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AMAZÔNIA AMAZÔNIA AMAZÔNIA AMAZÔNIA AMAZÔNIA CIÊNCIA & DESENVOLVIMENTO ISSN 1809-4058 Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007

Revista Amazonia 5 COMPLETA

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AMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIACIÊNCIA & DESENVOLVIMENTO

ISSN 1809-4058

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007

Amazônia: Ciência & Desenvolvimento / Banco da Amazônia. –v. 3, n. 5 (jul./dez. 2007) – . – Belém: Banco da Amazônia,2005 – .

Semestral.ISSN 1809-4058.

1. DESENVOLVIMENTO REGIONAL – Amazônia – Periódico.I. Banco da Amazônia. II. Título.

CDD: 338CDU: 33(811) (05)

REPRODUÇÃO E RESPONSABILIDADEQualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.Os artigos publicados na revista “Amazônia: Ciência e Desenvolvimento” são de inteira responsabilidade deseus autores.

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃOCoordenador: Oduval Lobato NetoEditores Técnicos: Marcos Antônio Souza dos Santos e Oderle Milhomem AraújoSupervisor: Maria de Fátima Costa Leão

CONSELHO EDITORIALAhmad Saeed Khan (UFC/DEA), Alfredo Kingo Oyama Homma (Embrapa Amazônia Oriental), Ana Laura dosSantos Sena (IESAM), Antônio Carvalho Campos (UFV/DER), Antônio Cordeiro de Santana (UFRA/ISARH),David Ferreira Carvalho (UFPA/NAEA), Erly Cardoso Teixeira (UFV/DER), Fernando Antônio Teixeira Mendes(CEPLAC), Francisco de Assis Costa (UFPA/NAEA), Iran Pereira Veiga Júnior (UFPA/NEAF), João Eustáquio deLima (UFV/DER), Joaquim José Martins Guilhoto (USP/FEA), José Jorge Valdez Pizarro (IESAM), Lauro SatoruItó (UFRA/ISARH), Mutsuo Asano Filho (UFRA/ISARH), Raimundo Aderson Lobão de Souza (UFRA/ISARH),Roberto Ribeiro Corrêa (UFPA/DSE), Samuel Soares de Almeida (MPEG).

EQUIPE TÉCNICAArte da 1ª capa: RumaFoto da 1ª capa: Geraldo RamosTexto da 4ª capa: Equipe de MarketingEditoração eletrônica: Manoel de Deus Pereira do NascimentoRevisão de texto em língua inglesa: José Rubens Quintino de Paiva e Reginaldo Antônio Lima PereiraNormalização: Oderle Milhomem Araújo – CRB2 / 745Apoio: Milton de Souza Fernandes (Estagiário)

Endereço eletrônico: http://www.bancoamazonia.com.brE-mail: [email protected]ço para correspondências:Biblioteca do Banco da AmazôniaAv. Presidente Vargas, 800 – 16º andar – Belém-PA. CEP 66.017-000Impresso na Gráfica do Banco da Amazônia

SUMÁRIO

EDITORIAL

ARTIGOS

APROPRIAÇÃO ILÍCITA DE TERRAS PÚBLICAS NA AMAZÔNIA: O CASO DA GLEBA ITUNANO ESTADO DO PARÁILLEGAL POSSESSION OF PUBLIC LAND IN AMAZON: THE ITUNA LAND LOTE CASE, IN THESTATE OF PARÁAndréia Macedo Barreto.................................................................................................................. 7

A CADEIA AGROINDUSTRIAL DO ARROZ INFLUENCIANDO O DESENVOLVIMENTOREGIONAL: UMA COMPARAÇÃO ENTRE O RIO GRANDE DO SUL E RORAIMARICE AGRINDUSTRIAL CHAIN ACTING ON REGIONAL DEVELOPMENT: A PARALLEL BETWEENRIO GRANDE DO SUL AND RORAIMA STATESLuciana Dal Forno Gianluppi; Gustavo Dal Forno Gianluppi.................................................................. 27

CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA POR ALIMENTOS ARTESANAIS: UMA APLICAÇÃO DOMÉTODO DE AVALIAÇÃO CONTINGENTE NA VALORAÇÃO DO SELO DE ORIGEM DE PALMAS - TOCARACTERIZATION OF THE DEMAND FOR CRAFTSMANSHIP FOOD: APPLICATION OF THECONTINGENT VALUATION METHOD TO THE EVALUATION OF THE PALMAS-TO STAMPAdriano Firmino Valdevino de Araújo; Adriano Nascimento da Paixão; Fernando Dias BartolomeuAbadio Finco; Franciele Ramos........................................................................................................ 45

CRESCIMENTO DIAMÉTRICO DE MAÇARANDUBA (MANILKARA HUBERI CHEVALIER)APÓS A COLHEITA DA MADEIRADIAMETRIC GROWTH OF MAÇARANDUBA (MANILKARA HUBERI CHEVALIER) AFTERHÁRVEST OF WOODDulce Helena Martins Costa; João Olegário Pereira de Carvalho; Eduardo Van Dem Berg........................ 65

EDUCAÇÃO NO CAMPO E PODER LOCAL NA AMAZÔNIAEDUCATION OF THE FIELD AND LOCAL POWER IN THE AMAZONÉmina Márcia Nery dos Santos; Orlando Nobre Bezerra de Souza; Ney Cristina Monteiro de Oliveira................... 77

EVOLUÇÃO E SELEÇÃO CULTURAL NA AMAZÔNIA NEOTROPICALEVOLUTION AND CULTURAL SELECTION IN AMAZON NEOTROPICALMarcos Pereira Magalhães............................................................................................................. 93

INFLUÊNCIA DE DOSES DE BORO NA PRODUÇÃO DE MASSA SECA DE PLANTAS DEURUCUZEIRO (BIXA ORELLANA L.): CULTIVARES EMBRAPA 36 E EMBRAPA 37INFLUENCE OF DOSES OF BORON IN THE PRODUCTION OF DRY MASS OF PLANTS OFURUCUZEIRO (BIXA ORELLANA L.): CULTIVATE EMBRAPA 36 AND EMBRAPA 37Edson Carlos Sodré Lopes; Ismael de Jesus Matos Viégas; Janice Guedes de Carvalho; DílsonAugusto Capucho Frazão; Heráclito Eugênio Oliveira da Conceição; João Elias Lopes FernandesRodrigues................................................................................................................................... 113

MANEJO SUSTENTÁVEL DE FLORESTAS SECUNDÁRIAS: ESPÉCIES POTENCIAIS NONORDESTE DO PARÁ, BRASILSUSTAINABLE MANAGEMENT OF SECONDARY FORESTS: POTENTIAL SPECIES INNORTHEAST OF PARÁ, BRAZILGustavo Schwartz........................................................................................................................ 125

MANIFESTAÇÕES DO BIOCLIMA DO ACRE SOBRE A SAÚDE HUMANA NO CONTEXTOSOCIOECONÔMICO DA AMAZÔNIABIOCLIMATIC INFLUENCES OF THE ACRE ON THE HEALTH HUMAN IN THESOCIOECONOMIC CONTEXT OF THE AMAZONAlejandro Fonseca Duarte; Márcio Denis Medeiros Mascarenhas....................................................... 149

PERFORMANCE DE CULTIVARES DE SOJA EM DIFERENTES EPÓCAS DE SEMEADURANA REGIÃO SUL DO ESTADO DO TOCANTINS, SAFRA 2006/07PERFORMANCE OF SOYBEAN CULTIVARS AT DIFFERENT SOWING SEASON, INTOCANTINS STATE SOUTHERNRodrigo Ribeiro Fidelis; Joseanny Cardoso da Silva; Joênes Mucci Peluzio; Daniel Cappellari;Hélio Bandeira Barros; Glauber Lacerda......................................................................................... 163

UM POTE DE OURO NO FIM DO ARCO-ÍRIS? O VALOR DA BIODIVERSIDADE E DOCONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO, E AS MAZELAS DA LEI DE ACESSO: UMAVISÃO E PROPOSTA A PARTIR DA AMAZÔNIAA POT OF GOLD AT THE END OF THE RAINBOW? THE VALUE OF BIODIVERSITY ANDASSOCIATED TRADITIONAL KNOWLEDGE, AND THE DEFICIENCIES OF THE ACCES LAW:A VIEWPOINT AND A PROPOSAL FROM AMAZONCharles Roland Clement............................................................................................................... 177

A TIRAÇÃO DE CARANGUEJOS NOS FINS DE SEMANA E O COMPROMETIMENTO DABIODIVERSIDADELOCAL ARTISANAL CAPTURE OF CRABS ON WEEKENDS AND THE COMMITMENT OFBIODIVERSITYMaria Regina Ribeiro Reis............................................................................................................. 199

AS VANTAGENS COMPARATIVAS DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS REGIONAIS VERSUSIMPORTADOS NO MERCADO DE BELÉM, PARÁ: O MODELO DO CONSUMIDOR APLICADONAS CIÊNCIAS AGRÁRIASTHE COMPARATIVE ADVANTAGES OF REGIONAL AGRICULTURAL PRODUCTS VERSUSIMPORTED AT THE MARKET OF BELÉM, PARÁ: THE COMSUMER’S MODEL APPLIED IN THEAGRARIAN SCIENCESKarl Henkel; Josina da Mata Amado Jacinto; Jimnah de Almeida; Ana Laura Corradi............................ 225

RELATÓRIOS DE PESQUISAS..................................................................................................... 263

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS...................................................................... 273

5Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

EDITORIAL

Os periódicos científicos são instrumentos fundamentais na difusão e evolução doconhecimento. Cumprem o importante papel de divulgar resultados de pesquisas e registrar, paraas gerações atuais e futuras, os avanços da ciência e da tecnologia. A sua contribuição para a sociedadeé algo singular e sua significância aumenta à medida que se eleva o estoque de textos, ensaios,artigos e notas técnicas registrados em suas páginas, ano após ano, a cada edição.

A revista Amazônia Ciência & Desenvolvimento chega à quinta edição, marco do seu segundoaniversário. Nesse período 115 artigos foram submetidos e avaliados pelo nosso Conselho Editorial.Desse total, 61 foram aprovados e publicados. Soma-se, ainda, a publicação de 9 notas técnicas e 32resumos de projetos de pesquisa financiados pelo Banco. Sem dúvida, já é um estoque significativode conhecimento e, o mais importante, com forte identidade regional. São números que deixamevidente a sua relevância como periódico e, mais ainda, reforçam o compromisso do Banco daAmazônia na valorização e difusão de conhecimentos sobre a realidade regional.

Nesta edição constam 13 artigos e mais seis resumos de projetos de pesquisa. A diversidadetemática, traço característico da revista, transita por múltiplas áreas cotejando análises da agricultura,da biodiversidade, do manejo de recursos naturais, do bioclima amazônico, da economia e dasrelações sociais históricas e contemporâneas. São mais de 280 páginas de saberes que se somam asquatro edições anteriores, ampliando e fortalecendo o estoque de conhecimentos já disponível narevista.

Assim, reconhecendo a relevância de consolidar esta revista como uma publicação de referênciano tratamento das interfaces entre economia, sociedade, meio-ambiente e desenvolvimento regional,não poderíamos deixar de prestar nossas homenagens e reconhecimento, nesta edição comemorativa,a todos que fazem a Revista Amazônia: Ciência & Desenvolvimento - autores de artigos, membrosdo conselho editorial, colaboradores do Banco e seus leitores, ao mesmo tempo, desejamos profícuase duradouras parcerias em nome do progresso da Amazônia.

A todos uma boa leitura!

Abidias José de Sousa JúniorPresidente do Banco da Amazônia

7Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

APROPRIAÇÃO ILÍCITA DE TERRAS PÚBLICAS NA AMAZÔNIA: O CASO GLEBA ITUNA, NOESTADO DO PARÁ

Andréia Macedo Barreto*

RESUMO

A grilagem de terras públicas constitui uma prática ilícita que ainda se faz presente na Amazôniabrasileira, e que geralmente está relacionada a outras, como a “pistolagem” e a fraude documental.Por isso, é importante analisar o papel do Judiciário como um dos poderes do Estado, no momento emque se depara com essa prática, nas demandas judiciais. Nesse contexto, destaca-se a situação dagleba Ituna, terra de domínio público federal, localizada no oeste do Estado do Pará, já que reúnevárias situações que desafiam a atuação do Judiciário, como é o caso da utilização de titulo depropriedade falso pelo próprio Poder Público.

Palavras-chave: Grilagem – Amazônia. Terra pública - Gleba Ituna – Estado do Pará.

ABSTRACTILLEGAL POSSESSION OF PUBLIC LAND IN AMAZON: THE ITUNA LAND LOT CASE, IN THESTATE OF PARÁ

The illegal occupancy of public domain (land) is one illicit practical which still remains in BrazilianAmazon and it is usually related to other forms of occupancy, as using fire guns or documental frauds.Therefore, it is important to analyze the role of Judiciary as one of the powers of the State, at themoment when it meets this practical, in lawsuits. In this context, the situation of Ituna land lot isdistinguished, as a land of federal public domain located in the west of the State of Pará, because itcongregates many situations that defy the Judiciary performance, as it is the case of using falsedocument by the Power Public.

Keywords: Illegal occupancy – Amazon. Public land - Ituna Land Lot – Stat of Pará.

* Advogada; Doutoranda em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém-PA.E-mail: [email protected]

9Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

O termo grilagem tem suas origens naprática de fechar um título de terra, ou outrodocumento de caráter fundiário falsificado, comum grilo, a fim de que esse inseto, em contatocom o papel, propiciasse um aspecto amarelado,dando a impressão de documento velho eautêntico.

Porém, não apenas o título de propriedadefalso caracteriza a grilagem. Na verdade, essaprática pode ser entendida como a apropriaçãoprivada de terras públicas, por meios coercitivose violentos, ou não, podendo ser utilizadodocumento fraudulento com o fim de asseguraro domínio sobre esse bem público. Ou aindacomo:

A legalização do domínio da terra através de

documento falso (aspecto ficto). Também é

compreendida como a apropriação ilícita de

terras por meio da expulsão de posseiros

(ocupantes de terras públicas) ou índios

(aspecto factual) ou ambas as formas. Portanto,

trata-se de uma série de mecanismos de

falsificação de documentos de propriedade de

terras, negociações fraudulentas, chantagens e

corrupções que tem envolvido o poder público

e os entes privados (BENATTI; SANTOS; GAMA;

2006, p. 18).

Não constitui um fenômeno recente, nemrestrito à Amazônia, pois faz parte da realidadebrasileira, desde a formação histórica dapropriedade no País. Contudo, ganha dimensõesna Região Amazônica, sobretudo, em razão desua extensão territorial e da não destinaçãoeconômica ou ambiental, pelo Estado, de grandeparte dessas terras.

Juntamente com a grilagem sedesenvolvem outras práticas ilícitas, como a lutapela posse da terra, a pistolagem, a fraude

processual, a falsidade documental, o esbulhopossessório, bem como os homicídios e as açõescontra a integridade física de trabalhadores rurais,ribeirinhos, indígenas e líderes de movimentossociais.

É em face dessa realidade que surge anecessidade de ação positiva do Estado, nosentido de realizar políticas públicas voltadaspara dirimir os problemas relacionados à essaapropriação ilícita de terras. Contudo, nemsempre tais políticas se mostram eficientes. Naverdade, em grande parte, a situação se agravajustamente pela inércia do Estado (Executivo),em resolver o problema.

Por isso, muitos conflitos que deveriam sertratados pelo Poder Executivo acabaram sedirigindo ao Judiciário para que, através dafunção jurisdicional, atue no sentido de solucionaras demandas individuais ou coletivas, em facedas omissões do Poder Público (Executivo).

Nesse contexto, insere-se o caso da glebaItuna, que tem importância singular para aanálise, pois diz respeito a uma grande extensãode terra pública, que foi apropriada ilicitamentepor um madeireiro, que há anos explorou osrecursos florestais, especialmente o mogno;ademais, por ter sido foco de diversas práticasilícitas, dentre elas a produção fraudulenta detítulos de propriedade, a pistolagem e odesmatamento.

O presente estudo partiu, como fonteprimária, da pesquisa de campo realizada in locona gleba, onde foram feitas entrevistas semi-estruturadas com alguns personagens envolvidosno conflito, como agricultores, posseiros e liderançaslocais. Também, contou com entrevistas deautoridades locais de órgãos fundiários eambientais, tais como o Instituto Nacional de

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2 O CASO GLEBA ITUNA

2.1 DENOMINAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E DIMENSÕES

griladas, bem como algumas decisões da VaraAgrária de Altamira, para auxiliar na análise do caso.

Atualmente, a área correspondente à glebaItuna compreende 118.210 hectares (parceladiscriminada, arrecadada e matriculada em nomeda União Federal). Nessa área foram criadosProjetos de Assentamentos (PA) do INCRA, comoé o caso do PA Morro dos Araras, PA Ressaca e PAItapuama2. E a parte não arrecadada do imóvel(também chamada pelo INCRA de gleba Ituna)foi apropriada ilicitamente através da prática dagrilagem. Trata-se da denominada “Área Naufal”ou “do Naufal”, que será abordada mais adiante.

Quanto à denominação “gleba Ituna”, éimperioso destacar que nos arquivos do INCRA,também, consta essa denominação para a parcelanão arrecadada (que atualmente compreende oPlano de Desenvolvimento Sustentável - PDSItatá), o que gera confusão no momento deidentificação da gleba.

Por isso, para uma melhor compreensão, aolongo do presente trabalho, é preciso ter em vistaque a denominação “gleba Ituna” após o processo

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (IBAMA), de representante do MinistérioPúblico Federal (MPF), juiz da Vara Agrária eintegrantes de Organizações Não-Governamentais(ONGs), todos de Altamira. Tornou-se imprescindíveluma pesquisa no cartório de registro de imóvel, demodo que, também, realizou-se levantamento noscartórios de Altamira e Senador José Porfírio.

Como fonte secundária, realizou-se umapesquisa bibliográfica e documental, junto aosórgãos públicos ambientais e fundiários de Belém

e Altamira, ONGs e MPF. Também, estudou-sedecisão judicial proferida na ação ordinária deimissão de posse proposta pelo INCRA em face dogrileiro, e de algumas decisões do juiz da VaraAgrária de Altamira, para auxiliar na análise de caso.

Com subsídio na pesquisa de campo, e nasdemais fontes mencionadas, fez-se a reconstituiçãoda ocupação da área que corresponde à gleba Ituna,e de toda a problemática envolvida. A partir daíbuscou-se delinear uma análise jurídica do caso,enfocando a atuação do judiciário em relação àprática da grilagem.

A gleba de domínio federal denominadaItuna localiza-se na Amazônia brasileira, no oestedo estado do Pará, com parte de suas dimensõesno município de Altamira e parte no municípiode Senador José Porfírio.

A área total da gleba, antes da arrecadaçãopela União Federal, correspondia a cerca de292.760 hectares. Suas confrontações eram: aoNorte, com a linha do polígono desapropriatóriode Altamira, conforme dispõe o Decreto nº68.443/1971; ao Sul, com a reserva indígenaKoatinemo; a Leste com o rio Xingu e terras daUnião; e a Oeste, com o rio Xingu1.

Nos limites e perímetros da gleba foramtomadas como referência as Cartas Perimétricaselaboradas pelo Projeto RADAM. Na verdade, emtodas as discriminatórias realizadas na AmazôniaLegal pelo INCRA as áreas arrecadadas foram,apenas, estimadas na cartografia do Projeto, cujasCartas já estavam em circulação desde 1972, masas terras arrecadadas não foram demarcadas(ÉLERES, 2002). Também, estudou-se a decisãojudicial proferida na ação ordinária de imissão deposse proposta pelo INCRA para rever as terras

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2.2 OS EFEITOS DO DECRETO-LEI 1.164/1971

Na década de 1970, no período do governomilitar brasileiro, a União passou a ampliar seudomínio sobre as terras dos estados federados,incorporando-as e, assim, reduzindo o domíniodos estados integrantes da Amazônia Legal –Pará, Maranhão, parte norte de Goiás (atualTocantins), parte norte dos estados do MatoGrosso, Amapá, Roraima, Amazonas e Rondônia4.

Nessa ampliação, tem-se como diplomalegal o Decreto-Lei nº 1.164 de 1º de abril de1971 (BRASIL, 1971), através do qual foramdeclaradas indispensáveis à segurança nacional,na região da Amazônia Legal, as terras devolutassituadas na faixa de cem quilômetros de largura,em cada lado do eixo das rodovias federais.Dentre essas rodovias destaca-se aTransamazônica (BR 230), próxima dosmunicípios de Altamira e Senador José Porfírio.

Na verdade, tratava-se de uma estratégiapara viabilizar a integração nacional, em que afederalização das terras estaduais consistiu emum instrumento importante para o GovernoFederal controlar o processo de ocupação naAmazônia (TRECCANI, 2001, p. 170),privilegiando, porém, as elites rurais.

Retratando a intervenção federal sobre asterras do estado do Pará, Monteiro (1980, p. 119)afirma:

Qualquer que seja a justificativa dos motivos

que levaram o Poder Central a considerar a

urgência desse interesse de Segurança Nacional

para incorporar essa imensa área ao patrimônio

da União, o certo é que, a partir do Decreto nº

1.164, o processo fundiário do Estado do Pará

não pôde ser mais conduzido e orientado

autonomamente pelas autoridades estaduais.

Pois o INCRA como órgão planejador,

coordenador e executor das medidas destinadas

a corrigir a estrutura agrária do País, passou a

deter através desse decreto a quase totalidade

das terras devolutas disponíveis que pertenciam

ao patrimônio do nosso Estado.

Essa intervenção durou 16 anos. Em umprimeiro momento, as disposições do Decreto-Lei nº 1.164 foram modificadas pela Lei nº 5.917/1971 (BRASIL, 1973), até que em 1987 foirevogado pelo Decreto-Lei nº 2.375, de 24 denovembro de 1987 (BRASIL, 1987).

Por meio do Decreto-Lei nº 2.375/1987, aUnião deixou de considerar indispensáveis àsegurança e ao desenvolvimento nacionais asatuais terras públicas devolutas situadas na faixade fronteiras, de cem quilômetros de largura, emcada lado do eixo das rodovias já construídas,em construção ou projetadas. Com isso, parte dasterras devolutas retornou aos estados federados.

Sobre o retorno dessas terras, no caso doPará, Éleres (2002) considera que as áreas nãoforam devolvidas ao estado, porque nãoconstituíam terras públicas da União. Na verdade,o que foi convencionado como “reintegrado aoPará”, nada mais era do que terras públicas que,apesar de estarem na faixa de cem quilômetros doDecreto-Lei nº 1.164/1971, não foram arrecadadaspelo INCRA e/ou Grupo Executivo das Terras doAraguaia-Tocantins (GETAT), e por isso não foraminscritas em nome da União, pela Secretaria do

discriminatório3, é utilizada pelo INCRA tanto paradesignar a parcela da gleba discriminada earrecadada pela União Federal, quanto para se

referir à parcela excluída da arrecadação (Áreado Naufal ou ainda denominada imóvel rural bocado rio Iriri e Passay).

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Patrimônio da União (SPU), e nem nos cartórios deregistro de imóveis das Comarcas correspondentes.

Mesmo porque, nesse período, tanto oINCRA quanto o GETAT arrecadaram terras soba égide do Decreto-Lei nº 9.760/1946 (que tratados bens pertencentes à União) e Lei nº 6.383/1976 (que se refere ao processo discriminatório).Por isso, teriam de obedecer às normasprocessuais para ter legitimidade sobre as terras,tais como: 1) publicação do Edital; 2) compilação,análise e julgamento das documentaçõesdominiais apresentadas (escrituras, registros,plantas etc.); 3) demarcação da poligonal, comexclusão das áreas de domínio privado e; 4)arrecadação e inscrição, no registro de imóveis,em nome da União Federal, das terras devolutasencontradas (ÉLERES, 2002).

Por outro lado, o Decreto-Lei nº 2.375/1987ressalvou como indispensáveis à segurançanacional e sob o domínio da União, dentre asterras públicas devolutas situadas na faixa de cemquilômetros, as contidas nos municípios deHumaitá (AM), São Gabriel da Cachoeira (AM),Caracaraí (RR), Porto Velho (RO), Ji-Paraná (RO),Vilhena (RO), Altamira (PA), Itaituba (PA), Marabá(PA) e Imperatriz (MA) (BRASIL, 1987, art. 1º,parágrafo único).

Com efeito, mesmo revogado o Decreto nº1.164/1971, a União Federal, ainda assim, passoua controlar grande parte das terras do estado doPará (mais de dois terços do território paraense),

pois, conforme destacado, o Decreto nº 2.375/1987ressalvou que as situações juridicamenteconstituídas continuavam sob a jurisdição doINCRA (TRECCANI, 2001). Apenas para se ter umaidéia da dimensão da intervenção federal sobreas terras do estado do Pará, estima-se que a áreatotal corresponda a 8 vezes o tamanho do Acreou 30 vezes o tamanho da Holanda (ÉLERES, 2002).

Diante dessa intervenção do Poder Central,surgiram também as seguintes conseqüências:ocorreu o agravamento da situação fundiária nosestados, em especial no Pará, pois foram criadosimpasses com a paralisação de milhares deprocessos de compra e venda de terras devolutas,juntamente com os de simples ocupação elegitimação, nessa faixa incorporada aopatrimônio da União (MONTEIRO, 1980); bemcomo, houve considerável redução das terras dedomínio dos estados federados.

Os efeitos do Decreto-Lei nº 1.164, e dosque o sucederam, tiveram uma abrangência emgrande parte das terras devolutas da AmazôniaLegal, mudando o mapa fundiário do estado doPará, quanto a dominialidade.

Foi o que ocorreu no caso da gleba Ituna,ou seja, através desse diploma legal a UniãoFederal passou ao seu domínio a área até entãopertencentes ao Estado do Pará, com ofundamento de que estava situada no eixo doscem quilômetros da rodovia federalTransamazônica (BR 230).

2.3 TERRA PÚBLICA DISCRIMINADA

Mesmo abrangida pelo Decreto-Lei nº1.164/1971, a gleba Ituna constituía terra públicadevoluta. Por isso, em 1982, para separar as terraspúblicas das particulares, foi instaurado processoadministrativo de discriminação, regulado pelaLei nº 6.383/1976, cuja Comissão Especial foi

criada pelo INCRA através da Portaria/DF nº 176,de 28 de julho de 1982 (INCRA, 1982).

Seguindo o procedimento do processodiscriminatório, a Comissão Especial instruiu oprocesso com o memorial descritivo da área, que

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correspondia a aproximadamente 292.760hectares. Como no imóvel havia diversasocupações, foi publicado o edital de convocaçãodos interessados para apresentarem no prazo de60 dias seus títulos, documentos, informações deinteresses, testemunhas ou qualquer prova emdireito admitido. Dentre os convocados constavao nome de Eduardo Pessoa Naufal5.

Ao aprovar os trabalhos relativos aoprocedimento discriminatório, a Comissãoresolveu incorporar somente 118.210 hectares6.Não fez qualquer referência às ocupaçõeslegitimáveis ou às propriedades reconhecidas noimóvel, apenas mencionou essa incorporação.Mas ao descrever as confrontações, situou a glebana divisa com a área supostamente pertencentea Eduardo Pessoa Naufal.

No encerramento desse procedimento,através da Portaria/DF nº 329, de 3 de dezembrode 1982, o INCRA determinou que o imóvel fossematriculado e registrado em nome da União nocartório de registro de imóveis de Altamira, demodo que sob a matrícula 4.167, livro 2-N, folhas260, a gleba Ituna foi registrada em nome daUnião com uma área de 118.210 hectares,constando a citada Portaria nº 329 como títuloaquisitivo (INCRA, 1982).

Contudo, mesmo diante desse registroprocedido pelo INCRA, a gleba também aparecematriculada em sua totalidade (292.760

hectares), em nome da União Federal, no cartóriode registro de imóveis de Senador José Porfírio7,sendo que no registro consta como títuloaquisitivo da terra a Portaria/DF nº 176, de 28 dejulho de 1982, ou seja, a mesma que instituiu aComissão Especial para a discriminação8.

Na verdade, a incorporação de área inferiorà totalidade da gleba, bem como o registro nocartório de Altamira e depois no de Senador JoséPorfírio, fazem parte da fraude, pois na época dadiscriminação o grileiro já ocupava parte doimóvel e o órgão fundiário não resolveu asituação: mesmo sem legitimar posse, nemreconhecer propriedades, o INCRA arrecadou áreainferior ao total da gleba, que foi registrada nocartório de Altamira. Posteriormente, em 15 dedezembro de 1993, solicitou a abertura de novamatrícula para o imóvel no cartório de SenadorJosé Porfírio, correspondente à área 292.760hectares, sob a justificativa de criação de outrosmunicípios.

Com isso, pode-se dizer que a grilagem deparcela da gleba foi facilitada pelo órgãofundiário, já que ao realizar o processodiscriminatório, a área não foi retomada eincorporada ao patrimônio público federal. Comoconseqüências, surgiram duas situações jurídicasdistintas na gleba, pois uma parte do imóvelpassou a constituir terra pública não devoluta(discriminada e arrecadada pela União), e outraparcela continuou como terra pública devoluta.

2.4 A ÁREA NÃO ARRECADADA PERTENCE AO ESTADO DO PARÁ?

Com a não incorporação de totalidade dagleba Ituna, nem o reconhecimento depropriedade particular sobre parcela do imóvel,surge a questão de saber se a área nãoarrecadada deveria retornar ao domínio doestado do Pará, por força da revogação doDecreto-Lei nº 1.164/1971.

Primeiramente, é preciso destacar sobre aconstitucionalidade do Decreto 1.164. Há posiçãode que embora fundado no artigo 1º daConstituição Federal de 1967, que dizia ser oBrasil uma República Federativa, esse Decretoferia a autonomia e, principalmente, o direito dosEstados-membros sobre seus territórios. Por isso,

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mesmo aparentemente amparado naConstituição, constituía ato ilegítimo do PoderCentral, razão pela qual o referido Decreto seriaconsiderado inconstitucional. Nesse sentido,posiciona-se Éleres (2002).

Destaca-se, porém, que o pleno doSupremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade,na Ação Civil Ordinária nº 477-2, proposta peloINCRA em face do estado do Tocantins e outros,julgada em 27.06.2002, D.J 01.08.2003,reconheceu a constitucionalidade do Decreto-Lei1.164/71. Nesse sentido, o Ministro RelatorMoreira Alves posicionou-se em seu voto:

Improcede a alegada inconstitucionalidade do

Decreto-Lei 1164/1971 que declarou

indispensável à segurança e ao

desenvolvimento nacional terras devolutas

situadas na faixa de cem quilômetros de largara

em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia

Legal, porquanto o decreto-lei, pelo artigo 55,

I, da Emenda Constitucional nº 1/69, podia ser

editado em matéria de segurança nacional, e,

no caso, o foi para declarar porção de terras

devolutas indispensáveis à segurança e ao

desenvolvimento nacional em regulamentação

necessária à efetivação do disposto no art. 4º,

I, desta mesma Emenda Constitucional.

Com efeito, sem adentrar na discussãosobre a constitucionalidade do Decreto, que jáfoi reconhecida pelo STF, analisa-se a situaçãojurídica da gleba Ituna a partir da Lei nº 6.383/1976 (que trata do processo discriminatório deterras devolutas da União) e do Decreto-Lei nº2.375/1987, que revogou o Decreto-Lei nº 1.164/1971.

De acordo com as formalidades da Lei nº6.383/1976 a gleba não foi arrecadada ematriculada em sua totalidade9, embora conste

outro registro correspondente à área total doimóvel no cartório de Senador José Porfírio.Desse modo, a União Federal não incorporouao seu patrimônio parcela das terras devolutas,até então pertencentes ao estado do Pará. Ecomo o Decreto-Lei nº 2.375/1987 deixou deconsiderar indispensáveis à segurança e aodesenvolvimento nacional as atuais terraspúblicas devolutas situadas na faixa de cemquilômetros de largura a que se refere oDecreto-Lei nº 1.164/1971, poder-se-ia cogitarna devolução de parcela da gleba Ituna aoestado do Pará.

Ocorre que o art. 1º, parágrafo único, incisoII, do Decreto-Lei nº 2.375/1987 ressalvou quepersistiam indispensáveis à segurança nacionale sob o domínio da União, dentre as terraspúblicas devolutas situadas na faixa de cemquilômetros, as contidas em dez municípios daAmazônia Legal, dentre os quais está o municípiode Altamira. Portanto, de acordo com essasdisposições, as terras públicas devolutaslocalizadas ao longo das rodovias federais, nomunicípio de Altamira, persistiam sob o domínioda União Federal.

Partindo dessa análise, pode-se inferir quea área não arrecadada, situada no Município deAltamira, continuou sob domínio federal por forçado Decreto-Lei nº 2.375/1987, por isso, nãoretornaria ao estado do Pará.

Todavia, o mesmo não se pode dizer daárea compreendida no município de Senador JoséPorfírio, pois o Decreto-Lei nº 2.375/1987 nãoressalvou como indispensável à segurançanacional e ao patrimônio da União as terrasdevolutas situadas nesse município. Desse modo,por força da revogação do Decreto 1.164,entende-se que a área situada em Senador JoséPorfírio deveria retornar ao estado do Pará.

15Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Com a apropriação ilícita de parte da glebaItuna, surgiram também os títulos de propriedadefalsos. Nesses títulos, alguns registrados nocartório de registro de imóveis de Senador JoséPorfírio e outros no de Altamira, o imóvelapresenta-se com áreas diversas (292.760,00;118.210,00; 34.688,00; 17.193,2010; e de133.621,15 hectares), bem como com númerosde matrículas diferentes. Em algumas certidões,consta o mesmo número de matrícula, no mesmocartório, mas com áreas diferentes10.

Dentre esses títulos destaca-se ocorrespondente à “Área do Naufal”, em que a glebaItuna apresenta-se sob outra denominação, ou seja,como “imóvel rural boca do rio Iriri e Passay”. Deacordo com esse registro, o INCRA teria adquiridode Eduardo Pessoa Naufal, através de processoexpropriatório, uma área de 133.621,15 hectareslocalizada no Município de Senador José Porfírio,termo judiciário da Comarca de Altamira11.

Porém, é imperioso mencionar que nãoexiste registro nos sistemas da Justiça Federal,Seção Judiciária do Estado do Pará, processojudicial com a numeração fornecida na certidão

de registro de imóvel, nem qualquer processojudicial de desapropriação em nome de EduardoPessoa Naufal. Ademais, no próprio título depropriedade há uma série de irregularidades quecolocam em dúvida a veracidade das informaçõese, conseqüentemente, a validade do título12.

Na realidade, o documento refere-se à áreaapropriada ilicitamente e excluída da arrecadaçãopelo órgão fundiário (no processo administrativode discriminação). De acordo com esse títulofraudulento, a “Área Naufal” (como ficouconhecida) ou “imóvel rural boca do rio Iriri ePassay”, nada mais é do que parte da gleba Itunae uma parcela da reserva indígena Koatinemo.

Ressalta-se que até o ano de 2006, nestedocumento, o INCRA constava como expropriadode suas terras por Eduardo Pessoa Naufal.Somente após determinação da Corregedoria doTribunal de Justiça do Estado do Pará13 o registrofoi retificado, passando a constar o INCRA comoproprietário do imóvel. Mas, mesmo com aretificação, as terras se encontravam sob ocontrole do particular, que há anos explorava amadeira, especialmente o mogno14.

2.5 OS DIFERENTES TÍTULOS DE PROPRIEDADE E A “ÁREA DO NAUFAL”

2.6 A AMPLIAÇÃO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO ITAPUAMA EM ÁREA GRILADA

Diante das extensas dimensões da glebae do fato de o INCRA não retomar e destinarparte da terra grilada, inúmeras famílias, apartir do final da década de 1990,15 tambémpassaram a ocupar a área, reduzindo assim opoder exercido pelo grileiro desde a décadade 1980.

Essa redução ocorreu em razão de umprocesso desordenado de ocupação por famíliasprovenientes de várias regiões do país16 que,através da derrubada e queimada da floresta,

foram demarcando seus lotes (alguns maioresoutros menores) e se estabelecendo na região.

Somente após a ocupação por essasfamílias, e de suas exigências, foi que o INCRArealizou, formalmente, a ampliação do Projetode Assentamento Itapuama17. Formalmente,porque a situação dos agricultores permaneceuinalterada, ou seja, sem demarcação dos lotesou qualquer procedimento que garantisse acessoaos recursos financeiros decorrentes do programade reforma agrária do governo federal.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 16

2.7 O CONFLITO NA ESFERA JUDICIAL

Em razão dos conflitos na (e pela) área,passou-se a exigir medidas do órgão fundiáriofederal a fim de resolver o problema instaurado.Isto porque, embora se tratasse de terra públicafederal, não tinha o INCRA qualquer controle sobreessas terras, já que este controle era exercido peloparticular que delas se apropriou ilicitamente ede seus prepostos. Por diversas vezes, os própriosfuncionários do INCRA foram impedidos de entrarno imóvel para procedimentos administrativo devistoria, identificação e avaliação de seu estado,por ação de pessoas que se diziam trabalhar paraesse particular.

Diante dessa situação, o INCRA, por suaprocuradoria jurídica, passou a requerer a posse

das terras, através da ação ordinária de imissãode posse. No processo judicial, alega que adquiriuo imóvel de Eduardo Pessoa Naufal através deprocesso expropriatório. Comprova a propriedadeatravés do título de propriedade em que a glebaItuna apresenta-se como “imóvel rural boca dorio Iriri e Passay”, ou seja, o INCRA faz uso dedocumento falso, surgido em decorrência daprática da grilagem.

Com fundamento nesse título depropriedade, foi deferida a tutela antecipada paraimissão de posse. Através da medida, os homensarmados contratados pelo grileiro foram retiradosda área e as terras retornaram ao patrimôniopúblico federal.

O fato é que com as novas ocupaçõesparte da área grilada (32.869,4336 hectares)passou a integrar a ampliação do PA Itapuama,e o restante do imóvel continuou sob o controledo grileiro e seus prepostos. Além do que,mesmo após a ampliação do Projeto deAssentamento, as ocupações não cessaram,pois muitas famílias, algumas já beneficiadaspelo programa de reforma agrária, avançavamnas ocupações sobre a área controlada pelo

grileiro, o que ocasionou, no ano de 2006,conflito entre os pistoleiros e essas famílias.

Com isso, e em face da inércia do órgãofundiário federal em resolver o conflito, oresultado foi a expulsão desses novos ocupantespelos homens armados, que delimitaram ummarco para a passagem dos agricultores, entre aárea controlada pelo grileiro e a ampliação doPA Itapuama.

Com a retomada de parcela do imóvel, oINCRA criou na área um Plano de DesenvolvimentoSustentável (PDS) denominado Itatá, comprioridades para assentamento de famíliasindígenas, de acordo com Termo de Ajustamentode Conduta (TAC) firmado entre INCRA, FundaçãoNacional do Índio (FUNAI) e o MPF.

O PDS, ao garantir a sustentabilidadeambiental, concilia a produção das famílias

2.8 A CRIAÇÃO DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PDS ITATÁ)

com a utilização da floresta. É uma modalidadede assentamento de interesse social,econômico e ambiental que se destina àspopulações que baseiam sua subsistência noextrativismo, na agricultura familiar e emoutras atividades de baixo impactoambiental18. Pode ser que essas populaçõesjá desenvolvam atividade de baixo impactoambiental ou futuramente se disponhamdesenvolvê-las.

17Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Nessa modalidade de assentamento, osassentados obterão as terras através do institutoda concessão do direito real de uso, as quaisficarão sob a responsabilidade das OrganizaçõesRurais de Moradores, com anuência do órgãoambiental, do INCRA e dos parceiros.

As áreas preferenciais são: 1) as quepossuem potencial produtivo e que viabilize aconservação, a recuperação ou ampliação dosrecursos naturais, em suas bases primárias; 2)áreas ocupadas por demanda de entidadesgovernamentais públicas, de entidades não-governamentais e de comunidades residentes ounão, que tenham potencial produtivo (BRASIL,2000).

O PDS constitui uma nova forma detrabalhar a terra e de relação com a floresta. Porisso, a legislação ambiental deve ser cumpridaem todos os seus aspectos, sendo proibidocomercializar, prender e matar animais silvestres;desmatar margens de curso d’água, rios igarapés

ou lagos; pescar na época da piracema; derrubarseringueiras e castanheiras; explorar a madeirasem plano de manejo florestal aprovado peloórgão competente; ou desmatar sem autorizaçãodo órgão ambiental (BRASIL. Ministério doDesenvolvimento Agrário, 2000).

Assim, com subsídio nessas premissas, oINCRA criou o PDS Itatá, cuja área estálocalizada e matriculada no município deSenador José Porfírio, bem como registrada emnome da União Federal, sob a matrícula o nº4.167, do livro 2-N, com uma extensão de106.734,3292 hectares19.

Na verdade, o número de matrícula que aPortaria faz referência diz respeito ao registradono cartório de Altamira e não no de Senador JoséPorfírio. Ademais, a Portaria menciona que o PDSfoi criado em parte da gleba Ituna, o que refletecontradição do INCRA em denominar essa área,já que na ação de imissão de posse diz que oimóvel denomina-se “boca do rio Iriri e Passay”.

Dentro desse cenário de apropriação ilícitade terras públicas, em que a situação da glebaItuna constitui um caso dentre tantos naAmazônia, é importante analisar a atuação doJudiciário. Isto porque a Constituição Federal,além das leis infraconstitucionais, consagra emseu texto a proteção dos direitos humanos e afunção social da propriedade. A consagraçãodesses direitos no plano formal e a efetivação depolíticas públicas constituem exigências sociaisfeitas ao Legislativo e ao Executivo. Mas cabe aoJudiciário, como último guardião, essa proteção.Por isso, a preocupação atual não se centraapenas na garantia formal, mas na efetividadedesses direitos no plano material. É diante dessaexigência que se questiona o papel do Judiciário.

Pode-se argumentar, porém, que a questãoda grilagem não constitua um problema que digarespeito ao Judiciário e sim ao Executivo. Comefeito, assenta-se que nos dias atuais o Judiciáriose projeta e passa a ter a mesma visibilidade doExecutivo e do Legislativo, por constituir um poderpolítico, pois passa a intervir também na esferada economia e da política, inserindo-se narealidade social e participando dastransformações sociais (CHEMERIS, 2003).

Questão interessante, no caso da grilagem,diz respeito à utilização de título falso depropriedade nas ações judiciais em que se discutea dominialidade da terra, como é o caso das açõespetitórias. Nessas ações discute-se a propriedade,

3 O PAPEL DO JUDICIÁRIO DIANTE DA GRILAGEM E DE OUTRAS PRÁTICAS ILICITAS: OTÍTULO DE PROPRIEDADE FALSO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 18

ao contrário das ações possessórias em que sediscute a posse. São exemplos de ações petitóriasas de imissão de posse e a divisória.

A ação reivindicatória tem caráteressencialmente dominial e por isso só pode serutilizada pelo proprietário ou por quem exerçadireito sobre a coisa. Nessa ação o autor deveprovar seu domínio oferecendo prova dapropriedade, com a respectiva transcrição, edescrevendo o imóvel em suas confrontações,além de demonstrar que a coisa reivindicada seencontra em poder do réu.

Assim, resumidamente, apontam-se trêsrequisitos essenciais para propositura dessa ação:a titularidade do domínio, a individualização dacoisa e a posse injusta. Trata-se da ação doproprietário que tem o título de propriedade, masnão tem a posse; ao contrário das possessóriasem que se tem a posse, mas não o título.

Contudo, na ocupação do espaçoamazônico, com a apropriação ilícita de terraspúblicas, surgem os títulos falsos de propriedade.Isto porque, a grilagem de terras públicasconstitui uma prática ilícita que vemacompanhada de outras, como é o caso dafalsificação de documentos. E ganha noscartórios de registros de imóveis um grandealiado, já que em muitos casos estão envolvidosna fraude, possibilitando que um imóvel tenhainúmeros títulos de propriedade, como ocorreucom a gleba Ituna.

São documentos falsos levados aoJudiciário para legitimar o poder sobre terraspúblicas. Dessa situação, destacam-se duashipóteses, quanto aos sujeitos que utilizam essetítulo de propriedade: 1) quando utilizado peloparticular que se apropriou ilicitamente de terraspúblicas; 2) quando o próprio Poder Público utilizaesse título para reaver terras que lhe pertencem.

Nas duas hipóteses converge-se para ummesmo ponto: para a invalidade dessedocumento. No sistema de invalidades encontra-se a nulidade. A nulidade pode ser absoluta(nulidade) ou relativa (anulabilidade). Enquantona anulabilidade o vício pode ser sanado se aspartes assim convalescerem, na nulidade jamaisse cura, sendo vedado ao juiz supri-la, ainda quepor requerimento das partes, pois representa umagravo à ordem pública20.

No âmbito do Poder Judiciário, o controleda legalidade quanto à invalidade do título depropriedade falso, com conseqüentecancelamento do registro, pode ser feito pelasvias administrativas ou judiciais. Nas viasadministrativas, o Judiciário atua comatribuições para apurar irregularidades ouilegalidades e sanar aquelas porventuradetectadas.

Como órgão administrativo, sua atuaçãofundamenta-se, dentre outros dispositivos, noart. 236, § 1º, da CF, que atribui a este poderestatal a fiscalização dos atos notários eregistradores; na Lei nº 6.015, de 31 de dezembrode 1973 (Lei dos Registros Públicos), que em seuart. 214 prescreve que as nulidades de plenodireito, uma vez preservadas, invalidam o registrode propriedade, independentemente de açãodireita; bem como na Lei nº 6.739, de 05 dedezembro de 1979 (que dispõe sobre a matrículae o registro de imóveis rurais), com alteraçõesintroduzidas pela Lei nº 10.267, de 28 de agostode 2001.

Porém, o entendimento quanto aocancelamento do título pelas viasadministrativas não é pacífico. Há ainterpretação de que o art. 1º da Lei nº 6.739/1979 não foi recepcionado pela ordemconstitucional vigente, por colidir com osprincípios do contraditório e da ampla defesa.

19Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Veja-se o que prescreve o art. 1º da Lei nº6.739/1979, a fim de se compreender melhor adiscussão:

A requerimento de pessoa jurídica de direito

público ao corregedor-geral da justiça, são

declarados inexistentes e cancelados a

matricula e o registro de imóvel rural vinculado

a título nulo de pleno direito, ou feitos em

desacordo com os artigos 221 e segs. da Lei

6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada

pela Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975.

Para essa posição, as nulidades queadmitem o cancelamento independentementede ação direta são aquelas inerentes aoprocesso de registro, e não do título que lhedeu causa. Ademais, argumenta-se que com oadvento do Código Civil de 2002, enquanto nãose promover por meio de ação própria adecretação de invalidade de registro e orespectivo cancelamento, o adquirentecontinua como dono do imóvel (BRASIL, 2002,Art. 1245, § 2º)21.

Em sentido contrário, surge a posição deque a expressão independentemente de açãodireita disposta no referido art. 1º expressa adesnecessidade de uma demanda deduzida ajuízo para o cancelamento, porquanto deve serobtido pelas vias administrativa ou correcional.Neste caso, o cancelamento constitui atojurídico em sentido estrito, de naturezaadministrativa, cuja legalidade deve sofrer ocontrole do Judiciário22.

Nessa hipótese, caso a parte interessadafique inconformada com o provimento, poderáingressar com ação anulatória, perante o juizcompetente, contra a pessoa jurídica de direitopúblico que requereu o cancelamento (Art. 3ºda Lei nº 6.739/1979). Após a decisão proferidacabe apelação e, quando contrária aorequerente do cancelamento, ficará sujeita a

duplo grau de jurisdição, conforme o parágrafoúnico do Art. 3º da Lei nº 6.739/1979.

Nessa esteira, o Conselho Nacional deJustiça (CNJ), em sua 238ª Sessão Ordinária,realizada no dia 15 de agosto de 2006,acolheu parcialmente o pedido daProcuradoria Federal Especializada junto aoINCRA do estado do Amazonas, daProcuradoria Geral Federal e da AdvocaciaGeral da União (AGU), para anular a decisãoadministrativa do Tribunal de Justiça do Estadodo Amazonas, restabelecendo integralmentea Resolução 04/2001 da Corregedoria-Geralde Justiça, que determinou o cancelamentode 48 milhões de hectares de terras públicasgriladas no Amazonas. E o fez com amparono art. 1º e seguintes da Lei nº 6.739/1979,bem como subsidiado na Lei de RegistrosPúblicos, alterada pela Lei nº 6.216/1975.

Assim, considerar o cancelamento nas viasadministrativas pode representar um caminhojurídico para a efetiva reincorporação aopatrimônio público de terras públicas griladas,de forma mais célere que nas demandas judiciaisordinárias.

Não foi o que ocorreu com a gleba Ituna.No caso do título de propriedade em que essagleba aparece como “imóvel rural boca do rioIriri e Passay”, embora falso, foi apenas retificadopor determinação da Corregedoria de Justiça dasComarcas do Interior (CJCI), do Tribunal deJustiça do estado do Pará a requerimento doMPF23, de modo que o título não deixou deproduzir efeitos na esfera jurídica. Apenas foiretificada a titularidade: ao invés de EduardoPessoa Naufal, passou constar o INCRA comotitular do domínio.

Já na atuação do Judiciário nas viasjudiciais, não há dificuldades quando se dizrespeito à utilização de título falso por particular,

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 20

que se apropriou ilicitamente de terras públicas.Trata-se de uma prática que atenta contra opatrimônio público, bem como contra oordenamento jurídico, e por isso não pode serlegitimado. Porém, a situação requer cuidados nomomento de identificar a validade do documentocomprobatório da propriedade, seja na esferajudicial, ou mesmo na administrativa oucorrecional.

Mas, e se esse título foi levado a juízo peloPoder Público para se imitir na posse de suasterras, apropriada ilicitamente através da práticada grilagem? E se nesse mesmo imóvel tambémestão assentados agricultores que já foramenvolvidos em conflito com os homens armados,contratados pelo grileiro? O que na verdadeprevalece: a invalidade do título de propriedadeou bens jurídicos como a vida, o patrimôniopúblico e o meio ambiente?

Certamente, como se trata de terraspúblicas requeridas pelo próprio Estado, asituação dos trabalhadores rurais abrangidospelo programa de reforma agrária, a retomadada terra ao patrimônio público e a proteção domeio ambiente são bens que prevalecem. Masnão se pode deixar de questionar até que pontoum título falso de propriedade pode sersustentado em juízo, acobertando uma cadeiade envolvidos na fraude. Mesmo porque, trata-se de documento sem validade jurídica, cujanulidade pode ser pronunciada em juízo24, demodo a obstar a retomada dessas terras peloEstado.

Essa foi a situação que se instaurou nagleba Ituna. Conforme já mencionado, esseimóvel conhecido como “Área do Naufal”,desde a década de 1980 esteve sob o controledo grileiro que se beneficiou da madeira

existente nessas terras. Em parte da áreagrilada, o INCRA assentou famílias naampliação do PA Itapuama. Porém, surgiramos conflitos: entre os prepostos do grileiro eessas famílias; e entre os agricultores e o INCRA,que não resolvia o impasse. Após exigências epressões, o INCRA propôs a ação ordinária deimissão de posse25 para reaver suas terras.Contudo, utilizou-se de título de propriedadefalso, pois pelas extensões da gleba (mais de133 mil hectares), a área abrange parte dareserva indígena Koatinemo.

Neste caso, a decisão judicial deferiu opedido de imissão de posse do “imóvel ruralboca do rio Iriri e Passay” (denominação dada àgleba Ituna após a fraude) em favor do órgãofundiário federal. O magistrado considerou ainstabilidade social instaurada no imóvel dianteda situação dos trabalhadores rurais, e dapresença dos homens armados contratados pelogrileiro; a impossibilidade de implantação doPDS, pois a negação da medida engessaria suaimplantação e o beneficiamento de famílias jácadastradas para serem assentadas; o meioambiente, que estaria preservado com a medida,uma vez que a madeira continuava sendoexplorada pelo grileiro; e o desrespeito àsinstituições, por estarem os prepostos do grileiroutilizando-se da força para garantir o controleda área, o que representava uma afronta àsinstituições públicas.

Desse modo, mesmo baseado em títulofraudulento, por medida de tutela antecipada, aposse do imóvel retornou ao INCRA,permanecendo, porém, o desafio ao Judiciário nasações que envolvem a grilagem de terras públicasna Amazônia e a utilização do título falso depropriedade, seja perpetuando, ou rompendopráticas dessa natureza.

21Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

4 CONCLUSÃO

Em face da ineficiência do (Poder) Executivoem resolver o problema da grilagem de terraspúblicas na Amazônia brasileira, o conflito alcançaa esfera do Judiciário, que passa a exercer papelfundamental no sentido de não permitir que taispráticas se perpetuem, em afronta às instituiçõespúblicas e à ordem jurídica. Nessa atuação, nãose pode desprezar que na Região buscar-se atutela jurisdicional omitindo-se do Judiciário aapropriação sobre terras públicas e a utilizaçãode título de propriedade falso.

Por isso, em razão do papel quedesempenha o Judiciário no rompimento daprática da grilagem, especialmente na Amazônia,pode-se dizer que a grilagem, por ser uma práticacontrária ao ordenamento jurídico, assim comotodas as práticas ilícitas dela decorrente (como éo caso da falsificação de título de propriedade),constitui um problema que deve ser enfrentadopelo Judiciário.

Desse modo, o magistrado deve utilizar-sede todos os meio disponíveis em direito paraidentificar a titularidade ou posse da terra, a fimde não perpetuar uma estrutura que se montouao longo da ocupação do espaço amazônico eda própria formação da propriedade no País. Oparâmetro para a análise mais detida, no casoconcreto, pode ser a extensão da terra.

Constatando tratar-se de grilagem deterras públicas, devem-se distinguir aquelas que

permitem a validação pelo Poder Público,daquelas que não permitem. Diz-se permissívelquando se trata de pequena propriedade, onde oagricultor com o seu trabalhou ou se sua famíliacumpre a função social da propriedade.

No caso das que não admite convalidação,ou seja, daquela extensa área de terra apropriadailicitamente, onde se desenvolvem outras práticasilícitas, como a pistolagem e o desmatamento,considera-se incabível a continuidade daocupação, bem como o uso de qualquer açãojudicial para se manter na terra, como é o casodas ações possessórias, já que a ocupação deterra pública não gera posse e,conseqüentemente, os efeitos dessa posse, comoé o caso do uso dos interditos possessórios.

Na verdade, essa ocupação constitui meradetenção de terra pública. Assim, uma vezrequerida a terra pelo Estado, que é o titular dodomínio, deve a mesma retornar ao patrimôniopúblico. A discussão, porém, incidirá sobre asbenfeitorias e isso se o ocupante estiver de boa-fé por vários anos por tolerância ou omissão defiscalização do Poder Público.

Desta forma, e com uma visão sistêmicado direito e um comprometimento com taisquestões, é possível que o Judiciário constituauma instância valiosa no rompimento da grilagemna Amazônia brasileira, especialmente no Estadodo Pará.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 22

NOTAS

1 Informações constantes no memorial descritivo da gleba.

2 PA Morro dos Araras criado através da Portaria INCRA/

SR(01) nº 66, 3 set. 1999, publicada no BS nº 38, ano 24,

20 set. 1999, correspondeste a área de 20.820,3357

hectares. PA Ressaca criado pela Portaria INCRA/SR(01)

nº 67, de 3 set. 1999, publicada no DOU nº 177, 15 jul.

1999, Seção 1, p. 16, com área de 30.265,6330 hectares.

PA Itapuama, criado através da Portaria INCRA/SR-01/

Nº 68, 6 de set. 1999, publicada no BS nº 38, ano 24, 20

set. 1999, com área inicial de 19.470,0831 hectares, mas

ampliado para 52.339,5167 hectares.

3 O processo discriminatório consiste em procedimento

administrativo ou judicial disciplinado na Lei nº 6.383

de 7 de dezembro de 1976, que em linhas gerais separa

as terras públicas das de domínio particular.

4 A Amazônia brasileira abrange os seguintes Estados: Acre,

Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão (parte

oeste), Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, o que equivale

cerca de 61% do território nacional.

5 Edital de convocação, com prazo de 60 dias, publicado

no DOE, 12 ago. 1982, pág.: 20.

6 Portaria/DF/329, 3 dez. 1982, publicada no DOU, Seção

1, 9 dez. 1982.

7 Matrícula 421, livro 2-B, folhas 228.

8 Deveria constar ato que tratasse da incorporação da gleba

e não o de constituição da Comissão Especial.

9 É questionável, porém, a própria validade do

procedimento de discriminação e arrecadação da gleba,

pois, além da fraude em arrecadar área menor, sem

qualquer justificativa, a indicação da área arrecadada

não corresponde às dimensões descritas.

10 No cartório de registro de imóveis de Senador José

Porfírio, a gleba está matriculada sob o nº 421, livro 2-

B, folhas 228, com área de 292.760ha. No de Altamira

constam certidões com as seguintes matrículas: a)

4.167, livro 2-N, folhas 260 uma com área de 292.760ha

e outra com o mesmo nº de matrícula com área de

118.210ha, sendo que em busca realizada no indigitado

livro de registro, consta registrada esta última; b)

23.073, livro 2- AAT, folhas 224, com área de 34.688

ha e com o mesmo nº de matrícula com área de

17.193,2010 ha; c) 3.619, livro 2-L, folhas 068, com

área de 133.621,15ha, sendo que nesta última não

consta o nome de gleba Ituna, mas de imóvel rural

denominado “boca do rio Iriri e Passay”.

11 Consta na certidão de registro do imóvel, Livro 2-L, fls.

068, matrícula 3.619/1982, termo Judiciário da

Comarca de Altamira: “Nos termos da homologação,

por sentença de 05.04.82, proferida pelo MM Juiz

Federal de Primeira Instância 1ª Região, Estado do Pará,

Dr. Anselmo Figueiredo Santiago, transação firmada

entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) e Eduardo Pessoa Naufal, às fls. 91/

1993 dos autos expropriatórios nº 4.490-B e

deferimento do pedido de fls. 128/129 e constante do

mandado intimatório expedido nos citados autos, o

imóvel constante da presente matrícula passa a

pertencer ao senhor Eduardo Pessoa Naufal, brasileiro,

solteiro, estudante [...]”.

12 Inexiste a cadeia dominial, de modo que não se sabe

como Eduardo Pessoa adquiriu grandes extensões de

terras no Estado do Pará; o número dos documentos

do suposto expropriado está incompleto, com ausência

de alguns dígitos, o processo judicial indicado não tem

numeração corresponde aos dos processos da Justiça

Federal, consta o expropriado como estudante, etc.

13 Em razão de inúmeras fraudes, a Corregedoria de Justiça

do Estado do Pará determinou, em meados de 2006, o

bloqueio de todas as matrículas de imóveis rurais de

áreas superiores a 10 mil hectares, registradas em

cartório de registro de imóveis do Estado do Pará entre

16 de junho de 1934 e 8 de novembro de 1964,

independente da data que conste no respectivo título.

A medida também atinge terras acima de 3 mil hectares

registradas entre 09 de novembro de 1964 e 04 de

outubro de 1988, além de áreas superiores a 2,5 mil

hectares cujos registros foram feitos a partir de 05 de

outubro de 1988.

23Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

14 Na Certidão consta o nome de Eduardo Pessoa Naufal,

mas quem estava na posse do imóvel, através de

prepostos, era o madeireiro David Rezende, em face

do qual o INCRA move ação judicial que tramita na

Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado do Pará,

Subseção de Altamira. Acredita-se que Eduardo Pessoa

Naufal constitua um personagem criado em razão da

prática da grilagem.

15 Segundo entrevistas realizadas com os moradores da

ampliação do PA Itapuama, as primeiras ocupações

ocorreram por volta de 1999, no mesmo ano em que o

INCRA criou os projetos de assentamentos em parte

da gleba.

16 Baianos, paulistas, maranhenses, cearenses, além de

paraenses. São pessoas advindas dos mais diversos

ramos de atividades (pintores, vidraceiros, militares,

etc.), mas na maioria profissionais marginalizados nos

centros urbanos.

17 Em 1º de dezembro de 2005, foi publicada a retificação

da Portaria INCRA/SR-01/Nº 68/1999, de 6 set. 1999,

ampliando o PA ITAPUAMA de 230 unidades para 930,

ou seja, criando mais 700 unidades.

18 INCRA. Portaria nº 477, de 4 abr. 1999. Art. 1º.

19 Portaria nº 37, de 08 de novembro de 2006, publicada

no DOU de 09.11.2006, Seção 1, pagina 61.

20 Essa distinção entre nulidade e anulabilidade integra o

sistema das invalidades do Código Civil. Para Nelson

Nery Júnior o Código de Processo Civil tem um sistema

próprio que não coincide com o do Código Civil. Para

ver mais sobre o assunto consultar NERY JÚNIOR,

Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código de

Processo Civil comentado, 9. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2006.

21 PARÁ. Tribunal de Justiça. Provimento Nº 001/2006 da CJCI.

22 PARÁ. Tribunal de Justiça. Provimento Nº 001/2004 da CJCI.

23 PARÁ. Tribunal de Justiça. Pedido de Providências nº

062/2006 da CJCI.

24 De acordo com o disposto no Art. 390 do CPC “o

incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e

grau de jurisdição, incumbindo à parte contra quem foi

produzido o documento, suscitá-la na contestação ou

no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da

sua juntada nos autos”. Mas, tratando-se de nulidade,

o juiz pode pronunciá-la de oficio.

25 A ação de imissão de posse é ação real cujo

fundamento de pedir é a propriedade e o direito de

seqüela que lhe é inerente. É ação do proprietário que

nunca teve a posse da coisa. Difere-se da

reivindicatória porque nesta o proprietário tinha a

posse da coisa, mas a perdeu.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 24

REFERÊNCIAS

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27Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A CADEIA AGROINDUSTRIAL DO ARROZ INFLUENCIANDO O DESENVOLVIMENTOREGIONAL: UMA COMPARAÇÃO ENTRE O RIO GRANDE DO SUL E RORAIMA

Luciana Dal Forno Gianluppi*

Gustavo Dal Forno Gianluppi**

RESUMO

As cadeias produtivas agroindustriais podem influenciar o desenvolvimento regional à medidaque geram empregos, renda e produto para a localidade e, conseqüentemente, melhores condições devida para a população. Este trabalho tem como objetivo comparar as cadeias agroindustriais do arrozem Roraima e no Rio Grande do Sul, buscando identificar a existências e ausências de elementos queas compõem e as implicações para o desenvolvimento regional. Foram utilizadas informações obtidasnas bases de dados de instituições regionais – como o Instituto Riograndense do Arroz (IRGA) eAssociação dos Arrozeiros do Estado de Roraima – e nacionais – como Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Os resultados mostram que acadeia produtiva do arroz é significativamente mais desenvolvida no Rio Grande do Sulcomparativamente a Roraima, implicando em melhores indicadores de desenvolvimentosocioeconômico. Assim, é possível concluir que a cadeia agroindustrial do arroz gera maiordesenvolvimento regional onde é mais organizada e com melhor desempenho, tendo em vista aindução ao estabelecimento de setores auxiliares e atividades terciárias.

Palavras-Chave: Desenvolvimento regional. Cadeia agroindustrial. Arroz - Estado de Roraima.

* Economista; Mestre em Agronegócios; Bolsista da CAPES e Membro do Núcleo de Estudos em Economia Agrária daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

** Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Agronomia da UFRGS; MBA em Gestão do Agronegócio pela FundaçãoGetúlio Vargas (FGV). E-mail: gdfppi@terra,com.br

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 28

RICE AGRINDUSTRIAL CHAIN ACTING ON REGIONAL DEVELOPMENT: A PARALLEL BETWEENRIO GRANDE DO SUL AND RORAIMA STATES

ABSTRACT

Agrindustrials chains can act on regional development when they generate jobs, gains andproduct to the region and, consequently, better life conditions to inhabitants. This paper objective tocompare Roraima and Rio Grande do Sul States rice agindustrial chains, trying to identify elementsexistences and absenses in those states and their implications on regional development. The dataused on this article was gotten from regional institutions data base – as Institute Riograndense ofRice (IRGA) and Association of the Rice dealers of the State of Roraima – and national ones – asBrazilian institute of Geography and Statistics (IBGE) and Institute of Applied Economic Research(IPEA). It was observed that Rio Grande do Sul shows better social-economic development indexesthan Roraima, concluding that rice agrindustrial chain creates regional development where it’s moreorganized and with better performance, having in view the need of auxiliary sectors and activitiesthat are linked to this main chain.

Keywords: Regional development. Agroindustrial chain. Rice - State of Roraima.

29Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

Uma cadeia agroindustrial organizada ecom próspero funcionamento induz odesenvolvimento socioeconômico de uma região.Isso ocorre à medida que os investimentosrealizados nos diferentes elos criam demandas eestas, por sua vez, incentivam o surgimento denovos investimentos que geram renda, empregose bem-estar populacional na região. Em outraspalavras, as necessidades dos elementos da cadeiageram atividades que visam o seu suprimento,assim os empregos, renda e produto gerados sãomultiplicados no aparecimento de atividadesterciárias e setores auxiliares à cadeia principal.

Este trabalho efetua uma análise comparativaentre as cadeias agroindustriais do arroz no RioGrande do Sul e Roraima, procurando identificar oselementos componentes e observar as possíveisimplicações nos indicadores socioeconômicos dosdois estados. Sendo assim, esta pesquisa se justificapor observar o desenvolvimento regional instigadopela cadeia agroindustrial do arroz e, então, sugerirpolíticas para a sua consolidação e bomdesempenho, visando a melhoria de condições devida da população local.

É pressuposto, neste trabalho, que a cadeiaagroindustrial do arroz no Rio Grande do Sul ébem desenvolvida, tendo em vista a tradição narizicultura, a participação na economia estaduale a grande quantidade de atividades terciárias esetores auxiliares a ela ligada, conformeFochezatto (1994).

Roraima possui, por sua vez, forte potencialpara o desenvolvimento desta cadeia. Ascondições agronômicas são adequadas, havendoduas safras anuais. Conforme informações daAssociação dos Arrozeiros, o principal mercadoconsumidor do grão beneficiado é o estado doAmazonas (aproximadamente 75% daprodução), em especial a cidade de Manaus, orestante é consumido em Roraima.

Este trabalho encontra-se estruturado daseguinte forma: após esta introdução, está oreferencial teórico que embasa a pesquisa e, emseguida, a seção que apresenta os métodosutilizados. A quarta seção mostra os resultadosencontrados e, a seguir apresentam-se asconsiderações finais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção é constituída de uma revisão deliteratura acerca do desenvolvimento, focando oadjetivo regional dado a este termo, do conceito decadeias produtivas, visando observar os elementosque delas participam, e uma rápida referência àrelação existente entre desenvolvimento regional ecadeias produtivas agroindustriais.

2.1 O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

É inevitável, quando se está tratando dedesenvolvimento, diferenciá-lo de crescimento

econômico. Essa distinção se faz necessária tendoem vista que este último tem relação estreita como valor do produto de um país ou região,enquanto o desenvolvimento é um conceitoamplo, que agrega diversas dimensões.

No entanto, a distinção entre esses doisconceitos é mais profunda. A noção de quecrescimento e desenvolvimento são semelhantesprovém da concepção de que o crescimentodistribui renda para os proprietários dos fatoresde produção e, com isso, traz melhorias decondições de vida à população. Essa percepção

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 30

não leva em conta que alguns fatores podemestar ocorrendo – por exemplo, a transferênciado excedente de renda para outros países ouconcentração do excedente em poucas parcelasda população – de forma a impedir a ocorrênciadas melhorias (SOUZA, 1999).

Para Furtado (1980, p.41), “a idéia dodesenvolvimento articula-se, numa direção, como conceito de eficiência, e noutra com o deriqueza. As formas mais racionais decomportamento corresponde uma satisfaçãomais plena das necessidades humanas”(FURTADO, 1980, p.41).

Milone (1984) afirma que para haver umprocesso de desenvolvimento é necessária aobservação, ao longo do tempo, de existência decrescimento do bem-estar econômico (como, porexemplo, aumento do PIB per capita), diminuiçãoda pobreza, do desemprego e da desigualdade ea elevação das condições de saúde, nutrição,educação e moradia.

Chenery (apud Souza, 1999) afirma quedesenvolvimento envolve um conjunto detransformações na economia que são necessáriasà continuidade de seu crescimento. Essasmudanças são de ordem da composição dademanda, da produção e do emprego e, quandoconsideradas em conjunto, caracterizam apassagem de um sistema econômico tradicionalpara um moderno.

Clark (1940) considera que odesenvolvimento requer um processo que se inicieno setor primário, passe pelo setor secundário echegue ao setor terciário.

Conforme Souza (1999, p.22), odesenvolvimento caracteriza-se “pela existênciade crescimento econômico contínuo, em ritmosuperior ao crescimento demográfico, envolvendomudanças das estruturas e melhorias de

indicadores econômicos e sociais. Compreendeum fenômeno de longo prazo, implicando ofortalecimento da economia nacional, aampliação da economia de mercado e a elevaçãogeral da produtividade”.

Furtado (1980, p.16) afirma que “a rigor, aidéia de desenvolvimento possui pelo menos trêsdimensões: a do incremento da eficácia dosistema social de produção; a da satisfação denecessidades elementares da população e aconsecução de objetivos a que almejam gruposdominantes de uma sociedade e que competemna utilização de recursos escassos”.

Sachs (2004) vai mais além ao afirmar quedesenvolvimento requer mais do que melhoraseconômicas e sociais. Para esse autor,desenvolvimento exige um equilíbrio entre cincodimensões: a social, a ambiental, a territorial, aeconômica e a política. Este autor é taxativo aoafirmar que apenas processos que incluam asdimensões econômica, social e ambiental podemser considerados desenvolvimento: “estritamentefalando, apenas as soluções que consideram estestrês elementos, isto é, que promovam ocrescimento econômico com impactos positivosem termos sociais e ambientais, merecem adenominação de desenvolvimento” (SACHS,2004, p.36).

A complexificação da compreensão dodesenvolvimento tem feito surgir adjetivos –socioeconômico, sustentável, regional, local,territorial – a esse conceito (SACHS, 2004,ALMEIDA, 1998).

Colpo (2005, p.193) também concorda comessa afirmativa:

Na tentativa de delimitar mais a questão do

desenvolvimento, passaram a vê-lo sob o foco

das possibilidades locais e regionais, mas que

da mesma forma de um desenvolvimento global

31Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

é um processo multifacetado, ou seja, que há

diferentes aspectos que precisam ser

considerados concomitantemente. Desta forma,

os desenvolvimentos regionais se diferenciam

entre si exatamente porque abordam aspectos

específicos, envolvendo diferentes atores e

agentes em múltiplos contextos e tempos e em

relações e interesses diversos.

Observando o conceito dedesenvolvimento regional, Vázquez Barquero(2002, p.19) afirma que o desenvolvimento ocorreem decorrência da “utilização do potencial e doexcedente gerado localmente e, eventualmente,da utilização de recursos externos, assim comopela incorporação das economias externasocultas nos processos produtivos”.

Para Boisier (1996), existem motivos deordem macro e micro para que os países tenhaminteresse no desenvolvimento regional. Naperspectiva macro, está a “inconciliabilidade”entre o objetivo de ser competitivo e amanutenção de estruturas decisóriascentralizadas. Na perspectiva micro, está adecisão de migrar do indivíduo, devido ao fatode a realização de um projeto de vida estar ligadoao entorno em que ele vive.

Segundo Becker (2003), a diferença dedesenvolvimento entre as regiões é devida àcapacidade de algumas conseguirem desenvolverseu próprio modelo de desenvolvimento e outrasnão. Esses modelos são resultados da integraçãodos interesses locais (sociais e ambientais) nadinâmica global do desenvolvimento. No caso donão envolvimento dos agentes regionais para aconstrução da sua própria dinâmica dedesenvolvimento, é o mercado capitalista quedecide os rumos que a região irá seguir.

Esta integração, na sua forma de (re)ação ativa,

somente será possível se os agentes regionais,

enquanto protagonistas diretos do

desenvolvimento regional, conceberem e

fizerem nascer, naturalmente, um processo de

uma organização social pró-desenvolvimento

regional através de uma crescente participação

política (BECKER, 2003, p. 49).

Para Amaral Filho (1996), odesenvolvimento regional endógeno é um dospontos mais importantes para melhoria naqualidade de vida de uma população. Essedesenvolvimento é centrado nos atores locais enão mais no planejamento centralizado,conduzido pelo Estado nacional.

O conceito de desenvolvimento endógeno

pode ser entendido como um processo interno

de ampliação contínua da capacidade de

agregação de valor sobre a produção, bem

como da capacidade de absorção da região,

cujo desdobramento é a retenção do

excedente econômico gerado na economia

local e/ou a atração de excedentes

provenientes de outras regiões. Esse processo

tem como resultado a ampliação do emprego,

do produto e da renda local ou da região

(AMARAL FILHO, 1996, p.37).

Conforme Vázquez Barquero (2002)existem quatro determinantes dodesenvolvimento endógeno: a difusão dasinovações e do conhecimento, o que criaeconomias externas à indústria, das quais todasas empresas se beneficiam; a organizaçãoflexível da produção, que permite que asempresas usufruam de economias internas eexternas; o desenvolvimento urbano doterritório, pois é nas cidades que sedesenvolvem os novos espaços industriais e deserviços, devido às potencialidades dedesenvolvimento e à capacidade de gerarexternalidades; e a flexibilidade e complexidadeinstitucional, tendo em vista que são asinstituições que condicionam os processos deacumulação de capital.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 32

2.2 CADEIAS PRODUTIVAS AGROINDUSTRIAIS

Conforme Bueno (1996), cadeia significacorrente, série de qualquer coisa. Nesse sentido,é que se pretende tratar esse conceito nestetrabalho: uma cadeia produtiva agroindustrialenquanto fenômeno, não entrando no mérito dasabordagens teóricas acerca deste conceito.

O objetivo principal da seção é observaros elementos que compõem uma cadeiaprodutiva agroindustrial, isto é, enfocar o númeropossível de relações entre agentes que podemparticipar do desenvolvimento de uma cadeia,seja apenas da cadeia principal (vertical) ou destacom os setores auxiliares.

Morvan (1991) afirma que a noção decadeia (filère) é, atualmente, imprecisa, sendomais sensato apresentar os elementos quesempre estarão presentes. Uma cadeia é umasucessão de operações; é um conjunto de relaçõescomerciais e financeiras; é um conjunto derelações econômicas. Assim, uma cadeia é umsistema, composto de subsistemas lógicos, comregras e contratos envolvidos.

Conforme Pedrozo, Estivalete e Begnis(2004), as interações existentes entre oselementos que compõem uma cadeiaestabelecem relações de complementaridades ede interdependência entre os atores envolvidos,

de forma que esses podem se modificar e seremsubstituídos ao longo do tempo.

Para Batalha e Silva (1997), uma cadeia deprodução agroindustrial pode ser segmentada emtrês macrossegmentos, sendo que essa divisãopode não ser facilmente identificada na prática.As três classificações são: a comercialização, querepresenta as empresas que estão em contato como consumidor final (como supermercados erestaurantes), podendo também serem incluídasas empresas responsáveis somente pela logísticae distribuição; a industrialização, que engloba osresponsáveis pela transformação das matérias-primas em produtos finais; e a produção dematérias-primas, que inclui as firmas fornecedorasde matérias-primas para o processo de produçãofinal, ou seja, neste macrossegmento seencontram a agricultura, a pecuária, a pesca, etc.

A produção de insumos para a produçãode matérias-primas não está nesta classificação,contudo Batalha e Silva (1997) ressaltam que elatem grande importância na cadeia.

Estes autores, ainda, afirmam que “dentrode uma cadeia de produção agroindustrial podemser visualizados quatro mercados com diferentescaracterísticas: mercado entre os produtores deinsumo e os produtores rurais; mercado entre

Amaral Filho (1996) afirma que odesenvolvimento regional endógeno não deve serentendido com um processo de autocentrismo eauto-suficiência, mas como um processo detransformação, fortalecimento e qualificação dasestruturas internas. Com isso, a forma e acomposição do desenvolvimento endógenodevem variar conforme as estruturassocioeconômicas, culturais, institucionais epolítico-decisórias de cada espaço.

Portanto, o desenvolvimento endógenoé um processo diferenciado e diferenciador àmedida que é potencializado pelasespecificidades sociais e culturais da região(BECKER, 2003). Assim, requer força dos atoreslocais para que sejam alcançados benefíciosem todas as dimensões que esse conceitoengloba.

33Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

produtores rurais e agroindústria; mercado entreagroindústria e distribuidores e, finalmente,mercado entre distribuidores e consumidoresfinais” (BATALHA; SILVA, 1997, p.29).

Morvan (1991) afirma que, devido àamplitude do conceito de cadeia (filière), ela podeser empregada em diferentes situações: comoinstrumento de análise técnico-econômica dasestruturas de produção; na segmentação dosistema produtivo, quando se deseja conhecer asrelações de interdependência; como método deanálise da estratégia das firmas; e, como definiçãode políticas públicas.

Dentro deste último emprego da noção decadeia (intervenção governamental), está apossibilidade da expansão ordenada e eficientedo sistema produtivo e a proteção contra aconcorrência internacional (MORVAN, 1991).

Zylbersztajn (2000) utiliza o conceito desistema agroalimentar por afirmar que este émais amplo que o conceito de cadeia vertical deprodução, ressaltando, além do ambienteinstitucional, que é contemplado pela noção decadeia, a importância das organizações desuporte ao funcionamento do sistema.

Na visão do sistema agroalimentar, asrelações entre os agentes se modificam com otempo, variando entre cooperação e conflito.Por isso, “essa complexa rede de relações nãopode ser entendida como linear”(ZYLBERSZTAJN, 2000, p.15). Para o autor ossistemas agroalimentares se parecem muitocom uma rede de relações, onde cada agentedesenvolve e aperfeiçoa relações com osdemais, tornando o sistema agroalimentar maisou menos eficiente.

A partir do exposto apreende-se que umacadeia de produção agroindustrial é compostapor diferentes segmentos da economia, o que levaa participação de vários agentes, sejam elesempresas ou indivíduos. O maiordesenvolvimento de uma cadeia tende a agregarmaior número de participantes, que podem seralocados na cadeia principal ou nos setoresauxiliares, como no setor financeiro ou no depublicidade.

Assim, o desenvolvimento de uma cadeiaprodutiva numa determinada região leva aocrescimento do produto, do emprego emelhoria nas condições de vida da populaçãolocal.

2.2.1 A cadeia produtiva do arroz

A seguir é apresentada a estrutura dacadeia produtiva do arroz no Rio Grande do Sul,conforme Fochezatto (1994) a qual será tomadacomo referência neste estudo.

O Quadro 1 mostra os três grandessegmentos da cadeia: no centro está a cadeia

principal, à esquerda estão as atividadesterciárias relacionadas ao funcionamento de talcadeia, como transportes e armazenamento; e àdireita, os setores auxiliares, por exemplo,implementos agrícolas e embalagens.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 34

A relação entre cadeias produtivas edesenvolvimento regional é muito próxima: obom desempenho de um leva ao sucesso do outro.

Quando uma cadeia produtivaagroindustrial tem todos os seus elos, ou pelomenos grande parte deles, numa região, há ocrescimento do produto e da renda per capita,aumento no número de empregos, introduçãode novas tecnologias etc; o que tende amodificar as condições de vida da populaçãolocal, ou seja, inicia-se o processo dedesenvolvimento.

Rippel e Lima (1999), por exemplo, afirmamque o desenvolvimento do município de Toledo-PR durante a década de 1980 se deu, inicialmente,em função da produção de suínos altamenteorganizada, o que levou à instalação de umfrigorífico de abate e processamento destesanimais. Após o surgimento do frigorífico, ocorreuuma série de encadeamentos, enriquecendo oparque industrial do município com empresas quevão desde o curtume e fabricação de calçadosaté a cutelaria e embalagens, o que gerou grandevalor agregado aos produtos, gerando empregose renda para a população. Afirmam, ainda, que o

Quadro 1 - Cadeia Agroindustrial do Arroz no Rio Grande do Sul.Fonte: Fochezatto (1994).

Conforme Fochezatto (1994), “as colunaslaterais, atividades terciárias e cadeias auxiliares,fornecem insumos, maquinaria e serviços à cadeiaprincipal. A cadeia principal vai transformandomatéria-prima e produtos intermediários atéatingir as características desejadas pelo mercadoconsumidor” (FOCHEZATTO, 1994, p.62).

Cabe ressaltar que a cadeia principal geraencadeamentos de forma a criar diversosinvestimentos em outros ramos da economia,como o de maquinaria e o bancário, gerandoempregos e renda para a região.

2.3 CADEIAS PRODUTIVAS AGROINDUSTRIAIS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

35Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

surto desenvolvimentista foi tão forte que geroua formação de um pólo têxtil-fabril na região.

Diniz et al. (2006) afirma, ao estudar osefeitos do setor pesqueiro na Amazônia, que osencadeamentos para trás e para frente da pescaseriam de grande valia para o desenvolvimentoregional. No entanto, há a necessidade depolíticas públicas para impulsionar a cadeia,introduzindo novas tecnologias e qualificando amão-de-obra local e ainda melhorando a infra-estrutura de beneficiamento, armazenamento ecomercialização.

Conforme Barreto Junior et al. (2003), queanalisa a cadeia da fruticultura irrigada emSergipe, os elos fracos existentes, isto é, ainexistência de alguns componentes da cadeia –por exemplo, a indústria de processamento –, nãopermitiram a sustentabilidade da produção e a

formação de um cluster regional. Os efeitos destaimperfeição da cadeia podem ser visto nos efeitosmultiplicadores reduzidos na economia local.

Para estes autores, a expansão dasatividades produtivas depende de fatores comoinvestimentos públicos e privados em infra-estrutura e, também, de um ambiente sócio-institucional refinado (BARRETO JUNIOR et al.,2003).

A partir do exposto, é possível concluir queo desenvolvimento regional depende, entreoutros fatores, da construção de cadeiasprodutivas sólidas e bem organizadas, tendo emvista que os investimentos gerados para atenderdemandas destas cadeias trazem grandescontribuições para o desenvolvimentosocioeconômico da região e, conseqüentemente,do país.

3 METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos propostos, foramutilizados dados obtidos nas bases deinformações do Instituto Riograndense do Arroz(IRGA), Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (IPEA), Associação dosArrozeiros do Estado de Roraima e Secretaria deCoordenação e Planejamento do Rio Grande doSul, além de outras informações provenientes daliteratura consultada. As variáveis de cada estadocom seus valores, anos de referência e fontesestão no anexo deste trabalho.

A comparação entre elementos das cadeiasdos dois estados foi realizada a partir daobservação da cadeia agroindustrial do arrozgaúcha de Fochezatto (1994), apresentada narevisão de literatura deste artigo, e a posteriorconstatação de existência ou ausência doelemento na economia de Roraima.

Os dados quantitativos referentes àprodução e emprego nas atividades da cadeiatambém foram comparados a fim de demonstrara expressividade da cadeia produtiva do arroznos dois estados. As variáveis utilizadas são:produtividade do estado, custo da produção porhectare, valor da produção de arroz em casca,participação da orizicultura no PIB estadual,área média das lavouras, número deorizicultores, trabalhador por hectare de lavoura,empregos gerados na lavoura e gerados emtoda a cadeia.

Por fim, foram comparadas informaçõessocioeconômicas em dois municípios de cadaestado para se observar se a cadeia analisadaestá, juntamente com suas atividades terciáriase setores auxiliares, trazendo melhores condiçõesde vida à população, ou seja, se está havendodesenvolvimento regional.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir estão apresentados os resultados.Inicialmente, efetua-se uma análise comparativaentre as cadeias dos dois estados, visando observara existência ou ausência dos diferentes elementos(elos) componentes. Num segundo momento, as

comparações entre dados da cadeia no Rio Grandedo Sul e Roraima. E, por fim, mostra-se acomparação entre os indicadores socioeconômicosdos municípios mais representativos na produçãode arroz dos dois estados.

O uso de informações para municípios nolugar de dados para o estado, como vinha sendofeito até então, se deu em função de que nosindicadores estaduais há a influência expressivade outras atividades não relacionadas com acadeia agroindustrial do arroz, no caso deRoraima, a administração pública e, no RioGrande do Sul, a indústria de transformação.

A escolha dos dois municípios de cadaestado foi efetuada usando como critério o maiorpercentual de área municipal plantada com arroz,segundo dados do IBGE, no ano de 2000,

buscando a maior influência possível da cadeiado arroz no desenvolvimento regional. A escolhadeste ano está relacionada com este ser o anomais recente de cálculo do Índice deDesenvolvimento Humano (IDH), disponível nabase de informações do IPEA.

Os indicadores utilizados nesta fase foram:taxa de participação da populaçãoeconomicamente ativa em relação à populaçãototal; analfabetismo entre pessoas com 15 anosou mais; o IDH municipal e seus desdobramentosnas dimensões renda, saúde e educação.

4.1 COMPARAÇÃO ENTRE ELEMENTOS DAS CADEIAS

Observando a desenho da cadeiaagroindustrial do arroz no Rio Grande do Sulproposta por Fochezatto (1994), é possívelafirmar que a maior deficiência existente nacadeia do arroz em Roraima se encontra nossetores auxiliares e nas atividades terciárias.

A cadeia principal é a mesma nos doisestados, ou seja, os elos existem tanto no RioGrande do Sul quanto em Roraima. Cabe ressaltaralgumas especificidades de Roraima: enquantono estado do Sul a produção da matéria-prima eo seu beneficiamento são feitos por agentesdiferentes, em Roraima, os grandes produtoresdo grão são, também, os proprietários dosengenhos de beneficiamento, sendo que elesainda compram a produção dos produtores emmenor escala para atendimento da demanda pelo

produto beneficiado. Outro ponto a ser destacadorefere-se à distribuição dos produtos, em especialdo arroz beneficiado: o canal de distribuição éindireto e curto, ou seja, não existe umintermediário atacadista entre a industrializaçãodo grão e o comércio varejista. As própriasempresas distribuem seus produtos nos pontosde venda, seja em Roraima ou em outros estados,como Amazonas e Pará.

Dentre as atividades terciárias listadas, apublicidade é a mais carente. Existe no estadode Roraima empresas deste ramo, no entanto,por terem tecnologias menos avançadas para aprodução de materiais publicitários, osempresários de maior poder aquisitivo preferemcontratar serviços de outras localidades, em geralde Manaus, no Amazonas. A atividade de

37Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Analisando dados de produtividade dosdois estados para a safra de 2003, observa-seque a produtividade em Roraima (5.450kg/ha)foi maior que a do Rio Grande do Sul (4.883kg/ha). No entanto, os custos de produção deRoraima foram expressivamente maiores que osdo estado do Sul: em Roraima, o custo deprodução foi de aproximadamente R$2.500,00/ha enquanto que, no Rio Grande do Sul, foi deR$1.800,00/ha, valor também aproximado.

Na safra de 2003, o valor da produção dearroz em casca foi, no Rio Grande do Sul e emRoraima, respectivamente, de R$ 3 bilhões e R$59 milhões. Esses valores representaram cercade 2% e 10% no PIB do Rio Grande do Sul eRoraima, respectivamente. Por meio destes dadose da análise da cadeia agroindustrial, do Quadro1,é possível inferir que a produção do grão assumemaior importância em Roraima, pois este nãopossui setores auxiliares, que agregam maiorvalor aos seus produtos capazes de produzirmaior peso no PIB estadual.

Enquanto a área média das lavouras emRoraima é de 600ha, no Rio Grande do Sul essevalor é de 80ha. Neste estado, o número deprodutores era, no ano de 2005, de 11.960. EmRoraima, a informação obtida para o mesmo anodiz respeito ao número de produtores de arrozirrigado, que é de 25, no entanto, o número totalde rizicultores – de arroz irrigado e de sequeiro –não chega próximo do valor existente no RioGrande do Sul. Cabe destacar que o arroz desequeiro tem participação muito pequena no PIBde Roraima, tendo em vista que o cultivo deste édestinado à subsistência familiar.

As lavouras de arroz em Roraima geramum total de 600 empregos e, no Rio Grande doSul, 37.387 empregos. Quando estes valores sãoobservados em relação à área total plantada, épossível perceber que a rizicultura no Rio Grandedo Sul é pouco mais intensiva em mão-de-obraque em Roraima: neste estado há um trabalhadorpor 30,84ha de lavoura, enquanto que no estadodo Sul há um trabalhador para cada 27,8ha.

consultoria técnica-agronômica é feita porfuncionários contratados, ou pela EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)que possui um Centro de Pesquisa no estado.Contudo, já existem empresas privadas deconsultoria, que prestam, além de serviçostécnico-agronômicos, assistência mercadológica.O armazenamento é feito, essencialmente, pelosempresários nas dependências dos engenhos debeneficiamento.

Os setores auxiliares são quase queinexistentes em Roraima. Esta observação apontapara o fato de que os investimentos na cadeiaprodutiva do arroz não estão levando aencadeamentos que resultem na implantação deoutros setores associados. Com relação às

atividades terciárias, é possível afirmar que amaioria das citadas não está ligada diretamenteà cadeia produtiva do arroz, isto é, existemapenas pelo fato de haver uma populaçãoexpressiva na região.

Apesar de não terem sido abarcadas pelacadeia agroindustrial do arroz utilizada nesteestudo, as instituições de pesquisa têm grandeparticipação no desempenho da cultura, tendoem vista que introduzem tecnologias adequadasàs condições ambientais locais. Essas tecnologiasmuitas vezes acabam influenciando odesempenho de cadeias de outras regiões. Nocaso de Roraima, entre os três cultivares maisdifundidos estão, conforme Carneiro e Medeiros(2005), duas desenvolvidas pelo IRGA.

4.2 COMPARAÇÃO ENTRE INDICADORES QUANTITATIVOS

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 38

Para observar a influência da cadeiaagroindustrial do arroz nos indicadoressocioeconômicos, foram selecionados os doismunicípios de cada estado que, no ano de 2000,possuíam os maiores percentuais da sua áreaplantada com a cultura do arroz. No Rio Grandedo Sul, foram selecionados Capivari do Sul eUruguaiana que, em 2000, apresentavam99,2% e 99,02% de suas áreas totais plantadas,respectivamente, com o arroz. Em Roraima, osmunicípios de Normandia (com 88,07% de suaárea plantada ocupada pela rizicultura) ePacaraima (com 71,94%) foram osselecionados.

A taxa de participação da populaçãoeconomicamente ativa em relação à populaçãototal para os municípios gaúchos foi de 0,61para Capivari do Sul e 0,58 para Uruguaiana.O mesmo indicador para o municípioNormandia foi de 0,30 e para Pacaraima, 0,63.É importante destacar que o primeiro municípiocitado de Roraima é essencialmente agrícola eo segundo possui, por estar situado em zonade fronteira com a Venezuela, um comérciomuito intenso. Essa informação corrobora oobservado no item anterior com relação amenor intensidade de mão-de-obra naprodução de arroz em Roraima. Quanto aosmunicípios do Rio Grande do Sul, Capivari doSul tem sua economia voltada para atividadesprimárias, como a produção de arroz e extraçãode madeira, já Uruguaiana tem indústriaarrozeira bem desenvolvida, além de grandeexpressão na produção primária.

O percentual de pessoas com 15 anos oumais que não sabem ler e escrever éexpressivamente maior nos municípiosroraimenses – no ano de 2000, em Normandia20,3% desta população era analfabeta e, emPacaraima, 14,3%. Nos municípios do Rio Grandedo Sul os valores eram de 9% e 6,1% paraCapivari do Sul e Uruguaiana, respectivamente.

Para observar o desenvolvimentosocioeconômico dos municípios foi utilizado umíndice composto, o Índice de DesenvolvimentoHumano Municipal (IDH-M), que leva emconsideração três dimensões – renda, educação esaúde. Os valores do Índice para os municípios doRio Grande do Sul são ambos maiores que aquelespara os municípios de Roraima. O IDH-M deCapivari do Sul é 0,807 e o de Uruguaiana é 0,788,sendo que os melhores desempenhos destes estãona dimensão de educação e o pior desempenho narenda, no entanto, todos os valores das dimensõessituam-se acima de 0,700 – o que pode serentendido como desenvolvimento de médio a alto.

No caso dos municípios de Roraima,Normandia tem IDH-M de 0,600 e o valor paraPacaraima é 0,718. Pacaraima tem o seu bomdesempenho alçado pelo índice da dimensãoeducação, que é próximo aos dos municípiosgaúchos, já Normandia tem o seu IDH-M reduzido,tendo em vista que possui os valores mais baixosnas três dimensões entre os quatro municípiosanalisados. Contudo, chama atenção o valor dadimensão renda que é de 0,472 – o menor valordas três dimensões entre os observados.

Conforme Secretaria de Coordenação ePlanejamento do Rio Grande do Sul apud Ludwig(2004), no Rio Grande do Sul, a cadeia principal

envolve 250.000 pessoas, já em Roraima, a cadeiaabsorve 1.000 empregos diretos, de acordo coma Associação de Arrozeiros.

4.3 COMPARAÇÃO ENTRE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS

39Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referencial teórico apresentado enfatizaque o desenvolvimento regional é influenciadopela organização e o desempenho de cadeiasprodutivas. Essa afirmação foi corroborada pelosresultados alcançados neste trabalho.

Os indicadores socioeconômicosobservados apontam que os melhores resultadosestão localizados onde a cadeia agroindustrialdo arroz é mais desenvolvida, o que gera apresença de inúmeras atividades terciárias esetores auxiliares, ou seja, os indicadoresanalisados têm melhor desempenho no RioGrande do Sul que em Roraima.

A estrutura das lavouras arrozeiras emRoraima, também, é um fator de menor geraçãode emprego: as grandes extensões das plantaçõesnão privilegiam a maior contratação de mão-de-obra. No entanto, é a falta de atividades terciáriase, principalmente, de setores auxiliares que nãopermitem maior expressão da cadeiaagroindustrial do arroz no desenvolvimento doestado.

Desta constatação é possível depreenderque os investimentos na cadeia do arroz aindanão atingiram magnitude suficiente paraestimular o crescimento e surgimento destasatividades e setores e Roraima. É possível que,com a ampliação desta cadeia e a introdução de

outras novas, como a da soja e do milho, ascendao interesse de empresários locais, nacionais e atéinternacionais na implantação de indústria demáquinas, fertilizantes, embalagens, artefatos depapel, etc., o que traria maior nível de emprego,maior renda para a população e produto para oestado e, assim, ampliação dos investimentospúblicos em melhorias na saúde, educação,cultura e lazer, elevando o nível de bem-estarpopulacional.

Contudo, para a consolidação da cadeiaagroindustrial do arroz, com seus setoresauxiliares e atividades terciárias, e a implantaçãode outras cadeias produtivas, são necessárias aação dos governos estadual e nacional de formaa solucionar problemas que vêm impedindo odesenvolvimento de Roraima através doagronegócio tais como a indefinição fundiária; ainfra-estrutura precária, havendo necessidade deinteriorização da energia elétrica e melhorias emestrada, pontes e balsas; aperfeiçoamento daspolíticas de incentivo as atividades produtivas emaiores investimentos em pesquisa edesenvolvimento de tecnologias.

Roraima possui condições potenciais deatingir níveis significativos de desenvolvimentona cadeia produtiva do arroz, porém faz-senecessária a sensibilização governamental aosproblemas enfrentados.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 40

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Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 42

Quadro 2 - Variáveis Utilizadas na Análise para o Rio Grande do Sul.Nota: (*) Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul apud Ludwig (2004).

ANEXO 1

43Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

ANEXO 2

Quadro 3 - Variáveis Utilizadas na Análise para Roraima.Nota: (*) Associação dos Arrozeiros do Estado de Roraima.

45Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA POR ALIMENTOS ARTESANAIS: UMA APLICAÇÃO DOMÉTODO DE AVALIAÇÃO CONTINGENTE NA VALORAÇÃO DO SELO DE ORIGEM DE PALMAS-TO

Adriano Firmino Valdevino de Araújo*

Adriano Nascimento da Paixão**

Fernanda Dias Bartolomeu Abadio Finco***

Franciele Ramos****

RESUMO

O aumento da demanda por produtos saudáveis tem contribuído para a necessidade de umaoferta mais diversificada de alimentos. Muitos consumidores têm escolhido alimentos mais próximosdaqueles in natura ou produzidos por processos tradicionais ou artesanais. Assim, a valorização dosprodutos alimentares típicos vem se tornando uma das alternativas adotadas para promover odesenvolvimento local, em especial no meio rural. Com o intuito de valorizar o produto artesanallocal, o Município de Palmas, estado do Tocantins, adotou uma estratégia de identificação para estesprodutos, a partir da adoção do selo de origem de Palmas-TO. No entanto, tornam-se necessáriosestudos para verificar o impacto destas ações na promoção do desenvolvimento sustentável. Emespecial aqueles da criação do selo de origem sobre o comportamento do consumidor. O objetivodeste trabalho foi verificar a percepção dos consumidores em relação ao selo de origem para alimentosartesanais. Para tanto, adotou-se o método de avaliação contingente para captar a disposição a pagardos consumidores por produtos com o selo de origem. A adoção deste procedimento permitiu acaracterização da demanda por produtos artesanais, bem como a determinação do valor deste selo.

Palavras-chave: Selo de origem. Alimentos artesanais - Demanda. Método de avaliação contingente.

* Doutor e Mestre em Economia pelo PIMES-UFPE; Professor Adjunto I do Curso de Ciências Econômicas da UniversidadeFederal do Tocantins (UFT). Palmas/TO. E-mail: [email protected]

** Doutorando em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (DER-UFV); Mestre em Economia pelaUniversidade Federal da Paraíba (PPGE-UFPB); Professor Assistente III do Curso de Ciências Econômicas da UFT.Palmas/TO. E-mail: [email protected]

*** Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); ProfessoraAssistente III do Curso de Engenharia de Alimentos da UFT. Palmas/TO. E-mail: [email protected]

**** Acadêmica do Curso de Engenharia de Alimentos da UFT. Palmas/TO. E-mail: [email protected]

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CHARACTERIZATION OF THE DEMAND FOR CRAFTSMANSHIP FOOD: APPLICATION OF THECONTINGENT VALUATION METHOD TO THE EVALUATION OF THE PALMAS–TO ORIGIN STAMP

ABSTRACT

The increasing demand for healthy products contributes to a more differentiated food assortment.Many consumers are choosing foods closer to those in natura or made by traditional or artisanprocessings. Thus, the valuation of the typical food products becomes an important action to contributesto rural development. Intentioning to value the local artisan foods, Palmas-TO city, Brazil, adopted astrategy to identify these products, based on a seal of origin. However, researches are still necessary toverify the impact of this action in the promotion of the sustainable development specially, evaluatethe impact of a origin stamp on consumer’s behavior. The objective of this work is to verify the perceptionof the consumers about the origin seal for artisan foods. The contingent evaluation method wascarried out to catch consumer’s willingness to pay for artisan food with the origin stamp. The adoptionof this method allowed to characterizate the demand for artisan foods, as well as the determination ofthe value of the origin stamp.

Keywords: Origin Stamp. Healthy Products - Demanda. Valuation contingent method.

47Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A abertura econômica, observada duranteo início dos anos 1990, trouxe consigo uma ofertamassiva e estandardizada de alimentos para asclasses de renda mais favorecidas. No entanto, aprocura por alimentos que fogem a estascaracterísticas tem sido uma tendência observadaem países desenvolvidos. Esta última tendênciaé confirmada pelo fato de que o processamentoe comercialização de produtos artesanais vêmse constituindo em uma alternativa promissorapara um desenvolvimento sustentável na zona

rural, principalmente em países da UniãoEuropéia e, também, nos Estados Unidos.

Bonano et al. (apud CAMPANHOLA; SILVA,2000) afirmam que nos países emdesenvolvimento, a globalização acelera oprocesso de exclusão social dos pequenosprodutores, dos trabalhadores e dosconsumidores mais pobres. É neste contexto queos produtos artesanais surgem como umaimportante alternativa para promover o

1 INTRODUÇÃO

Com o intuito de promover odesenvolvimento sustentável no meio rural, tem-se observado a implantação de políticas quepromovem a agricultura familiar e,consequentemente, a geração de renda. Umatendência observada, a partir de tais políticas, éa crescente valorização de produtos artesanais,caracterizados pela pequena escala e produçãolocal. Do lado da demanda, essa tendência éreforçada pelo aumento da demanda porprodutos saudáveis e nutritivos, contribuindo parauma oferta mais diversificada de alimentos.Muitos consumidores têm escolhido alimentosmais próximos daqueles in natura ou produzidospor processos tradicionais ou artesanais. Assim,a valorização dos produtos alimentares típicosvem se tornando uma das alternativas adotadaspara promover o desenvolvimento local, emespecial o meio rural.

Seguindo esta tendência, o município dePalmas-TO vem regulamentando acomercialização de produtos artesanais, sendouma das principais ações a criação de um selode origem para estes produtos. No entanto,tornam-se necessários estudos para verificar oimpacto de ações de valorização de produtos

nacionais na promoção do desenvolvimentosustentável. Em especial, o impacto da criação eaplicação de selo de origem a alimentosartesanais, sobre o comportamento doconsumidor.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho éverificar a disposição a pagar dos consumidoresem relação ao selo de origem utilizado nomunicípio de Palmas, Tocantins. Para tanto, foiadotado o método de avaliação contingente. Esteprocedimento permitiu a caracterização dademanda por produtos artesanais, bem como adeterminação do valor deste selo. Neste estudoforam considerados, apenas, os alimentosartesanais.

O presente artigo está dividido em seispartes, incluindo esta introdução. Na parte doissão feitas considerações a respeito do produtoartesanal, relacionando-o com a promoção dodesenvolvimento sustentável no meio rural. Naparte três apresenta-se o modelo de avaliaçãocontingente. Os aspectos metodológicos sãoapresentados na parte quatro. A análise ediscussão dos resultados constam na parte cincoe as conclusões na parte seis.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE PRODUTOS ARTESANAIS

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 48

desenvolvimento local de pequenos produtores,proporcionando, assim, a elevação da renda,gerando postos de emprego, inserindo-se entãono conceito de desenvolvimento local.

Se os produtos artesanais típicos podemse tornar uma forte alternativa para o aumentode renda das propriedades rurais, através daagregação de valor à produção agrícola destaspropriedades, convém questionar a posição domercado consumidor frente a estes produtos.Torna-se importante, portanto, verificar se hátendência de aumento no consumo de produtosartesanais, de modo a permitir uma análise desuas potencialidades como um fator a mais depromoção do desenvolvimento.

Segundo Maluf (1999), a proliferação daprodução de alimentos artesanais, produzidos empequena escala, seria desejável para a promoçãode equidade social, bem como para a aproximaçãoentre produção e consumo e na consolidação dehábitos alimentares culturalmente estabelecidos.Todas estas vantagens podem ser canalizadas parao meio rural através de uma adequada política devalorização dos produtos artesanais, de modo acontribuir com o desenvolvimento sustentável nazona rural.

Assim, em atenção à conjunção dos fatorescitados como motivadores do consumo dosprodutos artesanais, várias políticasgovernamentais, merecem destaque. Nos últimostempos, muitas políticas em nível municipal,estadual e nacional têm sido implantadas epoderão, futuramente, beneficiar e incrementaro processamento dos Produtos Artesanais. Umaexperiência a ser comentada aplica-se ao estadode Minas Gerais, no qual o Serviço de VigilânciaSanitária vem empreendendo um esforçoconjunto para normatizar a produção dealimentos artesanais, de modo a permitir sualegalização e ampliar as garantias quanto àsegurança, preservar sua identidade cultural, e

ao mesmo tempo trazer para o mercado formaluma parcela significativa da população que temno alimento artesanal sua fonte de renda(UNIVERSIABRASIL, 2004).

Seguindo tal tendência, o município dePalmas-TO, por meio da Lei nº 1228, de 23 deoutubro de 2003, sancionou normas de segurançaalimentar para produtos alimentícios artesanaisde origem animal e vegetal e regulamento técnicopara os mesmos. Uma das ações desta lei é aidentificação dos produtos artesanais a partir dacriação de um selo de origem. Acredita-se queeste selo cause algum impacto na expectativado consumidor e ainda que pode proporcionar asegmentação do mercado com produtos cujaqualidade é identificada, garantida, respondendoaos anseios do mercado (PALMAS, 2004).

A produção de alimentos com garantia dequalidade e origem pode assegurar melhorespreços para os produtores, abrindo mercado paradiversos produtos tipicamente regionais e criandocondições de competitividade para os pequenosprodutores familiares e conseqüentemente,refletindo em aumento da renda (ICEPA, 2000).

No entanto, é preciso obter dados sobre oreal impacto da adoção do selo de origem sobreo comportamento do consumidor. Em Palmas,este selo foi lançado não só para alimentos, masinclui todos os outros produtos artesanais, comobjetivo de valorizar a produção perante omercado local, fortalecer a economia regional,incentivar o desenvolvimento competitivo, oaumento na participação no mercado dosprodutos locais e a ampliação, em médio prazo,dos postos de trabalho. O intuito é mostrar paraa população o que é produzido no local, paraque o consumidor possa identificar e darpreferência ao produto local em relação asimilares de outros centros, mantendo padrõesde qualidade e faixas de preço compatíveis coma concorrência (PALMAS, 2004).

49Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O método de avaliação contingente1

procura evidenciar o valor de um ativocaracterizado como bem público através daquantificação do bem estar promovido por este.A base teórica para a fundamentação destemétodo reside na Teoria Microeconômica, maisespecificamente, na Teoria do Consumidor. Sãoconsiderados os conceitos de variaçõesequivalentes (VE) e compensatórias (VC).

A variação compensatória corresponde aoadicional de renda, positivo ou negativo, capazde fazer com que o consumidor permaneça nomesmo nível de utilidade diante de uma mudançano cenário econômico. A variação equivalentemede o impacto, em termos de renda, de uma

mudança no cenário econômico. Em outraspalavras, mede a variação de renda que faz comque o consumidor permaneça no mesmo nívelde utilidade anterior caso houvesse essa variação.

Portanto, o método de avaliaçãocontingente procura medir as variaçõescompensatórias e equivalentes dos indivíduos emrelação a alterações na disponibilidade dosrecursos ambientais. Os conceitos de disposiçãoa pagar (DAP) e a receber (DAR) estãoestreitamente relacionados com a teoriaeconômica através dos conceitos de VC e VE. Asrelações entre DAP e DAR com os conceitos devariação compensatória e variação equivalentepodem ser vistos a partir do Quadro 1.

3 O MÉTODO DE AVALIAÇÃO CONTINGENTE

Quadro 1 - Relações entre os conceitos de DAR e DAP e os conceitos de VE e VC.Fonte: Araújo (2002).

Na prática, as disposições a pagar e areceber dos indivíduos podem ser captadasatravés de alguns métodos específicos, sendo osprincipais:

i. Método de lances livres (ou formaaberta): consiste em perguntar aosindivíduos, de forma direta, o quantoestariam dispostos a pagar ou receber.Desse modo, é criada uma variávelcontínua de “lances”, sendo o valoresperado da DAP ou DAR estimado apartir da média;

ii. Mecanismo de cartões de pagamento:vários valores são apresentados para oindivíduo por meio de cartões; este escolheo cartão correspondente ao valor quemelhor represente sua DAR ou DAP;

iii. Mecanismo de jogos de leilão: essemétodo utiliza um valor inicial comoreferência. No caso de estimação da DAP,este valor é diminuído quando a pessoaentrevistada não aceita o valor dereferência e aumentado quando esteaceita. Esses procedimentos são repetidos

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 50

até que se chegue ao valor referente àDAP do entrevistado. Os procedimentospara a DAR são similares. A únicadiferença é que os valores sãoaumentados quando há a recusa ediminuídos quando aceitados;

iv. Método referendo (ou método de escolhadicotômica): o indivíduo se vê diante deum determinado valor, tendo que escolherse aceita ou não pagá-lo ou recebê-lo.Essa quantia deve ser diferenciada deindivíduo para indivíduo entrevistado, demodo a garantir uma análise dafreqüência das respostas diante de váriosníveis de lances; e

v. Método referendo com acompanhamento:este método consiste, basicamente, em ummecanismo de jogos de leilão reduzido, emque são computados os aceites ou recusaspor meio de uma variável dicotômica.

As principais vantagens e desvantagensdesses métodos podem ser observadas a partirdo Quadro 2 Em geral, o método referendo épreferido pelas vantagens em relação aos demais.Esse método, além de minimizar comportamentosestratégicos, aproxima-se da verdadeiraexperiência de um mercado real, onde osconsumidores decidem ou não comprar dado umpreço. No mais, métodos ou mecanismos queutilizam um valor inicial podem induzir ocomportamento do entrevistado.

Quadro 2 - Vantagens e desvantagens dos métodos de captação.Fonte: PETHIG apud PESSÔA (1996).(1) método de lances livres; (2) mecanismo de cartões de pagamento; (3) mecanismos dos jogos de leilão e (4) método

referendo.*P = pesquisa pessoal; T = pesquisa por telefone e C = pesquisa por correspondência.**No entanto, existem problemas em relação às respostas nulas ou de protesto.

4 NOTAS METODOLÓGICAS

4.1 DESENHO DA PESQUISA

As informações e dados utilizados nestetrabalho foram coletados a partir da aplicaçãode questionário. Realizou-se um pré-teste comquarenta consumidores na Universidade Federaldo Tocantins (UFT) para avaliar o nível decompreensão das perguntas do questionário.

Foram consideradas questões demográficas(idade, sexo etc.), socioeconômicas (rendapessoal, renda familiar etc.) e questões acercada percepção dos indivíduos em relação aprodutos e alimentos artesanais, bem como emrelação ao selo de origem de Palmas-TO. A

51Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

pesquisa parte do conceito de disposiçãomáxima a pagar (DAP), indicando o quanto apessoa está disposta a pagar a mais por umalimento que contenha o selo de origem dePalmas-TO em relação ao mesmo alimento quenão contenha este selo. O intuito foi estimar aprobabilidade do indivíduo em aceitar pagar umdeterminado valor.

Foram realizadas 100 entrevistas, noperíodo de julho a novembro de 2004, das quais94 foram validadas2. Na determinação daamostra adotou-se um critério não probabilístico,dada algumas características do universo dapesquisa. Observe que, apesar de a populaçãodo município de Palmas-TO ser conhecida, aparcela dessa população que compra alimentosartesanais não é conhecida. Diante disso, não foipossível aplicar um critério probabilístico paradeterminação da amostra3.

De modo a garantir uma maiorrepresentatividade, as entrevistas foramdistribuídas nos principais supermercados e feiraslivres do município de Palmas-TO. Todos osindivíduos abordados que consentiram emresponder o questionário foram entrevistados.

A captação da DAP foi efetuada pelométodo referendo com acompanhamento.Segundo Araújo (2002), neste método sãoapresentados diversos valores para oentrevistado, sendo computados os aceites ourecusas para cada valor apresentado através

de uma variável dummy. Foram apresentadoscinco valores não nulos para cada entrevistado,estipulados a partir da pesquisa piloto, o quepermitiu quintuplicar o tamanho da amostra.Os valores apresentados foram: R$2,00, R$1,50,R$1,00, R$0,50, R$0,10. Cada entrevistadodeveria responder se aceitava ou não pagarcada um destes valores a mais por um produtocom o selo de origem de Palmas-TO em relaçãoao mesmo produto sem este selo.Acessoriamente, foi adotado o método abertode captação da DAP, que consiste em perguntardiretamente ao entrevistado o quanto eleestaria disposto a pagar a mais (ARAÚJO, 2002;PAIXÃO, 2002).

A disposição máxima a pagar foi aalternativa escolhida por ser recomendada,devido ao seu caráter conservador, por muitosestudiosos da área (MOTTA, 1998). De qualquerforma, esta parece ser a escolha mais difundidaem trabalhos que envolvem a aplicação dométodo de valoração contingente (ARAÚJO,2002). Em geral, o método referendo (com ousem acompanhamento) é preferido porapresentar vantagens em relação aos demais.Esse método, além de minimizar comportamentosestratégicos, aproxima-se da verdadeiraexperiência de um mercado real, onde osconsumidores decidem ou não comprar dado umpreço. No mais, métodos ou mecanismos queutilizam um valor inicial podem induzir ocomportamento do entrevistado (BELLUZZOJUNIOR, 1999).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 52

4.2 ESTIMAÇÃO DA DAP: O MODELO LOGIT

A estimação do valor representativo para a DAP segue a abordagem sugerida por Hanemann4.Para tanto, será utilizado o modelo logit para esta estimação.

O modelo logit é definido como:

(1)

onde yi representa a variável dummy, Xi o vetor de variáveis explicativas e β o vetor de parâmetros.Da mesma forma, pode-se definir:

(2)

A esperança condicionada de yi é dada, portanto, por:

(3)

Conforme a equação (3), a função F(β’Xi) pode ser vista como a probabilidade condicional de yi

assumir o valor 1, dado um certo valor de β’Xi, respeitando o intervalo (0,1), Através da equação (1),tem-se que:

(4)

A estimação do modelo logit é geralmente feita a partir do Método de Máxima Verossimilhança.Segundo Maddala (1983), a função de Verossimilhança é definida como:

(5)

a estimativa do vetor β deve maximizar essa função5.

53Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O efeito da variação de uma das variáveis explicativas no valor esperado de yi é obtido derivandoa equação (3). Utilizando a equação (1), o resultado dessa derivada pode ser escrito como:

(6)

a equação (6) mostra o efeito marginal de Xki em yi.

De modo a facilitar a estimação da probabilidade condicional, são efetuados algunsprocedimentos matemáticos. Admitindo que , as equações (1) e (2) podem ser escritascomo:

(7)

(8)

Dividindo a equação (7) pela equação (8), obtém-se:

(9)

Segundo Ramanathan (1998), a equação (4.9) é conhecida como razão de probabilidade emfavor da dummy assumir o valor 1. Tomando o logaritmo natural dessa equação e denotando o resultadocomo Li, tem-se:

(10)

Para fins de estimação se considera um componente aleatório de perturbação na equação (10),de forma que:

(11)

onde εi é o termo de perturbação estocástica. A equação (11) representa o modelo logit propriamentedito (RAMANATHAN, 1998). Uma vez estimado o vetor β, a estimativa da probabilidade condicionadapode ser obtida resolvendo a equação (11) para F(β’Xi).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 54

Hanemann (1984 e 1989) apresenta duas bases para a estimação de uma DAP representativa, d*.A primeira base consiste em calcular a média de d e considerá-la como d*. Esse valor corresponde a:

(12)

onde t = d. A segunda base consiste em tomar d* como a mediana de d. Esse valor faz com que aprobabilidade de aceitação seja igual à probabilidade de rejeição, ou seja:

(13)

Para que a equação (13) seja satisfeita, é necessário que . Portanto,

(14)

A escolha de qual das medidas utilizar paraa estimação da DAP representativa não é umaquestão trivial. A mediana apresenta a vantagemde ser bem menos sensível a presença de outliersdo que a média. Entretanto, segundo Johansonet al. (apud BELLUZZO, JR., 1999), em termos deagregação, a média é a medida de tendência

central. No mais, mesmo quando não hápretensão de se agregar as disposições a pagar,a mediana não corresponde a uma alocaçãoótima de Pareto. No entanto, parece que osargumentos em favor da mediana são mais fortes,sendo essa a alternativa mais freqüente nasaplicações do método de avaliação contingente.

4.3 DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS

As variáveis consideradas no modelo são:aceitação, por parte do entrevistado, em pagar amais pelo produto com selo de origem; tempo deresidência do entrevistado em Palmas-TO; valoresdeclarados e apresentados da DAP; rendapessoal; número de membros da família; idade;freqüência a qual o entrevistado costuma ler orótulo de produtos e avaliação que o entrevistadofaz em relação ao alimento artesanal.

Para a freqüência de leitura de rótulo, foiadotada uma escala de zero a três, distribuídada seguinte maneira: (0) sempre, (1)freqüentemente, (2) às vezes e (3) raramente.Outra escala, de zero a quatro, foi consideradapara indicar a avaliação do indivíduo em relaçãoao alimento artesanal. A atribuição foi: (0) muitobom, (1) bom, (2) regular, (3) ruim e (4) péssimo.Como proxy da renda adotou-se o logaritmo da

55Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

razão entre renda familiar e número de membrosda família, isto é, o logaritmo da renda per capitada família. O tempo de residência foi computadoem meses. O valor declarado da DAP é o resultadoda aplicação do método aberto e o valorapresentado o resultado da aplicação do métodoreferendo com acompanhamento.

A aceitação do entrevistado em pagar ovalor a mais pelo produto com selo de origem foicomputada como a variável dependente a partirde uma dummy (1 para aceitação e 0 pararejeição). A partir desta construção foi possívelestimar a probabilidade que um indivíduo aceitepagar a mais por um alimento que contenha o

selo de origem de Palmas-TO em relação aoalimento similar que não contenha este selo.

Os dados obtidos na pesquisa foramutilizados tanto para a caracterização dademanda por alimentos artesanais, quanto parao cálculo do valor do selo de origem de Palmas-TO. Para tanto, realizou-se duas análises. Noprimeiro momento, estimou-se um modelo logitcom todas as variáveis que se mostraramsignificativas estatisticamente. Com base nestemodelo efetuaram-se predições a respeito dademanda por alimentos artesanais. No segundomomento foi calculado um valor médio para oselo de origem de Palmas-TO.

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

A maioria dos entrevistados foi do sexofeminino, correspondendo a 88% da amostra. Afaixa etária predominante situou-se entre 18 e35 anos (57%). Apenas 6% dos entrevistadospossuem idade igual ou superior a 56 anos. Afreqüência da amostra quanto à escolaridadepode ser vista na Tabela 1.

A renda média do chefe de família foi deR$ 2.355,00*. Este valor passa a ser R$ 3.153,00*quando é considerada a renda familiar. O númeromédio de membros da família foi de 3,7*. Porfim, a renda média por membro da família foi deR$ 703,00*. O tempo médio de residência emPalmas-TO foi de 75 meses* (o asterisco indicavalores aproximados).

Tabela 1 - Distribuição da amostra quanto escolaridade.

Fonte: Elaboração própria.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 56

A maior parte dos entrevistados associaalimentos artesanais a idéia de “caseiro” (60%),seguido de “alimento que não contém aditivosquímicos” (39%). Estes resultados vão de encontroà atual tendência em se consumir alimentos maissaudáveis (SANJUAN, 2003). Em adição, 98%afirmaram consumir alimentos artesanais emvirtude destes se aproximarem daqueles in natura.

No que diz respeito ao local de aquisiçãodestes alimentos, as feiras livres, com76%,sobressaíram-se aos supermercados (43%) e outroslocais. O fato das feiras livres serem locais depreferência dos consumidores para a aquisiçãodestes produtos, pode estar relacionado ao fato deque a feira é uma forma de organização que eliminaintermediários, o que torna os preços dos produtosmais acessíveis, além de garantir maior lucro aoprodutor. Em adição, as feiras livres no municípiode Palmas-TO são organizadas, possuem dias elocais próprios, configurando-se como uma opçãoimportante de local para compras de alimentos.

A maioria dos consumidores afirmouescolher produtos artesanais com base no sabor(26%), pela denominação de “natural” (15%), e“saudável” (15%) o que pode indicar umapreocupação com aspectos de saúde. Admitindo-se que haja uma crença de que todo produtoconsiderado natural seja saudável6, tem-se que30% dos entrevistados consideram o alimentoartesanal saudável. Portanto, pode-se inferir queesta associação é relativamente difundida entreos indivíduos.

Em relação à avaliação global dosprodutos artesanais, os resultados forampositivos visto que a maioria dos consumidoresconsiderou os alimentos artesanais produzidosem Palmas-TO como bom (74%) e muito bom(13%). Quanto à rotulagem, apenas 46% dosentrevistados afirmaram realizar “sempre” aleitura dos rótulos dos alimentos, 20%“freqüentemente”, 20% “às vezes” e 14%“raramente” fazem a leitura.

5.2 CARACTERÍSTICAS DA DEMANDA POR ALIMENTOS ARTESANAIS: ESTIMAÇÃO DO MODELO LOGIT

Com base nos dados obtidos, estimou-seuma regressão que permite verificar osdeterminantes da disposição a pagar dosindivíduos em relação ao selo de origem dePalmas-TO. Para a estimação do modelo logitutilizou-se o pacote econométrico EViews 6.0 daQuantitative Micro Software. O método deestimação foi o de Máxima Verrosimilhança,corrigindo problemas de heterocedasticidadeatravés da matriz de covariância7. Os resultadosda regressão são apresentados na Tabela 2,representando a equação 10.

Os valores da estatística H-L e da estatísticade Andrews revelam que o modelo apresenta umbom ajuste de predição, rejeitando a hipótese deque o modelo tenha um ajuste insuficiente paraos dados. O valor do pseudo R2 corrobora esta

afirmação. A partir do valor da Razão deVerossimilhança observou-se que as variáveisapresentam relevância estatística, quandotratadas em conjunto. A partir dos valores dostestes “z” foi possível verificar a significânciaestatística individual das variáveis. Segundo estesvalores, todas as variáveis são estatisticamentesignificantes a um nível de 11%. Apenas idade eidade ao quadrado não o são a um nível de 5%.O logaritmo da renda per capita familiar não ésignificativo estatisticamente a um nível de 1%.

A direção do impacto de cada variávelsobre a probabilidade de aceitação pode servista a partir dos sinais das estimativas.Portanto, constata-se que o maior tempo deresidência em Palmas-TO contribui para oaumento da probabilidade de aceitação em

57Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados obtidos pelo EViews 6.0.* Valor referente à estatística LR (Razão de Verossimilhança). ** Para ÷2 (8). *** Para ÷2 (10).

pagar um determinado valor apresentado. Damesma forma, uma maior freqüência deleitura dos rótulos e uma melhor avaliação

por parte dos entrevistados em relação aosalimentos artesanais aumentam essaprobabilidade8.

Tabela 2 - Estimativas do modelo logit generalizado.

Tanto a renda per capita familiar, quanto ovalor apresentado da DAP, influencianegativamente a probabilidade de aceitação. Noteque o valor apresentado da DAP é uma proxy dopreço do selo de origem e que a probabilidade deaceitação reflete a intenção de compra, podendoser tomada como uma proxy da demanda. Combase nas estimativas apresentadas na Tabela 2,constata-se que o selo de origem de Palmas-TO éum bem comum e inferior9. Isso está de acordocom os produtos referidos, pois são de amploconsumo por aspectos culturais e de subsistência,portanto, quando a renda aumenta, as pessoasreduzem o consumo desses produtos e compramoutros substitutos de maior valor agregado.

É possível que as características apontadaspara a demanda do selo de origem de Palmas-TO

sejam observadas para os próprios produtos quelevam esse selo. Esta afirmação decorre dapossibilidade de que, ao avaliar o selo, oentrevistado, na realidade, esteja avaliando, emgrande parte, o próprio produto que leva o selo. Seisso for verdade, o próprio alimento artesanal podeser caracterizado como um bem comum e inferior.

Os sinais das estimativas dos coeficientesde idade e idade ao quadrado traduzem umcomportamento refletido por uma parábolacôncava para baixo. Ou seja, o aumento da idadeafeta negativamente a probabilidade de aceitaçãoaté certo ponto, passando a afetar positivamentea partir deste locus. Este comportamento pode serexplicado, em parte, pelo próprio ciclo econômicode vida dos indivíduos. Conforme vistoanteriormente, o selo de origem de Palmas-TO (e,

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 58

conseqüentemente, o alimento artesanal) pode sercaracterizado como um bem inferior. Portanto, suademanda deverá ser maior na fase de vida demenor renda dos indivíduos, sendo provável queesta fase ocorra na sua velhice10.

Outra explicação para este comportamentopode residir na percepção dos indivíduos emrelação ao alimento artesanal. Conforme jámencionado, há uma difusão da idéia de que osalimentos artesanais sejam saudáveis.Adicionalmente, é possível que a preocupação emrelação à saúde seja mais forte nos indivíduos maisvelhos11. Isto explicaria uma maior probabilidadede aceitar (maior demanda) para estes indivíduos.

O sinal referente ao valor declarado da DAP(positivo) é esperado, pois reflete a disposição apagar do indivíduo. Dessa forma, quanto maioresse valor, maior é a propensão de o indivíduoaceitar pagar um dado valor apresentado.

A partir do modelo estimado, é possívelpredizer a probabilidade de aceitação em pagarum valor adicional pelo alimento artesanal comselo de origem de Palmas-TO em relação aomesmo alimento sem tal selo. Neste sentido,foram realizadas algumas estimações para

determinar esta probabilidade, dado algumascaracterísticas captadas pelas variáveis domodelo. Os resultados desta simulação podemser observados a partir da Tabela 3.

Foram consideradas três situaçõesdistintas. Na simulação I, computaram-se asmédias das variáveis quantitativas. As medianase as modas foram contabilizadas nas simulaçõesII e III, respectivamente. Para as variáveis: valorapresentado da DAP, avaliação do entrevistadoem relação ao alimento artesanal e freqüênciade leitura dos rótulos foram computados osmesmo valores para as três simulações. Para aprimeira computou-se a mediana dos valoresapresentados e para as duas últimas a opção demaior freqüência entre os entrevistados.

A simulação I, por exemplo, caracteriza umindivíduo de 36,7 anos, que reside em Palmas-TO há 75,2 meses, cuja renda familiar per capitaseja de R$ 703,31, lê rótulos sempre e avalia oalimento artesanal como sendo bom. Segundo omodelo estimado, este indivíduo estaria dispostoa pagar R$ 1,00 a mais por um alimento comselo de origem de Palmas-TO em relação aomesmo produto sem o selo com umaprobabilidade de 38,31%.

Tabela 3 - Estimativas da probabilidade condicionada de aceitação.

Fonte: Elaboração própria.

59Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A Tabela 5 apresenta as estimativas demédia e mediana para a DAP obtidas a partir dométodo aberto e do método referendo com

acompanhamento. Segundo o método deHanemann, esses valores representam a estimativade valor para o selo de origem de Palmas-TO.

5.3 ESTIMAÇÃO DA DAP: O VALOR DO SELO DE ORIGEM DE PALMAS-TO

A partir da aplicação do método deavaliação contingente é possível calcular o valordo selo de origem de Palmas-TO, sendo este valorrepresentado pelas estimativas de média oumediana da DAP. Estas estimativas foramcalculadas a partir das equações (12) e (14),sendo utilizados os dados apresentados na Tabela2. Para efetuar os cálculos, é necessário atribuirvalores para as variáveis explicativas, com

exceção da variável que computa a DAPapresentada. Os valores adotados correspondemà média de cada variável explicativa. Com relaçãoàs variáveis que indicam freqüência de leitura dorótulo e avaliação que o entrevistado faz emrelação aos alimentos artesanais, foramcomputadas as modas estatísticas, por se tratarde uma escala12. Os valores adotados sãoapresentados na Tabela 4.

Tabela 4 - Valores atribuídos às variáveis explicativas para o cálculo da DAP representativa.

Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados obtidos pelo EViews 6.0.* Valor referente à estatística LR (Razão de Verossimilhança). ** Para ÷2 (8). *** Para ÷2 (10).

Tabela 5 - Estimativas da média e mediana da DAP.

Fonte: Elaboração própria.

Portanto, um alimento artesanal quecontenha o selo de origem de Palmas-TO évalorizado pelos consumidores em um

montante de R$ 0,96, tomando a menorestimativa, ou de R$ 1,05, considerando amaior estimativa.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 60

6 CONCLUSÕES

A adoção de política de valorização deprodutos artesanais, caracterizados por baixaescala e produção local, vem sendo uma dasestratégias adotadas para a promoção dodesenvolvimento sustentável no meio rural. Ofoco desta estratégia é a agricultura familiar.

A partir do estudo da avaliação doconsumidor em relação ao selo de origem dePalmas-TO foram constatadas duas evidênciasimportantes. A primeira é caracterização doalimento artesanal como um bem comum einferior. Sendo assim, os indivíduos tendem asubstituir os alimentos artesanais por produtossimilares, à medida que se tornam mais ricos ouque esses bens se tornem mais caros. Talcaracterística pode ser constatada a partir dossinais dos coeficientes estimados para a DAPapresentada (bem comum) e para o logaritmoda renda familiar per capita (bem inferior).

A partir do cálculo da DAP foi verificadoque o selo de origem de Palmas-TO possui umvalor médio de R$1,05 e mediano de R$1,04,considerando as estimativas obtidas a partir dométodo referendo com acompanhamento. Esteresultado indica que há realmente umavalorização do produto artesanal com a adoçãodeste selo.

Pode-se, portanto, concluir que o selo deorigem de Palmas-TO promove uma valorizaçãodo alimento artesanal. Tal valorização pode serampliada a partir da adoção de algumasestratégias, tais como: campanhas educativasdirecionadas ao estímulo para leitura de rótulos eo aumento da qualidade dos alimentos artesanais.Espera-se que a valorização desses produtosacarrete em crescimento e desenvolvimento dosetor, permitindo geração emprego e renda, eampliação da atividade com sustentabilidade.

NOTAS

1 Este método foi apresentado de forma resumida. Outras

informações podem ser encontradas em Araújo (2002),

Belluzzo Jr. (1999), Motta (1998) e Paixão (2002).

2 Os questionários foram invalidados por não conter

informações relevantes ao estudo, tais como: renda

familiar, se aceita pagar o valor apresentado, entre outras.

3 Para métodos de determinação da amostra, ver Cozby

(2003).

4 Ver Hanemann (1984, 1989 e 1991). Ver também Araújo

(2002) e Paixão (2002).

5 Para maiores detalhes a respeito da estimação pelo

Método de Máxima Verossimilhança, ver Maddala (1983)

e Greene (1993).

6 Mesmo que isso não seja, necessariamente, verdadeiro.

7 O problema de heterocedasticidade é inerente aos

modelos binários, tal como o modelo logit (GREENE,

1993; MADDALA, 1983; RAMANATHAN, 1998).

8 Cabe lembrar que a escala adotada para medir a

freqüência de leitura de rótulos aumenta na medida em

que essa freqüência se reduz. No que se refere à avaliação

por parte dos entrevistados, quanto melhor avaliado,

menor é o valor que a escala assume.

9 Um bem comum é aquele cuja quantidade demandada

diminui quando o preço aumenta e vice-versa. No caso

de um bem inferior, sua demanda diminui quando a renda

aumenta (MAS-COLELL; WHINSTON; GREEN, 1995;

VARIAN, 1992).

61Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

10 É suposto que a renda do indivíduo tenha o

comportamento previsto pela Teoria do Ciclo de Vida.

Uma versão simplificada desta teoria pode ser vista

em Sachs e Larrain (2000) e em Lopes e Vasconcellos

(2000).

11 A preocupação com aspectos relacionados com a saúde

pode ser vista como uma questão de necessidade

durante a velhice, haja vista o próprio desgaste do

organismo humano, ocorrido durante os anos de vida

do indivíduo.

12 Uma alternativa seria estimar o modelo logit sem as

variáveis que captam a freqüência de leitura de rótulos

e a avaliação do entrevistado em relação aos alimentos

artesanais. No entanto, o modelo resultante não

apresenta um bom ajuste. No mais, algumas variáveis

relevantes, tal como renda, perde significância

estatística.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 62

REFERÊNCIAS

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BELLUZZO JUNIOR, Walter. Avaliação contingente para a valoração de projetos de conservação e melhoriados recursos hídricos. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 113-136, abr.1999.

CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da. Diretrizes de políticas públicas para o novo ruralbrasileiro: incorporando a noção de desenvolvimento local. 2000. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/projetos/rurbano.html. Acesso em: 8 abr. 2005.

COZBY, Paul. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Atlas, 2003.

GREENE, William H. Econometrics analysis. 4ª ed. New York: Macmillan. 1993. 1004 p.

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CRESCIMENTO DIAMÉTRICO DE MAÇARANDUBA (MANILKARA HUBERI CHEVALIER) APÓSA COLHEITA DA MADEIRA

Dulce Helena Martins Costa*

João Olegário Pereira de Carvalho**

Eduardo Van Den Berg***

RESUMO

Conhecer o crescimento das espécies de um povoamento florestal, principalmente daquelas deinteresse econômico, é de fundamental importância para o manejo florestal. Nesse sentido, avaliou-se o processo dinâmico do crescimento diamétrico da população de maçaranduba (Manilkara huberiChevalier), no período de 1981-1997, em uma área de 64 hectares localizada na Floresta Nacional doTapajós, área experimental sob responsabilidade da Embrapa Amazônia Oriental. Os dados foramcoletados em 36 parcelas permanentes de 0,25ha (50mx50m), divididas em 25 subparcelas de10mx10m, onde foram medidas e identificadas todas as árvores com DAP (diâmetro a 1,30 do solo)e” 5cm. A espécie teve, no período de 1981-1997, crescimento médio em diâmetro de 0,39cm/ano. Asárvores cujas copas receberam iluminação total cresceram 0,67cm/ano, superior àquelas que receberamiluminação parcial (0,58cm/ano) e às que estavam totalmente sombreadas (0,26cm/ano). Portanto, asárvores necessitam de iluminação para acelerar seu crescimento. As árvores sem cipós na copacresceram em média 0,60cm/ano, enquanto que aquelas com cipós cresceram 0,45cm/ano, indicandoque a infestação de cipós nas árvores afeta o seu crescimento.

Palavras-chave: Maçaranduba. Manilkara huberi. Crescimento diamétrico - Manejo Florestal.

* Engenheira Florestal; Mestre em Ciências Florestais; Técnica Científica da Gerência de Desenvolvimento Regional doBanco da Amazônia. Belém/PA. E-mail: [email protected]

** Engenheiro Florestal; Doutor em Silvicultura Tropical; Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Belém/PA.E-mail: [email protected]

*** Engenheiro Agrônomo; Doutor em Biologia Vegetal; Professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Lavras/MG.E-mail: [email protected]

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DIAMETRIC GROWTH OF MAÇARANDUBA (MANILKARA HUBERI CHEVALIER) AFTERHARVEST OF WOOD

ABSTRACT

Knowing the growth of the species of an afforestation, especially those of economic interest,it´s fundamental importance for forest management. In this sense, evaluated the dynamic process ofdiameter growth of the population of maçaranduba (Manilkara huberi Chevalier), in the period of1981-1997, in an area of 64 ha located in the Tapajos National Forest, experimental area under theresponsibility of the Eastern Amazon Embrapa . Data were collected at 36 permanent plots of 0.25ha(50mx50m), divided by 25 subplots of 10mx10m, where all trees have been identified and measurededwith DAP (diameter 1.30 to the ground) e 5cm. The species had, in the period of 1981-1997, averagegrowth in diameter of 0.39cm/year. The trees whose canopy received total enlightenment grew 0.67cm/year, higher than those who received partial lighting (0.58cm/year) and that completely shaded(0.26cm/year). Therefore, the trees need lighting to accelerate their growth. The trees in the canopywithout vines grew on average 0.60cm/year, while those with vines grew 0.45cm/year, indicating thatthe infestation of vines in the trees affects their growth.

Keywords: Maçaranduba. Manilkara huberi. Growth diameter - Forest Management.

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1 INTRODUÇÃO

A floresta amazônica, em função daexpressiva quantidade de espécie arbórea de valoreconômico, atraiu indústrias madeireiras para aregião, que vem ao longo do tempo, extraindomatéria-prima para o seu abastecimento. Por essarazão, estudos que subsidiem a elaboração deplanos de manejo florestal sustentável são desuma importância, visto ser a forma legal deextração dos recursos madeireiros.

Com o manejo florestal, a exploração érealizada de forma planejada, buscandominimizar os impactos ambientais epossibilitando a conservação do ecossistema,mantendo a produção sob regime de rendimentosustentável. De acordo com Condit et al. (1993),para que uma exploração de madeira sejadesenvolvida com sustentabilidade e viabilidadeeconômica, há necessidade de informaçõesdetalhadas sobre a dinâmica de cada espécie.

Segundo Rocha et al. (2003) a dinâmicacorresponde a compreensão do comportamento dastaxas de crescimento, recrutamento mortalidade deum povoamento florestal. Silva et al. (2001), comentaque a análise do crescimento periódico anual dasespécies é considerada um fator primordial para oplanejamento da produção de madeira, visto quepossibilita a determinação do ciclo de corte.

No entanto, os estudos sobre a dinâmicade crescimento de espécies florestais naAmazônia se intensificaram apenas, a partir de1981, após o estabelecimento dos experimentossiviculturais realizados pela Embrapa AmazôniaOriental (SILVA et al., 2001; SILVA et al., 2005).Após essa iniciativa, outras instituiçõespassaram a monitorar a dinâmica decrescimento da floresta, entre elas estão oInstituto do Homem e do Meio Ambiente daAmazônia (IMAZON), o Instituto Nacional dePesquisas da Amazônia (INPA), o MuseuParaense Emílio Goeldi (MPEG), a UniversidadeFederal Rural da Amazônia (UFRA), aUniversidade Federal do Amazonas (UFAM) e oInstituto Floresta Tropical (IFT).

Por essa razão, conhecer o crescimentodas espécies de um povoamento florestal,principalmente daquelas de interesseeconômico, é fundamental para o manejoflorestal. Nesse sentido, o artigo avalia oprocesso dinâmico do crescimento diamétricoda população da maçaranduba (Manilkarahuberi Chevalier), após a exploração florestalem uma área de 64 hectares localizada naFloresta Nacional do Tapajós, visando contribuircom informações para o seu manejo econservação.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 DESCRIÇÃO GERAL DA ESPÉCIE

Manilkara huberi Chevalier é uma espéciearbórea, vulgarmente conhecida como“maçaranduba”, pertencente à família Sapotaceae.A espécie possui árvores de grande porte, fustelongo e retilíneo, com altura geralmente variandode 30m a 40m, podendo, algumas vezes, atingir50m (LOUREIRO, 1979; SUDAM, 1979).

Possui ampla distribuição, ocorrendo nosestados do Pará, Amazonas, Mato Grosso,Maranhão, Roraima, Rondônia e Amapá,chegando ao Suriname, sendo mais freqüente emmata de terra firme, podendo, também, serencontrada em várzeas pouco inundáveis(SUDAM, 1979).

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A floração está diretamente relacionadacom a variação climática, iniciando no final doperíodo úmido estendendo-se durante o períodoseco. As sementes são dispersadas por animais(zoocórica), principalmente por macacos, e agerminação é fanerocotiledonar epígea (TAKEDAet al., 2003).

A maçaranduba pertence ao grupoecológico de espécies tolerantes à sombra, noentanto, quando ocorre a abertura do dossel, ocrescimento é acelerado (CARVALHO, 2000). Asespécies tolerantes, geralmente, germinam sobo dossel, algumas permanecem durante toda asua vida reprodutiva nessa situação e outrasficam aguardando oportunidade para atingir o

dossel superior para só então reproduzir(WHITMORE, 1990).

A madeira é pesada, com cerne vermelho-escuro grã direita, textura fina, insípida e inodora(EMBRAPA, 2004). Apresenta alta durabilidadenatural em contato com o solo de terra-firme,sendo indicada para utilização em cercas, postes,assoalhos, entre outras aplicações (GOMES, et al.,2005).

De acordo com Schulze et al. (2005), amaçaranduba está entre as espécies maisexportadas da região. Sua madeira atinge omercado dos Estados Unidos, Japão e algunspaíses europeus.

2.2 DESCRIÇÃO DA ÁREA

A área de estudo abrange 64 hectares, sendo55o 00’ W e 2o 45’ S as coordenadas centrais da área,que se encontra no interior da Floresta Nacional doTapajós, km 67 da Rodovia Santarém-Cuiabá - BR163, no município de Belterra, Estado do Pará. Aárea faz parte da rede de parcelas permanentes daEmbrapa instaladas na Região Amazônica.

O clima, segundo a classificação deKöppen, é do tipo Ami. A temperatura médiaanual fica em torno de 24,8oC e a umidaderelativa do ar é, em média, de 90%. A precipitaçãomédia anual é de 2100 mm, sendo que nos mesesde dezembro a maio há maior ocorrência dechuvas e de julho a agosto uma quedapluviométrica brusca, caracterizando-se umperíodo seco, onde a precipitação é inferior a 60mm (dados da Estação Meteorológica doMinistério da Agricultura no município deBelterra, 35 km ao norte da área experimental).

O relevo é plano e o solo classificado comoLatossolo Amarelo Distrófico, textura muito

argilosa. A tipologia vegetal da área foiclassificada por Dubois (1976) como Mata ZonalClímax do tipo Mata Alta sem Babaçu (Orbignyabarbosiana Burret).

Em 1975, com o inventário pré-exploratório, foram iniciadas pesquisassilviculturais e de manejo na área. Em 1979realizou-se uma exploração florestal soborientação de pesquisadores da Embrapa. Em 39ha foram colhidas árvores de espécies comerciaiscom DAP ≥ 45 cm, e em 25 ha foram cortadasárvores de espécies comerciais com DAP ≥ 55cm (COSTA FILHO et al., 1980).

O inventário florestal contínuo teveinício em 1981, sob responsabilidade daEmbrapa. A metodologia adotada paramedição foi descrita por Silva; Lopes (1984) eatualizada por Silva et al. (2005). Asremedições nas parcelas de inventáriocontínuo ocorreram em 1982, 1983, 1985,1987, 1992 e 1997.

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Para as árvores com DAP ³ 10, cm além damedição do diâmetro, observou-se a iluminaçãoda copa, grau de infestação e efeito de cipós. Paraaquelas com diâmetro inferior a 10 cm, foramanotados, apenas, nome vulgar e diâmetro. Aseguir estão descritas essas variáveis:

Medição do diâmetro: o diâmetro das árvoresfoi medido com fita diamétrica, sempre emum mesmo lugar chamado “ponto demedição”, localizado a 1,30 m do solo. Alémdisso, foi marcado com uma faixa de tinta aóleo vermelha, para que as mediçõessubseqüentes ocorressem no mesmo local.

Iluminação da copa: descreve o grau deiluminação da copa, ou seja, indica o graude exposição das copas à luz. Sua avaliaçãoajuda na tomada de decisão sobre anecessidade de aplicação de desbastespara liberar de competição as copas dasárvores reservadas para futura colheita(Figura 2). A iluminação da copa das árvoresclassifica-se da seguinte maneira: copaemergente ou recebendo luz total superior;copa recebendo alguma iluminaçãosuperior e copa recebendo luz lateral ounenhuma luz direta.

2.3 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Para a realização do inventário contínuo,na área experimental foram instaladas, de formaaleatória, 36 parcelas permanentes de 0,25 ha(50m x 50m). Cada parcela foi divida em 25

subparcelas de 10 m x 10 m (Figura 1), com ointuito de facilitar a coleta dos dados e aidentificação de todas as árvores comDAP ≥ 5cm.

Figura 1- Esquema das parcelas permanentes estabelecidas no experimento silvicultural em uma área de 64ha na Floresta Nacional do Tapajós, km 67 da BR 163, Rodovia Santarém-Cuiabá.

Fonte: Silva et al. (2005).

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Para o cálculo do crescimento diamétricoutilizou-se a diferença entre os valoresdiamétricos das árvores com DAP ≥ 5cm, nosperíodos 1981-1997 (DAPfinal - DAPinicial/t).

A avaliação do crescimento diamétrico porgrau de iluminação da copa e grau deinfestação de cipós foi realizada nas árvorescom DAP ≥ 10cm.

Grau de infestação e efeito do cipó: descreveo grau de infestação de cipós na floresta eseu efeito no desenvolvimento das árvores.

Essa variável foi classificada em: sem cipósnas árvores e cipós presentes sem causardanos.

Figura 2 - Códigos de iluminação da copa das árvores.Fonte: Adaptado se Silva; Lopes (1984).Notas: (1) copa emergente ou recebendo luz total superior; (2) copa recebendo alguma iluminação superior ou parcialmente

sombreada e (3) copa recebendo luz lateral ou nenhuma luz direta.

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Costa (2000) avaliou o crescimento dopovoamento em estudo e observou que, para operíodo 1981-1997, o crescimento médio emdiâmetro foi de 0,30 cm/ano para todas asespécies e 0,35 cm/ano para espécies comerciaiscom DAP ≥ 5cm. Verifica-se assim, que ocrescimento médio da maçaranduba foi superiorà média de todas as espécies comerciais.

No período de 1981-1983 a espécie obtevecrescimento médio de 0,38 cm/ano. No períodoseguinte, seis anos após a exploração, a média

do crescimento subiu para 0,48 cm/ano.Provavelmente, este aumento foi devido àabertura do dossel ligada a exploração. Conditet al. (1993) também relacionou o aumento dastaxas de crescimento de Prioria copaifera, “elcativo”, uma espécie madeireira importante, aoaumento da luminosidade devido à mortalidadede árvores relacionada à seca.

O crescimento reduziu para 0,42 cm/anodurante o período de 1985-1987 e para 0,31 cmno decorrer de 1987-1992. Isto pode ter ocorrido

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O crescimento médio em diâmetro dasárvores de maçaranduba com DAP ≥ 5cm para

todo o período (1981-1997) foi de 0,39 cm/ano(Gráfico 1).

Gráfico 1 - Crescimento médio em diâmetro de maçaranduba (Manilkara huberi) em uma floresta de terrafirme na Flona do Tapajós, à altura do km 67 da BR 163, Rodovia Santarém-Cuiabá.

Fonte: dados da pesquisa.

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devido ao efeito benéfico da abertura do dosselno crescimento das árvores estar diminuindo, ouseja, a competição por espaço e luz aumentoucom o passar do tempo, provocando a reduçãodo crescimento.

Considerando o período de 1992-1997,observou-se que houve pequeno aumento nocrescimento da espécie (0,34 cm/ano), mesmoassim, encontra-se abaixo do registrado em 1983-1985, quando ocorreu o maior incremento. Talreversão, apresentada após dois períodosconsecutivos de queda na taxa de incremento,pode indicar uma possível estabilização da taxade incremento, após a dissipação do efeito positivoque a exploração teve sobre as taxas decrescimento. Novas medições são necessárias paraverificar esta possível estabilização. O efeito daexploração no crescimento, também, foi observadopor Silva et al. (2001); Carvalho et al. (2004); Silva(1998), Graff et al. (1999),entre outros.

Vasconcelos (2004) verificou que ocrescimento médio anual da população deRinorea guianensis Aublet, também uma espécietolerante à sombra, no período de 3 anos foi de0,35 cm/ano. Carvalho et al. (2004), na Flona doTapajós, registrou o crescimento de 0,26 cm/anopara o grupo das espécies tolerantes; Swaine(1990), em estudo realizado em uma florestaprimária em Ghana, observou crescimento de0,20 cm/ano para espécies tolerantes à sombrae Oliveira (1995), estudando a dinâmica decrescimento e regeneração natural de umafloresta secundária, constatou que as espéciesintolerantes apresentaram crescimento emdiâmetro de 0,60 cm/ano e nos demais grupos(incluindo as tolerantes) o crescimento médiovariou de 0,30 a 0,40cm/ano.

Assim sendo, as taxas apresentadas paraa maçaranduba na área, principalmente após adissipação do efeito da exploração, são coerentescom taxas de crescimento de espécies tolerantes

à sombra em florestas tropicais. No entanto, acomparação das taxas de diferentes florestastropicais é dificultada por fatores intrínsecos(altura e crescimento) e extrínsecos (clima,edafologia e morfologia) que afetam ocrescimento individual das árvores, resultando emacentuadas variações, tais como: a competiçãode espécies, o grau de perturbação e o períodode tempo desde a época em que ocorreu aperturbação (SILVA, 1989).

As árvores que receberam iluminação totaldurante o período 1981-1997 obtiveram maiorvalor de crescimento (0,67 cm/ano), enquantoque as árvores com iluminação parcial outotalmente sombreadas cresceram menos,respectivamente, 0,58 cm/ano e 0,26 cm/ano(Gráfico 2).

Esses resultados estão de acordo comdiversos trabalhos apresentados na literatura,pois se observa que a maçaranduba, apesar deser tolerante à sombra, se beneficia com aabertura do dossel, que aumenta o grau deiluminação da copa. Carvalho (2000) classificamaçaranduba, como espécie tolerante à sombra,mas a luz acelera o seu crescimento. Korning;Balslev (1994), avaliando 22 espécies arbóreasem floresta tropical na Amazônia (Equador),identificaram cinco espécies com estratégiasemelhante à apresentada pela maçaranduba.Tais espécies eram preferenciais de dossel ousubdossel, tolerantes à sombra, mas respondiamoportunisticamente, em termos de crescimento,a melhorias nas condições luminosas.

Nessa mesma área do presente estudo,Silva et al. (1995) avaliou o comportamento docrescimento de árvores por classe de iluminaçãoda copa aos 13 anos após a exploração e verificouque as árvores que recebiam iluminação totalcresceram mais (0,60 cm/ano) do que asparcialmente sombreadas (0,40 cm/ano) e astotalmente sombreadas (0,30 cm/ano).

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Oliveira (1995) verificou que, em florestasecundária, as árvores totalmente iluminadascresceram 30% mais do que as árvoresparcialmente sombreadas e 60% mais que asárvores totalmente sombreadas.

No município de Paragominas-PA, Silva(1998) monitorou o crescimento de 1841 árvoresem floresta primária e verificou que as árvoresque receberam iluminação total cresceram emmédia 0,55cm/ano, as árvores parcialmentesombreadas cresceram 0,31 cm/ano e aquelasque não receberam iluminação cresceram,apenas, 0,22 cm/ano.

O grau de infestação de cipós nas árvoresafeta diretamente o seu crescimento, pois asárvores da maçaranduba que não tinham cipós nacopa cresceram em média 0,60 cm/ano, 25% a maisdo que aquelas que possuíam cipós na copa (0,45cm/ano), como pode ser observado no Gráfico 3.

Costa (2000), avaliando a mesma área deestudo durante o período de 1992-1997, verificou,para as espécies como um todo, que as árvoressem cipós na copa cresceram em média 0,45 cm/ano, ou seja, 33% a mais do que as árvores comcipós presentes, porém não completamenteinfestadas e 88% a mais que as árvores com ascopas completamente cobertas por cipós.

Gráfico 2 - Crescimento médio anual em diâmetro por grau de iluminação da copa da espécie maçaranduba(Manilkara huberi) durante o período de 1981-1997 em uma área de terra firme na Flona doTapajós, à altura do km 67 da BR 163, Rodovia Santarém-Cuiabá.

Fonte: dados da pesquisa.

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Silva (1998), em estudo realizado nomunicípio de Paragominas-PA, verificou que ocrescimento das árvores sem cipós foi de 0,52cm/ano e das árvores com cipós 0,23cm/ano.Estudos dessa natureza comprovam que grande

incidência de cipós nas copas das árvores afetamo seu crescimento. Nesse caso, recomenda-seaplicar o tratamento sivilcultural de corte de cipósnas árvores severamente afetadas, no intuito deestimular o seu crescimento.

Gráfico 3 - Crescimento médio anual em diâmetro das árvores de maçaranduba(Manilkara huberi) sem cipós (1) e com cipós (2) durante o período1981-1997 em uma área de terra firme na Floresta Nacional do Tapajós.

Fonte: dados da pesquisa.

4 CONCLUSÕES

A exploração ocorrida no passado acelerouas taxas de incremento da espécie, embora, como passar do tempo este efeito foi se dissipandoe, atualmente, as taxas provavelmente tendem aestabilização.

A maçarandubra (Manilkara huberi) é umaespécie tolerante à sombra que para acelerar seucrescimento necessita de iluminação, pois asárvores que receberam iluminação total ou parcial

obtiveram melhores taxas de crescimentocomparativamente aquelas sombreadas.

A infestação de cipós influencianegativamente o crescimento das árvores.Portanto, nas árvores com infestações severas decipós, afetando consideravelmente o seucrescimento, o corte de cipós deve ser realizado,visando beneficiar e acelerar o desenvolvimentodas mesmas.

75Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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77Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

EDUCAÇÃO DO CAMPO E PODER LOCAL NA AMAZÔNIA

Émina Márcia Nery dos Santos*

Orlando Nobre Bezerra de Souza**

Ney Cristina Monteiro de Oliveira***

RESUMO

A discussão sobre gestão em diferentes territórios da existência humana, nos últimos anos,tomou um fôlego espetacular ao incorporar tecnologias organizacionais que têm catalisado as formasde relacionamento social e profissional, qualificando as perspectivas da tomada de decisão emdimensões que envolvem além de agentes públicos, outros setores estruturados da sociedade civil. Osmodelos pouco permeáveis a inovações e a ampliação dos canais de participação perdem força paraproposições que vêm procurando alargar mecanismos de envolvimento de segmentos da população apartir da construção de espaços públicos, por meio de estratégias alternativas que impõem novosdesafios ao espectro democrático atual. O texto procura destacar os desdobramentos emergentesentre o poder local no Brasil e as proposições da educação do campo como política institucionalizada,a partir de uma reflexão teórica que toma por bases as dinâmicas que vêm se materializando emdeterminados municípios paraenses. Na Amazônia, um dado a mais, que justifica a investigação dessasdinâmicas de organização de modelos de gestão na sociedade, é que grande parte dos seus municípiosapresenta características predominantemente rurais, fato que traz implicações que precisam serconsideradas, quando se pretende um atendimento sintonizado com os anseios que segmentos daspopulações camponesas forjam em relação às ações públicas a eles destinados.

Palavras chave: Educação do campo. Educação municipal. Poder local.

* Mestre em Educação e Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo NAEA-UFPA; Professorada UFPA e Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estado e Educação na Amazônia (GESTAMAZON).Belém/PA. E-mail: [email protected]

** Doutor em Educação; Professor da UFPA e Pesquisador do GESTAMAZON. Belém/PA. E-mail: [email protected]*** Doutora em Educação; Professora da UFPA e Pesquisadora do GESTAMAZON. Belém/PA. E-mail: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 78

EDUCATION OF THE FIELD AND LOCAL POWER IN THE AMAZON

ABSTRACT

The discussion about management in different territories of human being existence in recentyears, took a spectacular breath in incorporating technologies of organization which have catalyzedforms of social and professional relationships, characterizing the perspectives of taking decision indimensions that involve public agents and other structural sectors of the civil society. The models lesspermeable to innovations and to the increase of participation canals lose force for proposals whichcome finding to enlarge mechanisms of involvement of population’ segments from building of publicspaces, through some alternative strategies which impose new challenges to the current democraticspecter. The text gives emphasis on emergent development between the local power in Brazil and theproposals of country education as an institutionalized politic, from a theoretical reflection which takes,as the basis, the dynamics that comes materializing in determined paraenses cities. In Amazon, thereis one more fact that justifies the investigation of these dynamics related to the organization ofmanagement models in society is the great part of the cities present a predominant agriculturalcharacteristics, a fact that brings implications which need to be considered, when we intend a syntonizedattendance related to the yearnings that segments of country populations forge in relation to thepublic actions destined for them.

Keywords: Country education. Municipal education. Local power.

79Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a discussão sobregestão em diferentes territórios da existênciahumana, que vão dos domínios familiares maisíntimos e privados às complexas estruturasinstitucionais, tomou um fôlego espetacular aoincorporar tecnologias organizacionais que têmcatalisado as formas de relacionamento social eprofissional, qualificando as perspectivas datomada de decisão em dimensões que envolvemalém dos agentes públicos, outros setoresestruturados da sociedade civil.

Os modelos pouco permeáveis a inovaçõese à ampliação dos canais de participação perdemforça para proposições que vêm procurandoalargar mecanismos de envolvimento dedeterminados segmentos da população a partirda construção de espaços públicos, por meio deestratégias alternativas que impõem novosdesafios ao espectro democrático atual.

Na Amazônia, um dado a mais, justifica ainvestigação dessas dinâmicas de organização demodelos de gestão na sociedade, pois grandeparte dos municípios que compõem seu territórioapresenta características predominantementerurais, fato que traz implicações a seremconsideradas, quando se pretende umatendimento sintonizado com os anseios eexpectativas que amplos segmentos daspopulações camponesas forjam em relação àsações públicas a eles destinados.

Neste contexto, é muito importante seressaltar o papel da educação, em seus aspectosformais, não formais e informais (LIMA, 2004, p.23) no processo de redimensionamento dasrelações de poder que se organizam na escola efora dela, e principalmente nas possibilidades dese dar respostas concretas a essas carênciasatravés de políticas sociais aderentes a umprojeto de desenvolvimento do campo.

O trabalho de re-significar a atuação daeducação para além das tradicionais tarefas decumprir com etapas de escolarização daspopulações do campo, não se traduz empreocupação pontual. Ao se tomar comoreferência as Metas Econômicas e Sociais daDeclaração do Milênio de 2000 da (ONU) quedevem ser atingidas até o ano de 2015 - para os189 países membros no que se refere aoatendimento das complexas exigênciasestabelecidas para um desenvolvimentosustentável, com democracia e justiça, portantoreferenciado socialmente, focaliza a educaçãocomo um dos elementos nucleares a seremtratados na consolidação destes pressupostos.

É com esta intenção e a partir de umalógica emancipatória, que no final da década de1980 o debate sobre educação do campo ganhavisibilidade cada vez maior, tanto pelo esforçode muitos em afirmar direitos pouco atendidosao longo da história brasileira, como, também,por inovações que vêm se afirmando emdinâmicas de gestão local, que buscam construirestratégias de ação vislumbrando umaaproximação mais intensa com as necessidadese aspirações de largos extratos de populaçõesque, ainda, hoje estão impedidas de alcançar ascondições básicas para viver dignamente.

Neste sentido, a reflexão proposta nesteartigo tem o intuito de colocar em discussão asquestões referentes às mediações e osdesdobramentos que estão a emergir entre asexperiências de poder local no Brasil e asproposições da educação do campo como políticainstitucionalizada, permeadas pelas dinâmicas deinterlocução da sociedade civil com os extratosinstitucionalizados do poder público, seja naesfera municipal, seja na esfera estadual,tomando como exemplo de aproximaçãoconcreta as dinâmicas que emergem no território

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 80

amazônico, com destaque para as experiênciasocorridas no Pará, na implementação e gestãode políticas públicas, em especial, as afetas àeducação.

Tais experiências têm como foco de análiseo reconhecimento da construção coletiva depossibilidades de intervenção da sociedade civil,a partir de movimentos sociais presentes nadinâmica de vida do campo, no horizonte deprocessos democráticos que extrapolam aconduta especificamente baseada em estratégiasde democracia representativa, atingindo o quese tem conhecido como democracia substantiva,que “pressupõe a combinação de democraciarepresentativa e participativa, sendo assim, maisampla que uma democracia de procedimentos”(MILANI, 2002) como eixo condutor de novasalternativas de gestão municipal no estado, emseus diferentes âmbitos.

Tal posicionamento teórico exige comoponto de partida, a análise precisa de algumasreferências já sistematizadas, para auxiliar navisibilidade ampliada do fenômeno em questão,e/ou no aumento, de processos socioculturais cujoconteúdo formativo têm ousado ir além dacidadania formal, em busca da qualificação dasexperiências democráticas passando pelasuperação de suas regras abstratas, absolutas euniversais, em busca do reconhecimento deoutras subjetividades, cujas lógicas de identidadeanseiam por novas dimensões de existência,emancipação e reconhecimento através daconsolidação de seu “direito de ter direitos”(DAGNINO, 1994, p. 107).

Estudar processos educativosdesenvolvidos na realidade do campo e suarelação de articulação com o modelo de gestãoe de produção das unidades produtivascamponesas na atualidade adquire importânciasingular em um contexto hegemônico decompetitividade comercial a partir da

internacionalização do mercado, instalada nomundo nas duas últimas décadas.

O desafio maior, nesta mistura de valores,é prover um paradigma de formação daspopulações que estão no campo não somente apartir de dinâmicas que valorizam simplesmenteaspectos como a eficiência, a racionalizaçãoeconômica e a tecnocracia administrativa, masfundamentalmente que reconheça e oportunizea mobilização de outros valores presentes nomodo de vida da matriz camponesa produtivabaseada na unidade familiar rural.

Percebe-se, lentamente, aconstrução de uma nova perspectiva de re-ordenamento das populações camponesas apartir de suas concepções próprias dedesenvolvimento econômico e social,reorganização esta que necessita, dentre outrosfatores, de um aparato institucional capaz deressaltar as dimensões basilares de uma novaestratégia de integração entre homens emulheres com o meio ambiente, com a educação,com a produção, com a cultura, com o poderinstitucionalizado e com o mercado.

Re-significar o complexoorganizacional da educação do campo, a partirdos interesses, costumes, desejos e experiênciasvivenciadas pelos camponeses, mais que utopia,pode ser não o único, mas constitui um aspectoimportante para se pensar políticas públicaseducacionais do campo para um outro caminhodiferente do regulador, transformando silêncioshistóricos e sussurros de segmentos excluídos dosprojetos de desenvolvimento do campo, empreciosos sinais de orientação, como nos dizSantos (2002).

Sendo assim, traduz tarefaimportante o resgate da gênese desta novamentalidade. Por isso, é relevante determinar asbases teóricas sobre o poder local e, assim,

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Uma das primeiras referências maiscontundentes de análise sobre poder local é deLeal (1975), que trata sobre a questão domunicípio e o regime representativo no Brasil1.O eixo de seu texto passa pelo tratamento sobreas relações de poder que se desenvolveram naprimeira República a partir do município. A gênesedo poder local, nesta concepção, é arcaica,conservadora e reacionária.

No decorrer da história brasileira omunicípio, mesmo ocupando um lugar dedestaque na organização institucional eadministrativa, ficou sempre subordinadoeconomicamente ao domínio das oligarquiaslatifundiárias ou subjugado, através dahierarquização de responsabilidades ecompetências, aos estados federados.

Somente na Constituição Federal de 1988(BRASIL, 2005, Art. 18) o município foireconhecido como ente federativo ganhandocapacidade para gerir-se autonomamente emrelação aos demais integrantes do pactofederativo. Isto tem um significado extraordináriopara a configuração de uma estratégia dedescentralização, pelo menos “no plano dasorientações normativas” (LIMA, 2001, p. 50).

A partir do sentido acima aludido surgeuma argumentação inicial sobre a importânciado poder local que é a própria existência de níveisdiferenciados de poder. A interrogação colocadaé calcada na justificativa de haver instânciasdiversas, como o local e o global - o estadonacional, os estados federados e os municípios -

que estão relacionadas a definições territoriais eabarcam um contingente populacional localizadonaquela circunscrição espacial. O fato em si deter presença concreta e duradoura interpõe anecessidade de ter alguma utilidade, casocontrário, sua figura normativa e funcional seriaquestionada o que requereria sua extinção.

Um outro aspecto, que deve ser ventilado,é a concepção de hegemonia subjacente aodebate político-ideológico sobre a dinâmica dasrelações econômicas, sociais, políticas e culturaisvigentes no mundo e, mais especificamente, noPaís. Um dado viés analítico que procura construirinterpretações sobre a sociedade elabora umadada visão que aponta a globalização e osorganismos internacionais como as fontesdefinidoras das ações educacionais, comimposição sobre as diretrizes gerais e específicaspara quaisquer dos horizontes que se queiraencaminhar. O tratamento dado, pelo menos noentendimento mais geral, é monolítico e linearsem as mínimas possibilidades de mudanças oudescontinuidades.

No entanto, os processos em cursocorrespondem a:

Uma luta pela hegemonia que travam atores

socais, políticos, articulados de maneiras

específicas, que defendem diferentes projetos

políticos, isto é, combinações de interesses,

idéias, valores, princípios e programas de ação.

A disputa pela construção democrática é um

processo complexo, desigual e contraditório,

distinto em forma e ritmo em cada nação,

circunscrever as interações em estruturação coma educação do campo a partir de construções deespaços públicos que viabilizem o exercício

democrático participativo dos povos que estãono campo e fazem dele a matriz produtiva ecultural de sua subsistência.

2 INCURSÕES SOBRE AS CONFIGURAÇÕES DE PODER LOCAL

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 82

determinado tanto pelas especificidades

históricas locais, regionais e nacionais, como

pelas condições criadas pela globalização e pela

intervenção de agências multilaterais, redes

internacionais de ONGs e movimentos sociais

alternativos. (DAGNINO; OLVERA; PANFICHI,

2006, p. 7)

A compreensão patente é que naconfiguração da hegemonia os dirigentes buscama direção cultural e ideológica, para alcançar oconsenso que define seus interesses particularescomo interesses gerais de toda a sociedade, nabusca de um consenso ativo, segundo os padrõesde sua direção. Portanto em cena se colocam,classes e frações de classe, grupos e segmentosdiversificados que querem assumir a direção edominação da sociedade e aqueles que estãosubalternizados como dirigidos-dominados.

Se há inconformismo pela não aceitaçãode tal percepção, através do entendimento quea realidade histórica é dinâmica e passível detransformações, o significado é que as posiçõesexistentes podem mudar, o horizonte se alarga ese engendra prenhe de possibilidades.

O que fica interessante, então, de sepensar é sobre o poder local. Um aspectopreliminar é que não é um ente unívoco, quepossa ser encarnado exclusivamente na figurado poder público municipal, a prefeitura, porexemplo. Pensar a partir desta matriz seriareduzi-lo e enquadrá-lo em esquema estreito eformatador de demandas que não podem sertratadas genericamente, dadas suas condiçõessingulares. A partir de outras referências o poderlocal pode ser distinguido de maneira muitomais complexa, para assim, coadunar-se comas orientações que esta reflexão procuraveicular. Sua configuração é difusa, ao seespraiar por variadas matizes, desenhosorganizativos alternativos e diversificadasescalas de poder, que se entrecruzam, se

arranjam, convivem e/ou se opõem, em buscada hegemonia de seu projeto político.

Pelo caráter difuso que se apresenta nãoé um empreendimento analítico de fácilentendimento. Se são grupos diversos,interesses diversos e subjacentes a taismanifestações, concepções diversas, apercepção é dificultada. As vertentes emergemno chão social, pela possibilidade de conivênciacom interesses privados, elitistas e retrógrados,ou então, o poder local difuso assume contornospouco convencionais, se a luta em torno dahegemonia é tendencialmentedemocratizadora.

No horizonte democrático, o poder sehorizontaliza, pois a gestão e a tomada dedecisão são legitimadas pelo atendimento aosanseios da democracia direta. A participação épraticada, através de uma intervenção socialexercida de forma concreta e objetivada, em queos agentes sociais são autores e protagonistas, ea política pública se apropria da experiênciapopular para se consolidar enquanto ação doestado. Os interesses comuns se sobrepõem aosparticulares, sem eliminá-los, o que pode vir a setransfigurar em melhoria da qualidade de vidada maioria das pessoas.

O que deve ser ressaltado é a ascensão depráticas sociais em que o poder é exercido sob aforma de rede, ou seja, articulado em traços enós, para facilitar os fluxos de informação emvárias direções. O que potencializa estratégiasde mobilização e organização da luta social, comclaros desdobramentos em mecanismos de força,e se traduz conseqüentemente em dimensões depoder. Ao que se quer chegar é ao exercício dopoder enquanto capacidade de agir e produzirefeitos que repercutem na tomada de decisãoestabelecida com e para as pessoas e não maissobre elas, onde participação significa tomarpartido de algo.

83Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Um último aspecto de largo alcance é queo poder não é de apropriação única, ele se espraiaem agentes múltiplos, o que é essencial para umanova postura de gestão, ele precisa nutrir-se danegociação, portanto, é fruto da intensidade dodiálogo entre antagônicos, na procura doconsenso que brota da resolução dos conflitos, enão de resignação acomodadora de uns em nomeda sacralização de vontades particulares(SEMERARO, 2002). Se há fragilidade em talcompreensão, é daí que ela tira sua grande forçade transformação, ao levar indivíduos e grupos auma nova inteligibilidade, ao exercício datolerância, a novas interpretações, a reversão depercursos, a novas relações de respeito esolidariedade.

As diferenças são intrínsecas àcomplexidade das situações, encaradas comolegítimas e necessárias, aplicando umatonalidade clara à democracia, como forma geralde existência social, pelo envolvimento dasmaiorias na validez social de seus contornos.

O marco mais importante a ser consideradodas relações que edificam o poder local é ahegemonia, como luta, conflito e contradição, queassume um certo grau de incerteza edesequilíbrio, que permite a feição de itineráriosplurais a serem construídos concretamente apartir da definição das articulações e movimentosdos atores, individuais e coletivos, na cena social,com as pressões da instabilidade que exigeatenção permanente para alimentar e fortaleceras posições alcançadas.

A síntese a apontar é que a existência desituações hegemônicas não descarta que, noplano cotidiano, outros acontecimentos possamser materializados por ações instituintes depessoas, grupos e segmentos dominados que nodesenvolvimento de suas lutas e de suacapacidade organizativa se apresentem,provocando disjunções que levem a cenários

inovadores, superadores das trocas desiguais emtrocas de autoridade partilhada, traduzidas “emlutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, adependência, a desintegração, a despromoção”.(SANTOS, 2002, p. 67).

A alternância nas relações de poder évisualizável, novas hegemonias se formam, porpulsações que frutificam, enquanto indíciossinalizadores de imaginação e inventividade, nasações de cidadãos que “sabem aprender com osofrimento, que diante das dificuldades efrustrações lidam com isso, e com criatividadedescobrem saídas e fazem avanços progressivos”.(MANZINI-COVRE, 2001, p. 157).

A territorialização das coligações feitas nãose limita às circunscrições oficiais e geográficas,elas têm sentidos reais e imaginários, que podemextrapolar quaisquer impedimentos, até por viadas tecnologias disponíveis, de acordo com asinterações e fluxos que se elaboram assentes emrelações face-a-face ou de proximidade.

As potencialidades que podem brotar sãoenormes, elas vêm surgindo no trabalho degoverno municipais, em propostas dedescentralização, orçamento participativo,funcionamento de Conselhos, Cooperativas etc.A diversidade de proposições atesta que há umanova cidadania em construção, que através dediferentes mecanismos está emergindo e semostrando, com fragilidades, contradições, comtenras estruturações, no entanto, com horizonteslargos que estão se alicerçando efetivamente.

É necessário, ao se ampliar à compreensãode poder local que se procurou vislumbrar,estabelecer conexões plausíveis de seremobservadas com a educação do campo no Brasile mais particularmente no Pará, a partir dealgumas vivências construídas nos últimos anos,no meio educacional, para que os horizontes sealarguem e as possibilidades de processos

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 84

A Amazônia, com suas característicasparticulares, é um grande desafio para ahumanidade. A necessidade de melhor conhecê-la e de aproveitar sua biodiversidade natural esocial, negando a lógica expoliativa em nome daemergência de um modo de vida sustentável,impõe esforço individual e coletivo, a partir deinstâncias institucionais e também dos diferentessegmentos não formais da sociedade, em especialaqueles que ocupam territorialmente a região,para que as relações políticas, bem como asformas de gerir o público, assumam orientaçõesvoltadas para a garantia de sobrevivência dignadesses povos. A educação, neste contexto, podecontribuir de maneira significativa para consolidaros rumos inovadores de desenvolvimento socialda região, caso seja compreendida e fortalecidaenquanto prática de formação de pessoas paraalém dos espaços escolares, abrangendo outrasdimensões, como as relações construídas nafamília, associações, sindicatos, organizações nãogovernamentais, comunidades eclesiais e noscontatos com outras pessoas e nas atividadescom a natureza.

Os avanços para esta proposição não têmsido, ao longo de nossa história, tarefa de fácilalcance. Mesmo que os índices recentes atestemque a maioria das crianças e jovens em idadeescolar, no Brasil, estejam matriculados, osobstáculos a serem vencidos situam-se nasentrelinhas das estatísticas.

Encontram-se, portanto, no detalhamentodas limitações enfrentadas historicamente pelosprocessos educativos desenvolvidos no campo,questões que dizem respeito aos diferentes

elementos que envolvem a qualidade dosprocessos de formação, que vão desde a falta deinfra-estrutura dos prédios e das condiçõesmateriais para realizar as ações pedagógicas dasações educacionais do campo, passando porproblemas de valorização e qualificação dosdocentes, por questões relativas à permanênciadas alunas e alunos nas escolas, pela escassezde verbas para dar conta das necessidades dagestão administrativa e pedagógica, até asrotinas e a cultura autoritária que, ainda, definemas relações pessoais e coletivas em torno daambiência escolar.

A compreensão do passado permiteperceber que tais questões ganham amplitudeainda maior ao se observar comparativamente alógica de concepção, organização efuncionamento das escolas localizadas nos meiosurbano e rural.

Nesta dinâmica, o rural sempre foi vistocomo o lugar que não precisa de grandesinvestimentos, pois para trabalhar a terra, cuidarde animais, pescar, tirar os produtos da floresta,não há necessidade de se mobilizar nem muitoconhecimento nem muito investimento.

Sendo assim, a educação a ser dada nãorequer muita preparação, recursos, nem muitaqualidade e atenção. Predomina então acompreensão mais geral de oferecer umaeducação pobre para os pobres do campo.

Já a matriz urbana, sempre foco central dosprojetos de desenvolvimento para as diversasregiões do Brasil, constitui instância prioritária

inovadores de gestão regional e local, nosmunicípios amazônicos, possam ser mais bem

enxergados e referências e indicadores dedemocratização tornem-se mais visíveis.

3 FRAGMENTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL E NO PARÁ

85Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

na política de investimentos públicos emeducação, considerando que, de acordo com estamentalidade ainda hegemonizada na maioria dosprojetos educacionais oficiais, residem as maiorescomplexidades formativas demandadas para aorganização e funcionamento das dinâmicas queaí têm se instalado ao longo dos anos.

Ao olhar a história do Pará, por volta de1850, encontra-se um fato marcante, que por fimacabou sendo seminal na configuração dos rumosda educação rural na região. Faz-se referência auma situação em que mais de 35.000 homensperderam suas vidas nas lutas da Cabanagem(1833-1835), o que deixou uma sociedadearrasada, com núcleos familiares destruídos,gerando como conseqüência imediata a falta demão de obra para o trabalho e um conjuntoexpressivo de pessoas marginalizadas emsituação de grande dificuldade para sobreviver.

A partir deste cenário um dos primeirosprojetos para recuperar a economia foi propor aconstrução e o funcionamento de escolas deaprendizes para agregar os órfãos, os desvalidos,os abandonados, os vagabundos, tanto para dara eles uma formação ocupacional, como paraformar mão-de-obra para as tarefas urgentes dealavancar uma economia em estágio crítico.

A lógica que permeou a concepção deeducação para os espaços do campo nas décadasposteriores não sofreu grandes mudanças, tantopela reduzida importância que os processoseducativos representavam para os poderesoficiais, como também pelo pouco entendimentoque os trabalhadores e trabalhadoras tinhamsobre a educação na luta pela terra e porcondições de trabalho e vida. A educação visavaformar para o trabalho penoso e alienado.

Mais adiante, já no século XXespecificamente na década de 1980, com areorganização autônoma e independente da

classe trabalhadora frente ao Estado, emergemimportantes mudanças na própria compreensãodas trabalhadoras e trabalhadores do campo emrelação às especificidades da produçãocamponesa e da necessidade de sua qualificaçãopara o trabalho e para a vida em sociedade. Comeste intuito, experiências significativas começama florescer e se estruturar no estado do Pará,dentro de um movimento nacional, que propõeinovações para a educação no campo.

Na década seguinte, as proposiçõespolíticas são sistematizadas em torno daorganização do movimento de educação docampo que se articula a partir de pressupostosalternativos para a formação camponesa. Aprimeira seria a própria denominação daarticulação nacional criada, que passa a serchamada de Educação do Campo, comoreferência político-pedagógica estruturada apartir dos modos de vida dos segmentos quehabitam no campo, incorporando suacompreensão ideológica, suas lutas, suasnecessidades, seu horizonte cultural e político-social. É uma nova dinâmica que se faz pelaelaboração cotidiana da identidade dos povos docampo, em que buscam, ao mesmo tempo, adiferenciação, o auto-reconhecimento e avalorização pelos mais diversos atores com queos povos do campo se relacionam.

Uma segunda proposição seria aconsolidação das experiências políticas queestão se estruturando no sentido de vivenciartais inovações e dar concretude política às suasintervenções a partir de modelos de gestãodemocráticos. Neste sentido, o desafio seconsubstancia na necessidade de ultrapassar acomoção social, a certeza da necessidade de seter o direito, e busca avançar em torno dapositivação desta carência no complexolegislativo que oficializa as políticaseducacionais nas esferas nacional, estadual emunicipal.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 86

A afirmação institucional do direitoenquanto garantia da política pública constituiua terceira proposição, afinal as iniciativasanteriores brotavam mais dos movimentossociais, das instituições e entidades de apoio eassessoria, não ligadas, na maioria, ao aparatooficial, permanecendo em circunstâncias nãoformais, o que acaba se constituindo ainda nosdias de hoje em enorme dificuldade a sersuperada, pois a publicização desses avanços émuito tímida.

A consolidação de uma matriz de formaçãoemancipatória dos docentes que estão no campoe nele configuram sua ação, como contrapontode um outro paradigma formativo voltadoexclusivamente para o processo de escolarização- compreendendo a aquisição dos elementosfundamentais da leitura, da escrita, damatemática, das ciências e dos aspectos formaisda cidadania - que é uma característica presentenos cursos de formação de educadores eeducadoras, deve ser encarada como a quartaproposição de efetiva mudança para queefetivamente se consolidem processos deeducação inicial e continuada que relacionem osaspectos formais do currículo, das práticasdidático-pedagógicas, da memória, da resistência,da militância, da identidade, enfim, das relaçõessociais e culturais, aos marcos fundamentais deorganização e das lutas dos amplos segmentosdos povos do campo.

A quinta e última proposição diz respeitoà luta pela reforma agrária e pela efetiva garantiadas condições básicas de trabalho e vida daspessoas que vivem no campo. O esforço por umaeducação de qualidade, pela consolidação doaparato de ciência e tecnologia e oreconhecimento institucional de uma nova matrizformativa, pouco prosperará se os elementosfundamentais para assegurar a dignidade daspessoas do campo não estiverem assegurados.Por isso educação e desenvolvimento social são

faces da mesma moeda, já que os fatos sobre aviolência do campo sobre os trabalhadores etrabalhadoras e seus apoiadores, a impunidade,o trabalho escravo de homens, mulheres ecrianças, a exploração infantil e de adolescentesno trabalho penoso, na prostituição e nasubmissão a condições degradantes devem sersuperadas com a articulação dos diferentessetores da sociedade no horizonte de umademocracia concreta.

Todos estes aspectos mencionados vêmpassando por diversos debates e discussões. Omarco de gênese e referência mais visível é o IEncontro Nacional de Educadores e Educadorasda Reforma Agrária (I ENERA), realizado em julhode 1997, em Brasília. A ampliação de tal processoé a realização da 1ª Conferência Nacional Poruma Educação Básica do Campo (27 a 31 de julhode 1998, Luziânia-GO), que desencadeia umvolume de denúncias, discussões, estudos, epesquisas nacionais, o que gerou a ampliação earticulação entre experiências para a área.

Ainda com relação a esta conjuntura, emabril de 1998 o governo federal, através do entãoMinistério Extraordinário de Política Fundiária,hoje Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA), cria o Programa Nacional de Educaçãopara a Reforma Agrária (PRONERA) visandofortalecer programas de educação nosassentamentos rurais. O programa, desde então,vem financiando projetos formativos emdiferentes níveis e modalidades, colaborando comuma nova perspectiva educativa no campo.

Mais recentemente, em 2003, o processotoma forte impulso com a aprovação dasDiretrizes Operacionais para a Educação Básicanas Escolas do Campo, através da resolução doConselho Nacional de Educação em sua Câmarade Educação Básica (Resolução nº 1, de 03/04/2002). Com a finalidade de implementá-las oMinistério da Educação (MEC), constituiu o Grupo

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Permanente de Trabalho, disposto na Portaria n.1.374, de 03/07/2003. Em 2004, realiza-se a 2ªConferência Nacional Por uma Educação doCampo (2 a 6 de agosto de 2004, Luziânia-GO),com o tema “Por uma Política Pública deEducação no Campo”, com um fecundo momentode diálogos considerando o significativo volumede realizações em todos os níveis da educaçãocamponesa.

No estado do Pará, a caminhada vem doinício dos anos 1990, quando se instalam asprimeiras experiências de Pedagogia daAlternância, 1995 em Medicilândia, como a CasaFamiliar Rural (CFR) e 1996 em Marabá, como aEscola Família Agrícola (EFA). A organização doMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terrano Pará (MST), a partir de 1994, impulsiona,também, os processos educativos dimensionadospela mesma lógica.

A conjugação de diferentes estratégias, queemergem pelo aprofundamento da compreensãodos trabalhadores e trabalhadoras rurais sobre aimportância da educação enquanto direitopúblico, a existência de projetos de Lei naAssembléia Legislativa do Estado e em CâmarasMunicipais, os projetos educativos emassentamentos, as experiências de Pedagogia daAlternância, as propostas educativas de algumasPrefeituras paraenses, os projetos educacionaisdesenvolvidos por Organizações nãoGovernamentais (ONGS), cooperativas detécnicos em diversos locais do estado, os cursosde graduação, pós-graduação, extensãopromovidos pelas Universidades, os projetos depesquisa, artigos, textos, as mudanças nasdireções dos órgãos federais ligados às questõesdo campo que passam a ser ocupadas porpessoas comprometidas com a defesa dosprincípios da agricultura familiar, aimplementação de projetos pelo PRONERA noestado, além de inúmeras outras iniciativas,pessoais e coletivas, em andamento, criam as

condições para a edificação de proposiçõesconsistentes em Educação no Campo no contextoparaense.

Surge, então, a necessidade de promoverarticulação entre instituições governamentais,universidades e institutos de pesquisa,movimentos sociais, pastorais das diferentesconfissões religiosas, movimentos sindicais,ONGS, entidades de ribeirinhos, pescadores,negros e quilombolas, indígenas, sem-terra,posseiros, mulheres, expulsos por barragensassim como os empreendimentosgovernamentais e empresariais, entre outrossegmentos interessados e envolvidos nas lutasdo campo, para constituírem um Fórum dedebates e de proposição para a formulação depolíticas públicas para o campo, incorporando asreivindicações históricas desses segmentossociais.

O Fórum Paraense de Educação do Campoe Desenvolvimento Rural, neste sentido, procuraser um espaço para discutir proposições, trocarexperiências e influir na tomada de decisão, emtorno de posições que tenham plena condiçãode serem pactuadas, com esforço deconsensualidade, para orientar a ação dosdiversos atores envolvidos, superando asdificuldades, a dispersão e sobreposição deatividades.

A materialização de tal visão pode serobservada na organização do I Seminário deEducação do Campo e Desenvolvimento Rural naAmazônia2, realizado em Belém (PA), no períodode 18 a 20 de fevereiro de 2004, na UniversidadeFederal Rural da Amazônia (UFRA), que finalizacom a divulgação da Carta de Belém propondoum esforço em torno da elaboração eimplementação de políticas públicas emeducação comprometidas com odesenvolvimento do campo e a inclusão social,exige a construção de um projeto político-

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Em uma conjuntura complexa, o que vemchamando a atenção é o horizonte dos rumos daeducação do campo em meio a um conjunto deexpressões educativas que emergem desde oplano oficial, em suas diferentes instâncias, atéas inúmeras manifestações que brotam demovimentos sociais, segmentos culturais e grupossociais não homogêneos.

Tais expressões estão em um contextoonde a educação municipal oficial responde porcerca de 73,31% do total de matrículas no ensinofundamental, no Pará (BRASIL, 2004), o quedeveria incentivar a procura de referências quepudessem apontar caminhos alternativos paraoferecer uma educação de qualidade esocialmente referenciada.

A interrogação latente é se as propostas,até então executadas no seio dos movimentossociais, podem propugnar a edificação deproposições alternativas com capacidade deserem ampliadas para as redes de ensinomunicipais. Se a resposta for afirmativa, e o é, aquestão então se coloca em patamarfundamental, afinal as experiências educativasque brotam dos movimentos sociais têm comoum de seus pressupostos o processo deorganização e luta em favor da dignidade de vida

de amplos segmentos da sociedade, o quepoderia ser potencializado pela oferta deeducação pública de alta significação, no sentidoda formação humana.

As confluências entre as experiências dosmovimentos sociais mostram-se, sob a óticainstitucional, pequenas e frágeis, no entanto comenorme potencial emancipatório, diante dosdesafios da educação municipal que, ainda,enquanto política educacional é poucoestruturada, carente de organicidade, eivada deproblemas de infra-estrutura deficiente, currículosdefasados e sem sintonia com o contexto local,com formação inicial e continuada de professoresextremamente precária e funcionando sob a basede políticas erráticas, pontuais e desarticuladas.

Se uma dada matriz política vislumbrar taispossibilidades é possível alcançar dinâmicaspositivas. Pelo lado dos movimentos sociais, asorganizações ganhariam visibilidade pública eamplificariam seu leque de lutas, fortalecendosuas proposições em diversos âmbitos, emespecial na educação. Por outro lado, ascomunidades locais municipais poderiam ter umarco de referências para auxiliar na elaboração econsolidação de medidas e ações educativasinovadoras.

pedagógico para as escolas do campo, apóia ereconhece as experiências efetivadas e defendeuma educação entendida como instrumento quepossibilitasse a emancipação humana e atransformação social.

O debate continuou e a realização do IISeminário de Educação do Campo eDesenvolvimento Rural na Amazônia, realizado,também, em Belém (PA), no Seminário Pio X, em

2006, surgiu em uma conjuntura favorável aoestabelecimento de diretrizes que apontassem oshorizontes da educação do campo no estado,além de pautar as discussões que orientassem oplanejamento, a execução e os mecanismos deavaliação de propostas em efetivação ou quevenham a ser efetivadas incorporando, portanto,os anseios, expectativas de expressivossegmentos para proporcionar a todos condiçõesde vida mais dignas.

4 PODER LOCAL E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: MEDIAÇÕES E POSSIBILIDADES

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O poder local ganharia um sentido distintoem vista de uma potencialidade democratizadora.Se tomado a partir de uma compreensãotransparente, dialógica e participativa, o poderlocal adquire uma envergadura aberta e arejada.

O fulcro de todo este processo, já pode servislumbrado em algumas administraçõesmunicipais, que começam a se dar conta de suasresponsabilidades e buscam o diálogo comdiferentes esferas, tanto oficiais, quanto dasociedade civil.

As políticas públicas que passam a vigorar,e aqui o enfoque são aquelas relacionadas coma educação, devem adquirir um espectro maislargo pelo comprometimento que têm emformular e definir soluções sustentáveis, queprocurem forjar resoluções duradouras eefetivamente sintonizadas com os anseios,necessidades e aspirações dos segmentos sociaissubalternizados. As pessoas têm voz, sãoescutadas, porque reivindicam, exigem,demarcam seus campos de direitos.

A caminhada é longa e difícil, no entantoo horizonte vislumbrado é propositivo eencharcado de elementos que insistem emapontar desdobramentos teóricos e práticos quepodem estabelecer as bases sólidas para um saltode qualidade na educação do campo alargada,que não fica só nos assentamentos, nos CentrosFamiliares de Formação por Alternância (CEFFAS),e nas experiências de grupos sociais específicos,mas sim se espraie nas diferentes redes de ensinomunicipais e forme cidadãos e cidadãscomprometidos com o mundo.

A ocupação dos governos municipais porparte de grupos progressistas que na verdadeforam formados, em sua maioria a partir doenvolvimento de seus agentes em movimentospopulares, sindicais e eclesiais, principalmente daIgreja Católica, tornou-se possível a formulação

de propostas que têm impactado na(re)estruturação de ações de planejamento egestão que estão relacionadas à criação dosSistemas Municipais de Educação (SME), comoestratégia para organizar e orientar os rumos daspolíticas educacionais de âmbito local.

Na edificação dos referidos sistemas aexigência legal determina a necessidade de existiro Conselho Municipal de Educação (CME) e asorientações mais avançadas recomendam aconstrução do Plano Municipal de Educação(PME), o que tem incentivado uma dinâmica dericas conseqüências em municípios paraenses deperfil agrário e rural, pela base econômica emprodutos de origem na agricultura e noextrativismo de bens naturais da florestaamazônica, com a maior parte da populaçãoresidindo no campo, o que reduz a importânciade seus aglomerados urbanos.

Em alguns municípios com essascaracterísticas, a educação do campo seapresenta com responsabilidade de grandeenvergadura, pois tem influenciado nas diversaselaborações que estão sendo feitas paraestruturar os órgãos municipais, desde a redaçãode suas normas de funcionamento, passando pelacomposição de seus membros com arepresentação democrática de diversossegmentos da sociedade local, até a definiçãodas diretrizes, objetivos e metas que o SME devealcançar.

Os agentes que fazem parte dasexperiências educativas que se realizam nosassentamentos, nos CEFFAS e em outrosespaços de formação, criados e mantidos porentidades sindicais, populares ou ONGs, têmauxiliado de maneira muito específica epositiva nos encaminhamentos propostos, aodiscutir e indicar ações didático-pedagógicase em perspectiva mais ampla, com base emseus contextos e vivências no meio escolar e

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no seio de suas comunidades, o que geramarcos para as políticas educacionais nosmunicípios e fortalece igualmente asexperiências das entidades e associaçõeslocais.

Nas instâncias do Governo Federal, asdiscussões com o MDA, por meio do PRONERA eda Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT)e do MEC através da Coordenação Geral deEducação do Campo, têm se pautado em umarelação de apoio muito importante para aconsecução e ampliação das estratégias defortalecimento da Educação do Campo no país.Para se ter uma idéia da envergadura de talempreendimento o montante de recursosaportados pelo PRONERA para projetosaprovados em 2004 e 2005 para a UniversidadeFederal do Pará (UFPA) foi de aproximadamenteR$ 11 milhões o que é substancial para aexecução de atividades de formação destesegmento da população da região.

Por outro lado, alguns seminários temáticosforam realizados nos estados brasileiros duranteo ano de 2005: o Encontro de Pesquisadores emEducação do Campo, em Brasília, de 19 a 22 desetembro de 2005 e as proposições que o GrupoPermanente de Trabalho de Educação do Camposistematizou para incorporar mudanças ao PlanoNacional de Educação (PNE), oferecem umavisualização afirmativa da disposição emconcretizar encaminhamentos de consolidaçãodas experiências na área.

As reflexões dos alunos e alunas do Cursode Pedagogia da Terra realizado com verba doPRONERA pela UFPA, encerrado em 2005,intensificam o arcabouço de elaboração de umquadro histórico e teórico da região, o que vemadicionando dimensões fundamentais para osesforços das práticas educativas detrabalhadores, trabalhadoras, docentes, alunos ealunas, pesquisadores, lideranças e pessoasenvolvidas com a temática.

5 EM BUSCA DE APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS

Nos últimos cinco anos os contatos, asdiscussões, os debates e as reflexões que têmsurgido em torno da temática da Educação doCampo apontam, para muitos desafios. As raízeshistóricas do autoritarismo, do mandonismo e doclientelismo são marcas indeléveis na formaçãodo País, com forte influência no processo deconstituição de qualquer experiência social quese queira implementar. As próprias proposiçõesem efetivação não estão imunes a riscos dedegeneração por posturas, compreensões epráticas, que demonstram situações deisolamento, submissão, subordinação e exclusão,que precisam ser pensados, discutidos, refletidose superados.

O esforço histórico de superação de taisraízes exige investimentos pessoais e coletivosde alta monta, além de compreensão e vontadepara perceber com acuidade e determinação osobstáculos e caminhos a serem percorridos paraque novos horizontes vicejem e possibilidades seestabeleçam. Se os índices sociais teimampermanecer em patamares negativos, os atoresem contexto não estão parados e paralisados,muito pelo contrário, a dinâmica que vememergindo, mesmo lentamente, é de um vigorque começa a chamar a atenção e acima de tudotornar-se referência para que redes deconhecimentos e de práticas emancipatórias sealicercem na construção de espaços públicos de

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participação popular na proposição de políticaspúblicas educacionais do campo.

A relação entre o poder local e asexperiências de educação do campo começam aganhar forma através de mediações entrePrefeituras, Secretarias Municipais de Educação(SEMEDs), instituições governamentais e ONGs,entidades públicas e da sociedade civil e osmovimentos que vêm realizando atividadeseducativas formais e/ou não-formais, comproposições de gestão participativa e curricularesque fogem das matrizes mais corriqueiras, usuaise oficiosas, compondo propostas mais sintonizadascom a realidade local e as relações que forjam comperspectivas mais amplas, mais globais.

O debate sobre tempos, espaços econcepções pedagógicas que se nutre de taismediações tem provocado em todos os

envolvidos um profundo sentimento de inovaçãoe compromisso com a consolidação das vivênciasque têm passado ou vêm passando, o que nãodeixa de ser motivador para que outrosenxerguem um campo de possibilidades rico emalternativas democratizadoras.

A ousadia é o sentimento mais importantepara se galgar os passos que devem serpercorridos nos próximos momentos, tanto pelanecessidade de produzir respostas concretas atantos anos de emperramentos e dificuldadespara que a população empobrecida, em seuslargos extratos, alcance patamares de bem estar,quanto pela urgente e imperiosa perspectiva quese esboça de se estabelecer um projeto educativodemocrático, amplo, sustentável e de qualidadesocialmente referenciada capaz de potencializarnovas formas de desenvolvimento social, nasdiferentes escalas de poder.

NOTAS

1 A primeira edição data de 1949, sob a responsabilidade

da Revista Forense, que figurava como impressora.

2 Vale, a nosso ver, uma interpretação mais detida do

Seminário como um todo. Apesar de sua importância

enquanto espaço de mobilização, as discussões em

grupos de trabalho foram curtas e, portanto, insuficientes.

É preciso se ter clareza para os próximos momentos que

se deve dar vazão ao debate e os diálogos que precisam

fluir entre participantes para a consolidação de redes de

relações, sustentáveis e com potencial de gerar

desdobramentos significativos.

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EVOLUÇÃO E SELEÇÃO CULTURAL NA AMAZÔNIA NEOTROPICAL

Marcos Pereira Magalhães*

RESUMO

Inventário botânico realizado nos platôs da Floresta Nacional Saracá-Taqüera (FLONA Saracá-Taqüera), na margem direita do rio Trombetas e na Reserva Biológica do rio Trombetas (REBIL-Trombetas), na sua margem esquerda, localizados em Porto Trombetas (município de Oriximiná/PA),revelaram insuspeitas ações antropogênicas sobre a formação das paisagens florestais locais. Essaspaisagens constituem verdadeiros cenários construídos ao longo de centenas de anos. Constatadas,também, em outras regiões da Amazônia continental, essas evidências confirmam que parte do quese vê hoje como floresta “primária” é, certamente, paisagem e/ou artefato cultural. Com isto pode-seafirmar que a domesticação de plantas pode resultar na construção cenográfica de paisagens atravésda seleção coletiva de espécies e que essa seleção cultural pode ter sido um fator importante nadefinição dos processos evolutivos regionais.

Palavras-chave: Evolução - Teoria. Cultura. Arqueologia. Floresta neotropical.

EVOLUTION AND CULTURAL SELECTION IN AMAZON NEOTROPICAL

ABSTRACT

Botanical inventory accomplished in the platôs of the National Forest Saracá-Taqüera (FLONASaracá-Taqüera), in the right margin of the river Trombetas and in the Biological Reservation of theriver Trombetas (REBIL-Trombetas), in its left margin, located in Porto Trombetas (Municipal district ofOriximiná/PA), they revealed unsuspicious actions antropogênicas about the formation of the localforest landscapes. Those landscapes constitute true sceneries built along hundreds of years. Also verifiedin another areas of Amazônia, those evidences confirm that leaves than he/she sees him today asprimary “forest “ it is, certainly, landscape e/ou cultural engine. With this it can be affirmed that thedomesticação of plants can result in the construction cenográfica of landscapes through the collectiveselection of species and that that cultural selection can have been an important factor in the definitionof the regional evolutionary processes.

Keywords: Evolution – Theory. Culture. Archaeology. Neotropical forest.

* Doutor em História Social; Arqueólogo - Pesquisador da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense EmílioGoeldi (MPEG). Belém/PA. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Pode-se constatar, na história da ciência, odesenvolvimento, a ascensão e também a quedade conceitos e teorias que, em princípio, pareciaminquestionáveis. No entanto, quando trata-se dahistória contemporânea da ciência, essa percepçãose torna muito mais difícil, principalmente, porhaver a possibilidade de estarmos muitoenvolvidos, ideológica ou intelectualmente, comseus preceitos e parâmetros. Safamo-nos disto,parcialmente, quanto tratamos de grandes teorias,que envolvem diversos modelos de pensamento eou explicam uma grande variedade de fenômenos.Nestes casos, a história da ciência deixa de seruma mera narrativa e passa a ser a própriaprodução científica. Procedimento este que, porsua vez, não garante, necessariamente, aconservação da teoria em questão. Esta parece seruma das peculiaridades da história contemporâneada ciência: a interferência da narrativa históricana construção da própria teoria que se apresenta.Este texto tratará justamente da históriacontemporânea de uma das teorias maisconsistentes da ciência: a evolução. E o farábaseado em dados que estão sendo reunidos empesquisas atuais, cujas explicações possíveisapresentam aspectos que permitem contribuir coma continuação da jornada da teoria evolucionária.

Na história da ciência, antes de 1900, apalavra evolução, que provém do Latim evolutio,significando “desabrochamento”, referia-se àevolução meta-dirigida, processos pré-programados como desenvolvimento embriológico.Uma tarefa pré-programada, como uma manobramilitar, ou um desfile de escola de samba, segundoesta definição, podia ser considerada uma“evolução”. Somente no século XIX evolução passaa ser identificada com melhoria. Entretanto estaidéia, que se contrapunha a de que os seres vivosforam criados e permaneciam iguais e imutáveis,foi sendo elaborada desde o despertar doIluminismo e da eclosão da Revolução Francesa.

Para os pensadores europeus, de então, se tornaraclaro que as sociedades humanas haviam evoluído.Além disto, é nesta mesma ocasião que muitaspessoas passam a dizer o mesmo sobre a evoluçãobiológica das espécies. Daí em diante há todo umprocesso de revolução científica, alavancado pelasidéias transformacionistas decorrentes dos avançosda física, da astronomia e principalmente, dageologia. No entanto, a maioria das idéias sobre aevolução das espécies, antes de Darwin, como porexemplo, as idéias de Lamarck, interpretavamigualmente as mudanças biológicas como umamelhoria.

A partir de Darwin, porém, além da palavra“evolução” significar seleção natural; não implicarem qualquer forma de melhoria “absoluta”, rumoa uma perfeição ideal; ser o mero resultado doacúmulo de características hereditárias vantajosasao longo do tempo, em seus respectivosambientes; também passa a indicar a teoriacientífica de como este processo de organismossubstituindo organismos ocorreu. Assim,“evolução” não é, necessariamente, um fatoobservável, mas um modelo científico que procuraexplicar o fato evolução. Neste sentido, ao longodos anos, os processos evolucionários vêm sendointerpretados segundo a evolução do própriopensamento científico. No século XX, quando sãofeitas interpretações sobre as mudanças sociais ehistóricas, tanto a ciência quanto a política seentrelaçam e apontam, de forma dramática, oslimites de uma teoria frente aos fatos. E se emprincípio defendiam a interferência humana sobrea seleção natural, na busca do aperfeiçoamento edo progresso constantes, na virada para a segundametade do século a maioria dos cientistas efilósofos passa a rejeitar a estrita definição demudança social e cultural como melhoria.

Hoje, em grande parte das vezes, quandoum cientista fala de “evolução”, ele está falando

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sobre o modelo processual, atualmente aceito,através do qual os organismos vêm se modificadoao longo do tempo, e não sobre a existência ouinexistência de tal mudança por si mesma. Assim,a partir dos anos de 1970, duas novas bemsucedidas teorias vêm complementar a teoria daevolução darwiniana tradicional. A primeira éconhecida por “equilíbrio pontuado”, e foiestabelecida por Stephen Gould e Niles Eldredgeno início da década. A teoria darwiniana originalconsidera que o aumento de mudanças que produzuma espécie nova ocorre por toda a populaçãodas espécies “parentais”, e que a populaçãocompleta só é substituída por uma nova espéciegradualmente, em um cenário conhecidotecnicamente como “especiação simpatrica”(simpatrico significa “existência de duas ou maispopulações numa mesma região geográfica”). Em1972, Gould e Eldredge propuseram que a maioriadas especiações ocorreu não na população inteirada espécie parental, mas dentro de um grupopequeno, isolado geograficamente dela. Após estatransição isolada, para uma nova espécie tomarlugar, ela se move para fora da área de sua origem,substituindo as espécies mais antigas por todo seuhábitat. Este cenário é conhecido como“especiação alopatrica”, que significa“proveniente de outro lugar”.

Gould e Eldredge afirmaram que um modoalopatrico de especiação, no qual a transiçãoevolucionária de uma espécie para outra tem lugarsomente em uma área geográfica isolada e por umperíodo relativamente curto de tempo,necessariamente, limitaria o número dos fósseisintermediários que poderiam ser encontrados pelospaleontólogos. Fato estabelecido porque essaspopulações intermediárias seriam extremamentelimitadas tanto no espaço como no tempo e nãoseriam encontradas a menos que fossempreservadas como fósseis (por si mesmo umaocorrência rara) e também a menos que um caçadorde fósseis descobrisse por acaso a área específicaonde uma transição tivesse ocorrido (GOULD, 2002).

A outra teoria é chamada de “derivagenética”, “neutralismo” ou “evolução nãoadaptativa”. Na visão darwiniana, todas ascaracterísticas de um organismo resultam daseleção natural, que continuamente se livra dasvariações inadequadas e seleciona as adequadaspara serem conservadas na próxima geração.Entretanto, ao menos em alguns momentos, apresença de uma característica genética particularpode ser somente o resultado de uma mudança.Em uma população pequena na qual uma porçãodos membros são possuidores de umacaracterística e uma porção é possuidora de outra,é possível, por um conjunto de circunstânciasacidentais tais como uma doença ou um desastrenatural, aniquilar todos os possuidores de umadessas características, restando somente a daoutra. Assim, essa característica seria conservadanão através da seleção natural, mas unicamentedevido a circunstâncias fortuitas. Isto éfreqüentemente referido como “sobrevivência domais afortunado”. Segundo esta teoria, tambémparece haver um grande número de característicasque são iguais em sua “aptidão”, nenhuma delas,com isto, possuidora de qualquer vantagem deseleção sobre as outras. Desta maneira, essascaracterísticas são referidas como “neutras” - ousão selecionadas a favor ou selecionadas contra,e a proporção de uma característica para outranuma população poderia mudar, casualmente,através de métodos puramente estatísticos.

Percebe-se, daí, que desde o século XIX, como sucesso científico da explicação evolucionáriada vida, não se pode dizer que exista uma única“teoria da evolução” – existem, na verdade,diversas teorias. Apesar de, atualmente, havermuito debate científico em torno da freqüênciarelativa e importância de cada um dos modos deespeciação, nenhum desses debates se preocupacom a existência ou a inexistência atual damudança evolucionária. Afora isso,inesperadamente, as teorias evolucionáriasprogrediram lentamente, em especial por conta

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do sucesso das explicações genéticas e daassociação da evolução com idéias racistas, sósuperadas no último quartel do século XX.

Assim, somente quando a genética seesgota na explicação das mudanças vitais, nosúltimos anos do século XX e os evolucionistasrecuperam a pureza das idéias darwinianas, é quea teoria evolucionária volta a assumir seu lugarna história da ciência. Situação, como vista, queocorre, apenas, a partir da década de 1970. Talvezpor conta dos percalços enfrentados pela teoriaevolucionária no passado recente é que naperspectiva da maioria dos cientistas, não seafirme mais que a história (tanto humana comobiológica) é inevitavelmente “progressiva”,movendo-se inexoravelmente do “bom” para o“melhor”, ou tampouco que a história move-sedo “menos complexo” para o “mais complexo”.Por outro lado, complementando tal perspectiva,parece haver consenso de que o processo daevolução é totalmente ad hoc e sem direção.

No entanto, estudos mais recentes,geralmente relacionados à química, à meteorologia,mas também à ecologia, à informação e àeconomia, têm atenuado a idéia de casualidade eda aleatoriedade da estatística, afirmando que naslongas séries de acontecimentos, ou nos grandessistemas há uma passagem da incerteza à “quase-certeza” (RUELLE, 1993; YUNES, 1995). Ou seja,ainda que ocorra o acaso, os processosevolucionários podem ser descritos em termos decriação e de transmissão de mensagens genéticas,de modo que a própria casualidade é restringidapelas condições específicas do organismo. Assim,ao longo do tempo, os acontecimentos não estãosujeitos a uma casualidade absoluta, mas apossibilidades imanentes, que o acaso, ou melhor,as condições iniciais, favoreceram em detrimentode outras. Portanto, ainda que não se possa predizê-la, a vida tem direção e essa direção tem sentido einformação. Mas qual direção? Os mesmos estudosindicam haver uma descrição evolucionária

associada à entropia, que segue a linha do tempopassado, presente, futuro; por conseguinte, oprogresso não só seria possível, como seria inerente(PRIGOGINE, 1996).

Por outro lado, estudos com sistemascomplexos dinâmicos afirmam que em sistemascompostos de vários subsistemas, como nossistemas vivos, além deles evoluírem juntos, há maispossibilidades de se ter uma evolução temporalcomplicada do que uma simples (que estaria restritaaos estados estacionários). E ainda, por estarememersos em condições probabilísticas globais(conjunto de subsistemas dinâmicos relacionadosa determinado conjunto meio-biótico), asconfigurações que satisfizerem a essa condiçãoglobal terão, habitualmente, um conjunto decaracteres probabilistas que distinguirá essasconfigurações de maneira única, de todos os demaissistemas relacionados a outros meio-bióticos. Comisto, pode-se dizer que a condição global futura,não é, forçosamente dada, mas é construída pelodevir. Não é o que está determinado, mas o que épossível vir a ser pelo o que está sendo.

Por tudo isto, compreende-se que a questãoevolucionária é, ela mesma, sujeita à evolução dopensamento científico. A evolução evolui; seuspróprios processos evoluem. Mas a evolução evoluipor conta da evolução de nossa própria percepçãoda natureza. Assim, dizer que os processosevolutivos se configuram de um jeito e não de outro,é resultado do modo como a natureza está sendopercebida e do modo como esta percepção descrevea história da ciência. Como o tempo não pára, hojejá é possível elaborar uma teoria evolucionária queaponta outros caminhos, diferentes daquelesapontados pelas idéias da evolução clássica.

Este texto tem a intenção de desenvolver aidéia de que na matéria animada há processosevolucionários conectivos, que são coletivos eprovidos de planos e sentidos. Portanto, trata-se dodesenvolvimento de uma teoria baseada na história

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2 DAS EVIDÊNCIAS

Inventário botânico realizado nos platôs daFloresta Nacional Saracá-Taqüera (FLONA Saracá-Taqüera), na margem direita do rio Trombetas e naReserva Biológica do rio Trombetas (REBIO-Trombetas), na sua margem esquerda, localizadosem Porto Trombetas (município de Oriximiná/PA),revelaram insuspeitas ações antropogênicas sobrea formação das paisagens florestais locais. Essaspaisagens constituem verdadeiros cenários,construídos ao longo de centenas de anos. Muitoprovavelmente, a origem centenária desses cenáriosteve início com indígenas nativos, antes daformação da sociedade brasileira e da colonizaçãoportuguesa. As evidências são concentrações decastanhais com espécimes (Bertholletia excelsa)alinhados, associados ao cacauí (Theobromaspeciosum), e cujas árvores mais antigas alcançammais de 500 anos de idade (SALOMÃO, 2002). Asevidências, também, se revelam naheterogeneidade de plantas úteis associadas(comestíveis, medicinais, ritualísticas e paramanufaturação), encontradas em concentração noalto dos platôs e cercadas, nas terras baixas, porsítios arqueológicos. Por outro lado, os sítiosarqueológicos parecem indicar que a ação humanasobre as paisagens exploradas foi contínua,territorialmente dispersa e coletiva, mas não oesforço centralizado em torno de uma empreitadarealizada por uma comunidade em particular.

Essas evidências vêm ao encontro dasafirmações da ecologia histórica (a história daação humana sobre a formação dos ecossistemas– paisagens manejadas) e da etnociência, segundo

as quais, na Amazônia, as sociedades nativas nãoforam feitas de sujeitos passivos às limitaçõesambientais. Pelo contrário, não só os diversosecossistemas eram explorados associativamentesegundo táticas exploratórias adequadas àscaracterísticas ambientais, como inclusive osnativos exerciam uma poderosa influência criativasobre eles e isto, desde o início do Holoceno,conforme a floresta úmida ia se consolidando. Porconta disto, parte do que se vê hoje como floresta“primária” é, muito provavelmente, paisagemcultural. Ou seja, resultado do manejo(manipulação humana de componentes orgânicose não orgânicos do meio ambiente) consciente ouda atividade humana inconsciente ao longo demilhares de anos (BROWN, 1991; DENEVAN, 1992;ADANS, 1994; BALÉE, 1994, 1995; STAHL, 1996;MAGALHÃES, 2005, 2006).

Sabe-se que a diversidade ecológicaAmazônica é muito rica e ampla (PIRES; PRANCE,1992); que a várzea, assim como a terra firme, ébastante heterogênea (MORAN, 1993); hoje,acrescenta-se a este saber, o conhecimento maissignificativo da ação histórica do homem nativosobre a ecologia amazônica. Segundo Balée(1994), essa ação produziu um interessantepadrão de manejo e uso de recursos naturais queteve fundamental importância na relação entreas sociedades humanas e seus meios ambientescircundantes, fazendo aumentar, ao invés dereduzir, a diversidade ecológica nas áreas ondeviviam. Essa diversidade ecológica, como bemmostram as origens antropogênicas de quase

da ciência contemporânea, de modo que, de acordocom o proposto, não é uma simples narrativa, masa construção dessa mesma história. Essa teoria,ainda que não tenha a obrigação de se basear emfatos observáveis, pode e deve apresentar indícios

de que está de acordo com a natureza. Assim,baseado na explicação de alguns indícios objetivos,este texto visa a construção, não necessariamentede um modelo, mas, antes de tudo, de umpensamento balizado na natureza observável.

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todas as das terras pretas, foi, em grande parte,o produto da ação humana ao longo de centenase centenas de anos. Só quando, por motivaçõesdiversas, essa ação torna-se consciente atravésda experiência cognitiva acumulada nas conexõesmodulares das especialidades (MITHEN, 2002),produzem-se estratégias socioculturais intensivas,relacionadas ao cultivo de plantas domesticadas,resultado da ancestral inteiração co-evolutivaentre plantas e homens, desde o início doHoloceno (RINDOS, 1984; MAGALHÃES, 2005).

A ecologia histórica, por seu turno,consolidou-se sobre estudos de manejo ambientalrealizado por sociedades étnicas tradicionaiscontemporâneas. Foram trabalhos pioneiros comoos de Posey junto aos Kayapó e Balée, junto àspopulações tradicionais em geral, quedescortinaram o potencial desses estudos. Posey(1987) mostrou que ao lado de espéciesdomesticadas/semidomesticadas, os Kayapó têm ohábito de transplantar várias espécies da florestaprimária para os antigos campos de cultivo, aolongo de trilhas e junto às aldeias, formando oschamados ‘campos de floresta’. Esses nichosmanejados foram denominados por Posey de ‘ilhasnaturais de recursos’ e são aproveitados no dia-a-dia indígena, bem como no tempo das longasexpedições de caça que duram vários meses. Já,Balée (1995), demonstrou que a floresta secundária,ao longo de oitenta anos, tende a alcançar aprimária, em termos de diversidade. E que essadiversidade, entre as duas florestas no Alto Juruá,por exemplo, é semelhante em número de espécies:360 na secundária e 341 na primária. Ele afirmouque os povos indígenas devem ter desencadeadoesse fenômeno em diferentes partes da Amazôniaantes da chegada dos portugueses e alterado, ematé 10%, a composição atual da mata.

No Alto Juruá, as pequenas alterações nanatureza causadas pelo manejo humano tambémfazem o papel de pequenas catástrofes naturais,parecidas com o de enchentes e tempestades. O

efeito dos roçados e caminhos abertos nosseringais é similar ao da morte de bambuzais ouda devastação provocada por grandestempestades, fenômenos que abrem clareiras nasmatas e criam novos refúgios para a vida.Segundo Balée (1995), esse manejo implica amanipulação de componentes inorgânicos ouorgânicos do meio ambiente, o que traz umadiversidade ambiental líquida maior que aexistente nas chamadas condições naturaisprimitivas, onde não há presença humana.

Para os etnocientistas, o manejo realizadotanto por populações tradicionais indígenas,quanto não-indígenas, pode resultar na seleçãocultural de espécies. Balée afirma que, numecossistema manejado, algumas espécies podemse extinguir como resultado dessa ação, ainda queo efeito total dessa interferência culmine emaumento real da diversidade ecológica e biológicade um lugar específico ou região. Isto ocorreporque, deliberadamente, são levadas para umamesma determinada área de manejo, espécimesexógenos e outros que antes se encontravamdispersos num extenso território. Ele cita o casodos Kayapó, em que o manejo tradicional indígenaresultou em aumento de espécies de determinadoshábitats, mesmo quando tal conseqüência nãotenha sido buscada intencionalmente. Assim comooutros (GÓMEZ-POMPA e KAUS, 1992), Baléeressalta que além de terem conhecimentoprofundo dos diversos hábitats e solos em queocorrem as espécies, os índios também manipulamesses ambientes - flora e fauna - inclusive por meiode práticas agrícolas, como a do pousio, resultandoem uma maior diversidade de espécies nesseshábitats manipulados do que nas florestasconsideradas nativas.

Esses estudos têm atestado o grandecabedal de conhecimento das populaçõesindígenas e tradicionais sobre o comportamentoda floresta tropical e, principalmente, sobre aformação de alguns de seus ecossistemas. Gómez-

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Pompa e Kaus (1992: 274) afirmam que, sem astécnicas culturais de manejo desenvolvidas juntoaos antigos hábitats humanos, muitas dasespécies se perderão para sempre. Eles acreditamque culturas e saberes tradicionais podemcontribuir para a manutenção da biodiversidadede muitos ecossistemas amazônicos. E, comoapontou, J. Bonnemaison, (1993, apudLEVEQUE,1997; p. 55-56), se as sociedadestradicionais viveram até o presente no interior deuma natureza, aparentemente hostil, éessencialmente devido ao saber e ao saber-fazeracumulados durante milênios. Significativamente,direta ou indiretamente, os estudiosos tambémtêm afirmado que, em numerosas situações, essessaberes são o resultado de uma co-evolução entreas sociedades e seus ambientes naturais,permitindo um equilíbrio criativo entre ambos(MARQUES, 1995).

Entretanto, apesar da história da ecologiajá ter se consolidado nas etnociências, essesestudos pouco foram além das sociedadescontemporâneas. No Brasil, em particular, nuncafoi feito um estudo mais profundo sobre oassunto, junto às evidências arqueológicas. Istodeixa um hiato no próprio estudo da diversidadeamazônica, uma vez que, além dele ainda sermuito reduzido em relação à abundância dosdiferentes ambientes regionais, ele pode estardesconsiderando a ação humana milenar sobrea seleção das espécies dessa mesma diversidade.

Por outro lado, nos estudos sobre asmudanças de uso e cobertura do solo e a relaçãocom as mudanças do clima, faltam estudoshistóricos complementares. Inicialmente, asdimensões humanas de uso das terras referem-seao pensamento científico no qual estãoincorporadas variáveis sociais e culturaisinteragindo com variáveis biofísicas (BATISTELL,2005). Mas, ao incorporar variáveis históricas àsdimensões humanas, pode-se observar a evoluçãodas suas interações com o ambiente. Assim,

poderão ser direcionados estudos em áreas deantigos assentamentos para se saber,temporalmente, os impactos e a evolução que elescausaram sobre a cobertura das terras em escalalocal e regional. Ou seja, o modo como, ao longoda história, a população humana impacta o meioambiente e o ambiente impacta o comportamentohumano. Com isto seria possível observar comomudanças associadas a evidências arqueológicasresultaram em uma “modificação” ou, em outraspalavras, numa mudança de condição/estado dacobertura vegetal local e regional.

Além disso, apesar do pioneirismo daetnociência, geralmente seus estudos estãovoltados para comunidades pequenas, onde ainterferência sobre o meio é muito inferior àquelaproduzida por comunidades com grandespopulações. Nos últimos anos, a arqueologia vemcomprovando que na Amazônia existiramsociedades compostas por populações,significativamente, muito mais numerosas do queaquelas relacionadas às comunidades indígenascontemporâneas. E isto ocorreu, principalmente,ao longo dos grandes rios da região, às margensde suas várzeas, até o período imediatamenteanterior à conquista européia. Por conta disto,devemos considerar que o resultado dos manejos,então realizados, pode ter sido muito mais intensoe amplo do que se imagina. Assim, muitopossivelmente, a seleção e as florestas culturaispodem representar bem mais do que os 10%atribuídos por Balée (1992) à composição atualda floresta tropical.

Estudos diversos têm apontado para essaconclusão. Em Carajás (PA), na Gruta do Gavião,que foi ocupada entre 8000 e 4000 (AP) e na Grutado Pequiá1, ocupada desde 9000 AP, a açãoantrópica sobre a paisagem ficou bastanteevidente, especialmente por conta da presença deplantas (Manihot sp, Ducke, Couepia, Copaifera,Hymenaea e Astrocaryum sp), há 7000 anos, quepodem ter sido, de algum modo, manejadas

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(SILVEIRA, 1995; MAGALHÃES, 2005). Na Grutado Pequiá, os restos vegetais foram caracterizadospela grande quantidade de sementes calcinadas,entre as quais predominaram as de Palmae.Sementes como as de Bacaba (Oenocarpus bacabaMart) e Virola (Virola surinamensis), ricas emgordura, encontradas em grande abundância,geralmente estavam associadas a fogueiras epodem ter servido de combustível. Mas a Virolatambém é alucinogênica e a Bacaba, é uma fontemúltipla de produtos.

A Bacaba, o Inajá (Maximiliana maripa) eo Pequiá (Caryocar edule Casar), até o períododas pesquisas ainda presentes nas proximidadesda Gruta, especialmente os três pés de Pequiá,indicam manipulação antropogênica davegetação, através de cultivares seletivosespecialmente preservados pela milenaratividade humana. Complementarmente, no altodos platôs onde predomina uma vegetação(canga) de savana misturada com elementos decaatinga, como em N5, foram encontradas emáreas próximas às grutas, mas suficientementedistantes do alcance da vista, ilhas de vegetaçãodensa onde predominavam frutíferas. Elascorrespondiam a pequenos “oásis” repletos deplantas ricas para a dieta alimentar do homem ede animais que para lá eram atraídos (Tayassupecari, Tapirus terrestri e outros). Tais ilhas, deorigem antropogênica, além de garantir umadieta rica em alimentos de origem vegetal, erauma importante e regular fonte de caça.

No vale médio do rio Porce, Cordilheiracentral andina colombiana, foram estudadasevidências de sociedades de caçadores-coletoresque exploraram as florestas úmidas tropicais dasáreas baixas e altas do vale, desde 9500 anos AP.Esses estudos revelaram, entre outras coisas, umaatividade crescente de manejo da vegetaçãoflorestal, acentuada a partir de 7500 AP (ESPITIA;ACEITUNO, 2006). Fato observado na crescenteproporção de plantas de mata secundária em

relação às primárias, identificada no refugoarqueológico dos sítios pesquisados. Segundo osautores, a maior atividade humana sobre oambiente também se expressa na presença, entreos polens de vegetação secundária coletados, deplantas das famílias Araceae e Malastomataceae(em especial espécies de Miconia spp). A presençasignificativa dessas plantas indica um crescentenível de intervenção nas matas por parte daspopulações que ocuparam os sítios,“provavelmente com a intenção de prepararáreas abertas para o manejo seletivo de recursosvegetais e animais, incluindo o cultivo de espéciesnativas” (ESPITIA; ACEITUNO, 2006). Na mesmaregião, entre 6500 e 6000 anos atrás, tal comoobservado em Carajás, o registro polínico tambématesta o surgimento de cultivo sistemático,revelado na presença de Zea mays, Manihot spp.,Smilax spp., Amaranthus spp. e cucurbitáceas(abóboras, buchas e etc.).

Tanto em Carajás, quanto no vale médiodo rio Porce, a introdução abrupta de plantasexógenas (ao local) cultivadas, que para crescerdependem do cuidado humano, supõe aexistência de práticas de cultivos precedentes,provavelmente com espécies silvestresautóctones, que viabilizaram sua adaptação e oprocesso de adaptação bem sucedida dossistemas de cultivo locais. Segundo Piperno ePearsall (1998), o cultivo de espécies autóctonesera uma estratégia dos caçadores-coletores paraexplorar ambientes de baixa produtividade. Estaestratégia envolvia uma economia de amploespectro, que integrava plantas e animaisdisponíveis durante o ano, e o controle dadistribuição dos recursos com o fim de aumentarsua produtividade. Com isto, os caçadores-coletores puderam modificar a distribuição dasplantas úteis, protegendo-as em áreas de fácilacesso ou domínio e cultivando-as para controlarseu ciclo de reprodução. Os animais relacionadosàs plantas protegidas, por sua vez, eram atraídosàs áreas controladas e, consequentemente,

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podiam ser vigiados e caçados em seus própriosnichos, em ambientes facilmente acessíveis.

Estudos etnohistóricos e arqueológicosvêm demonstrando que uma área que teriasustentado sociedades com grandes populaçõesfoi a do Baixo Trombetas, onde pesquisas atuais,tanto arqueológicas quanto botânicas estãosendo realizadas. Hoje, boa parte da região éocupada pela Mineração Rio do Norte (MRN), quedesde os anos de 1970 explora a bauxitaexistente nos platôs que compõem a FLONASaracá-Taqüera. Em termos arqueológicos, aspesquisas iniciaram em 1950 com Peter Hilbert etiveram continuidade na década de 1970, comPeter e Klaus HiIbert. Foram essas pesquisas queapresentaram as primeiras interpretaçõesarqueológicas para a área (GUAPINDAIA, 2001).Posteriormente, entre 1985 e os anos de 1990,vários pesquisadores do Museu Goeldi e um daBrandt Meio Ambiente estiveram na região,localizando 51 e depois 3 novos sítios,respectivamente. Finalmente, desde o início de2001, convênio estabelecido entre o MuseuGoeldi e a MRN, consolidaram as pesquisas,agora coordenadas por Vera Guapindaia evoltadas para a prospecção e escavação dos sítioslocalizados, tanto nas margens do rio Trombetase de seus lagos, quanto nos platôs e interflúvios.

Os novos estudos arqueológicos confirmamque a região foi densamente povoada, com apresença concomitante de sítios nas terras baixas,especialmente nas margens do Trombetas e doslagos, mas também, ao longo dos rios secundáriosmaiores e, inclusive, intermitentemente, sobrealguns platôs e terras firmes interfluviais. Adensidade populacional espalhada por diversasaldeias fixas ou não, circunscrevia as áreas deexploração dos recursos naturais, especialmenteaquelas destinadas ao plantio de mandioca eoutros cultivos, e também à caça e à pesca. Alémdessas, igualmente circunscrevia áreas de grandesreservas florestais, supostamente manejadas,

representadas por castanhais, bacabais e matascompostas por frutíferas e madeiras paramanufaturação (Mapa 1).

Já os estudos botânicos estão diretamenterelacionados ao conhecimento científico da flora,à avaliação florestal, à necessidade deconservação ambiental, aos recursos de madeirae aos cálculos para a indenização florestal juntoao IBAMA, referente a supressão da vegetaçãono empreendimento desenvolvido pela MRN.Neste caso, os inventários objetivam acaracterização qualitativa e quantitativa dafloresta, dando suporte básico ao planejamentoda utilização do produto florestal, ou seja, damadeira comercial. Por outro lado, visa tambéma obtenção de parâmetros estruturais e florísticospara subsidiar os projetos de recuperação dasáreas degradadas após a exploração das jazidasde bauxita.

A vegetação das áreas inventariadasapresenta dois substratos distintos: umemergente e outro uniforme; inseridos na Regiãoda Floresta Tropical Densa, Sub-região dos BaixosPlatôs Amazônicos, domínio da floresta densa debaixa altitude. Trata-se de uma floresta com altabiomassa, diversidade e volume de madeira dealto valor comercial. Além disso, apresenta sub-bosques limpos, boa regeneração natural e fácilpenetração. Apesar do plano de exploração dafloresta focar os espécimes comerciais, oinventário mede e registra todos os espécimescom DAP (diâmetro a 1,30m do solo). Assim, aanálise dos dados coletados tem revelado umaelevada riqueza florística, com uma média de 237espécies, com pouco mais da metade não fazendoparte do comércio madeireiro da região(SALOMÃO, 2002).

Os inventários sistemáticos realizados atéagora têm relevância para os argumentos aquiapresentados, pois ainda que tenham ignoradoas espécies de menor biomassa - os arbustos, as

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ervas e os fungos - por outro lado, registrou áreascom espécimes concentrados, como as do platôBacaba, rico em bacabeiras, do platô Almeidas eda REBIO-Trombetas, ricos em castanheiras. Estasáreas consignaram, efetivamente, a importânciadessas concentrações para a economia daspopulações nativas. E foram justamente estasconcentrações, que despertaram a atenção dospesquisadores para a possibilidade de terem sidomanejadas em tempos pretéritos, já que não

existem registros históricos que indiquem seremelas a obra de práticas econômicas do Brasilcolonial, imperial ou republicano. Muito pelocontrário, a Bacaba, por exemplo, na arqueologiaamazônica, é tida há bastante tempo como umindicador da existência de sítios arqueológicos.Inclusive, entre as populações tradicionaisindígenas, como os Krahô, ela é consideradacomo a “árvore da vida”, tantos são os produtosque conseguem tirar dela.

Mapa 1 - Região da margem direita do Trombetas, onde está localizada a exploração de bauxita pela MineraçãoRio do Norte (MRN).

Nota: Os triângulos são os sítios. Observa-se que a concentração dos sítios no trecho desta margem (inclusive nos lagos alilocalizados) se deve apenas ao fato de ser nele onde o levantamento arqueológico é realizado há mais tempo. Há muitosoutros sítios já conhecidos fora dessa área (como alguns localizados na margem oposta), mas esses assinalados servem paramostrar como é alta a densidade deles na região. Mesmo os sítios assinalados nas bordas dos platôs e sobre eles sãoevidências parciais, já que o levantamento arqueológico na região, além de não estar concluído, é parcial. Evidência disto éque, para além da margem do rio, a maior incidência de sítios ocorre ao longo das estradas (linhas pretas contínuas epontilhadas), onde o acesso aos sítios é mais fácil e eles (por conta de impactos diversos) apresentam maior visibilidade.

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3 DAS PRIMEIRAS CONSEQÜÊNCIAS

Pelo que foi explanado até agora pode-sededuzir que, em um primeiro momento, asmodificações cenográficas de antigas paisagensresultam do manejo inconsciente dos recursosnaturais por populações indígenas. Em umsegundo, a paisagem é intensamentetransformada pela ação consciente do homem.Além disso, estudos da etno-ecologia e daarqueologia neotropical, também têm mostradoque o manejo indígena na Amazônia superabarreiras para o crescimento populacional oupara a emergência de manifestações culturais degrande complexidade social, já que a próprianatureza é, parcialmente, um produto da açãohumana e não uma variável externa neutra. Omundo natural para o homem tropical, antesmesmo dele ter uma identidade culturalformalizada por leis de conduta social, é umafonte de instrumentos e utensílios para apredominância da prática na vida diária. Comisso, junto aos sistemas humanos de ocupaçãoambiental, existe o poder de transformaçãocenográfica da paisagem pela atividade práticado homem, que supera e redefine barreirasecológicas. Isso combina com a capacidadeinteirativa do homem que, paralelamente, é capazde alterar o ambiente transformando-o às suaspróprias necessidades e, assim, gerando oembrião do futuro, que é o passado persistindo,mas transformado pelo presente.

Diante disto é possível tirar algumasconclusões, entre elas, a de que no ambiente nãoexiste indivíduo isolado e nem a sociedade ouum grupo social humano está separado do mundocircundante. Eles interagem, comutam. Elesmantêm uma relação inteirativa, na qual osorganismos não vêem o outro como ele é, mascomo eles o apreendem sensivelmente nestaoperação conectiva. Ou seja: “... a históriaindividual de um ser vivo, necessariamente,transcorre sob condições de conservação de suacorrespondência com o meio...”. (MATURANA,2001; p. 79). Isto quer dizer que experiênciasexteriores são absorvidas, mas conforme asexperiências particulares dos sujeitos com o seumundo circundante específico.

Na Amazônia, homem e natureza seinteiravam através de um corpo anímicoindivisível. Isso nos leva a três pensamentos nãoconvencionais: I - a refutação de que adomesticação de plantas só pode ser feita porespécie e de que a própria evolução das espéciesseja individual; II - a afirmação de que adomesticação pode ser a construção cenográficada paisagem através da seleção coletiva deespécies e de que as especiações só ocorrem numprocesso coletivo de transformação ambiental;III - que a seleção cultural pode ser um fatorimportante nos processos evolutivos.

De fato, em Porto Trombetas (PA), tantona FLONA Saracá-Taqüera, quanto na REBIO-Trombetas, os indícios de que a paisagem florestalfoi formada pelo manejo contínuo e centenárioda ação humana são impressionantes. Por ter sidoum manejo realizado por diversos grupos sociais,em diferentes épocas, possivelmente essa práticafizesse parte da própria estrutura social das

diferentes culturas que por lá se formaram,viveram e passaram. Essas evidênciasconstatadas em outras regiões da Amazônia,especialmente naquelas onde existem áreas compotencial para a exploração territorial humana,confirmam que parte do que se vê hoje comofloresta “primária” é um ecoartefato. Ou seja,uma paisagem natural de origem cultural.

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Assim, quando afirmamos que o corpo dohomem amazônico era a medida de todas ascoisas, estamos afirmando também, que estecorpo era o próprio corpo da natureza, com aqual comutava e se fortalecia. E,consequentemente, a natureza era humanizadaquanto mais o homem se integrava às suas forças.Não poderia haver, com isto, nas sociedadesamazônicas, tal como ocorria em outras regiões,o desejo de domínio, de eliminação das potênciasselvagens, mas antes, de compreensão dosespíritos que habitam os mundos desconhecidos,especialmente, daqueles que, como diz Viveirosde Castro (2002), se escondiam atrás doenvoltório corporal do outro.

Em fins de 2006 e início de 2007, apreocupação com a ação do homemcontemporâneo sobre a floresta amazônicaganhou ares de debate nacional. Circularam pelasmídias várias críticas sobre essa ação que,infelizmente, tem sido regularmente predatória.Paralelamente, vieram à tona denúnciascontundentes e cada vez mais comprovadas, dealterações climáticas nefastas causadas pelasatividades do homem moderno. Mas, como vimos,na história, nem toda relação do homem com oseu meio circundante foi negativa. E a própriafloresta amazônica é o exemplo vivo, ainda queagonizante, disto. Por outro lado, a evolução vemretomando seu lugar na história da ciência,quando finalmente se esgotam as explicaçõesgenéticas para as transformações biológicas e odarwinismo se livra dos conceitos racistas ecompetitivistas desenvolvidos por Spencer e seusseguidores.

Idéias como a de uma evolução coletiva,de seleção natural co-evolutiva e, inclusive, daintegralidade entre as espécies, ganham forçacom as novas abordagens evolucionáriaslançadas sobre a natureza animada. Assim,depois das espetaculares mudançasparadigmáticas sofridas pela física, desde o início

do século XX, finalmente a biologia pareceencontrar-se diante de um novo horizonte depossibilidades, graças às mudanças sensíveispelas quais as sociedades contemporâneaspassam frente à vida. Essas mudanças sãopossibilidades oferecidas pela história toda vezque, como assinalou Lenoble (1990), ocorremmudanças sensíveis nos homens, que passam aolhar ou sentir o mundo com outros olhos, comoutra sensibilidade. Quando isto ocorre, não é sóo homem que muda, mas também o própriomundo em que vive e observa. Porém, essasmudanças não são homogêneas e nemsincrônicas. E mesmo na ciência, elas sãoirregulares e diacrônicas. Portando, uma históriaque narre os processos dessas mudanças, podeser fundamental para o entendimento de nossaspróprias ações frente ao novo mundo emergente.

Alguns estudiosos como Maturana (2002),têm afirmado que os seres vivos e ambientesmudam juntos através de um contínuoacoplamento inteirativo, que ocorre passo a passono encontro do ser vivo com a sua circunstância.E ainda, que o ser e o fazer de um sistema vivosão inseparáveis, pois não há rompimento entreprodutor e produto em uma vida integrada. Porsua vez, Mayer (2005) observou que numarelação integrativa, o todo é que deve ser alvoda seleção evolutiva, já que, neste caso, osindivíduos dependem da cooperação harmoniosade seus membros. Nas espécies sociais, emparticular, a cooperação tem tanta força, que aprópria seleção natural favorece ocomportamento altruísta. E não é só. Outrosestudiosos da evolução humana, como Howells(1997) e Tattersall (1995), já haviam mostradoque o surgimento de novos comportamentos eaté de alterações anatômicas não se dão,necessariamente, pela seleção natural, mastambém pela emergência de inovações, cujasbases fundamentais já existiam, muito antesdelas ocorrerem. Portanto, isto abre margem paraque estímulos culturais potencializem tendências

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naturais configuradas há muito tempo e jáamplamente distribuídas na população geral.Desse modo, inovações culturais ocorridas emuma determinada população, podem sedisseminar para outras populações com umarapidez impressionante, visto que todos osindivíduos já tinham desenvolvido as estruturasadequadas para a nova organização cultural.

Por conseguinte, a emergência daconsciência do manejo nas floretas amazônicasfoi precedida, em milhares de anos, pelo manejointuitivo dessas mesmas florestas. Por outro lado,o manejo intuitivo foi uma resposta evolutiva davivificação da cultura humana junto aosecossistemas amazônicos e, também, o processode integração co-evolutiva do homem com essesambientes. Deste modo, nem o homem nativo seadaptou ao meio, nem o meio se adaptou aohomem nativo. O que houve foi a integração dohomem com a natureza amazônica, em que aseleção cultural manifesta no primeiro,potencializou a seleção natural manifesta emambos. Porém, mais tarde, ao se tornarconsciente, essa co-evolução deixa de seraleatória ou casual, porque passa a se manifestarpor um planejamento anterior concebido pelopróprio artifício da inteligência humana. Dessemodo, na seleção cultural, a evolução apresentaaspectos inequívocos de inteligência, visto queexistem conexões entre os processos naturais eculturais, que além de interligá-los num corpocoletivo, representa o afloramento de novosrumos evolucionários previamente estabelecidos.Portanto, essas ‘conexões evolucionárias’implicam na compreensão de uma natureza, naqual tudo está ligado e agindo coletivamente.

Na medida em que percebemos, nanatureza, o “lócus” onde os seres comutam numainteiração evolutiva, na qual os homens tambémestão envolvidos, os modos como isto ocorrepodem ser entendidos na ordem de uma outraqualidade (DIEGUES, 1996). Ordem qualitativa na

qual a sensibilidade, a ação e os meios onde osseres apreendem e agem sobre a natureza, dentrode um ambiente espaço-temporalmente alterável,implicam em um conjunto onde eles estãoconectados entre si, naquilo que lhes correspondesignificativa e sensivelmente (UEXKÜLL, 1934;MATURANA, 2002). E é esta inteiração ativa dasensibilidade, que retira dos complexos evolutivosnaturais, quaisquer caracteres mecânicos ealeatórios. Por outro lado, a posição do serhumano frente a uma ordem associativa esensível na natureza, também retira das suasproduções socioculturais, qualquer caráter depura artificialidade.

Em termos práticos, os argumentos aquiapresentados assumem uma importância muitogrande, principalmente por ter como área focalde pesquisa, uma região com estudo de impactorelacionado à exploração minerária. Em umprimeiro momento, os inventários botânicos sãorealizados objetivando a recuperação florestaldas áreas degradas pela exploração de bauxita.Mas a base dessa recuperação ignora os efeitosda ação humana antiga sobre a formação dasflorestas originais. Como resultado, temos umreflorestamento baseado em espécimes de valornão comercial, contudo, sem um conhecimentoadequado da importância social delas. Assim, omanejo realizado restringe a importância dafloresta a um conjunto de espécimes, cujaimportância botânica fica descolada da suaimportância social. Pode-se dizer que seempregam procedimentos seletivos semelhantesàqueles aplicados no passado, pelas sociedadesnativas indígenas. A diferença fundamental, é quea seleção cultural antiga era muito mais ricaeconomicamente, pois, além de manter uma altabiodiversidade, mantinha uma grande variedadede espécimes úteis, atendendo diferentesnecessidades humanas. Para se apreender istoem todo o seu significado, compreende-se quenão se pode discutir manejo florestal, sem apresença de etnobotânicos.

107Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O estudo mais detalhado da coberturavegetal dos platôs de Porto Trombetas e áreasvizinhas, portanto, pode apresentar resultadosque comprovem a importância das práticasantigas para a manutenção da biodiversidade epara a diversificação da economia florestal. Estaimportância é maior quando reconhecemos nosmanejos realizados, uma experiência que custariafortunas se realizada hoje. Pois ela resultou emuma seleção cultural secular que, além dasmadeireiras, inclui plantas medicinais, bio-reguladoras, frutíferas e outras que ainda nemmesmo conhecemos o valor. O reconhecimentodesse valor por parte de instituições públicas podereorientar políticas de preservação e de manejosustentado das florestas nacionais. Comotambém alavancar economias regionais atravésdo emprego de populações tradicionais ou decomunidades nativas na exploração sustentadadesses recursos sócio-naturais. Além disto, podemostrar como tornar uma floresta biologicamentemais rica e útil para o ser humano, sem agredir,em momento algum, a positividade evolucionáriada natureza.

Na natureza sempre há uma razão custo-benefício. Até mesmo em catástrofes naturais

essa razão aparece e, por maiores que sejam oscustos, os benefícios acabam se tornandosuperiores. Isto está exemplificado no custoimenso que representou a extinção dosdinossauros há 60 milhões de anos atrás, masgraças ao qual devemos nossa existência. Nãoexiste dúvida de que a seleção cultural tambémapresenta uma razão custo-benefício. Custo que,na Amazônia remota, representou o descaso comas plantas que não apresentavam qualquer valorútil para a vida humana. Essas foram preteridasem favor das úteis, que permaneceram, sendoque algumas foram extremamente beneficiadascom a domesticação. Portanto, nas açõeshumanas junto à natureza esta razão deve serpesada, mas sempre a longo prazo. Em qualquersituação haverá um custo a ser pago, porém, seos benefícios possíveis forem superiores, nãodeve haver vacilo. Esta é uma lição queecologistas, políticos e a sociedade como umtodo deve aprender: a natureza pode serfortalecida; contudo, um preço deverá ser pago,que talvez represente a extinção de uma ou outraespécie e/ou de ecossistemas, paisagens ousituações. Em contrapartida, quantas outrasserão beneficiadas? Se o custo valer, então, porque não?

4 DA CONSEQÜÊNCIA FINAL

Ao longo deste texto, em algumaspassagens foi mencionado o termo neotropical.Por outro lado, desde 1993 (MAGALHÃES, 1993,2005, 2006) venho desenvolvendo o conceito deCultura Neotropical. No entanto, originalmente,este conceito não deriva dos conceitos de regiãoda Biogeografia, mas da evolução dos processoshistóricos da Cultura Tropical que, na Amazônia,a teria precedido no tempo e no espaço. Assim, areorganização sociocultural das populaçõestropicais em sociedades agricultoras, que assucederam, paulatinamente, desde mais ou

menos 5000 anos atrás, caracterizou a CulturaNeotropical. Isto tem causado certa confusãoentre alguns leitores: primeiro, por acharem queo termo neotropical é uma propriedade exclusivada Biogeografia; segundo, por nãocompreenderem corretamente que o que está porvir só pode ser precedido pelo o que está sendo.

A primeira confusão é fruto apenas de ummero pré-conceito científico, ao não distinguiremtermo de conceito, ignorando que, no presentecaso, se o termo é o mesmo o conceito é outro.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 108

Já a segunda confusão pelo menos apresentauma justificativa. Afinal, na história, existemprocessos contínuos e processos interruptos. Porexemplo: na passagem do Brasil Colonial para oBrasil Moderno houve continuidade; na passagemda Cultura Neotropical para o Brasil Colonial,houve ruptura. Porém, é comum se referirem aosprocessos históricos indígenas anteriores àconquista portuguesa como “pré-coloniais”,apesar de não ter ocorrido entre eles, qualquercondição predecessora para que o territóriosociocultural que veio a ser o Brasil viesse a setornar uma colônia portuguesa. Na verdade, oque ocorreu foi a interrupção de um processohistórico e a emergência de outro que nada tinhaa ver com o anterior.

Agora tem surgido uma questão quecomplica a definição de Região Neotropical.Como se sabe, Região Neotropical é um conceitoclássico da biogeografia e se refere a uma dasdivisões zoogeográficas mundiais estabelecidasdesde o século XVIII. Nesses termos, neotropicalé a região que compreende a América Central,incluindo a parte sul do México e da penínsulada Baixa Califórnia, o sul da Florida, todas as ilhasdo Caribe e a América do Sul. Apesar do seu nome,esta região inclui, não só sub-regiões de climatropical, mas também de climas temperado e dealtitude. É uma região de grande biodiversidade,com ecossistemas tão diversos como a florestaamazônica, a floresta temperada valdiviana doChile, a floresta subpolar magalhânica daPatagônia, o cerrado, a mata atlântica, opantanal, os pampas e a caatinga de boa partedas Américas do Sul e Central. Desde o séculoXX, o conceito de região biogeográfica englobao de vicariância, que é a separação da populaçãode uma comunidade de forma a favorecer osurgimento de duas espécies muito próximas emregiões geográficas distintas e relativamentedistantes entre si. Toda região geográfica,portanto, se caracteriza por possuir grupos deespécies endêmicas.

A Amazônia, em particular, recebeu na suavegetação, o concurso de plantas pantropicaisantes da deriva das placas continentais. Após esteevento, elas formaram endemismos em famílias,gêneros e espécies, constituindo, assim, osDomínios Florísticos e as diferentes sub-regiõesamazônicas (várzeas, igapós, florestas de terrafirme e etc.) da Região Neotropical. Como oconceito de neotropicalidade não é uma meradefinição de áreas físicas mas,fundamentalmente, da distribuição dos seresvivos, procurando entender os padrõesgeográficos da organização espacial deles e osprocessos que resultaram em tais padrões. Ouseja, como ele estuda a distribuição e a evoluçãode espécies numa determinada zona geográfica,este conceito não pode estar dissociado dainteiração entre as espécies e o lugar ao longodo tempo. Isto implica em considerar, que desdea chegada do homem na Região Neotropical, noHoloceno inicial, existem fatores históricos agindona especiação. No entanto, quando algunspesquisadores falam das “origens da agriculturanas terras baixas neotropicais” (PIPERNO;PEARSALL, 1998) e de “sistemas horticultoresneotropicais” (ESPITIA; ACEITUNO, 2006), estãofalando apenas do manejo de plantas autóctonesneotropicais por parte de populações humanasnativas. Porém, ao mesmo tempo, subestimam ainfluência da seleção cultural sobre a evoluçãodos biomas neotropicais.

Por outro lado, a maioria dos estudospublicados sobre distribuição e evolução de espéciesneotropicais trata de espécimes contemporâneos,Holocênicos, e ignora em sua totalidade, a possívelinfluência humana milenar sobre os ecossistemasestudados. Papavero e Teixeira, por exemplo, já em2002 apontaram esta falha. Na ocasião elesafirmaram que mudanças climáticas e outrosfenômenos da mesma magnitude não representamos únicos fatores envolvidos na evolução, “já queprofundas alterações no mundo natural,desencadeadas por ações antrópicas ao longo da

109Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

trajetória da humanidade, não podem serdesprezadas” (2002; p. 1.027). No entanto, asituação hoje continua a mesma e a maioria dosautores empenhados no estudo da biogeografiasilencia sobre o assunto e muitas vezes se confundeaceitando como verdade inquestionável, que adistribuição dos animais na superfície do globo teriapermanecido essencialmente a mesma durante operíodo de estabilidade climática observado nosúltimos dez mil anos, regra quebrada apenas pelaindefectível ‘perda de biodiversidade’contemporânea (op. cit.). Há evidênciasinquestionáveis, regularmente deixadas em segundoplano, de que certos grupos de vertebrados tiveramsua distribuição profundamente alterada pela açãoantrópica. Fato constatado na leitura atenta dosviajantes naturalistas dos séculos XVIII e XIX(PAPAVERO; TEIXEIRA, 2002).

Esta restrição perceptiva parece afetar umaparcela significativa dos biólogoscontemporâneos, apesar de não faltaremevidências de que há muito o homem vemexercendo sua capacidade de promover grandesmudanças na composição das comunidadesanimais e na própria paisagem de amplos espaçosgeográficos, especialmente nos últimos séculos.Alargando esta lacuna, ao considerarmos quedesde fins do Pleistoceno o homem vem influindosobre a formação de boa parte da floresta tropicalda Região Neotropical e que esta influência seacelerou com o cultivo sistemático de plantas ea ascensão das sociedades agricultoras; entãodevemos considerar também, que ele pode tertido responsabilidade significativa sobre adistribuição de espécies e a formação dediferentes ecossistemas da biota amazônica.Portanto, não deve ser surpreendente que quandofalo de Cultura Neotropical, além de se entenderque ela é fruto da reorganização histórica deações humanas anteriores, efetivadas na florestatropical, entende-se, simultaneamente, que ela éum fenômeno cultural que fez dos ecossistemasneotropicais, um objeto manufaturável.

Mas ainda existe uma última questão. Aformação das regiões biogeográfica teve iníciocom a deriva continental, que resultou nafragmentação do supercontinente de Pangéia e,posteriormente, das duas frações resultantes, queno hemisfério Sul foi o continente de Gondwana.Milhões de anos depois, essas fragmentaçõesvieram a dar nos continentes atuais. No entanto,segundo Ab’Saber, foi no Quaternário, no períododas glaciações, 2 milhões de anos atrás, que ageologia e a vegetação brasileira se conformou.Durante esse período, as florestas originais teriamse dividido e refugiado em outras áreas, abrindoespaço para vegetações de clima semi-áridocomo os cactos, por exemplo. Com a volta doclima original, as florestas retornaram ao localde origem, mas agora formando espéciesdiferentes, pelo tempo em que viveram isoladas.Assim, portanto, teria se constituído aneotropicalidade brasileira.

Já o homem moderno surge apenas hámilhares de anos, há 100 mil ou talvez há uns200, 300 mil, um pouco mais ou um pouco menos.E, nas Américas, no máximo (se considerarmoscomo válidas as datações provenientes de SãoRaimundo Nonato (PI)), talvez há uns 50 mil anos.Porém, até agora, todas as evidênciasarqueológicas apontam para uma datação bemmais recente, ao falarmos das populaçõesadaptadas às terras baixas tropicais. Essasdatações não passam de 12 mil anos, quando osprimeiros colonos chegam e dão início àintegração do homem à natureza do lugar. É apartir de então, que a ação humana sobre osbiomas é desencadeada, de modo semprecrescente. Porém, como foi observado noscapítulos anteriores, ao contrário do que acontececom a maioria das sociedades urbanas, pastorase com boa parte das sociedades agricultoras, omanejo do ambiente por parte das sociedadesamazônicas não resultou em perda, mas emganho de biodiversidade. Apesar disto houve umaseleção, quando plantas foram preteridas em

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 110

benefício de outras, sociais e economicamentevantajosas. Fato que se consolida com areorganização das sociedades nativas emsociedades agricultoras, há 5 mil anos.

De todo modo fica claro que não existequalquer evidência de autoctonia do homem naRegião Neotropical. No entanto, há um dadofundamental que retira do homem que habitoua Região, qualquer estranhamento com osambientes tropicais que explorou, manejou emodificou. Ou seja, o homem não passou porqualquer especiação na Região Neotropical, noentanto ele gerou culturas autóctones, melhordizendo, endêmicas, pois não existem em nenhumoutro lugar. E esse endemismo cultural eclodecom toda a sua variabilidade e especificidade,com a emergência das sociedades agricultorasque interferem significativamente na paisagem,construindo verdadeiros cenários ecoartefatuais.Portanto, só se pode falar de sociedades

neotropicais, quando nos referimos a sociedadesrelativamente sedentárias, que na Amazôniamanejavam, coletivamente e em larga escala,espécimes já domesticados de plantas nativas.Mas esta domesticação foi realizada porcaçadores-coletores tropicais anteriores, cujassociedades não eram muito diferenciadas entresi e ocupavam extensos territórios, compostos dediferentes ecossistemas, com os quais interagiame exploravam.

Portanto, ao falar de evolução da RegiãoNeotropical, deve-se considerar não só avicariância, como inclusive a ação artesanal dohomem nativo junto à natureza regional,efetivada pela seleção cultural de coleções deespécies. Situação que se configurou ao longode no mínimo 9 mil anos, com a integração dohomem junto à paisagem tropical e que seconsolida há apenas 5 mil anos, com aemergência histórica da Cultura Neotropical.

Nota:

1 A gruta estava localizada numa área de mineração de

ferro da Cia. Vale do Rio Doce, em Carajás. Hoje já não

existe mais.

111Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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113Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

INFLUÊNCIA DE DOSES DE BORO NA PRODUÇÃO DE MASSA SECA DE PLANTAS DEURUCUZEIRO (BIXA ORELLANA L.): CULTIVARES EMBRAPA 36 E EMBRAPA 37

Edson Carlos Sodré Lopes*

Ismael de Jesus Matos Viégas**

Janice Guedes de Carvalho***

Dílson Augusto Capucho Frazão**

Heráclito Eugênio Oliveira da Conceição**

João Elias Lopes Fernandes Rodrigues**

RESUMO

Avalia-se o efeito de doses de B sobre a produção de massa seca da parte aérea e dasraízes dos cultivares de urucuzeiro (Bixa orellana L) Embrapa 36 e 37, em condições de casa devegetação. As plantas foram cultivadas em solução nutritiva contendo as doses de boro 0; 0,5;1,0; 2,0 e 4,0 mg.L-1. A semeadura foi realizada em tubetes contendo uma mistura de terra preta,serragem e esterco de gado curtido nas proporções de 3:1:1. Os resultados foram submetidos àanálise de variância utilizando-se o Sistema de Análise Estatística (SAS). Foram efetuadas asanálises de regressão da massa seca da parte aérea, das raízes e total, em função das doses de B.O cultivar Embrapa 36 apresentou decréscimo na produção de massa seca das raízes desde adose de 0,5 mg.L-1, no entanto, nessa dose não houve diferença entre a quantidade de massaseca produzida entre os dois cultivares, observou-se que, nas doses superiores a 1,0 mg.L-1, ocultivar Embrapa 36 apresentou sintomas visuais de toxidez. A maior produção de massa seca naparte aérea foi obtida pelo cultivar Embrapa 37, na dose de 0,5 mg.L-1 de B. O cultivar Embrapa36 apresentou comportamento semelhante ao descrito para massa seca das raízes fortalecendoa idéia de que este cultivar seria menos exigente em B do que o cultivar Embrapa 37. O cultivarEmbrapa 37 apresentou maior produção de massa seca total na dose de 0,5 mg.L-1 de B. Nasdoses superiores a 0,5 mg.L-1 de B, o cultivar Embrapa 37 sofreu decréscimo na produção demassa seca total.

Palavras-chave: Urucuzeiro - Bixa orellana L. Boro. Massa seca.

* Engenheiro Agrônomo; Mestre em Agronomia; Técnico Científico da Gerência de Administração de Crédito doBanco da Amazônia. Belém/PA. E-mail: [email protected]

** Engenheiro Agrônomo; Doutor em Agronomia; Pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental. Belém/PA.E-mail: [email protected], [email protected]; [email protected] e [email protected]

*** Engenheira Agrônoma; Doutora em Solos e Nutrição de Plantas; Professora Titular da Universidade Federal de Lavras(UFLA). Lavras/MG. E-mail: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 114

INFLUENCE OF DOSES OF BORON IN THE PRODUCTION OF DRY MASS OF PLANTS OFURUCUZEIRO (BIXA ORELLANA L.): CULTIVATE EMBRAPA 36 AND EMBRAPA 37

ABSTRACTEvaluates the effect from Boro doses in dry mass production from shoots and roots of urucuzeiro

(Bixa orellana L) cultivares Embrapa 36 e 37, under conditions of a greenhouse. The plants weregrown in nutritious solution containing the Boro doses 0, 0.5, 1.0, 2.0 and 4.0 mg.L-1. The seedingwas done in tubes containing a mixture of black earth, sawdust and manure of cattle tanned in theproportions of 3:1:1. The results were submitted to the analysis of variance using the Statistical AnalysisSystem (SAS). Analysis of regression were effected of the dry mass from the shoots, roots and all,depending on the Boro doses. Cultivating Embrapa 36 presented decrease in dry mass productionfrom roots since a dose of 0.5 mg.L-1, however, that dose there was not difference at the amount ofdry mass produced between the two cultivars, it was observed that, In doses greater than 1.0 mg.L-1,cultivar Embrapa 36 presented visual symptoms of toxicity. The largest dry mass production fromshoot was obtained by cultivating Embrapa 37,at a dose of 0.5 mg.L-1 of B. Cultivar Embrapa 36presented behavior as described for the dry mass of roots supporting the idea that this cultivar wouldgrow less demanding in B than cultivar Embrapa 37. The cultivar Embrapa 37 showed higher total drymass production at a dose of 0.5 mg.L-1 of B. At doses greater than 0.5 mg.L of B-1, Cultivar Embrapa37 suffered decrease in the total dry mass production.

Keywords: Urucuzeiro - Bixa orellana L. Boron. Mass dries.

115Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

O urucuzeiro é uma planta da famíliaBixaceae que obteve grande impulso comocultura comercial em decorrência do aumentomundial da demanda por corantes extraídos desuas sementes e pelas restrições cada vez maioresimpostas pela Organização Mundial de Saúde(OMS) das Nações Unidas aos corantes sintéticos,devido os seus potenciais efeitos cancerígenos(AQUINO et al., 2003).

O cultivo do urucuzeiro é uma importantealternativa agrícola, para pequenos e médiosprodutores rurais. No entanto, tem recebidopouca atenção dos órgãos de pesquisa nosúltimos anos, o que tem limitado a geração deconhecimentos e tecnologias necessárias aodesenvolvimento de sistemas de produção maisracionais.

O urucuzeiro é cultivado em quase todos osestados do país, entretanto, os plantios sãoinadequados e de pequena extensão (SORIA, 1993).No Pará o urucuzeiro é muito cultivado na região

nordeste do Estado, no entanto, o uso de tecnologiapara aumentar sua produtividade, bem como,diversificar o uso do corante, ainda é pequeno.

O boro é um dos micronutrientes que maislimita a produção de plantas (BROWN; SHELP,1997). No estado do Pará tem sido comum aocorrência de sintomas de deficiências de B emdendezeiro (VIÉGAS; BOTELHO, 2000), em coqueiro(MONNERAT et al., 2003; LINS, 2000; VIÉGAS;BOTELHO, 2000) e mais recentemente em açaizeiros(VIÉGAS et al., 2004a; GONÇALVES, 2004). A suadisponibilidade afeta significativamente os tecidosvegetais, e seus teores quando muito baixo ouelevado, levam as folhas a manifestarem sintomasvisíveis e característicos de deficiências ou toxidez(MALAVOLTA, 1997).

Diante do exposto, torna-se necessárioconhecer a exigência nutricional de B doscultivares de urucuzeiro Embrapa 36 e Embrapa37, avaliando o seu efeito na produção de massaseca em condições de casa de vegetação.

2 MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido em casa devegetação no Campo Experimental da EmbrapaAmazônia Oriental no município de Belém, Estadodo Pará. Utilizou-se sementes de dois cultivaresde urucuzeiro, desenvolvidos pela Embrapa, nocaso os cultivares Embrapa 36 e Embrapa 37. Asemeadura foi realizada em tubetes, contendouma mistura de terra preta, serragem e estercode gado curtidos na proporção de 3:1:1.

O delineamento experimental utilizado foio inteiramente casualizado no arranjo fatorial 5x 2 com 4 repetições, num total de 40 parcelasexperimentais, sendo que cada parcela foirepresentada por um vaso com uma planta.

Os macro e micro nutrientes foramfornecidos as plantas, utilizando-se a solução deBolle-Jones (1954), sendo que, as plantas jovensdos dois cultivares foram submetidas a cincodoses de B, correspondendo aos seguintestratamentos: (a) testemunha; (b) 0,5 mg.L-1 de B;(c) 1,0 mg.L-1 de B; (d) 2,0 mg.L-1 de B; e (e) 4,0mg.L-1 de B.

Utilizaram-se vasos de plástico, contendosílica lavada (tipo zero grossa), perfuradospróximo à base e pintados na parte externa comtinta alumínio para diminuir a passagem de luzsolar para o interior dos vasos, evitando assim, aproliferação de algas nesses recipientes. As

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 116

perfurações realizadas foram utilizadas paraconectar segmentos de mangueiras de plásticoflexível, ligando o interior dos vasos a garrafas deplástico de 500ml, também pintadas com tintaalumínio e colocadas em nível inferior ao do fundodos vasos, permitindo assim, realizar diariamentea drenagem da solução nutritiva por gravidade.

Para evitar a contaminação da soluçãonutritiva por resíduos orgânicos e/oumicroorganismos, a sílica foi lavada com águanatural e água destilada e antes do transplantiodas mudas os vasos, ainda, foram irrigados pelamanhã e drenados a tarde durante três dias.

Após a germinação, as plântulas com 10cmde altura foram selecionadas e suas raízes foramlavadas para eliminar possíveis resíduos, sendoposteriormente transplantadas para os vasos deplástico contendo sílica. As plantas foraminicialmente aclimatadas por um período de doismeses em soluções nutritivas diluídas a 1/10, 1/5e 1/1 da concentração original com a omissão deboro, fornecida por percolação nos vasos, sendorenovada em intervalos de quinze dias, tendo-se

o cuidado de manter o pH em 5,5. O nível dasolução nos vasos foi verificado diariamente,completando-se o nível com água destilada.

Aos dez meses as plantas forammensuradas, coletadas e divididas em raízes eparte aérea, depois lavadas com água destilada ecolocadas em estufa com circulação forçada dear em temperatura de 70ºC, até obtenção de pesoconstante para determinação da massa seca.

Como variáveis de resposta foram utilizadasas massas secas das raízes, da parte aérea e total.Os sintomas de toxidez e deficiência de B nasplantas foram observados, descritos efotografados durante a condução do experimento.

Os resultados foram submetidos à análisede variância utilizando-se o Sistema de AnáliseEstatística (SAS). Obtida a significância foramefetuadas as análises de regressão da massa secada parte aérea, das raízes e total, em função dasdoses de B. Foram consideradas comorepresentativas as equações de regressão quemelhor explicaram cada variável resposta.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 MASSA SECA DAS RAÍZES

As regressões que melhor se ajustaram àsproduções de massa seca nas raízes dos doiscultivares, em função das doses de B, foram asdo segundo grau, sendo significativas a 1% deprobabilidade pelo teste F. As equações para oscultivares Embrapa 36 e Embrapa 37 foram,respectivamente, Y= 47,592 – 7,489x + 0,368x2

e Y= 43,445 – 3,5031x - 0,4751 x2 (Gráfico 1).

O cultivar Embrapa 36 apresentoudecréscimo na produção de massa seca das

raízes desde a dose de 0,5 mg.L-1, no entanto,nesta dose não houve diferença entre aquantidade de massa seca produzida entre osdois cultivares. Observou-se, contudo, que nasdoses superiores a 1,0 mg.L-1, o cultivarEmbrapa 36 produziu maior quantidade demassa seca nas raízes que o cultivar Embrapa37. A dose de B que permitiu maior produçãode massa seca das raízes para o cultivarEmbrapa 37 foi a dose de 0,5 mg.L-1 de B.

117Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O fato do cultivar Embrapa 36, não tersofrido incremento na produção de massa secaquando submetido às doses de B, permite avaliarque um possível acréscimo deveria ocorrer emdoses intermediárias entre 0,0 e 0,5 mg.L1 de B.Em plantas de eucaliptus, Rocha Filho et al.(1979), observaram que doses de 0,125; 0,250 e0,50 mg.L-1 de B, não inibiram o aumento daprodução de massa seca das plantas, no entanto,nas doses superiores a 0,50 mg.L-1 de B, houveefeito depressivo na massa seca das plantas.

Rosolem et al. (1999), estudando doses deB (0,0 à 28 mmol.L-1) em solução nutritiva emcultivares de algodoeiro, constataram que ocultivar ITA 90 apresentou massa seca das raízesbem superior aos demais cultivares. Pesquisasrealizadas por Salvador et al. (2003), com doses

de B na cultura da goiabeira, mostraram que emdoses superiores a 3,0 mg.L-1 de B começaram aapresentar anormalidades nas plantas e que aprodução de massa seca foi reduzida em dosessuperiores a 0,50 mg.L-1 de B.

Lins et al. (1999) estudando o efeito dedoses de B que variavam de 0,0 à 2,0 mg.L-1 naprodução de massa seca de pupunheira,obtiveram produção máxima de massa seca daraiz (2,41 g.planta-1) com a dose estimada de 1,15mg.L-1 de B. Estudando o comportamento deparicá submetido a doses de B, Lima et al. (2003),verificaram que houve um incremento de 85,7%de massa seca das raízes na dose de 0,1 mg.L-1

de B e que a partir da dose de 0,9 mg.L-1 de Bhouve depressão significativa na produção demassa seca das raízes.

Gráfico 1 – Efeito das doses de B na produção de massa seca das raízes de urucuzeiro nos cultivares Embrapa36 e Embrapa 37.

Fonte: dados da pesquisa.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 118

Em doses superiores a 0,5 mg.L-1 de B, osdois cultivares de urucuzeiro estudadosapresentaram redução drástica na produção demassa seca, obtendo valores menores que osproporcionados na ausência de B. Contudo, aredução na produção de massa seca atingiu ocultivar Embrapa 36 desde a dose com 0,5 mg.L-1,esta diminuição, deve-se possivelmente ao efeitotóxico do B no cultivar. Os resultados sugerem quehouve maior eficiência no transporte de nutrientesdas raízes para a parte aérea no cultivar Embrapa

36, provocando elevação brusca dos teores de B,e podendo explicar a maior sensibilidade docultivar Embrapa 36, à toxidez de B. SegundoMalavolta (1997), a tolerância relativa das plantasa toxidez de um determinado nutriente, parecedepender diretamente da velocidade de transportedas raízes para a parte aérea.

A redução de massa seca das raízes dacultivar Embrapa 36, desde a dose de 0,5 mg.L-1

de B, pode ter ocorrido também, devido a sua

3.2 MASSA SECA DA PARTE AÉREA

O Gráfico 2 apresenta os resultados de massaseca obtidos na parte aérea em função das dosesde B. A exemplo do ocorrido com os resultados davariável massa seca das raízes, as equações deregressão que melhor representaram o efeito dasdoses de B sobre a massa seca da parte aérea foramas do segundo grau, sendo Y=27,75 + 1,1649x -0,3276x2 para o cultivar Embrapa 36 e Y= 28,73 –1,3511x - 0,3551x2 para o cultivar Embrapa 37.

A maior produção de massa seca na parteaérea do cultivar Embrapa 37, foi obtida na dosede 0,5 mg.L-1 de B. O cultivar Embrapa 36apresentou comportamento semelhante aodescrito para massa seca das raízes,apresentando redução na massa seca da parteaérea, desde o tratamento com 0,5 mg.L-1 de B(Gráfico 2).

Gráfico 2 – Efeito das doses de B na produção de massa seca da parte aérea de urucuzeiro nos cultivaresEmbrapa 36 e Embrapa 37.

Fonte: dados da pesquisa.

119Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

maior eficiência em absorver B do solo outransportá-lo das raízes para parte aérea,induzidos pelo “estado iônico interno dosnutrientes nas raízes” ou por característicasgenéticas de um dos cultivares, como ocorreem plantas de tomate, que possuem umgenótipo recessivo denominado btl btl,fazendo com que plantas absorvam B, tãoprontamente quanto plantas normais, porém,não permitem o transporte do B com a mesmaeficiência para a parte aérea (MALAVOLTA,1980).

Fortunatti e Scaramuzza (2003)observaram que plantas de soja apresentaramsintomas visuais de toxidez por B em dosesmaiores que 2 kg.ha-1 de B. Os sintomas de toxidezforam caracterizados inicialmente por umaclorose nos bordos dos folíolos e presença depontos necróticos por toda a folha, masconcentrando-se nos bordos. Estes sintomas detoxidez ocorreram nos primeiros estádiosvegetativos, desaparecendo posteriormente. Uetaet al. (2003), também observaram em plantas de

alface, além dos sintomas acima descritos,significativas perdas na massa seca da parteaérea e raízes.

Lins et al. (1999), estudando o efeito dedoses de B que variavam de 0,0 à 2,0 mg.L-1 naprodução de massa seca de pupunheira,obtiveram a produção máxima de massa seca daparte aérea de 26,36 g.planta-1 com a doseestimada de 1,00 mg.L-1 de B. Em trabalhosemelhante a este desenvolvido com a culturada pimenta longa (Piper hispidinervum) porViégas et al. (1999), a máxima produção de massaseca da parte aérea equivalente a 18,20 g.planta-1,foi obtida com a dose estimada de 1,09 mg.L-1

de B. Estes resultados demonstram que tanto apimenta longa quanto a pupunheira são maisexigentes em boro que o urucuzeiro. Lima et al.(2003), estudando comportamento de paricásubmetido a doses de B, verificaram que houveum incremento de 90,9% de massa da parteaérea na dose de 0,1 mg.L-1 de B e que a dose de0,45 mg.L-1 de B, proporcionou a maior produçãode massa seca da parte aérea.

3.3 MASSA SECA TOTAL

De acordo com o Gráfico 3, as doses deboro promoveram respostas na produção demassa seca total dos cultivares Embrapa 36 eEmbrapa 37, apresentando a análise devariância Pr>F= 0,0001. As equações deregressão que melhor se ajustaram para a

variável produção de massa seca total emfunção das doses de B, foram as do segundograu (Gráfico 3), sendo: Y= 47,592 – 7,489 x +0,368 x2 e Y= 43,445 – 3, 503 x – 0,475 x2

,

respectivamente para os cultivares Embrapa 36e Embrapa 37.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 120

Através dos resultados obtidos com aaplicação das doses de B, foi observado efeitopositivo das doses sobre a produção de massa secatotal para o cultivar Embrapa 37, que apresentoumaior produção na dose de 0,5 mg.L-1 de B. Nasdoses superiores a 0,5 mg.L-1 de B, o cultivarEmbrapa 37 sofreu decréscimo na produção demassa seca total. Resultados semelhantes foramobtidos por Rocha Filho et al. (1979), ao estudar ainfluência do B no crescimento e na composiçãoquímica de Eucalyptus grandis, segundo estesautores houve um efeito depressivo nocrescimento do eucaliptus nas doses superiores a0,5 mg.L-1 de B. Estudando doses de B em plantasjovens de pimenta longa (Pipper hispidinervium),Viégas et al. (1999), obtiveram produção máximade massa seca total com a dose estimada de1,1 mg.L-1 de B, indicando que a pimenta longaé mais responsiva e mais exigente em boro queo urucuzeiro.

O cultivar Embrapa 36 respondeunegativamente as doses de B, apresentandodecréscimo na massa seca total desde a dose de0,5 mg.L-1 de B. Nas condições em que se

desenvolveram os trabalhos, o cultivar Embrapa 36demonstrou ser menos responsivo aomicronutriente B do que o cultivar 37, ou maiseficiente na extração deste nutriente do solo.Segundo Malavolta (1997), a tolerância relativa dasplantas a toxidez de um determinado nutriente,parece depender diretamente da velocidade detransporte das raízes para a parte aérea. Osresultados sugerem que houve maior eficiência notransporte de nutrientes das raízes para a parteaérea no cultivar Embrapa 36, provocando elevaçãobrusca dos teores de B, explicando a maiorsensibilidade do cultivar Embrapa 36, à toxidez deB. A redução de massa seca das raízes do cultivarEmbrapa 36, ocorrida, desde doses de 0,5 mg L-1

de B, pode ter ocorrido também, pela indução do“estado iônico interno dos nutrientes nas raízes”ou por características genéticas de um doscultivares (MALAVOLTA, 1980).

Haag et al. (1988), pesquisando a carênciade macronutrientes e B em urucuzeiro observaramque a omissão de B não afetou o crescimento deurucuzeiros, chegando até a superar o tratamentocompleto, no entanto, estudando a cultura do

Gráfico 3 - Efeito das doses de B na produção de massa seca total de urucuzeiro cultivares Embrapa 36 eEmbrapa 37.

Fonte: dados da pesquisa.

121Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A resposta negativa do cultivar Embrapa 36às doses de B, pode ser explicada também, emvirtude das plantas terem absorvido do substrato,onde se mantiveram até a data do transplantiopara os vasos, quantidades de B suficientes parasua nutrição durante o período da pesquisa, como

ocorreu com Teixeira et al. (1996), que estudandodoses de B na formação de mudas de pupunheirasconstataram que o desenvolvimento das plantasnão foi afetado quando submetidas a diferentesdoses do nutriente, sugerindo que as mudas depupunheira podem ter absorvido quantidades

camucamuzeiro, Viégas et al. (2004b), verificaramque a omissão de B apresentou uma redução deaproximadamente 70% na produção de massaseca total em relação ao tratamento completo.

De acordo com Malavolta (1980), o excessode um determinado nutriente pode afetar osprocessos fisiológicos, conduzindo a planta aanormalidades visíveis (Fluxograma 1):

Fluxograma 1. Seqüência de eventos que conduzem a anormalidades visíveis.Fonte: Malavolta (1980).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 122

4 CONCLUSÃO

Os resultados da pesquisa permitem asseguintes conclusões:

A aplicação de B não promoveu incrementona produção de massa seca para o cultivarEmbrapa 36.

suficientes de B no substrato utilizado (húmus eterra de barranco). Corroborando com esta idéiatemos a afirmativa de Malavolta (1980), que amatéria orgânica é o principal concentrador de Bque atende as necessidades das plantas e tem-se,

também, os resultados apresentados por Haag etal. (1988), que estudando a carência demacronutrientes e de B em plantas de urucuzeiro,verificaram que a deficiência de B foi a última ase manifestar.

A omissão de B não limitou a produção de massaseca da raiz e da massa seca da parte aéreapara o cultivar Embrapa 36, sendo este cultivar,menos responsivo a adubação boratada.

A dose de 0,5 mg.L-1 de B, foi suficiente parasuprir as necessidades do cultivar Embrapa37, durante o período de estudo.

123Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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125Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

MANEJO SUSTENTÁVEL DE FLORESTAS SECUNDÁRIAS: ESPÉCIES POTENCIAIS NO NORDESTEDO PARÁ, BRASIL*

Gustavo Schwartz**

RESUMO

O nordeste do estado do Pará é a região de colonização mais antiga da Amazônia brasileiracom as florestas secundárias respondendo por 90% de sua vegetação. Neste estudo foi avaliado opotencial de espécies de plantas para o manejo de florestas secundárias a partir de dados etnobotânicosde agricultores e de parâmetros ecológicos. Foram citadas 87 espécies, das quais 85 identificadas em41 famílias botânicas. Tucumã (Astrocaryum vulgare), ingá (Inga heterophylla), sapucaia (Lecythispisonis), açaí (Euterpe oleracea), matamatá-vermelho (Lecythis idatimon), tatapiririca (Tapiriraguianensis) e sucuuba (Himatanthus sucuuba) podem ter, segundo os agricultores da região, umagrande importância econômica. Elas apresentaram, naturalmente, altas densidades e freqüênciasabsolutas nas áreas estudadas. Sugere-se que estas espécies sejam consideradas em planos de manejopara o uso múltiplo em florestas secundárias.

Palavras-chave: Produtos florestais madeireiros. Produtos florestais não-madeireiros. Manejo florestal- Amazônia. Etnobotânica.

* Apoio financeiro do FUNTEC – SECTAM – PA; PROMANEJO – MMA e do FNMA – MMA.* * Biólogo, M.Sc, Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, C.P. 48, CEP 66017-970, Belém (PA) – Brasil, endereço

eletrônico: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 126

SUSTAINABLE MANAGEMENT OF SECONDARY FORESTS: POTENTIAL SPECIES IN NORTHEASTOF PARÁ, BRAZIL

ABSTRACT

The Northeast of Pará state is the oldest region of colonization in Brazilian Amazon with secondaryforest in 90% of its vegetation. In this study it was evaluated the potential of plant species forsecondary forest management from farmers ethnobotanical data and ecological parameters. It wascited 87 species, 85 where identified in 41 botanical families. Tucumã (Astrocaryum vulgare), ingá(Inga heterophylla), sapucaia (Lecythis pisonis), açaí (Euterpe oleracea), matamatá-vermelho (Lecythisidatimon), tatapiririca (Tapirira guianensis) and sucuuba (Himatanthus sucuuba) can have, accordingto local farmers, a great economic importance. They presented, naturally, high densities and highabsolute frequencies in the studied areas. It suggests that these species should be regarded inmanagement plans for multiple use in secondary forests.

Key-words: Timber forest products. Non-timber forest products. Forest management – Amazon.Ethnobotany.

127Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

Florestas secundárias são formaçõesvegetais resultantes de processos sucessionaisapós a perda de florestas primárias por causasantrópicas ou naturais (BROWN; LUGO, 1990;FINEGAN, 1992). Nas fronteiras antigas decolonização da Amazônia brasileira, em especialo nordeste do Pará, as florestas secundárias(capoeiras) formam mosaicos de diversas sériessucessionais desde campos sujos a florestassemelhantes às primárias (BAAR; CONCEIÇÃO,1993; VIEIRA et al., 1996). A composição florísticade uma floresta secundária depende de fatorescomo o histórico de uso da terra (número de ciclosde corte e queima, manejo do solo e banco desementes), condições climáticas, distância defontes de biodiversidade bem como decomponentes estocásticos (HALPERN, 1989).

Quanto a serviços ambientais, as florestassecundárias podem ser importantes para aacumulação de biomassa e nutrientes,continuidade dos ciclos biogeoquímicos,manutenção do fluxo gênico, conservação derecursos hídricos, solo e paisagem (BRIENZA, 1999;LOPES, 2000). Na Amazônia brasileira estasflorestas têm sido usadas para a agricultura emciclos de corte e queima “slash and burn” paraque os nutrientes tornem-se novamentedisponíveis (DENICH; KATO, 1993; BRIENZA, 1999).Além das funções ambientais as florestassecundárias, dependendo de seu estágiosucessional e de sua composição florística, podemter uma função econômica ao oferecer diversostipos de produtos. Entre eles, destacam-se:madeira, lenha, frutos, sementes, florada para aatividade apícola, fitoterápicos e matéria-primapara artesanato e confecção de utensílios(WITHELM, 1993; FRANCEZ; CARVALHO, 2002;ROCHA; SILVA, 2002). No entanto, nem sempreesses produtos são considerados pelos agricultorescomo geradores de renda, devido a seremconsumidos ou usados em suas propriedades sem

comercialização. A necessidade de uso diretodestes produtos e, em geral, as restrições demercado (SHANLEY et al., 2002) não os convertemem renda financeira para o agricultor. Desta forma,em geral as florestas secundárias acabam sendoeconomicamente pouco valorizadas.

Em ambientes tropicais as florestassecundárias vêm aumentando seus domíniosgeográficos. No continente americano,aproximadamente 1.800.000km2 (21%) dacobertura florestal encontra-se na forma defloresta secundária ou floresta primáriadegradada, sendo 500.000km2 somente naAmazônia brasileira (OIMT, 2003). Na Amazôniabrasileira as florestas secundárias ocupam 30%da área onde a vegetação primária foi substituída.No nordeste do Pará elas respondem por 90% detoda a cobertura vegetal (DENICH; KANASHIRO,1993; FERREIRA; OLIVEIRA, 2001; MESQUITA-NETO et al., 2001). A região apresenta grandesmosaicos de tipos florestais, desde áreasdegradadas com solos desgastados, comuns nomunicípio de Bragança (colonização em torno de200 anos) até municípios como Capitão Poço eGarrafão do Norte (colonização recente) onde adegradação do solo é menor e os fragmentos defloresta primária fazem parte da paisagem (SMITHet al., 2003; BAAR et al. 2004).

Neste cenário, onde a floresta secundáriaé um elemento dominante e fundamental para amanutenção da atividade agrícola e geração derenda, torna-se necessário mais conhecimentosobre formas de uso eficientes e sustentáveisdesta vegetação. Com o objetivo de contribuirpara a valoração, uso e conservação de espéciesvegetais amazônicas em florestas secundárias,este estudo avalia o potencial econômico eecológico de algumas espécies a partir decaracterísticas populacionais e informaçõesetnobotânicas de agricultores.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 128

Neste trabalho, cada agricultor amostradoé definido como “pequeno agricultor” ou seja,toda a pessoa que vive da agricultura praticadanuma propriedade com até 100ha de onde retirao seu sustento e de sua família (MENEZES, 2000;CARVALHEIRO et al., 2001).

Para o levantamento das informaçõesetnobotânicas dos agricultores foi utilizado ométodo do Diagnóstico Rápido Participativo(DRP). Este método é rápido e seguro para olevantamento de dados etnobotânicos, sendodesnecessário questionários individuais(FREUDENBERGER, 1994). A amostragem foicomposta por 52 agricultores de ambos os sexose diferentes idades, divididos em três grupos: 32de Bragança, 12 de Capitão Poço e 8 de Garrafãodo Norte. O tamanho das amostras reflete onúmero de agricultores participantes do projeto“Manejo Sustentável de Florestas Secundárias”coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental. Asamostragens foram realizadas nos dias 25 e 26de agosto de 2003, na comunidade de BenjamimConstant (Bragança), para os representantes deBragança e nos dias 4 e 5 de outubro de 2003 nacomunidade de Bom Jardim (Capitão Poço) paraos representantes de Capitão Poço e Garrafãodo Norte.

Foram avaliados, para cada um dos trêsgrupos de agricultores, separadamente, cincoclasses de produtos encontrados em florestassecundárias da região: 1) madeira para diversosfins; 2) madeira para combustível (lenha ecarvão); 3) plantas medicinais; 4) frutos paraconsumo in natura ou para a indústria e 5) plantasornamentais e para o artesanato.

Para cada classe de produtos desenhou-se uma matriz em cartolina. Nas linhas dasmatrizes foram citadas as dez plantas maisimportantes, escolhidas a partir da discussão evotação em cada um dos três grupos deagricultores. Nas colunas, as dez plantasselecionadas foram comparadas entre siquanto: 1) importância de uso na propriedade;2) valor de venda; 3) abundância e 4) tempogasto na exploração e manejo do produto(quanto menor o tempo, maior o número depontos). Cada item recebeu uma pontuaçãoque variou de 1 (menor valor) a 3 (maior valor),somando um total de 4 a 12 pontos para cadaplanta, em cada grupo de produtores. Apontuação recebida por cada planta foimarcada com grãos de feijão postos sobre acartolina pelos próprios agricultores. As plantasescolhidas poderiam ser citadas em mais de

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 ÁREAS DE ESTUDO

O trabalho de campo foi realizado em áreasde floresta secundária com diferentes estádiosde sucessão em três municípios do nordeste doPará, Brasil: Bragança (01°02’S e 46°46’W),Capitão Poço (01°45’S e 47°01’W) e Garrafãodo Norte (01°56’S e 46°57’W). Todos osagricultores que forneceram as informaçõesetnobotânicas para este trabalho vivem em

propriedades nestes municípios. O clima da região,segundo a classificação de Köppen, é do tipo Amcom precipitação anual em torno de 2.500mm, comuma curta estação seca entre setembro e novembro(precipitação mensal em torno de 60mm),temperatura média de 26° e umidade relativa doar entre 75% e 89% nos meses com menor e maiorprecipitação, respectivamente (DINIZ, 1991).

2.2 LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES ETNOBOTÂNICAS

129Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

2.3 INVENTÁRIOS FLORESTAIS

Foram estabelecidos ao acaso parcelasde aproximadamente 200m×6m em áreas defloresta secundária em 22 propriedades rurais(KREBS, 1999) em junho de 2004. Em cadapropriedade existia 2ha a 50ha de florestasecundária com diferentes idades de sucessão.A idade de sucessão das capoeiras foideterminada a partir de informações fornecidaspelo dono da propriedade. A amostragemrepresenta a diversidade da vegetaçãoencontrada no nordeste do Pará. A regiãopossui a colonização mais antiga da Amazônia,apresentando um mosaico de florestassecundárias em diferentes graus de sucessão(SMITH et al. 2003). Nas parcelas foi verificadaa presença de espécies fanerógamas, excetoepífitas. Das 22 propriedades, onzelocalizavam-se em Bragança, cinco em CapitãoPoço e as outras seis em Garrafão do Norte. Aidentificação botânica dos indivíduos foi feitaem campo por parataxônomo. Quando aidentificação em campo foi impossível,amostras de material fértil ou vegetativo foramcoletadas para posterior identificação emherbário. O material coletado foi depositadono Herbário IAN da Embrapa AmazôniaOriental em Belém, Pará. Nos inventários,sempre que possível, ao menos um agricultor(geralmente o dono da área) acompanhava aequipe de trabalho. A participação dosagricultores nos inventários ajudou a

padronizar as variações das denominaçõespopulares às espécies e associá-las ànomeclatura botânica.

A freqüência absoluta (FA) foi obtida pelonúmero de áreas (parcelas) em que determinadaespécie ocorreu dividido pelo número total deáreas amostradas, conforme adaptação dométodo descrito por Silva et al. (2005). Adensidade (D) foi calculada a partir do total donúmero de indivíduos de determinada espécie emtodas as amostras dividido pela área totalamostrada (2,64ha). As espécies foramclassificadas em: baixa (B); média (M) ou alta (A)densidade, apresentando um número deindivíduos < 10; entre 10 e 50 e ≥ 50 por hectare,respectivamente.

A identificação do hábito ou forma devida, tanto das espécies inventariadas quantodas plantas citadas pelos agricultores, ocorreude acordo com Ribeiro et al. (1999). Cadaespécie foi classificada em árvore, arbusto,palmeira, cipó, erva e hemiepífito. As inferênciasestatísticas consistiram em testes não-paramétricos. O teste qui-quadrado (χ2) foiusado para a verificação de proporçõesesperadas iguais numa mesma amostra e o testede Mann-Whitney (U) para a comparação entreduas amostras independentes (FOWLER;COHEN, 1990).

uma classe de produtos, as quais foramdenominadas de “uso múltiplo”. Quandocitadas em apenas uma classe de produto eram

denominadas de “uso único”. Uma mesmaplanta poderia ser citada em diferentes gruposde agricultores.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 130

3 RESULTADOS

3.1 INVENTÁRIOS FLORESTAIS

Os agricultores dos três municípios citaram87 plantas. Destas, 79 foram identificadas emnível de espécie, quatro em nível de gênero, duasem nível de família e outras duas não foramidentificadas (Anexo A). A associação dediferentes nomes vulgares citados nas amostrascom a espécie biológica foi possível devido àpresença de agricultores em 50% dos inventários.As 22 capoeiras amostradas apresentaram umamediana de 30 anos, tendo a mais nova e a maisvelha 15 e 60 anos de sucessão, respectivamente.

As 85 plantas identificadas distribuíram-se em 41 famílias da seguinte forma: Fabaceae(13), Arecaceae (10), Lecythidaceae (7),Apocynaceae (6), Bignoniaceae (4) e Clusiaceae(3), as demais tiveram até duas espéciesrepresentadas. Árvores predominaram quantoao hábito, não apenas no número de espéciesmas na abundância. Oito palmeiras foram citadase encontradas em altas e médias densidades. Os

demais hábitos tiveram menor representação emdiferentes densidades (Gráfico 1). Das 87 plantascitadas pelos agricultores três não seenquadraram nos grupos estudados (duaspteridófitas e uma epífita). De 84 plantas citadase possível de serem inventariadas, 72 (85,71%)foram encontradas nas 22 áreas levantadas. Dozeplantas citadas pelos agricultores não foramencontradas em nenhuma parcela. Porinformações da literatura e de parataxônomos,cipó-titica, coco-da-baia, ubim, cipó-alho, paricá,axima ou malva-rósea, goiaba, elixir-paregórico,taboca e saracura pertencem às espéciesHeteropsis flexuosa, Cocos nucifera, Geonomasp., Pachyptera alliaceae, Schizolobiumamazonicum, Pavonia malacophylla, Psidiumguayava, Piper callosum, Guadua sp. e Amasoniacampestris. Para as plantas citadas com os nomespopulares de paeira e pau-de-pedra não foramencontradas as espécies correspondentes, tantona literatura quanto nos inventários.

3.2 DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO

De acordo com os resultados do DRP, 23espécies (26,44%) ganharam pontuação igualou superior a 20, no somatório dos três gruposde agricultores. Destas, tucumã (Astrocaryumvulgare), ingá ou ingá xixica (Inga heterophylla),sapucaia (Lecythis pisonis), açaí (Euterpeoleracea), matamatá-vermelho (Lecythisidatimon), tatapiririca (Tapirira guianensis) esucuuba (Himatanthus sucuuba) obtiveram altadensidade (50 ou mais indivíduos por hectare)e freqüência absoluta maior que 0,50% nosinventários. Independente da densidade efreqüência absoluta nas áreas, apenas noveplantas obtiveram alta pontuação (≥ 23) emtodos os municípios (Tabela 1). Quanto às

classes de produtos, madeira para combustívelteve o maior número de espécies citadas,enquanto frutos teve o menor (Gráfico 1). Asornamentais/artesanais e medicinais, aocontrário de madeira para diversos fins,apresentaram a maior parte das espécies comode uso único. Madeira para combustível e frutosmostraram equilíbrio entre as espécies únicase múltiplas (Gráfico 1). Entre as espéciescitadas, 66 oferecem apenas um tipo deproduto, outras 20 têm uma combinação dedois e somente sapucaia pode oferecer trêstipos de produtos (veja o Anexo A). Para umamesma planta, a combinação de madeira paradiversos fins e madeira para combustível foi a

131Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

mais comum (Tabela 1). Houve uma diferençasignificativa na distribuição das espécies citadasentre todas as combinações possíveis para oscinco tipos de produtos estudados (χ2 = 28,00;gl = 9; p = 0,001).

Entre as espécies com maiores pontuações(Tabela 1), as de uso múltiplo receberam maispontos que as de uso único. A diferença entre osgrupos foi significativa (U=2,00; p<0,05), tendoo tucumã os maiores valores tanto para o produtofruto quanto ornamental.

Não houve diferença significativa(χ2=5,98; gl=3; p=0,113) entre os somatóriosdas comparações: 1) importância de uso napropriedade; 2) valor de venda no mercado;3) abundância e 4) tempo gasto na exploraçãoe manejo ou tempo e dificuldade de coleta doproduto que obtiveram os valores 340; 297;291; 334, respectivamente. Também, nãohouve diferença significativa (χ2=2,48; gl=4;p=0,647) entre os somatórios dos valoresobtidos pelos cinco tipos de produtosestudados.

Gráfico 1 - Número de plantas citadas pelos agricultores em função das classes de produtos que podemproduzir. Número de plantas de uso único e de uso múltiplo.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 132

Tabela 1 - Densidade das espécies citadas pelos agricultores e encontradas em 22 áreas amostradas no nordestedo Pará em função de seus hábitos (árvore, arbusto, palmeira, cipó, erva e hemiepífito).

Fonte: Dados da pesquisa.Nota: Densidades: baixa (<10 indiv./ha); média (entre 10 e 50 indiv./ha) e alta (≥ 50 indiv./ha).

Tabela 2 - Espécies com as maiores pontuações dadas pelos agricultores nos municípios de Bragança (BR),Capitão Poço (CP) e Garrafão do Norte (GN) para uso único (quando citadas para apenas umaclasse de produto) e uso múltiplo (quando citadas para mais de uma classe de produto).

Fonte: Dados da pesquisa.

Tabela 3 - Combinações possíveis de pares de classes de produtos para as plantas de uso múltiplo citadospelos agricultores.

Fonte: Dados da pesquisa.

133Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

4 DISCUSSÃO

Nos inventários, a presença do proprietárioda área, além da contribuição do parataxônomo,foi imprescindível para a correta identificação dasespécies biológicas e a devida associação comvariações de nomes regionais (nomes populares)a elas atribuídos pelos 52 agricultoresselecionados. Coco-da-baía (Cocos nucifera),goiaba (Psidium guayava) e xaxim (Dicksoniasellowiana), embora citadas, não ocorremnaturalmente nos ecossistemas estudados. Entreas espécies citadas pelos agricultores e nãoencontradas nos inventários, cipó-titica(Heteropsis flexuosa), ubim (Geonoma sp.), cipó-alho (Pachyptera alliacea), paricá (Schizolobiumamazonicum), elixir-paregórico (Piper callosum),e taboca (Guadua sp.) também não ocorrem emoutra florestas secundárias da região, conformelevantamentos de Vieira (1996), Araujo et al.(2001), Baar et al. (2004) e em catálogo de Rochae Silva (2002). O fato de cipó-titica, cipó-alho etaboca terem sido apontadas somente poragricultores de Capitão Poço e Garrafão do Nortepode ser devido aos tipos de florestasencontradas naquela região. Nestes municípiosocorrem fragmentos de floresta primária, ondeestas espécies são mais comuns, sendo provávelque não ocorram em capoeiras jovens quanto aestágios sucessionais.

As arecáceas, como espécies de usomúltiplo (ornamentais, produtoras de frutos e dematerial para artesanato), seriam importantes emplanos de manejo de florestas secundárias. Entreas arecáceas, o açaí, embora tenha sidoconfirmado como uma importante espécie naeconomia da região, ainda é pouco exploradocomo ornamental ou produtora de matéria-primapara o artesanato (NATURAL RESOURCESINSTITUTE, 1993). Para a produção de alimento,o palmito do açaizeiro (Euterpe oleracea) poderiaentrar fortemente em mercados do sul e sudestedo país como alternativa ao escasso palmito da

Mata Atlântica (Euterpe edulis) ou mesmoconquistar mercados internacionais (GAMA et al.,2003).

O tucumã (Astrocaryum vulgare) temgrande potencial para exploração econômica. Éuma planta usada no artesanato (suas fibras ecaroços são comuns em artigos regionais,especialmente indígenas) e serve na recuperaçãoambiental, pois desenvolve-se bem em áreasalteradas (CALZAVARA et al., 1978; CYMERYS,2005). Os frutos apresentam grande quantidadede caroteno, podendo ser considerado umalimento funcional (VILLACHICA, 1996). Noentanto, mesmo considerada como espécieimportante, observa-se certa resistência, entre osagricultores, ao seu cultivo. Isto deve-se àdificuldade na coleta e manuseio dos frutos, poiso tucumã é muito espinhoso, o que poderiaprejudicar futuros planos de manejo em que fosseinserido (observação pessoal).

Tatapiririca (Tapirira guianensis),matamatá-vermelho (Lecythis idatimon),sapucaia (Lecythis pisonis) e ingá (Ingaheterophylla) assim como marupá (Simaroubaamara) e buiuçu (Ormosia coutinhoi), podemservir para produção de lenha em pequenaspropriedades (OLIVEIRA et al., 2001) ou nomercado, ainda incipiente, de madeiras com baixadensidade. A menor resistência e durabilidadedas madeiras com baixa densidade poderiam sercontornadas a partir de inovações tecnológicasem seu tratamento de modo a adquirir novosmercados (FINEGAN, 1992). Outras espécies,também, com madeira de baixa densidade, sãocupiúba (Goupia glabra), lacre (Vismiaguianensis), maravuvuia (Croton matourensis),ingá-vermelho (Inga alba), louro prata (Ocoteaguianensis), pau-de-pico (Banara guianensis),pian-pian (Ormosia paraensis) e tatajuba(Bagassa guianensis) que pertencem a grupos

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 134

ecológicos de espécies pioneiras ou não-pioneirasdemandantes de luz (SWAINE; WHITMORE,1988). O manejo da regeneração natural destegrupo ecológico consiste em manter a luz sobreas mudas, através da liberação de copa, para orápido crescimento dos indivíduos. Esta formade manejo poderia servir, ainda, para envira-cabo-de-rodo (Guatteria amazonica), matau-branco(Xylopia frutescens), morototó (Scheffleramorototoni), matamatá-branco (Eschweileracoriacea), parapará (Jacaranda copaia) eembaúba-branca (Cecropia leucoma) quenecessitam de muita luz e foram citadas comoespécies ornamentais ou medicinais.

Ingá e sapucaia, além de madeira, podemproduzir frutos para o consumo humano. Emboraseja grande a quantidade de frutos produzidospelo ingá, a percentagem de polpa é pequena,gerando pouco estímulo ao seu uso para finseconômicos. A sapucaia produz amêndoas deapreciado sabor, mas a coleta de seus frutos setorna difícil devido aos mecanismos de dispersãoda espécie (CAVALCANTE, 1988). As sementesespalham-se pelo chão da floresta sendorapidamente colhidas por animais dispersores.Shanley et al. (2002), em estudo de mercado nacidade de Belém, identificaram o piquiá (Caryocarvillosum), o bacuri (Platonia insignis) e o uxi(Endopleura uchi) como as três frutas amazônicasmais valorizadas. Embora o piquiá, o bacuri e ouxi não estarem entre as espécies com maiorpontuação, elas foram citadas pelos agricultorescomo importantes. Piquiá e uxi ocorreram embaixas freqüências nos inventários sendointeressante investimentos em plantio ouenriquecimento para o seu manejo. Já o bacuri,com forte pontuação entre os agricultores deBragança, possui grande interesse comercial eocorre em abundância no nordeste do Pará eoeste do Maranhão. Com relação ao seu manejo,tem a vantagem de possuir alta capacidade deregeneração por brotamento (SOUZA et al.,2000). A planta desenvolve-se bem em solos

pobres, tornando-se uma boa alternativa para arecuperação de áreas degradadas bem como paraa restauração de ecossistemas pois, conformeRios et al. (2001), seus frutos são atrativos defauna. A polpa do bacuri, com a qual sãofabricados doces, cremes e sorvetes, tem altovalor comercial nos mercados locais (SHANLEY;MEDINA, 2005). Desta forma, o bacuri tempossibilidades de aumentar o seu consumo nasregiões Nordeste e Sudeste do Brasil,especialmente pelas características químicas esabor agradável (TEIXEIRA, 2000).

Para a produção de frutos ainda sedestacaram as arecáceas buriti (Mauritiaflexuosa), bacaba (Oenocarpus bacaba) e inajá(Maximiliana regia). Do buriti e da bacaba épossível se explorar, além das folhas para afabricação de utensílios, o fruto para a produçãode bebidas e óleos (ALTMAN; CORDEIRO, 1964;CAVALCANTE, 1988; VILLACHICA, 1996). Assimcomo o tucumã, o buriti desenvolve-se bem emsolos pouco férteis, ácidos e alagados (GAZEL-FILHO; LIMA, 2001), também servindo para arecuperação de áreas degradadas. Ainda poucovalorizados estão os frutos do inajá, que podemser consumidos in natura (SHANLEY et al., 1998).Segundo Cavalcante (1988) as sementes de inajáproduzem um óleo semelhante ao do babaçu eas folhas servem para a fabricação de utensílios.Cupuaçu (Theobroma grandiflorum) e muruci(Byrsonima crispa), devido à reduzida freqüênciae densidade encontradas nos inventários,poderiam ser cultivados em sistemasagroflorestais.

A sucuuba (Himatanthus sucuuba), citadacomo importante planta medicinal, é comum emcapoeiras jovens (FERREIRA; OLIVEIRA, 2001).Informações etnobotânicas sobre seu usoterapêutico são controversas (WOOD et al., 2001)mas, no Pará, a sucuuba tem mercado para suacasca, usada para tratamento de úlceras(SHANLEY et al., 2002). Ipê-amarelo (Tabebuia

135Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

serratifolia), cedro (Cedrela odorata) e andiroba(Carapa guianensis), apesar de terem recebidoalta pontuação para a produção de madeira paradiversos fins e como medicinais, ocorreram emfreqüência e densidade reduzidas. Estas espécies,devido as suas características ecológicas, não sãocomuns em florestas secundárias, o que pode sercontornado com o enriquecimento. A andirobavem ganhando valor no mercado de produtosnão-madeireiros, o óleo de suas sementes temgrande demanda na indústria de cosméticos.Quanto ao seu uso medicinal, diferentes partesda planta servem contra reumatismo, cicatrizaçãoda pele e controle de febre. E, além disso, vemsendo usada como repelente de mosquitos e nafabricação de outros produtos como vela, sabãoe xampu (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISAAGROPECUÁRIA, 2004). Assim como a copaíba(Copaifera spp.), o manejo da andiroba pode serum investimento importante em pequenaspropriedades onde existam capoeiras para omanejo de uso múltiplo.

O barbatimão é um nome vulgar utilizadopara a espécie Maytenus myrsinoides e paraespécies dos gêneros Connarus eStryphnodendron das famílias Connaraceae eFabaceae, respectivamente (MESQUITA-NETO etal., 2001; SHANLEY; LUZ, 2003). Nos inventáriosfoi identificada em apenas duas capoeiras antigasa espécie Maytenus myrsinoides, apresentandomédia densidade. Esta densidade também foiencontrada por Rios et al. (2001) em áreas domunicípio de Bragança. Os mesmos autores citamque Maytenus myrsinoides é utilizada na regiãoBragantina para o tratamento de inflamações,diarréia, problemas renais e hepáticos.

Os cipós escada-de-jabuti (Bauhiniaguianensis), verônica (Dalbergia monetaria) eunha-de-gato (Uncaria guianensis) ocorreramentre as medicinais com melhor pontuação.Embora fosse esperada uma grande abundânciadestas lianas nos inventários, pois são comuns

em áreas alteradas (GERWING, 2003), todasapresentaram baixa freqüência e densidade. Abaixa densidade de unha-de-gato se deve a suararidade em florestas de terra firme, sendo maiscomum nas várzeas. Já as demais, a baixadensidade observada talvez seja devido àexistência de estratégias de crescimento queexijam florestas com estrutura mais complexa(MIRANDA, 2005), o que nem sempre é possívelem capoeiras.

O guarumã (Ischnosiphon arouma) foicitado por agricultores dos três municípios paraa fabricação de utensílios mas apresentou baixafreqüência nos inventários, pois exige áreasalagadas sendo, no nordeste do Pará, largamenteutilizado para a construção de cestos e outrosartigos (SHANLEY et al., 2002). O manejo destaespécie em florestas secundárias seria simples,desde que houvesse áreas alagadas ou margensde igarapés, pois cresce rápido e rebrota comfacilidade após o corte.

Além dos aspectos ecológicos comodensidade e freqüência deve-se considerar aaptidão para a produção de diferentes produtosnuma mesma espécie (GAMA et al., 2003) pois,em pequenas propriedades rurais, a diversificaçãoé uma necessidade. Os resultados sugerem queas classes de produtos “madeira para diversosfins” e “madeira para combustível” devem sertratadas em conjunto. Em florestas secundáriasa maior parte da madeira produzida é de baixadensidade, o que nem sempre atinge bonsmercados (FERREIRA; OLIVEIRA, 2001). Para isso,uma alternativa viável e não exclusiva seria omanejo de espécies produtoras de lenha. Ao sepensar espécies para a produção de madeira,seria pertinente conciliar estes dois produtos. Aconciliação da exploração de madeira e de partesda planta para fins medicinais é uma alternativaviável, desde que realizado um manejo racional,sem comprometer a devida manutenção de suaspopulações naturais.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 136

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Marli M. Mattos, José doCarmo A. Lopes e Silvio Brienza Jr. pelo incentivo,discussões e leitura dos manuscritos. Aosagricultores parceiros, estagiários e funcionáriosdo projeto “Manejo de Florestas Secundárias”pela colaboração e apoio nas atividades de

Em geral as áreas de capoeiras naspropriedades de pequenos agricultores nãoultrapassam algumas dezenas de hectares. Paraum manejo economicamente viável serianecessário um esforço cooperativo entre

agricultores. O manejo de florestas secundáriasem sistemas associativos ou cooperativospermitiria a aquisição de equipamentos, aconstrução de viveiros e maior poder de barganhana conquista de novos mercados.

5 CONCLUSÃO

As florestas secundárias do nordeste doPará podem ser uma fonte de renda paraagricultores, desde que manejadas com o objetivode uso múltiplo, tanto para produtos madeireirosquanto não-madereiros. Para planos de manejoem florestas secundárias sugere-se incluir asespécies tucumã (Astrocaryum vulgare), ingá

(Inga heterophylla), sapucaia (Lecythis pisonis),açaí (Euterpe oleracea), matamatá-vermelho(Lecythis idatimon), tatapiririca (Tapiriraguianensis) e sucuuba (Himatanthus sucuuba)que, além de serem economicamenteimportantes, ocorrem naturalmente em altasdensidades e freqüências absolutas.

campo. Ao Laboratório de Botânica da EmbrapaAmazônia Oriental na identificação das espéciesnos inventários. E, por fim, ao FUNTEC daSECTAM-PA e ao PROMANEJO e FNMA do MMAquanto aos financiamentos em diferentes fasesdo projeto.

137Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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141Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Anexo A: Espécies citadas por agricultores e seus respectivos usos. Os usos referem-se àsespécies produtoras de: madeira para diversos fins (md); madeira para combustível (mc); medicamentos(me); frutos (fr) e materiais para o artesanato ou ornamentais (or). Hábito (H): árvore (a); arbusto(ar); palmeira (p); cipó (c); erva (e) e hemiepífito (h).

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143Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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145Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

(*) Espécie citada pelos agricultores mas não encontrada nos inventários.(**) Espécie não inventariada.

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Anexo B: Espécies inventariadas em 22 capoeiras, sendo 11 no município de Bragança (BR), 5 emCapitão Poço (CP) e 6 em Garrafão do Norte (GN), nordeste do estado do Pará, Brasil. Freqüênciaabsoluta (FA) para as áreas amostradas (capoeiras) em cada um dos municípios e a freqüência absolutadas 22 áreas em conjunto. Densidade (D): baixa (bx), quando <10 indiv./ha; média (md) entre 10 e 50indiv./ha e alta (al), quando ≥ 50 indiv./ha.

147Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

149Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

MANIFESTAÇÕES DO BIOCLIMA DO ACRE SOBRE A SAÚDE HUMANA NO CONTEXTOSOCIOECONÔMICO DA AMAZÔNIA

Alejandro Fonseca Duarte*

Márcio Dênis Medeiros Marcarenhas**

RESUMO

A relação entre ambiente e saúde associada ao clima na Região Amazônica, em particular noAcre, evidencia elevados números de acometimentos de doenças infecciosas, parasitárias e do aparelhorespiratório na população, que se distribuem sazonalmente, acontecendo picos das doenças respiratóriastodos os anos no período da seca, junto com o aumento da concentração de fumaça na atmosfera daAmazônia, por motivo das queimadas florestais. Os sinais de mudanças climáticas na Região e suasperspectivas para um cenário mais quente e seco, bem como as manifestações de eventos extremosde chuva distribuídos de forma irregular no espaço e no tempo, podem agravar a situação. Os grandesinvestimentos previstos em infra-estrutura na Região Norte do Brasil poderiam minimizar os impactossociais determinados pelo bioclima regional.

Palavras-chave: Bioclima – Amazônia. Saúde no Acre.

BIOCLIMATIC INFLUENCES OF THE ACRE ON THE HEALTH HUMAN IN THE SOCIOECONOMICCONTEXT OF THE AMAZON

ABSTRACT

Relationships between environment and health associated to Amazonian climate, in particularin Acre, shows high numbers of seasonal incidences due to infectious, parasitary and respiratoryillnesses in the population, with picks of respiratory illnesses during the dry season, in correspondencewith high smoke concentration in the atmosphere, as a result of biomass burning in Amazonia.Manifestations of climate changes and its perspectives in Amazonian rainforest envisaging moredrought and warmer scenarios, and the manifestation of extreme events of rainfall irregular distributedin space and time, could worst the situation. The great investments in regional infrastructure planedfor North Brazil could minimize the social impacts determined by regional bioclimate.

Key-words: Bioclimate - Amazon; Health in Acre.

* Doutor em Física – Professor Associado da Universidade Federal do Acre (UFAC). Rio Branco/AC. E-mail: [email protected]** Mestre em Ciências da Saúde; Especialista em Epidemiologia - Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada

aos Serviços do SUS (EPISUS); Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS). Brasília/DF. E-mail:[email protected]

151Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

A Amazônia é uma região de floresta,áreas urbanas, rurais, agrícolas, pecuárias emadeireiras da América do Sul. Sua extensãocom mais de seis milhões de quilômetrosquadrados abrange partes do Brasil, Peru,Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela e Guianas,percorrida por uma rede de igarapés e rios quedefinem as sub-bacias da grande bacia do rioAmazonas e, também, por rodovias, principaiseixos das transformações na Amazônia. Seushabitantes constituem a maior riqueza da região.As dinâmicas sociais, ambientais e econômicassão contraditórias, juntando modernastecnologias agropecuárias, de exploraçãomadeireira e de outras indústrias, por um lado,e injustas condições de concentração de terras,capitais, renda e indicadores de bem-estarhumano, por outro lado.

A sociedade regional é composta porempresários, latifundiários, famílias tradicionaisenriquecidas pela antiga exploração da borracha,comerciantes, atravessadores, trabalhadoresrurais, colonos, pequenos agricultores, índios eextrativistas. A divisão social da Amazônia é umexemplo de que a ciência e tecnologia não têmestado integralmente a serviço do progressosocial, mas da depredação do ambiente naturale da perda de biodiversidade, separando oshabitantes da região entre pobres e ricos. Apobreza está caracterizada pelos piores

indicadores de educação, saneamento básico,moradia, renda, saúde e outros.

Na Região destacam-se nessa situação osEstados do Pará, Mato Grosso, Rondônia,Amazonas e Acre, cujas populações pobres, alémde submetidas à situação geral da divisão emclasses sociais, sofrem também diretamente asazonalidade bioclimática anual, durante as duasestações do ano, chuvosa e seca; caracterizadaspelas enchentes, desmatamentos e queimadas,bem como por surtos de malária, dengue e dedoenças respiratórias.

No estado do Acre, objeto deste artigo,fazem parte da situação social os acometimentosde malária no Juruá (municípios de Cruzeiro doSul, Mâncio Lima e Rodrigues Alves), onde seregistram milhares de casos todos os anos. Asenchentes acontecem anualmente na região lestedo Acre, afetando em alguma medida os bairrospobres de Brasiléia, Xapuri e Rio Branco e, apóscada enchente, as péssimas condições desaneamento básico geram inúmerasmanifestações de doenças infecciosas eparasitárias. As queimadas, por outro lado,implicam diferentes graus de morbidade pordoenças do aparelho respiratório, ocular e deoutras, que somam dezenas de milhares de casos.Todas as manifestações de doenças mencionadaspodem resultar em morte.

1.1 CLIMAS DA AMAZÔNIA

Na Amazônia acontecem diferentescomportamentos climáticos, como expressõesparticulares de um clima tropical úmido na

classificação de Strahler. Na classificação deKöopen acontecem os subtipos climáticos Am,Af e Aw.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 152

Frente fria

O tempo local e regional se modifica emfunção da convecção local e de meso-escala, bemcomo da influência da Zona de Convergência doAtlântico Sul (ZCAS), na direção SE-NW, da Zonade Convergência Intertropical (ZCIT), na direçãoNE-SW, e da chegada das frentes frias (Mapa 1).

O acumulado anual de chuvas naAmazônia caracteriza as áreas de floresta, zonasdesmatadas ou de pastagem, áreas urbanas ede acidentes geográficos, variando de valoresinferiores a 1.900 mm até valores superiores a

3.000 mm. Distinguem-se áreas de duas estações(chuvosa e seca) e de uma única estação (achuvosa). A temperatura média está entre 25 e27ºC, sendo que as mínimas podem alcançarvalores entre 13 e 15ºC e as máximas entre 34 e36ºC. No Acre existe uma diferença evidente noregime das chuvas entre a parte oeste, de florestamais preservada e próxima do equador, e a parteleste muito desmatada. Essa diferença permiteidentificar a parte oeste com o sub-tipo climáticoAf, enquanto a parte leste com o sub-tipo Am.(MESQUITA;DUARTE, 2005).

Mapa 1 - Convecção e zonas de convergência de umidade influenciam o clima da Amazônia.Fonte: INPE, 2007.

Segundo informações sobreatendimentos à população, do Ministério daSaúde, para a Região Norte do Brasil, é possível

1.2 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL

conferir, na Tabela 1, o aumento absoluto demortes por doenças evitáveis, entre os anos2000 e 2004.

153Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Os valores da Tabela 1 indicam que asmortes devido às doenças de origem infecciosae parasitária aumentaram em 10 % e àquelasrelacionadas com o aparelho respiratórioaumentaram em 33 %, em menos de um lustro.

No Acre, também, é de 33 % o aumentodas mortes devido a doenças do aparelhorespiratório, enquanto aquelas devido a doençasinfecciosas e parasitárias se mantiveram estáveis,no mesmo período, segundo a mesma fonte. Cabelembrar que os números, embora oficiais, nãorefletem inteiramente a situação, por váriasrazões; uma delas é a falta de qualidade eatenção às estatísticas de saúde. Para todo oBrasil o aumento percentual é de 16 % nas mortesrelacionadas a doenças do aparelho respiratórioe de 3 % nas que têm a ver com problemasinfecciosos e parasitários. O que significa ametade do que acontece na Região Norte.

Na Amazônia os impactos do materialparticulado emitido pelas queimadas de biomassaflorestal ocasionam mortes todos os anos. Asregulamentações sobre emissões no Brasilestabelecem um limite inferior de concentração defumaça para um dia e um ano, três vezes superioràs recomendações dadas pela OrganizaçãoMundial da Saúde (WHO, 2006)1. Os estudosepidemiológicos evidenciam que os efeitos domaterial particulado na atmosfera são deletériostanto no curto prazo quanto no longo prazo. AOrganização Mundial da Saúde (OMS) recomendaàs regiões como a Amazônia se ajustarem quantoantes aos padrões mencionados. Medições dematerial particulado, estimativas e modelagem dotransporte de particulado na atmosfera amazônicaindicam que as concentrações de fumaça excedemem mais de 10 vezes os valores limitesrecomendados pela WHO (MASCARENHAS et al.2006; DUARTE; BROWN; LONGO, 2007).

Tabela 1 - Aumento absoluto das mortes ocasionadas por doenças infecciosas, parasitárias e respiratórias naRegião Norte do Brasil, entre 2000 e 2004.

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde, 2007.

Têm sido amplamente divulgadas cifrassobre a pobreza e suas conseqüências dadas àsdesigualdades regionais no Brasil. Oreconhecimento destes números e da necessidadede trabalhar por reverter esta situação,possivelmente sejam as medidas previstas noPrograma de Aceleração do Crescimento (BRASIL,2007). No Programa se prevê investimentos eminfra-estrutura logística, energética, social eurbana para a aceleração do desenvolvimento

1.3 O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO

sustentável e a superação dos desequilíbriosregionais e das desigualdades sociais. Do totalde 503,9 bilhões de reais a serem investidosquase 34 % (170,8 bilhões de reais) serãodedicados à infra-estrutura social e urbana, dosquais 11,9 % corresponderão à Região Norte. Ainfra-estrutura social e urbana contempla luz paratodos, recursos hídricos, saneamento básico,habitação e transporte subterrâneo. Os maioresinvestimentos estão previstos no item habitação.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 154

3.1 ESTAÇÕES CHUVOSA E SECA

No Acre se reconhecem as estaçõeschuvosa e seca. No leste do estado a estaçãochuvosa se estende de outubro a abril; maio é omês de transição entre a estação chuvosa e aseca; a estação seca se estende de junho a agosto;setembro é o mês de transição entre a seca e a

estação chuvosa. As chuvas se iniciam e seestabelecem lentamente; a seca chega maisrapidamente. O mês mais seco é junho. Estasazonalidade anual se observa no Gráfico 1, ondese mostram as médias mensais de chuva paraum período de trinta anos (DUARTE, 2006).

2 METODOLOGIA E DADOS

As informações e dados divulgados nopresente trabalho abrangem o período entre osanos 2000 e 2006. Eles foram obtidos:

De maneira experimental mediante omonitoramento de material particulado naatmosfera, em Rio Branco, Acre, por três métodosdiferentes: a) medições do coeficiente deespalhamento ótico de aerossóis (bs); b) mediçõesde carbono negro (BC) e c) medições daprofundidade ótica de aerossóis (AOT).

Do banco de dados DATASUS doMinistério da Saúde, para a Região Norte doBrasil, que inclui a Amazônia, em particular o

Acre; bem como de pesquisas e avaliações emcampo, internações e atendimentos médicos adoenças do aparelho respiratório em RioBranco, como efeitos das altas concentraçõesde fumaça, oriunda das queimadas debiomassa florestal, acontecidas durante a secade 2005.

As informações foram agrupadas visandorevelar seu caráter sazonal anual e evidenciar ocomportamento bioclimático, assim como,também, as altas incidências em quantidade decasos de morbidade e mortalidade por doençasassociadas às condições ambientais nas épocaschuvosa e seca.

3 SAZONALIDADE DAS CHUVAS, DA FUMAÇA E DAS DOENÇAS ASSOCIADAS AO CLIMANO ACRE

155Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A época das queimadas de biomassaflorestal na Amazônia se relaciona com a estaçãoda seca. O leste do Acre sofre a cada ano apresença de focos de queimadas nos municípiosde Rio Branco, Acrelândia, Plácido de Castro, Xapurie outros, que no extremo mais ocidental do Arco

Gráfico1. Sazonalidade anual das chuvas, em Rio Branco, leste do Acre.

3.2 SECA, FUMAÇA E DOENÇAS DO APARELHO RESPIRATÓRIO

do Fogo da Amazônia, se juntam aos milhares defocos de queimadas, que acontecem nos estadosvizinhos como: Amazonas, Rondônia, Pará e MatoGrosso, gerando altas concentrações de fumaçana região, como se pode ver da Fotografia 1, umaimagem MODIS, exemplo da situação descrita.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 156

As medições de material particulado naatmosfera regional revelam que as concentraçõesde aerossóis variam da estação chuvosa para aestação seca em mais de 80 vezes. No Gráfico 2

se observa como durante os anos 2004 e 2005 ocoeficiente de espalhamento ótico por aerossóisna atmosfera aumentou entre agosto e outubrodevido à fumaça.

Fotografia 1 - Imagem MODIS, que mostra focos de queimadas e altas concentrações de fumaça no leste doAcre e suas vizinhanças.

157Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A poluição do ar ocasiona doenças doaparelho respiratório, que aumentam durante atransição da estação chuvosa para a seca, bem

como durante a seca, devido à influência dasqueimadas (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 2 - Aumento da dispersão da luz devido à presença de fumaça na atmosfera, durante a seca. Asqueimas de biomassa florestal aumentam em mais de 80 vezes a concentração de aerossóis daépoca chuvosa para a seca. Semelhante proporção de aumento se pode notar também através demedições de carbono negro e da profundidade ótica de aerossóis.

Fonte: Duarte; Brown; Longo (2007).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 158

Gráfico 3 - Os casos de doenças respiratórias aumentam na época da seca e na transição entre a estaçãochuvosa e a seca. Os casos se referem a Rio Branco, entre 2004 e 2006.

Gráfico 4 - Casos de doenças respiratórias na região Norte do Brasil, entre 2004 e 2006.

159Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O gráfico 5 apresenta os casos notificadosde dengue na parte leste do Acre. Ela repete oaspecto do gráfico 1, no sentido da elevação donúmero de casos durante a estação chuvosa esua diminuição durante a seca. A incidência damalária (Gráfico 6) apresenta uma expressãopraticamente permanente durante todo o ano,embora aconteceram picos durante novembro e

3.3 ESTAÇÃO CHUVOSA E DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

dezembro de 2005 e janeiro de 2006. Comomostra a Tabela 2, os municípios mais afetadossão os do oeste do Acre: Cruzeiro do Sul, MâncioLima e Rodrigues Alves, pertencentes à regiãodo Juruá, mas a malária está presente, até nomunicípio mais oriental, Acrelândia. Mesmoassim, é maior o risco da transmissão da maláriano oeste do Acre.

Gráfico 5 - Os casos de dengue aumentam na época chuvosa. Os casos se referem a Rio Branco, entre 2004 e2006.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 160

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde, 2007.Nota: (*) a quantidade de habitantes se refere ao ano de 2006.

Gráfico 6 - Os casos de malária se apresentam durante todo o ano, sempre contados em milhares, em todo oAcre.

Tabela 2 - Casos de malária no Acre, entre 2004 e 2006.

161Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

4 CONCLUSÃO

O comportamento bioclimático dosacometimentos por doenças evitáveis naAmazônia, em particular no Acre, é umaevidência à qual se adaptam as populaçõespouco assistidas de uma região, cujosindicadores de desenvolvimentosocioeconômico são notavelmente inferioresaos de outras partes do Brasil. Infelizmente,devido à precariedade das estatísticas de saúdenão é plenamente possível dar uma visãoquantitativa detalhada do fenômeno doaumento sistemático e sazonal das doenças

infecciosas, parasitárias e do aparelhorespiratório. Não obstante, pode-se inferir queo sistema de administração da saúde naAmazônia poderia planejar a eficiência naminimização dos casos de doenças, em princípio,vinculadas ao clima. Por outro lado as medidasa serem tomadas devem ter certo caráter deurgência, devido à tendência das secas a sermais persistentes e severas, as temperaturasmais altas e a ocorrência de eventos extremosde chuva mais freqüentes, o que sinaliza para oagravamento da situação.

NOTA

1 As recomendações de referência dadas pela OMS para

material particulado são: (a) para particulado fino PM2,5,

de 25 µg m-3 para um dia e de 10 µg m-3 para um ano; e

para particulado grosso PM10, de 50 µg m-3 para um dia

e de 20 µg m-3 para um ano. (WHO, 2006, p. 10).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 162

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PERFORMANCE DE CULTIVARES DE SOJA, EM DIFERENTES ÉPOCAS DE SEMEADURA NAREGIÃO SUL DO ESTADO DO TOCANTINS, SAFRA 2006/07

Rodrigo Ribeiro Fidelis*

Joseanny Cardoso da Silva**

Joênes Mucci Peluzio***

Daniel Cappellari**

Hélio Bandeira Barros****

Glauber Lacerda de Carvalho**

RESUMO

Avalia o desempenho produtivo de vinte cultivares de soja em quatro épocas de semeadura(24/11/2006, 01/12/2006, 16/12/2006 e 03/01/2007). O delineamento experimental utilizado foi o deblocos casualizados, com quatro repetições, sendo cada parcela representada por quatro fileiras deplantas, de 5,0m, espaçadas de 0,45m entre si. Os caracteres avaliados foram números de dias para oflorescimento, número de dias para a maturação, altura de inserção de primeira vagem, altura deplantas e produção de grãos. Os resultados permitiram concluir que o cultivar DM 309 obteve maiorprodução na época de semeadura realizada no dia 24 de novembro; na segunda e terceira épocas desemeadura o cultivar BRSMG Robusta apresentou as maiores médias; na quarta época os cultivaresapresentaram desempenho semelhante. A primeira época favoreceu os maiores valores de produçãode grãos.

Palavras-chave: Produção agrícola. Soja - Cultivares. Estado do Tocantins.

* Engenheiro Agrônomo; Doutor em Fitotecnia – Professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins (UFT), CampusUniversitário de Gurupi. E-mail: [email protected]

** Acadêmicos de Agronomia da UFT, Campus Universitário de Gurupi. E-mail: [email protected]*** Engenheiro Agrônomo; Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas – Professor Adjunto da UFT, Campus

Universitário de Gurupi. E-mail: [email protected]**** Engenheiro Agrônomo; Doutorando em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: [email protected]

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PERFORMANCE OF SOYBEAN CULTIVARS AT DIFFERENT SOWING SEASON, IN TOCANTINSSTATE SOUTHERN

ABSTRACT

In order to evaluate the effect of the sowing season on the grain production of soybean, fouressays were carried out at UFT Experimental Station in Gurupi- To in the agricultural year of 2005/06(24/11, 01/12, 16/12, 03/01). The experimental design employed was a randomized blocks with fourrepetitions, in plots of 4 rows of 5 meters length, spaced 0,45 m between rows. It was evaluated thefollowing characteristics: number of the days for blooming; number of the days for maturation; plantsheight, first pod height and grain production. Variations between the soybean cultivars in the severalseasons of sowing related to the grain production. The grains production of all the cultivars wassubstantially bigger when sowing was realized in 24/11. DM 309 and BRS Robusta were cultivars thatmore whether emphasized in seasons 24/1, 01/12 and 16/12. The cultivars had similar performancewhile sowed in 03/01.

Keywords: Agriculture production. Soybean - Cultivars. State of Tocantins.

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1 INTRODUÇÃO

A soja (Glycine max L.), pertencente àfamília das leguminosae e sub-família fabaceae,é a oleaginosa mais cultivada no mundo e baseda alimentação de diversos povos, representandoimportante fonte de matéria-prima para aindústria e alimentação animal, possuindo amplaadaptação às condições brasileiras (ROESSINGet al.,1995).

O Brasil, segundo produtor mundial de soja,responde por cerca de 25 % do produto em nívelglobal e estima-se que, até o final desta década,já tenha superado a produção dos EstadosUnidos, detentores de 70% da produção mundial,há apenas 33 anos (PERSPECTIVAS da soja,2006).

Pesquisas realizadas no Brasil demonstramque a época de semeadura é um dos fatores quemais influenciam o rendimento da soja, ou seja,é ela quem determina a exposição da cultura àvariação dos fatores climáticos limitantes(BRASIL, 2006). Essa característica é muitoimportante nos casos em que o produtornecessite semear mais cedo ou mais tarde, damesma forma que para novas regiões que irãoiniciar o cultivo da soja.

A época de semeadura é definida por umconjunto de fatores ambientais que reagem entresi e interagem com a planta, promovendovariações no rendimento e afetando outrascaracterísticas agronômicas. As condições quemais afetam o desenvolvimento da soja são asque envolvem variações dos fatoresmeteorológicos: temperatura, umidade do solo eprincipalmente fotoperíodo (CÂMARA, 1991).

Para as condições brasileiras, a época desemeadura varia em função do cultivar, regiãode cultivo e condições ambientais do anoagrícola, geralmente apresentando uma faixarecomendável de outubro a dezembro. Nocerrado tocantinense, a diversidade ambientalde cada região e a existência de um grandenúmero de cultivares que apresentamcomportamento distinto nos ambientes,dificultam a identificação de uma época idealpara todas as cultivares e regiões (PELUZIO etal., 2005; SCHLUCHTING e TEIXEIRA, 2002).Assim, os ensaios regionais de avaliação decultivares de soja são muito importantes,principalmente, quando realizados emdiferentes épocas em uma mesma região(CÂMARA et al., 1998).

Ao optar por uma determinada época desemeadura, o produtor está escolhendo umacerta combinação entre a fenologia da cultura ea distribuição dos elementos do clima na regiãode produção, que poderá resultar em elevado oureduzido rendimento. Portanto, estudos devemser realizados visando estabelecer a época maisindicada de semeadura, para cada cultivar, emcada região do Tocantins, contribuindodecisivamente para a minimização de perdas deprodução oriundas de semeaduras em épocas nãorecomendadas.

Desta forma, o objetivo desse trabalho foiavaliar cultivares de soja quanto à suaadaptação e desempenho agronômico, emdiferentes condições de cultivo, visando indicara época de semeadura mais propícia para cadagenótipo.

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2 METODOLOGIA

Foram instalados quatro ensaios no anoagrícola 2006/07 em Gurupi, Tocantins, noCampus Experimental da Universidade Federaldo Tocantins (UFT). A semeadura foi realizada nosdias 24/11/2006, 01/12/2006, 16/12/2006 e 03/01/2007.

O delineamento experimental utilizado foio de blocos casualizados com vinte tratamentose quatro repetições. Os tratamentos foramcompostos pelos cultivares MGBR02-8033,MGBR03-9014, MGBR03-90112, BRSMGROBUSTA, BRSMG GARANTIA, BRSMG 810C,BR00-13279, PIONER 98C81, PIONER 98N71, DM247, DM 309, M-SOY 8925, M-SOY 9056, BR04-69095, RRMG03-93881, RRMG03-9184,RRMG03-9511, RRMG04-4142, M-SOY 9056 RR,M-SOY 9144 RR.

A parcela experimental foi composta porquatro linhas de 5,0 m de comprimento, comespaçamento entre linhas de 0,45m. Na colheita,foram desprezadas as duas linhas laterais e 0,5m das extremidades das duas linhas centrais. Aadubação de plantio foi realizada com 450kg.ha-1 da formulação 05-25-15 de NPK.

A semeadura foi realizada de acordo comas condições climáticas, inoculando-se assementes com estirpes de Bradyrhizobiumjaponicum, no momento do plantio, com afinalidade de obter-se uma boa nodulação dasraízes da planta, garantindo o suprimento denitrogênio à cultura. O controle de pragas,doenças e plantas daninhas foi executadoconforme a necessidade.

As plantas de cada parcela experimentalforam colhidas uma semana após apresentarem

95% das vagens maduras, ou seja, no estádioR8 da escala de Fehr et al. (1971). Após a colheita,as plantas foram trilhadas e as sementespesadas, depois de secas ao sol (12% deunidade) e limpas, para determinação daprodução de grãos.

Com base na área útil da parcela, foramavaliadas as seguintes característicasagronômicas das plantas:

a) número de dias para o florescimento: númerode dias contados, a partir da emergência,necessários para que se tenha uma flor abertaem 50% das plantas da parcela;

b) número de dias para a maturação: número dedias contados, a partir da emergência,necessários para que se tenha 95% de vagensmaduras na parcela;

c) altura de inserção da primeira vagem: distância,em cm, medida a partir da superfície do soloaté a primeira vagem da haste principal daplanta, na época da maturação, em 10 plantasda área útil;

d) altura da planta: distância, em cm, medida apartir da superfície do solo até a extremidadeda haste principal da planta, na época damaturação, em 10 plantas da área útil;

e) produção de grãos: peso em kg ha-1, após acorreção da umidade para 12%;

Com os resultados obtidos da produção degrãos, realizou-se uma análise de variância, sendoas médias comparadas pelo teste de Tukey, a 5%de probabilidade.

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Para altura da planta (Tabela 2), osresultados mostram que os cultivares queobtiveram melhores médias de crescimentoforam M-SOY 8925 (77,18cm) e M-SOY 9144RR (72,38cm), sendo superiores aos cultivarescom menores médias de altura de planta(RRMG03-9184, MGBR03-9014 e BRSMG 810Ccom 52,34cm, 53,05cm e 53,23cm,respectivamente). Apesar desses cultivaresterem apresentado alturas inferiores aosdemais, ainda se encontram dentro dos padrões

para colheita mecanizada. De acordo comBarros et al. (2003), a altura mínima de plantasde soja para as condições do cerradotocantinense deve estar entre 50 e 60cm. Comrelação à época de semeadura, a realizada em16 de dezembro (terceira época) mostrou-semais propícia para o melhor desenvolvimentoda planta, já que as médias de altura de plantadessa época foram superiores quandocomparadas às médias de altura de plantas dasoutras épocas de semeadura.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base na Tabela 1, notou-se diferençasignificativa na fonte de variação interação decultivares x épocas de semeadura para ascaracterísticas florescimento, maturação, alturade inserção da primeira vagem e produção degrãos. Isso indica que a época de semeadurainfluencia de forma diferenciada os cultivares,revelando a diversidade existente entre os

genótipos estudados. Desta forma, realizou-seo desdobramento da interação para verificar oefeito das épocas de semeadura nos genótipos.Para o caráter altura de planta, a interação nãofoi significativa, apontando que as épocas nãointerferiram de forma diferenciada nos cultivares,sendo, então, realizado o estudo dos fatoresisoladamente.

Tabela 1 - Análise de variância das características florescimento, maturação, altura de inserção da primeiravagem, altura de planta e produção de vinte cultivares de soja em quatro épocas de semeadura,em Gurupi (TO) na safra 2006/2007.

Fonte: dados da pesquisa.Nota: (*) e (**) indicam significância ao nível de 1% e 5% de probabilidade pelo teste F e (ns) não-significativo.

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Quanto ao número de dias para oflorescimento (Tabela 3), constata-se que naprimeira época de semeadura (24/11/2006) oscultivares BRSMG Garantia, MGBR03-9014,MGBR03-90112, M-SOY 9056 RR e RRMG04-4142 (48,25, 47,75, 47,75 e 47,25,respectivamente), destacaram-se em relação aosdemais, pois apenas eles diferiram dos cultivaresque apresentaram médias pertencentes ao piorgrupo estatístico. Para a segunda época o cultivarque apresentou florescimento mais tardio foi M-

SOY 9056 RR (49,25) em relação aos cultivaresque apresentaram média de dias paraflorescimento inferior a 45 dias. Na terceira épocao cultivar M-SOY 8925 (com 43,75 dias para oflorescimento) foi considerado o mais tardio porser o único a se diferir dos cultivares queapresentaram médias de dias abaixo de 39,75.Já na quarta época o cultivar que apresentoumaior ciclo foi BRSMG Robusta (39.75), poissomente ele diferiu daqueles que apresentarammédias menores que 35,75 dias.

Tabela 2 - Altura de planta em vinte cultivares de soja e quatro épocas de semeadura, em Gurupi (TO), na safra2006/2007.

Fonte: dados da pesquisa.Nota: Na linha e na coluna as médias seguidas pela mesma letra minúscula não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a

5% de probabilidade.

169Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Fonte: dados da pesquisa.Nota: Na linha as médias seguidas pela mesma letra maiúscula e, na coluna, pela mesma pela mesma letra minúscula

não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

De modo geral, para todos os cultivares, oatraso da época de semeadura resultou noencurtamento do ciclo vegetativo das plantas,sendo a quarta época a mais severa (03/01). Essesresultados discordam dos obtidos por Barros et al.

(2003) e Urben Filho e Souza (1993), queobservaram em trabalhos conduzidos na UFT e noCentro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados(CPAC), respectivamente, variações relativamentepequenas no número de dias necessários à floração.

Tabela 3 - Número de dias para o florescimento em vinte cultivares de soja e quatro épocas de semeadura, emGurupi (TO), na safra 2006/2007.

Com relação ao número de dias para amaturação (Tabela 4), verifica-se que na primeiraépoca de semeadura (24/11/2006), os cultivaresBRSMG Robusta, BRSMG Garantia e M-SOY8925 (118, 117.5 e 117.5, respectivamente),foram destaque pelo fato de terem sido os únicosa diferenciar estatisticamente dos cultivares que

obtiveram média inferior a 111,5 dias. Parasegunda época, averigua-se que novamente ocultivar M-SOY 8925 (115,75) diferenciou-se doscultivares com médias de dia para maturaçãomenores que 109.25 dias. Na terceira época oscultivares M-SOY 8925, M-SOY 9056 RR eBRSMG Robusta (com 110,5, 109,75 e 109,5 dias

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Fonte: dados da pesquisa.Nota: Na linha as médias seguidas pela mesma letra maiúscula e, na coluna, pela mesma pela mesma letra minúscula

não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

para a maturação, respectivamente)apresentaram médias de dias para maturaçãosuperiores a 103,5 divergindo estatisticamente.Já na quarta época o cultivar que apresentou

maior número de dias para maturação foi M-SOY 9056 (101,75), pois sobressaiu em relaçãoàqueles que apresentaram médias abaixo de95,75 dias.

Tabela 4 - Número de dias para a maturação em vinte cultivares de soja e quatro épocas de semeadura, emGurupi, TO, na safra 2006/2007.

Similarmente ao observado nacaracterística número de dias para florescimento,a maioria dos cultivares apresentaram reduçãogradativa conforme o atraso da semeadura.

Essa diminuição do ciclo da planta foievidenciada na quarta época (03/01) pelo fato doperíodo reprodutivo da planta apresentar

sensibilidade às variações climáticas decorrentesda semeadura retardada, principalmente porirregularidades pluviométricas (Gráfico 1). SegundoMartins et al. (2002), Schluchting e Teixeira (2002)e Urben Filho e Souza (1993), a soja não apresentamaturação satisfatória em plantios realizados noplanalto Central, em virtude das irregularidades dechuvas e variações de temperatura.

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Para o caractere altura de inserção deprimeira vagem (Tabela 5), na primeira época desemeadura (24/11/2006), os cultivares quesobressaíram foram M-SOY 8925 (13,70cm)BRSMG Garantia (12,95cm) e M-SOY 9056(12,85cm) diferenciando estatisticamente docultivar MGBR03-9014 o qual obteve média de7,45cm. Na segunda e terceira época (01 e 16/12/2006), o cultivar M-SOY 8925 destacou-se,pois foi superior estatisticamente aos cultivaresque exibiram médias inferiores a 11,3 e 19,4cm,respectivamente. Por fim, na quarta época desemeadura (04/01), mais uma vez destacou-se ocultivar M-SOY 8925 (15,95cm) juntamente comM-SOY 9144 RR (16,15cm), MGBR02-8033(16,15cm) e MGBR03-9014 (15,75cm), pois foramsingulares em comparação ao cultivar DM 309,

que por sua vez, apresentou média de 10,3cm aqual diferiu estatisticamente dos cultivaressupracitados.

Ainda na Tabela 5, observa-se que aterceira época promoveu os maiores valores dealtura de inserção da primeira vagem (variandoentre 22,95 a 16,45 cm) para todos os cultivares.Por outro lado, os cultivares semeados na primeiraépoca apresentaram valores de inserção deprimeira vagem inferiores aos da terceira época(variando entre 13,70 a 7,45 cm). Para o sistemaprodutivo moderno, valores de inserção daprimeira vagem inferiores a 12 cm (YOKOMIZO,1999) podem resultar em perdas na colheita e,em conseqüência, reduzir os ganhos dosprodutores.

Gráfico 1 - Umidade relativa do ar, temperatura e precipitação observados nos decêndios de novembro ajunho, em Gurupi, TO.

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Na tabela 6, tem-se a produção de grãosnas distintas épocas de semeadura. Observa-seque na primeira época destaca-se o cultivar DM309 (2.847,22kg.ha-1) por diferir dos cultivarescom médias inferiores a 2.059,05kg.ha-1. Nasegunda época, o cultivar BRSMG Robustaproduzindo 2.703,48 kg.ha-1, distinguiu-se, poisdiferenciou-se estatisticamente dos cultivares queapresentaram produções abaixo de1852.78kg.ha-1. Na terceira época, o cultivarBRSMG Robusta apresentou novamentepotencial produtivo superior estatisticamente(2.154,85kg.ha-1) quando comparado aoscultivares que apresentaram produção menor que1.337,50kg.ha-1. Já na quarta época, todos os

cultivares apresentaram comportamento, quantoa produção de grãos, análogo, com médiasvariando entre 1.525,03 a 750,00kg.ha-1.

Ainda na Tabela 6, observa-se que, deuma maneira geral, para a maioria doscultivares, a primeira época proporcionou osmaiores valores de produção de grãos (variandoentre 2847.23 a 1743.08 kg ha-1), tornando-seentão a mais propícia para a região sul doestado do Tocantins. Por outro lado, a quartaépoca promoveu, de forma geral, as menoresmédias (variando entre 1525.03 a 750.00),tornando-se inviável sua recomendação nessaregião.

Tabela 5 - Altura de inserção da primeira vagem em vinte cultivares de soja e quatro épocas de semeadura, emGurupi (TO), na safra 2006/2007.

Fonte: dados da pesquisa.Nota: Na linha as médias seguidas pela mesma letra maiúscula e, na coluna, pela mesma pela mesma letra minúscula

não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

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Tabela 6 - Produção de grãos em vinte cultivares de soja e quatro épocas de semeadura, em Gurupi (TO), nasafra 2006/2007.

Fonte: dados da pesquisa.Nota: Na linha as médias seguidas pela mesma letra maiúscula e, na coluna, pela mesma pela mesma letra minúscula

não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

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4 CONCLUSÕES

1. Verificou-se diferenças entre os cultivares quantoa altura de planta, entretanto, nenhum delesapresentou altura que inviabilizasse sua colheitamecanizada, o que é extremamente interessantepara o sistema produtivo moderno, já queresulta no aumento do número de cultivaresdisponíveis no mercado possibilitando aosagricultores maiores opções de escolha.

2. De modo geral, os cultivares apresentarammenores números de dias para o florescimentoe para a maturação com o atraso da época desemeadura, devido ao encurtamento do ciclovegetativo das plantas, sendo a quarta épocaa mais severa.

3. A época de plantio influencia de formadiferenciada os cultivares quanto à altura de

inserção da primeira vagem. Dessa forma, éimprescindível que os agricultores escolhamem cada época de plantio aqueles cultivaresque apresentem altura de primeira vagemsuperior a 12cm, visando evitar perdas com acolheita mecanizada.

4. O cultivar DM 309 obteve a maior produçãona primeira época de semeadura realizada nodia 24 de novembro; na segunda e terceiraépoca de semeadura o cultivar BRSMGRobusta apresentou as maiores médias e naquarta época todos os cultivares apresentaramdesempenho semelhante, não havendodiferença estatística entre eles.

5. A primeira época favoreceu os maiores valoresde produção de grãos.

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REFERÊNCIAS

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177Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

UM POTE DE OURO NO FIM DO ARCO-ÍRIS? O VALOR DA BIODIVERSIDADE E DOCONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO, E AS MAZELAS DA LEI DE ACESSO: UMA VISÃOE PROPOSTA A PARTIR DA AMAZÔNIA

Charles Roland Clement*

RESUMO

A biodiversidade da Amazônia ocupa um lugar especial no imaginário do brasileiro, pois é vistocomo um recurso estratégico que representa ouro verde. Isto é uma metáfora, como o pote de ouro nofim do arco-íris, ambos representando potencial, definido como um “Caráter do que pode ser produzido,ou produzir-se, mas que ainda não existe.” Os diferentes tipos de valores são examinados, mas somenteo valor financeiro é aceito por todos. O valor financeiro da biodiversidade amazônica, em 2003, éestimado em R$8,9 bilhões, o que representa 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia e0,57% do PIB brasileiro. O valor financeiro do conhecimento tradicional associado é parte da estimativaanterior, e representa 2,8% do PIB da Amazônia e 0,2% do PIB brasileiro. Mudar estes pequenosvalores requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), cujo processo é examinado paradeterminar onde surge uma esperança de lucro que poderia ser repartido. É evidente que somente sepode esperar lucro no final do processo, diferente das expectativas expressas na Medida Provisória n.2186-16/2001. As metáforas e a história da MP são examinadas para entender a origem da paranóiacriada ao redor da biodiversidade; é esta paranóia que é responsável pelas dificuldades de acesso. Umsistema alternativo baseado na transparência e fluxo de informação é proposto para substituir osistema atual criado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), que é baseado emexigências burocráticas excessivas e coerção. Mudar de sistema é essencial para permitir acesso,desenvolver produtos e processos e gerar benefícios que possam ser repartidos, voltando para oespírito da Convenção sobre a Diversidade Biológica que tem sido perdido na regulamentação criadapelo CGEN. Mudar agora é essencial, pois a biodiversidade está ameaçada, tanto por mudanças nouso da terra como pelas mudanças climáticas cada vez mais evidentes.

Palavras-chave: Valor econômico. Serviços ecológicos. Recursos genéticos. Compostos bioativos.Pesquisa e desenvolvimento.

* Biólogo; D.Sc - Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Manaus/AM.E-mail: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 178

A POT OF GOLD AT THE END OF THE RAINBOW? THE VALUE OF BIODIVERSITY ANDASSOCIATED TRADITIONAL KNOWLEDGE, AND THE DEFICIENCIES OF THE ACCESS LAW: AVIEWPOINT AND A PROPOSAL FROM AMAZONIA

ABSTRACT

Amazonian biodiversity occupies a special place in the imagination of Brazilians, since it is seenas a strategic resource that represents green gold. This is, of course, a metaphor, like the pot of gold atthe end of the rainbow, both of which represent potential, defined as the “capacity to come intobeing, but not actually existing yet.” Different types of value are examined, but only financial value isaccepted by all. The financial value of Amazonian biodiversity in 2003 is estimated at R$8,9 billion,which represents 7.8% of the Gross Regional Product (GRP) of Amazonia and 0.57% of the BrazilianGNP. The financial value of associated traditional knowledge is part of the previous estimate, andrepresents 2.8% of Amazonian GRP and 0.2% of Brazilian GNP. Changing these small values requiresinvestments in research and development (R&D), whose process is examined to determine where thehope of profit occurs, permitting benefit sharing. It is evident that profit can only be expected at theend of the process,unlike the expectations raised in the Provisional Law 2186-16/2001. The metaphorsand the history of the PL are examined to understand the origin of the paranoia created aroundBrazilian biodiversity; it is this paranoia that is responsible for the difficulties of access to biodiversity.An alternative system based on transparency and information flows is proposed to substitute thecurrent system created by the Counsel for the Management of the Genetic Heritage (CGEN), which isbased on excessive bureaucratic requirements and coercion. Changing the system is essential to permitaccess, develop products and processes, and generate benefits that can be shared, returning to thespirit of the Convention on Biological Diversity that has been lost in the regulations created by CGEN.Changing now is essential, as biodiversity is increasingly threatened, both by changes in land use andby increasingly evident climate change.

Keywords: Economic value. Ecological services. Genetic resources. Bioactive compounds. Research& Development.

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1 INTRODUÇÃO

É comum ouvir que a biodiversidaderepresenta um recurso estratégico para o Brasil,especialmente para a Amazônia que é mais ricaem biodiversidade. Alega-se, também, que abiodiversidade é o ouro verde que contribuirádecisivamente para o desenvolvimento do país.Ambas essas metáforas lembram o conto popularsobre o pote de ouro no fim do arco-íris.

Por que viver de contos quando o Brasil étão rico em recursos tangíveis como a suabiodiversidade? Porque até hoje essabiodiversidade não tem contribuído para oProduto Interno Bruto (PIB) de forma proporcionala sua magnitude. Ou seja, quando falamos dabiodiversidade como recurso estratégico ou comoouro verde estamos tratando de ‘potencial’,definido pelo Dicionário Aurélio como o “Caráterdo que pode ser produzido, ou produzir-se, masque ainda não existe.” (itálico adicionado). Aquelepote de ouro seria o potencial, pois poderia atéestar no fim do arco-íris – mas, precisa que alguémo veja. A biodiversidade não tem contribuído parao PIB ainda, mas, como veremos adiante, contribuidiretamente para a segurança alimentar dosagricultores tradicionais, que representam umaparcela significativa da população brasileira (aoredor de 20%), e possui outros valores não menosimportantes para toda a sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo, na comunidadeacadêmica e de pesquisa e desenvolvimento (P&D)brasileira é comum ouvir que o acesso àbiodiversidade é tão difícil que é quase impossíveltrabalhar com esse recurso estratégico, muitomenos determinar se contribuirá para odesenvolvimento do país. Acesso, nesse caso, é umaquestão legal relativa, pois enquanto pesquisadoresprecisam de autorização do governo federal paracoletar uma flor ou uma formiga, qualquer cidadãopode coletar uma flor ou pisar numa formiga semautorização. Curiosamente é mais fácil obtê-la para

desmatar 20% da floresta nativa de umapropriedade de 1000ha na Amazônia, do que paraestudar o potencial econômico da biodiversidadeque será extinta durante a derrubada na mesmapropriedade.

A reclamação da comunidade de P&D étão claramente justificada que a SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)negociou com o Conselho de Gestão doPatrimônio Genético (CGEN) e com o InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Ibama) os termos parafacilitar acesso, até agora com sucesso limitadoàs pesquisas científicas – as quais precisam deautorização. Ainda falta facilitar acesso para finsde bioprospecção e desenvolvimento tecnológico.Somente o último poderá contribuir diretamentepara o desenvolvimento do país. Este é o pote deouro no fim do arco-íris e a questão do acessoestá dificultando encontrá-lo.

Neste ensaio, parte-se do pressuposto queas metáforas usadas têm levantado expectativasexageradas sobre o valor da biodiversidade e doconhecimento tradicional associado. Isto écompreensível num país subdesenvolvido, poisgrande parte da população ainda está esperandoa repartição dos benefícios do crescimentoeconômico do último século. Mas, um país comoBrasil somente alcançará um desenvolvimentohumano satisfatório se investir de formaconsistente e planejada em seu capital humanoe natural, e isto têm a ver com as mazelas criadaspela lei de acesso ora vigente, bem como asprioridades orçamentárias dos governos federale estaduais. Espera-se que a desmistificação deexpectativas aqui expostas possa contribuir parasimplificar a regulamentação de acesso para acomunidade de P&D para que o Brasil possaencontrar seu pote de ouro antes que seja tardee sua biodiversidade tenha se extinguido.

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2 O VALOR DA BIODIVERSIDADE

O que é biodiversidade? Como definida emlei (CONVENÇÃO..., 2000; BRASIL, 2001), abiodiversidade é:

a variabilidade de organismos vivos de todas

as origens, compreendendo, dentre outros, os

ecossistemas terrestres, marinhos e outros

ecossistemas aquáticos e os complexos

ecológicos de que fazem parte; compreendendo

ainda a diversidade dentro de espécies, entre

espécies e de ecossistemas.

Em resumo, a biodiversidade é a soma detodos os alelos de todos os genes de todas asespécies que fazem parte de todos osecossistemas. Um ecossistema, por sua vez, é o“conjunto dos relacionamentos mútuos entredeterminado meio ambiente e a flora, a fauna eos microrganismos que nele habitam, e queincluem os fatores de equilíbrio geológico,atmosférico, meteorológico e biológico.”Antigamente a biodiversidade era chamada de‘natureza’, termo ainda hoje usado pela maioriada população; no presente texto será utilizado otermo ‘biodiversidade’ por sua relação especialcom a bioprospecção e a biotecnologia que serávista mais adiante.

A biodiversidade está sendo degradada eextinta de forma acelerada porque, na percepçãoda sociedade brasileira atual, possui pouco valor,apesar de uma parte dos formadores de opiniãoafirmar o contrário. Ao nível mundial a situaçãoé igual. Esta contradição entre o discurso e arealidade sócio-político-econômica é comum nomundo e ajuda a entender muito a respeito dosproblemas de degradação ambiental que estãominando a sustentabilidade do empreendimentohumano (WALLERSTEIN, 1999). Na realidade, oúnico ‘valor’ aceito por todos na sociedade atualé o valor econômico presente, ou seja, aquelecontabilizado pelo PIB do ano em curso e previsto

para o próximo, pois se acredita ser este o valorque pode reduzir a pobreza de uma parcela dapopulação e, eventualmente, dar ao país o ‘status’de desenvolvido.

Os demais valores da biodiversidadebeneficiam poucos (e.g., o valor estético – quebeneficia principalmente os moradores deecossistemas intactos e vistosos, e os eco-turistasque visitam estes ecossistemas), levarão maistempo para serem realizados (e.g., o uso dabiodiversidade que exige investimentos empesquisa científica, bioprospecção,desenvolvimento biotecnológico e criação demercados – o assunto desse ensaio), ousimplesmente não são contabilizados no PIB (e.g.,os serviços ecológicos – conservação de água esolo, filtragem e degradação de poluentes,polinização, etc. – e o valor ético – os direitos àvida dos outros seres vivos da natureza). Éevidente que esta visão míope do valor dabiodiversidade não reflete seu valor real, nem acurto prazo e muito menos a longo prazo. Noentanto, ao longo dos últimos séculos criou-seum sistema político-sócio-econômico quesomente reconhece o valor econômico(WALLERSTEIN, 1999).

Os serviços ecológicos merecemcomentário, pois possuem uma relação especialcom o PIB, mesmo não sendo contabilizados. Numsistema capitalista, como o atual sistemaeconômico global, muitos dos custos de produçãonão são incluídos nos cálculos para determinar opreço correto de um produto ou serviço; aprincipal razão é o desejo do lucro – quanto maiormelhor (WALLERSTEIN, 1999). Um dosimportantes custos de produção é o tratamentode poluentes gerados pelo processo produtivo,seja artesanal, industrial ou agrícola. Muitasempresas descartam os poluentes no ar, no solo,nos rios e nos oceanos, essencialmente contando

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com a biodiversidade para limpar a sujeira doprocesso de produção.Quando a biodiversidadenão dá conta do recado, os governos precisamassumir a tarefa, às vezes multando as empresaspara recuperar parte do custo da limpeza. Quandoisso não ocorre toda a sociedade paga pelalimpeza, subsidiando o lucro das empresas.Muitas vezes os governos não assumem a tarefae a poluição fica evidente para todos.

Mas não são apenas as empresas quepoluem; outros membros da sociedade tambémo fazem e esperam que a biodiversidade resolvao problema. A poluição feita pela sociedade estávisível em toda parte: famílias em prédios e casasque não tratam seus esgotos ou separam lixoseco; carros, caminhões, ônibus e aviões liberandogases de efeito estufa e de efeito nocivo à saúdehumana e ambiental; pessoas jogando lixo narua, no mato, no rio e no mar. A lista é grande e asociedade depende da biodiversidade para fazera limpeza, ora via microorganismos degradandoesgoto nos rios e mares, ora via folhas de plantasabsorvendo dióxido de carbono para fazer novasfolhas. Esta poluição por parte da sociedade é,também, uma forma de lucro pessoal, pois cadapessoa paga menos pela manutençãoambientalmente correta de sua casa, carro oucoleta de lixo, deixando mais dinheiro para outrosatos de consumo. Pelo fato que a poluição é cadavez mais visível em todos os lados, é evidenteque a biodiversidade não está dando conta docrescente número de humanos e de seu consumo,também, crescente e insustentável, mas mesmoassim a biodiversidade oferece os serviçosecológicos que sempre ofereceu – e de graça.

Um outro serviço ecológico importante noBrasil refere-se à origem e distribuição daschuvas, pois durante metade do ano as chuvasque caem no Sudeste do Brasil vêmprincipalmente da Amazônia, onde abiodiversidade tem um papel fundamental na suaciclagem e transporte. Philip Fearnside (2004)

alertou a sociedade brasileira sobre isto um anoantes que a cidade de São Paulo quase chegou aracionar água devido à falta de chuvas – e 2005não foi um ano de El Niño, quando a Amazôniasofre estiagem e disponibiliza menos água.Clement e Higuchi (2006) sugeriram que umasolução para a cidade de São Paulo no evento dodesmatamento total da Amazônia seria aconstrução de um aqueduto, mas o problemaseria onde encontrar água. Somente este serviçoecológico (promoção de chuvas) para o Sudestedo Brasil justificaria um plano nacional paraproteger a floresta amazônica e suabiodiversidade. No entanto, porque os serviçosecológicos não são contabilizados no PIB, sugeriu-se um plano nacional para desenvolver o setorflorestal (CLEMENT; HIGUCHI, 2006), que éimportante no PIB da Amazônia. Se essa idéiafosse levada a sério, o setor florestal poderiaresponder por metade do PIB da região dentrode 10 anos e, ainda, garantir um serviço ecológicopara o Sudeste – novamente de graça.

Na ausência deste tipo de plano naAmazônia, quanto valem os serviços ecológicosda biodiversidade em geral? Costanza et al.(1997) estimaram que este valor é o dobro dovalor do Produto Global Bruto, que foi de US$18trilhões em 1997. Wallerstein (1999) sugere queé impossível pagar esta conta, pois eliminariaos lucros da maioria das empresas, quebraria osorçamentos dos governos, e a maioria dapopulação não teria recursos suficientes nempara sua segurança alimentar, muito menos paraseus outros variados consumos. Essaconstatação ajuda a entender porque asmudanças climáticas estão chegando, osoceanos estão cada vez menos produtivos, abiodiversidade está sendo extinta em todo omundo, e é cada vez mais difícil fechar oorçamento no final do mês. Se Wallerstein estácorreto ou não, o tempo dirá, mas muitaspessoas, no Brasil e no mundo, estão buscandosoluções, e uma das soluções está na

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O PIB da Amazônia Legal foi deaproximadamente R$114 bilhões em 2003 erepresentou ao redor de 7,3% do PIB brasileiro(BRASIL, 2005). Dentro deste valor, apenas 14,6%tinham relação direta com a biodiversidade e nemtudo é biodiversidade nativa, pois esses 14,6%incluem o setor agropecuário. Conforme a análiseapresentada no Plano Amazônia Sustentável(BRASIL, 2005), o valor que podemos atribuir àbiodiversidade nativa é oriundo do setormadeireiro, que representava ao redor de R$5,3bilhões, e do setor pesqueiro, ao redor de R$470milhões. A agricultura tradicional na Amazôniateve um valor estimado de R$6,3 bilhões, de qualé razoável estimar que metade seja oriundo deplantas nativas, principalmente mandioca efruteiras. O último componente importante é osagronegócios que representavam ao redor deR$4,5 bilhões, e a maioria das espécies usada éexótica. Somando, podemos estimar que abiodiversidade amazônica contribuiu com R$8,9bilhões ao PIB da Amazônia ou 7,8%, o querepresenta 0,57% do PIB do país. Isto é muitopouco, especialmente considerando que a regiãorepresenta 60% do Brasil, que mais de 17% dosecossistemas da Amazônia foram derrubadospara gerar estes parcos resultados econômicos,e que 12% da população brasileira vive naAmazônia.

Será que este valor tão pequeno é devidoao tipo de desenvolvimento que praticamos naAmazônia? Os outros componentes do PIBsugerem que isto é parcialmente verdade, pois57% do PIB é oriundo de serviços, 15,4% dasindústrias de transformação, 8,9% da construção,

1,6% da mineração, e 2,1% de outros setores.Em quase todos os estados, o setor público temum peso preponderante nos serviços, enquantoa indústria é mais importante somente noAmazonas – o que poderia explicar porque temmais floresta intacta. No Arco de Desmatamento,a agropecuária é importante, mas a maioria dosagronegócios não usa a biodiversidade nativa.Para os agronegócios, a soja, o arroz, os pastos,o boi e, em breve, a cana-de-açúcar sãoimportantes, e todos são exóticos.

Será que o passado foi diferente? Afinal,os povos indígenas da Amazônia nãoparticipavam da globalização, não tinhamgrandes indústrias de transformação, não lidavamcom pecuária, nem mineração, além da argilapara sua cerâmica. Uma forma de ver estepassado é via as plantas usadas pelos povosindígenas e comunidades tradicionais, queherdaram parte de seu conhecimento sobre asplantas dos povos indígenas. Assim, no que segue,parte-se do pressuposto que as sociedadesindígenas dependiam da biodiversidadeamazônica e americana, e a questão é: quantasespécies foram usadas? Isto é uma medida devalor, embora diferente do PIB.

Existem entre 15 e 20 mil espécies deplantas superiores na Amazônia, embora seespecule que poderiam existir 100 mil. Utiliza-seo número conservador maior, pois as plantas sãoum dos grupos melhor conhecido, após osmamíferos e aves, e são também as bases daagricultura indígena e moderna. Eduardo Llerase Angela Leite (Embrapa Amazônia Ocidental,

biodiversidade, especialmente no Brasil onde,ainda, temos a floresta amazônica e sua mega-biodiversidade. Atente para o ‘ainda’, pois a

situação da Amazônia não está tranqüila e parteda razão é que a biodiversidade amazônicacontribui pouco para o PIB.

3 O VALOR DA BIODIVERSIDADE NO PIB DA AMAZÔNIA

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com. pess., 2005) executaram um levantamentonos três principais herbários da Amazônia eencontraram ao redor de 3.500 espécies comregistro de uso tradicional, muitas das quais commais de um uso. Este número representa 17,5%das espécies de plantas. Parece uma proporçãorazoável, mas notem que mais de 80% não têmuso registrado.

Num estudo etnobotânico na Reserva deDesenvolvimento Sustentável Mamirauá, Tefé,Amazonas, Rocha (2004) encontrou 344 espéciesde plantas com registro de uso, quase 10% dototal para a Amazônia brasileira. Para essasespécies, os usos eram os seguintes: 63%medicinal, 50% na fabricação de artesanato eartefatos tecnológicos, 39% na alimentação, 34%na construção, 33% na caça (“bicho come”, ouseja, atrai animais que podem ser caçados), e 32%eram comercializadas ocasionalmente. É evidenteque muitas plantas têm mais de um uso. Outrosestudos são similares, encontrando 250 a 500espécies de plantas com uso, e com predominânciade usos medicinais, tecnológicos e alimentícios.Então, pode-se supor que as proporções de usosentre as 3.500 espécies sejam similares.

No entanto, uso é uma coisa, e importânciaé outra. Importância está relacionada comreprodução social, ou seja, quanto uma espéciecontribui para a segurança alimentar, saúde,independência tecnológica e renda (viacomercialização). Embora não seja uma estimativado PIB, é algo parecido ao nível de umacomunidade tradicional e serve para comparação.Em termos de importância, Rocha (2004) observouque as plantas alimentícias eram mais importantesdo que as plantas medicinais que, por sua vez,eram mais importantes que as plantastecnológicas. Quando se trata de importância, umaoutra forma de ver isto é examinar o número deplantas cultivadas ou manejadas, pois somenteas mais significativas merecem tanto esforço físicoe conhecimento tradicional.

Clement (1999) realizou um levantamentodos recursos genéticos agrícolas provavelmentepresentes na Amazônia na época da conquistaeuropéia. Das 138 espécies que foram cultivadasou manejadas de forma evidente até hoje, 83 sãonativas da Região, sendo 57 fruteiras de váriostipos, incluindo castanhas, oito estimulantes, setehortaliças ou condimentos, seis possuem raízescomestíveis, três são venenosas, uma é uma fibrae uma é corante. Algumas das 83 também sãoconsideradas medicinais. Junto com as espéciesexóticas, porém originárias de outras partes dasAméricas, essas 83 espécies foram as maisimportantes para os povos indígenas, emboratenham sido complementadas com produtosextrativos, tanto plantas quanto animais. Osprodutos extrativos são as outras 3.417 espéciesusadas, sem incluir os animais, e atualmente sãochamados de produtos florestais não-madeireiros.

Agora se tem uma visão histórica umpouco mais clara. Da rica flora amazônica, quase20% das espécies foi usada, mas apenas 0,5%foi verdadeiramente importante, pois garantirama segurança alimentar dos povos indígenas.Evidentemente, muitas outras plantas eramcoletadas nas roças, capoeiras e ecossistemasmais ou menos manejados, tanto para afarmacopéia tradicional quanto para usostecnológicos. Essas proporções são similares àsde outras regiões tropicais. Observe, também,que a porcentagem é similar àquela dabiodiversidade amazônica no PIB do Brasil,calculada anteriormente. Se examinados osanimais e os microorganismos, as proporçõesusadas são menores ainda, pois somente nogrupo dos insetos existe mais de 500 mil espéciese apenas uma pequena proporção deles forame são usados. Desse pequeno resumo nãoexistem razões para afirmar que se encontrou opote de ouro no fim do arco-íris. Será que oconhecimento tradicional pode mudar estecálculo de valor?

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O que é o conhecimento tradicionalassociado à biodiversidade? Atualmente,conhecimento tradicional é definido em lei(BRASIL, 2001) como sendo “informação ouprática individual ou coletiva de comunidadeindígena ou de comunidade local, com valor realou potencial, associada ao patrimônio genético”.Observe que essa definição usa a palavra‘potencial’, mais uma vez levantandoexpectativas de valor. Em contraste, aEnciclopédia da Floresta (CUNHA; ALMEIDA,2002) não menciona ‘potencial’ e mostra umaoutra dimensão importante: “Conhecimentotradicional da natureza é a interação de duasdimensões: as pressuposições culturais, e aspráticas e experiências de viver num ambienteespecífico.” As ‘pressuposições culturais’ são deum grupo étnico que possui raízes históricas,geralmente profundas, e são uma parteimportante da cultura transmitida de geração ageração. Quando se trata de povos indígenas,essas pressuposições incluem suas cosmologias,religiões e crenças, e são tão fundamentais comosuas línguas para a reprodução social do povo.Esta definição abre caminho para examinar ovalor do conhecimento tradicional para os povosindígenas e comunidades tradicionais, pois incluia cultura, inclusive e especialmente a cultura desubsistência.

Existem três tipos de conhecimentotradicional associado (CTA) à biodiversidade(CLEMENT, 2006a): o conhecimento sobre usosde espécies, os recursos genéticos agrícolas, e oconhecimento sobre a criação e manejo deecossistemas, cujo estudo é chamado deetnoecologia. Cada um desses conhecimentostem suas pressuposições culturais e suas práticasassociadas, e dois deles foram vistos acima.Agora, quanto eles valem?

Os conhecimentos sobre a criação emanejo de ecossistemas são essenciais para ospovos indígenas e comunidades tradicionais, poisrepresentam as práticas agrícolas e de manejoflorestal dessas pessoas (CLEMENT, 2006a). Nopassado, contribuíram para a criação doscastanhais e outras florestas de origemantropogênica, que ainda hoje produzemcastanha-do-Brasil e outras frutas. Também foramusados para criar Terra Preta de Índio e, maisextensivamente, Terra Mulata (MYERS et al.,2003). Estes solos antrópicos são muitoresistentes ao clima da Amazônia, permitindouma agricultura muito mais sustentável do queocorre em solos não antrópicos. No entanto, essesCTA não têm valor de mercado, pois todos sãosimilares a outros conhecimentos comuns naagricultura e silvicultura moderna, e o mercadoraramente paga pela sustentabilidade.

Como visto, na Amazônia existem ao redorde 20.000 espécies de plantas superiores, dasquais os povos indígenas encontraram uso parapelo menos 3.500 espécies. No entanto, menosde 200 delas estão sendo ativamentecomercializadas nos mercados da Amazônia,Brasil ou global, atualmente, e apenas três estãoincluídas nas estatísticas do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE) devido a suademanda internacional: o açaí-do-Pará, acastanha-do-Brasil e a borracha. Outras espéciestêm demanda nacional e internacional, mas asquantias comercializadas são minúsculascomparadas com as três mais importantes. Damesma forma, os povos indígenas domesticarampelo menos 83 espécies, das quais metade sãofreqüentemente comercializadas dentro daAmazônia e Brasil, e quatro espécies têmmercados expressivos fora do Brasil: cacau,urucum ou colorau, pupunha (principalmente

4 O VALOR DO CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PIB DA AMAZÔNIA

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para palmito) e pimenta picante. Essas 3.500espécies de plantas, incluindo as domesticadas,são as que têm CTA. Dos números apresentadosaqui, é evidente que o CTA tem imenso valorpara os povos indígenas e as comunidadestradicionais da Amazônia, mas o mesmo CTA tempouco valor de mercado, pois poucas espéciestêm demanda.

A primeira vista, isto parece um contra-senso; então vale a pena examinar melhor. O CTArelacionado às plantas nativas da Amazônia temimenso valor para os povos indígenas ecomunidades tradicionais porque garante suasegurança alimentar, oferece uma amplavariedade de plantas medicinais que substitui asfarmácias e postos de saúde no interior e até noscentros urbanos, oferece uma ampla variedadede produtos para transformar em ferramentas,bem como outros produtos tecnológicos,artesanato e construção, e, ainda, oferece algunsprodutos para comercializar nos mercados locaise regionais, embora geralmente eles possuambaixo valor de mercado por serem de baixaqualidade ou desconhecido nos centros urbanos(CLEMENT, 2006b). Entre os povos indígenas oCTA, ainda, contribui para os ritos religiosos efestas comunitárias. Ou seja, ele e as plantas sãopartes importantes da cultura material dessespovos e comunidades e garantem sua reproduçãosocial. Sem esse CTA os povos indígenas ecomunidades tradicionais teriam de abandonarsuas terras para viver nas favelas dos centrosurbanos. Agora: Por que esse imenso valor desubsistência não se transforma automaticamenteem valor econômico no mercado, ou seja, em reaisnas mãos dos detentores do CTA que podem sercontabilizados no PIB?

A razão é simples: quase todos os produtosoriundos do CTA têm similares no mercadourbano e globalizado e, modo geral, de melhorqualidade e menor custo. Afinal, por que as tigelasplásticas substituíram as cuias e cumbucas no

dia a dia do interior? Por que as panelas dealumínio substituíram os potes de cerâmica? Porque a lata de óleo de soja substituiu a extraçãode óleo de patauá? Por que o sal em saco plásticosubstituiu a extração das cinzas de Cecropia spp?A lista de substituições é imensa e raramentelembrada, inclusive pelos povos indígenas ecomunidades tradicionais. Estas substituições,também, geraram uma nova necessidade –dinheiro – que liga os povos indígenas ecomunidades tradicionais com o mercadoglobalizado.

Uma outra coisa raramente lembrada é quecada produto no mercado global é fruto de umalonga série de investimentos que aumenta aqualidade e uniformidade, e diminui seu custono mercado. Esses investimentos são essenciais,mas não oferecem garantia de que vão gerar umproduto com demanda no mercado, ou seja, umproduto que alguém vai querer comprar. Esta éuma das razões do porque é tão difícilcomercializar produtos oriundos do CTA hoje, poisos investimentos são incipientes ou aindaprecisam ser feitos.

Na Amazônia, todas as 3.500 espéciesforam usadas porque alguém fez uminvestimento para saber como usá-las, ondeencontrá-las, como prepará-las e, às vezes, comomanejá-las. Mas veja que as outras 16.500espécies não têm valor de uso, ou porque nãoreceberam o investimento do conhecimentotradicional ou porque não oferecem algo quedesperte o interesse do povo. Da mesma forma,apenas 83 espécies foram domesticadas, o queexigiu investimentos muito mais intensivos naseleção, propagação, manejo e cultivo de algumaspopulações de cada espécie. As outras 19.917espécies não receberam o investimento doconhecimento tradicional porque não oferecemalgo que o povo queria ou quer cultivar. O númerode espécies sem valor de uso, ou seja, sem CTA,é maior que o número das que têm valor de uso.

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5 O PROCESSO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO COM BIODIVERSIDADE

A Figura 1A demonstra as relações. Quandomudamos nosso foco para o mercado, a mesmarelação aparece e é mais dramática: a maioriadas espécies com CTA não tem demanda no

mercado (Figura 1B), ou porque os consumidoresmodernos não têm os mesmos desejos dos povosindígenas ou porque a qualidade é inferior à deoutros produtos no mercado.

Agora podemos considerar a perguntaoriginal: Quanto vale o conhecimento tradicionalassociado à biodiversidade amazônica? A respostaé mais curta que a resposta para a biodiversidade,pois se refere somente aos CTA sobre plantasagrícolas e produtos florestais não-madeireiros,ambos ligados à agricultura tradicional, o quepoderia ser estimado em menos que 2,8% do PIBda Amazônia ou 0,2% do PIB brasileiro. Para os

agricultores tradicionais da Amazônia, este não éum valor desprezível, mas também não é um potede ouro do tamanho da biodiversidade ou doconhecimento tradicional. Os leitores atentos jádevem ter observado que ainda não foram discutidasaqui as plantas medicinais, pois essas poderiampossuir ‘potencial’ no mercado de remédios.Portanto, é hora de examinar o processo de P&Dque poderia transformar esse potencial em lucro.

De forma excessivamente generalizada, oprocesso de P&D com a biodiversidade é umacadeia com três elos: pesquisa científica,bioprospecção e desenvolvimento(bio)tecnológico. Estes são reconhecidos pelaConvenção sobre a Diversidade Biológica (1992)e pela MP 2186-16 (BRASIL, 2001). Cada elo temnumerosas etapas. O último elo é onde ocorre ainovação tecnológica que, se bem sucedida,poderia resultar em benefícios – em certassituações que serão examinadas oportunamente.

A pesquisa científica é o elo que identifica,classifica (dá nome e relação com outroscomponentes da biodiversidade), caracteriza(inclusive em termos de valor de uso) e avalia(determina como se comporta de ano a ano eem relação com outras espécies e o meio – oestudo das relações ecossistêmicas). Nacomunidade de ciência e tecnologia esse elo éfreqüentemente considerado ‘pesquisa básica’,pois sem essa pesquisa o processo não avança.O conhecimento sobre a Amazônia que resulta

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dessa pesquisa científica, ainda, é pequeno, poisnão se identificou todas as espécies de plantas,animais e microorganismos, muito menos as têmclassificadas, caracterizadas e avaliadas.

É importante observar que as distintasetapas do elo mencionadas são feitas pordiferentes pesquisadores, grupos de pesquisa einstituições porque é raro juntar competênciastão diferentes em uma pessoa ou grupo, emboraalgumas instituições revelem uma ampla gamade competências sob o mesmo teto. Pelo fatodesse elo ser tão básico e incluir tantas etapas éque a negociação da SBPC com o CGEN e o Ibamafoi bem sucedida e facilitou o acesso àbiodiversidade via Resolução n. 21, de 31 deagosto de 2006, do CGEN (CONSELHO, 2006). Noentanto, o acesso ao conhecimento tradicional eas autorizações para bioprospecção edesenvolvimento tecnológico ainda não foramfacilitados, parcialmente devido à incompreensãode valores (analisados acima) e parcialmentedevido à incompreensão do processo de pesquisae desenvolvimento.

O elo de bioprospecção é novo,recentemente separado da pesquisa científica,porque seu objetivo é identificar oportunidadespara o próximo elo a trabalhar, especialmentequando esse for biotecnologia. É comum ouvirque a biodiversidade é a matéria-prima dabiotecnologia e que chega via a bioprospecção,que é a relação especial entre as três ‘bio’mencionadas no início. A bioprospecção utiliza apesquisa científica e/ou o conhecimentotradicional associado como ponto de partida pararefinar a informação sobre a identidade e ascaracterísticas de componentes da biodiversidadee, principalmente, sobre componentes deespécies. Ou seja, busca informação genética, nadefinição da MP 2186-16 (BRASIL, 2001). Oscomponentes mais procurados são os compostosbioativos que poderiam ser transformados emremédios, excitando o imaginário da mídia e da

população em geral porque a indústriafarmacêutica fatura bilhões de dólaresanualmente. Outros componentes procurados sãoóleos, essências, corantes, enzimas etc. Outra vez,diferentes pesquisadores, grupos de pesquisa,instituições e empresas percorrem diferentesetapas ao longo desse elo, e pelas mesmas razõesmencionadas acima.

No estudo de compostos bioativos paracriar um remédio novo, por exemplo, é comumque um pesquisador ou grupo proceda à extraçãodos compostos e a caracterização básica; outrogrupo faz os testes pré-clínicos para determinartoxidez e atividade biológica; e outro faz os testesclínicos 1 e 2 para avaliar se o composto temvalor comparativo. Observe que o elo dabioprospecção termina sem gerar um produto quepode ser comercializado; este produto será criadono próximo elo, o de desenvolvimentobiotecnológico. Tanto porque a bioprospecção foiseparada recentemente da pesquisa científica,quanto porque não gera um produtocomercializável, a bioprospecção precisa serfacilitada o quanto antes se esperamos encontraro pote de ouro e repartir seus benefícios.

O elo de desenvolvimento (bio)tecnológicoé onde pode ocorrer a inovação que resulta noprocesso ou produto que poderia ser patenteadoe comercializado. No entanto, esse elo tambémé geralmente executado em etapas levadas acabo por diferentes pesquisadores, grupos depesquisa, instituições ou empresas.

Voltando para o caso de compostosbioativos, o grupo que terminou os testes clínicos1 e 2 obteve um composto com potencial de uso,mas este composto não é um remédio ainda, éapenas um princípio ativo. Normalmente umoutro grupo ou empresa iria gerar umaformulação apropriada que precisaria passarnovamente pelos testes clínicos 1, 2 e 3 para seraprovado pela Agência Nacional de Vigilância

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Sanitária (ANVISA) e, posteriormente, permitir opatenteamento deste produto. A empresa que fazisto pode, ainda, vender o produto para outra demaior que tem a capacidade de comercializar, poissem divulgação e presença no mercado umproduto novo não pode gerar lucros. Essas sãoas condições especiais mencionadas acima, poisnão é fácil vender produtos novos hoje. Noteainda que é sobre os lucros que pode incidir arepartição de benefícios.

Finalmente, é possível visualizar o processocomo um todo e determinar as proporções dabiodiversidade que vão gerar oportunidades pararepartição de benefícios. Se mantivermos nossofoco nas plantas, por serem mais conhecidas,observamos que a pesquisa científica identificouao redor de 20.000 espécies na Amazônia, dasquais ao redor de 3.500 são recursos úteis devidoao CTA, muitas das quais são plantas medicinais(lembre os 63% em Mamirauá; ROCHA, 2004). Abioprospecção pode identificar dezenas ou maisde compostos bioativos ou úteis de cada umadessas plantas, mas a maioria absoluta seráeliminada ao longo das análises pré-clinicas,clínicas 1, 2 e 3, ou na dificuldade de identificarum componente que represente umaoportunidade inovadora. Uma proporção de5.000 compostos para uma oportunidadeinovadora parece razoável nesta etapa.

O desenvolvimento (bio)tecnológicocomeça com um número de espécies e decompostos úteis muito menor que os conhecidospela pesquisa científica e os estudados pelabioprospecção, e irá descartar muitos outros aolongo do processo de desenvolvimento de umproduto inovador que pode concorrer no mercadoaltamente competitivo. Uma proporção de miloportunidades para uma que ganha lucro parecerazoável nesta etapa final. Estas estimativas sãosimilares às de Calixto (2003) na sua análise dosucesso da química recombinatória, outroprocesso usado na indústria farmacêutica. Ou

seja, a expectativa de grandes lucros oriundosda biodiversidade precisa ser moderada, pois oque é importante é o investimento no processode P&D para gerar um produto inovador compossibilidade de lucro. Pelo grande número deetapas no processo é comum que o tempo entreacesso e mercado demore de 10 a 20 anos paraum remédio importante.

Aqui se volta para o conhecimentotradicional, porque ele representa investimentosdo passado e do presente feitos por milhares depessoas em todo o país. No entanto, é importantenão inflar expectativas novamente. Oconhecimento tradicional é importante paraauxiliar o processo de bioprospecção(ELISABETSKY, 2003) porque aumenta a eficiênciadesse processo, muitas vezes permitindo resolveros testes pré-clínicos ou clínicos 1 e 2 maisrapidamente, ou, no caso de cosméticos, permiteentrar diretamente no processo dedesenvolvimento biotecnológico.

Os detentores de CTA que entendem doprocesso delineado acima podem oferecer umavisão interessante sobre as relações e asoportunidades de interação dos dois tipos deconhecimento. O Sr. Gabriel dos Santos Gentil(1953-2006) foi um kumu (curador) do povoTukano, do alto rio Negro, e considerado umpajé Tukano por muitos. Durante seus últimosanos trabalhou no Núcleo de EstudosIndígenas, do Centro de Pesquisas Leônidas eMaria Deane, da Fundação Instituto OswaldoCruz (FIOCRUZ), em Manaus, onde recebeu otítulo honorífico de “pesquisador emérito nocampo do conhecimento tradicional” emoutubro de 2004, devido a seu trabalhoajudando a avaliar o conhecimento de seu povosobre as plantas medicinais, entre outras coisas.No seu discurso durante a cerimônia, GabrielGentil observou que 80% do CTA Tukanopoderia ser disponibilizado no domínio públicosem risco de perder oportunidades econômicas

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futuras, enquanto os outros 20% mereceriaestudo mais aprofundado para determinar seofereciam oportunidades econômicas. Observeque ele não afirmou que existem essasoportunidades, somente que os conhecimentosmereciam mais estudo. Trabalhando numinstituto de renome com a FIOCRUZ, GabrielGentil estava ciente do processo de P&Dnecessário para melhor avaliar seusconhecimentos. Considera-se que suaobservação é muito importante porque ajudaa diminuir expectativas de lucro imediato.

É importante notar também que oconhecimento tradicional associado àbiodiversidade não gera diretamente um produtoinovador para ser comercializado. Oconhecimento tradicional contribui para tornaros investimentos preliminares mais eficientes,freqüentemente encurtando o tempo entre o

início do desenvolvimento tecnológico e acomercialização de um produto. As proporçõesentre plantas e compostos úteis e novos produtosganhando lucro no mercado não mudam muito,embora muitas plantas com CTA mostram algumaatividade; o que muda mais é o fluxo deinvestimentos, geralmente com reduçãosignificativa de custos e tempo. Isto, sim, merecerepartição de benefícios, mas note que osbenefícios somente serão possíveis de seremdetectados perto do fim do processo. Éimportante lembrar também que o processo élevado a cabo por muitas pessoas, grupos,instituições e empresas, e pode incluir povosindígenas ou comunidades tradicionais, tornandoos detentores de conhecimento tradicional emerecedores de repartição de benefícios – aofinal do processo, não no início ou no meio, comosugerido pela MP 2186-16 (BRASIL, 2001), queserá examinada a seguir.

6 AS MAZELAS DE ACESSO CRIADAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2186

A CDB transformou um bem comum, abiodiversidade, em um patrimônio nacional, naesperança de que os países assumiriam aresponsabilidade de conservá-la. O pano de fundodessa idéia é o conceito da ‘tragédia dos comuns’(HARDIN, 1968), que afirma que o acesso livre aum bem comum em uma sociedade competitiva,como a sociedade capitalista atual, causará adegradação do bem por excesso de uso. Osdefensores da tragédia afirmam que a melhorsolução é a privatização do bem, pois os novosdonos garantirão sua conservação via seu usosustentável. No imaginário dos economistas épossível que a idéia funcionasse, mas no mundoreal isto não ocorre porque todos os valores dessebem (éticos, estéticos, usos econômicos, serviçosecológicos etc.) não são contabilizados, com oresultado óbvio sendo a continuidade dadegradação e a extinção da biodiversidade.

Agora que a biodiversidade é patrimônionacional, torna-se evidente que a questão do seuacesso passa a ser uma decisão nacional também.No Artigo 15 da CDB (CONVENÇÃO..., 2000),sobre acesso aos recursos genéticos – definidoscomo biodiversidade com ‘potencial’ de uso, oque é diferente da definição aqui empregada epara a qual investimentos em conhecimentotradicional são importantes – os primeirosparágrafos afirmam que: (1) Em reconhecimentodos direitos soberanos dos Estados sobre seusrecursos naturais, a autoridade para determinaro acesso a recursos genéticos pertence aosgovernos nacionais e está sujeita à legislaçãonacional; (2) Cada Parte Contratante deveprocurar criar condições para permitir o acesso arecursos genéticos para utilizaçãoambientalmente saudável por outras PartesContratantes e não impor restrições contrárias

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aos objetivos desta Convenção. Observe parte daúltima frase: “não impor restrições contrárias” –vamos voltar a esta frase em breve. Primeiro,quais são os objetivos da CDB?

O Artigo 1 afirma que os objetivos: “são aconservação da diversidade biológica, a utilizaçãosustentável de seus componentes e a repartiçãojusta e eqüitativa dos benefícios derivados dautilização dos recursos genéticos, mediante,inclusive, o acesso adequado aos recursosgenéticos e a transferência adequada detecnologias pertinentes, levando em conta todosos direitos sobre tais recursos e tecnologias, emediante financiamento adequado.” Observe aordem dos objetivos e o fato que o acesso deveriaser adequado para viabilizar a conservação, o usoe a repartição de benefícios. Se a CDB sugereque o acesso deveria ser adequado e que asPartes Contratantes não devem “impor restriçõescontrárias”, por que a comunidade brasileira deP&D está reclamando sobre acesso?

A razão está na história da origem daMedida Provisória 2186-16 (2001), que foidesenhada às pressas para regulamentar acessoà biodiversidade brasileira, sobrepondo-se a umprojeto de lei que estava em andamento e quefoi muito pensado e debatido com vários setoresda sociedade. Um tratado internacional, como aCDB, é um marco legal, mas não tem valor legalsimilar a uma lei nacional. Como mencionado noArtigo 15, parágrafo 1, os países deveriam criarlegislação nacional sobre acesso. Como istoocorreu no Brasil?

A CDB recebeu suficientes signatários paraentrar em vigor em 1994, e a então SenadoraMarina Silva elaborou um projeto de lei paradiscussão no Congresso Nacional e na sociedadebrasileira em 1995, atendendo à recomendaçãodo Artigo 15, parágrafo 1. Ao longo dos anosseguintes, o projeto foi discutido, um substitutivoelaborado pelo Senador Osmar Dias, outros

projetos de lei foram introduzidos na Câmara dosDeputados, e a sociedade brasileira teve muitasoportunidades para opinar e discutir os projetos.No entanto, o Executivo Federal nunca deuprioridade para o assunto e as deliberações seprolongaram.

Em 1997, os Ministérios de Ciência eTecnologia (MCT), Meio Ambiente (MMA) eDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior(MDIC) começaram a desenvolver um programade P&D para tentar aproveitar o potencial dabiodiversidade brasileira: o Programa Brasileirode Ecologia Molecular para o DesenvolvimentoSustentável da Amazônia. O programa idealizouo Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA),localizado em Manaus, e criou a BioAmazônia,uma organização social de interesse público paraser seu gestor. A intenção era tornar ágil ofuncionamento do CBA e estimular a formaçãode uma rede de instituições brasileiras einternacionais que iriam fazer bioprospecção edesenvolvimento biotecnológico, pois o governofederal estava ciente que sozinho não teriarecursos financeiros suficientes para o tamanhodo desafio. Diversas empresas nacionais einternacionais mostraram forte interesse em seassociar ao CBA e à BioAmazônia, inclusive amultinacional Novartis Pharma, envolvida emP&D farmacêutico.

A BioAmazônia e a Novartis negociaramum acordo de cooperação em P&D sobre milextratos de microorganismos amazônicos por anopara três anos, pois é freqüentemente mais fácilisolar compostos úteis de microorganismos deque de plantas ou animais. A BioAmazônianegociou o acordo dentro do espírito da CDB edo projeto de lei da Senadora Marina Silva,exigindo repartição de benefícios via atransferência de tecnologia e investimentos noCBA [principalmente equipamento para avaliarextratos em alta velocidade (high through-putscreening), treinamento de tecnologistas e

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pesquisadores, e apoio aos laboratórios], e viaparticipação em qualquer produto desenvolvidoa partir dessas amostras, ou seja via participaçãonos possíveis patentes. A Novartis concordou e oacordo, o primeiro negociado pela BioAmazônia,seria celebrado em Brasília em meados de 2000.No entanto, alguns membros da comunidade deP&D nacional e de Manaus questionaram ostermos do acordo, afirmando que a tecnologia aser transferida já era dominada por outrasinstituições brasileiras (o que era verdade, masnão existia na Amazônia) e que as tecnologias eos investimentos a serem feitos no CBA erampequenos (Franco Suíço $4 milhões ou US$2,5milhões) dado o potencial das 3.000 amostras.Lembre a definição de potencial apresentada noinício desse ensaio. A BioAmazônia e a Novartisconcordaram, ainda, em repartir eventuais lucrosvia um contrato garantindo ‘royalties’, mesmoconsiderando que a Novartis faria todo o processode desenvolvimento biotecnológico, testesclínicos, registro de patentes (sempre com aBioAmazônia como co-dona) e comercialização.

Enquanto o MMA e o MCT analisavam asquestões da comunidade de P&D, a mídia entrouem cena, afirmando que o acordo tinhacaracterísticas de biopirataria oficializada. Essaafirmação iniciou a desmoralização pública daBioAmazônia e do acordo com a Novartis. OMinistro do Meio Ambiente pediu o cancelamentodo acordo, essencialmente acatando a acusaçãode biopirataria e criando um clima de paranóiasobre acesso à biodiversidade brasileira – quepersiste até hoje.

Nesse clima de paranóia, o MMA elaborouuma Medida Provisória para regulamentar acessoà biodiversidade e conseguiu a anuência do MCTe do MDIC. O resultado, a MP 2052 de 2000, foiuma colcha de retalhos dos diversos projetos delei em discussão no Congresso Nacional e criouo embrião do sistema burocrático que continuaem vigor. A MP foi reeditada diversas vezes até o

número atual – 2186-16 de 2001 – quandoganhou o ‘status’ de lei sem nunca ser votada. Osistema criado sugere que a comunidade de P&Dbrasileira não é confiável – alguns dizem que eleparte do pressuposto de que todo pesquisador ébiopirata até provar o contrário! Pior, o sistemaassume que todo pedido de acesso irá gerar lucrono mercado, que é a razão que exigia contratosde repartição de benefícios antes de autorizaracesso. Desde a criação do CGEN, pelo Decreto3945 de 2001, o sistema ficou cada vez maiscomplicado, devido à edição de decretos,resoluções e instruções normativas que mantémo clima de expectativas excessivas de lucros,desconhece o valor da biodiversidade e doconhecimento tradicional associado, e nãoentende as lógicas do processo de P&D. O últimoé curioso porque diversas instituições de P&D têmassento no CGEN, levantando a suspeita de queelas não são ouvidas pelos gestores do Conselho.

Ao longo dos últimos cinco anos, o sistemaafastou-se progressivamente da essência da CDB,que busca incentivar acesso para garantirconservação e utilização para gerar benefíciosque pudessem ser repartidos. Hoje se temessencialmente o inverso das idéias da CDB:acesso é muito difícil e como conseqüência oprocesso de P&D não usa a biodiversidadebrasileira a altura de sua magnitude e fogecompletamente do conhecimento tradicionalassociado; novos produtos oriundos dabiodiversidade são raros e, portanto, existempoucos benefícios para serem repartidos porquea tão desejada inovação não acontece. E, ainda,os investidores internacionais não querem investirna biodiversidade brasileira.

Em um país ainda subdesenvolvido comoo Brasil é evidente a insuficiência de recursospara se investir a altura da sua biodiversidade,razão pela qual as parcerias internacionais sãoessenciais. Isto foi reconhecido pelo governofederal na época da criação do CBA e da

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Existe uma forma mais lógica, prática esimples para permitir o acesso, tanto àbiodiversidade quanto ao conhecimentotradicional associado, sem que o Estado brasileiroperca o controle sobre o processo e sem que osdetentores do CTA sejam lesados. Hoje o Estadopossui instrumentos que são usados em todas asinstituições de P&D do país, em especial o sistemaLattes do CNPq e os Comitês de Ética em Pesquisacom Seres Humanos (CEP), coordenados peloMinistério da Saúde. Há ainda, o Fundo Nacionaldo Meio Ambiente (FNMA), que poderá recebera repartição de benefícios. Essa forma alternativatambém permitirá o mesmo grau de repartiçãode benefícios possível hoje. A idéia é simples ebaseada em transparência, pois a boa gestãodepende mais de informação do que de coerção.

Cada projeto de pesquisa científica,bioprospecção e desenvolvimento tecnológico

deverá ser informado ao CGEN antes de que ocontrato de financiamento seja assinado entre umgrupo de pesquisa ou instituição de P&D e asagências financiadoras do projeto, tais como oCNPq, Finep, as Fundações de Amparo à Pesquisanos Estados, entre outras. A única necessidade é acolaboração das agências e com absoluta certezanenhuma negará sua colaboração. As empresas,também, serão obrigadas a registrar seus projetos.O CGEN deverá emitir um número de protocolodo projeto para atender essa exigência, que seráusada para liberar o financiamento e paraidentificar o projeto no banco de dados do CGEN.Esse número também será associado ao projetopelas agências financiadoras e incluído noCurrículo Lattes do líder do projeto de P&D,juntamente com outros dados do projeto.

Se o grupo de pesquisa não pretendesolicitar acesso ao conhecimento tradicional ou

BioAmazônia, mas foi perdido na paranóia queseguiu o cancelamento do acordo com aNovartis. Por estas razões é apropriado afirmarque a MP 2186 foi um tiro no pé do Brasil e aferida ainda está sangrando via as dificuldadesde acesso.

Em contraste, na mesma época em que aMP foi editada, Singapura convidou as empresasmultinacionais para investir na biodiversidade dosudeste asiático. Entre os recursos do governode Singapura e os recursos empresariais foraminvestidos US$7 bilhões entre 2000 e 2006,inclusive US$250 milhões da Novartis. Existemdiversos centros similares ao nosso CBA e estãocheios de pesquisadores e tecnologistas nativosde Singapura trabalhando ombro a ombro compesquisadores e tecnologistas das empresasmultinacionais. Imagine como seria o nosso CBA

se o contrato tivesse sido renegociado ao invésde cancelado.

No entanto, existe uma luz no fim do túnel.O fato do CGEN ter concordado em negociar coma SBPC e a comunidade de P&D e criar um sistemade acesso simplificado via Ibama para pesquisacientífica demonstra que os gestores do Conselhoestão cientes que o atual sistema é deficiente.Ainda, o CGEN abriu discussão sobre repartiçãode benefícios, via sua Consulta Pública no. 2,deixando espaço para criticar todo o sistemacriado, pois repartição é o fim do processo e nãopode ser discutida isoladamente. Essa novaabertura é positiva e estimulou muitas discussõesem todos os cantos do Brasil. Também estimulouesse ensaio como tentativa de colaborar com onovo espírito. Acredita-se que o espírito originaldas idéias da CDB pode ser resgatado.

7 SIMPLIFICANDO O ACESSO PARA EXPANDIR USO E GERAR BENEFÍCIOS

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recursos genéticos nativos do Brasil emcomunidades tradicionais, ou seja, abiodiversidade sem conhecimento tradicionalassociado, e não pretende solicitar acesso abiodiversidade em unidades de conservação,somente precisará obter anuência prévia einformada do dono da propriedade, seguindo asnormas de seu CEP. Uma cópia dessa anuênciaserá incluída no relatório do projeto para manteras agências e o CGEN informados.

Por outro lado, se o grupo de pesquisapretende solicitar acesso à biodiversidade numaunidade de conservação, ele deverá usar o novoSistema de Autorização e Informação emBiodiversidade (Sisbio), do Ibama, embora estesistema possa ser simplificado à luz da propostaalternativa explicada aqui. Uma cópia daautorização será incluída no relatório do projetopara manter as agências e o CGEN informados.

Caso o grupo de pesquisa pretenda solicitaracesso ao conhecimento tradicional e/ou recursosgenéticos nativos do Brasil, negociará com acomunidade de interesse sua anuência prévia einformada para permitir acesso ao componenteda biodiversidade e/ou CTA de interesse. Aobtenção dessa anuência é uma exigência dosCEP hoje e todo grupo precisa atendê-la dentrode sua própria instituição. Se o grupo de pesquisaidentificar um componente interessante, mas nãoalvo do projeto original, o grupo negociará acessotambém. Se a comunidade negar o acesso, ogrupo pode negociar com outras comunidadesaté obter acesso, sem interromper sua expedição.O documento de anuência será anexado aorelatório do projeto, listando todos oscomponentes acessados, tornando-se uma partepermanente da história do projeto, e permitindoàs agências de financiamento e o CGENmanterem um acompanhamento informadodesse aspecto do acesso.

O grupo de pesquisa trabalhará com oscomponentes acessados e entregará seu relatóriofinal a sua agência financiadora, com cópia paramanter o CGEN informado. O relatório deveráapresentar os resultados obtidos com cadacomponente individual da biodiversidadeacessado e identificar os componentes-alvos defuturas pesquisas ou desenvolvimentotecnológico. Este último ponto é importanteporque deixará o CGEN informado sobre idéiasfuturas de P&D ligadas ao acesso original. Casoo grupo tenha êxito e pretenda solicitar umapatente, esta informação também constará norelatório, embora os detalhes essenciais doproduto ou processo devam ser reservados pelogrupo para permitir o patenteamento.

Desde o dia 2 de janeiro de 2007 está emvigor a Resolução nº 23 do CGEN, bem como aResolução nº 134/2006, do Instituto Nacional dePropriedade Industrial (INPI), que regulamentamo Artigo 31 da MP 2186-16, sobre acesso erepartição de benefícios. No ato de solicitar apatente, o grupo de pesquisa agora é obrigado ainformar ao INPI sobre a origem do componenteda biodiversidade ou do conhecimento tradicionalassociado e autorização do CGEN. Para simplificar,deveria ser suficiente apresentar a autorização doIBAMA ou o documento de anuência dacomunidade ou proprietário, e o número deprotocolo de CGEN, dependendo do uso ou nãode conhecimento tradicional e/ou recursosgenéticos nativos. Para receber o número deprotocolo do INPI referente ao pedido de patente,o grupo também deverá assinar um compromissode repartição de benefícios com o FNMA no eventode que um benefício seja obtido futuramente eentregar cópia deste compromisso ao INPI. Onúmero de protocolo do INPI e uma cópia docompromisso deverão ser enviados ao CGEN paraserem anexados ao relatório final do projeto, maisuma vez mantendo o CGEN informado.

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A maioria dos grupos de pesquisa doBrasil não irá produzir e comercializar seuproduto ou processo pessoalmente e sim, odisponibilizará para terceiros, sempre com oapoio e anuência de sua instituição. Ocompromisso assumido com o INPI e o FNMAdeverá ser parte do contrato que transfere osdireitos sobre a patente para que a empresacompradora assuma o mesmo compromisso.Este contrato estipula a proporção do lucro aser paga como ‘royalties’ ao grupo quedesenvolveu o produto ou processooriginalmente, e é lógico que neste contratodeverá constar o detalhamento da repartiçãode benefícios com o FNMA também. Aproporção dos lucros que gerará ‘royalties’ erepartição deverão ser negociadas junto aocontrato, pois a empresa compradora terá umaidéia dos investimentos futuros necessários paralevar o produto ao mercado e o grupo depesquisa sobre a veracidade dos argumentosda empresa. A transferência da patente deveráser informada ao INPI e ao CGEN, e a informaçãomantida no banco de dados com os númerosde protocolos relevantes.

A repartição de benefícios ocorrerá quandoa empresa comercializar o novo produto e obtiverlucro. O grupo de pesquisa e sua instituiçãoacompanharão a comercialização pela empresa,pois é de seu interesse saber do sucesso do novoproduto já que representa benefícios. Quaisquerirregularidades deverão ser informadas ao CGEN,bem como as providências que o grupo depesquisa e a sua instituição tomarão.

Observe que o acesso é essencialmentelivre, como ocorre na maioria dos paísesdesenvolvidos. No entanto, sempre respeita osdireitos dos proprietários e dos detentores deconhecimento tradicional, por meio dasanuências prévias e informadas ou daautorização do Ibama. A repartição de benefíciostambém é garantida por meio da celebração de

um contrato no momento em que possam servisualizados, ou seja, perto do final do processode P&D. Observe, finalmente, que os grupos depesquisa são responsáveis pela obtenção daanuência, mas não pela repartição de benefícios.Isto ficaria ao encargo do FNMA, que terámelhores condições para incentivar aconservação da biodiversidade e odesenvolvimento humano dos povos indígenase comunidades tradicionais. Afinal, esses são osobjetivos da CDB.

O processo delineado parte dopressuposto de que a maioria absoluta dospesquisadores, dos grupos de pesquisa e dasinstituições brasileiros atua de forma ética.Acredito que a maioria absoluta dospesquisadores brasileiros concorda com asidéias expressas na CDB sobre repartição debenefícios com os detentores de conhecimentotradicional, de forma que é muito mais sensatoregulamentar com base na simplicidadeadministrativa e na ética dos pesquisadores, doque criar um sistema que sugere que todopesquisador é biopirata até assinar um contratode repartição de benefícios sobre algo que nãoexiste ainda e pode nunca existir.

É evidente que há situações onde oprocesso delineado não cobre. Isto é natural eesperado. Veja que não está se recomendando aextinção do CGEN, somente uma diferente formade gestão baseada na informação. O CGEN temum papel importante e pode analisar casos quenão se acomodam no processo delineado,lembrando sempre que é essencial facilitar oacesso, como recomendado pela CDB.

A sugestão é que o Projeto de Lei sobreAcesso em consideração pela Casa Civil daPresidência da República simplifique o acesso,incentivando as pesquisas científicas, asbioprospecções e os desenvolvimentosbiotecnológicos necessários para o Brasil

195Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A maior parte deste ensaio tem enfocado aAmazônia, pois é o bioma mais evidente na mídiae na consciência dos brasileiros. Todos sabem quea floresta amazônica está sendo derrubadarapidamente, dando lugar a pastos e camposagrícolas. O MMA está atuando em numerosasfrentes para diminuir a taxa de desmatamento econservar os ecossistemas amazônicos. Outrosministérios estão aprendendo que precisamadequar seus projetos às exigências das leis sobreo meio ambiente, justamente para minimizarimpactos negativos. Empresas responsáveispassaram a adotar tecnologias apropriadas ealgumas estão levantando a bandeira verde. Asociedade está aprendendo a reciclar edesenvolvendo uma consciência ecológica. Noentanto, é pouco e o processo de mudança élento.

E agora um novo fantasma apareceuaparentemente de surpresa, embora acomunidade científica estivesse chamandoatenção para esse fantasma faz tempo. Asmudanças climáticas agora são reconhecidas portodos, embora ainda seja incerta a intensidadepela qual afetará cada região brasileira.

Na Amazônia, a maioria das previsõessugere que a floresta atual desaparecerá, dandolugar a um ecossistema similar ao Cerrado.Existem muitos tipos de cerrado e o futuro daRegião provavelmente será um mosaico dediferentes tipos, incluindo florestas de galeria aolongo dos rios e possivelmente florestas altas

(similares às atuais) em algumas localidadesprivilegiadas por solos e chuvas apropriados.Quando descrito dessa forma, o panorama nãoparece tão dramático. Mas a transição de florestapara cerrado tem uma implicação inescapável: aextinção de grande parte da biodiversidadeamazônica.

As previsões sobre extinção surgem nomesmo ritmo que as previsões das mudançasclimáticas, mas são menos visíveis na mídiaporque não trazem imagens dramáticasassociadas. Ao longo das próximas quatrodécadas as previsões de extinção variam de 7%a 24% das espécies de plantas vasculares, devidoprincipalmente a mudanças no uso da terra, ouseja, desmatamento (van VUUREN et al., 2006).Junto com cada espécie de planta, ocorrerá co-extinções de animais, especialmente insetos,microorganismos e outras plantas. Na segundametade desse século a taxa de extinção deveráaumentar devido ao avanço das mudançasclimáticas e a transformação acelerada defloresta em cerrado.

A implicação é clara: se quisermos obterbenefícios da biodiversidade brasileira,precisamos atuar agora. Cada ano que passaaumenta-se a taxa de extinção e elimina-se umoutro ecossistema. Desde 2000, o Brasil nãoinveste adequadamente em P&D para aproveitarsua enorme biodiversidade, parcialmente porqueo acesso estava bloqueado e continua a ser difícil,e porque esta é apenas mais uma prioridade entre

aproveitar melhor sua rica biodiversidade.Essa simplificação permitirá que um maiornúmero de pesquisadores e grupos depesquisa participe da criação de produtos eprocessos – o ouro mencionado no título

desse trabalho, que deixará de ser um poteno fim do arco-íris, pois será incluído nocálculo do PIB brasileiro. Embora essa visãoseja atrativa, existe um porém: o tempo estáse esgotando.

8 A BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 196

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Miguel P. Guerra, daUniversidade Federal de Santa Catarina, à Profa.Dra. Elaine Elisabetsky, da Universidade Federalde Rio Grande do Sul, à Dra. Nadja Lepsch Cunhae à Dra. Cecília Verônica Núñez, ambas do INPA,pela leitura crítica e sugestões que enriqueceram

muitas outras, e parcialmente porque as parceriasinternacionais quase não existem devido à faltade clareza sobre acesso à biodiversidade criadapela MP 2186.

O Brasil precisa acelerar o ritmo, pois agoraé uma questão de encontrar o pote de ouro antesdo que o arco-íris se apague.

o artigo, ao Dr. Cláudio Ruy V. da Fonseca, doINPA, pela informação sobre o acordoBioAmazônia/Novartis, e à Sra. Rosa Clement pelarevisão do texto. Erros de fato e interpretaçãosão a responsabilidade do autor.

197Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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199Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A TIRAÇÃO DE CARANGUEJOS NOS FINS DE SEMANA E O COMPROMETIMENTO DABIODIVERSIDADE

Maria Regina Ribeiro Reis*

RESUMO

O artigo analisa a organização dos tiradores de caranguejos nos fins de semana na Vila doAcarajó, Município de Bragança, Estado do Pará. A inspiração parte dos estudos dos bóias-frias. Ostiradores de caranguejos são organizados em turma, por um comerciante local que, em parceria comcomerciantes residentes na cidade, facilitam a viagem dos tiradores em caminhões, para que possamobter o máximo possível de crustáceos, denotando uma captura intensiva, com conseqüências negativasdo ponto de vista biológico da espécie e social, dos grupos humanos que vivem no entorno e sãodependentes do ecossistema. O estudo foi norteado pela hipótese de que pela falta de condiçõesmateriais para desenvolver a pesca e a agricultura, devido à escassez de terra, restavam aos tiradoressomente os manguezais, para alocar sua força de trabalho. Os resultados demonstram uma aceleradamudança no contexto da captura e venda dos caranguejos, produto considerado de rápida obtençãoe fácil para vender. Verificou-se que a corrida aos manguezais é feita pelos moradores da Vila, mesmoaqueles que possuem terrenos, que indiscriminadamente retiram caranguejos que ainda não atingirama fase adulta. Esses caranguejos pequenos são vendidos sem que o tamanho e a quantidade sejamquestionados pelos comerciantes. Tudo é vendido.

Palavras-chave: Tiração intensiva de caranguejos. Ecossistema manguezal - Bragança - Estado doPará.

* Mestre em Ciências Sociais; Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Faculdade de Estudos Avançadosdo Pará (FEAPA). E-mail: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 200

LOCAL ARTISANAL CAPTURE OF CRABS ON WEEKENDS AND THE COMMITMENT OFBIODIVERSITY

ABSTRACT

The main purpose of this study is to analyze the organization of the crab catchers on weekendsin the Village of Acarajó, City of Bragança, Pará (North Brazil). This work has drawn inspiration from“boias-frias” studies. The crab catchers are organized in groups, for a local trader who, in partnershipwith local traders, facilitates travels of the catchers in trucks in order to get as much as possible alarge number of crabs captured. Thus, this intensive capture may be harmful taking into considerationthe Social and Biological point of view for the activity of the habitants living in different environmentalconditions. The study also showed that guided by the hypothesis that for the lack of material conditionsto develop fishery and agriculture, due to the land scarceness, catchers were supposed to work onmangrove swamps – the only place to allocate their working force. Results show how quickly changesin the context are seen to capture and sold crabs which are considered as an easy product to beobtained and sold. It’s truthfulness that the inhabitants of the village that run off to the mangroveswamps even those ones landowners are the same that take crabs for commercial purpose measuringless than the minimum size for human consumption. It´s known that these small crabs are sold withouttaking into account their size limit and quantity that should be argued by dealers.

Keywords: Intensive capture of crabs. Mangrove swamps – Environmental conditions – Bragança – State ofPará.

201Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo enfoca a organização do grupode tiradores de caranguejo moradores da Vila doAcarajó, localizada a 6 km de Bragança, NordesteParaense, caracterizada por vastas extensões demanguezais.

Os tiradores de caranguejosdesempenham suas tarefas durante a semanaem dias alternados e, principalmente, nos finaisde semana (sextas-feiras e sábados). O trabalhocaracteriza-se pela figura do organizador daturma, elemento que intermedia a relação entreeles e os comerciantes dos caminhões. Oorganizador residente em Vilas às proximidadesdos manguezais e trabalha sempre em parceriacom o comerciante do caminhão que, modogeral, reside na cidade de Bragança ecomercializa vários tipos de produto e vendecaranguejos nos fins de semana para o mercadoexterno. Esta forma de exploração, denominadaaviamento é característica da região amazônica(SILVEIRA, 1979; SANTOS, 1980; ARAMBURU,1994; EMMI, 1999).

Esse tipo de organização conferesegurança e certeza de ganho aos que fazema tiração e os valores pagos em dinheiro sãoatrativo importante para garantir aparticipação na atividade todo fim de semana,durante o ano. Embora a afirmativa da maioriados tiradores relacione o envolvimento naatividade ao sustento, ou sobrevivência,verifica-se o objetivo de garantir de bensmateriais. Por exemplo, o organizador da turmada Vila do Acarajó viaja com carregamento decaranguejo para o município de Cachoeira doPiriá, retornando com madeira para vender naVila. Muitos tiradores encomendam essamadeira para a construção de casas dealvenaria e outros para cercar os quintais ecolocar algumas cabeças de gado nos seusterrenos e quintais.

Procurou-se investigar, neste trabalho, aexistência de serrarias na região e as informaçõesobtidas com os donos de Estância são de quenão existem serrarias na região bragantina,porque, segundo eles, com a proibição do corte ebeneficiamento, a madeira existente vem dascidades de Paragominas, Viseu e Cachoeira doPiriá. Essa madeira, também, é importante paraa confecção dos barcos e canoas.

Na Vila do Acarajó o organizador da turmaganha dinheiro atendendo alguma encomendade madeira. Como forma de garantir a fidelidadedo tirador de caranguejo na captura às sextas-feiras e sábados, revende a madeira mais baratopara os seus parentes, ou vizinhos e os ajuda deoutras formas, para garantir assim a fidelidadedos tiradores e manter a parceria.

Os tiradores estão presos a uma relaçãonão somente de exploração/subordinação, mas,sobretudo, de obrigação. Tiradores de caranguejose comerciantes do caminhão estabelecemrelações sociais que incluem elementos de dívidamaterial, mas, sobretudo de uma dívida moralque obriga o “tirador” a firmar o compromissonos próximos fins de semana, embora algunsafirmem que vão pela amizade. Por outro lado,para os tiradores, viajar no caminhão pode seconstituir uma situação de status (situaçãoprivilegiada) diante aqueles que não são parentese não vão de caminhão.

O organizador da turma refere-se àsatividades de exploração dos recursos do mar edo manguezal sempre no diminutivo, seja emrelação à abundância, ou escassez de peixe, naregião de Bragança. Por exemplo, no período deestiagem (maio, junho e julho) denominado deverão, ele afirma que só aparece uma besterinha1

(referindo-se a quantidade de peixe na região),segundo ele muitos pescadores vão para Belém

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 202

comprar todinho o peixe no mercado do Ver-o-Peso, retornam a Bragança, salgam o peixe eviajam para vender em outros municípios,aproveitando a viagem do caminhão.

Em relação à tiração de caranguejo,informa que no passado somente os mais antigostiravam, mas na atualidade a rapaziada nova estáinserida na atividade por não haver serviço deterra (roça) na região, restando somente aatividade do manguezal como opção. Na verdadeo organizador da turma argumenta no sentidode mostrar a vantagem de tirar caranguejo,considerando a possibilidade de ganhar bastantedinheiro, sobretudo nos fins de semana. Pois paraele o sirviço de terra (roça) é escasso, e quandotem, segundo ele, não compensa o esforço como pouco dinheiro que é pago. As oportunidadessão poucas e quando aparecem os donos dasterras (proprietários de grandes extensões deterra), querem pagar só uma besterinha.

Nos fins de semana, os tiradores decaranguejo trabalham mediante um contratoverbal. A inexistência de um contrato escrito deve-se ao fato da maioria ser analfabeta, assim, taiscontratos apóiam-se na qualidade moral dessestrabalhadores (SILVEIRA, 1976;WEINSTEIN,1993). Esses contratos são feitosentre o organizador da turma e o tirador decaranguejo, que, para suprir suas “necessidades”recebe “de graça”, o atilho, para amarrar oscaranguejos, meio quilo de farinha, duas folhasde papel, uma caixa com fósforos e um pedaçode tabaco. Esta relação de “endividamento” ésemelhante à observada no sistema de aviamentonos seringais da Amazônia: as ferramentas,utensílios e mantimentos fazem parte dosvínculos de endividamento, colaborando para acontínua sujeição e exploração do trabalhador.Por outro lado, as relações sociais entre o

Assim, na visão do organizador, fazer bomnegócio é tirar o máximo que puder decaranguejo nos fins de semana, sem demonstrara mínima preocupação com os estoques decaranguejos. Pois, segundo ele, a forma do tiradorsobreviver é tirar caranguejo. Porque, o mínimoque um tirador faz é 10 cambadas e ganhamR$25,00 que correspondem a quase duas diáriasda terra.

A dureza de tirar caranguejo, a facilidadeem vender, a dificuldade de arrumar outro tipode atividade, talvez pelo fato de apenasassinarem o nome, atrai para a atividade umcontingente enorme de homens que, na visãodo organizador, são principalmente jovens.Essa “corrida” aos manguezais apresentaaspectos que podem ser encontrados emoutros municípios litorâneos do NordesteParaense como São Caetano de Odivelas eCuruçá.

2 A DESPESINHA: OS RECURSOS PARA VIAGEM

organizador e o tirador transformam-se em ajudamútua e nos arranjos entre eles é que seestabelecem as relações de amizade e compadriotambém (LEITÃO, 1997; SOUSA, 2000).

O vínculo de endividamento, que nocontexto desse estudo é chamado de despesinhatem um peso moral e uma compreensãosimbólica bastante significativa, sem deixar devalorizar o material, mas esse material tem umvalor monetário muito baixo (R$ 1,40 a R$ 2,00no máximo) e alguns tiradores não pegam adespesinha, mas viajam no caminhão. Dessaforma são criados mecanismos de dominaçãopara garantir a tiração, dominação estasimbolizada pela presença do caminhão.

Assim todo tirador de caranguejo que subirno caminhão fica desde esse momento avisado

203Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

de que só pode vender o caranguejo para oscomerciantes daquele caminhão. Este paga emdinheiro, ainda no ponto de desembarque doscaranguejos.

Esses elementos de troca são importantespara o entendimento da discussão sobre aorganização dos tiradores e a fidelidade de venda,pois muitos tiradores entendem que a viagem é“de graça” e se viajassem no ônibus teriam quepagar a passagem. Na verdade a tiração nos finsde semana é uma forma de pagamento de dívidas,não de despesa aviada no comércio, ou dadespesinha como a farinha, papel, tabaco e fósforo.

A atividade desenvolvida pelos tiradoresnos manguezais de Bragança nos fins de

semana inicia-se com a chegada do caminhãona Vila do Acarajó. Os tiradores sãotransportados em caminhões alugados(fretados), pelos comerciantes, que viajam pelarodovia até as pontes que dão acesso aos furosdo rio Caeté, cortados pela estrada, queviabiliza o deslocamento até os pontos. Muitosse deslocam de canoa, ou a pé, a partir dessesfuros, até os manguezais consideradosdistantes. Quanto mais se deslocam para ospontos distantes, maior é a possibilidade deretirar caranguejos graúdos, para os quais avenda é garantida. Os furos são consideradospontos de embarque de tiradores edesembarque de caranguejos, denominados deporto, sendo o mais importante deles o FuroGrande.

3 A VIAGEM PARA O MANGAL

A chegada do caminhão na Vila doAcarajó varia entre as 5 e 7 horas, no máximo.Este horário depende do movimento da maré,ou “tempo natural” que para Nascimento(1995) predomina em relação ao “tempo dorelógio“, proporcionando uma interação maisforte com a natureza, ou, como afirma ocomerciante do caminhão: quem rege o tempoaqui é o papai do céu. Este tempo quepredominava no passado, de certa formacontinua atuando nas pequenas comunidadesde pescadores. Mas os moradores da Vilautilizam os dois tempos simultaneamente. Ostiradores do Acarajó nos fins de semana utilizamo tempo para capturar a maior quantidadepossível de caranguejos, prática incorporada aocotidiano por que: O patrão não carece avisare reunir os tiradores para perguntar se eles vãoou não tirar caranguejo, eles já sabem que ocaminhão vem, quando chega o caminhão navila é só reunir e subir no caminhão, afirma umtirador (Fotografia 1).

No caso da Vila do Acarajó existe umentrelaçamento dos dois tempos. O tempo deespera dos tiradores é em frente à casa docomerciante, que organiza a turma, pela manhãbem cedo, para viajar até os furos do rio Caeté eTaperaçu. Portanto, considera-se o tempo do relógiopara chegar até os furos de rio, para dar início àtiração. O tempo da natureza impõe sua vontade:a maré deve estar cheia para as canoas poderemdeslizar suavemente nas águas do rio, bem cedinho,para que os tiradores possam tirar caranguejos e,assim, o tempo está começando a se transformarem dinheiro, afirma Thompson (1984, p.155):

[...] Toda a economia familiar do pequeno

agricultor pode ser orientada pelas tarefas; mas

em seu interior pode haver divisão de trabalho,

alocação de papéis e a disciplina de uma

relação de empregador – empregado entre o

agricultor e seus filhos. Mesmo nesse caso, o

tempo está começando a se transformar em

dinheiro, o dinheiro do empregador, Assim que

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 204

Os tiradores de caranguejos surgem detodos os lados. Aos poucos eles chegam de dois,três, trazem na mão direita o ganchoindispensável à captura, na esquerda uma sacolacom roupa pra proteger o corpo, faca para cortaros galhos e colocar sobre o solo para dar firmezano momento da caminhada, nas partes maislamacentas e retirar os galhos de vegetaçãoincômodos, encontrados ao longo do caminho,nos locais de tiração. Levam a água para misturarcom a farinha, para fazer o chibé e algumas frutas,

mas, segundo informação de um tirador nãopodem comer muito, porque isso dificulta suacaminhada por entre, sobre e sob as raízes. Assimestão armados para a guerra contra,principalmente, o mosquito maruim, pertencenteà família dos Ceratopogonídeos, que são aliabundantes e todo tipo de intempérie na lama2.

Quando cessa a chegada, está na hora departir, ainda na Vila, na passagem do caminhão,há sempre um “tirador” à espera. Chega-se à

se contrata mão-de-obra real, é visível a

transformação da orientação pelas tarefas no

trabalho de horário marcado [...] E o

empregador deve usar o tempo de sua mão-

de-obra e cuidar para que não seja

desperdiçado: o que predomina não é a tarefa,

mas o valor do tempo quando reduzido a

dinheiro. O tempo é agora moeda: ninguém

passa o tempo, e sim gasta.

E para “gastar” esse tempo o tirador decaranguejo maximiza suas atividades, retirandograndes quantidades de caranguejos no períodoem que permanece no manguezal. Para isso ocaminhão chega bem cedo e o ronco do motorquebra o silêncio da Vila contrastando com ocantar dos pássaros que anunciam o amanhecer;o sol ainda tímido mantém-se à espreita ealgumas vezes ainda não nasceu.

Fotografia 1 - Tiradores de caranguejos no caminhão.Fonte: Maria Regina Ribeiro Reis, 2006.

205Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

rodovia, na entrada ou saída da Vila do Acarajó,o motorista pára no Ponto do Careca ou Caneta,local em que se concentra, nos fins de semana,uma quantidade enorme de marreteiros3,tiradores de caranguejos e comerciantes docaminhão.

O Ponto do Careca é presença forte noimaginário dos tiradores de caranguejos. Estãosempre se referindo ao Careca como aqueletirador que lutou muito, guardou dinheiro e sedeu bem na vida, subiu na vida, pois como eles,

o Careca lutava na tiração de caranguejo e hojetem comércio que vende peixe, bebidas,mantimentos, ou seja, melhorou de vida. Esta éuma referência importante para os tiradores,tanto que eles mesmos criaram o Ponto do Carecano manguezal, local que fica afastado da rodoviae contém bastante caranguejo.

O organizador da turma inclui algunstiradores da Vila do Patalino, todos eles aguardamo caminhão no Ponto do Careca, ou ao longo darodovia Bragança – Ajuruteua (Desenho 1).

Desenho 1 – Rodovia PA-458, Bragança – Ajuruteua.Fonte: João Moraes, em setembro de 2006.

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Acompanhando uma dessas idas aomangue observou-se que o caminhão saiu da Vilacom 25 tiradores e outros 25, de formaintermitente, aguardavam na rodovia, àproximidades da Vila de Bacuriteua, a passagemdo veículo. A tiração de caranguejo às sextas esábados é considerada principal e perder ocaminhão é perder a oportunidade de passar ofim de semana com um dinheirinho no bolso,melhorar a refeição do domingo, dia em que secome uma comidinha melhorzinha, ou deixar deganhar um dinheiro extra. Para os jovens significadeixar de ir às festas.

Paralelamente, durante a viagem nocaminhão, muitos tiradores bicicleteirosdeslocam-se para o manguezal até os furos dorio de sua preferência, colocam cadeados nasbicicletas, preparam o porronca4. No caso dos“tiradores bicicleteiros” o desgaste físico édobrado, por pedalar na estrada (44 km ida evolta), além do exercício da atividade, que exige

um esforço físico grandioso compensado, porém,segundo eles, com o dinheiro que ganham.

A maioria dos tiradores que viajam nocaminhão escolhe o Furo Grande, consideradoponto importante de deslocamento e chegada dostiradores, pois é nesse local que se faz opagamento. Outros preferem os furos do Meio,Café e Araí. Recebem a despesinha, para descontarno momento em que é feito o pagamento dascambadas, ou seja, na chegada dos tiradores,quando desembarcam os caranguejos das canoas.

Às proximidades do furo grandeencontram-se casas construídas de madeira sobreo manguezal, com antena parabólica, dois barescom bilhar, cerveja e muita música. Um dos baresserve de apoio ao comerciante Cabo Velho, quepossui oito canoas a remo, quatro somente nofuro da Salina, e quatro em outros furos, e alugapara os tiradores se deslocarem aos manguezaisafastados da estrada.

4 A ESCOLHA É PELA GRANDEZA DO CARANGUEJO: OS PONTOS DE TIRAÇÃO

Com a chegada do caminhão os tiradoresde caranguejos do caminhão e os bicicleteirosobedecem a um ritual de preparação paraadentrar o manguezal. Ainda na rodovia vestemroupa e sapato para proteção (MANESCHY, 1993;DRUDE, 2003).

A entrada no mangal é sempre na marégrande; quanto mais longe da estrada, maior é apossibilidade de capturar caranguejos graúdos.Segundo a localização das tocas, o manguezalrecebe denominação diferente. As tocas rasas,onde não se usa o gancho, são chamados demangal de areia; as partes em que a marezadalava o mangal e a captura só é possível com ogancho, sejam no inverno, ou no verão, estesdenominados pontos do fundão.

Os tiradores que viajam de canoa,geralmente em grupo de oito homens, remam atéos pontos onde eles acreditam ter bastantecaranguejo, sob o protesto dos guarás (Guararubra), aves de beleza exuberante, de corvermelha. Na medida em que a canoa deslizasilenciosamente nas águas do rio, as aves fazemuma demonstração de insatisfação na presençahumana, com revoada para o topo das árvores,passando na frente da canoa, com gritosestridentes. Por outro lado, as garças brancas(Casmerodius albus), indiferentes, estãopreocupadas com os caranguejos pequenosdenominados chama-maré, que lhes serve dealimento e em silêncio, ignoram qualquermovimento.

207Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

As canoas em que os tiradores viajam sãode propriedade de comerciantes do caminhão etambém de tiradores que trabalham em parceriacom irmãos. Em geral ficam atracadas nos furosdos rios para o embarque. Os pontos de tiraçãosão variados e percorridos em dias alternados. Emgeral utiliza-se o caminhão para fazer parte dopercurso que é orientado pelo conhecimento quetrazem na bagagem cultural. Cada fim de semanaa tiração é num ponto, devido à quantidadeenorme de tiradores e bota gente nisso afirmam.

No Furo do Meio, os tiradores seguem apé, ou embarcam em canoas a remo, até chegarao ponto do Lonjão. Segundo seu João, são duashoras de relógio para se chegar até lá. Além doponto da Salina, Jabuti, Jatiquara, Araí, Ostra,Capinzal, Tralhoto e Lixeiro, conhecem cadaigarapé como o Arreboque, Fundão, Burateu,Moça. Neles, tiram a lama do corpo e doscaranguejos, para diminuir o peso da carga.

Nos “pontos” nos manguezaisdenominados Lixeiro fica acumulado todo tipode lixo trazido pela maré. Desde garrafa térmica,chinela, isopor, estojo com CD, pedaços de pau,remo de canoa, garrafa plástica. Tais objetosconstituem uma agressão ao ecossistema: ondeo lixo fica acumulado, a vegetação do manguezalestá seca, facilitando a penetração de raiossolares que ressecam a parte mole do manguezalo que, para Souza Filho (2001), contribui para adegradação ambiental. Esse lixo, segundo otirador, é jogado pelos veranistas na praia deAjuruteua. No entanto, nos manguezais que ficamnas proximidades da estrada, encontram-se latasde conserva, garrafas plásticas, vidro derefrigerantes e bebidas alcoólicas, sacos plásticosetc. deixados, provavelmente, pelos tiradores.

Os tiradores deslocam-se para váriospontos e devido à intensa captura, o mangal ficaliso, sem buraco no tijuco, o que os leva a afirmarque o jeito é sair fora se tiver esbandalhado, em

busca de outro ponto seguindo seusconhecimentos, percepção e divisão do espaço.Os tiradores sabem onde se encontram oscaranguejos maiores, considerados pontos certosde tiração. Esses conhecimentos sobre osterritórios produtivos percorridos pelos tiradoresde caranguejos são visualizados e compreendidospor eles. Porém pouco valorizado.

Um dos tiradores entrevistados informouque tira caranguejos com três irmãos e casoencontre um ponto bom, (aquele onde temsomente caranguejo graúdo) é mantido o segredoentre os quatro, ninguém poderá saber. Oconhecimento dos tiradores pode ser aproximadoà idéia de “mestrança” discutida por Maldonado(1986) como uma espécie de “chamado”,conjunto de capacidade, vocações pessoais, quevão além do saber ir e voltar. Pois para Seu João:

O segredo lá é quando tá numa parte que tá

mais raso, é que a gente não diz pros outros,

sabe? Não é toda a marezada que o caranguejo

tá raso, aí a gente não conta, que se contar eles

vão e aí quando a gente chegar lá de novo já

está todo esbandalhado. Ninguém faz nada

nesse trecho do mangal aqui de Ajuruteua até

aqui o Taicí [furo de rio] eu acho que não tem

uma parte do mangal aí que ainda não andou

gente, tanto faz aqui, pertencendo o rio Caeté,

como o rio do Taperaçu. Tem um ponto do

Lonjão, que eles vão lá. É duas hora de relógio

pra chegar no ponto, pra tirar o caranguejo (Seu

João, fevereiro /2006).

No retorno do manguezal, a canoa éprioridade para o transporte das cambadas decaranguejos. Metade dos tiradores retorna a pé:“caminham” pelo manguezal, ou nadam pelo rio,conforme o fluxo das marés. Mas as canoas e osbarcos a motor não são os únicos veículos de acessoaos manguezais, também são utilizados botes, ouvoadeiras, como são conhecidas, pois estes veículossão mais velozes e acessam pontos cada vez mais

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 208

distantes. Esta situação ocorre porque devido àintensa captura, os tiradores estão se deslocandopara lugares inexplorados, onde só tem caranguejosgraúdos, o que facilita a venda. Por meio de contatosem Bragança, identificou-se que os comerciantesque possuem bares e restaurantes na praia deAjuruteua, conhecidos por barraqueiros5, queremse reunir para não comprar mais caranguejos, porcausa do tamanho que está cada vez menor.

Muitos tiradores também se deslocam paraa ilha de Canela e ponta do Mauaú para, em doisdias, cada um capturar de trinta a setentacambadas, que conseguem vender a R$ 4,00 eR$ 5,00 a cambada, para os comerciantes docaminhão, que as revendem por R$ 8, 00, R$10,00 e R$ 12,00 cada, conforme a cidade dedestino do caranguejo.

Esses tiradores de caranguejos viajam emgrupo de 12 pessoas. Saem da Vila de Bacuriteua,convidados por algum parente, geralmentetiradores adolescentes que precisam de dinheiropara beber, fumar e ir para as festas, ou aquelesque vão em busca de ganhar mais dinheiro. Istoé evidenciado em entrevista com esposa decomerciante da Vila, que afirma o seguinte:

Os mais novos vão pra festa, os pai de família

não dá pra ficar esnobando dinheiro assim, o

dinheiro é pouco [...] o pessoal vai pra cá pra

baixo, pro lado do Canela [ilha]), que tiram de

30, de 40, de 50 cambada aí eles vendem de

R$4,00 e R$5,00 né, dá? [...] tenho um primoque tirou 70 cambadas em dois dias, os mais

fracos tiram 30, 40 aí dá pro cara ganhar um

dinheirinho a mais né? [...] vão pra lá porque

não é tanto consumido (tirado) como pra cá e

lá é só caranguejo grande, assim o cara ganha

mais uma besteira e quem sabe aproveitar o

dinheiro, o dinheiro dá pra comprar alguma

coisa, agora se não sabem, aí gastam tudo a

toa até um filho meu que mora pra li já foi (Roca,

Fev/ 2006).

Pelo exposto percebe-se que a extensãodos lugares de tiração é cada vez mais ampliada,basta criar mecanismos de acesso convenientecom a necessidade do mercado e após 10 a 12horas de intensa captura no manguezal, por voltadas 16 horas, os tiradores de caranguejo retornamà ponte do Furo Grande, onde caminhões e seusrespectivos motoristas já aguardam, desde as 15horas, para o carregamento das cambadas decaranguejo.

5 A CHEGADA EM SILÊNCIO

Os tiradores chegam de forma intermitente,retiram as cambadas das canoas, em média oito, dezou quinze cambadas por tirador. A expressão dotirador de caranguejo é de cansaço e sem nenhum

sorriso. Aliás, que motivos teriam para sorrir? Emsilêncio, eles vão amontoando as cambadas decaranguejos na pista. Sentam no meio-fio da estradae esperam a conferência (Fotografia 2).

209Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Sem levar em consideração o esforçodespendido e o conhecimento empíricoindissociáveis da prática produtiva, oscomerciantes do caminhão tornam a atividadepouco compensatória para os tiradores, queprecisam trazer a maior quantidade possível decaranguejos, a fim de conseguir um dinheirorazoável. E o resultado leva a uma pequenatrapaça: em toda cambada de caranguejos sãoamarrados quatro a seis caranguejos miudinhos,com tamanhos inferiores a 6 cm, tamanhomínimo estabelecido para a captura do animal(DIELE, 2005), pois o caranguejo é animalrelativamente grande e de crescimento lento, quepode viver até dez anos e atingir 9 cm decarapaça6.

No momento em que se observa estasituação, os tiradores amarram seus caranguejosem varetas de pau, retiradas do própriomanguezal, formando 10 cambadas o que facilitaa conferência. Assim, no total, um tirador vendepara cada caminhão, em média, 140 caranguejos7

e 50 tiradores que viajaram no caminhão queacompanhamos retiraram 7.000 unidades decaranguejos.

Após o descarregamento das canoas, ostiradores de caranguejo esperam a conferênciafeita pelo organizador da turma (Fotografia 3).Este, com uma lista dos nomes na mão,anotados pela manhã faz os respectivosdescontos. Caso os tiradores precisem de

Fotografia 2 – A chegada dos tiradores na Ponte do Furo Grande.Fonte: Maria Regina Ribeiro Reis, 2006.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 210

O comerciante do caminhão sempreadianta um vale para quantos tiradoresprecisarem, para ser descontado no próximo fimde semana. A introdução do dinheiro nesseprocesso seduz os tiradores o que termina porestabelecer uma relação de exploração quesubentende o crédito como ajuda. Assim, aocontrário de Aramburu (1994) que afirma que naAmazônia raramente a relação de troca éintermediada por dinheiro, no caso da tiração decaranguejo os valores são monetários.Comerciantes do caminhão e marreteiros pagamà vista e somente à vista os tiradores,

regularmente: é acabou, banhou, dizem ostiradores. Esta situação não é ocasional, repete-se durante todo o ano.

Por outro lado, é estabelecida umarelação de compadrio, pois alguns tiradoresconvidam o comerciante do caminhão parabatizar um dos seus filhos, tornando-se assimcompadre. Dessa forma, se por um lado, háuma relação de exploração/subordinação, poroutro, há obrigação de dar e receber, nessecaso o convite para ser padrinho é irrecusávelpara o comerciante.

dinheiro, dirigem-se ao comerciante docaminhão que faz o adiantamento, sempre comum lembrete: Todo caranguejo que vocês

tirarem eu compro e mesmo que vocês nãovenham no caminhão eu pago a passagem deônibus.

Fotografia 3 – Tiradores de caranguejos a espera da conferência.Fonte: Maria Regina Ribeiro Reis, 2006.

211Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A chegada no Ponto do Careca acontecepor volta de 20 horas, os caranguejos sãotransportados para caminhões maiores,destinados a venda em diferentes cidades doPará. Enquanto é feito o transporte, oscomerciantes continuam comprando caranguejosdos tiradores, porque toda quantidade que chegaé comprada. A quantidade de caranguejosdepende da cidade de destino. No caso da viagempara Paragominas o mínimo da carga é de 800cambadas, para Marabá, Parauapebas e Belém aquantidade fica em torno de 2.000 por caminhãoe assim sucessivamente.

Nas sextas-feiras os caranguejos sãoentregues por vários comerciantes do caminhão,em consignação, para os motoristas. Muitos delessão vendidos em outros municípios pelosproprietários8. Essa prática pode ser mais bemcompreendida através de entrevista concedidapor um tirador de caranguejo da Vila do Acarajó,que tira caranguejo há bastante tempo e sempreem parceria com mais três irmãos, possui rancho9

às proximidades do Furo do Meio e sempre sedesloca para os pontos em canoa, também depropriedade dele com os irmãos, todos moradoresda Vila do Acarajó. Eis o diálogo registrado emfevereiro de 2006:

- O senhor vê o pessoal tirar caranguejo

pequeno?

João (tirador) – Vejo.

- Mas o senhor não tira?

João – Não, nós que trabalha lá (Furo do Meio),

que é acostumado lá, aí o pessoal lá já sabe,

porque lá é o rio considerado o caranguejo mais

graúdo dessa rodovia aí.

- De onde é?

João - Lá do Furo do Meio e aqui a gente é

conhecido como “a turma do caranguejo

graúdo”, porque o nosso caranguejo é só

graúdo.

- O senhor e os irmãos?

João - É os irmão, somos quatro irmão e mais

um senhor lá de fora, seu Antônio.

- De onde ele é?

João - Ele mesmo é do Maranhão, ele nasceu

no Maranhão, mas ele mora lá, lá fora, casado

com uma menina daí.

- Daqui?

João – É, filha do Caneta, lá.

- Ah! Eu sei, onde começa a luz ali?

João – É, ele trabalha com a gente há muito

tempo, ele veio de lá pra trabalhar numa

serraria, serraria não, aleria (olaria), aí a aleria

fechou, ele sabia fazer serviço também no

mangal, aí ficou tirando caranguejo com a

gente, é o nosso companheiro de todos os dias,

quando a gente vai.

- Vocês são considerados a turma do caranguejo

grande então tem venda certa, não tem? E

vocês têm comprador certo?

João - Tem, tem.

- E o senhor vende para quantos marreteiros?

João – No meio da semana, eu vendo pro Lojão,

só pra ele.

- O senhor não vende pra outro, é fiel a ele?

João – Pra outro marreteiro ninguém vende,

porque a hora que a gente chega é só ele e

outro Aleixo que tão aí, só eles dois.

- Vende para o Vadico também?

6 A CHEGADA NO PONTO DO CARECA OU CANETA

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 212

João – Não, não o meu caranguejo é contratado

dia de sexta, de nós irmão, pra ele, pro Siriri.

- Siriri também é marreteiro?

João – Marreteiro, mas só trabalha dia de sexta

ele, outro dia ele não compra.

- Mas ele tem caminhão?

João – Não, não ele vai de carro fretado, ele

pega o carro de um senhor lá de Tamatateua

que vai pra Paragominas, aí ele vai com ele no

carro.

- Ele leva o caranguejo para onde?

João – Paragomina. Paragomina, Ipixuna, São

Miguel, aqui pro Quarenta e Oito, pro Doze, fica

aqui pra Santa Maria, eles começam a deixar.

- Quer dizer que tem vários caminhões? Este

esquema do Vadico é um e vários?

João – Esse do Vadico é um, e têm outros.

- Mas tudo no Caneta?

João – Não, não, aí dessa região aqui Ajuruteua

e Tamatateua, tudo passa aí no Caneta, agora

têm da Serra, daqui do Piriá, têm de Marapanim,

esses também que sai pra lá, mas daqui de

Ajuruteua sai, dia de sexta sai do Vadico, sai do

Siriri, sai o do Baraozinho e sai do Luiz, do Luiz

vai até Marabá, nessa rodovia aí que vai pra

Marabá ele sai.

- Entra em Capanema, até Marabá? Vai pra

Parauaebas?

João – Não, pra Parauapebas vai desse do

Baraozinho, vai deixando aí.

- Émuito caminhão então? Todos cheios de

caranguejos?

João – Tudo cheio, aí sai um pra um canto, sai

outro pro outro.

- O senhor não tem idéia quantas cambadas

tem em cada caminhão?

João - Acho que vai quinhentas, mil, por baixo,

cada caminhão. É o Luis que vai pra Marabá, o

mínimo que ele viaja pra lá é de oitocentas

cambadas e o caminhão é dele.

- Me diga uma coisa, o senhor sabe de onde

eles são? Se são nordestinos, se são daqui?

João – Não, não, são paraenses mesmo, são

comerciantes bragantinos.

- A venda dos caranguejos é na feira, o senhor

não sabe se ele vende para supermercado?

João – Não. É só nas feiras, só ficam nas feiras,

eles não vende pra supermercado, em outros

cantos, em outro comércio, é só na feira pro

consumidor.

- E no sábado o senhor vende para quem?

João – No sábado eu vendo pro Cabo que é

parceiro do Vadico, ele só compra dia de sábado.

- Ele só compra dia de sábado?

João – É, eles andam junto sexta–feira, mas

ele não compra tudo é do Vadico na sexta, agora

no sábado, no sábado tem uma parte que sai

pra ele, do Cabo Velho, ele tem uns tirador e o

Vadico tem outros, quer dizer que os que andam

no carro dia de sexta, todos tiram pro Vadico.

- A cambada é comprada por dois reais? E

quantas cambadas vocês tiverem eles

compram? Compram caranguejos pequenos

também?

João – Compra

- Compram pequenos ou grandes?

João – Pequeno, ou grande, tudo eles compram,

principalmente começo de mês, eles num, pra

eles não vale o tamanho é a quantidade, bom

de vender é no sábado o caranguejo do Cabo

vai pra Belém.

- O senhor sabe me dizer se em Belém eles vão

deixando nas feiras também?

213Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

João – Vão, vão deixando nas feiras, tudo

quanto é feira. Começa a deixar na Cidade

Nova, aí vão todinha as feira, eles vão deixando,

vai ficando ali, o vendedor com o caranguejo,

aí na volta o caminhão vem direto, eles pegam

ônibus e vêm pegar aqui em Marituba, lá no

posto, eles já sabe o posto lá, o caminhão chega

espera eles chegar todinho, os vendedor, pra

fazer a viagem pra Bragança [...] vai uma faixa

de trinta pessoas lá pra Belém.

- E a quantidade de caranguejo? Mil cambadas?

João – Leva mais, chega uma base de levar duas

mil cambadas todo sábado.

A outra parte dos caranguejos é vendidapara os comerciantes do caminhão, e apenas nocaso de os tiradores não terem comprador nomomento, pois eles alegam que praticamente dãoo caranguejo, pois o pagamento que oscomerciantes oferecem por cambada é muitopouco. Contraditoriamente, o Cabo Velho é ogrande comprador da região, mas paga o menorpreço.

O “esquema” da comercialização na sexta-feira entre o organizador da turma com ocomerciante do caminhão é somente de buscar ocaranguejo na Ponte Grande e repassarimediatamente, no Ponto do Careca, emconsignação para os donos de caminhões, oudonos do frete. Estes levam os caranguejos paravender em várias cidades do estado. A mesmaprática é utilizada por outros comerciantes que,em parceria, organizam10 os tiradores deBacuriteua que viajam no caminhão. Outros, embote, contratam os tiradores de caranguejos parao deslocamento até a ilha do Apeú, áreasconsideradas distantes e pontos onde seencontram os caranguejos mais graúdos, paraobter um preço maior. Além de Marabá, estesviajam para Paragominas e retornam com madeira;outros comerciantes viajam para Parauapebas.

Esta transação acontece todas as sextas,repassam o caranguejo a outros comerciantes,em consignação, para venda em outrosmunicípios. Nos sábados, separam a parceria11 ecada um freta um caminhão e são diretamenteresponsáveis pela venda dos caranguejos emcidades diferentes.

Essas relações de exploração e asmudanças sociais ocorridas são evidenciadas nodepoimento de um ex-tirador, que desenvolveuatividade no manguezal de Bragança porquarenta anos, depoimento que reflete o contextoatual e as mudanças nas relações sociais deexploração dos recursos dos manguezais. Naocasião, perguntou-se o que mudou em relaçãoà tiração de caranguejos, a resposta veioimediatamente, dessa forma:

Mudou muito daquele tempo novo quando

nós comecemos a tirar caranguejo. Agora

ficou já mais miúdo, ele ficou numa frase

(fase) mais miúda e diminuiu também muito,

que daquele tempo a gente tirava caranguejo,

não tinha precisão de entrar no meio da

raizada do mangueiro pra tirar, eles tirava no

meio do lavado mesmo, que tinha muito

buraco, o caranguejo era raso, hoje em dia

não, o caranguejo é mais fundo e os buraco

já ficou já mais difícil pra gente conseguir o

buraco, e o caranguejo mudou muito, muito,

muito, muito mesmo [...] era graúdo, hoje

não, hoje o caranguejo já mudou muito [...]o

máximo que tirava era dez, doze pessoas que

tirava caranguejo, agora não, agora já perdeu

até as conta de quantas pessoas tem

tirador[...] de 200 pra melhor, fora o carro do

Vadico, também de bicicleta e ninguém ainda

não conferiu a porcentagem, mas tem dia que

a gente confere, às vez vai quarenta,

cinqüenta peão, dentro do horário (6:00 horas

da manhã no ônibus), pra tirar caranguejo

(Adão, janeiro 2006).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 214

A segunda situação de exploração emBragança é possível afirmar a partir da presençade comerciantes do caminhão, que vendemcaranguejo para atender o mercado externo.Assim, os comerciantes do caminhão acabam porcriar uma situação de dependência entre eles eos tiradores, tendo como base o uso do caminhão,que aparece como símbolo de dominação sutil.Pagam para o tirador preços mais baixos pelacambada do que os praticados no mercado.

Esta situação pode ser denominada de“exploração atual”, pois os tiradores decaranguejo são organizados em turmas, para tirarcaranguejos nos fins de semana, no trecho quecompreende da estrada de Bragança até a raia

de Ajuruteua. A relação entre os comerciantes etiradores é intermediada por um comerciantelocal, que organiza os tiradores, com vistas aoatendimento do mercado externo. A autonomiados tiradores de caranguejos passa a ser namaioria das vezes somente na escolha dos pontos,buracos que contêm bastante caranguejo e nadecisão de ir, ou não, no caminhão, nos fins desemana. Estão relativamente presos a uma lógicade sujeição, por vender os caranguejos apenaspara o comerciante para o qual foram“contratados”. O comerciante, por sua vez,destina os caranguejos para vários municípios doestado do Pará e algumas cidades do nordestedo País. As duas situações referidas sãodenominadas na Amazônia de aviamento12.

Os estudos mostram que as relações deexploração têm concomitantemente duassituações: a primeira pode ser denominada de“exploração anterior”, que se baseia nasrelações diretas de dependência entre o tiradorde caranguejo, trabalhador autônomo, queescolhe os dias da semana para se dedicar à

tiração de caranguejo, que se constitui ematividade complementar, ou sazonal e omarreteiro, com a “produção” voltada para omercado interno, compra em pequenasquantidades diariamente, com poder aquisitivoreduzido. Conforme demonstrado nofluxograma a seguir:

Fluxograma 1 – Mercado interno: distribuição dos caranguejos pelos marreteiros.Fonte: Elaborado pela autora.

215Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

No momento da venda, o motoristadesconta as despesas e no retorno entrega olucro para os comerciantes. Os tiradoresassistem a tudo e aos poucos retornam parasuas residências. Percebe-se que os tiradoressabem por quanto os marreteiros ecomerciantes do caminhão vendem cadacambada de caranguejo e que os comerciantesganham muito dinheiro, por isso a maioria dostiradores, moradores na Vila do Acarajó,alimentam um sonho que é de um diaconseguir comprar um caminhão, para podercomercializar o caranguejo para fora domunicípio de Bragança e eliminar o

atravessador (nesse caso o marreteiro e ocomerciante do caminhão), que compra acambada de caranguejo a R$ 2,00 eimediatamente vende por R$ 4,00 a R$ 5,00,dependendo da cidade a que se destina ocaranguejo. Uma cambada pode chegar até R$15,00, dessa forma, o tirador tem comoperspectiva de futuro ser um comerciante decaranguejo. Porque o tirador é sempre o maisprejudicado, quando se estabelece uma relaçãode compra e venda. Situação que secompreende na fala de uma moradora doAcarajó que para viver cria galinha, vende osovos e costura para os moradores da Vila.

Fluxograma 2 – Mercado externo: distribuição dos caranguejos pelos comerciantes do caminhão.Fonte: Elaborado pela autora.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 216

A tristeza maior é que o que trabalha mais é o

mais injustiçado e aquele que não faz nada

[neste contexto ela se refere ao comerciante

ou marreteiro] é o que leva o lucro. O pescador

faz o curral pega peixe e o atravessador compra

por R$ 0,40 ou R$ 0,70 centavos o kilo e no

mercado e na feira a gente vê o peixe a R$

7,00 reais o kilo e isso é muito triste. Assim é

com o tirador de caranguejo no inverno eles

vendem por R$ 2,00 reais a cambada,

trabalham num sirvicinho desgraçado e quando

chega verão o preço cai para R$ 0,70 ou R$

1,00 a cambada (Ana, moradora da Vila do

Acarajó, junho/2006).

Sábado é o dia excelente para a venda decaranguejo, os comerciantes que na sexta-feiravendem o caranguejo em parceria separam-se ecada um viaja em caminhões para cidadesdiferentes. Um dos exemplos é o comerciante docaminhão conhecido por Cabo Velho, que vendeo caranguejo para as cidades de Ananindeua,Belém e Icoarací. Viaja sempre aos sábados ànoite e abastece 36 feiras livres da capital, deixaum ou dois vendedores em cada feira-livre comas respectivas cambadas (50 a 60 para cadavendedor), começa pelas feiras da Cidade Nova,Cremação, Terra firme, São Brás, 25 de setembro,além de Icoarací. Na venda em Belém, ocomerciante paga R$ 20,00 reais a cadavendedor, mesmo que cada um deles venda 50cambadas. Relações comerciais que se repete emoutros municípios.

Os comerciantes eventuais,denominados de aves de arribação13. viajamcom caranguejos para Açailândia e Imperatriz,no estado do Maranhão, retornam com atilho,arroz e feijão. Segundo informações adquiridasem Bragança, um desses comerciantes fazparte da elite bragantina, como membro dafamília, atuando em Secretarias da Prefeiturade Bragança.

Garantem, assim, a compra do produto e opagamento feito pela quantidade de caranguejoscapturados, amarrados em forma de cambadas Éexpressamente proibida a venda para outroscomerciantes locais denominados marreteiros, casoaconteça de algum destes comprar caranguejos dotirador do caminhão são denominados demarreteiros desguiados, alegam que estes oferecemum preço maior para os tiradores, porque não têmdespesa com frete e gasolina.

A atividade é feita em parceria, que temsempre a preocupação de estimular os tiradoresao exercício da atividade, mas o preço dacambada é estipulado pelo comerciante docaminhão. Essas questões levam a pensar napossibilidade de o manguezal ser simbolicamentepropriedade dos comerciantes do caminhão, poiseles estão sempre se referindo aos outroscompradores como particular, ou desguiado. Faz-se tal conjectura porque a quantidade decaranguejos retirados dos manguezais deBragança, nos fins de semana, é alvo defiscalização ineficiente. Ela é feita pelo Estado,representado pelo Ibama, Prefeitura doMunicípio, ou pela Resex.

Nos meses de abundância de pescado atiração intensiva no caminhão é estendida paraas terças e quartas feiras, pois a abundância depescado na região de Bragança altera a vendade caranguejos no mercado interno. Devido agrande disponibilidade de pescado nessa épocagrandes quantidades são salgadas, excetoalgumas espécies que estão com venda proibidacomo o Mero. Nesse período, os consumidoresde Bragança preferem comprar o peixe Gó,vendido na feira de Bragança a R$ 1,00 o kg14

enquanto a cambada de caranguejo é vendida aR$ 5,00 na mesma feira. A saída dos caranguejospara os municípios, porém, é mantida seminterrupção, assim os “tiradores do caminhão”continuam regularmente durante o ano todo.

217Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Daqui de Bragança mesmo que sai pra fora

caranguejo são uns dez caminhão tudo cheio,

aí sai um pra um canto, sai outro pra outro.

(Tirador de Caranguejo, fev. 2006).

Os caminhões que viajam para outrosmunicípios com o carregamento decaranguejos são maiores, comparados comaqueles que levam os tiradores para omanguezal, sempre um Mercedes. A cobrançade frete fica em torno de R$ 600,00 a R$ 700,00por dois dias, caso o caranguejo venha a servendido em Belém e outros municípiospróximos a Bragança. Mas o que determina opreço do frete e da cambada de caranguejo éa distância das cidades de destino, o tamanhoe a falta de caranguejo na cidade, pois aescassez dá condições para cobrar de cinco aoito vezes o preço de cada cambada.

Os comerciantes do caminhão, quandoestipulam o preço da cambada de caranguejo,tornam a relação muito mais exploratória,argumentam que o caranguejo é um produtobarato e dessa forma não podem pagar mais.Resta ao tirador aumentar o ganho através daquantidade de caranguejos capturados. Oscaranguejos pequenos não são recusados peloscomerciantes, mas recebem um preço menor, emrelação às cambadas de graúdos. Nesses casos opreço é maior, a cambada valorizada e o tiradorrespeitado, por tirar caranguejo graúdo.

Esses caranguejos são vendidos em grandequantidade nos fins de semana15. O destino sãoas diversas cidades do estado do Pará e nordestedo país. Essa prática compromete a relaçãoequilibrada homem-manguezal, estabelece-seuma troca negativa que contribui para odesequilíbrio do ecossistema, escassez docaranguejo, em longo prazo, e conseqüentementeo desequilíbrio social, retirando a possibilidadedo sustento de milhares de famílias quesobrevivem da atividade que, para alguns, é umadas poucas opções para ganhar dinheiro.

Esses últimos vivem as conseqüências defatores que contribuem para o processo, como aescassez de terra para cultivo, os entravesburocráticos para aqueles que procuram legalizarseus terrenos e pessoas vindas de fora, ou aindaalguns funcionários da prefeitura de Bragança àprocura de vantagem financeira na compra deterrenos dos tiradores, tirando o pouco que lhes resta.

Dessa forma, o capitalismo expande-se,buscando novas áreas, ainda inexploradas, oupouco exploradas. Porque, no caso específico dasáreas de manguezais de Bragança, algumas jáapresentam sinais de saturação devido à buscaincessante de acumulação de riqueza material,provocando aumento das desigualdades sociais,criando necessidades materiais cada vez maisdifíceis de satisfazer para quem habita nessasregiões (PENNER, 1984).

A viagem para o manguezal, no caminhão,repete-se todos os fins de semana, com exceçãodos cinco primeiros dias dos meses de janeiro,fevereiro e março, devido à proibição decretadapelo governo estadual, sob o número 3.181, de10 de novembro de 1998, que regulamenta a leido defeso do caranguejo e qualquer caminhãocarregado fica proibido de sair nesses dias.

Em compensação, nos bairros e na feiralivre de Bragança, sobra caranguejo devido àquantidade capturada ser muito maior que ademanda, pois a proibição é somente para avenda de caranguejos que viajam para fora domunicípio e em Bragança muitos morrem porfalta de comprador. Nos meses seguintes seguea “normalidade” com a intensa captura.

7 SAI CARANGUEJO PARA TUDO O QUANTO É CANTO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 218

Os caminhões com o carregamento decaranguejos retornam das pontes próximas aosfuros dos rios a partir das 18h30 em direção aBragança; no retorno recolhem os tiradores queescolheram outros furos para o deslocamento.Alguns já aguardam o caminhão desde as 15horas na pista, esperando o retorno que, nestedia, aconteceu somente às 18h30. Seu ArlindoEupídio, carpinteiro e atualmente tirador decaranguejo de 60 anos, morador do Acarajó, jáaguardava o caminhão de retorno há mais de 3horas.

O caminhão pára na Vila de Bacuriteua emuma casa, próxima à estrada onde um doscomerciantes do caminhão já acumulou bastantecambada de caranguejo até atingir a quantidadedesejada. Esse comerciante compra parte docaranguejo dos tiradores que viajam de ônibus,bicicleta e dos tiradores que aparecerem nos finsde tarde, ou na boca da noite. Outra parte écomprada pelos marreteiros que vendem na feirade Bragança. Em parceria com os organizadoresda turma, os respectivos comerciantes compramtambém dos tiradores de caranguejos que vãode bote, de sua propriedade para os manguezaisdistantes.

Observou-se que no caso de um doscomerciantes do caminhão não conseguir aquantidade desejada, outros comerciantes docaminhão disponibilizam o caranguejo e, quandoa quantidade não atingiu a meta, compram,mesmo mais caro de outros tiradores decaranguejos para completar a carga, como já foidito fica em torno de 650 a 2.000 cambadas, em

apenas um caminhão. Em dada ocasião, um doscomerciantes do caminhão retornou domanguezal com carregamento de 550 cambadas,mas era preciso completar a carga, para cumprira meta pretendida. Para isso, comprou mais 150cambadas, no Ponto do Careca, daquelestiradores que chegaram na ocasião, somando 700cambadas, ou 9.800 unidades de caranguejos.

Em relação ao Ibama, órgão a quem cabecadastrar, licenciar, além de fiscalizar e disciplinaras atividades de exploração dos recursos naturais,visando a sua conservação e desenvolvimento,não basta apenas fiscalizar eventualmente, comopor exemplo, a apreensão de carga de 1.800caranguejos, que corresponde a menos de 100cambadas, noticiada em fevereiro de 2006(CARANGUEJOS..., 2006). Essa quantidade podeser considerada pouco representativa, secomparada àquelas retiradas dos manguezaissomente na região de Bragança, em um trechoque compreende a rodovia PA- 458 com 36 kmde extensão. São necessárias medidas concretas,eficazes e substanciais, no sentido de diminuir aretirada de quantidade intensiva de caranguejosdos manguezais.

O caranguejo tem grande aceitação nomercado e possibilita alta rentabilidade para oscomerciantes do caminhão. Na expectativa detornarem-se comerciantes, muitos tiradores decaranguejos da Vila do Acarajó alimentam osonho de um dia adquirir um caminhão, paravender o caranguejo fora do município deBragança e criar possibilidades de ganho real eascensão social.

219Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo analisou a organização dostiradores de caranguejos nos fins de semana,partindo da hipótese que exercem a atividadecomo uma das poucas opções que resta a umgrupo de pessoas impossibilitadas de adquirirmateriais para a prática da pesca e roça. Pararefutar, ou confirmar a hipótese foi necessário,observar, descrever e participar das atividadesque os tiradores desenvolviam ao longo dasemana, inclusive, suas incursões ao mangue.

Uma compreensão mais ampla doprocesso de tiração dos caranguejos nessaRegião deve considerar dois pontosfundamentais. Em primeiro lugar, a abertura darodovia PA-458, em 1983, que liga a cidade deBragança à praia de Ajuruteua, construída como objetivo de desenvolver as potencialidadesturísticas da região através de suas belas praias,mesmo causando danos ao ecossistemamanguezal. Em segundo, o sistema deparentesco da Vila do Acarajó, entre oorganizador da turma e os tiradores decaranguejos.

A construção da estrada facilitou osurgimento de grupos de tiradores decaranguejos organizados em turmas que, nosfins de semana, se deslocam em caminhõespara tirar a maior quantidade possível decaranguejos, a fim de atender o mercadoexterno, incluindo algumas cidades donordeste do País. Por outro lado, encurtou otempo entre os manguezais e as residênciasdos tiradores diminuindo significativamente ashoras que envolvem a atividade. Pois, segundoeles, passavam até três dias fora de casa,dormiam em canoas de forma bastantedesconfortável. Essa construção viabilizou,também, o aumento da quantidade detiradores e comerciantes envolvidos na comprae venda do produto.

O sistema de parentesco, configurado emlongo prazo entre o organizador da turma e ostiradores de caranguejos, evidencia uma relaçãoque não é igual a do sistema de mercadomonetário, que estabelece uma relação impessoalde compra e venda entre “patrão” e “freguês”,nem se esgota em uma simples relação comercial.Pelo contrário, o organizador da turma é primo,tio, sobrinho e/ou cunhado que ajuda os tiradores,na maioria seus parentes consangüíneos,aviando-os em suas tabernas, fornecendo adespesinha do mangal e trazendo madeira porum preço inferior, para construção de casas. Essa“ajuda” é fundamental para a manutenção daatividade, pois os tiradores não estão presos auma lógica de exploração material apenas, opagamento da dívida é moral.

Verificou-se que a tiração de caranguejos éexclusiva somente as sextas e sábados.Considerados como “monovalentes”, no sentidoempregado por Furtado (1993), os tiradores ficamimpossibilitados de exercer outras atividades comoplantio, colheita, pesca, pequenos consertos econstrução de casas dentre outras, nesses dois dias.Por outro lado, alguns agricultores são tiradoresde caranguejos somente às sextas e sábados.Viajam nos caminhões, vendem os caranguejospara os comerciantes, argumentam que trabalhamna roça durante a semana e só vão para o mangalquando querem um dinheiro extra. Outros vãotodos os dias, porque, ainda que não tirembastante caranguejo, estão com os companheiros,para se divertir, conversar e trocar experiências.

Observou-se também que a organização daatividade nos fins de semana é composta somentepor homens adultos que têm bastante experiênciana atividade. É facultada a participação demulheres e crianças nos caminhões, pois osmanguezais considerados distantes dasresidências, somente os homens podem freqüentar.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 220

A tiração de caranguejos historicamenteconstitui-se uma atividade coletiva e ostiradores sempre se deslocaram para osmanguezais em grupos. No entanto observa-se que alguns tiradores mesmo que sedesloquem em grupos, nos caminhões, até osfuros dos rios, adentram os manguezaissozinhos, pois alguns afirmam que preferemtrabalhar a sós porque é muito tirador e se todospermanecerem nesses mesmos pontos, ficatodo revirado. Outros mostram a vantagem deestar só e não ter que dividir o ponto com outrostiradores, pois assim evitam andar para procuraroutro ponto que tenha quantidade suficientepara fazerem dez ou vinte cambadas.

É interessante destacar a manutenção daautonomia dos tiradores de caranguejos, seja emrelação à escolha dos pontos ou à venda decaranguejos que se estabelece durante a semana,pois vendem para quantos marreteirosdesejarem, bastando se encontrarem no pontode venda que geralmente é na saída domanguezal ou no Ponto do Careca. Aqueles queviajam nos caminhões possuem autonomiarelativa, escolhem os pontos, mas ficam certosde que a venda dos caranguejos só pode ser feitapara o comerciante do caminhão que financioua viagem. Mas não são obrigados a viajar nocaminhão todas as sextas e sábados. Algunstiradores optam por viajar nos ônibus circularpara conseguir um preço melhor na venda doscaranguejos.

A atividade de tiração de caranguejosenquanto produto mercadológico tem sidopreocupação de estudiosos de várias áreas doconhecimento que têm suscitado vários debatessobre o caráter predatório das ações dos tiradorese o conseqüente desequilibro social e biológicodo ecossistema manguezal com a intensa capturados caranguejos, que inclui o corte da vegetaçãopara diversas finalidades inclusive para amarraras cambadas de caranguejos.

A preocupação com os estoques decaranguejos, o desrespeito ao ciclo biológico daespécie, a retirada das fêmeas são assuntos queestão presentes nos discursos dos maisexperientes. Responsabilizam-se os jovens(solteiros) pela a falta de cuidado com omanguezal, mas os jovens, em maioria, não têma responsabilidade em garantir o sustento dafamília e geralmente se deslocam, para omanguezal somente nos fins de semana, que elesdenominam de principal. E durante a semana?Seriam eles os responsáveis pela a “tiração” doscaranguejos pequenos? Os resultados dapesquisa indicam que todos os tiradores quefreqüentam os manguezais de Bragança incluemnas cambadas três a quatro caranguejosmiudinhos. Criou-se uma cultura do caranguejopequeno.

Se o tirador de caranguejo, do ponto devista do capitalismo, é considerado o mais“pobre” da população rural costeira, e ocaranguejo exerce uma importante função noalívio da pobreza. Porque não incluir de formaconcreta nas políticas públicas a riqueza cultural(o conhecimento sobre o ecossistema) dostiradores de caranguejos, características de quemvivem na região Amazônica, seja de adaptação,integração, criação e recriação onde as relaçõeseconômicas não estão desvinculadas das relaçõesreligiosas, políticas e de parentesco, vistas comoatrasadas. Mas de qualquer forma os tiradoresde caranguejos querem também a modernizaçãoque a cultura capitalista possibilita.

A lógica do sistema capitalista que dissocia,compartimentaliza segrega e que prioriza asrelações materiais típica das sociedadesburguesas, são verificadas na Vila do Acarajó deforma combinada com múltiplas relações sociaiscaracterísticas das sociedades primitivas. Pois aracionalidade econômica que visa o lucro se movejunto com a produção de símbolos. A hipótese foiconfirmada em parte, pois a capacidade de criação

221Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

e recriação do tirador que tem no manguezal umadas poucas opções de ganhar dinheiro éinesgotável. Para tal utilizam a estratégia de trazerparentes aposentados para morar em suasresidências e ter garantido, no final de cada mês,o dinheiro que cabe a aposentadoria dos parentes.Caso o caranguejo acabe.

Por outro lado, a extensão dos quintais eterrenos onde moram os tiradores possibilita ocultivo de frutas, animais domésticos, hortas, alémdo privilégio de situarem-se às proximidades dosrios, igarapés e manguezais, o que facilita a pescae a extração dos crustáceos e moluscosnecessários para sua subsistência. Os tiradoresnão vivenciam um modo de vida urbano, apesarde alguns esperarem que isso um dia aconteça.

Visualizando a estrutura da organizaçãodos tiradores de caranguejos nos fins de semana,a constituição de novos personagens envolvidosneste processo foi analisada. São os tiradores queviajam no caminhão, mesmo que o pagamentopor cambada seja diminuto, mas fica a satisfaçãode ajuda e segurança, além da garantia de terdinheiro todos os fins de semana. Para oscomerciantes do caminhão e somente para elesfica a rentabilidade, o lucro dividido com oorganizador da turma de tiradores nas sextas-feiras. Aos sábados viajam para cidades diferentespara a venda dos caranguejos.

A distribuição dos caranguejos é feita emvárias cidades dos estados do Pará e Maranhão,nos pontos de venda específicos, pois o embarquee viagem dos caranguejos nos caminhões sãofeitos juntamente com os vendedores que nãosão tiradores, geralmente jovens adolescentes.Surgem, assim, novas categorias de trabalhadoresrelacionados à organização, tiração e a venda decaranguejos nos fins de semana: tirador/vendedore vendedor não tirador.

Essas categorias de trabalhadores sãoresponsáveis pela distribuição dos caranguejosnas feiras-livres da capital e pontos espalhadosnas cidades de destino, onde cada vendedor éresponsável por 50 a 60 cambadas para a venda.Em Belém, especificamente, são distribuídos nasfeiras-livres durante a madrugada de sábado epela manhã de domingo. O retorno paraBragança, no caminhão, tem a cidade deMarituba como local de encontro (depois dabarreira da Polícia Federal), para se reunirem eviajar domingo à noite para Bragança. Na semanaseguinte a cidade volta a ser abastecida decaranguejos, durante todo o ano.

A partir dos resultados deste estudosurgem novas questões, a serem tratadasposteriormente, envolvidas na temática sobredesenvolvimento social e cultural e utilizaçãodos recursos naturais nessas áreas. Estudossobre a exploração dos recursos dosmanguezais, considerando as áreas de reservasextrativistas, enfatizando o conhecimento dospersonagens envolvidos no processo, como ostiradores de caranguejos, pescadores eagricultores, serão necessários, em futurostrabalhos acadêmicos.

É fundamental avançar nas pesquisasnessas áreas, pois essas populações sãoromanticamente percebidas como praticantes deatividades de baixo impacto no ambiente e porisso paradigmática na organização de umaeconomia que corresponde às diretrizes dochamado desenvolvimento sustentável naAmazônia, com seus três pilares:desenvolvimento econômico, sociocultural eecológico de forma equilibrada e combinada coma diversidade do conhecimento das populaçõessobre os diversos ambientes explorados. Há queconsiderar a sua vulnerabilidade ambiental, sociale política.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 222

NOTAS

1 Por ocasião das entrevistas algumas palavras foram muito

freqüentes tais como: pouquinho, todinho, pedacinho,

rapidinho, picozinho, miudinho e canoinha.

2 Lama são partes moles do solo característicos do

ecossistema manguezal, que dificultam bastante a

caminhada dos tiradores, principalmente no período

chuvoso, conhecido pelos tiradores como tijuco.

3 Categoria referente ao comerciante que compra e vende

caranguejos para comercializar diariamente, são aqueles

que compram sempre em pequena quantidade esperam

os tiradores no Ponto do Careca e atendem somente o

mercado interno.

4 Porronca é um cigarro feito de tabaco desfiado, com

bastante papel para afugentar os mosquitos abundantes

no mangal (DRUDE, 2003).

5 Barraqueiros são comerciantes proprietários de bares e

restaurantes, que vendem caranguejos cozidos (toc-toc)

servidos como tira-gosto e refeição. Fazem parte de uma

associação há 16 anos, são pernambucanos em sua maioria.

6 O tamanho do caranguejo foi medido na feira-livre de

Bragança, nos pontos de venda espalhados pelos bairros

e nos pontos (furos do rio Caeté) de desembarque como

a Ponte Grande, Ponte do Meio e no Ponto do Careca

atingiu 8 cm de carapaça.

7 Alguns tiradores formam duas vezes ou 20 cambadas

cada um, vendendo ao caminhão 280 caranguejos.

8 Na linguagem dos comerciantes do caminhão, vender

para outros municípios é dito atravessar.

9 Ranchos são abrigos de madeira cobertos de palha.

10 Na linguagem de um dos comerciantes dos caminhões

organizarem os tiradores é dito manipular.

11 Outro parceiro na comercialização do caranguejo é

responsável pela organização dos tiradores da vila do

Patalino.

12 Na concepção de Aramburu (1994) o aviamento, na

Amazônia, sofreu modificações e desdobramentos na

modernidade. As relações econômicas entre

marreteiros e fregueses, com características mais

fluidas, com base na concorrência. Assim, quando o

marreteiro se torna habitual e se estabelece numa

base geográfica definida, reduz o potencial de ajuda,

trabalha com pouco capital com um número reduzido

de fregueses, rouba os fregueses dos patrões e

contribui para a debilidade do seu poder. Já os

comerciantes do caminhão fazem questão de adiantar

um vale e incentivar os tiradores a tirar mais

caranguejos.

13 Linguagem utilizada por um comerciante do caminhãoque significa falta de regularidade na compra de

caranguejos nos fins de semana.

14 Observou-se que a comercialização de peixe fresco nos

pontos de venda é abundante nos meses de maio, junho

e julho, com preços variados.

15 Existem situações em que o caminhão leva os tiradores

para o manguezal nas terças e quartas feiras, nos meses

de maio e junho, devido às marezadas do peixe gó,

que, pela abundância, interfere na compra do

caranguejo pelos consumidores do município e de

outras cidades próximas. Mas nas cidades que ficam

distantes de rio e mar a procura pelos caranguejos não

é alterada.

223Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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AS VANTAGENS COMPARATIVAS DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS REGIONAIS VERSUSIMPORTADOS NO MERCADO DE BELÉM, PARÁ: O MODELO DO CONSUMIDOR APLICADO NASCIÊNCIAS AGRÁRIAS

Karl Henkel*

Josina da Mata Amado Jacinto**

Jimnah de Almeida***

Analaura Corradi****

RESUMO

O trabalho analisa as vantagens e desvantagens de alguns produtos agrícolas produzidos noestado do Pará em relação a produtos semelhantes importados de outros estados brasileiros. A partirda teoria de David Ricardo, são discutidos os conceitos de vantagem comparativa, os incentivos fiscaispara criar vantagens, a aplicação de tarifas para regular desvantagens e o modelo do consumidor paramensurar vantagens. Baseada neste modelo foi realizada uma pesquisa quantitativa com consumidoresde Belém para identificar preferências e hábito alimentar, os conceitos a respeito dos produtos agrícolasregionais e importados. Uma pesquisa qualitativa com os gerentes de supermercados analisou asexigências do varejo e os principais problemas de inserção dos produtos agrícolas regionais nacomercialização. Neste sentido, os produtos regionais possuem desvantagens especificamente no aspectoqualidade. Por causa da sazonalidade da safra, os produtos estão sendo oferecidos apenas periodicamentepara os supermercados. Outras regiões brasileiras conseguem superar esta sazonalidade com irrigaçãoe obtêm ciclos sucessivos de produção, ofertando produtos mais variados e qualitativamente melhores,dando-lhes vantagens comparativas. O produtor regional pode reduzir a sazonalidade com investimentosem irrigação por meio de créditos agrícolas como o PRONAF ou FNO, mas não pode eliminá-la. Amaneira mais econômica de compensar desvantagens comparativas em relação aos produtos importadosé apresentá-los com um selo de identificação regional, para motivar o consumidor a comprá-los. Porémpor causa da situação econômica o consumidor belenense ainda não pratica um comportamento queimplique a escolha dos produtos também pelo sentimento de identificação regional.

Palavras-chave: Agricultura. Vantagens comparativas. Produtos agrícolas. Comportamento doconsumidor. Varejo - Belém do Pará.

* Doutor em Geografia pela Universidade de Tübingen, Alemanha; Professor Adjunto do Curso de Ciência Política daUniversidade Federal do Pará (UFPA), Belém/PA. E-mail: [email protected]

** Engenheira Agrícola; Mestre em Produção Agrícola Tropical pela Universidade Técnica de Lisboa e Doutoranda emCiências Agrárias pela UFRA. Belém/PA. E-mail: [email protected]

*** Economista; Especialista pelo Centro de Treinamento e Desenvolvimento (CETREDE) e Técnica da Secretaria deEstado de Trabalho, Emprego e Renda (SETER). Belém/PA. E-mail: [email protected]

**** Bacharel em Comunicação Social; Mestre em Lingüística pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Doutoranda emCiências Agrárias pela UFRA. Professora da Universidade da Amazônia (UNAMA). Belém/PA.E-mail: [email protected]

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THE COMPARATIVE ADVANTAGES OF REGIONAL AGRICULTURAL PRODUCTS VERSUSIMPORTED AT THE MARKET OF BELÉM, PARÁ: THE CONSUMER’S MODEL APPLIED IN THEAGRARIAN SCIENCES

ABSTRACT

The present study analyzes the comparative advantages and disadvantages related to someagricultural products cultivated in State of Pará, and of similar imported products from other Brazilianstates. Starting point is the theory of David Ricardo and the discussion of the comparative advantageconcept, the state tax incentives to create advantages, the application of tariffs to regulatedisadvantages and explanation of the consumer’s model to measure advantages. Based on this modela quantitative research was applied with consumers from City of Belém which indicated foodpreferences, habit and the consumers’ demands respect regional and imported agricultural products.A qualitative research with managers of supermarkets identified the demands of the retail commerceand the main problems of better insertion of regional products in the commercialization process. Inthis sense, the regional products possess disadvantages specifically in quality. Because of the seasonalityof the harvest, the products are offered only periodically but not continually to the supermarkets.Other Brazilian regions get to overcome this seasonality with irrigation and get successive cycles ofproduction, offers more varied products and with better quality, what are giving them comparativeadvantages. The producers can only reduce the seasonality with investments in irrigation by agriculturecredits like PRONAF or FNO, but not eliminate. The cheapest way to compensate comparativedisadvantages in relation to the imported products is to offer them with regional identification stampsto animate the consumer to buy these products. However, because of the economic situation thebelenense consumer didn’t still create a consumer behavior which also chooses the products by regionalidentification feelings.

Keywords: Agriculture. Comparative disadvantages. Agriculture products. Consumer behavior, Retailsales - Belém do Pará.

227Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

1 INTRODUÇÃO

O conceito das vantagens comparativasfundamenta-se na teoria do inglês David Ricardo(1772 - 1823), que demonstrou no seu principaltrabalho, Principles of Political Economy, andtaxation, em 1819, que pode ser vantajoso parauma nação importar um produto – mesmo queeste possa ser produzido no território nacionalpor um preço inferior – desde que a balançacomercial nacional fique estável ou continue acrescer com a exportação de outros produtosnacionais cujos fatores de produção têmvantagens comparativas1. Esta visão ésubstancialmente macroeconômica e baseada naidéia de que o estado possui mecanismos pararegular a economia exterior e ainda é oinstrumento principal do comércio exterior(MANTEGA, 2005).

Como crítica dessa visão, menciona-se,entre outros, que David Ricardo analisou produtosque, por razões naturais, não são produzíveis emqualquer estado2 e considerou somente estadosnacionais que possuem autonomia para reger umcomércio bilateral. David Ricardo também nãoanalisou as vantagens comparativas entreprodutos regionais no próprio mercado domésticonacional e supôs livre comércio entre regiões comgovernos sem domínio soberano sobre estesmecanismos de controle. Sua investigação limita-se a fatores produtivos, como preço damercadoria e trabalho, mas não observouelementos como qualidade e comportamento doconsumidor como reguladores do mercado. Alémdisso, a teoria de livre comércio entre naçõesincorpora somente aspectos monetários e nãosociais, como a política de manter empregos numsetor em que há desvantagens comparativas.

Todos os modelos econômicos sucessoresda teoria de Ricardo, como os de Heckscher-Ohlinou Samuelson e Lerner, também se baseiambasicamente na divisão do trabalho e capital em

nível internacional como fatores decisivos dosganhos comparativos ou supõem níveistecnológicos idênticos entre duas nações, o que,de fato, não existe. O modelo de Oniki-Uzawa jáfaz diferença entre vantagens comparativas decurto e longo prazo e incorpora o crescimentopopulacional na análise.

Ao contrário disso e incluindo a visãosocial, Karl Marx (1962) e Schumpeter (1952)mencionaram seriamente que a competiçãotecnológica e o espírito entre os produtores sãoa chave para ganhar vantagens comparativas,muito mais do que o fator capital.

Quando meu vizinho pode vender barato,

produzindo muito com pouco trabalho, eu tenho

que me esforçar para vender tão barato quanto

ele. Dessa maneira, cada arte, ou cada máquina,

processo, [...] que conseqüentemente pode

produzir mais barato, cria nos outros

[produtores] um tipo de impulso e competição

de inventar também a mesma arte, processo

ou máquina, ou uma coisa parecida, para que

todos fiquem no mesmo nível. (MARX, 1962, p.

338; tradução nossa).

Há países ou regiões que possuemvantagens comparativas naturais ou sãomonopolistas em certos recursos naturais3.Entretanto, Porter (1990, p. 81) diferencia asimples existência destes fatores naturais – o quepara ele ainda não é um aspecto de vantagemcomparativa – da capacidade de usufruir estesfatores pelo capital humano.

Para a produção agrícola, importamprincipalmente fatores naturais, tais comoinsolação, precipitação anual, déficit hídrico outemperatura, que, dependendo da culturaagrícola, causam vantagens ou desvantagens.Weischet (1980) atribui ao setor agrícola da maior

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 228

parte da zona tropical desvantagens emcomparação à zona subtropical ou extratropical.Do ponto de vista biológico, existem vantagenscomparativas para produtos edáficos, porque,sendo encontrados naturalmente somente numazona fitoecológica e domesticados em zonas nãoedáficas, ocorre – às vezes – com custos deprodução muito elevados. Neste sentido, dentroda zona fitoecológica amazônica, o estado doPará não possui vantagens comparativas naturaisna produção de frutas, porque, segundoCavalcante (1988), a maioria das frutas silvestrese com valor comercial no estado do Pará sãoencontradas também nos estados ou paísesvizinhos como Amazonas, Maranhão, Acre,Rondônia, Suriname, Peru, etc.

Todavia, segundo Diniz et al. (2004, p. 3),essas vantagens comparativas naturais perdemcada vez mais importância e ganham maisdestaque as vantagens comparativas construídasou adquiridas, que são de conteúdo institucionale empresarial e abrangem muitas vezes umperíodo histórico como preparação em infra-estrutura, tais como estradas, portos outransporte, tecnologia, P & D, indústria de insumose mão-de-obra qualificada ou simplesmentecapital humano, entre outros. Por causa dessesfatores, para muitas regiões, ganhar vantagenscomparativas é um objetivo inalcançável.

Um exemplo de vantagens construídas –neste caso por meio de medidas alfandegárias –para manter vantagens, reduzir desvantagens oucorrigir o mercado para fins sociais frente aosprodutos importados é a União Européia (UE),cujo protecionismo se baseia em decisõespolíticas, e não econômicas, porque se trata deestados membros e não de estados singulares,necessitando, para sua constituição, “antes detudo“ de ações políticas.

A UE participa como membrorepresentante das rodadas do General Agreement

of Trade and Transport – Gatt4, que regula ocomércio internacional por meio do principio deMost favoured Nation, ou, segundo Delgado(2006, p. 20), a competividade por meio de umanorma central:

Com respeito aos deveres de alfândega e

cobranças de qualquer tipo de impostos com

relação à importação ou exportação [...], e com

respeito ao método de calcular tais impostos e

cobranças, e com respeito a todas as regras e

formalidades com relação à importação e

exportação, [...], qualquer vantagem, favor,

privilégio ou isenção concedida por qualquer

parte contratante [membros do GATT] a qualquer

produto que origina de ou com destino para

qualquer outro país será concedido

imediatamente e incondicionalmente para igual

produto que origina de ou com destino para os

territórios de todas as outras partes contratantes.

(GATT. Part I. Article I: General Most-Favoured-

Nation Treatment, 1947) (tradução nossa).

O setor e o aspecto mais criticados nasnegociações entre os membros são a agriculturae a política de subsídios agrícolas,especialmente entre Estados Unidos – EU e UE.Entretanto, também o Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF), do Brasil, é notificadopermanentemente pelos estados membroscomo instrumento de uma política subsidiáriaà agricultura brasileira na Organização Mundialdo Comércio (OMC)5, que começou a funcionarem 1995 e tem como principal objetivo aadministração da normativa do sistemamultilateral de comércio das rodadas do GATT,como a última rodada no Uruguai6. SegundoRêgo (1996, p. 12), os compromissos sob seusvotos são absolutos e permanentes, e o seusistema de solução de controvérsias é maisefetivo e menos sujeito a bloqueios. As normasda OMC não se restringem somente aocomércio de bens – como as do Gatt, mas

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incorporam também o comércio de serviços,direitos de propriedade intelectual,investimentos, políticas de concorrência,reformas regulatórias, padrões de trabalho emeio ambiente.

Na rodada do Uruguai – no que se refere àabertura dos mercados domésticos àsimportações de produtos agrícolas – o principalconsenso foi transformar todas as medidas não-tarifárias aplicadas a produtos agrícolas emtarifas.

Segundo Ilha e Souza (2005, p. 4), no casode soja, carne bovina e carne de frango, itensproduzidos também no estado do Pará, o Brasilpossuía no ano de 2002 uma vantagemcomparativa de 30%, 8% e 21%,respectivamente, no mercado internacional emrelação aos demais países exportadores. Comomostra Freitas (2005), para proteger a suaagricultura, a UE regula a entrada destes e dosdemais produtos agrícolas por meio de quotas,caso do café; contingentes, caso de carnebovina e frango; contratos bilaterais emultilaterais, caso do açúcar; e tarifasconvencionais ou tarifas sazonais, caso detomates e maçãs brasileiras.

Segundo Freitas e Costas (2005), a UE elevaos preços dos produtos importados, calculandoequivalentes ad valorem da UE, com as seguintestarifas: leite – 112 %, cereais – 73 %, carne – 38%, animais vivos – 22 %, floricultura – 6 %, frutas– 14 %, café – 3 %, resinas vegetais – 3 %,vinagres – 14 %, peles – 0 %, o que representauma elevação média de 33 %. No caso deeventuais exportações de produtos agrícolas doestado do Pará, caso se trate de produtosedáficos, que não causam concorrência nosmercados exteriores, são consideradas deimportância maior as barreiras técnicas, como asfitosanitárias, caso da castanha do Pará; aemissão dos certificados de origem, caso do café;

ou medidas relativas ao tratamento químico napós-colheita de mangas7.

Os principais instrumentos brasileiros paraeliminar desvantagens ou ganhar vantagenscomparativas na UE e na área de produtosagrícolas são feiras comerciais, negociações entreUE e Mercosul, e as rodadas multilaterais naOMC. Segundo Freitas e Costa (ibid., p. 7), éfundamental para um país como Brasil a melhoriadas ações diplomáticas com a UE, entre outros,por meio de uma missão permanente do Brasilem Bruxelas. A função dessa missão permanenteé principalmente eliminar barreiras mantidas paraprodutos com os quais o Brasil assumiureconhecida vantagem comparativa, como café,carnes, tabaco, açúcar, soja e algumas frutas, emque o Brasil é concorrente dos produtoreseuropeus, por exemplo, a maçã. Menosimportantes são as negociações bilaterais entremembros singulares da UE e o Brasil, sendo queas leis de importação possuem vigência em todosos estados membros da UE.

O Ministério de Desenvolvimento, Indústriae Comércio Exterior, por meio da Secretaria doComércio Exterior (SECEX) e Secretaria deDesenvolvimento de Produção (SDP), citam outrasbarreiras, como extraquotas8. Segundo a SECEX,as exportações brasileiras de açúcar temcontingente máxima e estão sujeitas a US$338,70/t, que – para preços mundiais entre US$200-250/t – significam tarifas ad valorem de 140- 170 %. Ao contrário disso, o México paga umatarifa extraquota de somente US$ 282,47/t e terálivre acesso a mercado da UE em 2008.

No caso brasileiro, cabe à União e não aoEstado estabelecer a política da taxação, cotação,tarifação ou proibição de importação. Os estadospossuem como instrumentos mais eficientes paracriar ou manter vantagens comparativas nocomércio interestadual o Imposto de Circulaçãode Mercadoria e de Serviços (ICMS), mediante

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redução da base de cálculo, suspensão ediferimento, isenção, concessão de benefíciosdisfarçados na forma de empréstimos subsidiadosou crédito presumido e até participaçõesacionárias em empresas ou organizações9. Alémdessas medidas, há os tradicionais instrumentoscomo construção ou modernização de portos,estradas, etc. Porém uma medida fiscal paraganhar vantagens frente aos outros estadosnecessita do posicionamento do ConselhoNacional de Política Fazendária (Confaz), quereúne os secretários estaduais da Fazenda de todoo Brasil10.

Em nível municipal, os instrumentos paraganhar vantagens comparativas se reduzem aoImposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Taxade Licença para Localização (TLPL) e Impostosobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN),porém estes são irrelevantes para a agricultura,porque se trata de impostos urbanos e paraempresas do setor industrial e de serviços.

Para a análise das vantagens comparativasexistem vários métodos, que usam informaçõesprimárias ou secundárias, embora ainda nãoexista uma rede de base de dados compatíveisque permita uma comparação destas vantagens,sem falhas, entre produtos iguais de regiõesdiferentes. No Brasil, somente a Série InformaçõesEstatísticas da Agricultura do Instituto deEconomia Agrícola do governo do estado de SãoPaulo levanta sistematicamente os preços dosfatores produtivos dos principais produtoscomercializados em nível de produtor e pormunicípio no estado de São Paulo. Porém, essafonte permite uma comparação das vantagenscomparativas entre municípios do mesmo estado,mas não municípios de estados diferentes.

O método mais simples, que usa dadossecundários, principalmente do IBGE, é olevantamento de uma área plantada de umproduto durante um período como indicador de

perda ou aumento da competitividade nomercado. Entretanto a redução da área plantadapode ser causada por vários fatores, como quedados preços no curto prazo, mudanças docomportamento alimentar do consumidor oucompensação da menor área plantada por umamaior produtividade11, etc., o que ainda nãoindicam uma mudança da situação das vantagenscomparativas.

Em nível internacional existem fontes sobrea Vantagem Comparativa Revelada (VCR)12,proposta inicialmente elaborada por Balassa(1965) e usada pela Organização das NaçõesUnidas para Agricultura e Alimentação (FAO),Departamento Nacional da Agricultura dosEstados Unidos (USDA), por meio do Serviço dePesquisa Econômica (ERS). No caso do Brasil, aVCR é elaborada pelo Ministério da Agricultura,Indústria e Comércio Exterior (MDIC), por meioda Secretaria de Comércio Exterior (SECEX).Entretanto, esta VCR analisa somente asvantagens em nível internacional na base dastarifas sobre importação e adota para o seucálculo uma variável econômica – o preço, queestá sujeita a desalinhamento cambial, não sendoconsiderados aspectos do produto final comoqualidade ou apresentação.

O método que usa dados primários é aMatriz de Análise Política (MAP), criada por Monkee Pearson (1989)13. É um sistema de contabilidadeque analisa receitas e custos usando uma matriz,que mostra eficiência ou ineficiência (lucro maiorou menor) de uma variável de produção, o que éinterpretado como efeitos de políticas públicas(taxação, falta de infra-estrutura, etc.) ou falhasde mercado sobre as atividades. A data base é oprodutor de uma região, e para sua comparaçãodeveria ser estendido para outras regiões, o quedificulta sua aplicação.

Outro método é a análise dos preçosatacadistas, que podem ser obtidos pelas centrais

231Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

de abastecimento. Todavia, alguns varejistaspossuem centrais próprias, caso de Belém, o quenão permite uma comparação igualitária. Alémdisso, e no caso de Belém, a Central deAbastecimento do Pará (CEASA) levanta ospreços, mas não aspectos físicos dos produtos.

Existem ainda modelos que Goldin (1990,p. 24) declara como technical blueprints14,aplicados basicamente pela engenharia agrícola,em que cada cultura agrícola a ser investigadana análise de vantagens comparativas é divididaem processos e subprocessos agrícolas, tais comopreparação da terra, aplicação de fertilizantes,tempo de semeação, cultivação, colheita,transporte, etc., para se calcular os custos médiosde cada operação para esta cultura, que éhipoteticamente um tipo híbrido, para cada regiãoe tipo de solo diferente.

Ao contrário da macroeconomia, ponto departida de David Ricardo, na microeconomia oueconomia moderna, cada empresa, produtor oudistribuidor pretende ganhar vantagenscomparativas em relação aos outros produtores,que se tornam concorrentes –independentemente do estado, e as vantagenscomparativas mudam para vantagenscompetitivas. Elementos que criam vantagenscompetitivas neste nível podem ser adotadoscomo estratégia produtiva para melhorar acompetitividade do produtor, e incluem aspectoscomo tecnologia, cultura organizacional eprogramas de produtividade e qualidade, entreoutros.

Ademais, devido às distorções quedificultam uma comparação, tais comolevantamento dos fatores de produção, ausênciade aspectos como qualidade, variedadesdiferentes da cultura15 ou comportamento doconsumidor, deve-se analisar a competitividadeem lugar do comparatividade. Este conceito desubstituir comparativo por competitivo se reflete

no trabalho de Coutinho et al. (1993, p. 4), queusaram indicadores como desempenho eeficiência ao lado de competitividade na análisedas vantagens comparativas.

A United States International TradeCommission (1999, p. 12) cita, entre outros,fatores não-econômicos como a qualidade,tamanho, textura e cor – no caso das frutas secas“ou fatores endêmicos, tecnológicos,produtividade, sazonalidade, facilidade aodescascar as frutas – caso das frutas laranja elimão” – ou comportamento do consumidor,como fatores das vantagens de competividadenos mercados (UNITED STATES INTERNATIONALTRADE COMMISSION, 2006).

Contudo, as ciências sociais não podemusar uma linguagem econômica na análise dasvantagens comparativas ou competitivas nem naanálise das vantagens locais, porque isto é umponto de vista geográfico. As ciências sociaisdevem analisar aspectos vinculados ao social, taiscomo comportamento do consumidor nomomento da escolha do produto, habilidade deadaptação do produtor ou eficiência do operárioem níveis diferentes; processos adaptativos denovas tecnologias, opiniões sobre estes aspectos;comunicação na sociedade sobre certos sistemasde produção e unidades de produção; decisões eprocessos políticos, capital humano e aplicaçãode conhecimento para explicar como reduzir oumelhorar o fenômeno vantagem competitiva.

A escola francesa criou uma teoria geral eum conceito sistêmico de modelo de consumode alimentos, primeiramente elaborado porMalassis (1997) e Malassis e Ghersi (1996, 2000)e declarado por Fonte (2000, p. 6) como atentativa com mais sucesso de unificarperspectivas econômicas, sociais e culturais ouantropológicas na análise do consumo dealimentos, que podem também interpretar asvantagens comparativas de maneira não-

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econômica. Para os economistas, os fatoresprodutivos têm fundamental importância naexplicação das vantagens comparativas,enquanto este modelo interpreta o pensamentodo homo consumere como decisivo, sendoincorporado o elemento consumo ecomportamento do consumidor e explicamudanças em certos sistemas de produção comoconseqüências de novas demandas alimentarese comportamento alimentar modificado nosgrupos sociais.

Segundo esse modelo consumidor, aagricultura representa três fases transitórias:sistema tradicional, agroindustrial e, na suaúltima fase, a saturação. Sistemas tradicionais sãocaracterizados pelo autoconsumo em que oagricultor é igualmente produtor e consumidordos seus produtos. A família e a propriedaderepresentam uma unidade – a agricultura familiar,caracterizada, entre outros, pela produção dealimentos de baixo valor energético enutricional16. A mesma identidade – ser o próprioprodutor e consumidor numa pessoa só – é a baseda confiança no sistema produtivo e na avaliaçãoda qualidade da produção17. Esta agricultura évinculada aos ciclos das estações naturais, o quefaz com que haja uma alta dependência doagricultor em relação à natureza.

Uma mudança de hábito alimentar na baseconsumidora18 cria, no início, sistemas deprodução agrocomerciais e, depois, – pararesponder à demanda em massa –agroindustriais, e causa uma reduzida integraçãodo sistema tradicional no mercado, odeslocamento do sistema em nichos ou atédesaparecimento. O mercado nacional e –inclusive o mercado internacional – alcança umaimportância maior. Embora o produtor –anteriormente representante do sistematradicional –, que tinha estabelecido uma relaçãopessoal com os consumidores na feira local, nosistema agrocomercial ou agroindustrial não

consegue mais manter esta relação e perde umvínculo de comunicação direta com estes, que setornam anônimos. Como intermediário, surge oatacadista. Pela incorporação da indústria detransformação, o agricultor transforma-se emprodutor de matéria-prima para a agroindústria19

ou indústria não-alimentar20. Com uma maiorincorporação de inputs industriais no sistemaprodutivo, tais como máquinas, defensivos,fertilizantes ou irrigação na produção dealimentos, a família produtora perde os laços coma natureza e aspectos da produção, tais comoderruba e queima da roça, período de chuvas eseca ou plantio de culturas edáficas, perdemimportância. A população que mora nas cidadesou que não está vinculada com a agricultura – asociedade industrial, de informação ou consumoem massa – corta os laços socioculturais com aagricultura21 e torna-se totalmente dependenteda oferta alimentar, mas transforma-se emverdadeira determinante da demanda nomercado para alimentos no que diz respeito aopreço, qualidade e oferta.

Na fase de saturação, a alimentaçãoprocessada apresenta-se quase não-natural22. Aagroindústria ainda se apresenta como modelode crescimento, enquanto na fase de saturaçãocomo modelo de estagnação. Entretanto, aparticipação dos gastos familiares com aquisiçãode alimentos nas despesas gerais fica estável oudiminui e ainda domina o consumo em massa.Para resolver problemas com a demanda, aindústria alimentar responde com medidas comoracionalização na distribuição23 ou flexibilizaçãono sistema produtivo24.

Na sociedade industrial e pós-industrial, asclasses produtivas são fragmentadas e novasclasses sociais aparecem, sendo caracterizadas,entre outros, pelos seus estilos de consumo, comonew-age, fast-food, punk, vegetariano,hambúrguer, compra via internet, etc. – cujademanda às vezes é personalizada25, ou consumo

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em massa, como freqüentador da cantina erestaurante, do shopping, do supermercado, etc.O que une a todos é o consumo – a classe socialconsumidora.

No caso do hábito alimentar, a globalizaçãoda industrialização e o processo transformadorda alimentação separam muito o consumidor doprocesso produtivo e do produtor agrícola,fazendo-o consumir produtos com ingredientesdesconhecidos ou substâncias inorgânicas ouproduzidos com defensivos, etc., o que significauma separação do consumidor em relação ànatureza. O determinismo ambiental,anteriormente usado pela antropologia paracaracterizar a dependência de estruturas sociaisda natureza, começa a obter importância nosentido de diminuir o risco de contaminação e oconsumidor associa-se com o mundo biológico enatural e deseja consumir alimentação não-industrial, como alimentação agroecológica ouin natura. O que a economia interpreta comodeclínio da demanda ou o marketing comofragmentação do mercado, a ciência socialinterpreta como mudança do estilo de consumo26.O ser humano não é um homem somenteeconômico, mas, segundo Fischler (1998, p. 841),também um homem alimentar.

O homem é um onívoro que se alimenta de

carne, de vegetais e de imaginário: a

alimentação conduz à biologia, mas, é evidente,

não se reduz a ela; o simbólico e o onírico, os

signos, os mitos, os fantasmas também

alimentam, e concorrem a regrar nossa

alimentação. No ato alimentar, homem

biológico e homem social são estreitamente,

misteriosamente, misturados. [...] bioquímicas,

pressões ecológicas; [...] padrões sócio-culturais,

preferências ou aversões individuais, sistemas

de normas, códigos (prescrições e proibições,

associações ou exclusões), gramáticas

culinárias, que governam a escolha, a

preparação e o consumo dos alimentos.

Quando a indústria alimentícia nãoconsegue ganhar vantagens competitivas pelocontrole desse processo por mecanismos como aISO 9000, ou as cozinhas com imaginações como“comida caseira”, este processo temconseqüências imediatas para a agricultura:perda de credibilidade na agricultura, leis deproibição ou regularização de produção, multas,retirada dos produtos do mercado, etc. Isto é,quem consegue se adaptar às regras do mercadoganha vantagens comparativas sem que isso sejacausado pelos fatores produtivos.

Para ganhar vantagens comparativas eresponder à demanda e ao conceito alimentar,propriedades se especializam na produção deverduras, produtos agrícolas não tóxicos,produção de produtos in natura ou dispensammão-de-obra infantil para mostrarresponsabilidade social frente ao consumidor.Além disso, grandes propriedades agrícolas seespecializam na produção em massa de produtoscomo soja, laranja, abacaxi, etc. Produtores quenão se adaptam aos novos conceitos de consumotornam-se marginalizados, e grandespropriedades que não têm capacidade deintensificar a produção, ficam improdutivas.

O que falta às vezes na análise devantagens comparativas é a incorporação davisão do consumidor na avaliação, caso deprodutos transgênicos. Segundo Menasche (2000,p. 2), pesquisas têm mostrado que as idéias doconsumidor com relação à biotecnologia naprodução de alimentos são opostas à avaliaçãode produtos tecnológicos, isto é, para um produtotecnológico, ele atribui modernidade, mas não ofaz para um produto natural, o que se podeexplicar somente com a visão diferenciada doconsumidor. Os atributos sociais conhecimento ecomportamento do consumidor, distribuidor eprodutor contribuem crucialmente na criação devantagens comparativas ou na de desvantagens(Figura 1).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 234

Figura 1 - Modelo de consumo de alimentos.

É possível que essas situações estimulemo mercado consumidor de Belém do Pará aimportar 99,5 % da fruta abacate, 17 % daacerola, 64,9 % da banana, 35,6 % dacarambola, 97,9 % da goiaba, 44,6 % da laranja,63 % do limão, 62,5 % da manga, 66 % damelancia, 97,9 % da tangerina, além de arroz e

feijão de outros estados brasileiros. O objetivodesta pesquisa é investigar quais são os aspectosque causam vantagens e desvantagenscompetitivas entre os produtos agrícolasregionais e importados de outras regiões eestados, que se encontram no mercado de Belémà disposição do consumidor.

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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Analisar as vantagens comparativas deprodutos agrícolas de regiões diferentes significaexaminá-los simultaneamente, a fim de conheceras semelhanças ou diferenças para determinarsuperioridade, inferioridade ou igualdade dosatributos de certo bem. Deve-se aplicar a análisesomente em bens semelhantes, porque cadadiferencial externo ou interno causa vantagensou desvantagens competitivas, apesar dosaspectos como tarifas, salários e taxas tambéminfluenciarem o preço.

Para isso, levantou-se, numa primeiraetapa, a opinião do consumidor em Belém, parasaber informações básicas a respeito de consumo,estabelecendo-se prioridade aos aspectosqualitativos. Elaborou-se um questionário padrão,contendo perguntas a respeito da compra,conceito do consumidor, aspectos de qualidadealimentar, etc. Esse questionário foi aplicado aosalunos da Universidade Federal do Pará (UFPA) eda Universidade Federal Rural da Amazônia(UFRA). O mesmo questionário foi aplicado navizinhança dos alunos participantes do curso“Análise de dados quantitativos”, do Doutoradoem Ciências Agrárias da UFRA. Para obter classesde consumidores diferentes, o questionário foiaplicado, ainda, numa escola do Ensino Médioem Belém e preenchido por alunos com 1º e 2ºgraus incompletos. Aplicou-se 251 questionários,sem se obter o conceito metodológico-técnico darepresentatividade dos dados, porque se trata deuma pesquisa exploratória do tipo qualitativacom metodologia quantitativa, que não teve porobjetivo verificar ou rejeitar hipóteses, mas criar.

O perfil do consumidor apresenta umamédia de idade de 28 anos, com um mínimo de

17 e um máximo de 77 anos. Destes, 34 % sãoconsumidores masculinos e 66 %, femininos. 30% se pode considerar como solteiros e vivendona casa dos pais, porque ainda não têm filhos.16 % têm um filho, 27 %, até dois e 27 % maisque dois filhos. Os últimos dois grupos pode-sedeclarar como famílias próprias, que decidemsobre compras.

Na segunda etapa, levantaram-seaspectos qualitativos e quantitativos deprodutos regionais e importados paracompará-los. Segundo Ilha e Souza (2005, p.2), o método mais utilizado para determinar avantagem comparativa é o levantamento dospreços pós-comerciais ou preços aoconsumidor. Para isso, foram visitados osmaiores supermercados dos municípios deBelém e Ananindeua, nos quais se realizouentrevistas semi-estruturadas com os gerentesdos departamentos de frutas ou com o gerentegeral. Além dos preços, nas entrevistas eobservações nos departamentos foramlevantadas informações sobre as diferenças dequalidade, aparência e disponibilidade doproduto importado e regional, exigência doatacadista, sistema de distribuição,comportamento do consumidor, entre outros.Supermercados da mesma rede ofertamprodutos diferenciados e específicos segundoa localização, para atender às exigências dosconsumidores dos respectivos bairros, sejameles consumidores da classe A, B, C ou D.Ademais, fez-se uma entrevista comespecialistas da CEASA-PA. Por meio destametodologia, foram analisados os segmentosfinais da comercialização dos produtosagrícolas não-industrializados (Figura 2).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 236

As culturas a serem analisadascomparativamente foram escolhidas em trêsetapas. Na primeira fase, excluíram-se culturascom baixa preferência por parte do consumidorentrevistado, caso do mangostão e da rambutã,culturas não edáficas, mas cultivadas na região,porém encontradas respectivamente em últimoe anti-penúltimo lugar na escala da preferência(Gráfico 3).

Na segunda fase, foram excluídas asculturas edáficas que são cultivadasagronomicamente ou extraídas em condiçõesnaturais da região, porque provavelmentesempre possuem vantagens comparativas27.Essas culturas são: abricó, ameixa, bacuri,biribá, carambola, castanha-do-pará, graviola,jambo, muruci, pimenta-do-reino, urucum euxi.

Na terceira etapa, foram excluídas culturasque representam especificações, por exemplo ocaju, que – embora, pelo longo tempo de cultivação,se represente como semi-edáfica na região Norte– não é comercializado em grande escala comofruta fresca no mercado de Belém. No caso domaracujá, há o fato de ser uma cultura não edáfica,mas que é exportado pela indústria de suco regionalpara o exterior, mostrando com isso vantagenscomparativas. A pupunha, cultivada tanto noSudeste como na região Norte, também foi excluída,porque não é comercializada entre as regiõesbrasileiras, isto é, não mostra vantagenscomparativas. Das culturas agrícolas restantes,tanto temporárias como permanentes, foramselecionadas, segundo a preferência do consumidor,para a análise de vantagens comparativas: abacaxi,acerola, arroz, banana, café, feijão, goiaba, laranja,manga, melancia, milho e tangerina.

Figura 2 - Fluxograma da comercialização dos produtos agrícolas não-industrializados.

237Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O hábito alimentar varia de uma culturapara outra, mas pode mostrar tambémsemelhanças. No caso de Belém, a influência dacultura indígena e portuguesa durante séculosmarcou este hábito, e somente nas décadas maisrecentes recebeu outras influências,principalmente da mídia.

Uma análise do consumo de alimentosselecionados (Gráfico 1) em comparação com aRegião Metropolitana de Curitiba, mostra estassemelhanças e diferenças: embora o estado doParaná seja um dos maiores produtores de cebola,tomate e feijão do Brasil, em ambas as regiõesmetropolitanas o consumo destes é quase igualou até maior na Região Metropolitana de Belém,como no caso do feijão, apesar de o estado do

Pará, por falta de condições climáticas adequadas,importar grandes quantidades destes produtosde outros estados. Isso leva à hipótese de que adistância entre os centros consumidores e deprodução e o transporte dos produtos nãoinfluenciam o hábito alimentar do consumidor enem em sua escolha.

Também o maior consumo de pão francêsem Belém, que importa na sua totalidade o trigopara a fabricação deste produto de outros estadosou do exterior, mostra em comparação com oconsumo do mesmo produto em Curitiba, estadoprodutor de trigo, que uma região não consomemaior quantidade de um produto pelo fato deproduzi-lo. Além disso, nem o transporte porlongas distâncias interfere na escolha.

3 O CONSUMIDOR COMO REGULADOR DO MERCADO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 238

Além do hábito alimentar, os consumidoresbelenenses revelaram um comportamento quereflete o dos grandes centros urbanos, como São

Gráfico 1 - Consumo de produtos alimentícios, RM de Belém e RM de Curitiba, em kg per capita porano.

Fonte: IBGE, POF 2002-2003

Paulo (GUTIERREZ, 2000): a preferência por fazercompras de produtos alimentares nossupermercados (Gráfico 2).

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Provavelmente devido à desorganizaçãodas feiras, com grande ausência de requisitosmínimos de higiene no seu ambiente,especialmente o consumidor do sexo femininoprefere fazer compras nos supermercados, e afamília consumidora passou a ir à feira com maisfreqüência somente para comprar produtos deuso imediato, sendo esta mais freqüentada porfamílias de baixa renda. Os restantes fazem suascompras em estabelecimentos tradicionais comoarmazéns, bares, mercearias, lojas deconveniência, empórios ou padarias, nos quaisinexiste o sistema de auto ou semi-serviço, sendonecessária a presença de vendedores oubalconistas, para procurar e entregar aoconsumidor os produtos de que necessitam.

A escolha dos produtos pelo consumidortambém está sujeita aos aspectos como tradição,costume, cultura, qualidade ou preço (Gráfico 4).Todavia, como indica o modelo de consumo,aspectos como tradição ou costume perdemimportância, porque já se encontram culturasagrícolas não edáficas da região entre osprodutos preferidos e possuem com uma médiade 6,1 uma avaliação maior que as culturasagrícolas edáficas, que tem uma média desomente 5,8 (Gráfico 3). Isso quer dizer, que, antesda compra e consumo, a cultura regional já estáem desvantagem comparativa.

Gráfico 2 - Preferência dos lugares de compra de alimentos, em %.Fonte: Pesquisa de campo

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 240

Gráfico 3. Hierarquia dos produtos alimentícios, nota de avaliação.Fonte: Pesquisa de campo, 2006.

No momento da compra, o consumidorescolhe os produtos principalmente pelo fatorqualidade (Gráfico 6). Segundo a NBR ISO 8402,o aspecto qualidade representa a totalidade dascaracterísticas de uma entidade28, que lhe conferea capacidade de satisfazer às necessidades

explícitas e implícitas. No caso de produtosagrícolas e frutas frescas em especial, pode-sediferenciar entre a qualidade externa – que reúnesegundo Souza e Saes, (2000, p. 24) atributosfísicos visuais e sensoriais sendo mensuráveisempiricamente pelo consumidor, e a qualidade

241Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Os processos que influenciam a qualidadedo produto agrícola são vários e permitem umaclassificação em pré-colheita ou controle dequalidade exercido durante a produção;qualidade on-line ou durante o transporte; e pós-colheita ou qualidade off-line. A fase pré-colheitada produção na agricultura familiar na regiãoparaense muitas vezes é marcada, entre outros,pela falta de planejamento e manejo da roça,como queima tardia ou depressa, o que influenciaa disponibilidade de nutrientes no solo, falta deadubação orgânica e inorgânica ou insumoscomo defensivos para proteger a produção, sendofatores que podem influenciar a qualidadeexterna29 e interna do produto30. As dificuldadesde transporte como carregar e descarregar osprodutos de um meio de transporte para outro ebatidas por causa de estradas não niveladaspodem influenciar adicionalmente a qualidadeexterna com danos mecânicos31. Talvez por causa

disso e segundo Sanchez et al. (2004, p. 196),somente de 40 % a 50 % das bananas chegamefetivamente às mãos dos consumidores.

Na fase pós-colheita, as frutas têmnormalmente uma contínua atividade metabólicae – em especial na região Norte – um tempo deusufruto mais curto em relação às outras regiões,devido às altas temperaturas em combinaçãocom uma alta umidade e conseqüentemente umaelevada desidratação, o que causa uma perda defirmeza da polpa, incidência de fungos durante oarmazenamento e distúrbios fisiológicos. Porém,devido à situação da agricultura familiar esistema intermediário na região, devem-se excluiralgumas soluções que não são praticáveis devidoao aspecto financeiro, sendo elementos de umpacote tecnológico como armazenamento outransporte em ambientes com temperaturacontrolada em câmaras frigoríficas (Figura 3).

interna – um aspecto químico que varia conformea variedade e processo do cultivo da cultura, sendoavaliado pelo consumidor segundo o sabor. Alémda qualidade externa, como tamanho, peso, cor,textura, etc. – mensurados por métodos físicos –e da qualidade interna como composição, teor daágua, carboidratos, açúcares, etc. – mensurados

por métodos químicos – há critérios de qualidadetotal, mensurados por métodos psicológicos, comosabor e gosto. Ao contrário do sabor, que éparticular da fruta, o gosto é que traz um prazerou satisfação para o consumidor. É a banana,segundo a preferência dos produtos, que dar maissatisfação ao consumidor belenense.

Gráfico 4 - Fatores de influência na compra de produtos alimentícios, em %.Fonte: Pesquisa de campo

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Figura 3. Aspectos influenciadores da qualidade.

Todavia, no caso de frutas frescas importamais a qualidade interna – como seus saboresparticulares – que a qualidade externa, cujasdesvantagens podem se compensar pelo uso comosucos – o que é o caso de acerola, carambola,goiaba, graviola, laranja, maracujá ou muruci,entre outros – ou ingredientes em combinaçãocom outros alimentos – o que é o caso de abacate,limão, tangerina, laranja, entre outros. Em geral,o paladar humano reconhece, apenas, quatrosabores: doce, salgado, amargo e azedo; os termosmaduro, doce, ácido, fresco, refrescante, gostoso,macio, etc. – aspectos sensoriais – são usados paracaracterizar este sabor ou qualidade interna. Estaqualidade é, principalmente, definida pelosaspectos biofísicos, como variedade da cultura eas condições de crescimento, influenciado pelomicroclima como precipitação e insolação.Enquanto o agricultor regional, tecnicamente podeinfluenciar a precipitação através da irrigação, nocaso da insolação e numa escala de produçãomaior não existem meios de influenciar. Fatoresprático-culturais, tais como época de plantio, poda,preparo da área etc. são influenciados poraspectos agrossociais, não variam muito na regiãoe ainda não existem provas conclusivas comoinfluenciam a qualidade.

Ainda quanto à qualidade externa einterna, deve-se citar adicionalmente um aspecto

de conteúdo psicológico: a qualidade desatisfação do consumidor com os ganhos dacompra ou – segundo Marx (1962, p. 9) – o valorda troca. Isso decorre, entre outros, em funçãoda relação tamanho/fruto, polpa/fruta ouendocarpo/mesocarpo, fruta verdadeiramenteaproveitável ou o rendimento. Ao contrário defrutas totalmente aproveitáveis, como uva, kiwi,morango, etc. tem-se o abricó, uxi, piquiá, bacuri,entre outros, que contêm sementes volumosas,não aproveitáveis para o consumo. No bacuri,esta parte representa 70 % do peso total e nocaso de piquiá mais que 95 %, por exemplo.

Outro aspecto psicológico que influenciao consumidor é a facilidade ou dificuldade dedescascamento. Maiores dificuldades apresentamas frutas castanha-do-pará e a laranja regionalem relação à laranja paulista. Até o odor e/ou acor das frutas regionais, quando importadas,podem ser transferidas para as mãos doconsumidor e representam – segundo Jacominoet al. (2004, p. 79) – um empecilho nacomercialização de alguns grupos de frutas. Nessegrupo, encontram-se a laranja, a tangerina, olimão e a manga, entre outros. Além disso, quantoà lanosidade da fruta, o consumidor associa umacor verde, no caso das mangas regionais, porexemplo, com maturação insuficiente (SUGAI,2002, p. 40)32.

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Quanto ao gosto, existem frutas ou produtosagrícolas que podem perder o gosto frente aoconsumidor. A polpa do açaí, por exemplo, empoucas horas perde o sabor característico eapresenta acidez; no caso do abacaxi, o consumidorespera um produto doce, às vezes este está acido;e, no caso de mangostão, espera encontrar umapolpa inteira, mas encontra uma massa putrefata.

No caso de um produto agrícolatransformado, por exemplo, o arroz descascado,que, segundo Barbosa (2007), ainda não é umprocesso de industrialização e cujaresponsabilidade seria do produtor, ou no caso deum produto industrializado, por exemplo, o caféou farinha de mandioca, o consumidor pode perdero gosto ou satisfação por este produto, quando sãooferecidos com falhas na pureza, como partículasde poluições, areia ou até pequenas pedras.

Preferências alimentares e de sabores é umfenômeno social e não um aspecto individual, oque em geral é confirmado pela Sociologia(BOURDIEU, 1986; GRONOW, 1997) e tambémpela Antropologia para a região amazônica(MURRIETTA et al., 1999; MURRIETTA, 2001). Porcausa disso, existem certos conceitos epreferências alimentares comuns a respeito dosabor, como ingredientes à base de morango emiogurte33; textura, como mangas sem fiapos34, ecomposição, como frutas cítricas sem sementes35.Este último é considerado como padrão universal.

Esta preferência pelo sabor explica talvez acompra reduzida de frutas regionais como abricó,ameixa36, carambola, jambo, piquiá ou uxi porparte do consumidor em Belém37.

A preocupação com a qualidade dosalimentos e a idade dos consumidoresentrevistados são variáveis dependentes,enquanto o número de filhos em casa é umavariável independente, mostrando que o fatorpreço possa estar levando em conta, devido amaior pressão sobre a demanda doméstica. Apreocupação com a qualidade dos produtosaumenta, também, de acordo com o nível deinstrução. Isso leva a hipótese, de que a qualidadeda alimentação na fase inicial de um consumidornão importa e que a conscientização é umprocesso social. Ademais, o consumidorbelenense mostra um comportamento comum doconsumidor em geral: aquisição de maiorquantidade de produtos de melhor qualidade como menor dispêndio de recursos possível.

A mensuração visual ou sensorial (apalpar,cheirar ou provar) ainda não indica se um produtoagrícola é saudável, porque esta definiçãodepende dos modelos alimentares; por issoAzevedo (2004, p. 36) acha importante analisaro aspecto sociocultural da população comoelemento na definição dos conceitos de qualidadealimentar, o que foi indicado pelos consumidorespesquisados (Gráfico 5).

Gráfico 5 - Opinião sobre alimentação saudável, em %.Fonte: Pesquisa de campo

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 244

Nesse sentido, a produção agrícola regionalganha grande vantagem comparativa, porque amaioria das unidades da agricultura familiar naregião não usa substâncias químicas na formade herbicidas, inseticidas ou adubo químico(HENKEL, 1994; 2001). Ao contrário disso, noscentros de produção, nas plantações comerciaisde arroz, feijão, laranja, acerola, goiaba, tangerinae demais produtos agrícolas38 se usam defensivosagrícolas com intensidades variadas.

O não uso de produtos químicos naagricultura é visto, em geral, como agroecológico.Entretanto, agroecológico é definido, entre outros,por Caporal e Costabeber (2002, p. 14) como umconceito, estudo, visão, pensamento e princípio,cujos objetivos não são a maximização daprodução de uma atividade agrícola, mas sim aotimização do equilíbrio do agroecossitema comoum todo. Ademais, Carmo e Moreira (2004)definem agroecológico como estratégica integral,endógena e sustentável e Gold (2007) com umsocially sensitive approach to agriculture ou,como Altieri e Nicholls (2005, p. 10) como socialprocesses that value community involvement andempowerment. Porém, na maioria das vezes,agroecologia se opõe a uma agricultura que jáalcançou o conceito de maximização da produçãocomo aplicativo do princípio econômico, o quenão é o caso da agricultura regional paraense.

A produção dessa agricultura édenominada ecológica, biodinâmica, natural,regenerativa, biológica, permacultura ouagricultura orgânica sustentável, entre outros.Entretanto, uma produção dessa, ainda, nãopermite ser declarada produção orgânica, cujasnormas e conceitos são estabelecidos pela Lei nº10.831/2003, que estabelece parâmetros para adefinição das suas atividades. Todavia, a

certificação de um produto orgânico não obedecea normas específicas e os critérios hoje vigentesestão baseados, muitas vezes, em normas deoutros países. Neste sentido, pode-se declarar aprodução obtida de uma área agrícola invadidanuma Reserva Florestal ou área indígena, com avegetação derrubada e queimada, com ajuda detrabalho escravo e sem o uso de insumosquímicos como natural.

A maioria dos consumidores concorda comesta idéia e associam, principalmente, àscaracterísticas “mais saudável” (45,5 %) e“contém menos substâncias químicas” (25,7 %)com um produto orgânico, e menos os atributos“não prejudicam o meio ambiente” (18,9 %) e“melhor sabor” (9,6 %). Por essa razão – casode uma venda dos produtos regionais comoecológicos – a agricultura regional ganhariavantagens comparativas somente em parte,porque – como mostram os trabalhos de Gómezet al. (1999) e Martins et al. (2002) – o não usode produtos químicos na produção ou pós-colheita não influencia, significantemente, osabor do produto, porém tratamento pós-colheitatérmico (PEDRÃO et al., 1999).

Mas a não aplicação de fertilizantesconvencionais e defensivos agrícolas reduziria aquantidade da produção e conseqüentementeaumentaria o preço, além dos custos do processoda certificação, que garante a aplicação biológicano manejo agronômico. Este maior preço é umentrave na inserção de produtos biodinâmicos,orgânicos ou ecológicos no sistema varejo(GUIVANT, 2003, p. 76) e os preços – no caso defrutas – são até 151 % ou no mínimo 30 %(MARTINS et al., 2006, p. 46) mais caros que osprodutos convencionais, o que afasta uma partedo consumidor (Gráfico 6).

245Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Esse pensamento se reflete também nosprodutos declarados como alternativos dos jáexistentes. O óleo de soja, por exemplo, poderiaser substituído pelo óleo de bacabi, palmeiraregional, abundante na região paraense e cujoóleo da castanha é utilizável como óleo decozinha. Porém, somente a metade dosconsumidores compraria este óleo, sem saber aqualidade e do preço do produto. Além disso, amaioria dos consumidores não verifique nosrótulos das embalagens os ingredientes oucomposição química dos produtos.

Em geral, pode-se observar uma baixaaceitação por parte do consumidor em apoiaruma produção chamada ecologicamente corretapara fortalecer a agricultura regional. Somente54 % demonstraram interesse em apoiar este tipode produção, por exemplo, por meio de umapolítica fiscal de isenção ou tributação reduzida.

Esta última medida recebe ainda o apoio de 58% dos consumidores. Porém, a maior parte daprodução agrícola da pequena agriculturaparaense já é isenta de tributação, o que implicauma menor arrecadação para o orçamentoestadual e conseqüentemente menosinvestimentos, o que não agrada o consumidor,que igualmente é cidadão e contribuinte fiscal.Isso mostra, também, que o consumidor acreditana sua força reguladora do mercado.

A maior aceitação, com 81,6 %, por partedos consumidores é a idéia da etiquetagem deprodutos regionais com um selo de identificaçãode procedência regional, todavia não no sentidode um selo de certificação, tais como IndicaçãoGeográfica Protegida (IGP), Denominação deOrigem Controlada (DOC), Produto de AgriculturaOrgânica (ORG), Produto de Origem Familiar(FAM) e Certificado de Conformidade (CCO), mas

Gráfico 6 - Compra de produtos orgânicos, em %.Fonte: Pesquisa de campo

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 246

4 OS CONCEITOS E A VISÃO DO VAREJO

Segundo Belik e Chaim (2006), a venda defrutas, legumes e verduras em supermercados nopassado era vista apenas como um elementocomplementar. Hoje, é um elemento estratégicopara atrair e ganhar a fidelidade do consumidor.A margem de lucro destes produtos é consideradabaixa e as vantagens comparativas de umproduto se baseiam na produção e pós-colheita.

Outro elemento para ganhar vantagenscomparativas no mercado interno, segundo Belike Chaim (2006), é obter maior controle sobre osbens comercializados por produção própria etrabalhar com estoque mínimo por parte dosatacadistas e varejistas. Comparados com osdemais supermercados nacionais, os de Belémsão de médio porte e não possuem produçãoprópria, porém se confirmou a aplicação doconceito de estoque mínimo39. Outro item citadopelos gerentes é a procura de formas melhoresde relacionamento entre produtor, fornecedor ecomprador, isto é, o supermercado procura formaruma comunicação mais eficiente, o que implicaestabelecer vínculos mais duradouros com osfornecedores, por exemplo, lojistas na CEASA-PA.

Para o produtor, que às vezes é igualmentefornecedor e por causa da baixa demanda do

mercado, não comercializa por meio da CEASA-PA, caso dos produtos abricó, caju, carambola,jambo e muruci, etc., sugere a necessidade demaior regularidade e pontualidade na entrega,fazendo com que os produtores menoscapacitados, mais distantes ou aqueles que nãopossam fornecer com qualidade, não obtêm apossibilidade de entrar no sistema defornecimento ou acabem saindo deste mercado.É característica que estes produtores eigualmente fornecedores moram somente nosarredores da RMP Belém.

No varejo, o que importa na compra dosalimentos é a qualidade, seguida pelo preço, oque coincide com a visão dos consumidores.Porém, na percepção da maioria dos varejistas, omaior problema de inserção dos produtosregionais no mercado é a sazonalidade oulimitação da oferta, e menos a qualidade inferiore para uns varejistas até não existe uma diferençaem relação aos produtos importados de outrosestados.

Com a sazonalidade de produtos agrícolasrelaciona-se uma situação de oscilações nademanda ou oferta durante um ou mais períodos.Esta situação baseia-se normalmente nos fatores

somente para a identificação regional. Isso nãodaria vantagens comparativas para produtosedáficos, mas dos produtos regionais em relaçãoaos importados, como no caso de arroz, milho,feijão, banana, laranja, limão, tangerina, abacaxie melancia.

A designação selo de produtos agrícolasregionais precisa cumprir pelo menos o requisitorelativo à origem geográfica, o que necessitariade controle por órgãos especializados. Entretantoestes custos não podem ser repassados para o

produtor. Ademais, por causa de fraudesfreqüentes na sociedade, é questionável se umselo aplicado pelo estado ou por uma organizaçãoé capaz de criar a credibilidade do produto.

Exemplos para uma maior integração dosprodutos regionais no mercado existem. Porexemplo, gôndolas, estantes ou prateleirasexclusivamente com produtos regionais. Nestecaso, o consumidor não compraria os produtossegundo aspectos físico-químicos ou do preço,mas pelo aspecto emocional.

247Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

culturais relacionados a efeitos de calendário ounas variações climáticas relacionadas às estaçõesdo ano. Na região, somente o cupuaçu e o bacuri,em forma de cremes, ou a maniçoba, comosubproduto de mandioca, representamsazonalidade pelo lado da demanda ou consumo,sendo consumidos principalmente nos finais dasemana ou durante festas familiares ou religiosas.Somente nas sorveterias existe um consumopermanente. Entretanto estes produtos sãoedáficos é não enfrentam produtos concorrentesimportados. Os demais produtos analisadosapresentam forte variação sazonal pelo lado daoferta, causada basicamente pelas condições

climáticas associadas às estações inverno ou verão(tempo de chuva – tempo da seca). Enquanto otempo da chuva no estado do Pará ou região Norteem geral está caracterizado por baixa insolação,o final do verão é marcado por uma retirada edeficiência de água no solo. Isso faz com que osprimeiros e últimos meses do ano sejamcaracterizados por certa ausência de produção oufalta de oferta. A variação sazonal da produçãocoloca o produtor regional numa posição deprodutor temporário, que consegue vender suaprodução somente num período do ano e obtémcaráter de uma oferta temporária40, o que causauma desvantagem excessiva (Figura 4).

Figura 4 - Sazonalidade da produção agrícola e balanço hídrico, município de Castanhal-PA.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 248

Para superar o período da sazonalidade daprodução regional, o sistema varejista poderiapraticar grandes investimentos em estruturas dearmazenamento a frio, porém substitui estaprática pela política de importação de produtosde outras regiões ou estados, que apresentamoferta ilimitada.

Nessas regiões exportadoras, a irrigaçãopermite não somente a produção da manga, masde qualquer outra fruta em questão, comomelancia, goiaba, banana ou acerola duranteciclos sucessivos ou além dos períodostradicionais (FAVERET FILHO et al., 2000, p. 265)e com uma produtividade acima da médianacional. No Rio Grande do Sul, por meio dairrigação também se consegue uma estabilidadeanual de produção de arroz (EMBRAPA, 2007).No nordeste paraense e perto dos centrosconsumidores como Castanhal e RMP Belém,somente com as várzeas do rio Caeté há áreasnaturais de inundação periódica, que permitemem 14 meses três safras de arroz. Ademais, Souzaet al. (2006, p. 55) mencionam que a maioria dosprodutores no Rio Grande do Sul apresentaestrutura de armazenagem em suas propriedades,o que permite um melhor atendimento dospedidos de compra durante o ano, minimizandoo efeito safra–entressafra e reduzindo o impactoda sazonalidade, enquanto as propriedades dosprodutores no rio Caeté são caracterizadas poruma ausência total destes meios. No caso demilho, nos principais estados produtores há duassafras (safra principal e safrinha) por ano, umaprodutividade acima da média nacional, pelo usode sementes melhoradas e um fornecimento aomercado durante o ano inteiro por meio doarmazenamento da produção (TSUNECHIRO etal., 1996, p. 129). A safra do café brasileiro –dependendo da espécie (arábica ou robusta) –se inicia nos meses de março a maio e se estende,segundo a região, até setembro. A indústriacafeeira – porque no caso do café se trata de umcommodity – trabalha com estoques, o que

permite uma venda o ano inteiro (MORICOCHIet al., 2001)41. Apesar da diminuição da demandapor causa de um consumo per capita em declínio,Fuscaldi e Prado (2005, p. 20) falam de umaterceira safra nos centros da produção de feijão,por causa da irrigação.

Essa ausência ou redução da sazonalidadeinduz um produto ofertado por produtores ouempresas o ano inteiro ou maior parte do ano e– do ponto de vista da produção – uma reduçãode custos de produção e, segundo Timmer et al.(1999, p. 79) e Toso e Morabito (2005, p. 204),conseqüentemente maior rentabilidade e ofertapor um preço menor. Isso abre a possibilidade deinvestir o capital economizado na criação demarcas com a finalidade de ganhar a fidelidadedo consumidor e de os produtores ou empresasse tornarem parceiros do varejo e não apenasfornecedores de produtos agrícolas. A fidelidadedo consumidor em relação à marca, no caso daoferta de arroz e feijão, é confirmada pelo sistemavarejista de supermercados de Belém, porém nãono caso de frutas, que ganham mais fidelidadepor parte do consumidor em função do serviçoofertado como qualidade, sabor, cor, aparênciaou confiança no produto.

Ainda não se tem clareza se essasvantagens competitivas se baseiam no pacotetecnológico ou no aspecto recursos humanos.Faveret Filho et al. (1999, p. 19) não dão tantaimportância ao processo tecnológico da irrigação,estocagem ou processo pós-colheita em geral(1999, p. 20) para ganhar vantagenscomparativas e citam como limitação naconstrução destas cadeias produtivas e nacomercialização dos produtos regionais oelemento logístico. Com isso, dão ênfase aoaspecto recursos humanos, que é um aspectosocial. Por causa do estoque reduzido, ossupermercados fazem pedidos aos fornecedoresque devem ser respondidos num curto prazo. Nocaso de pequenas demandas, por exemplo, de

249Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

manga, goiaba ou abacate, os lojistas da CEASA-PA se juntam e fazem um pedido em conjuntopara fornecedores de outros estados, querespondem o pedido prontamente. Calcula-se queum pedido, por exemplo, para melancia, feito porlojistas da CEASA-PA para fornecedores emJuazeiro-BA ou Petrolina-PE, demora somentecinco dias até a entrega ao consumidor.Produtores regionais conseguem estabelecer estefoodlinkages somente no caso de frutas edáficas,fornecimento de quantidades pequenas e naépoca da safra, caso do mamão, de laranja ou deacerola. Porém comerciantes regionaisconseguem abastecer o mercado do Nordestebrasileiro com farinha de mandioca durante o anointeiro, produtores de tapioca fornecem paraRondônia e a produção de arroz abastece omercado nordestino temporalmente, o quemostra logística elevada.

Além do problema da sazonalidade, ovarejo em Belém cita também a falta dasvariedades nos produtos regionais como barreirapara maior incorporação no mercado. No casodas mangas importadas, encontram-seprincipalmente as variedades Tommy Atkins,Haden, Keitt, Van Dyke e Manga Rosa, enquantoa produção regional oferece somente umavariedade. Com o café acontece algo semelhante.Enquanto o industrializado é importado comidentificação do selo de pureza e varia a ofertaentre café descafeinado, o café orgânico,expresso, café solúvel, cappucciono, café comleite, etc. com embalagens a vácuo outradicional, a indústria cafeeira regional nãodispõe deste selo; trata-se de café comembalagem tradicional e uma variedade só. Oque mantém o café regional no mercado é oprocesso de torrefação, que cria um sabortipicamente regional. Embora algumas empresas

regionais de torrefação possuam suas própriasplantações de café, a safra regional não ésuficiente para manter a produção e a maioriadas empresas importa café do Sul ou Sudeste.Além disso, a qualidade do café regional éinferior. Porém o café regional tem boaspossibilidades de comercialização, mas não éuma cultura tradicional produzida em escalamaior pela agricultura familiar.

Segundo os representantes do varejo, osprodutos regionais cupuaçu, rambutã,mangostão, laranja e tangerina possuem, ainda,as melhores aceitações pelo consumidor nomercado atacadista. Trata-se de frutas com saborentre suave acidez e doce-ácido. Na opinião dosdirigentes do varejo, só uma parte do consumidorpercebe a diferença entre produtos importadose regionais. É mais fácil notarem-se estasdiferenças na melancia, manga e goiaba: amelancia regional é maior que a importada,enquanto a goiaba e a manga regionais sãomenores que as importados, além das manchasda casca.

Ainda é pouco o consumo de produtosorgânicos certificados em Belém. Teoricamentese possa declarar toda a produção regional comoagroecológica, porque não usa produtosagrotóxicos. Todavia, segundo os representantesdo varejo, o consumidor escolhe pelos critériospreço e qualidade externa, e não pela qualidadeinterna, que reflete as características dosprodutos orgânicos.

Comparando as vantagens comparativasdos produtos regionais e importados numaavaliação final, percebe-se que algumascaracterísticas não podem ser recuperadas oucompensadas (Tabela 1).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 250

Tabela 1 - Principais vantagens e desvantagens comparativas.

Fonte: Pesquisa de campo; CEASA-PA, SAGRI-GEEMA.

5 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Há várias possibilidades de compensaras desvantagens comparativas dos produtosagrícolas regionais em relação aos importados.A mão-de-obra não é um fator decisivo nesteprocesso, porque se trata de produtos agrícolasque entram em contato com o ser humanosomente no momento da safra. A prática depodar, pelo agricultor, poderia aumentar a

quantidade, mas não compensar adesvantagem qualidade e sazonalidade.Ademais, os produtos são consumidos innatura e – apesar de o arroz e o feijão quepassem pelo processo de empacotamento –não entram mais em contato com o serhumano, o que negativamente poderiainfluenciar a qualidade.

251Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Já o aspecto recursos humanos é diferente,porque engloba o envolvimento da logística eorganização social. Para seu treinamento,necessita-se do fator capital, que é um fator maisimportante. Entretanto, só um treinamento semmudar a estrutura base da produção traz poucasvantagens. Ao contrário disso, com investimentosde capital em irrigação, consegue-se estender operíodo da safra no final do verão para algunsmeses, porém não sendo estendido para o anointeiro; a sazonalidade torna-se então umentrave. Os projetos de irrigação na afluênciado Vale de São Francisco em Juazeiro-BA ePetrolina-PE foram realizados com apoio dogoverno federal em uma época, em que adiscussão pública sobre a implantação degrandes projetos foi suprimida. Ao contráriodisso, os projetos de irrigação no Centro-Oesteforam implantados por produtores doagronegócio, e não agricultores familiares.Atualmente deve-se excluir qualquer iniciativapor parte do governo federal, estadual oumunicipal em apoiar programas de irrigação noestado do Pará.

A iniciativa de irrigação pode acontecersomente pelo produtor por meio de obtenção decréditos especiais como o do FNO, PRONAF oude bancos privados, mas o risco ficaria sobresponsabilidade do produtor e não de umaentidade social, como no caso do eixo do ValeSão Francisco, onde este risco ficou sob aresponsabilidade da Companhia deDesenvolvimento dos Vales do São Francisco edo Paraíba (CODEVASF), ou seja, do governofederal.

A instalação de câmaras de frio comoinovação tecnológica para estender o tempo deoferta e reduzir a sazonalidade necessita deinvestimentos, que pequenos produtores sãoincapazes de realizar. Ademais, o aspecto custo-benefício desta tecnologia de câmaras de frioprovavelmente não ficaria rentável.

A introdução de novas variedades,qualitativamente melhores, necessitaria de umprograma especial pelos órgãos de extensãorural. O fato de grande parte dos produtores dascomunidades rurais do estado não terem recebidoainda nenhuma assistência básica em, porexemplo, educação, sindicalismo, transporte esaúde, fazem com que se rejeite também esseaspecto. Estas iniciativas de melhorar a qualidadesomente podem ser praticadas por produtoresindividuais do ramo agrocomercial ou agricultorescomerciais.

Excluindo esse aspecto de capital, quecompensaria em parte os aspectos desazonalidade e qualidade, mas que não sãoaplicáveis na conjuntura atual, a mudança docomportamento do consumidor em relação aosprodutos regionais pode ser um fator para oaumento da compra desses produtos. Um selode origem identificando a procedência regionalpoderia influenciar o consumidor na compra demais produtos regionais, embora possuamdesvantagens comparativas. Mas esseconsumidor deveria ter o comportamento de umconsumer citizenship ou como alguém queparticipe com consciência do sistema de produçãode alimentos, possuindo competência ética decomprar produtos regionais mesmo comdesvantagens comparativas. Porém esteconsumidor que escolhe emocionalmente osprodutos, ainda, não existe em Belém.

A teoria de David Ricardo, aplicada aoestado do Pará, tem legitimidade, porém nosentido de que a agricultura tem desvantagenscomparativas naturais como a sazonalidade. Aocontrário disso, a produção de farinha demandioca mostra que a região possui vantagenscomparativas em certos sistemas produtivos epode “ apesar da produção de culturas edáficas “obter vantagens também em outros sistemas,como na produção de espécies florestais, nas quaisa sazonalidade e qualidade não influenciam.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 252

NOTAS

1 Este pensamento implica, para do estado do Pará, por

exemplo, que é mais vantajoso não investir em melhora

das desvantagens comparativas, por exemplo, da

produção de leite, mas investir em áreas nas quais o

estado pode ganhar uma vantagem maior, caso da soja.

2 David Ricardo analisou especificamente o mercado de

vinho, trigo e tecidos e comércio bilateral entre Portugal

e Inglaterra.

3 Vantagens comparativas naturais possuem, por exemplo,

a Rússia e o Iran na produção de caviar retirado do peixe

esturjão, que se encontra somente no mar Cáspio.

4 Gatt é somente um acordo multilateral e não uma

organização internacional como a World TradeOrganization (OMC). Gatt organiza rodadas de

negociações. A chamada rodada Uruguai do Gatt, iniciou-

se em 1986 e terminou em 1994 com a declaração de

Marrakesh, Marrocos, que criou a OMC.

5 WORLD TRADE ORGANIZATION (2007).

6 Os créditos do PRONAF serão destinados à realização de

investimentos, que visem ao beneficiamento,

processamento e comercialização da produção

agropecuária, a implantação de pequenas e médias

agroindústrias, a implantação de unidades centrais de

apoio gerencial, serviços de controle de qualidade do

processamento, de marketing, de aquisição, de

distribuição e de comercialização da produção,

caminhões, inclusive frigoríficos, isotérmicos ou

graneleiros, etc.

7 Ver os nomes científicos no Anexo A.

8 Ver BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior. Secretaria de Desenvolvimento da

Produção (2006).

9 Ver Varsano (1995) e BNDES (2000).

10 Qualquer entidade pode protocolar na Procuradoria

Geral da República uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade – ADIs contra leis estaduais que

concederam benefícios para ganhar vantagens

comparativas.

11 Ver Reis et al. (2005, p. 55).

12 Ver embaixo a definição.

13 Ver para isso Mota et al. (2005, p. 239); Schneider e

Waquil (2001, p. 122).

14 Tigre de papel (tradução nossa).

15 Na produção de sucos existem nove variedades de

laranjas de maturação precoce diferentes em uso, como

Olivelands, Torregrosso, Finike, Hamlin, Kawatta,

Caderera, Mayorca, João Nunes e Westin, com variação

de 61 % na acidez e 21 % no volume. Ver

Variedades...(2006).

16 No caso da agricultura do estado do Pará, essas culturas

são mandioca, arroz e milho e quase nenhuma produção

de verduras ou frutas domesticadas.

17 A qualidade da alimentação só precisa ser melhorada

quando é fornecida para mercados regionais ou

nacionais, onde há outros tipos de consumidores.

18 Esta interpretação, que o setor produtivo muda por causa

de uma mudança do consumo, caracteriza o modelo de

consumo alimentar.

19 Produtos tais como maracujá, cupuaçu, cacau, acerola,

etc.

20 Produtos tais como algodão, malva, coro, etc.

253Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

21 No caso de Belém do Pará observou-se, que alguns anos

atrás, quando as famílias voltaram do interior para

Belém, ainda trouxeram alimentação produzida nas

propriedades de parentes e que a maioria da oferta

alimentícia foi negociada nas feiras organizadas ou livres

diretamente entre produtor e consumidor. Hoje, a grande

maioria da alimentação é vendida nos supermercados,

importada de outros estados e até pronta para consumo

sem necessidade de preparação (sopas em pacotes,

comida para microonda, suco em garrafas, etc.). Os

produtores do interior conseguem fazer contato

diretamente com os consumidores somente nas feiras

livres nos bairros periféricos.

22 Exemplos disso é café, sopa, suco ou leite em pó,

cetchup, maionese, adoçante, refresco e refrigerante.

23 Racionalização na distribuição se consegue por meio

de terceirização ou centros de distribuição, tipos de

embalagem, containerização e refrigeração do

transporte, etc.

24 Flexibilização no sistema produtivo se consegue por

meio de produção de diferentes variedades e tamanhos

da mesma cultura, culturas mais resistente, incorporação

de novas culturas, produção entressafra, etc.

25 Isso se mostra pela demanda e oferta de certos produtos

com sabores diferentes, como refrescos com sabor de

laranja, uva, guaraná, pêssego, maracujá, carambola,

etc.

26 No Brasil, esta discussão sobre alimentação não

industrial culminou na discussão sobre os produtos

agrícolas transformados geneticamente, lei de

biosegurança e declaração de produtos modificados

geneticamente com etiquetas nos supermercados.

27 Embora os produtos cresçam num ambiente biológico

natural, não quer dizer ambiente produtivo. Exemplo

disso é o guaraná, edáfico da região do Orenoco, bioma

Amazônia, mas hoje produzido em larga escala

comercialmente na Bahia.

28 Entidade pode ser uma atividade ou um processo, um

produto, uma organização ou uma combinação destes.

29 Esta situação causa, entre outros, marcas de insetos ou

coloração não uniforme.

30 Ainda não há estudos suficientes que mostram a relação

entre adubação e qualidade interna dos produtos.

31 As pintas pretas ou cortes nas cascas na textura das

frutas são resultados de influencia mecânica como

batidas durante o transporte e diminuem a aceitação

pelo consumidor (MATSUURA, et al., 2004, p. 52).

32 Manchas verdes podem apresentar também as frutas

carambola, caju, maracujá, tangerina, abacaxi e laranja,

sem isso influencia a qualidade da fruta. Cajarana é

consumida quase exclusivamente no seu estado

semimaduro, quanto a casca ainda é verde e não

amarelo-ouro na fase da maturidade.

33 SUGANO et al. (2007, p. 16).

34 Ver Carvalho et al. (2004, p. 269).

35 Ver Pio (2003, p. 375).

36 Estima-se, que o consumo de ameixa importado de Chile

é muito maior que o consumo de ameixa regional,

produzido no próprio município.

37 A diferença de o hábito alimentar se mostra também

entre Norte Europa e Brasil: enquanto as maçãs, por

exemplo, no Brasil são oferecidos polimentada ao

consumidor, na Norte Europa pequenas manchas ou

buracos de larvas são aceitas ou até desejadas, porque

representam naturalidade.

38 Pires et al. (2005), Spers e Nassar (1998), Mariconi et

al. (1994), Azevêdo (2006), Gorenstein (2004), Vicente

et al. (1998) e Balsadi (1997).

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 254

39 Os grandes supermercados em Belém possuem um

estoque reduzido de produtos perecíveis, o que

representam frutas, de somente dois dias úteis.

40 Existem algumas exceções como farinha do subproduto

mandioca, acerola, açaí, coco ou mamão, que não

representam uma sazonalidade, entretanto picos de

produção.

41 Além do café e com relevância para a agricultura regional

se pode declarar ainda o milho, soja, pimenta-do-reino

e cacao como commodities, sendo negociados nas

principais bolsas Chicago Board of Trade, Coffee, Sugar& Cocoa Exchange in New York e Kansas City Board ofTrade. Laranja como produto regional não é um

commodity, mas o seu derivado suco de laranja.

Característica comum destes produtos é que os podem

ser negociados qualquer momento no mercado mundial,

então não conhecem sazonalidade da oferta.

255Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

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261Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

Anexo A. Nomes populares e científicos dos produtos agropecuários.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 262

Anexo B. Participação por procedência dos produtos agropecuários, CEASA-PA, em %

Fonte: CEASA, 2006Notas: (1) não está sendo comercializado na CEASA; (2) somatório das variedades de feijão carioquinha, feijão de

colônia e feijão rajado; (3) somatório das variedades branca, comprida, mysore, nanica, nanicão e prata;(4) somatório das variedades de manga bacuri, comum, espada, haden, keite, rosa e tommy-atkins e (5) somatóriodas variedades havaí (do Pará) e formosa (importado).

263Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

RELATÓRIOS DE PESQUISAS

265Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

A desidratação constitui-se em umaalternativa ao aproveitamento de frutas nãoconsumidas in natura e fazem parte da dietaalimentar de pessoas com restrição ao uso deaçúcar, ginastas, atletas e outros. Em função desseconsumo por vezes especial e até por questão deadequação legal, torna-se necessário que oprocessamento de frutas desidratadas sejaconduzido de acordo com as normas vigentes,preconizadas pelos órgãos mundiais responsáveispela produção segura de alimentos. Baseado emobservações sistemáticas (confecção de check-list para avaliação de condições deprocessamento), determinação do fluxograma deprocesso e análises microbiológicas de amostrascoletadas ao longo da preparação, foramdeterminados os perigos e pontos críticos decontrole no processamento de bananasdesidratadas em uma unidade piloto, realizadopor integrantes de uma cooperativa depescadores e artesões nucleados nascomunidades ribeirinhas de Bonsucesso e PaiAndré, no Município de Cuiabá-MT. As análisesmicrobiológicas das frutas incluíram a contagemde microorganismos mesófilos (contagem padrãoem placas), de bolores e leveduras, número maisprovável de coliformes totais e fecais e pesquisade E. coli. Nas mãos dos manipuladores forampesquisados Staphylococcus aureus, E. coli e o

número mais provável de coliformes totais efecais. Nos utensílios pesquisou-se a contagemde microorganismos mesófilos (contagem padrãoem placas). O monitoramento microbiológico e aaplicação do chek-list indicaram a ausência deboas práticas de fabricação no processamentoaté o momento da colocação das frutas nodesidratador. Na etapa de desidratação foramreduzidos os números das contagensmicrobiológicas, sendo que após sete dias dearmazenagem houve o reaparecimento decontagem global de bactérias mesófilas. Asetapas de recepção, desidratação e armazenagemforam consideradas PCCs, sendo que para tantose utilizou uma árvore decisória contendoperguntas, cujas respostas conduziram àdeterminação dos pontos mencionados. Osresultados obtidos através das análisesmicrobiológicas indicam que mesmo com anecessidade da implantação de um manual deboas práticas de fabricação e de um sistema demonitoramento eficaz dos PCCs, que conduzamà medidas de prevenção de doenças de origemalimentar, o sistema de produção utilizado pelacooperativa é indicado para tal sistema deadministração.

Palavras-chave: Alimento - QualidadeMicrobiológica. Banana desidratada.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Projeto pontos críticos de controle noprocessamento de bananas desidratadas em uma unidade experimental organizadano sistema cooperativista em Cuiabá, Mato Grosso. Relatório final. CUIABÁ, 2002.

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Mato Grosso

PESQUISADORES: Cristina Acosta dos Santos; Márcio Gonçalo da Silva; Josita Correto da RochaPriante; Javier Eduardo López Diaz; Paulo Afonso Rossignoli; Regina Baptista dos Reis; Oscar ZallaSampaio Neto; Nicolau Priante Filho (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 266

O objetivo do projeto foi desenvolver umatecnologia de habitação na área rural, visando oaproveitamento de subprodutos como os rejeitosdas laminadoras (62 unidades em MT) chamados“roletes” e peças curtas de 1,50 cm das serrarias(1.300 unidades em MT) inservíveis para ocomércio madeireiro no Estado de Mato Grosso.Esses materiais, devidamente desdobrados emcostaneiras, e executados em diversos tipos depainéis para fechamentos das habitações eimpregnadas com substâncias químicaspreservativa para sua durabilidade sãoaproveitados como elementos construtivos debaixo custo. O projeto enfatizou, também, ações

voltadas para o trabalho comunitárioparticipativo utilizando o sistema deautoconstrução na habitação popular,integrando-os num processo transformador quevem produzir as melhorias de qualidade de vidatanto social quanto econômica de seushabitantes, principalmente àquelas comunidadesque estão localizadas nas áreas de colonização,mineração e nos assentamentos de grupos detrabalhos pioneiros, localizados principalmenteno norte do Estado de Mato Grosso.

Palavras-chave: Resíduos. Madeira -subprodutos. Moradia.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Projeto de estudo dos resíduos das madeiras deaproveitamento para uso em habitação popular para a população de baixa renda emMato Grosso: Relatório final. Cuiabá, 2003.

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Mato Grosso

PESQUISADORES: Humberto Metello (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

267Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O objetivo deste estudo foi avaliar seteespécies leguminosas quanto aos seus aspectosbotânicos e agronômicos em área de capoeirano Estado de Roraima. O experimento foiconduzido no Campo Experimental Confiança,pertencente a Embrapa Roraima, no Municípiodo Cantá, em Roraima. As espécies estudadasforam Inga edulis, Flemingia macrophylla,Desmodium tortuosum, Gliricidia sepium, Acáciaauriculiformis, Acácia holosericia e Tephosiacandida. O plantio das mudas ocorreu em junhode 2000 e os tratamentos foram constituídos porespécies e aplicação ou não de adubaçãofosfatada (0 e 20 kg de P.ha-1), no plantio dasmudas, configurados num delineamento emblocos casualizados, em esquema fatorial de 7x2.Efetuaram-se avaliações de altura da planta,diâmetro do caule, produção de fitomassa, teoresde nutrientes na parte aérea das plantas eanálises químicas do solo, para N e P, antes e aos

15, 30 e 60 dias, após a deposição dos materiaisvegetais na superfície do solo. Os resultadosrevelaram que a aplicação de P no plantio,influenciou nas variações da altura da planta,diâmetro do caule e produção de matéria seca. Aprodução de matéria seca pelas leguminosas, nãose refletiu na quantidade de nutrientes,acumulados por uma mesma espécie. A G. sepiumdestacou-se quanto ao acúmulo de nutrientes naparte aérea e, as folhas, responderam por 55%do material formador da biomassa. Os níveis deN total variaram em função das épocas eprofundidades e para o P, o efeito foi para aadição de P no plantio, profundidades e épocas.As maiores concentrações destes elementosforam determinadas na camada de 0-10cm dosolo.

Palavras-chave: Produção de fitomassa.Leguminosas. Estado de Roraima.

EMBRAPA RORAIMA. Projeto produção de fitomassa e nutrientes por plantas leguminosasem área de capoeira, na Região do Confiança, Roraima. Relatório final. Boa Vista, 2005.

INSTITUIÇÃO: Embrapa Roraima

PESQUISADORES: Haron Abrahim Magalhães Xaud; Marcelo Francia Arco-Verde (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 268

O projeto avaliou a expectativa de retornofinanceiro atual e futuro das atividadesempreendidas em uma comunidade deagricultores familiares no Estado de Roraima,ante o uso de sistemas agroflorestais comoalternativa sustentável. A partir de entrevistasestruturadas, sob a forma de questionários, foramefetuadas 20 entrevistas, constituídas de:caracterização do líder da família e de seusmembros; caracterização da área quanto aotamanho da área do lote e da área cultivada;presença de áreas protegidas e de reserva legal;titularidade do lote e fonte de financiamento;regime de trabalho semanal; caracterização dossistemas de produção utilizados; visão quanto aoretorno financeiro atual e futuro e percepçãoquanto ao uso de sistemas agroflorestais. Amaioria dos líderes de família (95%) é migrante,estando em Roraima de 11-18 anos (14,2+1,7anos; extremos: 01-30 anos) e de 05-09 anos nolote (7,2+0,9 anos; extremos: 01-14 anos) e umtempo um pouco mais reduzido na casa em umintervalo de 04-08 anos (6,0+1,0; extremos: 01-14 anos). Dentre os líderes de família, somenteum é analfabeto, sendo que nenhum dos líderespossui nível de instrução maior do que o ensinofundamental completo. Como tamanho de lotetem-se o intervalo de 54-94 ha (73,8+ 9,6ha;extremos: 13-192ha), com área de cultivo de 06-14ha (10,3+2,0ha; extremos: 1,3-34,5ha) o quecorresponde a um intervalo de 11-21% de áreatotal cultivada (15,7+2,4%; extremos: 1,3-

47,9%). Todos os lotes apresentaram áreasprotegidas de reserva legal e algum tipo de corpod’água associado, sejam estes: igarapés, grotasou cachoeira. Cerca de 70% das propriedadessão tituladas, sendo que destas, 50% receberamfinanciamento. No caso de ausência detitularidade, nenhuma fonte de financiamento éassinalada (÷2(1)=4,61; p<0,05). Os cultivos desegurança alimentar: arroz, milho, mandioca oumacaxeira foram os que apresentaram maiorfreqüência de retorno financeiro atual (85%),entretanto, com uma nítida redução (50%)quanto ao retorno financeiro futuro. As espéciesfrutíferas, representadas por: açaí, Euterpeoleraceae; acerola, Malpighia glabra; banana,Musa spp.; cupuaçu, Theobroma grandiflorum;graviola, Anona muricata; maracujá, Passifloraedulis e pupunha, Bactris gasipaes mantiverama freqüência de retorno financeiro (55%) atualou futuro, sendo que como retorno atual destaca-se a banana (80%) e como retorno futuro ocupuaçu (80%).

Tanto o cultivo de espécies olerícolas econdimentares, quanto a criação de pequenosanimais, a saber: aves e peixes mantiveram umlimiar constante de expectativa de retornofinanceiro atual e futuro, sendo este na ordemde 10-15%. Os plantios florestais, englobandoas espécies: acácia, Acácia mangium; cedro-doce, Bombacopsis quinata e eucalipto,Eucaliptus spp. apresentaram somente

EMBRAPA RORAIMA. Projeto expectativa de retorno financeiro do uso de sistemasagroflorestais na comunidade rural do Apiaú, Roraima. Relatório final. Boa Vista, 2005.

INSTITUIÇÃO: Embrapa Roraima

PESQUISADORES: Haron Abrahim Magalhães Xaud; Marcelo Francia Arco-Verde (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

269Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O trabalho teve como objetivo, avaliar apercepção dos produtores acerca da utilizaçãode sistemas agroflorestais, visando definir aspotencialidades e limitações desta alternativana visão dos produtores da região do Apiaú,município de Mucajaí, Roraima. A partir deentrevistas estruturadas, sob a forma dequestionários, foram efetuadas 20 entrevistas,constituídas de: caracterização das famílias; daárea quanto ao tamanho da área do lote e daárea cultivada; presença de áreas protegidas ede reserva legal; titularidade do lote e fonte definanciamento; regime de trabalho semanal;caracterização dos sistemas de produçãoutilizados; visão quanto ao retorno financeiroatual e futuro e percepção quanto ao uso desistemas agroflorestais. A maioria dos líderes defamília (95%) é migrante, estando em Roraima

de 11-18 anos (14,2+1,7 anos; extremos: 01-30anos) e de 05-09 anos no lote (7,2+0,9 anos;extremos: 01-14 anos) e um tempo um poucomais reduzido na casa em um intervalo de 04-08 anos (6,0+1,0; extremos: 01-14 anos). Dentreos líderes de família, somente um é analfabeto,sendo que nenhum dos líderes teve maisinstrução do que o ensino fundamentalcompleto. Como tamanho de lote tem-se ointervalo de 54-94 ha (73,8+ 9,6ha; extremos:13-192ha), com área de cultivo de 06-14ha(10,3+2,0ha; extremos: 1,3-34,5ha) o quecorresponde a um intervalo de 11-21% de áreatotal cultivada (15,7+2,4%; extremos: 1,3-47,9%). Todos os lotes apresentaram áreasprotegidas de reserva legal e algum tipo de corpod’água associado, sejam estes: igarapés, grotasou cachoeira. Cerca de 70% das propriedades

expectativa futura, saltando de uma expectativaatual de retorno financeiro nula a cerca de 20%de freqüência entre os produtores. Deste modo,observou-se uma expectativa atual de retornofinanceiro proveniente do cultivo de espéciesrelacionadas a segurança alimentar e espéciesfrutíferas. Outras atividades, de menorexpressão, como cultivo de olerícolas econdimentares e criação de pequenos animaisem um limiar constante, atual futuramente.

Numa visão futura, tem-se a manutenção daexpectativa de retorno financeiro com asespécies frutíferas, uma redução na expectativade retorno financeiro proveniente das espéciesrelacionadas à segurança alimentar e oaparecimento dos plantios florestais como fontede retorno financeiro.

Palavras-chave: Sistemas agroflorestais.Retorno financeiro. Estado de Roraima.

EMBRAPA RORAIMA. Projeto percepção de agricultores sobre o uso de sistemasagroflorestais na comunidade do Apiaú, Roraima. Relatório final. Boa Vista, 2005.

INSTITUIÇÃO: Embrapa Roraima

PESQUISADORES: Haron Abrahim Magalhães Xaud; Marcelo Francia Arco-Verde (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 270

são tituladas, sendo que destas, 50%apresentam financiamento. No caso de ausênciade titularidade, nenhuma fonte de financiamentofoi assinalada (÷2(1)=4,61; p<0,05). No perfilatual, cerca de 50% dos produtores derrubamnovas áreas para plantio e 55% usam fogo apósa derrubada da floresta. Enquanto 95% dosprodutores plantam culturas anuais, 60%plantam árvores. No futuro, o número deprodutores derrubando novas áreas para plantiomantém-se no mesmo patamar (55%), enquantoque 95% dos produtores gostariam de utilizarmenos fogo. O número de produtores quecontinuaria a plantar culturas anuais, manteve-se o mesmo (95%), enquanto que o número deprodutores que plantou árvores subiu para 90%.Como percepção, 85% dos produtores acha queo plantio de árvores é lucrativo, sendo que omesmo número toma a atividade comoinvestimento. A maioria acha que o plantioflorestal é demorado (85%) ou trabalhoso (65%)e 60% acha que é tanto demorado, quantotrabalhoso. Um contingente considerável (60%)conhece sistemas agroflorestais, enquanto queum contingente maior (80%) utilizaria,potencialmente, sistemas agroflorestais. Dentreas 26 espécies citadas como de potencialutilização, foram assinaladas espécies

adubadoras: ingá (Inga edulis); frutíferas: abiu(Pouteria caimito), açaí (Euterpe oleraceae),cupuaçu (Theobroma grandiflorum), pupunha(Bactris gasipaes) e taperebá (Spondiasmonbim); madeiráveis: acácia (Acácia mangium),andiroba (Carapa guianensis), angelim-ferro(Dinizia excelsa), angelim-pedra (Hymenolobiumpetraeum), cedro-amargo (Cedrella odorata),cedro-doce (Bombacopsis quinata), copaíba(Copaifera sp.), eucalipto (Eucalyptusurograndis), ipê (Tabebuia sp.), ipê amarelo(Tabebuia chysotricha), maçaranduba (Manilkarasp.), mogno (Switenia macrophylla), paricá(Schizolobium amazonicum), peroba(Aspidosperma tomentotosum), pinho (Pinuscaribea), tatajuba (Bagassa guainenesis) e teca(Tectona grandis); além de outras espécies deuso tanto como frutífera, quanto madeirável:castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), piquiá(Cariocar brasiliensis). As espécies de maiorinteresse reportado pelos agricultores foram:cedro-doce (55%), eucalipto (40%), castanha-do-brasil (30%), acácia, angelim-ferro, copaíba(20%), andiroba, angelim-pedra, cupuaçu etatajuba (15%).

Palavras-chave: Sistemas agroflorestais.Percepção de agricultores. Estado de Roraima.

271Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007.

O IEPA produz fitoterápicos baseado nouso tradicional de espécies vegetais dabiodiversidade regional. Dentre essesfitoterápicos encontram-se os provenientes daespécie Bauhinia variegata (pata-de-vaca),usados como auxiliar no tratamento do Diabetesmellitus II. Diante do amplo consumo destes eda falta de padrões para o controle de qualidadehouve a necessidade de se estudarfitoquimicamente esta espécie. Foram usadasfolhas secas, o pó das cápsulas e a tintura paraa produção dos extratos, os quais foramsubmetidos a processos de eliminação declorofila, e fracionados em cromatologia líquido-líquido com hexano e CHCI3, respectivamente.Amostras dos extratos foram analisadas atravésde screening fitoquímico e as fases hexânicas eclorofórmicas em CCDA para comparação desuas composições químicas. Foi obtido umextrato clorofórmico que foi submetido aprocessos cromatográficos (C.C., CCDA e CCDP)para isolamentos de constituintes químicos.Também se realizaram ensaios comparando osmétodos de extração (soxhlet e maceração) coma relação droga/solvente (0,5:10; 1,0:10 e1,5:10) e com sistema de solventes usado [EtOH96%; EtOH 70% e EtOH 50%, através da medidade teor de resíduo seco. O método de escolhapara a eliminação de clorofila foi o queressuspende o extrato bruto em MeOH/H2O (6:4)e filtra em celite, este apresentou

reprodutibilidade e fácil execução. O screeningfitoquímico das diferentes formulações (extratosdas folhas, cápsula e tintura) deu positivo paraalcalóides, flavonóides, esteróides livres, taninos,xantonas e saponinas. Os perfis cromatográficos(CCDA) das fases hexânica e clorofórmica dastrês formulações (extrato, tintura e cápsula),analisadas através da escolha de marcadoresquímicos e revelados por meio de lâmpada UV254 e 360nm e reveladores universais comoH2S04 e iodo, manteve-se constante.Comparação dos métodos de extração(maceração x soxlet) com o solvente usado: namaceração foram iguais para os solventes EtOH70% e EtOH 50%, com um rendimento de0,98% m/m. Já a extração em soxhlet o melhorsolvente foi EtOH 70%, com rendimento de1,17% m/m. Comparou-se a extração emsoxhlet e a maceração com as proporções droga/solvente (0,5:10; 1,0: 10 e 1,5:10), usandosistema de solvente fixo (Soxhlet-EtOH emaceração – EtOH 50%). Na maceração amelhor relação droga/solvente foi de 1,5:10,com rendimento de 2,29% m/m. Foi possívelisolar dois constituintes químicos do extratoclorofórmio. Concluiu-se que os resultados deanálise usados demonstraram eficiência paraaplicação ao CQ de fitoterápicos; as preparações(extrato, tintura e cápsulas) apresentaramcomposição química semelhantes; para osmétodos de extração a maceração apresentou

INSTITUTO DE PESQUISAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DO ESTADO DO AMAPÁ. Projeto estudofitoquímico dos fitoterápicos de Bauhinia variegata (Leguminosae): Uma das espéciesutilizadas na produção de fitoterápicos do IEPA: Relatório final. Macapá, 2005.

INSTITUIÇÃO: Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá

PESQUISADORES: Fernando Antônio de Medeiros (Coord.)

APOIO: Banco da Amazônia

RESUMO

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 272

melhor rendimento usando EtOH 50% e umarelação droga/solvente de 1,5:10. ao passo quea extração em soxhlet o melhor solvente foiEtOH 70% e a relação droga/solvente de 1,0:10.Ainda não foi possível identificar os

constituintes químicos já isolados do extratoclorofórmico.

Palavras-chave: Fitoterápicos. Bauhiniavariegata. Estado do Amapá.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 3, n. 5, jul./dez. 2007. 273

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AMAZÔNIA: Ciência & Desenvolvimento é uma publicação semestral destinada à divulgação de trabalhosde cunho técnico-científico, resultantes de estudos e pesquisas que contribuam para a constituição de umabase de informação sobre a Região. Objetiva divulgar trabalhos originais com destaque para o temadesenvolvimento sustentável tendo como editor o Banco da Amazônia.

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4.1 Editorial - texto onde o editor ou redator apresenta o conteúdo do fascículo e outras informações.

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4.3 Notas Técnicas - resumos de trabalhos apresentados em eventos técnicos científicos.

4.4 Relatório de Pesquisa - resumos dos mais expressivos relatórios das pesquisas financiadas pelo Banco daAmazônia.

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