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Revista Dasartes Edição 44

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A primeira edição de 2016 da Revista DASartes, edição 44 traz como principal destaque o texto sobre Ismael Nery, assinado pela curadora Denise Mattar. Outros destaques são os textos sobre Carla Chaim, Chiharu Shiota e Tunga, este último escrito pelo próprio artista, que comenta suas obras. Esta edição também revela um dos vencedores do concurso Garimpo 2015, eleito pelo voto do público. Os leitores também poderão conhecer o ateliê do artista Alex Flemming e a incrível coleção de Sérgio Carvalho, e conferir as resenhas de livros, exposições e as principais notícias do mundo das artes visuais.

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COMO LER A

ÍCONES DE NAVEGAÇÃO

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Com exposição em Chicago, a obra do artista em suas próprias palavras

Guy Amado retoma sua coluna tratando da ideia de deriva56

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Uma resenha e vários lançamentos

Uma seleção de exposições pelos olhos de nossos colaboradores

Saiba como foram as feiras Paris Photo, Miami ArtBasel Miami e Instabul Contemporary

Fatos e fotos das principais feiras do mundo

O mundo da arte em pequenas notas

A curadora Denise Mattar assina texto sobre o artista

O artista comenta suas próprias obras

A artista japonesa encanta São Paulo

Livros

Destaques da Agenda Resenhas

Garimpo - Thiago Toes

Ateliê do Artista - Alex Flemming

Feiras

Notas do Mercado

Coleção - Sérgio Carvalho

Coluna do Meio

Alto Falante

De Arte A Z

Outras Notas

Alto Relevo - Carla Chaim

Capa - Ismael Nery

Reflexo - Tunga

Do Mundo - Chiharu Shiota

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Sobre as águas

Destaques da Agenda

A nova exposição permanente apre-sentará o século XX por meio do acervo reunido pelo Museu e esta-rá dividida entre os sétimo e sexto andares deste edifício, cobrindo os períodos de 1900-1950 e 1950-2000 com obras de Wassily Kan-dinsky, Paul Klee, Amadeo Modi-gliani, Umberto Boccioni e Tarsila do Amaral.

Com curadoria de Daniela Name a mostra trata de filtrações e infiltra-ções, parte do processo de produ-ção dos artistas Amadeo Azar, Giulia Andreani e Pedro Varela. Composta por desenhos, pinturas, esculturas e instalações feitas com paleta de cores reduzidas, apresentando prin-cipalmente tons de azul e cinza que ora se apresentam quase negros, ora mais quentes e esverdeados.

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA

SÃO PAULO / SPATÉ 28/02

LUCIANA CARAVELLO ARTE CONTEMPORÂNEA

RIO DE JANEIRO / RJATÉ 20/02

Visões da Arte no acervo do MAC USP 1900-2000:

BASTIDORES

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União Soviética através da câmera:

o papel da fotografia na era

pós-stalinista

A mostra reúne cerca de 200 ima-gens em preto e branco de seis im-portantes fotógrafos da União Sovi-ética. As fotografias são do período que vai de 1956 - ano em que Ni-kita Khruschev denuncia os crimes cometidos por Josef Stalin e as tro-pas soviéticas invadem a Hungria - a 1991, quando se configura a dis-solução da União Soviética.

O projeto transdisciplinar idealizado por Benedikt Wiertz e sete artistas convidados, entre eles Paulo Na-zareth associa performance, insta-lação, cerâmica, fotografia, vídeo, música e dança. A exposição vem sendo construída ao longo do perío-do de visitação – de modo contínuo, a cada nova performance.

Cru e Transitório

DESTAQUES DA AGENDA

MEMORIAL DA AMÉRICA LATINASÃO PAULO / SP

ATÉ 15/02

GALERIA DE ARTE GTO DO SESC PALLADIUM

BELO HORIZONTE / MGATÉ 31/01

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Com 16 obras dos artistas Artur Lescher, Cadu, Carla Guagliardi, Nuno Ramos, Otavio Schipper, Ta-tiana Blass e Waltercio Caldas. Se-gundo o curador Felipe Scovino “as obras não afirmam um significado último e derradeiro para o silêncio; ao contrário: mostram sua abertu-ra, complexidade e multiplicidade e apontam finalmente para o fato de que silêncio e som estão em cons-tante mutação e interpenetração”.

O Prêmio CCBB Contemporâneo apresenta mais um contemplado da série de 10 exposições individuais. O artista reúne obras em diferen-tes suportes – desenho, colagem, escultura, modelagem 3D, vídeo e uma instalação –, na mostra, Villa articula questões relacionadas à ocupação do espaço público.

Silêncio ImpuroRicardo Villa -

Como atravessar paredes

DESTAQUES DA AGENDA

ANITA SCHWARTZ GALERIA DE ARTE

RIO DE JANEIRO / RJATÉ 06/02

CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL - CCBB

RIO DE JANEIRO / RJATÉ 15/02

Page 5: Revista Dasartes Edição 44

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Luiz Camillo Osório e Marta Mestre FOTO: Paulo Jabur

FOTO: Divulgação

De Arte A Z

Após seis anos à frente da curadoria do MAM-RJ, Luiz Camillo Osório anunciou sua saída da instituição. Ca-millo assumirá a direção do Departamento de Filosofia na PUC-Rio. Com ele, sai também a curadora adjunta, Marta Mestre.

Os alunos do Curso de Fotografia para Deficientes Visuais, realiza-do pelo Núcleo de Ação Educativa (NAE) da Pinacoteca de São Pau-lo, participam da mostra “Transver – fotografias feitas por pessoas com deficiência visual”, no próprio espa-ço. O curso foi ministrado por João Kulcsár em parceria com a equipe educativa do museu. A mostra se-gue em cartaz até abril de 2016.

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“Cavaletes de Lina bo Bardi” de volta ao MASP FOTO: Divulgação

DE ARTE A Z

Em assembleia que reuniu 50 crí-ticos no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo no dia 2 de dezembro, a APCA (Associa-ção Paulista de Críticos de Artes) escolheu os melhores de 2015 em diversas categorias. A ceri-mônia de entrega a todos os ar-tistas contemplados neste Prêmio APCA acontecerá em 2016. En-tre os premiados, nas categorias de artes visuais, estão Marcello Nitsche (Grande Prêmio da Crí-tica), “Kandinsky: Tudo Começa num Ponto” (Exposição Interna-cional – CCBB), Sergio Camargo – “Luz e Matéria” – Itaú Cultural (Exposição), “A Gravura”, de Ar-thur Luiz Piza – Estação Pinaco-teca (Retrospectiva), “Palavra em Movimento”, de Arnaldo Antunes – Centro Cultural dos Correios (Obra Gráfica), Editora Cosac Nai-fy (Iniciativa Cultural). Vale desta-car ainda o prêmio de Patrimônio cultural (na categoria arquitetura) para Heitor Martins e Adriano Pe-drosa pela recuperação da expo-grafia original do Masp, incluindo a volta dos cavaletes de cristal de Lina bo Bardi.

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Ilustração de Vania Mignone FOTO: Divulgação

DE ARTE A Z

Escrito por Cervantes em 1613, “Novelas exemplares” foi publica-do pela Cosac Naify com ilustra-ções da artista Vânia Mignone. O lançamento do livro, na Casa Tri-ângulo, foi acompanhado de uma exposição com as ilustrações ori-ginais da artista.

Miriam Goldschmidt, “A mulher sem bandolim” FOTO: Divulgação

A produção “Woman without Mandolin” (“Mulher sem ban-dolim”) ganhou recentemente o ‘”Prêmio do Público”’ no Lumen Prize, um dos prêmios de arte di-gital mais badalados do mundo. O filme cubista pertence ao cine-asta e artista multimídia brasilei-ro Fabiano Mixo, como resultado de um trabalho híbrido entre artes plásticas e cinema.

11DE ARTE A Z

Víctor Grippo, “Naturalizar al hombre, humanizar a la natureza, o Energía vegetal”, 1977-2014FOTO: Oliver Santana - Museo Universitario de Arte Contemporaneo

Com o título de “Incerteza Viva”, a 32ª Bienal de São Paulo, que acontecerá entre 10 de setem-bro e 11 de dezembro de 2016, pretende explorar formas de viver com o desconhecido em diversos tópicos como ecologias, cosmolo-gias de inícios e fins, extinção, sa-beres coletivos, mitos evolutivos, práticas vivas. A exposição, em vez de ser dividida em seções, te-cerá esses temas como um con-junto articulado. Com curadoria de Jochen Volz, a bienal anunciou sua primeira lista com 54 artistas (dos aproximadamente 90 que de-vem compor a mostra). Entre os nomes anunciados estão Cristia-no Lenhardt, Erika Verzutti, Fran-cis Alÿs, Lais Myrrha e o coletivo OPAVIVARÁ!

Page 7: Revista Dasartes Edição 44

DE ARTE A Z

A Galeria do Lago, criada para que o Museu da República tives-se um espaço para exposições de Arte Contemporânea, dá um pas-so importante em sua proposta: a acessibilidade auditiva. Em uma parceria com o INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos) e a RAM (Rede de Acessibilidade nos Museus), a acessibilidade será oferecida por meio de filmes com tradução em Linguagem Brasilei-ra de Sinais (Libras), que estarão disponíveis no Youtube e poderão ser acessados através de um “QR Code”. A acessibilidade começa com a exposição “Fluidostática”, de Ursula Tautz, e, em 2016, se estenderá a todas as exposições.

CURTAS

Sucesso de público, a Bienal de Curitiba foi estendida até 14 de fevereiro.

Em dezembro, a Galeria Luciana Caravello e a Água Mineral Bella Mi-nas reverteram 10% das vendas de obras da galeria para envio de água para a cidade de Mariana-MG.

A Marsiaj Tempo Galeria, que representa artistas como Arnaldo Antunes, Barrão, Eduardo Kac e Gonçalo Ivo, anunciou o fim de suas atividades.

Um incêndio no dia 21 de dezembro destruiu integralmente o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

FOTO: Leekyung Kim

Damien Hirst, Spot Print - N-Methyl L-Aspartic Acid - Edition 65

DE ARTE A Z

Com obras de Damien Hirst e consultoria curatorial de Fernando Cocchiarale, a Mais Um Galeria de Arte inaugurou sua sede em Ipanema. Empreendimen-to da colecionadora Maria Cassia Bomeny, a galeria tem como um de seus des-taques uma permanente

NOVOS ESPAÇOS

Localizado na Barra Funda, o Centro Compartilhado de Cria-ção (CCC) abriu suas portas em 25 de novembro. O espaço, que pertence ao ator Caco Ciocler e ao produtor Ricardo Grasson, abriga teatro, salas de ensaios, exposições de artes plásticas e

exibição de videoarte na vitrine, que começa com Antonio Dias. Bomeny destaca que “esta é uma forma de interagir com quem passa pela rua, e também uma bela maneira de aproxi-mar o público”. Dentre as exposições agendadas para o pró-ximo ano, estão as de Roberto Magalhães e Richard Serra.

fotografia. A abertura do espaço conta com a exposição “In-quietudes de um mundo em mim”, com obras de Hélio Moreira Filho, que fará a curadoria do espaço de exposição do CCC.

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Claudia Andujar, Sem título, 1971-72, da série Catrimani

Outras Notas

O Instituto Inhotim inaugurou sua 19ª galeria permanente, dedi-cada ao trabalho da fotógrafa Claudia Andujar. O pavilhão de 1.600 m² é o segundo maior do parque e exibe mais de 400 fotografias realizadas pela artista, entre 1970 e 2010, na Amazônia brasilei-ra e com o povo indígena ianomâmi. Ao longo dos anos, a artista registrou o ambiente, as tradições e o contato dos índios com o homem branco.

CLAUDIA ANDUJAR

15OUTRAS NOTAS

“Marcados” é fruto de uma tentativa de proteger os índios da dizimação por doenças até então desconhecidas por eles, como sarampo e poliomielite.

Dividida em quatro blocos, a exposição inaugural da galeria é resul-tado de cinco anos de pesquisa da curadoria do Inhotim em conjunto com Andujar no arquivo da artista. Grande parte das fotografias é iné-dita e, mesmo as imagens mais conhecidas da artista, foram organi-zadas em séries amplas, que combinam fotografias icônicas a outras nunca antes ampliadas. Também é possível ver o maior conjunto já exibido dos registros que compõem “Marcados”, trabalho mais repro-duzido de Andujar, elaborado a partir de fotos feitas por ela para os cadastros de saúde utilizados pelas equipes de vacinação da região.

Para o diretor artístico do Inhotim e curador da mostra, Rodri-go Moura, Andujar está entre os raros artistas que conseguem, de forma poética, atribuir engajamento ao trabalho artístico. Também fazem parte da mostra publicações de época, livros da artista e o do-cumentário “A estrangeira”, produzido pelo Inhotim, com direção de Moura. A partir de quatro entrevistas, realizadas em São Paulo, no Instituto e na aldeia Demini, no Amazonas, o filme conta a trajetória de Anjudar, desde a infância tumultuada pela Segunda Guerra Mun-dial até o envolvimento com os ianomamis e a causa indígena.

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16

Outras Notas

Entre os dias 16 e 22 de novembro, mais de 15 artistas brasilei-ros, de variadas expressões culturais como música, cinema, gas-tronomia, design, moda, artes visuais, teatro e dança, estiveram juntos para uma imersão cultural na Usina de Santa Terezinha, em Água Preta, Zona da Mata Sul pernambucana. O projeto de resi-dência artística “Festival Arte na Usina” é organizado pela Associa-ção Jacuípe, em parceria com o Festival Arte Serrinha.

FESTIVAL ARTE NA USINA

OUTRAS NOTAS

O Festival resulta também de uma

série de encontros e reuniões com

diretores e professores das

escolas locais, de suas demandas, e, principalmente, de suas provocações.

O “Festival Arte na Usina” sucede e dá continuidade às pes-quisas, residências artísticas e exposições realizadas nos jardins e antigo hangar da sede da Usina Santa Terezinha, bem como nos arredores, respectivamente pelos artistas Hugo França, José Rufi-no e Adiel Luna.

Para esta semana de imersão, estiveram presentes, entre ou-tros, o designer e artista plástico Hugo França; a artista plástica Laura Vinci; o escritor, editor e curador de fotografia independente Diógenes Moura; o fotógrafo Luiz Braga e os artistas pernambu-canos Marcelo Silveira, Beth da Matta, Márcio Almeida, Daniel de Lima Santiago e Adiel Luna, para vivenciarem uma diversidade de programas culturais.

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Carla Chaim, “Colapso de Onda”, CCBB RJ FOTO: Mario Grisolli

Alto RelevoPOR RAPHAEL COUTO

CARLA CHAIM UM PISO, UM PLANO, UM GATO

No já clássico livro “Caminhos da Escultura Moderna”, Rosalind Krauss aponta para a existência de uma nova sintaxe para a escultura: o duplo-negativo. A escultura contemporânea carregaria em si um dado de não arquitetura e não paisagem – não está sequer associada às estátuas e aos monumentos de parques e cidades, tampouco é elemento da arquitetura de palácios castelos e fortalezas.

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ALTO RELEVO 20

Presença 05B, 2015 FOTO: Ding Musa

“Colapso da Onda”, mostra da artista contemplada no CCBB Contemporâneo, e que ocupou uma sala do segundo andar do prédio carioca do Centro Cultural, coloca-nos a pensar nesse duplo. A artista desloca um retângulo de tamanho idêntico ao da sala em 5 graus e o movimenta em direção às paredes opostas às portas de circulação, criando um corredor e um plano. Esse plano deslocado é coberto por pó de grafite, material que remete diretamente à ideia de desenho. Ora, o próprio desenho em si é uma discussão de planos, de invenção e ilusão de profundidades e de olhares.

Assim como os livros que precedem a instalação, feitos com camadas de papéis dobrados e “frottage” com grafite em pó, a instalação carrega um nome que remete à ciência: “Colapso da Onda” remete à famosa experiência da mecânica quântica da existência de realidades aparentemente incompatíveis ao mesmo tempo. O chão da sala é arquitetura e plano, é negativo e positivo: ao mesmo tempo em que a instalação necessita do plano arquitetônico como suporte do próprio desenho, nega a existência e função arquitetônica da sala ao transformá-la em um plano.

CARLA CHAIM

O mesmo vale para os livros, “Multiverso”, nos quais cria uma so-breposição de universos – os da física e aqui também os dos planos e as possibilidades do encontro histórico entre grafite e papel. O carbono, elemento-base do grafite e da celulose, cria possibilidades universais nos planos dobrados e esfregados por Chaim.

Impossível não referir a pesquisa a toda tradição do neoconcre-tismo, cujo plano convida o espectador a experiências sensoriais diferenciadas: o plano espiritual, a cor, a densidade, a relação de intimidade do folhear e também do caminhar entre o plano deslo-cado da sala. Mas Chaim parece trazer um elemento mais intimista e espirituoso do que a simples pesquisa de planos, há uma faceta universal em seus demais trabalhos: citações à lua nos vídeos “Lua Certa”, a instrumentos de medição, em “Trópicos”, e também a uma pintura feita a partir de bolhas de sabão com tinta branca sobre papel preto: “Exercício para fixação e construção do infinito...”, um lirismo que pensa os lugares do corpo no mundo, seja o do espectador, o da artista e o do próprio corpo enquanto campo filosófico dentro do universo e tradição da arte.

Carla Chaim, “Multiverso”, CCBB RJ FOTO: Mario Grisolli

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Presença 02, 2015 FOTO: Ding Musa

ALTO RELEVO 23

Essa faceta do corpo esbarra na performance: o corpo enquanto elemento escultural. Ao criar tensões de planos, ações, caminha-das e medições – sobretudo para a câmera, testemunha ocular das ações – a artista coloca esse corpo no lugar entre o tempo e o lugar da ação: o corpo também seria escultura?

PRESENÇA CARLA CHAIM

CASA NOVA ARTE E CULTURA

CONTEMPORÂNEA/SPATÉ 20/02

Como no vídeo “Mão agarrando chumbo”, de Richard Serra (também citado por Kraus no referido livro), em que o movimento repetitivo (mas não idêntico) cria apreensões e expectativas, da mão do artista não só como fazedora, mas também como elemento dessa “escultura”.

Assim, a artista paulistana, primeira vencedora do prêmio EDP, em 2009, parece nos colocar não apenas nesse duplo negativo que aponta Krauss, mas também nos lembra que a arte sempre nos co-loca nesse duplo contraste. Como o gato de Schrödinger, matemati-camente vivo e morto ao mesmo tempo, estamos poeticamente inse-ridos em pisos e planos, em profundidades de tecidos esticados em um chassi, em cinemas de 24 fotografias projetadas por segundo.

No vídeo “Rico de uma Vantagem Cíclica”, a artista cria parábolas ao tensionar materiais distintos,

criando apreensões de um acidente que nunca ocorre.

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CapaPOR DENISE MATTAR

EM BUSCA DA ESSÊNCIA ISMAEL NERY

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CAPA 26

Meu Deus, para que pusestes tantas almas num só corpo?Neste corpo neutro que não representa nada do que sou, Neste corpo que não me per-mite ser anjo nem demônio.(...)

Ismael Nery, 1933

Vísceras que podem revelar a alma, a cruz que não exclui o gozo, o corpo que procura a alma. A comunhão entre paradoxos marcou a obra de Ismael Nery (1900-1934), um dos artistas mais singulares da produção moderna brasileira.

Nery nadou contra a corrente dos acadêmicos e dos modernis-tas: sua obra não buscava nem o social, nem o belo, e não pregava uma ruptura drástica com o passado. Místico e católico, quando a intelectualidade defendia o ateísmo, construiu um vocabulário plás-tico universal enquanto seus pares mergulhavam de cabeça no na-cionalismo.

Nascido em 1900, em Belém do Pará, Nery mudou-se com a família para o Rio de Janeiro aos nove anos de idade. Nesse mes-mo ano, seu pai morreu, aos 33 anos, em uma viagem ao exterior. Aos 17 anos, Nery entrou para a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Era um estudante conhecido, tanto por sua excepcional habilidade no desenho, como por não se adaptar às regras do en-sino. Em 1918, João, seu irmão caçula, morreu vitimado pela epi-

ISMAEL NERY 27

A Espanhola, OST, 42 x 31 cm

demia de gripe espanhola. A morte do filho levou a mãe, D. Marieta, às bordas da loucura. Dilacerada pelas duas perdas, passou a viver vestida de negro, usando o hábito da Ordem Terceira de São Fran-cisco e utilizando o nome de irmã Verônica. A trágica família marcaria profundamente a obra de Nery.

Page 15: Revista Dasartes Edição 44

CAPA

Em 1927, Ismael Nery retornou à Europa, acompanhado da mulher e do filho Ivan. Nesse período, tornou-se amigo de Chagall, um de seus grandes

interlocutores, ao qual dedicaria uma série de aquarelas.

Pouco depois, Ismael viajou para Paris, onde frequentou a Acade-mia Julian, entrando em contato com o modernismo e a tradição ar-tística do Velho Mundo. Voltou para o Rio no final de 1921 e passou a trabalhar como desenhista da seção de Arquitetura do Patrimônio Nacional, onde conheceu o poeta Murilo Mendes (1901-1975). Ini-ciou-se então uma amizade que duraria até à morte do artista e mar-caria a obra e a vida de ambos.

Em 1922, Ismael casou-se com Adalgisa (1905-1980) . A beleza incomum da futura poetisa, que tinha então 16 anos, tornou-se um de seus temas favoritos.

Voltando ao Brasil, realizou exposições individuais em Belém e no Rio de Janeiro. Sua obra, reconhecida pela crítica, não era bem acei-ta pelo público, e, em vida, ele nunca vendeu coisa alguma. Nery foi um dos destaques do chamado Salão Revolucionário de 1931, no Rio de Janeiro, mostra que marcou a segunda fase do modernismo brasileiro. Foi elogiado por Quirino da Silva e Mário de Andrade. Nes-te ano, descobriu que sofria de tuberculose.

28

Mulher sentada com ramo de flores, 1927

A progressão da doença foi rápida e Nery faleceu em 6 abril de 1934, aos 33 anos – como o pai – e conforme havia preconizado em 1909. Encerrava-se, assim, bruscamente, sua produção incomum, sem paralelo no período.

Page 16: Revista Dasartes Edição 44

Nu Feminino, 1925, óleo sobre tela, 76x41cm

CAPA

Ismael Nery encarava a arte como um meio catalisador em que po-dia expressar suas ideias. Ele nunca a viu como um ofício, mas como o território por meio do qual buscava pesar e conjugar seus parado-xos. Temente a Deus e hedonista, Nery foi um homem que contagiou a muitos que o conheceram com sua beleza, elegância, inteligência e carisma, mas que viveu, desenhou e pintou com sofrimento. Uma tensão constante tempera sua obra com densa gravidade.

A obra de Nery só pode ser inteiramente apreendida à luz de sua poesia e, principalmente, do sistema filosófico que ele desenvolveu. O essencialismo, propõe a abstração do espaço e do tempo como uma estratégia para chegar à essência das coisas e distinguir o que realmente tem importância e significado.

O tema único de Nery era o ser humano. Um ser humano do qual foram retiradas,

deliberadamente, todas as

referências de tempo e de

espaço.

30 ISMAEL NERY 31

O Encontro, 1928, óleo sobre cartão 46,6 x 55,5cm

Um ser humano que se move na busca do eu e da fusão com o ou-tro; que tenta se compreender olhando no reflexo do espelho, e que se assusta ao ver um rosto desconhecido. Em seus retratos e autor-retratos, Nery mostra o Eu divino e o Eu satânico, o Eu masculino e o Eu feminino. Funde-se com seu amigo Murilo e sua mulher Adalgisa. Rostos e corpos se entrelaçam, entrecruzam, entredevoram, renas-cendo numa outra forma, sempre na esfera mítica.

Page 17: Revista Dasartes Edição 44

Autorretrato satânico Óleo sobre tela, 32,5 x 26,5 cm

Autorretrato (Homem de chapéu), Óleo sobre madeira, 39x29cm

Page 18: Revista Dasartes Edição 44

O diagnóstico de tuberculose foi um grande divisor da obra de Nery. O corpo que o torturava se tornou o centro de sua investigação. Seu mundo de sedução foi substituído pela presença da morte. Ao expor suas vísceras, Nery tentou fazer, de modo ainda mais radical, a reconexão com aquilo que está por trás (ou ao lado? ou dentro?) da massa de órgãos, sangue e fluídos: ele tenta tangenciar a alma. Fragmentar o corpo doente foi também uma maneira de religá-lo ao sublime em um exercício quase religioso – afinal, religião é “reli-gare”, religar, buscar o Uno entre as partes. O sacrifício exposto no plano da tela também conectava Nery com a tradição cristã, através do martírio de Cristo. Não por acaso, o artista passou a assinar os trabalhos com suas iniciais, na configuração que lembra a inscrição pregada na cruz de Jesus.

É o período que mais escreveu e quando realizou seus desenhos mais acres e narrativos. Estima-se que Nery tenha produzido cerca de cem óleos, mas fez muito mais desenhos, que ocupam um lugar

ISMAEL NERY

fundamental na sua obra. A liberdade da técnica adaptava-se admi-ravelmente bem ao pensamento rápido do artista. Notadamente nos seus últimos trabalhos, o artista atingiu uma mordacidade e uma su-tileza, que o colocou muito à frente de seu tempo.

Se o desenho de Nery surpreende por certos procedimentos con-temporâneos, sua poesia é assustadoramente atual. Dá para imagi-nar Arnaldo Antunes cantando esta letra:

Ou então Criolo cantando essa:

Eu sou o profeta anônimo.Eu sou os olhos dos cegosEu sou o ouvido dos surdos.Eu sou a língua dos mudos.Eu sou o profeta desconhecido, cego, surdo e mudoQuase como todo o mundo.

O enterro do menino ricoEncontrou com o enterro do menino pobreNa porta do cemitério. O pai do menino pobrePensa que o filho morreu por falta de recursos.O pai do menino ricoNão sabe a que atribuir a morte do seu filho.

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Page 19: Revista Dasartes Edição 44

Composição Surrealista, Óleo sobre tela, 34 x 26cm.Na próxima página, Adalgisa, guache sobre papel FOTO: Cortesia Pinakotheke

Page 20: Revista Dasartes Edição 44

CAPA

Traçar o percurso de Nery é uma tentativa de ordenar um persona-gem desordenado, que vivia, pintava e desenhava com sofreguidão – que se consumiu por essa urgência. Antes de morrer, ele pediu a Murilo Mendes que jogasse fora seus trabalhos, porque acreditava que revelavam excessivamente a sua intimidade. Felizmente o amigo não o obedeceu, tornando-se o principal preservador e divulgador de seu legado

A primeira retrospectiva de Ismael Nery foi realizada apenas em 1966 – 32 anos após a sua morte. O impacto no circuito de arte, entretanto, foi imediato. Nos anos 1970, os trabalhos do artista já al-cançavam um preço excepcional e estavam pulverizado em coleções particulares. Tornou-se muito difícil reunir suas obras. Em 1984, Ara-cy Amaral apresentou, no Museu de Arte Contemporânea da USP, uma excepcional exposição, acompanhada do livro “Ismael Nery – 50 anos depois”.

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Em 2000, comemorando o centenário do nascimento de Nery, re-alizei no CCBB-RJ e no MAB-FAAP-SP uma grande mostra retros-pectiva, que me possibilitou fazer um mergulho em sua fascinante obra; esse trabalho foi completado em 2004, com a publicação de um livro de 324 páginas sobre a produção do artista.

Quinze anos depois, a exposição “Ismael Nery – Em busca da essência”, na Galeria Almeida e Dale, me deu, novamente, a opor-tunidade de apresentar ao público, esse inquietante artista. Com 60 obras, entre pinturas, desenhos e aquarelas, a mostra reuniu traba-lhos vindos de São Paulo, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro. O recorte curatorial não foi feito cronologicamente, visto que toda a sua obra se realizou em pouco mais de uma década, mas pela criação de conjuntos temáticos como os retratos e autorretratos, os nus, e as marcantes influências de cubismo e expressionismo. Mais importan-te que isso, foi colocar, lado a lado, a produção poética e pictórica de Nery , uma artista completo, que, nas palavras do poeta Murilo Mendes, foi sempre “ismaelíssimo”.

ISMAEL NERY 39

Page 21: Revista Dasartes Edição 44

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Adrian Villar Rojas

Do Mundo

A busca de um destino, muitas vezes, parte de um desejo de autoconhecimento, construção ou desconstrução de uma identidade. Em uma era onde tudo caminha cada vez mais rápido, o espaço é apenas um corredor de passagem, a busca por pertencimento é eterna.

Chiharu Shiota realiza no Sesc Pinheiros uma exposição que, ao mesmo tempo em que possui grande carga pessoal, é colaborativa, formada, em sua maior parte, por objetos do cotidiano doados pelo público especialmente para a ocasião, objetos que pertenceram a outras pessoas e são carregados de histórias e significados pessoais. A exposição trata não só do destino, mas também da memória.

CHIHARU SHIOTAEM BUSCA DO DESTINO

POR THIAGO FERNANDES

Page 22: Revista Dasartes Edição 44

DO MUNDO 42

“Além dos continentes” FOTO: Gal Oppido

A importância de sua exposição no Brasil se dá também pelo fato de a artista quase ter sido brasileira. Na juventude, seu pai cogitou emigrar para o Brasil, mas acabou permanecendo no Japão, onde nasceu Chiharu, em 1972. Portanto, pode-se dizer que a exposição também se trata de um destino irrealizado.

Conhecida por suas instalações monumentais, como a que ocupou o pavilhão japonês na Bienal de Veneza de 2015, a artista não deixa nada a desejar em sua primeira exposição na América Latina. Chiharu Shiota realizou três grandiosas instalações, localizadas em sua maior parte em locais de passagem, e que levam o público a um percurso por histórias individuais contadas por objetos que se conectam.

“Além dos Continentes”, instalada na fachada do Sesc Pinheiros, conta com centenas de sapatos usados doados pelo público. São objetos pessoais que carregam marcas de lugares percorridos, de pessoas, do tempo, conectados por fios vermelhos de lã e organizados em diversas fileiras que partem de um único ponto e seguem diferentes direções.

Page 23: Revista Dasartes Edição 44

CHIHARU SHIOTA 44

“Acumulação - Em busca do destino” FOTO: Gal Oppido

“Acumulação – Em busca do destino” consiste em 200 malas usadas adquiridas pela artista em feiras livres de Berlim, onde reside. A mala tem sua imagem associada principalmente a lugares de passagem, como rodoviárias e aeroportos. Assim como os sapatos, possuem marcas, memórias pessoais e evocam, sobretudo, intimidade. Presas ao teto também por fios vermelhos, as malas flutuam sobre uma escada rolante, formando uma nuvem sobre aquele que também é um lugar de transição. Além do fato de terem sido descartadas, nada se sabe sobre elas, despertando curiosidade sobre quem foram seus donos, quais objetos foram ali carregados, suas histórias e seus destinos anteriores.

DO MUNDO 45

“Cartas de Agradecimento” trata de afetividade e intimidade, é a instalação com maior carga sentimental da exposição e onde a participação do público coloca-se como ponto-chave. A obra é formada por seis mil cartas manuscritas de agradecimento feitas pelo público brasileiro a pedido da artista.

Milhares de pessoas interromperam sua rotina para

agradecer a alguém, em sua maior parte à família, a amigos e a Deus – poucas cartas citam bens materiais.

As cartas estão presas em cerca de 350 km de fios pretos de lã que percorrem todo o espaço expositivo do segundo andar do Sesc e, diferente das outras instalações, não seguem retas, entrelaçam-se criando formas complexas. A teia de Chiharu Shiota captura as memórias e a afeição não só dos que escreveram as cartas dispostas por todas as direções, mas do público que percorre aquele novo espaço arquitetônico criado com corredores de lã. Aqui, a obra é quem cria o espaço de passagem.

O uso exclusivo de objetos usados e cartas escritas manualmente pelo próprio público demonstra o interesse da artista pelas memó-rias já existentes, que eles carregam em si, tornando ainda mais interessante o trabalho de apropriação e conexão entre os objetos.

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“Cartas de Agradecimento” FOTO: Gal Oppido

A artista Chiharu Shiota na montagem da exposição FOTO: Gal Oppido

Nas obras de Chiharu Shiota, tudo está conectado. Além do mag-nífico efeito visual criado pelos fios, eles servem de suporte para os objetos. Seguram, entrelaçam e conectam não só a matéria, mas também as emoções que carregam. São pequenos pedaços de vi-das, cheios de histórias e vestígios de destinos percorridos, que se transformam em uma grande memória coletiva. Inúmeras linhas que indicam inúmeros destinos.

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FOTO: Divulgação

Reflexo

“Tunga não sou eu, Tunga é como se chama o meu nome. A procura de ’quem a gente é’ é mui-to mais intensa do que a procura de identidade. Não se trata da procura da identidade, trata-se da procura de quem você é, dinamicamente. A identidade tem um quê de estático, como se você

por ele mesmoTUNGA

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colocasse o nome e a coisa. A coisa se revela diferentemente a cada fenômeno, então nós so-mos outro, como na frase de Rimbaud, continua-mente, o tempo todo, e isso é uma coisa que me interessa, essa revelação de quem você é, o lado que você vive, o momento que você vive” (trecho da entrevista Rafael Vogt Maia vs. Tunga, 2014).

REFLEXO

Gravitação Magnética, 1987 FOTO: Divulgação

Escultura criada para o MCA Chicago Plaza Project, 2015

Resgate, 2001FOTO: Divulgação

TUNGA

“Acho que a obra carrega em si uma indicação de que a partir da radicalidade de uma experiên-cia, da abordagem da radicalidade de uma expe-riência, é que se constrói uma poética” (trecho do livro “Assalto”, p. 120).

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“Estando diante da obra ’Cooking Crystals’, em vez de se perguntar o que pode ser, significar ou representar, nós devemos ... ADIVINHAR. Como resultado, o trabalho se abrirá para confirmar o palpite, coincidindo com sua própria premissa através da posição dos atributos do trabalho” (catálogo Bienal de Moscou, 2009).

REFLEXO

Cooking Crystals, 2009 FOTO: Divulgação

TUNGA

RVMR: Mas, afinal, esses dedos estão apontando para o quê?T: Para o amor, não? O outro nome dessa exposição é “Eros”. Vejo como uma história de amor com personagens frutos de uma conjunção de amor. O amor no sentido da força da energia da conjunção, capaz de construir a continuidade, que é o Eros. O Eros como aquele que transforma um em três. (trecho da entrevista Rafael Vogt Maia vs. Tunga, 2014).

Acho que, aqui, essas obras, são a presença do Eros, são um, dois, são o

três em um.

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Sem Título, 2014 FOTO: Divulgação

“O sentido da palavra só se dava plenamente nos textos arcaicos sagrados quando ela era cantada. Quando você lê os papiros ou os textos arcaicos da Caldeia ou da primeira alquimia grega dos séculos I e II, já eram frutos da conjunção do saber que nasce no Egito migrando para a Grécia. Quando essas duas culturas se encontram, sendo a cultura egípcia maciçamente mais poderosa que a grega, ocorre uma espécie de adaptação, de simbiose. Em inúmeros textos, já nessa época, a tradução para o grego da palavra dita sagrada que forma a escritura é criticada, porque eles não tinham a capacidade de emitir o som que fazia com que, uma vez enunciada, presentificasse aquilo que enuncia. Seria como se a palavra se transformasse em signo e não no símbolo enquanto totalidade que lhe dá a presença.”

Vou ‘forçar a barra’ no argumento, mas é para

onde ela me remete: a palavra cantada é a

encarnação do mistério.

REFLEXO 55

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Delivered in Voices, 2015 (Festival Novas Frequências) - FOTO: Gabi Carrera

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Charles Cosac FOTO: Cacalo

Adeus à Cosac Naify

Após quase 20 anos de mercado e mais de 1.600 títulos no catá-logo, a editora Cosac Naify causou comoção ao ter seu fim anun-ciado no dia 30 de novembro pelo seu fundador, Charles Cosac. Uma das principais editoras de livros de arte do país, a Cosac Naify ficou conhecida não apenas pelos importantes títulos lançados, mas também pelo design e acabamento sofisticados de seus livros. Em comunicado enviado aos funcionários e reproduzido pelo jornal Fo-lha de S. Paulo, Charles Cosac afirmou: “A editora não está falindo, mas encerrando”. Em outro trecho, escreveu: “Todas as medidas possíveis foram tomadas, mas elas não foram suficientes”. O pri-meiro livro da Cosac Naify foi “Barroco de lírios”, do artista plásti-co Tunga, que conta com mais de 200 ilustrações em mais de 10 diferentes tipos de papel. E será exatamente outro livro do artista pernambucano que encerrará a história da Cosac Naify, cujos títulos já estão sendo negociados com outras editoras. Ainda assim, a falta será sentida nas estantes dos amantes de arte e literatura.

Livros

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Lançamentos

Vik Muniz – Tudo até agora - catálogo “raisonné” 1987-2015Pedro Corrêa do Lago (org.)Capivara – 902 p. (em dois volumes) – R$270,00

Bilíngue (inglês/português), a nova edição da obra completa de Vik Muniz, além de todo o conteúdo da primeira edição, lançada em 2009, mostra também todas as novas séries e obras do artista criadas ao longo dos últimos anos. Nes-sa edição de luxo – com dois volumes contidos em uma caixa – do maior catálogo “raisonné” dedicado a um artista contemporâneo brasileiro, o leitor encontrará quase 1.400 obras produzi-das desde 1987, que representam quase 1.900 imagens, reproduzidas em página inteira, permi-tindo um contato com os materiais utilizados, tão importantes no impacto de seus trabalhos.

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60LIVROS

Elementos do Design Tridimensional Gail Greet Hannah Cosac Naify – 192 p. – R$35,00

O livro apresenta o influente método ela-borado pela professora Rowena Reed Kos-tellow para o desenvolvimento da percepção das relações visuais subjacente à arte, ao de-sign e à arquitetura. Elaborado ao longo de cinquenta anos de docência no Pratt Institute em Nova Iorque, o programa de ensino, divi-dido em quatro partes – Fundamentos, Estu-dos avançados da forma, Estudos do espaço e Desenvolvimento –, é basicamente com-posto por exercícios de crescente complexi-dade, que visam sensibilizar a percepção das relações espaciais e tornar o aluno capaz de operá-las em seus projetos.

61LIVROS

O que é uma escola livre?Lisette Lagnado (org.)Oca Lage e Cobogó – 176 p. – R$ 35,00

Integrante das atividades de comemo-rações dos 40 anos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, o livro compila mais de cem depoimentos escritos a partir da pergunta do título por personalidades do mundo da arte de instituições no Bra-sil e no exterior. As respostas abrangem textos, poemas, fotografias, desenhos e até um “QR code”. Segundo Lagnado, o livro “se propõe a interrogar o futuro de uma escola de arte consagrada por uns e outros como ‘lugar anárquico’ ou espaço para trocas, ‘jardim da oposição’ e inven-ção de percursos, espaço mítico de expe-riência e formação de plateias”.

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62LIVROS

Práticas Contemporâneas do Mover-SeMichelle Sommer (org.)Circuito – 192 p. – R$50,00

Fruto de pesquisa curatorial, que toma o movimento como impulso para proposições artísticas recentes na arte brasileira, o livro é resultante da premiação pública Rumos Itaú Cultural 2013-2014. Delineia-se a partir de mapeamento de artistas e pesquisadores/curadores/críticos de arte que se conectam ao mover-se, tendo como recorte temporal as produções iniciadas pós-2000 e, como recorte espacial, o Brasil como ponto geográfico de origem dos artistas (e não necessariamente de permanência).

63LIVROS

Vestes, Vestígios, Rastros do TempoAdriana FontesPhilae – 100 p. – R$70,00

A edição bilíngue (português e inglês) do fotolivro é um desdobramento da instala-ção audiovisual de mesmo nome, realizada na Galeria do Lago, em 2014. A edição reúne 98 fotografias selecionadas do “site specific” desenvolvido a partir de estímulos sensoriais e poéticos do Palácio do Catete. Porém, no fotolivro, o discurso toma uma forma bidimensional, em um tempo linear e sequencial, determinado pelo próprio ob-jeto. A impressão traz uma nova dimensão perceptiva, revelando estilos que passam do abstrato à fotografia clássica.

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64LIVROS

Amazônia OcupadaJoão Farkas Edições Sesc São Paulo e Editora Madalena – 250 p. – R$ 110,00

Com textos de Paulo Herkenhoff, Ricar-do Lessa, Lilia Moritz Schwarcz e do pró-prio Farkas, a publicação traz imagens da Amazônia do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 que documentam as pro-fundas transformações geradas por sua ocupação, lançando um olhar sensível aos diversos grupos sociais que vivem na re-gião. Resultado de dez incursões à Ama-zônia entre 1985 e 1999, Farkas lança um olhar humanista aos personagens que ali habitam, procurando valorizar as vidas humanas e a natureza, sem deixar de ex-por o impacto que um universo causa so-bre o outro.

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FOTO: Divulgação

Resenhas

Pela primeira vez, o público tem a oportunidade de ver um con-junto representativo de gravuras do artista paulistano Arthur Luiz Piza, um dos maiores nomes da arte brasileira e uma das principais referências na gravura contemporânea. As obras expostas fazem parte de um conjunto maior, que foi doado à Pinacoteca do Estado de São Paulo pelo artista que, aos 87 anos, ainda continua produ-zindo. A mostra, com curadoria de Carlos Martins, reúne 137 obras

A GRAVURA DE ARTHUR LUIZ PIZA

por Jurandy Valença

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RESENHAS 66

produzidas nas últimas seis décadas por Piza, que há anos mora em Paris. Segundo Martins, a seleção de obras foi demorada e trabalhosa, uma vez que o desejo era fazer um recorte significativo e representativo do conjunto de gravuras doado pelo artista à insti-tuição. “A mostra foi, ainda, uma forma de a Pinacoteca expressar o agradecimento pela importante doação feita pelo artista, de 360 gravuras, todas doadas de uma só vez, vindo contribuir substancial-mente com o seu acervo”, afirma o curador.

Depois de ter participado da 1ª Bienal Internacional de São Paulo em 1951, Piza – aos 23 anos – partiu para Paris e, na capital francesa, começou a frequentar o ateliê de Johnny Friedlaender, um dos pioneiros na técnica da água-tinta. No início, ele se apropriou das técnicas de gravura com a utilização de ácidos para a gravação da matriz, a maneira mais tradicional para criar gravuras em metal, água forte e água tinta. Mas, anos depois, iniciou uma série de experiências e, na década de 1960, começou a se apropriar de ferramentas comumente usadas na escultura, como cinzel, formão e goivas, abandonando os ácidos e a alquimia das gravações para trabalhar diretamente na matriz.

Para conseguir negros mais profundos, por exemplo,

começou a fazer entalhes na chapa da matriz de cobre que,

impressa, se tornam relevos com pigmentação concentrada.

ARTHUR LUIZ PIZA

Na mostra, os visitantes poderão ver reunidos trabalhos que exploram o uso da água forte, da água tinta e a ação dos ácidos sobre a matriz de cobre, que trazem ainda a figuração e algumas referências do surrealismo, além de obras do período no qual o artista combinava linhas e formas abstratas. Também estão reunidas na exposição trabalhos que passam a contemplar formas geométricas, que crescem em escala, muitas vezes ocupando toda a superfície do papel. Importante panorama da obra gráfica de Arthur Luiz Piza, a mostra confirma que é fundamental observar que suas gravuras apresentam uma dimensão tátil à sua linguagem visual. “Os relevos despertam o desejo de um contato pelo toque, atraídos que somos pelas formas, texturas, matéria e cor”, ressalta Martins.

Autor de um vocabulário visual próprio, Piza vem criando e compondo há 60 anos uma obra com uma riqueza harmônica e um caráter rítmico inconfundível. Se fosse um compositor, suas gravuras teriam como “leitmotiv” o pensamento gráfico, no qual, por intermédio de diminutas marcas gravadas sobre o metal, são agrupados signos e formas ordenadamente, compondo arranjos visuais com movimentos, texturas, relevos e cores. Como uma partitura visual que, mais do que “ouvida” e vista, quer ser tocada e sentida.

PINACOTECASÃO PAULO/SP

ATÉ 14/02/16

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RESENHAS 68

FOTO: Divulgação

Um desejo alquímico parece atravessar os múltiplos elementos da exposição do pernambucano Gilvan Barreto, na Casa de Cultura Laura Alvim. Intitulada “Suturas”, nela o artista parece deixar mais feridas abertas que fechadas, mais cicatrizes que esquecimentos.

Os materiais transitam entre os diversos suportes e apresentações, como o peso de chumbo que afoga, atravessa livros e paredes, goteja em palavras recortadas redesenhando mapas de lugares inventados.

SUTURAS GILVAN BARRETOpor Raphael Couto

GILVAN BARRETO 69

O que é matéria e o que é imagem? – parece perguntar o artista a todo instante. As imagens parecem transitar entre o corte e a costura, entre a fisicalidade e o índice, como a fotografia de um braço costurado em outro suporte e então refotografado, desaparecendo e reaparecendo em distintos lugares. Memória.

Entre trabalhos recentes e outros anteriores, as feridas abertas e não suturadas aparecem mais intensamente nas fotografias e textos de “o homem elegante”.

Nesta obra, palavras são recortadas de uma carta – aparentemente do próprio artista sobre

o pai, e reescritas na própria pele.

Pulso, costas e outras partes são então marcadas em vermelho como essa criação de cicatrizes: memórias de um pai descarnado que retorna à carne do filho por meio de palavras. Eternização.

O mar parece fechar esse ciclo de perenidades e fragilidades de um ouro nunca alcançado, mas criador de marcas, vestígios e frustrações do desejo poético e espiritual da eternidade: do afogamento às cartografias, o mar (seja o mar do Nordeste, seja o de Ipanema logo em frente) tem seu próprio tempo, salgando e cristalizando a matéria. Cicatriz.

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RESENHAS 70

FOTO: Divulgação

Ursula Tautz vem desenvolvendo experiências artísticas vivamente interessada nos conceitos de memória e narrativa. Os trabalhos apresentados em distintos meios e categorias, tais como objetos, filmes, desenhos, tornam-se componentes para a ocupação dos espaços tendendo ao uso da instalação. Em certos caminhos, Ursula pensa a história dos lugares e se projeta sobre as mesmas. Assim, vê-se a artista se relacionar com a paisagem, de lugares estrangeiros, mas que são, de algum modo, parte de uma história familiar, ainda que tais histórias venham configurar uma memória pessoal não vivida, mas, sim, transmitida pela oralidade de seus ancestrais.

Na exposição Fluidostática, realizada na Galeria do Lago, no Museu da República, Rio de Janeiro, a artista se dedicou às contradições do imaginário palaciano, austero, mas que, ao mesmo tempo, se cerca de um imenso jardim. Têm-se as visões da própria condição da modernidade,

FLUIDOSTÁTICA URSULA TAUTZpor Marcelo Campos

URSULA TAUTZ 71

pastoral e urbana, austera e fluida, como sólidos que, não resol-vendo as dicotomias (burguesia e proletariado, poder e direito), se desmanchassem no ar, parafraseando Marshall Berman. Com isso, o poder, as normas e as leis decididas e firmadas interessaram à artista, pois se está ocupando um palácio que fora do governo, re-sidência de um Presidente da República, quando o Rio era a Capital Federal.

Ursula, então, se dedica a pensar os estados da matéria, os sólidos e fluidos. Assim, lança mão de objetos e líquidos sígnicos e cênicos, como balanços, vidros e tinta de caneta.

Toma-se a decisão de ocupar a galeria com 18 balanços, onde pousam grandes vasilhames

de vidro preenchidos pelo azul diluído da carga de caneta.

As associações são variadas, a primeira e mais direta se liga ao uso da assinatura, da firma, do gesto de se promulgar e impor e, ao mesmo tempo, da garantia de presença e poder exercida nas regras exercidas, segundo Foucault, nas extremidades, muitas vezes “ultrapassando as regras de direito”. Em outra medida, a presença dos balanços nos incita o pensamento das incertezas, do gesto infantil, do momento em que não se controla o corpo, mas, se aceita o risco, o torpor. Inevitável pensarmos nos azuis de Yves Klein e no alviceleste de Márcia X.

De tudo, ficam evidenciadas, na produção de Ursula Tautz, as forças contrastantes, lidando com pesos e flutuações, o repouso do corpo e o movimento e a velocidade do brinquedo. Estamos diante de iminências, ameaças, prenúncios, ainda que a obra nos forneça belas imagens.

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Garimpo

O ganhador do concurso Garimpo de 2015 pelo voto popular é Thiago Toes, curitibano de vinte e nove anos que atualmente vive em São Paulo e já trabalhou como assistente de importantes nomes do circuito das artes visuais, como Osgêmeos e Nina Pandolfo. Das experiências como assistente, Thiago tirou não apenas o aprendizado, mas também o incentivo para investir em um trabalho mais autoral que lhe possibilitasse desenvolver uma linguagem própria. Desde então, sua produção transita entre os campos da pintura, da escultura, da colagem e do grafite, atividade que desenvolve nas ruas paralelamente

THIAGO TOES

POR ELISA MAIA

GARIMPO 73

ao trabalho no ateliê. Em todas essas práticas, é possível notar a potência de uma arte que não oferece respostas, mas busca propor questões, ou seja, a afirmação de uma noção de arte que se impõe como questionamento.

“Sagrado” (2015) é uma das vinte e duas máscaras que compõem a série “Meus Heróis”. Nela, Thiago costura balaclavas utilizando diferentes tecidos e, em seguida, lança mão de massa plástica e tinta automotiva para criar o aspecto de uma obra que parece ser esculpida e que ao mesmo tempo sugere movimento - “a intenção, era aprofundar os significados que a máscara carrega conceitualmente ao longo das minhas produções.”

Ao impedir o reconhecimento social do sujeito, este objeto possi-bilita ações dissidentes, que escapam à normatização e ao controle social. Autoriza, assim, outras atuações; atuações que podem ser, inclusive, heroicas. “O herói, figura tão presente no universo infantil, sempre me intrigou, mas hoje me indagam reflexões a respeito do que significa ser herói, no íntimo desse infinito e complexo universo que carregamos dentro de nós, levando em conta todos os mistérios que cercam nossa existência”, conta Thiago. Para saber mais sobre o artista acesse www.thiagotoes.com.

Como metáfora do anonimato, a máscara

pode funcionar como um dispositivo de mudança

de comportamento.

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Ateliê do Artista

Em seu ateliê, Flemming, como gosta de ser chamado, me re-cebeu para uma conversa sobre como se desenvolveu sua carreira e quais os principais pontos de seu trabalho. Em uma longa e agradá-vel conversa, escutei relatos sobre suas primeiras obras, exposições e situações de vida.

Fale um pouco da sua produ-ção e carreira.Considero minha primeira obra profissional a série “Natureza Morta”, uma série de gravuras em metal, feita em 1978, denunciando a tortura aos presos políticos do Brasil. Acredito que uma obra de arte tem que ter 3 pilares. Se um desses três não estiver presente, a obra fica capenga: cor , forma e conceito. São fundamentais. Dois pontos se repetem todo o tempo ao longo da minha carreira: a

FOTOS: Sylvia Carolinne

POR SYLVIA CAROLINNE

ALEX FLEMMING

ATELIÊ DO ARTISTA 75

serialização das obras e o uso da fotografia. Preciso esgotar todas as possibilidades plásticas da obra através da série e tenho uma profunda relação com a fotografia desde o início. Se formos fazer uma retrospectiva sobre meu pensamento, não sou um artista abstrato, sou figurativo e concreto. Concreto não no sentido concretista, mas no sentido de refletir a minha realidade circundante.

Você registra o seu entorno?Ao longo dos anos tenho estado sempre atento ao meu mundo circundante, retratando a vida em São Paulo, onde nasci, sem esquecer minha cultura luterana, que prezo muito. Interessante perceber que na Alemanha a arte também pode ser documental, diferente de muitos outros países. Com minha série paulistana ganhei a Bolsa Fullbright e fiquei em Nova Iorque trabalhando e pesquisando materiais por dois anos e meio.

O que mudou na sua obra após a via-gem?Sempre me interessou a pesquisa do ma-terial e minhas séries de fotos mostram essa pesquisa todo o tempo. Mesmo as

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ALEX FLEMMING 76

fotos são, ao mesmo tempo, outra coisa. Voltando ao Brasil, voltei às telas para, em seguida, iniciar minhas pinturas sobre superfícies não tradicionais. As primeiras mais importantes foram as pinturas sobre cabeças de boi, apresentadas nas esca-darias do MASP, em 1990. Em 1991, na Bienal de São Paulo, expus uma pro-cissão sobre a morte usando 10 animais empalhados que seriam descartados do museu de zoologia da USP. Após sua vida na selva e sua vida no museu de história natural, eu dava a essas carcaças uma terceira vida na arte.

Você pensa em um caminho que vá guiar sua produção?Eu não falo sobre o futuro!

Mas como funciona sua pesquisa?Eu leio muito, vou muito a museus, via-jo muito. O que a vida me traz se torna tema do meu trabalho e eu me aprofundo nestes temas. O principal é a morte, e a maioria de minhas obras tem a ver com o corpo. O corpo é o símbolo da morte! Porque a vida é a morte. Meus temas na

ATELIÊ DO ARTISTA 77

fotografia são o corpo humano, a arqui-tetura e a religião. Três temas que tem relação com a morte e o homem como centro do universo.

Você costuma ter um ritmo de traba-lho grande, uma rotina de ateliê?Sou viciado no trabalho. Venho todos os dias ao ateliê, seja em São Paulo ou em Berlim, em alguma hora do dia, sem ex-ceção. Para mim o artista tem que pro-duzir caudalosamente. De preferência trabalhos muito diferentes. É claro que sempre há um elo, mas as obras têm que ser muito diferentes e muito vulcânicas. A arte para mim tem que ser bela, sedu-tora, exuberante.

Quando você viaja você cria um espa-ço de produção, um ateliê?Não. Eu necessito do ateliê para materia-lizar minhas obras em pintura, mas há ou-tros processos como a fotografia. Quan-do eu viajo eu penso muito na pesquisa do material e compro objetos que depois eu vou transformar.

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ALEX FLEMMING 78

A maturação da obra acontece o tempo todo. Quando eu

começo a produzir, sei absolutamente o que eu vou fazer do

início ao fim.

E se algo sai errado?Eu destruo, sem a menor dúvida. Quase nunca deixo o acaso acontecer. De vez em quando eu o deixo surgir, mas saben-do que o acaso ainda é uma escolha. Para mim, arte é a manifestação mais absoluta do indivíduo. É uma manifestação total-mente pessoal. Por isso que, nas artes plásticas, eu não acredito em coletivos.

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Feiras

Neste ano, a Paris Photo, a mais tra-dicional e importante feira de fotografia no mundo, apresentou, em sua 19ª edi-ção, 147 galerias internacionais, além de uma seção composta por 27 edito-ras especializadas em foto-livro, afir-mando ainda mais essa tendência para este mercado. Em virtude dos horríveis atentados que rondaram a cidade no dia 13 de novembro, a feira foi fechada no final de semana, reduzindo-se a so-mente quatro dias de evento.

As galerias participantes exibiram muitos trabalhos em que predomina-vam a estética P&B e fotografias raras, sendo peças “vintages”, históricas e que documentaram décadas e movimentos importantes dentro da história da foto-grafia mundial. Algumas das grandes casas contemporâneas como Gagosian, David Zwiner, Daniel Templon e Pace, apostaram em fotógrafos e artistas que já ocupam espaços privilegiados den-

PARIS PHOTOpor Adriano Casanova

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80FEIRAS

tro do Mercado da arte contemporânea internacional, tais como Thomas Stru-th, Hiroshi Sugimoto, Nobuyoshi Araki, Pierre e Guiles, Man Ray, Candida Ho-fer, Sophie Calle, Nan Goldin, entre ou-tros.

Os brasileiros também estavam re-presentados por Cassio Vasconcelos, Caio Reiseweitz, Claudia Jaguaribe, Pablo Lobato, Anna Maria Maiolino, Ja-naina Tschape e Vik Muniz.

Na seleção que segue, tento elen-car alguns trabalhos que mais me cha-maram a atenção dentre as milhares de imagens que ocuparam o suntuoso prédio do Grand Palais.

A galeria japonesa Yumiko Chiba Associates dedicou grande parte de seu estande para o trabalho do artista local Keiji Huematsu. Com obras pro-duzidas em 1975, o artista registrava ações em imagens poética e preto e branco, criando uma sequência video-gráfica para suas fotografias.

Outra grande descoberta foi o tra-balho em Polaroid do artista America-no Julian Schnabel, exposto na galeria Bernheimer Fine Art, da Suíça.

Nesta obra, dez fotografias em pe-queno formato são expostas em mol-duras com um “passpatourt” de cor vi-

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nho e, em cada uma, o papel é dobrado minuciosamente, criando uma alusão à sensação da presença do artista em imagens que registram seu próprio co-tidiano, como também sua própria “sel-fie”, todas feitas em 2010.

Continuando dentro dessa mesma linha, em sua instalação “Punishment exercise”, o artista inglês, e vencedor do Turner Price, Douglas Gordon pro-põe uma imersão em seu retrato. Ex-posta em uma seção da feira curada pelo italiano Lorenzo Paini, com obras da coleção Enea Righi, a instalação é composta por várias fotografias de uma mesma imagem impressa em diferentes tamanhos e dispostas aleatoriamente em uma sala onde o “selfie” do artista é explorado ao excesso.

Em uma analogia direta à rapidez do tempo e das informações que são pro-duzidas e descartadas dos dias de hoje: uma ode à tecnologia portátil.

Não tão longe dali, e sendo parte da mesma mostra, outra instalação tenta se contrapor a essa proposta sugerida pela obra de Gordon. Na instalação do artista alemão Hans-Peter Feldman, “101 Yahre”, fotografias P&B compos-tas por retratos de pessoa de diferentes idades são alinhadas cronologicamen

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82FEIRAS

te. Essa linearidade na sala, junto com a sequência do tempo proposto por esse cenário, sugere ao espectador uma pausa e um respiro poético para o ex-cesso de imagens vistas na instalação anterior e na própria feira.

E, para fechar essa pequena sele-ção, outra imagem digna de destaque é a obra do artista japonês Hiroshi Su-gimoto, apresentada no estande da Pace/Macgill Gallery. A obra é com-posta por um registro de uma escada-ria de arquitetura Bauhuaus, localizada no Moma.É como se o artista sugerisse uma abstração geométrica ao empare-lhar uma arquitetura histórica com uma atual, congelando por um segundo esse tempo através de sua textura e estéti-ca – muito marcante em todo seu tra-balho. Sugimoto se solidifica como um dos fotógrafos mais interessantes da atualidade, que está tão infectada por resgates de memórias e ações do pas-sado que nem sempre são relevantes.

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Em novembro deste ano, ocorreu a 10ª edição da maior feira de arte con-temporânea da badalada cidade de Is-tambul, hoje já considerada uma das feiras mais importantes do circuito. Nos últimos anos, Istambul vem oferecen-do uma gama de eventos culturais de peso e algumas exposições imperdíveis, como a surpreendente exposição “ZERO Countdown to the Future”, apresentada no Sakip Sabanci Museum, que trouxe para o museus obras de importantes ar-tistas do movimento ZERO pós-Segun-da Guerra Mundial, como Otto Piene, Heinz Mack e Lucio Fontana. A Bienal de Istambul também marcou a cidade trazendo para o caos do trânsito, hotéis lotados, festas imperdíveis e jantares à beira do Bósforo um clima de arte sufo-cantemente sensual e irresistível.

Empoderados de uma cultura extre-mamente nacionalista, os turcos nutrem uma grande sensação de orgulho e bem--querer com o país, ao mesmo tempo em que uma preocupação política real e um tanto quanto jovem. Para aque-les que não conhecem seus costumes, as primeiras conversas podem parecer estranhas, mas existe uma inesgotável

CONTEMPORARY INSTANBULpor Bianca Cutait

FEIRAS

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força cultural por trás de cada palavra, e, assim, o ritmo nacionalista intrínseco em cada um começa a fazer sentido. E isso é claramente explícito e compre-endido ao longo da semana que abriga essa feira. Arte turca é bela e miste-riosa, como de seus vizinhos Irã (com uma seção especial para criteriosas ga-lerias) e Líbano (representado pela pro-fissional galeria Mark Hachem), dentre outras artes que atiçaram a curiosidade poliglota desta edição.

Ao contrário de muitas feiras pelo mundo, com o exemplo a grandiosa Art Basel Miami Beach, durante os dias da “Contemporary Istanbul”, a maioria das negociações foi fechada nas úl-timas horas do domingo, já quase ao término de mais um circuito. Galeristas estrangeiros, um pouco mais acostu-mados talvez ao frenesi do “preview” de colecionadores nas primeiras horas do dia anterior da abertura, aguarda-vam confusos e ansiosos para o últi-mo momento, pois já haviam sido avi-sados por colegas regionais: é dessa forma que culturalmente são fechados os negócios. Para penetrar no merca-do, algumas dessas galerias estrangei-ras chegaram a apresentar trabalhos de artistas turcos com muito reconhe-cimento e prestígio. A poderosa Marl-borough, de Nova Iorque, por exemplo, apresentou apenas trabalhos do turco Ahmet Gunestekim e do espanhol Juan

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Genovés, há muito anos representado por eles.

Da maioria das galerias, algumas turcas se sobressaíam com o público, como a Art ON, com pinturas hiper--realistas do jovem artista Onur Man-siz, uma das grandes apostas da fei-ra. Muitas obras eróticas chamavam a atenção de atônitos, em um país mu-çulmano onde conservadores e liberais afastam suas opiniões cada vez mais. E, curiosamente, retratos nas mais va-riadas mídias tomavam contas das pa-redes 102 galerias. O brasileiro Rubem Robierb apresentou seu trabalho pela galeria belga Vogelsang e, ao término dos cinco dias de feira, foi notório que sua peça era uma das mais fotografa-das do grandioso evento.

Istambul, única cidade no mundo si-tuada geograficamente em dois conti-nentes, hoje ocupa importante posto no circuito de feiras com grande potencial para mudar o mercado, e a “Contem-porary Istanbul” já está sendo apontada por conceituados veículos e curadores como uma poderosa alavanca para que isso aconteça, pois tem conseguido trazer o melhor dos dois mundos e dos dois continentes para colecionadores entusiasmados e, apesar das tensões políticas que o país sofre, o mercado de arte turco deverá ser o novo e notável “hub” do momento.

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Como é de se esperar, a Miami ArtBasel chegou com força total no calendário das artes. Com corredo-res lotados todos os dias, a feira, que ocorreu entre 1 e 6 de dezem-bro, atraiu olhares e muitos turistas para a cidade da Flórida. Estima--se que cerca de 60 mil pessoas tenham entrado no país por conta da Art Basel.

No amplo espaço do Convention Center, a 14ª edição da feira levou aos EUA mais de 250 galerias de 32 paí-ses. Entre as representantes brasileiras, marcaram presença as galerias A Gen-til Carioca, Raquel Arnaud, SIM Gale-ria, Luciana Brito, Casa Triângulo, DAN Galeria, Henrique Faria, Mendes Wood DM, Nara Roesler, Luisa Strina, Verme-lho e Anita Schwartz, entre outras.

Como de costume, a feira foi uma ótima oportunidade para ver artistas contemporâneos e modernos consa-grados. Anish Kapoor, Olafur Eliasson e Jaume Plensa eram alguns dos artis-tas cujas obras se distribuíam por vá-rias galerias. Uma das obras que mais

MIAMI ARTBASELpor Equipe Dasartes

FEIRAS 87

chamou a atenção dos visitantes foi a imensa árvore de Ai Wewei em exibi-ção na Galeria Neuger Riemschneider. Também foi parada obrigatória a galeria Landau Fine Art, com uma incrível se-leção de obras de Pablo Picasso, Max Ernst, Wassily Kandinsky, Joan Miró e gigantes da arte.

Entre as brasileiras, a Bergamin e Gomide foi uma das mais frequentadas com um projeto solo de Burle Marx, que levou o estande a ficar lotado durante todo o primeiro dia. Na Galeria Nara Ro-esler, uma obra de Antonio Dias estava em destaque, assim como a série “Fá-bula do Olhar”, de Virgínia de Medeiros, vencedora do Prêmio PIPA 2015. A curitibana SIM Galeria investiu em uma grande instalação de Romy Pocztaruk que gerou polêmica. Com uma grande quantidade de peixes vivos em aquá-rios individuais de vidro, a obra causava choque nos visitantes que, preocupa-dos, chegavam a subir nas prateleiras para conferir se estavam vivos (a atitu-de levou a galeria a colocar uma faixa de segurança determinando a distância que o visitante podia ficar da obra). Na Galeria Raquel Arnaud, um belíssimo bicho de Lygia Clark.

FEIRAS

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FEIRAS

Segundo algumas galerias brasileiras consultadas, as vendas seguiram bem, dentro das expectativas, porém muito mais ligadas ao colecionadores estran-geiros. Ao que parece, os brasileiros que visitam o evento estão mais inte-ressados em conhecer a feira do que necessariamente adquirir obras. A Mia-mi ArtBasel segue como uma das me-lhores feiras para as galerias brasileiras no exterior.

A Dasartes marcou presença com um estande próprio na área de revis-tas, tendo como destaque a segunda edição do Brazil Art Guide, versão em inglês do Guia Dasartes, que apresenta instituições, galerias, artistas e alguns dos principais eventos do calendário brasileiro para quem quiser fazer uma visita ao país.

Para quem estava em Miami, uma série de outras feiras paralelas que ocu-pavam a cidade também foram parada obrigatória, como a Miami Design Fair, Scope, Pulse Miami Beach Contempo-rary Art Fair, X Contemporary, Scope International Contemporary Art Show.

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Gráfico da Bloomberg mostra queda nas vendas em leilões de arte russa em Londres.

Notas do Mercado

1. MERCADO RUSSOde arte talvez seja o que experimentou maior declínio nos últimos 12 meses. Queda no preço do petróleo e sanções econômicas apli-cadas pela União Europeia e Estados Unidos, em retaliação à ane-xação da Crimeia em 2014, causaram retração de 4% no PIB e esfriaram o ânimo de colecionadores. Houve queda de quase 60% nas vendas de arte russa nos leilões das principais casas internacio-nais e o impacto é sentido também nas vendas de grandes artistas internacionais, especialmente impressionistas e pós-guerra, pelos quais há grande demanda entre os bilionários do país. O momento é negro não apenas para o Brasil.

2. DESACELERAÇÃO GENERALIZADA no mercado de arte, e não apenas nos países em crise, é o que in-dica uma matéria do jornal britânico The Guardian. Após alguns se-mestres de frenesi, culminando no início de 2015, os resultados dos leilões mostram uma tendência de baixa nas vendas, especialmente entre artistas jovens, cujos preços decolaram em 2014. Um dos mo-tivos pode ser as estimativas muito altas de preço para obras de arte de qualidade média, que compõem a maior parte do volume de lotes

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Legenda:

Obras de Claudio Bravo, oferecida pela Christies. FOTO: Christies Images Ltd

3. LEILÕES LATINO-AMERICANOS de novembro foram liderados novamente por modernistas do México e Cuba, com forte presença também de obras de Torres-Gar-cia, Claudio Bravo e Fernando Botero. Nas três principais casas de leilão, poucas obras brasileiras estavam em oferta. Em geral, as vendas foram mornas, com poucas disputas emocionantes, mas com um volume de lo-tes não vendidos dentro do esperado. Pela primeira vez, Sotheby’s dividiu seus lotes em dois leilões distintos, de arte moderna e de arte contemporânea, uma divisão difícil e questionável, somando US$21,1 milhões em receitas. Vik Muniz segue sendo um dos

oferecidos. Obras primas continuam sendo disputadas ferozmente e batem recordes, como comprovou a recente venda de um Modigliani pela Sotheby’s por mais de US$170 milhões (Veja mais em nossa edição 43 – no app ou no site > menu A Revista) . Muitos veem esta queda no ritmo como um ajuste previsto e necessário, após um boom forçado pela recuperação norte-americana e por períodos de bonança em economias como as do Brasil, Russia e China. De acor-do com Adam Sheffer, presidente da Associação de Marchands dos Estados Unidos, “de nosso ponto de vista, parece que o mercado está se acomodando em um ritmo mais responsável e confortável”.

NOTAS DO MERCADO 91

Obra de Adriana Varejão vendida pela BGA por US$ 365 mil, estimada entre US$ 300 mil e US$ 500 mil. FOTO: Christie’s Images Ltd.

4. BRAZIL GOLDEN ART, fundo de investimento em arte criado em 2011 como o primeiro a atuar no Brasil, vendeu parte de sua coleção no leilão latino-americano da Christie’s em novembro. Na época de sua criação, muitos criticaram sua política de atuação, que previa uma data fixa para liquidar as obras. Como em todos os mercados, há momentos bons e momentos ruins para se vender e o momento não podia ser pior. Dentro do cenário negro, os resultados surpreenderam: todos os lotes se venderam, ainda que alguns deles por valores iguais ou abaixo da estimativa baixa. A recente e assustadora alta do dólar garantiu receitas ainda mais positivas quando medidas em reais. Heitor Reis, gestor do fundo e tema de nossa seção “Coleção” em junho de 2014, está de férias e não pode responder se tais receitas foram suficientes para dar aos investidores o retorno esperado.

pouco brasileiros com vendas consistentes, reforçando sua boa in-serção internacional: dos sete trabalhos oferecidos, seis encontraram compradores, dois deles por valores acima das estimativas altas. Do outro lado está Mira Schendel, com quatro trabalhos oferecidos e apenas um vendido.

NOTAS DO MERCADO

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ColeçãoPOR JURANDY VALENÇA

Sergio Carvalho, 54 anos, é um dos mais importantes colecio-nadores brasileiros; começou a colecionar em 2003 e, atualmente, sua coleção tem cerca de 1.500 obras que mantém abrigada em sua casa e em mais oito locais diferentes em Brasília, onde mora e trabalha. Sua coleção reúne arte contemporânea brasileira produzida desde os anos 2000, e um recorte dela – com cerca de 200 obras

SERGIO

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de 62 artistas – esteve recentemente em cartaz no Rio de Janeiro, no Centro Cultural dos Correios na exposição “Vértice”. Com curado-ria de Marília Panitz, Marisa Mokarzel e Polyanna Morgana, a mostra reúne obras de Antonio Dias, Berna Reale, José Rufino, Lucia Koch, Marcelo Moscheta, Nazareno, Nino Cais, Paulo Nazareth, Rodrigo Braga, Rubens Mano e Hildebrando de Castro, entre outros. A Da-sartes conversou com Sergio sobre a exposição e sua coleção.

Como surgiu a ideia da mostra “Vértice”?A exposição se insere em um projeto de maior envergadura, denomi-nado Coleções, idealizado por Daiana Castilho, da 4ART Produções Culturais, com o propósito de mostrar acervos privados ao público. Fui o primeiro colecionador escolhido. A próxima mostra prevista será sobre o acervo de um colecionador de Minas Gerais.

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COLEÇÃO

Como surgiu sua coleção e seu interesse em estabelecer uma relação de amizade com os artistas que coleciona?No final de 1999, após produzir alguns CDs e shows de amigos instrumentistas, conheci o pintor baiano Zivé Giudicce, radicado em Brasília, que me apresentou a obra de outros artistas baianos. Depois, no início de 2003, conheci Valéria Pena-Costa, Nazareno, José Rufino e Eduardo Frota. Por uma amiga em comum, conheci Emmanuel Nassar.

Nesse momento, tal qual no universo musical, percebi a importância de se conhecer o artista: seu modo de agir e pensar, seu comprometimento

com o próprio universo criativo, seus desafios e ambições.

Quais as exposições realizadas com a coleção?A 1ª exposição da coleção (Duplo Olhar) foi realizada no Paço das Artes, em São Paulo, em 2014, com curadoria de Denise Mattar. A 2ª exposição (Vértice) foi apresentada em Brasília e no Rio de Ja-neiro, e segue para São Paulo em fevereiro.

94 COLEÇÃO

Posteriormente, conheci o Joaquim Paiva, por intermédio do Na-zareno, e foi quando, pela primeira vez, vislumbrei, de fato, uma coleção. Nesse momento, percebi que pouco importa se o artista irá ou não acontecer. Isso é irrelevante. O que importa é que a obra encha os olhos. Espelhado no exemplo de Paiva, as aquisições se sucederam de forma gradual e constante, agora com o objetivo de formar um acervo representativo de cada artista eleito, balizadas, inicialmente, por indicações dos artistas com quem mantinha con-tato. Sempre mantive, contudo, a preocupação em estabelecer re-lações que ultrapassassem o inicial interesse comercial. Nunca me satisfez colecionar trabalhos de alguém que não conheça pessoal-mente. Por outro lado, procurei agrupar diversas obras de cada ar-tista, tentando formar um acervo significativo dos diferentes univer-sos poéticos. Nesse contexto, como diz Delson Uchôa, acabei por colecionar amizades. Em verdade, para mim, isso é o que importa.

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Relatos FOTO: Vicente de Mello

COLEÇÃO

Sua coleção está espalhada em diversos lugares?Como o acervo assumiu uma grande proporção, algo em torno de 1.500 obras, além de construir duas reservas técnicas, pedi em-prestadas as paredes de dois irmãos e seis amigos.

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COLEÇÃO

Você pensa em abrir um instituto, um espaço único para abri-gar e exibir sua coleção?Na minha compreensão, uma coleção não deve ser secreta. Oculta e impenetrável, perde sua razão de ser. Penso que há de se tornar um local de pesquisa, educação e difusão. Por isso, acalento o sonho de tornar a coleção pública. Mas, sendo realista, não se pode exigir que o colecionador tenha mil e uma utilidades. Ele terá que fazer tudo? Comprar obras, conservá-las, catalogá-las, adquirir um imóvel para abrigar o seu acervo, para, depois, suportar todos os gastos com a manutenção de um espaço que se pretende franqueado ao público? Por essas razões, hoje, a ideia de um instituto parece dis-tante. Atualmente, penso em um comodato com alguma instituição. Caso isso se concretize, imagino abrir um espaço para residências artísticas, englobando artes plásticas, literatura e música.

CENTRO CULTURALDOS CORREIOSSÃO PAULO/SP

ATÉ 26/03

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Coluna do Meio

MAM-RJAbertura da exposição “A Importância de Ser...”Fotos: Paulo Jabur

Andrea Gonçalves, Paulo Branquinho e Rita Capell

Daniella Géo e Anna Bella Geiger

Marcos Chaves e Luiz Camillo Osório

Luiz Camillo Osório e Charif Benhelima

Sara Alonso Gómez e Bruno Devos

Bruno Devos, Sara Alonso Gómez, Luiz Camillo Osório e Laercio Redondo

Lucas Lins e Rodrigo Andrade

Rodrigo Andrade e Vicente de Mello

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Galeria Casa NovaAbertura da exposição de Carla ChaimFotos: Carolina Krieger

Andre Gravata e Serena Labate

Claudia Jaguaribe e Adriano Casanova

Felipe Isola e Duccio Cipriani Isabella Lenzi e Andre Lion

Andre Komatsu Carla Chaim, Julia Kater e Marcelo Minari

Daniel Caballero e Celia Saito

Daniel Marchezini e Danilo Rosa

COLUNA DO MEIO 101

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Jacqueline Faus, Estela Miazzi e Beatriz Chachamovits

Marcel Engelberg

Michel e Luciana Farah

Julia Rettmann, Marina Smit e Denise Yui

Marina Camargo

Nino CaisNazareno Rodrigues

COLUNA DO MEIO 102

MuBEAbertura da exposição do Concreto ao Alegórico de Francisco KlingerFotos: Pedro Marinho

Alexander Pilis e Rosana Bustamante

Francisco Klinger Carvalho e Luciano Zanette

Guto Lacaz Joern Alf Bisinger, Francisco Klinger Carvalho, Guto Lacaz e Gustavo Freiberg

Anke Schüttel, Eva Fiedler Carvalho e Anne-Kathrim Hoch

Eva Fiedler Carvalho, Francisco Klinger Carvalho e Rosana Bustamante

COLUNA DO MEIO 103

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Jorge Frederico Magnus Landmann e Katharina von Ruckteschell

Ricardo Barreto, Juliana Caloi e Raquel Fukuda

Ricardo Barreto, Juliana Caloi e Raquel Fukuda

Katharina von Ruckteschell, Susanne Fernandes Silva e Francisco Klinger Carvalho

Ricardo Resende Rosana Bustamante

COLUNA DO MEIO

José Spaniol e Francisco Klinger Carvalho

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Galeria TransarteAbertura da exposição do Prêmio Transarte LGBT - Identidade e GêneroFotos: Rogério Casseniro

Bianca exótica e Rafael Bqueer

João Spinelli, Piza e Lena

Maria, Leonor Amarante, Dudu Flexor, Clélia e Arthur Luiz Piza

Maria, Paulo von Poser e Ida Serand

Maria, Vera Laffer e Lena

Dudu Flexor, Arthur e Clélia Piza

Frente nossa na rua lotando.

Lena, Maria e Marcelo Araujo

Maria e Vera Laffer

COLUNA DO MEIO 105

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Centro Cultural da Justiça FederalAbertura da exposição O Espaço, a Matéria e o OlharFotos: Paulo Jabur

Premiados Rodrigo Mogiz e Rafael Bqueer

Fátima Rodrigues e Fernanda Pinto

Leonor Décourt e Alex Gama

Tarsilia do Amaral, Michel Safatle

Helena Wassersten e Evany Cardoso

Rafael Bqueer, Fernando Mendes e Roberto Gambini

Fátima Rodrigues, Marcos Bonisson e Evany Cardoso

Leonor Décourt, Fátima Rodrigues e Evany Cardoso

Roberto Tavares e Dani Ferreira

COLUNA DO MEIO 106

MAM-RJAbertura das exposições O Design e a Madeira - coletiva de design - e O que Acaba Todos os Dias, de Laércio RedondoFotos: Paulo Jabur

Ana Teresa Bello e Maria Flor

Floriano Romano e Gisele Camargo

Juliana Cintra e Laercio Redondo

Leonardo Lattavo e Pedro Moog

Pedro Moog, Vera Beatriz Rodrigues e Fernando Mendes

Antonio Bernardo e Bebeto Gouvêa Chateaubriand

Antonio Dias, Paola Chie-regato e Antonio Bernardo

Ivan Rezende e Aída Boal Ivan Rezende, Fernando Mendes e Leonardo Lattavo

COLUNA DO MEIO 107

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Mul.ti.plo Espaço ArteExposição comemorativa de mais um ano da parceria entre a Mul.ti.plo Espaço Arte e a editora catalã PolígrafaFotos: Paulo Jabur

Ricardo Graham e Túlio Mariante

Danielle Paiva, Sansão e Beto Silva

Túlio Mariante, Ivan Rezende e Bebeto Gouvêa Chateaubriand

Stella Silva Ramos e Eleonora Paes de Carvalho

Túlio Mariante, Bebeto Gouvêa Chateaubriand e Antonio Bernardo

Luiz Camillo Osório e Cristina Magalhães Pinto

Vera Beatriz Rodrigues e Carlos Simas

COLUNA DO MEIO 108

Franklin Pedroso e Cristina Magalhães Pinto

Cabelo e Pedro Paranaguá

Cabelo e Maneco Müller Sara Venosa e Sylvia Carolinne

Ângelo Venosa e Maria Carmen Perlingeiro

Luiz Camillo Osório e Maneco Müller

Franklin Pedroso e Maria Carmen Perlingeiro

Gabriela Machado e Beth Jobim

Gabriela Machado e Ângelo Venosa

COLUNA DO MEIO 109

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Eugenia de Muga e Paula Muriel

Ruth Chindler e Daniel Feingold

Leda Catunda e Paola Chieregato

Iole de Freitas e Antonio Dias

Maneco Müller e Waltercio Caldas

André Sheik e Ricardo Becker

Leda Catunda e Antonio Dias

Iole de Freitas e Waltercio Caldas

Daniel Senise e Waltercio Caldas

COLUNA DO MEIO 110

Galeria do Lago, Museu da RepúblicaLançamento do fotolivro Vestes, Vestígios, Rastros do Tempo da artista Adriana FontesFotos: Júnia Azevedo

PivôLeilão Anual do Pivô 2015Fotos: Felipe Castellari

Antonio Dias e Waltercio Caldas

Jorg Blatter, Thiago e Daniel Caó, Cíntia Fontes e Adriana Fontes

Alessandra Negrini

Maria Carmen Perlingeiro e Nando Grabowsky

Tissi Mousinho e Adriana Fontes

Patrícia Caldas e Stella Silva Ramos

Roberto Caldas, Adriana Fontes e Juliana Câmara

Cibelle Cavalli Bastos e Pablo Leon de la Barra

COLUNA DO MEIO 111

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Douglas Freitas, Laura Vinci, Laura Gorski e Bruno Faria

Jean Pierre Cedroni e Jac Leirner

Julia Bac

Maria Catarina Duncan

Fernanda Brenner, Sandra Oksman, Lorena Lívia Benedetti

Luiz Roque e Cibelle Cavalli Bastos

Vera CeschinRita Vidal

COLUNA DO MEIO 112

Alto Falante

A imagem de naufrágio está presente desde sempre como um tema clássico na literatura universal. Desde as desventuras imemo-riais de Ulisses, eternizadas por Homero na “Odisseia”, às inúmeras narrativas que despontam a partir do século 17, com a intensificação das grandes navegações e descobrimentos além-mar, este será um motivo recorrente, consagrando-se, sobretudo, na forma de rela-tos romanceados. Do incontornável “Robinson Crusoe” (1719), de Defoe (baseado no caso verídico do marinheiro escocês Alexander Selkirk), marco seminal no gênero, passando pelo “Gulliver”, de J. Swift, por diversas obras de Júlio Verne e até pelo “Moby Dick”, de Melville (não podemos esquecer que o narrador é ele próprio so-brevivente do naufrágio do baleeiro Pequod), dentre tantos outros, o fascínio pela imagem de colapso do homem frente à vastidão do mar é sempre reafirmado. Mesmo já no século 20, esse mote não é esquecido, emergindo, por exemplo, em “O senhor das moscas”, de W. Golding e, em sentido figurado, n’”O Náufrago”, de T. Bernhard.

Para além do mero ímpeto descritivo, essas narrativas muitas ve-zes têm como “pano de fundo” uma pulsão alegórica, buscando comentar o preço a pagar pela soberba humana implícita no ato de desafiar as forças da natureza; a ciência e a tecnologia sucumbem perante o poderoso elemento natural, não raro permitindo fortes co-notações simbólicas.

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DA DERIVA

POR GUY AMADO

Page 58: Revista Dasartes Edição 44

O processo artístico, não raro, pode ser

interpretado como sujeito a uma condição de deriva.

ALTO FALANTE

O que nem sempre ganha destaque nessa tradição literária é um aspecto subjacente aos naufrágios, e que aqui nos interessa especialmente: o da condição da “deriva”. Pois quase todo sobre-vivente de tragédias marítimas, verídicas, ficcionais ou ficcionadas, forçosamente experienciou essa situação, em diferentes graus de adversidade: a de se ver subitamente entregue aos desígnios das forças naturais, ficando à mercê das águas, ventos, marés e fauna marinha. E, sobretudo, de se ver imerso em si mesmo: em uma de-riva prolongada, o espírito humano pode ser o maior aliado e o pior inimigo do náufrago. Trata-se de situações extremas em que con-vergem e se sobrepõem de modo conflituoso a vontade e o instinto, a imaginação e a resiliência, o corpo e a mente. Não há náufrago que não tenha enfrentado a deriva, tenha sido ela breve e amena ou das mais longas e desesperantes.

E a noção de deriva marítima interessa aqui pelos pontos de aproximação que ela mantém com o universo das artes: o processo artístico, não raro, pode ser interpretado, de certa forma, como sujeito a uma permanente, ou ao menos recorrente condição de deriva. Afinal, lembremos que uma característica essencial desta se pauta na ideia de ausência de rumo – ou ao menos falta de controle sobre o mesmo –, bem como na expectativa pela eventual chegada a um porto seguro. O que, por sua vez, nos leva a outro elemento-

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chave em boa parte da literatura de náufragos: a presença da “ilha”. Esses pedaços de terra, que já se converteram em clichê “do outro”, pairam sempre como símbolos da materialização da sobrevivência. A partir desses dados, associados à total consciência de se estar ao sabor dos acontecimentos, não é difícil estabelecer um paralelo com a esfera da criação. O artista é frequentemente tomado pela sensação do rumo perdido, à espera de marés que o conduza a uma “ilha” – que pode, por vezes, estar no interior da linguagem em que atuam. Há muitos artistas que trabalham mesmo nessa chave, fazendo da deriva seu “modus operandi”, sem visar a um rumo determinado ou a um porto final; prevalece o processo em si, e as marcas a ele inerentes.

Para encerrar, um contraponto ou complemento interessante pode estar na saga de Alain Bombard, biólogo e médico francês que desenvolve uma extensa pesquisa acerca das possibilidades de

DA DERIVA

ampliação da sobrevida em alto-mar. Cansado do desinteresse e ceticismo para com suas proposições revolucionárias, o cientista e aventureiro lançou-se a si próprio (em 1952) em uma solitária tra-vessia transatlântica – de Marrocos a Barbados – em um precário bote inflável equipado apenas com recursos mínimos. Navegou em uma espécie de “deriva semicontrolada”: com algum planejamento, mas ainda assim sem meios de interferir efetivamente em sua rota e no curso dos acontecimentos. O que talvez seja também uma de-finição adequada para a práxis artística.

Alain Bombard navegou em uma espécie de “deriva

semicontrolada”: com algum planejamento, mas sem meios de

interferir efetivamente em sua rota.

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