprimorando até hoje,
onde as linhagens são ainda mais eficientes. Devido ao perfil de crescimento
acelerado dessas aves de produção, o acesso a alimento e água antes da chegada à
granja é vital para otimizar seu desenvolvimento neonatal (Gonzales et al., 2008)
Como consequência da evolução observada na velocidade de crescimento dos
frangos de corte, a proporção entre os períodos de vida pré e pós-‐eclosão foi
reduzida, chegando a ser menor que 1:1.5 em aves de abate precoce (grillers). Isso
indica que gradualmente nos aproximamos de lidar com um animal neonato durante
grande parte do ciclo produtivo, obrigando-‐nos a entender sua dinâmica fisiológica
e consequentemente suas necessidades nutricionais.
Apesar de que os frangos de corte possuem grande capacidade inicial de
desenvolvimento, alguns manejos relacionados a esse período seguem
contraproducentes. A incubação artificial de ovos permitiu à avicultura chegar a
grandes escalas de produção atingindo parâmetros produtivos bastante exigentes.
Entretanto, esse sistema de incubação nos impede de aproveitar uma das vantagens
competitivas das aves precociais frente às altriciais: a capacidade de alimentar-‐se
por conta própria horas após a eclosão.
Enquanto que na natureza os pintainhos (aves precociais) eclodem e passam
imediatamente à busca de alimento para suplementar as reservas da gema e gerar a
colonização microbiana intestinal, aqueles nascidos em incubatórios comerciais
ficam resignados a aguardar dentro dos nascedouros até o momento determinado
para o nascimento/retirada. De modo geral, as eclosões em escala comercial seguem
um padrão populacional com distribuição normal, podendo apresentar faixas tão
amplas quanto 40h (Figura 1) entre início e fim dos nascimentos.
Figura 1. Exemplo de janela de eclosão.
Devido a diversos fatores associados às reprodutoras, ao manejo dos ovos
férteis e ao processo de incubação, raras vezes nos deparamos com curvas de
eclosão ideais onde haveria uma distribuição normal de nascimentos a partir das 24
horas pré-‐retirada. É comum observar curvas de eclosão desviadas (Figura 2) onde
mais de 25% dos pintainhos já eclodiram 36 horas antes do momento do
determinado para o nascimento.
Figura 2. Exemplo de um perfil anormal de eclosão. Fonte: Dr. Mario Plano
Se somarmos à permanência no nascedouro um tempo de pelo menos 12
horas entre manuseio (sexagem + vacinação), espera na planta e transporte até a
granja, concluímos que até um terço dos pintainhos de cada lote pode chegar às
granjas com mais de 48 horas desde eclodidos. Devemos considerar que
dependendo do manejo da planta de incubação e principalmente da distância de
transporte dos pintainhos, em muitos casos esse tempo total pode chegar a 72
horas. Para os frangos de corte esse período é extremamente significativo, chegando
a representar de 5 a 10% da vida das aves. Isso ajuda a explicar parte da
desuniformidade observada nas granjas durante os primeiros dias das aves
(Willemsen et al., 2009), já que intervalos tão grandes entre eclosões e a restrição ao
acesso a alimento e água determinam diferenças pronunciadas no desenvolvimento
inicial das aves. Quando o desenvolvimento fisiológico e a colonização microbiana
neonatal são atrasados, os parâmetros zootécnicos no restante do ciclo produtivo
também são prejudicados. Além de reduzir a performance produtiva, esse atraso
também afeta negativamente a formação e maturação do sistema imune,
comprometendo a capacidade das aves em reagir contra patógenos e responder aos
programas de vacinação.
Dentro desse panorama, programas de alimentação pós-‐eclosão surgem
como ferramentas de fácil implantação, que permitem otimizar os resultados
produtivos e sanitários das aves. Para que estes objetivos sejam alcançados, a
nutrição neonatal ideal tem sua base forjada em 3 pilares inter-‐relacionados (Figura
3): Acesso rápido à hidratação, alimentação equilibrada e flora microbiana saudável.
Figura 3. Pilares da nutrição neonatal
Para avaliar a importância de um programa de nutrição neonatal,
devemos entender como se dá o desenvolvimento pós-‐eclosão dos frangos de
corte. Também é necessário conhecer as respostas fisiológicas ao atraso que
ocorre rotineiramente no fornecimento de nutrientes e microorganismos
benéficos aos pintainhos. Com essa base de informações em mente,
compreenderemos de que maneira a nutrição pós-‐eclosão influencia os
resultados produtivos e sanitários dos lotes e teremos as ferramentas para
sustentar a implantação de um programa de nutrição neonatal.
Seis parâmetros serão discutidos a seguir, relatando-‐se a possível influência
da nutrição neonatal em cada um deles: a necessidade de nutrientes pós-‐eclosão, o
desenvolvimento dos sistemas de suporte, o desenvolvimento do sistema digestório,
o desenvolvimento do sistema imune, o desenvolvimento muscular precoce e o
estabelecimento da microbioma intestinal.
A necessidade de nutrientes pós-‐eclosão
Durante muito tempo perseverou o paradigma de que pintainhos mantidos
em jejum absorveriam mais rapidamente a gema residual. Atualmente sabe-‐se que a
ingestão de alimento neonatal não somente favorece a absorção da gema (Figura 4),
mas também otimiza o aproveitamento dos nutrientes nela presentes (Bigot et al.,
2001; Noy and Sklan, 2001). Em um trabalho publicado na década de 80, Murakami
et al. (1988) observaram que os nutrientes da gema correspondiam por apenas 50%
da energia e 43% da proteína requerida pelos pintainhos no primeiro dia de vida. É
racional pensar que três décadas depois, com a seleção genética das linhagens atuais
para crescimento inicial acelerado, os requerimentos do pintainho neonato são
ainda maiores e os nutrientes presentes na gema se tornam proporcionalmente
mais restritos. Em uma situação normal, ao terceiro dia de vida o conteúdo da gema
residual já não deveria representar um aporte nutricional significativo para a ave.
Quanto à composição nutricional, a gema possui um perfil lipídico e proteico mais
favorável à síntese de membrana celular e à manutenção da imunidade passiva (IgY)
do que ao atendimento das demandas energéticas do neonato. Portanto, quando as
aves são forçadas a utilizar a gema como fonte básica de energia ocorre um desvio
no uso dos nutrientes presentes, em detrimento de seus objetivos principais:
crescimento corporal e defesa contra patógenos.
Figura 4. Efeito da alimentação precoce (imediatamente após a eclosão) ou jejum (96 h) sobre a
reabsorção da gema durante a primeira semana de vida. Adaptado de Noy et al., 1996.
Além de não suprir a totalidade dos nutrientes requeridos pelos pintainhos,
a gema não possui quantidades significativas de carboidratos, o que reduz a
disponibilidade de glicose para ser usada como combustível metabólico. Como
forma de compensação, os pintainhos são preparados para gerar glicose a partir de
tecidos corporais (músculos e gordura). Quando se oferece a pintainhos dietas ricas
em carboidratos, ocorre a substituição da glicose circulante de origem endógena por
aquela de origem alimentar, o que é demonstrado pela redução na atividade da
enzima hepática glicose-‐6-‐fosfatase (Donaldson & Christensen, 1991). O atraso no
fornecimento de alimento neonatal leva também a um aumento na dependência da
gordura presente na gema para produção de energia, o que pode levar o pintainho à
cetose (Best, 1966). O excesso de corpos cetônicos no sangue causa diurese
(aumentando a desidratação) e possui efeito anoréxico, reduzindo a voracidade com
que os pintainhos buscam alimento. Portanto, o atraso na alimentação dispara um
círculo vicioso, onde as aves passam a utilizar nutrientes endógenos e como
resultado reduzem o apetite, gerando maior dependência nos nutrientes corporais e
assim sucessivamente.
O desenvolvimento dos sistemas de suporte
Além de fornecer o suporte necessário para o adequado crescimento nos
primeiros dias de vida dos pintainhos, a nutrição neonatal tem um papel
fundamental no desenvolvimento/maturação das estruturas corporais que
permitirá os ganhos zootécnicos futuros.
Para que ocorra um ganho de peso acelerado na fase inicial da vida das aves,
o crescimento de carcaça deve ser amparado pelo desenvolvimento dos sistemas de
suporte (digestório, cardiorrespiratório, etc.). Através dessa perspectiva, os órgãos
de suporte ou suprimento devem maturar com precocidade para permitir o
desenvolvimento dos órgãos de demanda, como por exemplo os sistemas
esquelético e muscular. A nutrição neonatal tem influência direta sobre essa
questão. Como demonstrado na Figura 4 por Renema et al. (2012) em um trabalho
exposto no Congresso Mundial de Avicultura da Bahia, a ingestão de alimento pós-‐
eclosão afeta positivamente o tamanho relativo do coração às 24 horas de vida.
Sendo o desenvolvimento do coração um indicativo de capacidade metabólica,
pintainhos que receberam nutrição neonatal possuem desde o início de seu ciclo
produtivo mais chances de desenvolver-‐se adequadamente.
Figura 4. Proporção do peso do coração em relação ao peso corporal em pintainhos. Fonte: Renema et al.,
2012
O desenvolvimento do sistema digestório
Mesmo que a capacidade digestiva comece a ser observada alguns dias antes
da eclosão, a maioria do seu desenvolvimento ocorre pós-‐eclosão quando os
pintainhos neonatos passam a consumir alimento (Sklan, 2001). Para dar-‐se conta
da relevância dessa fase na vida das aves, vale ressaltar que a maturação do trato
gastrointestinal (TGI) influencia a expressão do potencial genético das aves (Barnes
et al., 2000; Uni e Ferket, 2004). O sistema digestório corresponde à porta de
ingresso de todos os nutrientes que serão utilizados adiante para desenvolvimento
dos demais sistemas corporais, além de representar o principal mecanismo de
defesa contra patógenos que desafiam os pintainhos nos primeiros dias de vida. O
TGI é um sistema de alta complexidade, possuindo seus próprios sistema
neuroendócrino, nervoso e imune, além de um microbioma comensal bastante
desenvolvido.
Em linhas gerais, a capacidade digestiva inicia a partir da ingestão do fluido
amniótico e está relacionada com o crescimento do trato digestivo. Ao 17o dia de
incubação o trato digestivo corresponde a 1% do peso do embrião e à eclosão o peso
do trato digestivo sem a gema residual já significa 25% do peso vivo dos pintainhos,
reduzindo-‐se a 8% aos 15 dias de idade. O sistema digestório é o grupo de órgãos
que proporcionalmente desenvolve-‐se mais rapidamente após a eclosão, e a
velocidade desse desenvolvimento é regulada tanto pelo acesso quanto pela
composição do alimento neonatal. Durante a fase embrionária, as vilosidades se
desenvolvem com a formação de enterócitos que possuem orientação endocítica
(Moran, 1985) permitindo a absorção de macromoléculas. Após o nascimento, há
uma renovação de enterócitos que são originados nas criptas de Lieberkühn e
migram ao topo das vilosidades, possuindo já uma orientação para digestão e
absorção de nutrientes. Em torno de 72 horas após a eclosão, as microvilosidades na
superfície dos enterócitos já tornam-‐se evidentes. Paralelamente, a atividade
enzimática do sistema digestório aumenta nos primeiros de vida e também é afetada
pela nutrição perinatal, como exemplificado na Figura 6 através da atividade
enzimática da tripsina (em unidades/kg de peso vivo).
Figura 6. Efeito da alimentação precoce na evolução da atividade da tripsina (unidades/kg de peso vivo)
nos primeiros dias dos pintainhos. Adaptado de Nitsan et al. (1991).
Apesar de que o consumo de qualquer tipo de alimento acelera o
desenvolvimento intestinal, a qualidade e composição do alimento é determinante
na otimização desse processo. Alimentos complexos (água, nutrientes compostos,
diversos tamanhos de partícula, flora) estimulam o desenvolvimento
gastrointestinal e ampliam o perfil de secreção de enzimas digestivas , o que
melhora a capacidade de digestão e absorção dos nutrientes presentes no alimento.
A presença de alimento também estimula a secreção de hormônios gastrointestinais
como a colecistoquinina (CCK), a qual influencia diversos processos fisiológicos
como o apetite, produção de bile, secreção de enzimas digestivas, etc.
Exemplificando a importância da nutrição neonatal no desenvolvimento intestinal,
pintainhos que sofreram um atraso de 24 horas no acesso ao alimento após a
eclosão apresentaram redução na altura das vilosidades (Yamauchi et al., 1996),
diminuição no tamanho e número de criptas por vilosidade e menor taxa de
migração de enterócitos (Geyra et al., 2001a).
A compreensão do desenvolvimento do sistema digestório no neonato deixa
claro que as medidas que tomemos para favorecer o seu desenvolvimento gerarão
frutos duradouros na produtividade dos lotes. Os efeitos práticos da nutrição
neonatal sobre o desenvolvimento do sistema digestório já são conhecidos há
bastante tempo. Ainda na década de 70 demonstrou-‐se que o jejum prolongado após
a eclosão determina menor habilidade para digerir e absorver aminoácidos e outros
nutrientes quando as aves passam a ser alimentadas (Newey et al., 1970). A demora
no acesso ao alimento também reduz drasticamente o número de células
caliciformes e a secreção de mucina, expondo o epitélio intestinal à invasão
bacteriana e reduzindo a sua capacidade absortiva (Uni et al., 2003).
O desenvolvimento do sistema imune
Quando eclodem, os pintainhos são expostos a uma infinita gama de
antígenos, estimulando os mecanismos de defesa inata e também os processos de
proliferação e diferenciação dos diferentes clones de células imunitárias (Whittow,
1999). Uma das tarefas iniciais mais importantes do sistema imune é determinar
contra quais antígenos deve-‐se gerar resposta imunitária (patógenos, toxinas, etc.) e
quais deve-‐se desenvolver tolerância (nutrientes, bactérias benéficas, etc.). Esta
atividade é especialmente importante no TGI, pois é o local onde haverá maior
contato com antígenos. O balanço entre resposta imune e tolerância depende
grandemente da interação entre as células do sistema imune, o parênquima
intestinal e a microbiota que coloniza a mucosa.
Nos primeiros dias de vida dos pintainhos, a proteção aos desafios depende
basicamente dos níveis de imunoglobulinas (IgA e IgY) obtidos por via passiva e dos
mecanismos de defesa inespecíficos, como por exemplo as células fagocíticas
(macrófagos, etc.) e a barreira de muco produzida pelas células caliciformes. Pode-‐
se dizer que o desenvolvimento do sistema imune ocorre de forma gradual durante
as primeiras semanas de vida das aves. O desenvolvimento e atividade do trato
gastrointestinal e do sistema imune a ele relacionado influenciarão a capacidade das
aves para defender-‐se de patógenos não apenas nos primeiros dias de vida, mas
durante todo o ciclo produtivo. Portanto, pode-‐se afirmar que a performance
sanitária das aves é dependente da forma em que o sistema imune é estimulado e se
desenvolve durante o período perinatal.
A dinâmica do desenvolvimento do sistema imune no período neonatal, em
especial do tecido linfóide associado à mucosa gastrointestinal (GALT), permite que
se compreenda porque é necessário romper paradigmas e atuar de forma mais ativa
durante esse período da vida das aves. Durante o período pós-‐eclosão ocorrem
episódios relevantes do desenvolvimento do sistema imune das aves de produção.
Mesmo que durante a vida embrionária alguns mecanismos de defesa como a
atividade fagocitária dos macrófagos já estejam presentes, parte importante do
desenvolvimento do sistema imune no que se relaciona à produção de anticorpos
acontece após a eclosão. Durante a incubação células linfocitárias prematuras
povoam a Bursa de Fabricius (BF) e proliferam-‐se, formando os folículos linfóides.
Na BF esses linfócitos B prematuros passam por conversões genéticas que originam
células B com um repertório diversificado de Igs. Aproximadamente ao momento de
eclosão as células B com as distintas Igs começam a abandonar a BF e migrar para
povoar tecidos periféricos como o GALT (Masteller et al., 1994). Após a eclosão, as
células da BF possuem alta atividade proliferativa e a forma que ocorre esta
proliferação determinará a capacidade de produção de anticorpos futuramente. Os
intestinos já são colonizados com crescentes números de linfócitos de 4 a 6 dias pós-‐
eclosão, e estes linfócitos maturam durante a segunda semana de vida das aves. Da
mesma forma, células secretoras de IgA são observadas na lâmina própria intestinal
após 10 dias da eclosão. Consequentemente, a resposta imune por anticorpos (IgY e
IgA), tanto sistêmica quanto originada no GALT, é produzida pelos pintainhos
apenas a partir da segunda semana de vida. Na natureza, logo após o nascimento as
aves começam a realizar uma “amostragem” de diversos antígenos (sejam eles
patógenos ou não) à medida em que passam a ingerir nutrientes e também
microorganismos como ocorre normalmente através da coprofagia. O acesso a esta
grande variedade de antígenos gera uma espécie de treinamento do sistema imune
para que saiba distinguir entre tolerância e reposta, estimulando tanto respostas
imunitárias inatas quanto adaptativas. De forma contrária ao que ocorre na
natureza, com o advento da incubação industrial estamos restringindo a
variabilidade de antígenos a que os pintainhos estão expostos e dessa forma
atrasando os mecanismos de treinamento e desenvolvimento do sistema imune.
Diversos pesquisadores afirmam que a capacidade dos pintainhos de gerar
uma resposta imunitária própria é influenciada pelo acesso precoce ao alimento. Um
exemplo desta hipótese foi realizado por Dibner et al. (1998), demonstrando que a
atividade proliferativa das células da BF tem seu potencial reduzido quando os
pintainhos não tem acesso imediato a alimento. Sabe-‐se também que o atraso no
fornecimento de alimento pós-‐eclosão diminui levemente o GALT da região
proximal do intestino em idade de abate. Porém, esse atraso alimentar reduz
drasticamente o GALT da região distal do intestino, o qual possui maior importância
já que é mais atuante ao nascimento e participa ativamente da amostragem de
antígenos pela cloaca via retro peristáltica. Segundo Dibner et al. (1998), o jejum
afeta o desenvolvimento do sistema imune de três formas distintas: 1) Sem o acesso
à ingestão de alimentos e outras partículas não alimentares reduz-‐se a bateria de
antígenos a que os pintainhos são expostos e consequentemente reduz-‐se o pool de
anticorpos formados; 2) O jejum estimula a secreção de corticosterona, hormônio
conhecido pelo seu potente efeito inibidor da proliferação de células imunes; 3) Com
o atraso na alimentação, o pintainho passa a consumir os anticorpos maternos
presentes na gema residual como fonte de aminoácidos para produzir as proteínas
necessárias para sua sobrevivência e crescimento.
O desenvolvimento muscular precoce
A nutrição neonatal é importante para que a manutenção das necessidades
fisiológicas e o crescimento inicial dos pintainhos não ocorra às custas do uso de
nutrientes endógenos (p.ex., de origem muscular). Adicionalmente, a nutrição
neonatal também influencia de forma direta o potencial de deposição muscular dos
frangos de corte. A capacidade de crescimento muscular depende dos nutrientes
recebidos durante a fase neonatal principalmente devido ao número e atividade das
células satélite.
As células satélite estão localizadas entre a lâmina basal e o plasmalema das
fibras musculares e são capazes de proliferar, diferenciar-‐se e juntar-‐se à fibras
musculares existentes ou então de se fundirem entre si para formar novas fibras
(Campion, 1984). Após a eclosão, não há aumento significativo no número de fibras
musculares, portanto o crescimento muscular pós-‐eclosão se dá em grande parte
pelo aumento no conteúdo de DNA através da atividade das células satélite (Mauro,
1961). As células satélite estão presentes em grande número e são muito ativas logo
após o nascimento, tendo seu número reduzido de forma acentuada com o
crescimento (Cardiasis e Cooper, 1975). Em uma situação normal, no período
neonatal ocorre a proliferação das células satélite, gerando aumento no número de
núcleos da fibra muscular permitindo assim uma maior capacidade de crescimento
muscular ao longo da vida das aves. A relevância das células satélites no
crescimento muscular dos frangos foi comentada por Mozdiak et al. (1997),
sugerindo que o tamanho do músculo pode ser permanentemente reduzido se
houver inibição da agregação de novos núcleos durante o desenvolvimento inicial.
Estes autores relataram que as células presentes no tecido muscular em
crescimento são sensíveis a flutuações no status nutricional das aves. Portanto, o
fornecimento de um alimento neonatal nutricionalmente balanceado é crítico para a
proliferação das células satélite e o consequente desenvolvimento muscular dos
frangos de corte.
Estabelecimento do microbioma gastrointestinal
Como o desenvolvimento do TGI e do GALT estão intimamente relacionados
com os microorganismos que o colonizam, para que tenhamos sucesso em chegar a
um desenvolvimento precoce da capacidade digestiva e imunitária também é
necessário estabelecer rapidamente uma microflora comensal adequada. A
permanência dos pintainhos recém eclodidos dentro dos nascedouros até o
momento do nascimento oficial, juntamente com o tempo total até a chegada na
granja atrasam não somente o acesso ao alimento, mas também a uma flora
microbiana variada. Soma-‐se a isto o fato de que na maioria das granjas comerciais
os pintainhos são expostos a uma carga microbiana excessiva e bastante desviada
do que seria adequado para uma correta colonização do TGI.
O TGI pode conter até dez vezes mais células bacterianas que o total de
células eucarióticas de todo o organismo animal (Eckburg et al., 2005; Guarner e
Malagelada, 2003). Essas inferências não consideram ainda fungos e protozoários
que também contribuem para a complexidade do ecossistema microbiano do TGI.
Dessa forma, a microflora comensal pode ser considerada um “órgão” composto por
uma rica diversidade de microorganismos que possuem uma ampla gama de
funções importantes para o hospedeiro. Em mamíferos, tem sido demonstrado que a
colonização do epitélio intestinal após o nascimento é essencial para que se regule a
tolerância imunitária a uma série de subprodutos microbianos (Xu e Gordon, 2003).
Essa forma de condicionamento aparentemente reduz as respostas alérgicas a
alimentos ou antígenos ambientais (Braun-‐Fahrlander et al., 2002).
Um grande exemplo dos efeitos das bactérias da microflora comensal no
desenvolvimento e função do TGI é a aparição de bactérias filamentosas
segmentadas (BFS) associadas ao epitélio intestinal em torno da primeira semana
pós-‐eclosão (Goodwin et al., 1991). As BFS são conhecidas por influenciar a
colonização de outras bactérias comensais servindo como âncoras entre o epitélio e
o lúmen intestinal (Angert, 2005; Klaasen et al., 1992). Outras funções das BFS são
aumentar a atividade mitótica e a relação entre o número de enterócitos e células
caliciformes (Umesaki et al., 1995) além de serem identificadas como potentes
estimuladores da secreção de IgA e da maturação do sistema imune de mucosas
(Snel, 1997).
Para que haja uma colonização efetiva do TGI logo após o nascimento, é
necessário que além de ingerir os microorganismos, o bioma gastrointestinal
permita o sobrevivência e proliferação destes. Visto que a maioria da microflora
benéfica utiliza carboidratos como substrato para crescimento, é importante
oferecer alimentos que contenham carboidratos para os pintainhos logo do
nascimento já que esses componentes são escassos na gema residual (Apajalahti,
2005). O fornecimento de alimento adequado o crescimento dos microorganismos
benéficos determina o estabelecimento precoce de uma microflora comensal que
auxiliará nos processos de desenvolvimento das aves.
Considerando-‐se que a alimentação neonatal tem efeitos positivos sobre a
população microbiana presente no intestino das aves, a combinação de uma fórmula
nutricional balanceada, ingredientes que favoreçam o crescimento de bactérias
benéficas e a administração de bactérias probióticas logo após a eclosão parece ser
uma ótima estratégia para otimizar o crescimento e desenvolvimento integral das
aves.
Conclusões
O desenvolvimento neonatal nas aves de produção comercial é bastante
intenso e a forma que esse ocorre determinará a capacidade das aves em expressar
seu potencial genético. As características da produção avícola moderna fazem com
que os pintainhos recém eclodidos tenham acesso restrito a alimento, água e flora
microbiana adequada durante uma parte vital de seu desenvolvimento inicial.
Conforme demonstrado, o atraso no fornecimento de nutrientes e flora gera
transtornos no desenvolvimento de vários sistemas corporais, resultando em efeitos
negativos permanentes para as aves.
A nutrição neonatal, sustentada por seus 3 pilares (alimentação, hidratação e
colonização microbiana) é uma forma prática de reduzir o impacto negativo do
jejum pós-‐eclosão, gerando melhorias na performance produtiva e sanitária das
aves que perdurarão por todo seu ciclo produtivo.
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