Revista Cores Da Vida Vol. 3

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    1/72

    1

    Ano 2 - Volume 3 - Nmero 3 - Julho Dezembro - 2006

    Revista Cientfica de Arteterapia Cores da VidaISSN: 1809-2934Disponvel em: http://www.brasilcentralArteterapia.org

    - Associao Brasil Central de Arteterapia -

    SUMRIO

    EDITORIALFlora Elisa de Carvalho Fussi (GO) 03

    ARTIGO ESPECIAL..1 - O polimorfismo da arte de sonhar ser 05

    Ruy Lus Gonalves de Carvalho (Portugal)

    ARTIGOS ORIGINAIS..2 - A caixa de Pandora no sculo XXI - Arte, cincia e terapia 18Ana Alice Francisquetti (SP)

    3 - Sentindo o corpo: reflexes e dificuldades na utilizao da dana do ventre no contextoda violncia familiar 26

    Elisa Corbett & Mara Bonaf Sei (SP)

    4 - Florescer o feminino consciente: uma experincia de Arteterapia com um grupo demulheres universitrias 32

    Luana M. Wedekin (SC)

    RELATO DE CASO/EXPERINCIA.....5 - Experienciaes sonoro-imagticas e clnica contempornea 39

    Sandro Jos da Silva Leite & Lilian Monaro Engelman Coelho (SP)

    6 - Los espacios de expresin a travs del arte en centros educativos formales y no formales 45S. Alejandra Gonzlez Soca (Uruguai)

    7 - Costurando significaes. Oficina: vestindo a boneca 60Rosa Maria Coitinho (RS)

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    2/72

    2

    ARTIGO DE REVISO....8 - Arte e terapia: um olhar sobre a relao profissional-paciente 63Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco (GO)

    RESENHA

    9 - Arteterapia: semnticas y morfologas 69Alejandro Reisin (Argentina)

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    3/72

    3

    EDITORIAL

    Estamos lanando com muito carinho esta 3 edio da Revista Cientfica Arteterapia Cores na Sade,mostrando a diversidade dos trabalhos intercontinentais, unindo a cincia linguagem potica da arte.

    O transitar pelas experincias sonoro-magnticas, possibilita rupturas ou encontros ao levar a arte

    contempornea clinica. Junto dana o atendimento perpassa a violncia familiar, permitindo, percepes queaprofundam o prprio ser. Ou ressaltam a criatividade estimulada nas dinmicas cotidianas, fortalecendo aconstruo desse conhecimento.

    As histrias pessoais mostram as marcas deixadas no corpo, que originam a busca do florescer feminino,transformando positivamente a vida de mulheres universitrias. Mudanas que ocorrem tambm no mbitocoletivo do desenvolvimento, mostrando a busca da identidade tcnica e prpria encontrada pela SociedadePortuguesa de Arteterapia.

    Enfim, a diversidade apresentada na arte, reflete e nos faz refletir sobre as transformaes poltico-sociais, arelao cientfica e teraputica.

    Percebo o cuidado que todos trouxeram em suas condutas com o cliente, para que estes sejam osprotagonistas de suas histrias e possam criar para elas novas possibilidades.

    Prof Flora Elisa de Carvalho FussiMembro do Conselho Editorial da Revista Cientfica Arteterapia Cores da Vida

    A possibilidade de trafegar entre as linguagens artsticas, despertando encontros e promovendo enlaces ourupturas, age exatamente em consonncia com o intuito de explorar esse universo em potncia, enriquecendo acondio humana e dando vazo profuso de estmulos que esto disponveis a todos.

    We are launching with much affection this 3 edition of the Scientific Magazine Art therapy Colors in Health,showing the diversity of the intercontinental works, joining science to the poetical language of the art.

    The transiting for the sonorous-magnetic experiences makes possible ruptures or meetings when leading theart contemporary to the clinic. With the dance the attendance passes the familiar violence, allowing, perceptionsthat deepen the proper being. Or they stand out the creativity stimulated in the daily dynamic, fortifying theconstruction of this knowledge.

    The personal histories show the marks left in the body, which originate the search of feminine blossoming,transforming positively the life of university women. Changes that also occur in the collective scope of thedevelopment, showing the personal and technical search of the identity found by the Portuguese Society of Arttherapy.

    At last, the diversity presented in art, reflects and makes us reflect on the politic social transformations, thescientific and therapy relation.

    I perceive the care that all had brought in their behaviors with the client, so that these are the protagonists oftheir histories and can create new possibilities.

    Prof Flora Elisa de Carvalho FussiMembers of Editorial of the Scientific Magazine Arteterapia Cores of the Life

    The possibility to pass through the artistic languages, awaking meetings and promoting enlaces or ruptures,

    accurately acts in accord with intention to explore this universe in power, enriching the human being condition andgiving solution to the profusion of stimulations that are available to all.

    Estamos lanzando con mucho cario esta 3rd edicin de la Revista Cientfica de Arteterapia Colores de laSalud, mostrando la diversidad de los trabajos intercontinentales, uniendo la ciencia al lenguaje potico del arte.

    El transitar de las experiencias sonoro-magnticas, posibilita rupturas o los encuentros cuando lleva el artecontempornea a la clnica. Junto a la danza el servicio traspone la violencia de la familia, permitiendo, las

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    4/72

    4

    impresiones que hacen ms profundas la esencia propia del ser. O enfatizan la creatividad estimulada en lasdinmicas diarias, reforzando la construccin de eses conocimientos.

    Las historias personales indican las marcas dejadas en el cuerpo, que originan la bsqueda del florecerfemenino, transformando positivamente la vida de las mujeres acadmicas. Los cambios que tambin ocurren enla extensin colectiva del desarrollo, mostrando la bsqueda de la identidad tcnica y propia encontrada por laSociedad Portuguesa de Arteterapia.

    Definitivamente, la diversidad constituida en el arte, refleje y nos hacen reflejar sobre los cambios poltico-

    sociales, la relacin cientfica y teraputica.Noto el cuidado que todos trajeron en sus conductas con el paciente, para que stos sean los protagonistasde sus historias y puedan crear para ellas nuevas posibilidades.

    Prof Flora Elisa de Carvalho FussiMiembro del Consejo Editorial de la Revista Cientfica Arteterapia Colores de la Vida

    La posibilidad de moverse entre los lenguajes artsticos, despertando los encuentros y promoviendo enlaces orupturas, acta exactamente de acuerdo con la intencin de explorar ese universo en la potencia, enriqueciendo lacondicin humana y dando el caudal a la profusin de incentivos que estn disponibles para todos.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    5/72

    5

    ARTIGO ESPECIAL

    1 - O POLIMORFISMO DA ARTE DE SONHAR SER1

    Ruy Lus Gonalves de Carvalho

    2

    Resumo:Baseando-se na sua formao em Arte-Psicoterapia e na sua experincia clnica de Arteterapia e Arte-Psicoterapia de cerca de uma dcada, o autor pretende com este artigo fazer uma introduo ao que designou deModelo Polimrfico de Arteterapia. Tendo em conta os diferentes settingsde interveno da prtica clnica doautor, este desenvolveu uma abordagem de Arteterapia que compreende quatro modos de interveno:Arteterapia Vivencial, Arteterapia Psico-Educacional, Arte-Psicoterapia Integrativa e Arte-Psicoterapia Analtica. Apartir das formulaes de Joy Schaverian, relativamente aos parmetros de base da relao arte-teraputica/psicoterapeutica, o autor especifica-os para cada um dos modos do Modelo Polimrfico, bem comoparticulariza as suas aplicaes. Numa reflexo mais alargada construda uma grelha para se encaixarem asintervenes de Arteterapia e Arte-Psicoterapia, com designaes muito diversas, que por vezes dificultam aidentidade da Arteterapia. O artigo terminado com referncia s linhas gerais de orientao que forneceram umaidentidade tcnica prpria Sociedade Portuguesa de Arteterapia.Palavras-chave: Modelo Polimrfico; Arteterapia; Arte-Psicoterapia.

    The polymorfhism of the dreaming to be art

    Abstract: The author intends to introduce through this paper what he defined as the Polymorphic Model in Art-Therapy, based on his training in Art-Psychotherapy and on his clinical experience of nearly a decade. Bearing inmind the authors different work settings within his practice, he developed an approach in Art Therapycomprehending four modes of intervention: Experiential Art-Therapy, Psycho-Educational Art-Therapy, IntegrativeArt-Psychotherapy and Analytic Art-Psychotherapy. The author takes up Joy Schaverians formulations on thebasic parameters of the art therapy/psychotherapy relationship, and specifies them for each mode of thePolymorphic Model, as well as distinguishes their applications. In a more broader analysis, a grid is built in order tointegrate Art-Therapy and Art Psychotherapy interventions, which have various designations compromising theidentity of Art Therapy itself. The article concludes with a reference to the general guidelines which provided aproper technical identity to the Portuguese Art-Therapy Society.

    Key words: Polishedmrfico model; Art therapy; Art-psychotherapy.

    El polimorfismo de la arte de soar ser

    Resumen: Con base en su formacin en Arte-Psicoterapia y en su experiencia de casi una dcada, el autorintenta con ste texto hacer una introduccin a lo que design Modelo Polimorfo de Arteterapia. Atendiendo a losdiferentes settingsde intervencin de la prctica clnica del autor, este desarroll un abordaje de Arteterapia quecontiene cuatro modos de intervencin: Arteterapia Experimental, Arteterapia Psico-Educacional, Arte-PsicoterapiaIntegrativa y Arte-Psicoterapia Analtica. A partir de las formulaciones de Joy Schaverian, relativas a losparmetros de base de la relacin arteteraputica/psicoteraputica, el autor los especifica para cada uno de losmodelos del Modelo Polimorfo, as como particulariza sus aplicaciones. En una reflexin ms profunda construyeredes para encajar las intervenciones de Arteterapia e Arte-Psicoterapia, con designaciones muy diversas, que aveces dificultan la identidad del Arteterapia. El texto termina con mencin a las lneas generales de orientacin que

    dan una identidad tcnica peculiar a la Sociedad Portuguesa de Arteterapia.Palabras clave: Modelo Polimrfico; Arteterapia; Arte-psicoterapa.

    1Baseado na comunicao apresentada no II Congresso Nacional de Arteterapia da Sociedade. Portuguesa de

    Arteterapia, 2001.2Formao: Licenciatura em Medicina, internato de Psiquiatria, formao em Arteterapia Integrativa no IATE Londres. Titulao: Mdico, Arte-Psicoterapeuta, Fundador e Membro Didacta da Sociedade Portuguesa deArteterapia (SPAT). Local de trabalho: SPAT. Endereo: Campo Grande, n 30 10 C 1700-093 Lisboa -Portugal. Email: [email protected]

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    6/72

    6

    Numa comunicao, apresentada no I Congresso Nacional de Arteterapia, da Sociedade Portuguesa deArteterapia, em Dezembro de 2000, expus o essencial da minha perspectiva da Arte de Sonhar Ser.Recentemente descobri um texto, em prosa potica, de Bernardo Soares (pseudnimo de Fernando Pessoa), doLivro do Desassossego. O pequeno excerto define, melhor do que eu o poderia fazer, tal Arte:

    Tenho mais pena dos que sonham o provvel, o legtimo e o prximo, do que dos que devaneiam sobre o

    longnquo e o estranho. Os que sonham grandemente ou so doidos e acreditam no que sonham e so felizes, ouso devaneadores simples, para quem o devaneio uma msica da alma, que os embala sem lhes dizer nada.Mas o que sonha o possvel tem a possibilidade real da verdadeira desiluso... O sonho que nos promete oimpossvel j nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possvel intromete-se com a prpria vida edelega nela a sua soluo. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingncias do queacontece... Durmo quando sonho o que no h, vou despertar quando sonho o que pode haver.

    No pretendo debruar-me neste artigo sobre o potico dessa ideia da Arte de Sonhar Ser. , antes, meuintuito reflectir sobre os aspectos inerentes concepo daquela Arte. Todo o artista tem de ser tambm umarteso, algum que domina um conjunto de tcnicas ou competncias que lhe possibilitam criar (embora isto sejaacessrio no processo de Arte-Psicoterapia). Assim toda a Arte implica o recurso a artifcios. O Arte-Psicoterapeuta para que possibilite ao paciente aceder Arte de Sonhar Ser, ter tambm de estar habilitado comum conjunto de conhecimentos tericos e tcnicos que forneam suporte ao sujeito visado. sobre esteenquadramento terico-tcnico que eu me debruo agora.

    Aparentemente o termo Arteterapia ter sido cunhado pelo artista britnico Adrian Hill, na dcada de 1940,aquando de publicao do seu livro Art versus Illness. Este seu trabalho secundado por vrios outros na dcadade 40, dando diferentes nfases ao efeito teraputico da criao de arte (a arte como terapia, na perspectiva deEdith Kramer, U.S.A.) ou as potencialidades diagnsticas e interpretativas do objecto da arte (a psicoterapiaatravs da arte, desenvolvida por Margaret Naumburg, U.S.A.). J desde o incio do sculo XX vinha a ser dadaateno, por parte de psiquiatras, psiclogos e artistas, s criaes artsticas de doentes mentais, em vriospases, de que resultaram, por exemplo, os movimentos de Arte Bruta ou Arte Crua, de Dubuffet, em Frana, ascoleces de Prinzhorn em Heidelberg, bem como as exposies e a coleco do Museu do Inconsciente de Niseda Silveira, no Brasil.

    As primeiras intervenes de Arteterapia efectuadas por artistas em Hospitais Psiquitricos, deram origem auma abordagem particular arte-teraputica que se mantm at aos nossos dias. A nfase era colocada na criaoartstica livre em ateliers de artes plsticas, funcionando em regime aberto nas instituies. Excepo foi ainterveno de Margaret Naumburg e seus seguidores. O trabalho daquela era sustentado pela teoria e prticapsicanaltica, encorajando o desenho espontneo e as associaes livres.

    Constatamos pois que praticamente desde o seu incio surgem duas perspectivas diferentes em Arteterapia.

    Ao longo do sc. XX vo sendo desenvolvidos vrios outros modelos de interveno, relacionados com aformao artstica ou psicoteraputica prvia dos seus percursores, com os contextos e populaes alvo nos quaisintervinham. Assim surgiram vrias designaes, entre as quais realo:

    Arteterapia Expressiva (ligada Terapia Centrada no Cliente de Carl Rogers); Arte-Psicoterapia Integrativa (ligada Gestalterapia e Anlise Transacional); Terapia ou Psicoterapia Mediada (na acepo de Jean Luc Sudres, pressupe-se pela arte,

    centrada na criao); Terapia ou Psicoterapia Criativa (tambm focalizada nos efeitos inerentes ao processo de criao

    artstica); Arte-Psicoterapia (colocando a nfase nos fenmenos ocorridos a partir da criao artstica e

    iluminados na relao sujeito-terapeuta); Psicoterapia de Mediao Criativa (em que o papel de artista fornecido ao paciente lhe possibilita

    adquirir uma funo social).

    Muitas outras designaes tm sido propostas, em torno da polmica denominao de Arteterapia. Omitipor exemplo vrias formas de interveno grupal.

    No meu propsito desenvolver estas abordagens, portanto no me alongo a enunciar todas asperspectivas e seus fundamentos. apenas relevante ressalvar que existe hoje uma multiplicidade deintervenes e perspectivas tcnicas em Arteterapia, aplicadas a contextos prprios, e implicando uma posturatcnica particular, por parte dos Arteterapeutas. Tal no significa que umas sejam melhores que as outras, apesarde por vezes haver grande criticismo entre os defensores de perspectivas diferentes. Antes pelo contrrio parece-me que tal contribui muito para o enriquecimento e validao da Arteterapia, j que tal diversidade possibilitou aamplitude actual de aplicaes da Arteterapia. Assim, a Arteterapia no uma interveno esttica, algo emmudana, em transformao.

    A evoluo da minha prtica como arte-psicoterapeuta exemplo dessa diversidade de perspectivas eintervenes. Comecei h mais de 15 anos, confrontado com as produes artsticas trazidas pelos meus

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    7/72

    7

    pacientes, ou pelo pedido de recorrerem expresso artstica, em sesses de psicoterapia de inspirao analtica,verbal (j que a minha formao prvia era psiquitrica e grupanaltica).

    Procurava, ento, integrar nas sesses o que era trazido ou produzido pelos pacientes mantendo noentanto uma postura analtica, ou seja interpretativa. As dificuldades e os desafios sentidos constituram motorpara procurar aprofundar os meus conhecimentos nesta rea. No encontrando referncias, nem qualquerpossibilidade de formao em Portugal, na altura, foi em Inglaterra juntamente com a minha colega Dra. HelenaCorreia que me foi possvel desenvolver os conhecimentos sobre Arteterapia. O modelo em que ento fiz

    formao designa-se por Arte-Psicoterapia Integrativa. uma abordagem de desenvolvimento relativamenterecente, inovadora por integrar as diferentes formas de arte em Psicoterapia.Tendo entretanto iniciado grupos de Arteterapia no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, com pacientes

    psicticos de evoluo prolongada, verifiquei que o modelo integrativo era de difcil aplicao a esta populao, jque exigia uma capacidade de execuo, cognitiva, de simbolizao e de identificao dos afectos, que ospacientes no possuam. Tais factores, foram identificados por mim, como as causas de no aderncia ao modode intervir integrativo. Alm disso sendo uma abordagem facilmente catrtica, pareceu-me pouco indicada, epotencialmente desestruturante, para pacientes com um eu frgil. A partir da investigao de literatura sobreArteterapia com doentes psicticos, optei pela constituio de grupos abertos lentos, de expresso livre pelasartes plsticas, ou seja, grupos vivenciais. Num contexto de atelier de artes plsticas (em que procurmostransformar uma pequena sala, com poucas condies), uma mesa grande, em cima da qual estavam os materiais(folhas de papel, lpis de vrios tipos, tintas, pincis, barro, etc.), servia de local de reunio, com os pacientessentados em volta. Eram livres para comear a criar logo que o entendessem. O terapeuta circulava pela sala,disponvel para atender a necessidades dos pacientes, intervindo como moderador de conflitos. Quando todosacabavam de criar, partilhavam entre si os trabalhos, dialogando acerca das criaes, ponto de partida para oaflorar de outras temticas. As comunicaes dos pacientes eram sustentadas por uma atitude emptica doterapeuta. Oferecia tambm novas perspectivas atravs de reformulaes e questes colocadas aos membros dogrupo e incentivava dilogos significativos entre eles. A preocupao central era fornecer um contexto maishumanizado de relao, onde as angstias e carncias bsicas de afecto pudessem ser catalizadas. Apesar deser uma interveno essencialmente no directiva, o terapeuta podia tambm oferecer regularmente contos defada ou outras histrias ao grupo, a partir das quais os pacientes criavam. Tal possibilitava a introduo dumaespcie de jogo criativo, atravs dos materiais artsticos, estruturando dinmicas de caos, prprias de grupos compsicticos e assim favorecendo a coeso grupal, j que todo o grupo focalizava a sua ateno num determinadoobjectivo. Habitualmente no final havia um pequeno lanche, que possibilitava um convvio relaxado entre ospacientes. Esta abordagem possibilitou a aderncia dos pacientes, alguns dos quais ao fim de quatro anoscontinuavam a frequentar os grupos. Sem grandes intuitos psicoterapeuticos, verificou-se melhoria das relaesinterpessoais, a aquisio de smbolos mais diferenciados, reflectido na capacidade de comunicao dospacientes, um maior sentido de autonomia por parte de alguns desses pacientes e o desenvolvimento decompetncias sociais, tornando possvel a sua integrao em programas de reinsero social, bem como uma

    menor reincidncia de surtos psicticos. Nesta interveno hospitalar fui secundado por Helena Correia, SusanaCatarino, Cristina Cruz, Daniela Martins e Joo Bucho, que deram continuidade e consolidaram o trabalho por mimdesenvolvido.

    Ainda durante a formao em Londres, contactei com Gerry McNeilly, um grupanalista e arteterapeutasenior, percursor do modelo da Arteterapia Grupanaltica. Mais tarde convidmo-lo para vir a Portugal orientar oI Curso de Arteterapia Grupanaltica, da Sociedade Portuguesa de Arteterapia. A perspectiva de Gerry McNeilly foiessencial na minha prtica de Arte-Psicoterapia com grupos. Em 1984, com o seu artigo Directive and Non-Directive Aproaches in Art-Therapy, McNeilly lanou as bases da Arteterapia Grupanaltica. Esta abordagemcombinava as teorias de Foulks e Bion aplicadas a grupos de Arteterapia. A abordagem psicodinmica,favorecendo a totalidade da experincia grupal (McNeilly, 1987). No artigo referido demarcou duas formasespecficas da interveno grupal em Arteterapia, com desenvolvimentos prprios em Inglaterra: a abordagemdirectiva ou temtica e a no directiva ou no temtica (ou seja grupanaltica). Os grupos temticos de Arteterapiaso ento contestados por Gerry McNeilly, que considera que a escolha de um tema pode ser devido s prpriasnecessidades do arteterapeuta e no dirigidas s dos clientes. Por outro lado ao no permitir que o grupo sentisse

    a ansiedade inerente ao livre arbtrio, o terapeuta ser tendencialmente sentido como gentil, nutridor e cuidador,surgindo assim um obstculo livre expresso da agressividade no grupo e para com o terapeuta. Por outro ladoao desenvolverem-se posturas de submisso e agrado para com o terapeuta, refora-se a dependncia, e o grupoesperar ser nutrido com o tema. O tema poder, pelo contrrio, expor o sujeito emergncia abrupta edescontextualizada de afectos intensos, os quais seriam difceis de entender e conter, quer pelo grupo, quer peloterapeuta. Os grupos de Gerry McNeilly renem-se uma a duas vezes por semana, durante cerca de 90 minutos.A sesso inicia-se com a criao artstica, aps o que a dinmica grupal evolui pela verbalizao. A funo doterapeuta interpretar, se possvel dirigindo as interpretaes a todo o grupo. As imagens criadas no soexploradas pelo terapeuta, permanecendo no fundo, enquanto a comunicao verbal constituir a figura.

    Posteriormente minha interveno grupal de Arteterapia com pacientes psicticos no Hospital Psiquitrico,iniciei grupos em contexto privado. No modelo de Arte-Psicoterapia Analtica Grupal, a que dei cunho pessoal, osgrupos renem-se uma vez por semana durante trs horas, sendo constitudos por 7 a 9 membros. Tendo em

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    8/72

    8

    conta as particularidades do modelo portugus de Grupanlise, delineado por Eduardo Corteso, nomeadamenteos conceitos de padro e os nveis mutveis de interpretao, introduzi algumas alteraes na estrutura dosgrupos, relativamente ao preconizado por Gerry McNeilly. Numa fase inicial a comunicao verbal evolui, de formaa que a matriz grupal seja activada, e permitindo focalizar a comunicao em temticas profundas e ricas deafecto. A interpretao de criatividade formulada ao ser sugerido a passagem fase da criao artstica. Apsterem sido terminados os trabalhos de arte, o grupo volta a sentar-se em crculo. As imagens servem ento deponto de partida para a comunicao verbal, facilitando a compreenso das transferncias transmediador e

    colaterais, o esclarecimento das identificaes projectivas e o revivenciar de relaes objectais regressivas, que oimpacto das diferentes imagens desencadeiam nos membros do grupo. No sentido de manter o foco dacomunicao na anlise, adopto uma postura interactiva com os membros do grupo, veiculando o padro atravsde questes, reformulaes, referncias interpretativas e interpretaes.

    Paralelamente ao desenvolvimento do meu trabalho clnico com Arteterapia, contribu para a fundao daSociedade Portuguesa de Arteterapia, oficialmente criada em 1997. Um dos objectivos da Sociedade foi iniciar otreino de Arte-Psicoterapeutas. A exemplo da formao que frequentei em Inglaterra, essencialmente vivencial,criei para os formandos grupos designados de psico-educacionais, os quais possibilitam a apreenso das tcnicasde Arteterapia, atravs de temas a explorar pelo grupo. Desenvolvi para estes grupos um projecto que possibilita asensibilizao para com as potencialidades teraputicas das artes, o desenvolvimento do perfil de Arteterapeuta, eda criatividade dos formandos, bem como a explorao da conscincia de si mesmos atravs das artes.Centrados na criao artstica verificou-se que tais grupos ganhavam cunho teraputico, ao fornecerem umaoportunidade para o contacto com a realidade interna, expressa atravs dos objectos da arte. A experinciaadquirida e os resultados obtidos neste tipo de grupos, bem como em workshops temticos, permitiram-meobjectivar as potencialidades psico-educacionais da Arteterapia. Existe uma longa tradio de intervenestemticas grupais em Arteterapia. Neste tipo de abordagem o terapeuta estabelece um projecto de trabalho, emfuno da populao, escolhendo temas que fornece ao grupo, como ponto de partida para a criao artstica.Vrios centros de formao de Arteterapia e muitos formadores (Diane Waller, 1993, Group Interactive ArtTherapy) recorreram a este mtodo directivo como forma de possibilitar aos alunos, atravs da vivncia criativa, aapreenso dos temas tericos. Numa variante semi-directiva deste mtodo, o Arteterapeuta recorre imaginaoguiada, ou a histrias, a partir das quais os pacientes ou formandos elegem um tema a explorar. Propus designaresta forma de interveno como Arteterapia Psico-Educacional. A relao teraputica ou pedaggica focalizadano processo de criao e no trabalho de arte, favorecendo a obteno de conhecimento e providenciandoexperincias correctivas, tornado possvel a aquisio de novas estratgias de adaptao realidade, ou areformulao de padres de mal adaptao, como por exemplo, padres de relacionamento interpessoais. Ainteractividade grupal favorece a aprendizagem conjunta.

    Aps a admisso da Sociedade Portuguesa de Arteterapia como Membro da Sociedade Internacional dePsicopatologia da Expresso e Arteterapia (S.I.P.E.A.T.) convidmos para um seminrio em Lisboa, o Dr. RenPandelon, secretrio das Relaes Exteriores daquela Sociedade, psiquiatra, psicanalista lacaniano e Director do

    Espao de Criao Intersectorial do Centro Hospitalar de Monfavet (Avignon, Frana). Aqui funcionam vriosateliers de Psicoterapia de Mediao Criativa (pintura, teatro, escrita, fotografia, canto e costura). Os ateliersdestinam-se principalmente a pacientes psicticos, internados ou em ambulatrio e so co-animados por umaequipa composta por tcnicos de sade mental e artistas. Considerando que o psictico se situa fora do Discurso(da ordem da forcluso do significante do Nome do Pai, na terminologia de Lacan), ser necessrio criar umasoluo para lhe fornecer uma ligao social que sustente a sua existncia. A obra de arte suprir o Significante(ausente pela forcluso), tanto ao nvel do imaginrio (fornecendo assim um suporte de identificao imaginria,ou objecto calmante da falha), quer ao nvel simblico (pela lgica do seu processo), mas sobretudo constitui umsuprimento real reinscrevendo o psictico num banho de linguagem e num circuito de trocas (Ren Pandelon,2001). Assim o paciente psictico investido como artista, papel que lhe permite ocupar um lugar na sociedade.As criaes realizadas neste contexto so expostas em galerias de arte, com possibilidade de serem vendidas. Aeste tipo de interveno atribu a designao de Arteterapia Vivencial, Artstica.

    O ecletismo da minha formao, prtica clnica e experincia pedaggica em Arteterapia serviu de fundopara a criao do que designei por Modelo Polimrfico de Arteterapia.3 (Quadro 1)

    Num livro lanado em 2000 por Andrea Gilroy e Gerry McNeilly, intitulado The changing shape of ArtTherapy, encontrei o artigo de Joy Schaverien The Triangular Relationship and Aesthetic Contertransference. Esta uma analista junguiana e Arte-Psicoterapeuta. Doutorada, Professora Associada da Universidade da Sheffield,entre outros cargos. Com uma longa experincia clnica em Arteterapia e em Anlise Psicolgica, publicou vrios

    3Desta forma, e como se ver mais frente, so possveis quatro modos principais de Arteterapia e catorze combinaes

    possveis de interveno, ou seja, aplicaes da tcnica, adaptveis a contextos prprios e a populaes-alvo especficas. Tal

    exigir do arte-psicoterapueta uma formao terico-clnica ecltica e uma prtica clnica diversificada, que lhe possibilitem a

    adopo de posturas tcnicas prprias (catalizadora, orientadora, facilitadora, condutora ou analtica, entre outras) a cada modo

    de intervir.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    9/72

    9

    artigos sobre Arteterapia em livros, na dcada de 90. No trabalho editado, ela procura sistematizar as intervenesem Arteterapia, que distingue em trs categorias diferentes:

    1 Arteterapia2 Arte-Psicoterapia3 Arte-Psicoterapia Analtica

    Esta sua categorizao vai de encontro desenvolvida por mim no incio da constituio da SociedadePortuguesa de Arteterapia. S recentemente inclu a categoria de Arteterapia Psico-Educacional, a qual me

    parece no ser contemplada por Schaverian, dado que ela apenas se debrua sobre as intervenes individuaisem Arteterapia, em que a relao teraputica se organiza a partir do triangulo cliente pintura terapeuta, nocontemplando as intervenes grupais (fig. 1).

    Recorrendo teoria da Gestalt, Schaverian usa o conceito de figura-fundo para definir diferentes arranjosdaquele tringulo nas perspectivas distinguidas.

    Considerando os componentes da relao teraputica teorizados por Greenson (1967), acrescenta o quedesignou por transferncia de bode expiatrio (scapegoat), preferindo eu a designao de transferncia trans-mediador.

    Assim temos: a relao real (pessoa a pessoa), a aliana teraputica; a transferncia / contratransferncia, a transferncia transmediador

    Estes aspectos da relao teraputica tm caractersticas prprias em cada uma das trs categorias de

    Arteterapia/Psicoterapia identificadas por Schaverian (Fig. 2).Relativamente Arteterapia (a que acrescentei vivencial e psico-educacional), o processo de criao e oobjecto de arte ocupam o lugar de figura (fig. 3 e 4), onde se focalizara a interveno. A relao teraputicaconstitui o fundo que suporta o processo teraputico. O terapeuta ter um papel secundrio, ser como que umatestemunha (Learmonth, 1994). Assim a principal caracterstica da Arteterapia (Vivencial) o comprometimentono verbal do cliente com a pintura... Esta oferece um meio atravs do qual o espao entre o mundo interno e oexterno pode ser mediado (Schaverian, 2000). Tal imprimir mudanas no modo como o paciente se v erelaciona consigo prprio (com o seu self), ou seja possibilita alterar o sentido de si atravs do processo criativo eda observao da imagem. Se bem que o psicoterapeuta possa estar habilitado a entender analiticamente osfenmenos ocorridos neste contexto, nomeadamente a transferncia e o aflorar de elementos inconscientes,manter uma postura no interpretativa (pelo menos directa). Os aspectos principais da relao teraputica postosem jogo sero a relao real (pessoa a pessoa), a aliana teraputica e, no meu entender secundariamente, atransferncia transmediador (fig. 2). Esta forma de interveno tem as suas razes na prtica dos pioneiros daArteterapia, muitos dos quais consideravam que a arte continha em si um potencial curativo.

    Para Schaverian na Arte-Psicoterapia (fig. 2) a relao real, a aliana teraputica e a transferncia so osvrtices da interveno, mas as pinturas raramente so incorporadas na transferncia. Aqui a relao teraputicaseria a figura e a pintura (criao) o fundo (fig. 5)... As pinturas ilustram a relao teraputica ou recontam algunsaspectos da histria. Podem at registar a transferncia de algum modo, mas so essencialmente uminconveniente para uma transferncia pessoa a pessoa mais intensa e para o relacionamento contratransferencial(Schaverian, 2000). Esta abordagem implica um contexto de interveno bem estruturado, como em qualquerinterveno de inspirao analtica com limites bem definidos como regularidade semanal, local de encontro,horrio, tempo limite das sesses e outros aspectos do contrato teraputico. O processo de criao artstica temum lugar secundrio. Os fenmenos transferenciais para com o terapeuta tornam-se dominantes, enquanto ascriaes tm um valor ilustrativo. Nesta perspectiva o cateto cliente-terapeuta, da relao triangular, predominante. O psicoterapeuta interpreta, acerca do impacto das pinturas, na relao cliente-terapeuta, combase no enquadramento fornecido pelas teorias psicanalticas, em particular as teorias das relaes objectais. Aspinturas so objectivadas como expressando elementos de comportamento regressivos, o que reduz o impactodas imagens. Assim os processos no verbais, relacionados com as criaes so minimizados (Schaverian, 2000).Tal contrabalanado pela ateno acurada do psicoterapeuta em relao ao material inconsciente, que emergeduma forma mais espontnea pelas artes, posto ao servio do conhecimento e elaborao conscientes.

    Na conceitualizao de Schaverian no , no entanto, possvel estabelecer uma linha limite definida entre aArte-Psicoterapia e a Arte-Psicoterapia Analtica. Podem representar momentos intercambiados dum mesmoprocesso, dependendo do enfoque dado quer pelo cliente, quer pelo psicoterapeuta. Algo que poder distinguir ofacto de em Arte-Psicoterapia Analtica poder haver duas sesses semanais. Por exemplo, em Arte-PsicoterapiaAnaltica Grupal, quando o processo grupal analisado, as imagens fornecem o fundo. Noutras alturas o foco doolhar pode ser o indivduo no grupo ou ser dirigido para a imagem. No entanto, na abordagem de Gerry McNeilly,este no investiga activamente a natureza simblica profunda da imagem. Isto deve-se ao facto de os seus gruposterem durao de cerca de 90 minutos, no havendo muito tempo disponvel para tal, e assim por uma questo deeconomia de tempo, preciso que o arte-psicoterapeuta se focalize na anlise da dinmica grupal. No entanto,quando trabalhamos em grupos de 3 horas, como no modelo portugus, tal questo j se no coloca e a atenopode fluir entre os processos grupais, os indivduos e sua interaco com a criao. Dessa forma o tringulo

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    10/72

    10

    relacional amplamente activado (fig. 4). A pintura interrelaciona-se com a transferncia pessoa a pessoa e coma contratransferncia. Nem a figura nem o fundo so prioritrios; tm valor equivalente, criando e alterando o foco,integrando plenamente as pinturas na transferncia (Schaverian, 2000). O termo analtico desta interveno,pretende sinalizar que o objectivo da interveno tornar o inconsciente consciente, o que se obtm, quer atravsda interaco do sujeito-criador com o seu trabalho de arte, quer atravs dos restantes aspectos da relaoteraputica. A tenso originada a partir da activao plena do tringulo, colocar o trabalho de arte num lugarcentral e no contexto dos fenmenos transfernciais (nomeadamente da transferncia transmediador) e

    contratransfernciais. Atravs duma perspectiva intersubjectiva da contratransferncia, a imagem criada, j de simatria intersubjectiva por excelncia, ser plenamente integrada no contexto da relao teraputica.Em relao perspectiva intersubjectiva escreveu Stollorow em 1984: A anlise procura iluminar o

    fenmeno que emerge dentro de um campo psicolgico especfico pela interseco de duas subjectividades ado paciente e a do analista ... A anlise ilustrada aqui como uma cincia do intersubjectivo, focando-se na inter-relao dos dois mundos subjectivos, diferentemente organizados, do observador e do observado. A posioobservadora sempre de dentro, mais que exterior, do campo inter-subjectivo... a ser observado, facto quegarante a introspeco e a empatia como mtodos de observao...Paciente e analista juntos formam um sistemapsicolgico indissolvel, e este sistema que constitui o domnio da investigao analtica. Dentro destaperspectiva poder-se- dizer sobre a Arte-Psicoterapia Analtica que o indivduo criador, o objecto de arte e opsicoterapeuta constituem um sistema psicolgico global, dando lugar, para alm das caractersticas da relaoteraputica referidas anteriormente (fig. 2), emergncia e utilizao teraputica, do que Schaverian designou porcontratransferncia esttica. Esta resulta do impacto causado no Arte-Psicoterapeuta pela imagem, ao incorporare veicular uma mensagem sinttica e ambgua, no centro do tringulo teraputico.

    Voltando classificao proposta por mim para o Modelo Polimrfico de Arteterapia (Quadros 2, 3, 4 e 5)verificamos que existem dois modos principais de interveno:

    Arteterapia Arte-Psicoterapia

    O primeiro adequa-se particularmente prtica institucional de Arteterapia. Necessita o Arteterapeuta decompetncias tericas de cariz psicodinmico, menos diferenciados, a favor de competncias tcnico-artsticas oupedaggicas.

    A Arte-Psicoterapia necessita de um setting adequado, exigindo um nvel muito elevado de diferenciaoterica, de cariz psicodinmico, por parte do Arte-Psicoterapeuta.

    Foram estas as linhas de orientao que me levaram a desenvolver na Sociedade Portuguesa deArteterapia, uma formao de Arteterapeuta Institucional, de dois anos e uma formao de Arte-Psicoterapeuta,de 5 anos.

    No terei tempo para me alongar mais sobre as especificidades de cada uma das combinaes possveisde interveno com Arteterapia, pelo que o deixarei para outra ocasio. Algumas das designaes do ModeloPolimrfico foram por mim cunhadas, sem detrimento de outras originais. Tencionei apenas sistematizar dumaforma sinttica e nomear as intervenes de Arteterapia por ns desenvolvidas em Portugal.

    Termino com um poema de Fernando Pessoa, do livro Poesias Inditas, que veicula metaforicamente a mensagemque espero que, os meus pacientes em Arte-Psicoterapia venham a aprender sobre a Arte de Sonhar Ser:

    Agora no esqueo e sonhoFecho os olhos, oio o marE de ouvi-lo bem, suponhoQue vejo azul a esverdearAgora no esqueo e sonho.

    Cliente/Artista Terapeuta/Espectador

    Expresso/Criao

    Fig. 1 Tringulo da Relao Teraputica em Arteterapia/Psicoterapia.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    11/72

    11

    Arteterapia Arte-Psicoterapia Arte-PsicoterapiaAnaltica

    RelacionamentoReal * * * * * * * * * *Aliana Teraputica

    * * * * * * * * * * * *Transferncia* * * * * * * *

    TransfernciaTrans-Mediador(scape goat)

    * * * * * * *

    Fig. 2 Os componentes da relao teraputica em diferentes formas de Arteterapia/Psicoterapia(adaptado de Shaverien, 2000).

    Cliente Terapeuta

    Expresso/Criao

    Fig. 3 Tringulo da relao teraputica em Arteterapia Psico-Educacional.

    Cliente Terapeuta

    Expresso/Criao

    Fig. 4 Tringulo da relao teraputica em Arteterapia Vivenvial.Cliente Terapeuta

    Expresso/Criao

    ou

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    12/72

    12

    Cliente Terapeuta

    Expresso/Criao

    Fig. 5 Tringulo da relao teraputica em Arte-Psicoterapia Integrativa.

    Cliente Terapeuta

    Expresso/Criao

    Fig. 6 Tringulo da relao teraputica em Arte-Psicoterapia Analtica.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    13/72

    13

    QUADRO 1

    MODELO POLIMRFICO DE ARTETERAPIA

    ARTETERAPIA

    Arteterapia Psico-Educacional Grupal

    TemticaDirectivaa-1) Mono-Mediadaa-2) Integrativa

    Semi-Directivab-1) Mono-Mediadab-2) Integrativa

    Arteterapia VivencialPropriamente dita (mono-expressiva)a-1) Individuala-2) Grupal

    Artstica (Ateliers de Psicoterapiade Mediao Criativa)

    ARTE-PSICOTERAPIA

    Arte-Psicoterapia

    a) Estrita ( expresso plstica)a-1) Individuala-2) Grupal (Intervenes de base sistmica,Dounely, 1989e Deco, 1990)

    B) Integrativa

    Arte-Psicoterapia Analtica

    a) Estrita ( expresso plstica)a-1) Individuala-2) Arteterapia Grupanaltica (modelo de GerryMcNeilly)

    b) Poli-Mediadab-1) Individualb-2) Arte-Psicoterapia Analtica Grupal (modeloportugus)

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    14/72

    14

    QUADRO 2. ARTETERAPIA VIVENCIAL

    SETTING

    A Tipos de interveno:

    Estdios.

    B Locais:

    - Instituies hospitalares desade mental e outras (doentes

    somticos).- Unidades de vida protegida.- Centros de dia.

    - Estabelecimentos prisionais eservios de reinsero social.

    - Comunidades teraputicas.

    - Escolas.- Lares.

    - Empresas.

    - Outras instituies.

    ARTES

    Mono-expresso.

    Integrao facilitadora

    da utilizao dos

    recursos plsticos.

    PAPEL DO ARTETERAPEUTAA Funo:

    No-directivo.

    Mediador de conflitos (A subtil arte de poucointervir)

    Facilitador e contentor

    (eventualmente fornecendocompetncias tcnicas).

    B Objectivos:Fornecimento de ligao social;

    sociabilizao; possibilitar uma vivncia deintegrao grupal e desenvolutiva.

    C Orientao:Adopta-se uma estratgia teraputica mais

    prxima das intervenes humansticas.

    APLICAES

    - Pacientes psicticos em particular de

    evoluo prolongada, com ou semdeteriorao mental.

    - Pacientes psicticos agudos.

    - Idosos sem grave deteriorao motora.- Perturbao da personalidade do grupo A

    - Crianas.- Pacientes neurticos com poucacapacidade de insight.

    TCNICA DE FACILITAO

    +

    INTERPRETAO

    __

    ALIANA TERAPUTICA

    + + + +

    RELACIONAMENTO REAL

    + + + +

    TRANSFERNCIAOs fenmenos transferenciais no

    so evidenciados

    __

    TRANSFERNCIATRANSMEDIADOR

    + +

    ESTRUTURACentrada na criao livre de objectos de arte,

    sendo programada a explorao e aprendizagem

    de diferentes recursos tcnicos artsticos.

    EXPRESSO (E) CRIAO (C)SIGNIFICAO (S)APRENDIZAGEM (A)

    C / E

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    15/72

    15

    QUADRO 3. ARTETERAPIA PSICO-EDUCACIONAL

    SETTING

    A Tipo de interveno:- Individual;- Grupal (estdios);

    - Familiar.

    B Mesmas instituies referidas

    para a Arteterapia Vivencial.

    ARTES

    IntegradasMono-expresso

    PAPEL DO ARTETERAPEUTA

    A Funo:Participativa, facilitadora e directiva de acordo comum plano construdo para o grupo alvo.

    B Objectivos:

    - Desenvolvimento de competncias criativas e artsticas.

    - Treino de aptides sociais e/ou comunicacionais.- Treino de aptides relacionais.

    - Gesto de conflitos.

    - Dessensibilizao/Exposio.

    - Aprendizagem mediatizada.- Jogos de interaco.- Abordagens interpessoais.

    - Aquisio de competncias afectivas e assertividade.- Gesto de eventos traumticos e planeamento de vida.

    - Desenvolvimento de reas especficas do

    auto-conhecimento.

    C Orientao:

    Adoptam-se estratgias de interveno mais prximas dos

    modelos cognitivo-comportamentais, de educao pela arte, depsico-pedadogia e socioterapia.

    APLICAES

    - Pacientes psicticos emparticular de evoluoprolongada, com ou semdeteriorao mental.- Perturbaes do

    comportamento.- Crianas (em particular comperturbaes da

    aprendizagem).- Sem abrigo ou crianas derua.- Pacientes anti-sociais ereclusos.

    - Perturbao obsessivo-complusiva.- Perturbaes do

    comportamento alimentar.- Idosos com ou sem gravedeteriorao.- Pacientes com perturbaes

    de ansiedade em programascognitivo-comportamentais.- Toxicodependentes.

    - Formao deArteterapeutas.

    - Famlias e casais.- Perturbaes sexuais.- Indivduos com necessidades

    particulares de integraosocial, como desempregados,emigrantes de outrasculturas, etc.

    TCNICA DE FACILITAO

    + +

    INTERPRETAO

    __

    ALIANA TERAPUTICA

    + + + +

    RELACIONAMENTO REAL

    + + + +

    TRANSFERNCIA

    __

    TRANSFERNCIATRANS-

    MEDIAD0R

    +

    ESTRUTURAAcenta num plano orientado para a aquisio de certas

    competncias, com o suporte de tcnicase recursos artsticos.

    Interveno temtica e estruturada.

    EXPRESSO (E) CRIAO(C) SIGNIFICAO (S)APRENDIZAGEM (A)

    A / E

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    16/72

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    17/72

    17

    QUADRO 5. ARTE-PSICOTERAPIA ANALTICA

    SETTING

    - Arte-Psicoterapia individualou grupal

    - Interveno institucional ouprivado

    ARTES

    Mono-expresso

    (raramente integrao)

    PAPEL DOARTETERAPEUTA

    No directivo

    Analtico

    EXPRESSO (E) CRIAO (C)SIGNIFICAO (S)

    APRENDIZAGEM (A)C/S

    TCNICA DEFACILITAO

    +

    INTERPRETAO

    Nas suas diferentes nuances,preservando os objectos de arte.

    + + + +

    ALIANA TERAPUTICA

    + + + +

    RELACIONAMENTO REAL

    + +

    TRANSFERNCIA

    + + + +

    TRANSFERNCIATRANSMEDIADOR

    + + + +

    ESTRUTURA

    No estruturada, acente na livrecriao e associao de ideias.

    APLICAES

    - Arte-psicoterapias longas:- Pacientes com capacidades cognitivas

    criativas e insight conservados eminstituies ou privados.

    - Crianas.- Pacientes psicticos ou bipolares em

    fase remissiva, sem comprometimentograve das funes cognitivas.

    - Perturbaes depressivas.- Pacientes neurticos.- Pacientes com outras pertubaes da

    personalidade (evitantes e Grupo C).- Casais.- Perturbaes depressivas.

    Referncias

    CARVALHO, R. A Arte de Sonhar Ser. Conferencia apresentada no I Congresso Congresso Nacional deArteterapia da SPAT, 2000. In: Arteterapia Coleo Imagens da Transformao. Rio de Janeiro: Pomar,v. 8, n. 8, p. 52-60, nov., 2001.

    GILROY, A.; MCNEILLY, G. The changing shape of art-therapy:new developments in theory and pratice. Londonand Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers: 2000.

    WALLER, D. Group interactive art therapy: Its use in training and treatment. London and New York: Routledge:1993.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    18/72

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    19/72

    19

    artsticas que se tornam no como um simples fazer mecnico ou uma atuao moral, mas um saber fazer, umsaber construir segundo a lgica da execuo perceptiva. Na Idade Mdia sero os mestres artesos lutando pelaindependncia econmica, que acabaro por alcanar a libertao da arte dos antigos sistemas da Antiguidade.As catedrais surgem como um projeto, imensa obra de todo povo. A conscincia coletiva encontra nas artes e nosofcios ma esperana de libertao. H toda nsia de comunho que a arte pode exprimir. Nas catedrais de pedra,a mo do arteso, o esprito intuitivo dos mestres construtores do ao projeto uma nova conscincia artstica. Naprimeira metade do sculo XII, poca marcada por guerras sangrentas e epidemias, arquitetura passa a ser a arte

    predominante, com a construo das catedrais gticas, um projeto que abarca a pintura, escultura, assim comotodas as tcnicas artesanais do carpinteiro, do ceramista, do ourives, do tapeceiro, do mestre escola. No interior das catedrais, os vitrais refletem em fragmentos as cores luminosas do vermelho e do azul.

    Filtram a luz do sol enchendo o templo de uma claridade mstica. A metafsica da luz regressa a terra.O significado ltimo da conscincia artstica, depositado nas catedrais gticas, que a arte aprende e

    aprender cada vez mais, da em diante, nos seus mais altos momentos, a aprender-se como conscincia coletivade um povo e como cincia cada vez menos arbitrria de si prpria e das suas leis construtivas e estruturais(Formaggio, 1987, p.41).

    O caderno de Villard de Honnecourt (Carreira,1997), do arquiteto francs do sculo XIII, natural dapequena aldeia Honnecourt-sur Escaut, perto de Cambrai, um dos documentos mais importantes eexpressivos da arte medieval. Ele contm 33 folhas irregulares de pergaminho compostas de desenhos em bicode pena sem cores, ao qual foi agregado um pequeno texto em francs, com expresses isoladas em latim. Osdesenhos mostram um mundo maravilhoso de animais, nobres, cavalheiros, mulheres, mquinas de todo tipo,assim como tambm comentrios sobre engenharia, pintura, mquinas e mobilirio, que eram comuns noscanteiros de obras das grandes catedrais.

    Este caderno encontra-se atualmente conservado na Biblioteca de Paris. As anotaes so importantescomo fonte de informaes. Aqui, a ptica euclidiana combina-se com a histria da arquitetura, da arte, assimcomo para a histria dos estilos e tcnicas, e tambm para a compreenso do comportamento na Idade Media.

    xecutar e refletir cientificamente sobre a execuo da obra de arte constitui o carter fundamental da novaconscincia artstica que se constitui no inicio do Renascimento Italiano. Ghiberti partindo de Vitrvio inicia comseus commentari os problemas de ptica e arrisca os primeiros passos na busca de uma cincia das artesfigurativas que depois avana com Alberti, que com suas idias cientficas do mundo quatrocentista codificou omundo numa imagem seguindo Piero della Francesca e Leonardo da Vinci. Nesse momento, surge a famosapirmide visual e o esboo da teoria da perspectiva, que se torna um alicerce para a representao visual doespao. A perspectiva trouxe novas maneiras de ver o mundo.

    A arte torna-se cincia. Piero della Francesca trata matematicamente a perspectiva linear como cincia damensurao, segundo a ordem matemtica e a geometria para proporcionar no apenas a resoluo cientifica dapintura como modelo de representao do mundo, mas o conhecimento da arte como o ideal de toda uma cultura.

    A arte manobra modelos do mundo; como a cincia, torna-se cincia projectual denovos mundos em todos os campos. A nova figura da arte que se conhece como cinciaenche-se, neste ponto para alm da pura objetividade matemtica de Piero dellaFrancesca, de uma inquietao moderna e faustiana, passam atravs do esprito quenega e vai, talvez, at prpria morte de Deus, compenetra-se de toda a melancolia donada, precisamente enquanto tenta o risco divino de lanar mo criao (Formaggio,1987, p.43).

    Quando falamos de arte e cincia, uma figura representativa dessa interface Leonardo da Vinci. Pintor,arquiteto, inventor e homem das letras. Ele pesquisou mecnica militar, cartografia, topografia, matemtica,geometria, tica (perspectiva) e fisiologia, anatomia, zoologia botnica, biologia. Situa as artes como fonte deconhecimento e transformao do mundo. Realiza a cada momento, a transformao da cincia em arte e da arteem cincia. Faz com que os desenhos de paisagens, de topografia, de geologia dos fenmenos meteorolgicossejam admirados tanto na viso da esttica, como pela preciso cientifica. Como exemplos podemos citar: Dama

    de Liechtenstein (1474, Galeria Nacional de Washington), Virgem dos Rochedos (1474, Museu do Louvre),SantAna, a Virgem e o Menino (1501, Galeria Nacional de Londres) (Ajzenberg ,1995, p.24).

    Entretanto os modelos cognitivos e operativos desgastam-se, as figuras do conhecimento atingem aperfeio metodolgica e, depois, desaparecem. Sobram alguns resqucios que tornam a emergir dentro dosnovos conhecimentos da cincia, da arte e da vida.

    O perodo da Renascena, com sua concepo do espao permanece, at o final do sculo XIX. Sucedemmovimentos artsticos com objetivo de definir quais so as funes especificas da arte: o barroco, o realismo, oromantismo, o impressionismo, o expressionismo, o cubismo, o futurismo, o abstracionismo, o minimalismo, a arteconcreta, a arte neoconcreta, a arte conceitual, a arte cintica, a arte digital, a arte virtual.

    Em nossa poca, movimentos provenientes de outras disciplinas oferecem notveis contribuies para oconhecimento do fenmeno artstico. A arte se familiarizou com as cincias, em obras cada vez mais baseadas natcnica estrutural e especifica no mais naturalista.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    20/72

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    21/72

    21

    imagens do inconsciente. O objeto surrealista evoca a realidade do inconsciente e o objeto simblico. Oconstrutivismo considera a arte como algo que se faz para a sociedade, e o surrealismo considera-a como algoque se faz na sociedade. Klee permanece entre os pontos opostos do construtivismo e do surrealismo. Ensinadurante muitos anos na Bauhausescola da forma de Weimar e Dessau, constri a teoria da forma e da figuraoestabelecendo uma rigorosa metodologia didtica. O que indica o interesse pela cincia e tecnologia, era parte doprojeto construtivista. Para melhor entendimento se faz necessrio dizer que a direo do sentido do ensino naBauhaus a redescoberta dos elementos da linguagem visual sem o sentido da figurao. A linha, cor, espao,

    trazendo novos sentidos para o uso do espao, luz e superfcie. Kandinsky, Klee e Albers foram alguns artistasque pertenceram a escola que influenciou artistas das geraes seguintes.A arte dos construtivistas influenciadapelas concepes da fsica e da mecnica , com uma diminuio dos propsitos estticos. A influncia da cinciasobre arte, exigiu uma reviso critica do movimento.

    Os dadastas tinham interesse pelo jogo e o acaso pertencentes arte cintica. O primeiro readymade deMarcel Duchamp, Roda de bicicletaque se podia girar com a mo, um exemplo de movimento. A variedade naarte cintica notvel e vai das obras com movimentos lentos aos mais violentos, como o conjunto de obras deJean Tinquely compostas de mquinas esquisitas. Maquinas que desenhavam arte abstrata, fontes queespirravam desenhos abstratos.

    As obras do artista hngaro Mohaly-Nagy, so o resultado de uma pesquisa metdica sobre os processosde viso. Ele utiliza uma metodologia cientifica, experimentando as proposies da psicologia da forma(Gestalpsichologie). Ensinou na Bauhaus. Realiza uma escultura rotativa de metal, vidro e feixes de luz, movida aeletricidade o inicio das pesquisas que iro desenvolver no campo no campo das percepes e da associao ecombinao de imagens.

    A expresso arte concreta, parece ter sido dada por Theo Van Doesburg em 1930 com a inteno denomear uma arte que tinha se desligado da natureza. Nada, mas concreta que uma linha, uma cor, umasuperfcie. Arp e Kandisnsky usam o termo arte concreta em suas obras. Max Bill usa a expresso para designaruma arte ligada aos problemas matemticos e afirma...

    (...) a matemtica no apenas um dos meios essenciais do pensamento primrio e,portanto, um dos recursos necessrios ao conhecimento da realidade circundante, mastambm, em seus elementos fundamentais, uma cincia das propores, docomportamento de coisa a coisa, de grupo a grupo, de movimento a movimento. Eporque contm todas essas coisas fundamentais e as pe em relao significativa, natural que tais acontecimentos possam ser representados, transformados em imagens(Gullar, 1985, p.209).

    A matemtica no usada no sentido estrito do termo, mas como uma representao de ritmos, relaes eleis de um pensamento individual. Outra caracterstica da arte concreta o uso da bidimensionalidade do espao

    como exemplo a obra realizada por Mondrian. A arte concreta possui um acordo com a poca moderna, com asociedade industrial. Abarcando no processo, o planejamento, o conhecimento terico, a viso social da arte, dapesquisa, valores assumidos pela escola da Bauhaus.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, as atividades artsticas culturais foram influenciadas pela filosofia doexistencialismo. A degradao da condio humana, a bomba atmica destri qualquer iluso no processohistrico da civilizao.

    O sistema do artesanato tinha na arte seus modelos, que deixaram de existir quando o sistema tecnolgicoda indstria apareceu, repetindo seus modelos a partir da cincia.

    A cincia continua a seduzir artistas contemporneos. Nos anos 60 e 70 em todo mundo, artistasproduziram obras de grande variedade, entre eles o brasileiro Abraham Palatnik que nasceu em Natal, RN, em1928, oriundo de uma famlia de judeus. Ainda pequeno viaja para a Palestina hoje Israel onde realiza estudos demecnica e fsica. Retorna ao Brasil em 1948. Fao um resumo em rpidas pinceladas de um episdio de vida doautor.

    O artista conheceu o hospital Psiquitrico do Engenho de Dentro convidado por Mavignier, orientador do

    atelier de pintura. O artista relata sua experincia diante da arte dos esquizofrnicos: Ao me deparar com aproduo de alguns internos, meu castelo ruiu. J tinha segurana no manejo de tintas e pincis, me sentiaconfortvel com o que sabia e de repente me vi diante de gente que nunca havia estudado que no passara porqualquer tipo de aula, produzindo obras complexas e profundas(Palatnik, 2000, s/p).

    Essa experincia e conversas com o crtico de arte Mrio Pedrosa (que escreveu a tese intitulada Danatureza afetiva da forma na obra de arte, na qual, pela primeira vez no Brasil se analisa a obra de arte a partir dateoria da gestalt) transformaram suas idias e convices sobre arte. Pensou que adotando uma tcnica diferenteapoiado nas ltimas conquistas tcnico - cientificas, poderia trazer para a arte pictrica a possibilidade de luz emovimento.

    O quadro cultural nacional e internacional vasto e muito mais complexo do que a sntese que apresentei.Julio Le Parc, Marinellia Pirelli, Laura Vince so alguns nomes importantes no cenrio artstico.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    22/72

    22

    A Bienal de 1951, em So Paulo, foi a primeira oportunidade para a reunio de obras dos integrantes domovimento de arte concreta. Participaram: Geraldo de Barros, Waldemar Cordeiro (lder do movimentoconcretista), Lothar Charoux, Luis Sacilotto, Ivan Serpa, Almir Mavignire e o j citado Abram Palatnik.

    A arte neoconcreta surge como um aprofundamento da experincia concretista. A obra realiza-se noespao, sem o apoio da moldura. Lygia Clark enfoca o quadro como um todo orgnico, chegando aos no objetosmveis que deu o nome de bichos, onde a relao entre o espectador e a obra se modifica, exigindo no apenas

    uma movimentao das mos, mas uma participao total do participante ao tentar modificar a obra com umgesto.Novos meios de comunicao de massa criam novas possibilidades: xerox, serigrafias, offset, fotografias, dia

    positivos, vdeoarte. A arte elimina seu suporte admitindo o instvel, o imaterial, a fsica quntica, a ciberntica, ateoria do caos, dos fractais, e ainda utilizando-se de novas tecnologias de eletrnica.

    Waldemar Cordeiro traz sua contribuio nos domnios da arte realizada por computador (1968). Acoplavaassim arte e tcnica avanada, em coerncia com seu pensamento. O desenvolvimento tecnolgico vai ocorrercom ou sem a presena do artista, e o controle de sociedade pelo computador vai acontecer, tambm , com ousem a nossa participao. Pois bem, estes poderosos instrumentos podem e devem ser utilizados por pessoasque tenham uma viso humanista como eu penso que o artista seja(Zanini, 2000, p.662).

    Artistas trabalham em computadores e atuam como cientistas em laboratrios de pesquisa. O debate sobregentica e vida artificial, inicialmente ligados s cincias naturais, recebeu da arte modelos, vises e imagens quese completaram como uma base de referncia . Vemos a ascenso de uma imagem para uma imagem virtualgerada por computador que pode gerar um circulo sensrio visual. As tentativas histricas de espaos visuaisimersivos deram-se atravs da tradio europia dos espaos ilusrios: O trompe loeil que simula a experinciatctil pela viso, torna a viso tctil encontramos exemplo nas pinturas nos tetos das igrejas barrocas chegando aocineramas, cinemas em terceira dimenso, cinemas de 180, at instalaes virtuais de arte de computao, umespao onde tempo e espao so homogneos (Grau, 2003, p.286). Desde a Antigidade arte e cincia temformado com os meios ilusionsticos representaes e construes da natureza.

    Relao: Arte, Tecnologia e Terapia

    Sempre houve tentativas de aproximar arte e cincia. Assim surgiu a arte virtual, inicialmente em umnmero limitado de centros de pesquisa, a viso artstica dos artistas-pesquisadores exige muitas vezes odesenvolvimento contnuo das tcnicas de visualizao e comunicao, o que aponta um tipo de artista que aexemplo de Leonardo e Goethe, tambm cientista. Hoje os computadores esto em toda parte na casa, notrabalho, no museu, na escola, no hospital, na clinica e fazendo parte do esquema corporal do homem moderno -o Laptop.

    Muitos arteterapeutas, terapeutas ocupacionais, pedagogos, educadores tentam resolver alguns problemase preocupaes de seus pacientes criando comunicao alternativa e aumento de conscincia, cognio epercepo atravs da arte da computao.

    A tela sensvel ao toque possibilita ao usurio, rabiscar objetos de qualquer forma, fazer linhas totalmenteimpensados, aprender com o processo. Imagens inicialmente recusadas exigem maior ateno, pede para seremcompletadas. Na tela do computador com novas ferramentas o usurio pode brincar de ser Deus, criar novosseres e novas imagens. Desenvolvendo programas em computadores, a arte quer cada vez mais ampliar seucampo de atuao, penetrando em todas as reas do saber humano.

    A arte tambm terapia, apresento e justifico caractersticas de dois estudos da tecnologia da informticaem ambiente teraputico e como essa tecnologia pode ajudar no tratamento de pessoas que sofreram algum tipode acidente e buscam solues para os problemas de aprendizagem na interao da tecnologia com o campo damedicina, da psicopedagogia, terapia ocupacional ou Arteterapia.

    Para ampliar as discusses sobre arte, cincia e terapia duas profissionais da rea da reabilitaotrouxeram significativas contribuies. Marta de Almeida Machado escreve sobre da importncia da utilizao da

    linguagem Logo com crianas portadoras de deficincia fsica. rika Teixeira, ilustra seu depoimento com umrelato de um atendimento a um paciente portador de um quadro de tetraparesia espstica, onde observa umamelhora das funes prejudicadas. O computador oferece a quem aprende, formas de aprendizagem organizada,verstil, interativa, original e criativa.

    A linguagem Logo baseada em princpios construtivistas da aprendizagem possibilitando ao sujeito aconstruo do conhecimento: ele descreve e testa sua idia sobre a resoluo de problema e ao testar essa idiano computador a criana especial tem um feedback fiel e instantneo, podendo confrontar sua hiptese com oresultado obtido: se esta descrio no estiver de acordo com o esperado, o sujeito pode redefini-la mudandoassim seu plano inicial e reformulando-o. Trata-se de um programa grfico em que a pessoa que o utiliza informaao computador quais os comandos a serem dados para realizar um determinado produto final, que pode ter sidodesenhado no papel e/ou em sua mente anteriormente.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    23/72

    23

    Num segundo momento, o aprendiz/paciente manda que a tartaruga (cone) introduza esse desenho na telado computador, conforme os comandos existentes no programa.

    O uso do LOGO com o paciente/aprendiz desde a fase pr-escolar at o 2 grau extremamente rico; e pormeio deste programa, eles tm a possibilidade de construir conceitos de direo e posio, adquirindo noo deplanejamento, espao e tempo. Esses conceitos so de difcil aquisio pelo aprendiz portador de deficinciafsica, devido dificuldade de locomoo e explorao do ambiente e objetos, pelos mesmos.

    O LOGO possibilita a construo de noo de nmeros, quantidade, maior, menor, mais e menos.Estimula

    o raciocnio lgico matemtico, possibilitando a resoluo das 4 operaes aritmticas cada vez maiscomplexas. Este programa possibilita que o paciente/ aprendiz faa a descrio execuo reflexo depurao descrio de suas aes5.

    Em se tratando de pessoas que sofreram algum tipo de acidente, a terapeuta ocupacional, rika Teixeira6refere-se ao uso do computador como recurso teraputico na recuperao da funo atravs de atividades como odesenho virtual.

    A recuperao da funo refere-se reconquista das habilidades do movimento que foram perdidas porcausa de uma leso(Akerman, 2002).

    A funo definida como uma atividade complexa de todo o organismo direcionada ao desempenho deuma tarefa comportamental(Shumway, 2003).

    Alguns fatores podem contribuir para a recuperao da funo; idade, caractersticas da leso, experinciasprvias, medicao, efeito do treinamento, implicaes clinicas e principalmente a motivao para desempenharuma determinada funo.

    Pensando em recuperar a funo do Paciente R. utilizei o computador como meio de comunicao atravsda escrita e para tal havia a necessidade de melhorar a performance no uso do mouse atravs do tecladoadaptado associado outras adaptaes, surgiu a idia sobre a possibilidade de utilizar o programa Paint depintura e desenho objetivando o uso de tal funo.

    R. com um quadro de tetraparesia espstica, dispraxia motora global e oral, disartria severa aindaapresenta um dficit de acuidade ecampo visual.

    O aprendizado motor requer antes de aprender que o individuo esteja motivado para aprender, para tentarter sucesso nas tarefas e para resolver problemas.

    Estando motivado o individuo precisa ser capaz de prestar ateno e processar a natureza seqencial esimultnea das partes componentes a serem a prendidas, assim como o todo. Utilizando para esse aprendizadoos rgos sensoriais, de feedback correto e de variabilidade de prtica.

    Analisando sobre este ponto de vista a atividade de pintura atravs de um programa de computador nosdaria todos estes componentes e o maior deles no caso de R., a motivao, j que ao propor a atividade o mesmose mostrou muito interessado.

    Fig. 1 - Mostra o trabalho e R. utilizando o programa Paint associado ao uso de adaptaes como o tecladointerllikys, um programa para auxiliar na alterao do campo visual, Maggic e um substituidor de preenso emezeform para digitao.

    5 Marta de Almeida Machado-Pedagoga do setor de pedagogia da AACD, So Paulo (Co-autora do livroAprendendo para a Vida: os computadores na sala de aula Ed. Cortez). E-mail www.aacd.org.br

    6 rika Teixeira, terapeuta ocupacional. Coordenadora do setor de Terapia Ocupacional de adultos da AACD, SoPaulo (Co-autora do livro Terapia Ocupacional na Reabilitao Fsica Ed. Roca).E-mailwww.aacd.org.br

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    24/72

    24

    Fig. 2 - visualiza o mouse em maior escala associado ao controle motor durante a tarefa exigida na execuo dodesenho peloprograma de pintura Paint do sistema Windows.

    O objetivo do trabalho com R, ser cumprido medida que a performance motora associada a motivaoauxiliar na recuperao da funo. Para tal realizao preciso que lancemos mo de recursos da tecnologiaexistente e da criatividade auxiliando na motivao do individuo. Fig 3, Fig 4.

    Fig. 3 -Desenho

    peloprogramade pintura

    PaintFig. 4 -Desenho

    peloprogramade pinturaPaint

    Acompanhar o processo da construo do desenho do paciente no computador permite uma anlise doresultado. A moderna neurologia pode contar com recursos tecnolgicos e comprova a incrvel plasticidade eintegrao do sistema nervoso.A funo humana concilia ao processo do desenho a compreenso dos problemasexistentes, que em conjunto com o computador pode provocar novas formas de atividade mental no apenas anvel cognitivo da aprendizagem, como no desenvolvimento simblico, psico, afetivo e social. A arte umalinguagem, permite que o paciente expresse suas dvidas, inseguranas e suas alegrias.

    A imagem virtual possui uma especificidade prpria que precisa ser considerada no exerccio do desenho.O desenho apresentado do paciente possui uma certa semelhana com as obras do movimento concretista

    quanto ao uso da forma, linhas, uso da cor, ocupao do espao, noo de superfcie, uso de formasgeomtricas.O resultado a interao do gesto. O que diferencia o artista do paciente a intencionalidade noemprego dos elementos versus impossibilidade de expressar-se de outra maneira, caracterstica dessespacientes. O que no artista opo, no paciente a nica forma possvel de expresso (Francisquetti, 2005,p258) na tela do computador.

    O paciente mostra um desenho realizado com organizao na tela virtual e grande sensibilidade queconvida a uma contemplao silenciosa.

    A Caixa de Pandora7

    7Caixa de Pandora. Personagem feminina da mitolgica Grega, dotada por todos os deuses de grandesqualidades. Pandora recebe de Jpiter uma caixa coberta com uma tampa onde esto contidas todas as misrias,que aberta deixa saltar todos os males, entretanto no fundo do recipiente resta a esperana (Mitologia, s/d, p.317)

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    25/72

    25

    Este trabalho pode ser visto como uma tentativa reduzida de retrospeco dos importantes movimentos dahistria da arte do ponto de vista das teorias que chegando ao esgotamento criam novas possibilidades deconhecimento. O universo da tecnologia deixa novas reflexes para o atendimento teraputico. Vemos as muitaspossibilidades de viver com maior qualidade de vida para pacientes, auxiliado pela tecnologia criativa, na cincia ena arte intimamente ligados.

    A caixa de Pandora do sculo XXI repleta de desafios, a Internet e a Intranet mostram novas formas de

    perceber o mundo. A comunicao eletrnica, os arquivos oferecem uma velocidade e uma facilidade de uso.Socialmente coloca qualquer pessoa ao alcance do computador de outra pessoa na mesma cidade ou mesmo emoutro pas.

    A grande aventura de descobrir novas formas de atuao na arte, proveniente das cincias cognitivas, dagentica, da cincia de computao, da terapia, onde a realidade virtual tempo e espao trazem novasinformaes sobre nossa tela mental. Viver no sculo XXI no fcil, as mudanas parecem ocorrer emvelocidade maior que nosso crebro consegue alcanar. Entre o visvel e o invisvel, o mundo contemporneo talqual, a caixa de Pandora a primeira, que apresenta novas formas de perceber o mundo e agir sobre ele, deixandoa esperana no fundo da caixa. A caixa de Pandora do sculo XXI vinda das cincias tambm encontra inmerosdesafios, sempre inacabados, sem fim, sempre no devir, mas repleta de esperana...

    Referncias

    AJZENBERG, E. Arte e cincia. In: SCHENBERG, M. Arte e cincia. So Paulo: ECA/USP, 1995.

    AKERMAN, A. Apostila Avaliao e tratamento do Paciente Hemiplgico adulto: conceito Bobath. So Paulo:AACD, 2002.

    ARGAN, C. G. Arte e critica de arte. Lisboa:Estampa, 1988.

    CARREIRA, E. Estudos de iconografia medieval: o caderno de Villard de Honnecourt, arquiteto do sculo XIII.Braslia: Universidade de Braslia, 1997.

    FORMAGGIO, D. Arte. Portugal: Presena, 1987.

    FRANCISQUETTI, A. A. Arte-Reabilitao com os portadores de paralisia cerebral. In: CIORNAI, S. (org.).Percursos em Arteterapia. So Paulo, Summus, 2005.

    GRAU, O. Novas Imagens da vida: realidade virtual e arte gentica. In: DOMINGUES, D. (org.). Arte e vida nosculo XXI: tecnologia, cincia e criatividade. So Paulo: Unesp, 2003.

    GULLAR, F. Etapas da arte contempornea: do cubismo ao neoconcreto. So Paulo: Nobel, 1985.

    PONTY, M. Tentativas de compreenso II. In: GULLAR, F. Etapas da Arte Contempornea: do cubismo aoneoconcreto. So Paulo: Nobel, 1985.

    SHUMWAY, C. A; WOOLLACOTT, M. H. Controle motor: teorias e aplicaes prticas. So Paulo, Manole, 2003.

    ZANINI, W. (org.). Histria geral da arte no Brasil. So Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. Vol.2.

    Catlogo

    ABRAHAM Palatnik. Texto: Frederico de Morais. So Paulo: Galeria Nara Roesler , abr. 2000.

    PeridicosMitologia: Abril Cultural. Vol. segundo, So Paulo, s/d, p.317.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    26/72

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    27/72

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    28/72

    28

    atendidas nesta instituio de trabalho no mbito da violncia mulher e famlia tinham acerca de si mesmas,mais especificamente na rea da sexualidade.

    Esta maneira de se trabalhar com as mulheres se utilizava de uma linguagem diferenciada: a dana, maisespecificamente, a dana do ventre. Considera-se que a dana uma atividade que possibilita uma livreexpresso corporal, alm de uma saudvel expanso da sexualidade humana (ABRO e PEDRO, 2005). Adana do ventre tem como vantagem o fato de poder ser praticada por mulheres de qualquer idade e tipo fsico, demaneira que, no caso descrito a seguir, no seria preciso uma seleo quanto a esses aspectos, por exemplo,

    fsicos para insero das mulheres participantes no grupo.Pode-se dizer que, o trabalho com atividades fsicas se constitui como uma maneira de se trabalhar com ocorpo como um todo (SANTOS, 2004), sem dissoci-lo em partes. Tal prtica se configura, segundo Santos (2004)como um recurso capaz de estimular trocas, de dar valor aos mltiplos sentidos do paciente, no deixando queele se aniquile com doena, recolocando-o em seu meio para que possa dar continuidade em sua histria (p.156), colaborando, ento, no caso da mulher na situao apresentada neste trabalho, sofrida diante das violnciasexperienciadas, para que possa continuar sua vida, mais forte e inteira.

    No caso especfico da dana do ventre, Abro e Pedro (2005) observaram, em investigao acerca dosbenefcios da mesma para a sade das mulheres, que tal atividade pde oferecer diversos benefcios paraaqueles que praticavam-na, tanto na rea fsica, como melhora de flexibilidade, melhora no metabolismo ecirculao, como na rea mais emocional, estimulando a criatividade, proporcionando uma diminuio da timidez,aumentando a auto-estima e trabalhando com a feminilidade.

    Os movimentos ondulatrios desta forma de dana massageiam os rgos internos e fortalecem amusculatura abdominal. Leloup (1998), relaciona a estes rgos no s as funes de ingerir, absorver e eliminaros alimentos concretos, mas tambm os alimentos psquicos, as nossas experincias, os nossos sentimentos,tudo aquilo que nos chega do mundo.

    Andrade (2000), ao discorrer sobre as terapias expressivas e sobre a danaterapia, pontua que a terapiaatravs da dana teria como objetivo uma expresso humana inteira e completa atravs do movimento (p. 153),observando que a dana se constitui como algo utilizado pelo homem em trabalhos, rituais, oraes, desde ostempos antigos. Seria buscada, atravs da dana, uma recuperao de partes da expresso natural do corpohumano, sendo que, em tal tipo de trabalho encontram-se presentes dois tipos de linguagem: a verbal e a no-verbal. Segundo o autor, a linguagem verbal pode ser utilizada para ampliar a expresso no-verbal ou para,exatamente o contrrio, desvirtuar a clareza da informao apreendida corporalmente (ANDRADE, 2000, p. 158).

    Para Ferretti (2005), o trabalho com o corpo pode ser realizado a partir de diferentes objetivos, servindotanto para uma introspeco quanto para uma expanso do potencial expressivo, podendo-se utilizar deexerccios de respirao, automassagem, de expresso corporal, em que se pode, inclusive, empregar materiaisfacilitadores do processo teraputico. Esta autora descreve um trabalho em que foram utilizados vus, em um jogocom os tules e o corpo. Segundo ela, este jogo possibilitaria a recuperao de lembranas guardadas, completadopelo grupo, em que a interao entre as pessoas facilitada pela fluncia de movimentos, ao mesmo tempo que

    o olhar do outro se modifica pela transparncia do colorido (FERRETTI, 2005, p. 131). Ao se relatar asexperincias com o corpo, faz-se possvel uma ampliao da descoberta do prprio corpo e dos sentimentossurgidos naquela pessoa, atravs da vivncia, possibilitando, ento, uma transformao de elementos dentro desi.

    Leloup (1998) relaciona de forma muito interessante os simbolismos encontrados em diferentes culturaspara algumas partes do corpo humano. Sobre o ventre, nos conta que para os antigos e para os alquismistas este o lugar da transformao. Seria, tambm, o nosso centro, e o local da maturidade aquele em quecorrespondemos imagem que nossos pais tm de ns ou, superando-a, buscamos tornar-nos ns mesmos.Coloca-se para ns, assim, o local por excelncia para se trabalhar a questo de gnero, to envolvida nadinmica da violncia familiar, j que os papis sociais que herdamos pela figura de nossos pais pesam tanto paraa construo do que acreditamos que deva ser um homem ou uma mulher.

    O trabalho desenvolvido

    O trabalho foi inicialmente proposto focando a sexualidade, buscando atender uma demanda observadana instituio. Havia um grupo de mulheres que participavam com os respectivos companheiros de um trabalhopara reconstruir o relacionamento conjugal e que colocavam, nos encontros realizados por este projeto, questesda ordem da sexualidade e do prazer que no poderiam ser trabalhadas neste espao.

    Foram propostas doze oficinas de dana do ventre, incluindo um momento onde se trabalhava o corpo,seguindo de um momento posterior para reflexo sobre os sentimentos e pensamentos despertados atravs dosmovimentos. As primeiras oficinas se dedicavam mais aos movimentos secos de quadril, as seguintes aosmovimentos ondulatrios, depois aos movimentos da linha do busto, e finalizava-se o trabalho com os movimentosde braos e cabea.

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    29/72

    29

    As msicas escolhidas para as primeiras oficinas tinham batidas de tambor (derback) bastante marcadas, euma dinmica simples, a fim de facilitar s participantes o acompanhamento do ritmo proposto. Ao longo dotrabalho, foi-se adotando msicas mais lentas, com predomnio da flauta e melodia suave.

    Para seleo das possveis participantes do trabalho, props-se, inicialmente, que se fizesse um entrevistacom as interessadas, marcando-se posteriormente uma data para incio do trabalho, que aconteceria de formagrupal. Optou-se por no aceitar novas participantes a partir da terceira oficina, j que a partir deste ponto jteriam sido trabalhados vrios movimentos importantes desta forma de dana, dificultando a insero de novas

    participantes. A partir da quarta oficina tambm no seriam trabalhados mais os movimentos secos de quadril,entendidos no trabalho como um primeiro e importante passo.Surgiu ento a primeira grande surpresa: o projeto havia sido idealizado ao final do ano, quando a

    instituio encerra, por um perodo, as atividades realizadas. Ao retorno das mesmas, em fevereiro do anoseguinte, percebeu-se que as clientes-alvo para o trabalho j no mais freqentavam a instituio, e que, comuma grande renovao do pblico em atendimento, tinha-se tambm uma importante mudana no perfil da mulherque se visava atingir. Contava-se com muito poucas mulheres que j haviam passado pelo atendimento essencialda instituio, com uma srie de passos que tm como objetivo sensibiliz-la sobre a situao de violncia sofrida,oferecer orientaes diversas e atendimento jurdico nos casos em que seja necessrio, e acolh-la nestemomento to delicado e dolorido em que ela procura a nossa ajuda.

    Optou-se, no entanto, por manter a oferta do trabalho, apesar desta inesperada mudana de rumo. Dessamaneira, a entrevista inicial passou a assumir uma importncia maior, pois seria atravs dela que a terapeutaresponsvel tomaria conhecimento do tipo de questes trazidas pelas potenciais participantes. Onze pessoas seinscreveram, mas apenas quatro compareceram entrevista. Contudo, ao longo das primeiras trs oficinas, outrasquinze pessoas solicitaram participar do trabalho, participao esta que foi autorizada.

    Ao todo, participaram do projeto dezenove mulheres, sendo que apenas trs compareceram a mais desetenta por cento das oficinas. A grande maioria das participantes esteve em apenas uma ou duas das oficinaspropostas inicialmente. No entanto, o feedback recebido das clientes pelas demais profissionais da instituio foibastante positivo. Duas das participantes mais assduas so voluntrias na instituio, sendo a terceira umacliente do local.

    Descrio de um percurso

    Tal como explicitado, os tipos de movimentos foram sendo alterados conforme o passar das oficinas, sendoque cada movimento tem sua especificidade, suas caractersticas, que determinam o que ser trabalhado nombito mais psiquco. Dessa maneira, pode-se dizer que, quando foram trabalhados os movimentos de quadril,buscou-se focar a relao da participante consigo mesma, a energia, a ao e a segurana frente vida. Nestasoficinas, o principal sentimento relatado foi a alegria. Notou-se uma grande dificuldade na percepo do peso do

    prprio corpo sobre as pernas, refletindo-se na dificuldade em coordenar a mudana de peso de uma perna para aoutra, ou de utilizar o peso do corpo como auxiliar para mover o quadril esta dificuldade foi maior do que oobservado em academias ou no espao prprio onde a coordenadora da oficina j havia oferecido trabalhosrelacionados dana do ventre.

    Leloup (1998) relaciona os ps e as pernas nossa me interna, me que introjetamos. Conformedemonstrado em diversas anlises do mito de dipo e destacamos aqui a de Hlio Pellegrino (1995), a metforados ps os ou dos tornozelos doentes, inchados, que dificultam a marcha nos diz desta me que introjetamos nanossa primeira infncia, da possibilidade que tivemos (ou no) de ter uma me suficientemente boa, que nosapoiasse num desenvolvimento emocional saudvel. E nas oficinas notamos estes ps que no esto firmementesancorados ao cho ( terra, que para os antigos representa a me), e que por isso no sustentam o peso docorpo, que se coloca mais distribudo, amarrando o quadril, tensionando o tronco, reduzindo nossaspossibilidades de movimento no espao.

    Os movimentos ondulatrios falam do tempo e da infinitude dos ciclos que o formam: seja das estaes doano, ou da prpria vida. Buscou-se, assim, trabalhar a continuidade, contextualizar a situao vivida e a forma

    como os indivduos se posicionam em relao ela como um dos pontos deste caminho, ligado a um passado eque ter tambm um futuro. Esta viso dos ciclos permite o no aprisionamento a uma situao cclica, mas quedesperta diferentes sensaes/sentimentos em cada uma de suas fases, tal como a violncia familiar.

    Notou-se, nestas oficinas, a dificuldade em coordenar os movimentos o que comum mesmo nas aulasdesta tcnica de dana, nos mais diferentes lugares. O alongamento da musculatura e a flexibilidade seapresentavam reduzidos em relao ao esperado da populao em geral. Foram oficinas em que as participantesfalaram muito sobre o quanto o trabalho estava sendo compensador e dos pequenos sacrifcios feitos por elaspara comparecer. Referiram-se muito tambm aos limites do corpo, continuidade do trabalho, no sentido de quenem tudo precisaria ser aprendido ou pensado numa nica oficina, ou apenas neste projeto, e importncia de serespeitar os prprios limites.

    A percepo, no entanto, foi a de que se pde ao menos tocar um pouquinho estes sentimentos, esta dor. Osilncio, presente em vrios momentos, soava como aquele silncio fecundo que muitas vezes encontra-se na

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    30/72

    30

    experincia clnica da psicologia, aquele silncio que no se traduz em palavras porque a experincia acontece navida mesmo como um no sentido, e porque as palavras muitas vezes so poucas e pequenas para dizer aquiloque se passa em cada indivduo.

    Os movimentos da linha do busto falam da nossa relao com o outro, de como nos colocamos no que serefere a dar e receber amor, aos vnculos afetivos. Foi predominantemente uma oficina de silncio. Em geral, aparte mais amarrada, e no foi diferente neste grupo. No havia sobre o que falar - o que se passava ali aindaprecisava ficar na esfera do no-dito, no era possvel coloc-lo em palavras.

    Finalmente, os movimentos de braos e cabea falam da espiritualidade, do contato com o divino. Nosmovimentos de braos surge a dificuldade na coordenao algo usualmente esperado, quando se considera apopulao em geral. Foram trabalhados nos movimentos de cabea apenas o alongamento do pescoo atravs dodeslocamento da cabea, no se passando a fazer os movimentos secos. Os sentimentos posteriormenterelatados relacionavam-se principalmente calma, tranquilidade, sendo que pouco se falou acerca do fim dotrabalho que se aproximava.

    A idia de uma possvel continuidade do trabalho, ou de uma nova turma, da qual as mulheres que jtinham passado pela experincia poderiam participar tambm havia sido apresentada pela terapeuta responsvelpelas oficinas instituio e s participantes. No entanto, era preciso esperar o incio do semestre seguinte parase poder confirm-la. Pensou-se que esta indefinio colaborou para este pouco dizer acerca do fim das oficinas.Na verdade, o projeto no se encerrou definitivamente, ficando como que em suspenso.

    No semestre seguinte, no entanto, o trabalho no pde ser retomado. A terapeuta responsvel seredirecionou para o atendimento essencial da instituio, que estava com srios problemas por conta da falta deprofissionais, inclusive pela percepo de que este atendimento, considerado como essencial, era importantetambm para o funcionamento adequado do projeto de dana, restando, ento, apenas o aprendizado e desejo deum dia poder continu-lo.

    Concluso

    O trabalho realizado com as mulheres que passaram por situaes de violncia familiar se constitui comoalgo que pressupe a participao prvia no atendimento essencial oferecido pela instituio. Na instituio ondeaconteceram as oficinas, so oferecidos atendimentos de ordem jurdica, social e psicolgica e, quando a mulher acolhida pela instituio como um todo, tem-se garantida uma maior adeso ao trabalho posterior deconhecimento de si atravs da dana. A cliente passa a estar mais vinculada ao local e mais sensvel suaparticipao no fenmeno da violncia, permitindo que haja espao para perceber questes mais profundassobre si mesma.

    Atravs da dana, percebe-se corpos muito tensos pela responsabilidade auto-atribuda pela situaovivida, tensos por quererem controlar a situao, e doloridos por esta tenso. Corpos tambm esquecidos por

    aquelas que os ocupam, na correria do dia a dia, nos problemas mais urgentes. Problemas que s vezes sobastante concretos e a o atendimento essencial oferecido na instituio tem um papel importante , e que, svezes, na verdade so a atualizao viva da resistncia a olhar para dentro de si, a sentir-se, da dificuldade emdedicar um momento e um espao (fsico e psquico) a si mesmas.

    As oficinas eram, ento, entendidas pelas mulheres como um curso de dana, dando-se nfase tcnicaa ser aprendida e capacidade em desenvolv-la de forma rpida. O objetivo do trabalho com dana era oferecerum espao de vivncia e reflexo, no apenas como um curso. Intencionava-se propiciar uma maior integraodos sentimentos s experincias concretas de vida, buscando facilit-la justamente atravs da associao dana efala, tal como pontuado por Andrade (2000) e Ferretti (2005). Entretando, atravs do contato com as participantesdo grupo, observou-se que o contato com aspectos internos, ainda pouco conscientes, e a percepo do corpono eram considerados importantes, no que se acredita ser uma reproduo bastante vvida do que se observa naforma das participantes de se colocarem perante vida e ao mundo.

    interessante notar como este funcionamento tambm se encontra na prpria instituio, onde osproblemas urgentes dos quais muitos so srios e concretos e outros falam mais da forma como os

    profissionais se colocam diante do atendimento a estas mulheres e das fantasias acerca da violncia domstica afastam os interessados muitas vezes da possibilidade de criar e manter novas frentes de ao.

    Uma hiptese que se pode formular a partir da baixa adeso ao trabalho seria justamente a de uma defesafrente ao contato com estas questes que inevitavelmente vo se colocar ali naquele momento. Faz-se importanteuma preparao da pessoa, que passou por situaes to invasivas, como a violncia que acontece no prprioseio familiar, para que esta possa ter confiana e, com isso, poder abrir-se verdadeiramente para uma novaexperincia sem receio de ser novamente violada em sua individualidade.

    Assim, o trabalho especfico com a regio do ventre, que segundo Leloup (1998) estaria ligado transformao, ainda no pde ser completamente realizado, indicando a necessidade de uma maior sustentaodas clientes atendidas antes de se operar uma real transformao em suas vidas.

    Alm disso, ao se acreditar na hiptese de que se defendiam de um possvel aprofundamento noconhecimento pessoal, torna-se significativo o relato de que algumas participantes falavam continuamente do

  • 7/22/2019 Revista Cores Da Vida Vol. 3

    31/72

    31

    trabalho a outros profissionais, e de quanto ele tinha despertado nelas sentimos e questes a se pensar, criando ailuso de que freqentavam assiduamente as oficinas, quando na verdade haviam participado apenas de um oudois encontros.

    A dificuldade em aprofundar o trabalho tambm se mostrou notvel por parte da terapeuta envolvida e dainstituio como um todo. Esta primeira encontrava-se, no incio do trabalho, assustada com as possibilidades doque este poderia suscitar nas participantes, de que dores poderiam aflorar ali naquele momento, de que questes(e principalmente sobre quantas diferentes questes) poderiam surgir ao longo do trabalho. Tendo percebido

    como o contato com o corpo muitas vezes se torna difcil em pessoas que vivem situaes de violncia e da aproposta de um trabalho corporal para as mulheres que j estavam na instituio se trabalhando h algum tempo, ficava a dvida do que seria este trabalho com um pblico recm-chegado.

    A resistncia por parte da instituio se mostrava na apresentao do