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Revista Em Movimento nº3

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Marcio Pochmann: Redução da jornada, um novo marco civilizatório. Alfredo Rada: Reformas políticas e econômicas na Bolívia

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Page 1: Revista Em Movimento nº3
Page 2: Revista Em Movimento nº3

>>EDITORIAL<<SINDICATOS FILIADOS

SINDICATO DOS ENGENHEIROS DA BAHIATel.: (71) 3335-0510 / 3335-0157

[email protected] www.sengeba.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Telefax.: (27) [email protected]

www.senge-es.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE MINAS GERAISTel.: (31) 3271-7355 / 3226-9769

[email protected] www.sengemg.com.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO PARANÁ

Tel.: (41)3224-7536 / [email protected]

www.senge-pr.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DA PARAÍBA

Telefax.: (83) [email protected]

www.sengepb.com.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE PERNAMBUCO

Telefax.: (81) [email protected]

www.sengepe.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Tel.: (21) 2532-1398 / 2220-0174 Fax.: (21) 2533-3409

[email protected] www.sengerj.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE RONDÔNIA

Telefax.: (69) 3223-7647/ [email protected]

www.senge-ro.org.br

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE SERGIPE

Telefax.: (79) 3259-3013 / 3259-2867Telefone (79) 3211-1385

[email protected]

SINDICATO DOS ENGENHEIROS NA CIDADE DE VOLTA REDONDA (RJ)

Tel.: (24) 3343-3077 / [email protected] www.senge-vr.org.br

SEAGRO-SC – SINDICATO DOS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS DE SANTA CATARINA

Tel.: (48) 3224-5681 / [email protected]

FISENGEAv. Rio Branco, 277, 17º andar CEP.: 20040-009 Cinelândia, Rio de Janeiro – Brasil Tel.: (21) 2533-0836 Fax.: (21) 2532-2775 fi senge@fi senge.org.br

SINDICATOS FILIADOS

SINDICATO DOS ENGENHEIROS DA BAHIATel.: (71) 3335-0510 / 3335-0157

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE MINAS GERAISTel.: (31) 3271-7355 / 3226-9769

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO PARANÁ

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DA PARAÍBA

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE SERGIPE

Telefax.: (79) 3259-3013 / 3259-2867Telefone (79) 3211-1385

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SINDICATO DOS ENGENHEIROS NA CIDADE DE VOLTA REDONDA (RJ)

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SEAGRO-SC – SINDICATO DOS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS DE SANTA CATARINA

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Page 3: Revista Em Movimento nº3

>>EDITORIAL<<

Muitas são as ameaças à 1ª Conferência

Nacional de Comunicação (Confecom).

Este é um sentimento real, que nos faz fi car

cada vez mais alertas. A expectativa é de que este grande

e histórico encontro seja um marco na discussão sobre

os rumos da comunicação no País – um inquestionável

salto de qualidade da democracia brasileira.

Há muitos anos os movimentos populares reivindicam

espaços para realizar esse debate no País. Convocada

pelo Governo Federal para acontecer dias 1°, 2 e

3 de dezembro de 2009, a Cofecom conta com a

mobilização dos diferentes setores e articula mais de

400 entidades da sociedade civil, distribuídas em todas

as regiões e organizadas nas Comissões Estaduais Pró-

Conferência de Comunicação. Audiências públicas,

seminários, debates, artigos e publicações reúnem

interesses, ideologias e perspectivas da sociedade

brasileira.

De outro lado, a quatro meses da Conferência, a

Comissão Organizadora Nacional da Confecom ainda

não concluiu o documento que defi ne o regimento

interno para a realização das etapas municipais,

estaduais e nacional do evento. O Governo também

não tem claro qual o orçamento possível, já que o

previsto sofreu corte drástico de 80%. Os empresários

abandonaram o barco e decidiram não participar.

Alguns segmentos lamentaram. Acreditam que eles

dariam maior legitimidade ao encontro. Outros, que

têm a ilusão da possibilidade de diálogo com as

empresas de comunicação, no estilo “todos unidos

pela democratização da informação”, lamentaram

mais ainda. Finalmente, um terceiro segmento aposta

no papel da sociedade brasileira na construção deste

processo, reivindica voz e vez e segue em busca de

mobilização crescente na luta contra a hegemonia do

capital.

Os empresários sinalizam com propostas inaceitáveis:

confi rmam a participação, caso setores empresariais

tenham uma representação de 40%; setores não

empresariais, 40%; e Poder Público, 20%. É inevitável

que tentem esvaziar a Conferência e impedir que

reivindicações históricas sejam aceitas pelo Poder

Público e pela sociedade. Não é nenhuma campanha

sistemática contra os empresários da comunicação

no âmbito da Conferência, mas acreditar que

vão concordar com um encontro que questiona o

monopólio e oligopólio na comunicação e, entre muitos

outros itens, o controle de concessões de rádio e TV

por políticos e partidos é um grande equívoco dos

movimentos sociais.

Sabemos que o peso político do debate em pauta não

tem se traduzido com a força que precisamos nos

fóruns de debate da pré-conferência. A força de nossa

participação tem que ser construída e organizada

a partir de um processo de mobilização que conte

com toda a mídia do movimento sindical e todos os

meios de comunicação a serviço dos trabalhadores. O

momento é esse, e a oportunidade, única.

Carlos BittencourtPresidente da Fisenge

MÍDIA SINDICAL A SERVIÇO DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE COMUNICAÇÃO

Page 4: Revista Em Movimento nº3

Diretoria Executiva

Presidente - Carlos Roberto Bittencourt (PR)

Vice-presidente - Vicente de Paulo Alves Lopes Trindade (MG)

Diretor Financeiro - Renato dos Santos Andrade (BA)

Secretário-Geral - Clovis Francisco Nascimento Filho (RJ)

Relações Sindicais - Fernando Elias Vieira Jogaib (VR)

Diretor Executivo - Raul Otávio da Silva Pereira (MG)

Diretor Executivo - Eduardo Medeiros Piazera (SC)

Diretor Executivo - José Ezequiel Ramos (RO)

Diretor Executivo - Roberto Luiz de Carvalho Freire (PE)

Diretoria Executiva Suplente

José Carlos de Assis (ES)

Jorge Dotti Cesa (SC)

Ludmilla Martins Chagas (RO)

Agamenon Rodrigues Eufrásio de Oliveira (RJ)

Luiz Antônio Cosenza (RJ)

Márcia Ângela Nori (BA)

Ulisses Kaniak (PR)

Gilson Luiz Teixeira Néri (SE)

Clayton Paiva (RJ)

Conselho Fiscal

Marcus Fixel Hoffmann (VR)

Rogério do Nascimento Ramos (ES)

Tigernaque Pergentino de Sant’ana (SE)

Conselho Fiscal Suplente

Laurete Martins Alcântara Sato (MG)

Rolf Gustavo Meyer (PR)

Mauro de Carvalho Vasconcelos (BA)

Em Movimento é uma publicação da FISENGE

Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.

Av. Rio Branco, 277 - 17º andar Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-009

Tel / Fax: (21) 2533-0836 / 2532-2775 fi senge@fi senge.org.br

www.fi senge.org.br

Jornalista Responsável: Tania Coelho – Reg. Prof. 16.903

Redação: Camila Marins e Rodrigo Mariano

Colaboração: Rosane de Souza

Capa, Ilustrações e Programação Visual: Ricardo Bogéa

Produção: Espalhafato Comunicação

Impressão: Grafi ttto; Tiragem: 10.000

© É permitida e estimulada a reprodução desde que citada a fonte.

Patrocínio:

Su mário

CARNAVAL

Privatização do lazerPág. 3

IGUALDADE

A importância e a visibilidade do trabalho da mulher profi ssionalPág. 5

ENTREVISTA

Alfredo Rada, Ministro de Governo da BolíviaPág. 13

HABITAÇÃO

Desafi os da redução do défi cit habitacional no BrasilPág. 9

CAPA

Energia das mais caras do mundoPág. 15

AMÉRICA LATINA

Paraguai & Brasil: políticas de desenvolvimento continental Pág. 22

TRABALHO

Um novo marco civilizatórioPág. 27

CULTURA

Morre um artista que deixa a resistência como sua melhor forma de artePág. 35P

Page 5: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 3

>> CARNAVAL<<

Ignoro o critério dos órgãos res-

ponsáveis pelo carnaval de Sal-

vador, para estabelecer o percurso

dos blocos, trios alternativos, inde-

pendentes ou qualquer outro nome

dessas parafernálias musicais. Até

que me esforcei por saber, junto a

um órgão de turismo, mas não tive

êxito na resposta. Certo é que al-

guns/algumas dos “deuses/deusas”

que puxam essas “corporações”

não passam pelos tradicionais per-

cursos da Avenida Sete, Piedade,

São Pedro, Praça Castro Alves,

chamado Circuito Campo Grande

(ou Osmar), que prefi ro designar

por “Circuito Senzala”, tal é a ma-

nifesta concentração de nichos de

pobreza que ali se aglutinam. Mui-

tos desse reis/rainhas do axé, pa-

gode, desfi lam apenas pelo trajeto

Barra/Ondina (ou Circuito Dodô),

que denomino “Circuito Casa

Grande”, em razão do grupo de

elite que prefere curtir o carnaval

com “segurança”, longe da “mistu-

ra” do centro da cidade.

Por escolha política, estou

no “Circuito Senzala” e, do alto

do quinto andar de um prédio

em frente ao velho Jardim da

Piedade, cercado por grades de

ferro escondidas atrás de muralhas

é verdadeiro). Lamentavelmente

essa festa, em nossa capital, vem

resgatando a fi gura de um navio

negreiro, dessa feita, sofi sticado

e de elevada tecnologia. Grilhões

de antigamente agora são cordas

que negros e negras arrastam, de

mãos enluvadas, para dar proteção

à grande massa de brancos e

brancas que se torce (nem sempre)

Privatização do Lazer

Salvador: “apartheid” e seletividade em uma ilha de brancos cercada por uma corda de negros

Marília Lomanto Veloso

Doutora em Direito pela PUC/SP, professora

de Direito da UEFS, ex promotora de Justiça

da Bahia, membro do Conselho Penitenciário

do Estado da Bahia e presidente do JusPopuli/

Escritório de Direitos Humanos

de madeira, posso enxergar com

maior objetividade o carnaval

declamado internacionalmente por

ser a mais intensa expressão de

alegria (e com razão) e de respeito

à diversidade étnica e cultural

que marca nosso povo (o que não

em frente, ao lado e no rastro dos

possantes veículos que transportam

“deuses/deusas” (às vezes negros e

negras) do axé, do pagode e de não

sei mais o quê.

No podium simbolizado pelos

trios elétricos, o encanto e a fama

Gozo e delírio da maioria pobre no centro de Salvador.

Fo

to:

ba

nco

de

im

ag

en

s

Page 6: Revista Em Movimento nº3

4 | EM MOVIMENTO

de rostos globais, convidados es-

pecialmente para gozo e delírio da

maioria pobre, apinhada e compri-

mida ao longo do espaço público le-

gal (mas ilegitimamente) apropriado

pelas elites que desfi lam nas grandes

empresas/blocos que dominam o

mercado carnavalesco de Salvador,

produzindo um espetáculo destina-

do principalmente aos ricos e aos

turistas que ocupam a cidade duran-

te a folia momesca.

Enquanto arde minha repulsa

pela expropriação dos sítios de di-

vertimento em Salvador, continuo a

espiar o rito de passagem dos trios.

Em um deles, sem bloco, três jovens

negras reverenciam Carmem Miran-

da. Fico à espera dos gritos dos “es-

premidos” na Praça Piedade. Nada

acontece. O silêncio e a indiferença

do público deixam claro que as vo-

calistas, não obstante afortunadas na

escolha das vestes e do repertório,

não eram midiatizadas, logo, não

conseguiam animar a plateia.

Outros trios passam. De repente,

acontece a explosão. A Praça Pie-

dade enlouquece, mobilizada por

uma das “deusas” douradas que co-

mandam o espetáculo do carnaval

da Bahia. E outros “deuses/deusas”

se sucedem, enquanto também se

aglomeram os “excluídos da corda”,

pulando entre as barreiras formadas

pelos edifícios, pelo jardim e pelas

“correntes vivas” que circundam os

blocos. Não só, o muro se fortifi ca

por fi leiras de policiais militares,

que parecem ter olhos e ouvidos

apenas para os negros fora da cor-

da, os quais, em todos os momentos

que pude presenciar, eram os únicos

abordados.

Carnaval de Salvador é isso aí:

uma ilha de brancos cercada por

uma corda de negros e negras. Foi

a única resposta que consegui for-

mular diante da indagação que me

fez uma paulista sobre essa festa

já tão deformada na sua feição de-

mocrática. Um simples olhar sobre

os blocos/empresas carnavalescos

é o bastante para consolidar essa

afi rmativa que dialoga com uma

realidade oposta aos dias de carna-

val, único tempo em que a minoria

branca e rica predomina sobre uma

cidade histórica e matematicamente

negra e pobre. Desse modo, os “ha-

bitantes” ocasionais de quase todas

essas “cidades dos blocos” escan-

caram um violento e insuperável

contraste com a população negra

dos cárceres, das invasões, das pe-

riferias, das favelas, dos quilombos,

dos sem-teto, dos sem-terra.

Por todo o período de carnaval,

negro é o tom da corda, dos ambu-

lantes que circulam aos milhares.

É a cor do povo “fora dos blocos”,

olhando das calçadas, pulsando ao

som de altíssimos equipamentos

que amplifi cam à exaustão as vozes

dos “mitos” da passarela e aplau-

dindo os desfi lantes dos blocos,

talvez, na sua expressiva maioria,

descendentes dos colonizadores de

terras no passado, e agora, dos es-

paços antes livres para brincar e da

alegria que vibra a cada passagem

dos “latifundiários da folia”.

De fato, no carnaval de Salva-

dor, a rua, a avenida, a praça, cons-

tituem-se no grande domínio des-

ses novos sujeitos sociais que são

os empresários donos dos blocos e

seus associados. É verdade que al-

gum recinto sobra para afrodescen-

dentes, por sua inigualável capaci-

dade vocal e instrumental. Mas, por

vezes questiono se essa aclamada e

fascinante musicalidade não termi-

na sendo uma estratégia excludente

a partir de um discurso de inclusão

social. Isso signifi ca a urgência em

se refl etir sobre a utilização, pelas

elites, do espaço da música e dos

tambores como um grande quilom-

bo, distanciando o potencial de ne-

gros e negras das “catedrais crista-

lizadas” que são as universidades e

de outros locus de poder.

Nesse contexto, chama atenção a

quem se dispõe a fazer uma leitura

crítica do carnaval de Salvador, o

fato de que, em nenhum outro mo-

mento, a luta de classes se revela

com tamanho vigor em nossa cidade.

As ruas, praças e avenidas que de-

veriam pertencer ao povo, seu titular

legítimo, se acanham para ceder lu-

gar a alguns privilegiados, a exem-

plo de atores, atrizes, autoridades e

outros fi gurantes da nobreza daqui e

de fora do País que se confi nam em

luxuosos camarotes garantidos pe-

los “deuses/deusas” do carnaval ou

explorados por capitalistas do impé-

rio de Momo, que vendem o espaço

público a quem possa dispor do va-

lor cobrado. O mais censurável é a

restrição desses espaços, acessíveis

apenas à nata esguia, branca e eco-

nomicamente estável que desfi la ri-

gorosamente vestida de “abadá”, fi -

gurino de criação baiana comerciali-

zado a preços que humilham a quem

ganha um salário e envergonham a

tantos quantos militam na trincheira

da busca pela destituição das desi-

gualdades e pela construção de uma

sociedade onde todos e todas, indis-

tintamente, possam se “apoderar” da

exultação de “ser pessoa”, e, nesse

sentido, de “ser pessoa dentro de

todo o espaço da alegria” do carna-

val de Salvador.

>>CARNAVAL<<

Page 7: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 5

>> IGUALDADE<<

Escrever um artigo sobre a importância da mulher e

da pesquisa para a atuação dos profissionais no mundo do tra-balho é uma desafiadora tare-fa. Porque, de um modo geral, a sociedade discute a questão feminina das camadas sociais mais pobres e não compreende a discriminação com o cercea-mento do exercício profissio-nal das mulheres nas camadas com formação universitária.

O mesmo procedimento é adotado em relação às pesquisas. Elas são fundamentadas e meto-dologicamente construídas para os assuntos relacionados com a base maior da população, e nun-ca para a atuação dos profissio-nais do contexto das engenha-rias, embora a atividade desses profissionais esteja associada ao resultado do seu trabalho para todas as camadas sociais.

A IMPORTÂNCIA E A VISIBILIDADE DO TRABALHO DA MULHER

PROFISSIONAL

Partindo desses dois pressu-postos, inicio com a questão fe-minina, pois acredito que, com a construção da igualdade dos gêneros, serão identificados pa-râmetros para a proposição da pesquisa.

As profissionais da engenharia foram representadas, no início da luta feminista, que começou com a questão do voto, por Carmem Portinho, que foi a 3ª mulher bra-sileira a receber a graduação de engenheira civil. Na década de 1920, era comum Carmem pegar um pequeno avião e panfletar na capital federal, convocando as cariocas para se juntarem nas lu-tas feministas. Imagine que mu-lher ousada.

A atividade associativa das profissionais da engenharia exis-te desde a primeira metade do sé-culo XIX com a Associação Bra-sileira de Engenheiras e Arquite-

tas (Abea), e Carmem foi sua pri-meira presidente. Nessa época, a Abea recepcionava todas as pro-fissionais mulheres que entravam na faculdade e arrumava emprego para aquelas que se formavam, uma mobilização diferenciada.

O empenho e a dedicação das mulheres profissionais, que é re-conhecido por todos profissionais das nossas entidades, é um pro-cedimento antigo, que está regis-trado nos livros que contam essa histórica atuação.

Celia BallarioPresidente da Associação Brasileira de

Engenheiras e Arquitetas (Regional São Paulo)

“... eu sabia que tinha

que trabalhar mais (...)

se eu trabalhasse como

um colega homem seria

passada para trás...”

Carmem Portinho

Page 8: Revista Em Movimento nº3

6 | EM MOVIMENTO

Em 1932, Vargas instituiu o voto feminino, e as mulheres expandiram sua luta pela igualdade: para derrubar preconceitos, modifi car os padrões de comportamento dentro da estrutura e se inserir no mercado de trabalho.

Várias foram as conquistas e, com isso, fi caram evidenciadas outras relações existentes, não apenas de gênero mas também de raça e de classe.

Entretanto, nesse processo se instalou uma repressão disfarçada aos constantes anseios de igualdade das mulheres. O campo de ação deixou de ter uma visão dinâmica, não são conhecidas as condições de trabalho, a remuneração, o papel econômico, a condição reprodutora, as atividades domésticas e a atuação da mulher na chefi a efetiva da família.

A importância do trabalho da mulher brasileira é bem-defi nida pela socióloga Fanny Tabak “... O País não pode prescindir da incorporação de milhares de mulheres que

“... nesse processo se instalou

uma repressão disfarçada aos

constantes anseios de igualdade

das mulheres. O campo de

ação deixou de ter uma visão

dinâmica, não são conhecidas

as condições de trabalho, a

remuneração, o papel econômico,

a condição reprodutora, as

atividades domésticas e a atuação

da mulher na chefi a efetiva

da família”.

Celia Ballario, na Fisenge, durante a

palestra A mulher e o mercado de trabalho

– diagnóstico e perspectivas, no primeiro

encontro do coletivo de mulheres.

as questões femininas, são aborda-dos os casos que necessitam de dis-cussão, investigação e decisão, sen-do necessário para isso o comparati-vo masculino. Consequentemente, a solução benefi cia ambos os gêneros.

Outra consideração que faço são as condições oportunas para executar a pesquisa. Para isso, existe uma rede de entidades profi ssionais atuantes e bem-distribuídas em todo o território nacional, que garante a possibilidade de obter êxito no resultado.

Penso que a análise dos resul-tados, comparando e confrontando os dados, pode ser nacional, regio-nal e estadual. Uma questão impor-tante, que atende a diversidade das profi ssões do Sistema e das ativi-dades no País.

Uma forma de compreender essa questão é por meio das pes-quisas do Crea-SP. Apesar de an-tigas, ainda servem de referência para os dias de hoje. São elas:

“A mulher e o mercado de traba-lho”, publicada em 1997; “O homem e o mercado de trabalho”, publicada em 1998; “O mercado de trabalho de mulheres e homens do Crea-SP” e o “Projeto Sedução”, em 1999. As pu-blicações foram lançadas na Semana Ofi cial de Engenharia, Arquitetura e Agronomia em Belo Horizonte, em Manaus e em Natal.

A pesquisa da mulher enfocou: o perfi l socioeconômico; a situação profi ssional; o aperfeiçoamento profi ssional; a atividade profi ssio-nal e o relacionamento familiar; o posicionamento no mercado de trabalho; o posicionamento com relação aos problemas sociais; e os hábitos de lazer e mídia. Foi um sucesso: os profi ssionais, mulhe-res e homens, do Brasil discutiram muito essa pesquisa. As profi ssões são muito técnicas, e o embasa-mento da pesquisa despertou es-ses profi ssionais para formas de avaliação que podem, sem dúvida, valorizar nossas profi ssões perante a sociedade. Essa é uma das princi-pais preocupações dos Conselhos.

venham contribuir com seu talento e sua inteligência para fazer avançar a ciência e a tecnologia no Brasil e conseguir, assim, reduzir mais rapidamente a enorme defasagem ainda persistente em relação aos países desenvolvidos...”.

Para que isso ocorra, é impor-tante o papel do sindicato e das en-tidades profi ssionais. A força dessas entidades pode pressionar os gover-nos e apresentar soluções com dados científi cos que promovam o avanço para a criação de políticas e o respei-to aos direitos já adquiridos.

Essa questão remete ao segundo tema deste texto, a pesquisa.

Acredito que a pesquisa exista para esclarecer problemas. Com a compreensão dos problemas, são discutidos pressupostos seguros, resultantes da pesquisa, para uma avaliação de propostas para solucioná-los.

Os problemas dos profi ssionais são o ponto de partida. Muitos fato-res determinam essa escolha e sinali-zam o foco da pesquisa. Analisando

Page 9: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 7

da mesma forma que os homens, as mu-lheres pertencem aos estratos mais ele-vados de classifi cação social;

a participação da mulher tem aumenta-do na área de formação tecnológica;

é semelhante a não atuação na área profissional de homens (26%) e mulhe-res (28%);

entre as que não atuam, uma das razões alegada é a discriminação da mulher no mercado de trabalho;

>> IGUALDADE<<

A pesquisa da mulher e do homem mostrou, entre outras coisas, que:

As pesquisas recentes, que não são direcionadas para as profi ssionais da engenharia, oferecem informações cujo comprometimento necessitam ser analisadas em relação às áreas das engenharias:

IBGE (de 2007) – a população feminina ultrapassa a faixa dos 50%; entre os eleitores brasileiros analfabetos, 53% são mulheres, e, nas regiões Sul e Sudeste do País, esse índice passa para 60,8%; a disparidade de salários entre homens e mulheres é de 62,8%.

BNDES – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi-co e Social concluiu um estudo comparativo entre salários de homens e mulheres, que informa que, considerando o rit-mo de evolução dos últimos 10 anos, só por volta de 2081, os salários de homens e mulheres serão equiparados.

A disparidade nas questões mulher e homem foram identifi cadas na pesquisa da mulher e do homem:

PERGUNTA

A proporção de mulheres no cargo de chefi a é menor que a de homens

Existe igualdade de direitos no ambiente de trabalho

A legislação referente à maternidade é fator de rejeição para o emprego de mulheres

Há discriminação de função no ambiente de trabalho

As mulheres têm menos oportunidades pro-fi ssionais que os homens

M(%)

63

19

50

31

34

H(%)

62

38

39

23

22

Os índices de percepção do problema, pelas respostas dos profi ssionais, estão distante da realidade comprovada pelos organismos de estatística. Minha avaliação é de que a invisibilidade provocada por uma condição social e cultural preserva moralmente a classe profi ssional.

Uma visualização das atividades profi ssionais é outro elemento que sugere uma pesquisa apurada. A pesquisa da distribuição dos profi ssionais com registros válidos no Crea-SP apresentou o percentual de 16% de mulheres e 84% de homens.

das 45% casadas, 23% têm maridos do Sistema e 37% têm fi lhos;

entre os homens, 66%, e entre as mulheres, 51% são assalariadas re-gistradas;

35% dos homens e 39% das mulhe-res trabalham mais de 6 a 8 horas, e 40% dos homens e outros 39% das mulheres mais de 8 a 10 horas;

53% dos homens recebem mais de R$ 2.400,00, e 49% das mulheres rece-bem entre R$ 1.201,00 e R$ 2.400,00;

Na distribuição total 47% estão sediados na capital e 53% nos outros municípios, mas em relação às mulheres 52% estão concentradas na capital, enquanto que os homens 54% estão concentrados fora da capital.

CÂMARA ESPECIALIZADA

o salário de 28% das mulheres é a principal participação na renda familiar;

43% dos homens e 24% das mulhe-res ocupam cargos como técnicos;

a participação em entidades de clas-se revelou índices comprometedores com a causa profi ssional: 13% dos homens e 7% das mulheres.

Page 10: Revista Em Movimento nº3

8 | EM MOVIMENTO

>> IGUALDADE<<

O gráfi co do total de profi ssionais é muito semelhante ao gráfi co dos homens. A diferença dos índices femininos em Arquitetura, Civil e Química e Alimentos sugere uma pesquisa direcionada. Provavelmente, essas diferenciações se repetem no restante do País.

A última pesquisa, a do “Projeto Sedução”, foi um programa de mobilização com palestras, questionários e avaliação dos resultados para alunos do ensino médio.

A meta era seduzir o gênero feminino para a escolha de profi ssões abrangidas pelo Sistema Confea/Crea, mostrando os benefícios da inserção da mulher na área tecnológica e a inexistência de barreiras para o exercício profi ssional.

A seguinte metodologia foi adotada para as palestras:

explicitar o trabalho profi ssional da carreira e as condi-ções favoráveis ao desempenho pela mulher;

divulgar as condições socioeconômicas geradas pelo desempenho das funções das profi ssionais do Sistema Confea/Crea;

informar sobre a importância da participação igualitária de mulheres nas profi ssões;

aplicar questionário para proceder à avaliação do pro-grama e do comportamento das jovens na escolha das

profi ssões da área tecnológica.

Foram atingidos 34 municípios, num total de 9.391 estudantes – 67% mulheres e 33% homens. Participaram, como palestrantes, 80 profi ssionais das seguintes profi ssões:

Interessante comparar com os gráfi cos das câmaras, pois, apesar de uma participação tão pequena da mulher no quadro dos profi ssionais, todas as câmaras estão representadas com palestrantes.

Entre os resultados com percentual mais signifi cativos na pesquisa dos alunos estão:

o exercício de liderança na escola, com o esporte e com a religião.

o que mais chamou a atenção para as palestras foram as opções de trabalho e, depois, a ativida-de profissional.

a avaliação de que as palestras contribuíram para a escolha;

a opinião sobre o “Projeto Sedução” foi positiva.

Portanto, o programa proposto executou uma mobi-lização estadual para atingir as perspectivas nacionais de desenvolvimento da Nação, mostrando de forma transparente, aos futuros estudantes do curso superior, as oportunidades de trabalho, valorizando o trabalho das mulheres profi ssionais do Sistema, bem como todas as profi ssões do conselho.

Com este texto, pretendi provocar no leitor seus pró-prios interesses em esclarecer alguns assuntos relevan-tes da sua profi ssão e sinalizar seu foco da pesquisa.

O Grupo de Trabalho Fiscalização dos Direitos de Igualdade da Mulher no Exercício Profi ssional, em 1999, conseguiu que o Crea-SP e o Confea homenage-assem Carmem Portinho, com 96 anos, e com o mesmo entusiasmo dos 20 anos, para agradecer pelo legado da sua vida para as mulheres profi ssionais.

Eu prometi à Carmem criar a Abea de São Paulo, que foi fundada em 25 de julho de 2007, e da qual me orgulho de ser presidente.

Arquiteta

Engenheira de Alimentos

Engenheira Agrimensora

Engenheira Agrônoma

Engenheira Cartógrafa

Engenheira Civil

Engenheira Civil e Sanitarista

Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho

Engenheira Civil, Eletricista e de Segurança

do Trabalho

Engenheira Eletricista

Engenheira Florestal

Engenheira Mecânica

Engenheira de Minas

Engenheira Química

Engenheira Química e Sanitarista

Geógrafa

Geóloga

Tecnóloga Eletrônica

Coletivo de mulheres reunido – com o presidente da Fisenge, Carlos Bittencourt e a palestrante Celia Ballario – para promover ações es-pecífi cas nos Estados. A expectativa é ampliar o número de mulheres associadas e, também, na direção de sindicatos e entidades.

Foto: Camila Marins

Page 11: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 9

O programa foi concebido de modo que os entraves buro-

cráticos e de fi nanciamento fos-sem reduzidos ao mínimo pos-sível. No seio do Governo e da Caixa, existiam diversos questio-namentos. Inicialmente, o pensa-mento predominante entendia que quem deveria analisar os projetos, selecionar as empresas, cadastrar e selecionar os benefi ciários deve-ria ser, prioritariamente, o Poder Público Municipal e, de forma complementar, o Poder Público Estadual.

No entanto, diante das difi cul-dades de organização da quase to-talidade dos governos estaduais e

municipais em destravar o início do programa, fato que foi agra-vado pelos 45 dias de greve dos engenheiros e arquitetos da Caixa, o formato que está se tornando he-gemônico é uma divisão de com-petências entre empresas constru-toras, Caixa e governos municipal e estadual.

Neste novo contexto, as em-presas têm, entre suas atribuições: elaborar os projetos; adquirir as áreas; verifi car os “benefi ciários selecionados” e encaminhados pelo Poder Público, atendendo ao perfi l do empreendimento e às condições exigidas pela Caixa; e, ainda, construir as moradias.

Sob a responsabilidade da Caixa, estão as seguintes ações: análise dos projetos apresenta-dos pelas empresas; escolha das construtoras; acompanhamento e fi scalização dos empreendimen-tos; liberação dos recursos para as construtoras; e fi nanciamento dos mutuários.

Competências defi nidas

O Poder Público Estadual se encarrega de disponibilizar áreas públicas para viabilizar o progra-ma nas cidades e regiões onde o valor estabelecido neste não é su-fi ciente para remunerar os custos do empreendimento, o cadastra-mento dos possíveis benefi ciários, encaminhar os selecionados para a

Desafios da redução do déficit habitacional

no Brasil

>> HABITAÇÃO<<

O Programa Minha Casa Minha Vida, lançado pelo Governo federal em maio de 2009, tem como

objetivos principais construir um milhão de moradias, gerar 10 milhões de empregos diretos e indiretos

na cadeia da construção civil e atender a 14 % do défi cit quantitativo e qualitativo existente no Brasil.

Mas, se os governos estaduais não se organizarem, a tendência é que atenda, em sua grande maioria,

municípios com menor défi cit habitacional

Ubiratan Félix Pereira dos Santosé engenheiro civil, presidente licenciado do Senge-BA,Conselheiro do

Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia e Secretário de Infraestrutura,

Transporte e Trânsito de Vitória da Conquista

Page 12: Revista Em Movimento nº3

10 | EM MOVIMENTO

Caixa e/ou empresa, oferecer in-centivos fiscais, reduzir o ICMS nos materiais de construção, agi-lizar os processos de regulari-zação fundiária e licenciamento ambiental quando for de sua es-fera de competência, e analisar a viabilidade de fornecimento de energia, água e esgotamento sanitário pelos concessionários (Coelba e Embasa).

Já o Poder Público Municipal, deverá, na mesma linha, disponi-bilizar áreas públicas para viabili-zar o programa quando o valor es-tabelecido não for sufi ciente para remunerar os custos do empreen-dimento; cadastrar e estabelecer critérios de seleção dos benefi ciá-rios; encaminhar os selecionados para a Caixa e/ou empresa; ofere-cer incentivos fi scais a seu critério, como redução do ITBI e ISSQN, para viabilização dos empreendi-mentos; reduzir a seu critério os valores de taxas de licenciamen-to, alvará etc.; fl exibilizar, quando julgar necessário, os parâmetros urbanísticos, por exemplo: quan-titativo de área institucional, áreas verdes etc.; e agilizar os processos de análise do estudo de viabilida-de técnica do empreendimento, de transporte e vias públicas, coleta de lixo, licenciamento ambiental e demais estudos previstos no plano

diretor municipal, que são de sua competência.

Capitais perdem espaço

Em vista deste quadro, di-versas empresas estão apresen-tando propostas para a Caixa. Visam contemplar prioritaria-mente a faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos, cujo subsí-dio oferecido pelo Governo fe-deral ao futuro mutuário é de R$ 17.000,00 (dezessete mil re-ais), nas localidades onde o custo do empreendimento é compatível com valores disponibilizados pelo programa, que não necessaria-mente coincide com os municípios com maior défi cit habitacional, tanto do ponto vista quantitativo quanto de qualitativo.

Diante da realidade dos custos existentes no mercado imobiliário dos municípios de médio porte (terreno, mão de obra, insumos etc.), é perfeitamente possível via-bilizar a construção de empreen-dimentos nos parâmetros exigidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida para a faixa de 0 a 3 salários mínimos. Um situação diferente da encontrada na maioria das ca-pitais brasileiras e dos municípios

metropolitanos, a exemplo de Sal-vador, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e Camaçari. Nes-tas localidades, a viabilização dos empreendimentos dependerá em grande parte dos subsídios dos governos do Estado e/ou do Mu-nicípio, principalmente por meio de concessão de terras públicas, oferecimento de isenções fi scais e redução de taxas de licenciamento do empreendimento.

Fica evidente a grande ten-dência de que a maioria dos em-preendimentos seja efetivada nos municípios com menor custo e com menor défi cit habitacional, pois estas localidades apresentam maior possibilidade de viabilizar um número expressivo de unida-des habitacionais, sem necessida-de de doação de terrenos e de con-cessão de incentivos fi scais, desde que sejam atendidas as seguintes pré-condições: priorização e agi-lização da análise de viabilidade do projeto arquitetônico e viabili-dade de transporte e expedição de alvará; priorização e agilização do licenciamento ambiental; e forne-cimento às empresas e/ou à Caixa do cadastro dos benefi ciários por faixa de renda.

Para fi nalizar, gostaríamos de ressaltar que estão previstas a cons-trução de 1 milhão de unidades ha-bitacionais em todo o Brasil. Desta-que-se que o interesse das empresas, o número de cadastrados e a agiliza-ção na aprovação dos projetos pela Caixa, Prefeituras e concessionárias públicas estaduais serão fundamen-tais na defi nição da distribuição das unidades habitacionais entre os Estados e Municípios. Aqueles que não viabilizarem em tempo hábil a sua cota não mais poderão utilizá-la, e esta será redistribuída pelos Estados “mais efi cientes”. O mesmo critério será aplicado para os Municípios. Assim, é impres-cindível que municípios e estados se organizem para o cumprimento das metas estabelecidas.

... estão previstas a construção

de 1 milhão de unidades

habitacionais em todo Brasil.

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Obras do PAC no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro.

Page 13: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 11

Em decorrência do anúncio por parte do Governo federal do lançamento do pacote de medi-das para a construção de 1 mi-lhão de moradias, o Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA) se posicionou publicamente em relação a esta importante medida de combate ao desem-prego e de inclusão social. “Os benefícios oriundos do progra-ma não devem atender apenas aos interesses econômicos e imediatos de setores específicos em detrimento da grande maio-ria do povo brasileiro”, afirma-ram Ubiratan Félix e a engenhei-ra de alimentos Márcia Ângela Nori, presidente do Senge-BA.Em nota pública, Ubiratan Félix e Márcia Nori levam em considera-

ção o quadro nacional atual, com um déficit quantitativo avaliado em 7,9 milhões de moradias, segundo o Plano Nacional de Habitação, em fase de finalização. Consideram, ainda, o déficit qualitativo avalia-do em 3,2 milhões de moradias, já descontadas os 8,9 milhões de moradias que, apesar de se ca-racterizarem como assentamen-tos precários, tratam de outras vertentes de atendimento da Po-lítica de Desenvolvimento Urbano. Conscientes de que o setor de construção civil tem forte impacto na geração de empregos em uma cadeia que envolve os setores de serviços, indústria, comércio, tec-nologia etc.; que o emprego gera-do na construção civil tem como característica a absorção, de for-

PRIORIDADE PARA A PRODUÇÃO SOCIAL DE MORADIASPRIORIDADE PARA A PRODUÇÃO SOCIAL DE MORADIAS

Que o pacote para a construção de 1 milhão de no-vas moradias seja articulado com o Plano Nacional de Habitação (PLANAB) que está sendo fi nalizado no âmbito no Conselho Nacional das Cidades, em conjunto com o Ministério das Cidades;

Que o programa priorize as famílias com renda fami-liar de 0 a 3 salários mínimos, que é a faixa em que se concentram 90% do défi cit habitacional;

Que o Fundo Garantidor seja estabelecido para ar-car com as prestações dos mutuários que porventu-ra fi quem desempregados;

Que o Governo garanta mecanismos de subsídios expressivos para a faixa de 0 a 3 salários mínimos, visto que estas famílias são aquelas que apresen-tam maiores necessidades e maiores difi culdades em acessar os programas de moradia;

Que o programa adote mecanismos de sustentabili-dade ambiental, como o uso de madeira certifi cada, de energia solar e a racionalização do uso da água;

Que seja priorizada a alocação de recursos nos grandes centros urbanos, nas áreas centrais e in-fraestruturadas, de modo que os setores privado e público priorizem a implantação de moradias em lo-cais com serviços de saúde, educação, transporte, saneamento básico, revertendo a tendência atual de concentrar os empreendimentos de moradia popu-lar em áreas distantes e sem infraestrutura urbana e social, o que provoca o aumento da segregação e da violência urbana;

Que as concessionárias de serviços públicos de saneamento e energia sejam obrigadas a implantar a infraestrutura de abastecimento de água, esgota-mento sanitário e energia nos programas de habita-ção popular, tendo em vista que estes investimentos serão amortizados pela cobrança da prestação dos respectivos serviços aos futuros moradores. É im-portante ressaltar que este investimento, que repre-senta em média 6% do custo da unidade habitacio-nal, é atualmente bancado pelos empreendedores (que repassam aos futuros moradores) ou pelo Po-der Público Municipal;

Que seja priorizada a produção social da mo-radia, com ênfase na autogestão dos recursos disponibilizados.

ma direta e rápida, de trabalhado-res com menor grau de escolari-dade e qualificação profissional e, de forma indireta, de trabalhado-res com maior qualificação profis-sional e grau de escolaridade; que o investimento no setor de cons-trução civil é uma das formas mais eficazes de combate ao desem-prego e de promoção de inclusão social; que o setor de construção civil é, em grande parte, constituí-do de pequenas e médias empre-sas, aquelas que mais empregam mão de obra no Brasil; e, final-mente, que este investimento é capaz de gerar 10 milhões de em-pregos, sendo que 40 mil na área de engenharia, os engenheiros e engenheiras propõem:

>>HABITAÇÃO<<

Page 14: Revista Em Movimento nº3
Page 15: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 13

>> ENTREVISTA<<

“A Bolívia é hoje um país menos excludente e menos racista”.

Até ser ministro de Governo da

Bolívia, o economista e sociólogo

Alfredo Rada, de 43 anos, integra-

va os quadros da Fundação Ernes-

to Che Guevara, entidade criada

em 1997 pelos irmãos

Osvaldo e Antônio Pareda, dois

dos cinco sobreviventes da ação

militar que derrotou a guerrilha

nas selvas bolivianas. Alfredo

Rada, que veio ao Rio participar

do Seminário Internacional sobre a

América Latina, realizado em abril

no auditório da OAB, afi rmou, em

entrevista à revista Em Movimento,

que a reeleição de Evo Morales ,

em dezembro, está assegurada e

que o terrorismo é a outra face da

oposição conservadora e de direita

de seu país, para tentar impedir a

consolidação do processo de re-

formas políticas e econômicas do

governo de Evo Morales.

Ao fazer referência ao episódio

da morte, pelas forças de seguran-

ça, de três supostos mercenários

de várias nacionalidades em Santa

Cruz de La Sierra, o ministro da

Bolívia foi taxativo: “Sem qualquer

capacidade de mobilização de seto-

res regionais, incapaz de ganhar as

eleições ou mesmo de gerar movi-

mentos de resistência importantes,

restou à oposição conservadora e

reacionária contratar grupos pe-

quenos de mercenários e paramili-

tares, que puderam ser controlados

pela polícia boliviana”. Outros

dois homens, contratados para

matar Morales e o vice- presidente,

Álvaro García Linero, foram pre-

sos com armamentos e explosivo,

em meados de abril.

O presidente Morales foi eleito com 54% dos votos dos bolivianos, percentual de adesão popular his-tórico no país. O senhor acha pos-sível reeleger Evo Morales, em de-zembro, apesar de uma oposição de tal forma acirrada que já amea-çou até mesmo dividir a Bolívia?

A reeleição de Evo Morales, em dezembro, está assegurada. Não há nenhuma força, em nível eleito-ral, com capacidade para vencê-lo. Mas, para nós, os socialistas e os aliados do presidente, reelegê-lo não basta. É preciso alterar a com-posição social da Assembleia Legis-lativa, elegendo, pelo menos, dois terços de seus integrantes entre so-cialistas e aliados, para que seja pos-sível implementar com mais rapidez e legitimidade os avanços sociais,

econômicos e políticos efetivados pelo governo. A nova Assembleia é algo inédito na Bolívia, porque nós resolvemos fugir da armadilha do Estado/Nação e adotamos um novo paradigma, que é o conceito de Estado plurinacional. Isso signi-fi ca que a Bolívia reconhece suas 36 diferentes nacionalidades, sen-do que as maiores são as dos povos Aymaras e Quechuas. Os indíge-nas somam 4,5 milhões de habitan-tes, num país com pouco mais de 9 milhões. Esse peso demográfi co é decisivo na Bolívia. Para se ter uma idéia, a população indígena na Co-lômbia é de apenas 5%.

A melhor solução é deixar es-sas nações buscarem a sua própria soberania, porque, em conjunto, elas reforçam a unidade?

Com certeza. De 2006 a 2008, a oposição tentou uma mobilização re-gional de vários departamentos, com o pretexto de pedir a autonomia dos Departamentos (Estados) de Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuqui-saca (eles se agrupavam no denomi-nado Conselho Nacional Patriótico Conalde). Só que os trabalhos da Assembleia Constituinte avançaram, resolvendo incorporar a reivindica-ção de autonomia e retirando a base de apoio dos opositores. A partir daí, eles se transformam em oposi-

Alfredo RadaAlfredo Rada, , Ministro de Governo da BolíviaMinistro de Governo da Bolívia

Rosane de Souza

Page 16: Revista Em Movimento nº3

14 | EM MOVIMENTO

ção política e pleiteiam a revoga-ção do mandato de Evo, que, dessa vez, aceita ir a referendo popular. Nele, o presidente obtém a aprova-ção de 67% da população do país. Finalmente, a Constituição elabora-da pela Assembleia Constituinte é aprovada por 62% dos bolivianos, em referendo realizado em janeiro de 2009.

Para evitar a consolidação das reformas democráticas, restou à oposição política regional, aliada a prefeitos, legisladores, parlamenta-res de direita e dirigentes cívicos, fazer uma última tentativa de evitar o referendo: realizar uma mobiliza-ção regional de caráter violento e antidemocrático, para obrigar Evo Morales a fazer concessões e deter o processo constituinte. A tentativa culminou com o Massacre de Por-venir, no Departamento de Pando. Só que ele causou uma reação de repúdio em todo o país e terminou consolidando o processo constituin-te. Por isso, a última face exibida pela oposição é a do terror.

Você acredita ser possível continuar o processo de mu-danças na Bolívia, apesar des-sa resistência? E quais foram as grandes mudanças efetiva-das até aqui pelo presidente Evo Morales?

Certamente, a grande mudan-ça de Evo Morales foi assentar as bases de uma Bolívia menos excludente e menos racista. A nova Constituição é mais avan-çada, porque, além de assegurar os direitos individuais e coleti-vos, avançou para garantir direi-tos sociais, reprodutivos e am-bientais. Ela estabelece as bases de uma economia plural, que, sem negar a existência do capita-lismo, busca reforçar as proprie-dades sociais comunitárias, que podem se converter em socia-listas. Eu defino a economia da Bolívia como protossocialista.

Além de garantir o caráter plu-rinacional do Estado boliviano, o governo reforçou o controle estatal dos bens e os mecanis-mos de redistribuição dos exce-dentes econômicos. Ou seja, é uma constituição representativa, participativa, distributiva e de-mocrática nos níveis políticos e econômicos.

Você poderia citar exemplos concretos de políticas governa-mentais que estão melhorando a vida do povo boliviano?

Os chamados bônus sociais vêm contribuindo para a me-lhoria de vida da população. O governo criou, por exemplo, o Bônus Renda e Dignidade, des-tinado a pessoas com mais de 60 anos, qualquer que seja a sua ori-

Outro tipo de bônus é distri-buído para as mulheres com fi-lhos até dois anos de idade. Esse programa já existia, mas con-templava apenas as mulheres as-salariadas. Agora, ele abrange as trabalhadoras do mercado infor-mal, porque na Bolívia apenas 20% da mão de obra feminina é assalariada. A Constituição re-conhece esses direitos, qualquer que seja o governo. E os pro-gramas vão ser expandidos, de acordo com a renda obtida pelas atividades petrolífera e gasifica.

A Bolívia é um dos países mais pobres da América do Sul, se não o mais pobre. Como você imagina o futuro do povo boliviano?

O mais pobre entre nós é o Paraguai. E a Bolívia não é só possuidora de pobreza. Meu país tem reservas estratégicas im-portantes, além de gás e petró-leo. Nós temos a segunda maior reserva mundial de ferro, que fica exatamente na fronteira com o Brasil, e também a segunda maior de lítio, matéria-prima que, no futuro, será estratégica para os povos do mundo.

Já temos condições de desen-volver os dois setores energéti-cos, garantindo mais ingressos de recursos. Agora, pretendemos nos voltar para desenvolver a agricul-tura. Para isso, foi fundamental a política de reforma agrária e a re-solução de problemas graves, como a discriminação étnica e confl itos regionais. Estivemos muito ocupa-dos em resolver esses problemas históricos, para os quais o Brasil já encontrou a solução, no passado, os quais, creio, vão desaparecer. Seguramente, vão surgir outros, com o desenvolvimento econômi-co, a exemplo dos classistas. Mas, com a Constituição, estamos livres para empregar os nossos esforços nos aspectos econômicos.

>>ENTREVISTA<<

gem social ou patrimônio. É um bônus em dinheiro, distribuído a agricultores e desempregados. Há outro bônus especial para as crianças entre 4 a 12 anos que frequentam a escola pública. É um programa que busca evitar a evasão escolar, que tem índice muito elevado na Bolívia.

Já temos

condições de

desenvolver os dois

setores energéticos,

garantindo mais

ingressos de

recursos. Agora,

pretendemos

nos voltar para

desenvolver a

agricultura.

Page 17: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 15

Setor Elétrico Brasileiro, Uma Aventura Mercantil é o título do

livro do engenheiro eletricista Ro-berto Araújo lançado em encontro, apontado como histórico, no auditó-rio da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia - Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O evento reuniu re-presentantes do movimento sindical, de empresas estatais, gestores públi-cos e universidades, envolvidos com a luta travada durante muitos anos contra a privatização do setor elétri-co. Lutas que não levaram à vitória, mas que, com a eleição do presiden-te Lula, estancaram, por exemplo, o processo de privatização de Furnas.

O livro de Roberto Araújo, edita-do pelo Confea, no âmbito do projeto Pensar o Brasil, é o testemunho desta história. Seus protagonistas viram a proposta de um novo modelo para o setor elétrico ser derrotada. O que o livro propõe, e provoca, é uma séria refl exão sobre o que ocorre hoje no Brasil: não se conseguiu fazer valer as ideias que levaram tantos profi ssio-nais, técnicos e sindicalistas a partici-

parem ativamente de todo o processo que levou à vitória de Lula e nem foi possível continuar a luta. Para muitos, sequer para o debate há espaço.

A pergunta que se faz é “esta-mos construindo, hoje, o futuro do Brasil?” Na prática, afi rma Luiz Pinguelli Rosa, muita coisa que Fer-nando Henrique Cardoso fez, fi cou. “As privatizações do setor elétrico fi caram. Infelizmente, a própria po-lítica no setor elétrico não ampliou a esfera de ação das empresas esta-tais, muito ao contrário, restringiu. A entrada de Furnas ou da Chesf em usinas do Rio Madeira, de uma for-ma desintegrada, ao invés de servir aos objetivos que nós propúnhamos, simplesmente facilitou negócios privados. Ninguém é contra os ne-gócios privados, mas qual é o papel das estatais, qual o papel do grupo Eletrobrás no atual sistema elétrico brasileiro? O livro do Roberto vem retomar esse debate”, conclui Pin-guelli, que assina o prefácio.

Visão Pública

O trabalho de Roberto Araújo apresenta uma visão bastante crítica do atual modelo energético do Brasil, prova que a energia em nosso país é uma das mais caras do mundo e apon-ta caminhos para um novo modelo.

“Trago para o debate, afi rma Ro-berto, uma outra visão, uma visão mais pública, já que o setor privado é, hoje, a locomotiva do setor elé-trico. E para onde vai o dinheiro? Esse processo de privatização da energia é uma evidência da qual pouco se ouve falar, muito embora leve à evolução bastante acentuada dos preços para quem está na ponta fi nal do consumo”.

Debate nacional

Marcaram presença também no lançamento de Setor Elétrico Bra-sileiro, Uma Aventura Mercantil, o coordenador nacional do projeto Pen-sar o Brasil, José Carlos Xavier, e os coordenadores do Pensar o Brasil em onze estados - Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Santa Catari-na, além da diretoria da Fisenge, to-dos mobilizados para fazer com que o tema seja pauta Brasil afora.

Comemorando o reencontro de pessoas que há anos estudam o setor elétrico e que não mais identifi cam espaços possíveis para a troca de ideias, o Secretário Executivo da Fi-senge, Clovis Nascimento, que foi, até março de 2009 o coordenador nacional do projeto Pensar o Brasil assumiu publicamente o compro-misso: “Pensar o Brasil existe exa-tamente para cumprir este papel de levar o debate das grandes questões nacionais a todo o país. Vamos lan-çar Setor Elétrico Brasileiro, Uma Aventura Mercantil , com a presen-ça de Roberto Araújo provocando o debate, em todos os estados brasilei-ros”, afi rmou.

Bomba de efeito retardado

>>CAPA<<

Há a preocupação de fazer

prevalecer políticas que estão

sendo implantadas, de forma

que não se dissolvam, seja

qual for a composição de um

novo governo. Caso contrá-

rio, dependendo dos próximos

passos, é possível que o Brasil

vivencie a privatização total

do setor elétrico.

Page 18: Revista Em Movimento nº3

16 | EM MOVIMENTO

>> CAPA<<

Em 40 anos de intervenção es-tatal (décadas 1950 a 1990),

construímos um parque gerador de energia elétrica, limpa e bara-ta, equivalente a 14 vezes aquele que fora montado em seis déca-das de atuação privada estrangei-ra. Coroamos, assim, o esforço de

modernização da economia brasi-leira desenvolvido desde a segun-da metade do século XIX.

De fato, a entrada da economia brasileira na modernidade ociden-tal teve dois marcos tecnológicos: o programa ferroviário, iniciado nos anos 1850, e a construção de pequenas hidroelétricas ao final do século XIX. Um evento sim-boliza a simultaneidade histórica da modernização nos dois setores: a inauguração, em 7 de maio de 1900, do primeiro bonde elétrico, na cidade de São Paulo, por ini-ciativa da empresa São Paulo Tra-mway, Light and Power Company. Conta-nos Duncan McDowall, professor canadense de História Econômica, que este evento foi comemorado festivamente e que “à medida que [o bonde] avança-

1 D. McDowall. Light, a história da empresa que modernizou o Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2008

va, a banda da Polícia Militar de São Paulo tocava o Hino Nacional Brasileiro, seguido do God Save the Queen, hino nacional britâni-co, e do Stars and Stripes Forever, hino nacional norte-americano”1.

No início dos anos 1930, o Brasil tinha uma potência insta-lada ínfima, de apenas 779 MW, capacidade ligeiramente superior a uma única máquina de Itaipu (700 MW). Nosso sistema elé-trico estava baseado em conces-sões de longo prazo, com tarifas corrigidas pela taxa cambial – a chamada “cláusula-ouro” – per-mitindo aumento automático das tarifas frente à inflação e à des-valorização da moeda, a fim de garantir a lucratividade das gran-des concessionárias estrangeiras: Light e Amforp.

Roberto Pereira d`Araújo é engenheiro eletricista, mestre em sistemas de controle pela PUC-RJ. Tem curso de Pós-graduação em Operação de Sistemas Elétri-

cos na Universidade de Waterloo, Canadá. É autor do livro Setor Elétrico Brasileiro.

Uma aventura Mercantil.

Ceci Juruá é economista com mestrado e especializa-ção em Desenvolvimento e Planejamento Econômico na França. Foi professora de

economia na UFRJ e na Universidade Católica de Brasília. É sócia fundadora do Instituto de

Economistas do Rio.

Page 19: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 17

Frente às difi culdades surgidas da Grande Depressão (a partir de 1930), países europeus e o EUA adotaram políticas regulatórias apoiadas na concorrência do Estado com a ini-ciativa privada, o que resultou em signifi cativa redução das tarifas de energia elétrica. O programa New Deal de Roosevelt, por exemplo, caracterizou-se por investimentos estatais na área de infraestrutura e promoveu a construção de grandes usinas hidrelétricas.

Graças à onda reformista mun-dial e à Revolução de 1930, a cláusula-ouro foi extinta no Brasil, através do decreto presidencial que aprovou nosso primeiro Código de Águas (editado em 10 de julho de 1934), em elaboração desde 1907. Instituiu-se então o critério da “ta-rifa pelo custo”, que, no caso de

usinas hidroelétricas, propiciam um enorme diferencial, dada sua extensa vida útil. A entrada de es-tatais no mercado de energia elétri-ca propiciou a redução dos preços de oferta, essencial à continuidade dos esforços de industrialização da economia.

Coube ainda ao presidente Var-gas lançar as bases do Sistema Eletrobrás ao tomar a “decisão pública pioneira de construir a hi-drelétrica de Paulo Afonso, inau-gurada em 1952 pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco”2. Pouco depois, por iniciativa do presidente João Goulart, foi legal-mente instituída (1962) a holding Eletrobrás. Como decorrência da eficácia da ação planejada pelo Estado, nosso parque gerador de eletricidade saltou de 3.500 MWh para 55.000 MWh, em apenas quatro décadas (1950 a 1990).

Na pós-modernidade:

desmonte do modelo

operacional do setor

elétrico e aumento

de tarifas.

Coube ao presidente Getúlio Vagas a decisão pioneira de construir a hidrelétrica de Coube ao presidente Getúlio Vagas a decisão pioneira de construir a hidrelétrica de Paulo Afonso, inaugurada em 1952.Paulo Afonso, inaugurada em 1952.

2 Carlos Lessa. “Do medo ao apagão: reconstruir a Nação”. In C. Lessa (org). O Brasil à luz do apagão. Rio de Janeiro, Ed. Palavra e Imagem, 2001 (ver p. 26)

3. D.Costa. “A estratégia nacional e a energia”. In C. Lessa (org). O Brasil à luz do apagão. Rio de Janeiro, Ed. Palavra e Imagem, 2001. (ver p. 41)

Na década de 1990, a crença nos dogmas neoliberais e, princi-palmente, a fé na superioridade dos mecanismos de mercado relativa-mente às alternativas mais planifi -cadas provocaram a privatização dos setores estratégicos da econo-mia brasileira, entre os quais os de energia elétrica, transporte ferroviá-rio e telecomunicações, segmentos de atividade que concentravam enorme patrimônio tecnológico acumulado pelo esforço patriótico da engenharia brasileira.

Foi uma privatização feita às pressas, sem planejamento prévio nem análise dos efeitos que se pro-duziriam sobre a continuidade da industrialização brasileira e sobre o bem-estar das famílias. No caso es-pecífi co da energia elétrica, não me-receu atenção o fato de que a “geo-política, a política aplicada sobre os espaços, tem na variável energética uma componente central de sua for-mulação [e que] a energia e o con-trole de suas fontes são sinônimos de poder e de riqueza, peças-chave no jogo das relações internacio-nais”3. Na verdade, tratou-se de um regresso à ideologia liberal que vi-gorava antes da Revolução de 1930, subordinando decisões organizacio-nais e de produção ao estrito cálculo fi nanceiro e ao objetivo de maximi-zação de lucros empresariais.

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18 | EM MOVIMENTO

O retorno aos princípios liberais vigentes no sé-culo XIX pode ser constatado empiricamente através de alguns exemplos. Em primeiro lugar, constata-se uma ampla desnacionalização do setor elétrico, com transferência do controle decisório para alguns dos maiores conglomerados mundiais sediados nos EUA e na Europa4. Em seguida, verifica-se a fragmen-tação do território econômico nacional, mediante a extinção de uma tarifa nacional cujo sistema propi-ciava que as regiões mais pobres pudessem ter uma tarifa menor por compensação dos Estados mais de-senvolvidos. Em que pese enormes diferenças, por meio de complexas e instáveis adaptações, tenta-se assemelhar o mercado brasileiro ao inglês, que, por seu pioneirismo, transformou-se no paradigma da “modernidade” do setor. Enfim, e para citar apenas os efeitos mais evidentes, houve um descompasso entre a evolução dos preços da energia elétrica e os objetivos de desenvolvimento nacional e de elevação do poder aquisitivo das famílias brasileiras.

O descompasso a que acabamos de nos referir re-sultou, principalmente, do abandono do método de tarifação pelo custo e da adoção do sistema preço-teto, com a escolha do IGP-M como indexador do cálculo tarifário; tendo em vista a forte influência das variações cambiais, de certa forma, houve de

4. Entre outros, estão aqui grupos e conglomerados classifi cados entre as maiores transnacionais do mundo (Suez, Iberdrola, Energias de Portugal, Endesa, AES, por exemplo).

1. Aumento de tarifa em 50%, em valores reais (defl acionados), entre o ano da privatização (1996) e 2007, refl etindo sua indexação ao IGP-M, principalmente até 2005;

2. Acentuado descompasso entre a evolução tarifária e a renda média do trabalhador brasileiro; enquanto a renda média perdeu em torno de 5% de seu valor real, no período 1996-2007, as tarifas de energia aumentaram em ritmo superior ao índice geral de preços, apropriando-se de parcela crescente do rendimento dos trabalhadores;

3. A comparação entre tarifa média e salário mínimo a preços correntes registra tendência similar à anterior, no governo FHC; mas esta tendência foi revertida a partir de 2003, graças à política de recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo adotada a partir daquele ano.

4. Na comparação entre a renda média do trabalhador brasileiro e tarifa média nacional de energia elétrica, percebe-se uma tendência inversa à comparação com o salário mínimo. Isso mostra que, apesar da recuperação do salário, há um “achatamento” da renda disponível ao trabalhador e, comparada à tarifa, a renda vale cada vez menos energia.

Tabela 1: Comparação entre salário mínimo nacional e tarifa média nacional de energia elétrica Brasil,

1996/2007 (a preços correntes).

Ano

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

SM

108,00

117,33

127,67

134,00

147,25

172,75

195,00

230,00

253,33

286,67

350,00

380,00

Tarifa Média

106,63

119,80

126,18

138,93

158,87

179,78

209,74

239,30

258,80

291,16

294,79

300,46

Quantos

kWh’s o salário

mínimo compra

1.012,85

979,38

1.011,81

964,51

926,86

960,90

929,72

961,14

978,86

984,58

1.187,29

1.264,73

Fonte: Salário Mínimo (Séries econômicas do IBGE), Tarifa residencial média (ANEEL).

>>CAPA<<

Verifica-se a fragmentação do territó-

rio econômico nacional, mediante a

extinção de uma tarifa que propiciava

que as regiões mais pobres pudessem

ter uma tarifa menor por compensação

dos Estados mais desenvolvidos.

Houve um descompasso entre a evolu-

ção dos preços da energia elétrica e os

objetivos de desenvolvimento nacio-

nal e de elevação do poder aquisitivo

das famílias brasileiras.

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EM MOVIMENTO | 19

uma volta a métodos similares ao da cláusula-ouro. Assim, nas tabelas 1 e 2, poderemos observar:

Não é possível, no espaço deste artigo, abordar comparações internacionais. Estas são sempre muito complexas tendo vista a flutuação da taxa de câmbio no Brasil e a diversidade das tarifas adotadas no ter-ritório nacional após a privatização. Cabe observar, a este respeito, que o método de tarifação vigente desde 2006 vem penalizando as regiões Norte e Nor-deste, mas também o Sudeste, onde o aumento acu-mulado da tarifa média de energia elétrica foi mais do que o dobro da variação do Indice Nacional de

muito acima dos preços praticados em certas ci-dades do Canadá, país que possui, como o nosso, um parque gerador amplamente servido por sis-temas hidrelétricos. Até meados do ano passado, por exemplo, antes portanto do recente período de desvalorização do real, a tarifa residencial prati-cada pela Light no Estado do Rio de Janeiro, de 0,1665 dólares canadenses por kWh, era nitida-mente maior do que a tarifa adotada em várias cidades do Canadá. Em Toronto e Montreal, por exemplo, cobrava-se apenas 0,115 e 0,0703 dóla-res canadenses por kWh!

As observações acima nos permitem supor que os métodos de tarifação da energia elétrica care-cem de uma revisão urgente, no Brasil, com um duplo objetivo. Trata-se, em primeiro lugar, de eliminar distorsões regionais que fragmentam o mercado brasileiro e atribuem vantagens compa-rativas a certos Estados em detrimentos de outros. Em seguida, impõe-se a eliminação dos mecanis-mo perversos que permitem aumentar os preços da energia elétrica residencial acima dos índices que regulam o poder aquisitivo das famílias de traba-lhadores brasileiros; o melhor índice para regular o preço da energia elétrica deveria ser, na verda-de, o INPC/IBGE (Indice Nacional de Preços ao Consumidor), elaborado para medir a variação de preços dos bens e serviços consumidos por famí-lias de trabalhadores que recebem até seis salários mínimos, em 11 regiões metropolitanas.

As modalidades atuais de tarifação são evi-dentemente injustas, porque penalizam regiões pobres e porque constituem um mecanismo sutil de captura da renda dos assalariados, em benefí-cio de grandes conglomerados majoritariamente estrangeiros e sem maior compromisso com o de-senvolvimento nacional. Estes grupos detêm um elevado poder de monopólio nos mercados onde atuam e auferem, por isto, lucros que podem ser considerados abusivos e divorciados dos padrões de economicidade exigidos em serviços públicos de natureza essencial.

Nos balanços, lucros

exuberantes e mecanismos

de concentração de renda.

Na contramão dos interesses nacionais, os lu-cros dos maiores grupos elétricos têm evoluído muito favoravelmente aos capitais aí investidos. É o que parece indicar a análise socioeconômi-ca dos balanços empresariais (diferente da análi-

Tabela 2: Comparação entre renda média do trabalhador brasileiro e tarifa média nacional de energia elétrica Brasil,

1996/2007 (a preços de 2007).

Quantos MWh

cabem na renda

média

4,94

4,49

4,35

4,11

3,75

3,41

3,21

3,19

3,14

2,97

3,12

3,15

Ano

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Renda Média >

10 anos (IBGE)

1.004,00

1.007,00

943,00

926,00

897,00

822,00

824,00

868,00

876,89

903,33

921,00

945,00

Tarifa Média

(R$/MWh de 2007)

defl acionada - IPCA

203,05

224,41

216,96

225,43

239,42

240,76

256,98

272,49

278,83

304,15

294,79

300,46

Fonte: Renda Média (Séries do IBGE), Tarifa Residencial Média (ANEEL).

Tabela 3: Evolução da tarifa média de energia elétrica porgiões Brasil, 1997/2006

Regiões

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Taxa Acumulada

273,21%

232,32%

214,52%

157,28%

165,73%

Taxa Média Anual

14,08%

12,76%

12,14%

9,91%

10,27%

Fonte: Aneel Elaboração: Dieese - Rede Eletricitários.

Preços ao Consumidor no mesmo período (em torno de 92%), segundo cálculos do Dieese.

Sem qualquer esforço de generalização, mas ape-nas a título de exemplo, pode-se registrar que o preço da energia elétrica residencial, no Brasil, parece estar

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20 | EM MOVIMENTO

5 EBITDA = Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortiza-tion (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Este indi-cador mede a capacidade de geração de recursos próprios por uma empresa. A relação EBITDA / receita líquida foi superior a 73,6% no grupo das 10 maiores empresas do setor elétrico por geração de valor, em 2007. Na lista das 10 empresas elétricas com maior rentabilidade em 2007, sete obtiveram uma relação entre lucro líquido e patrimônio líquido superior a 52,7% (revis-ta Valor, agosto de 2008, As 1.000 maiores empresas por setor).

6 A composição do valor adicionado empresarial, a preços de mercado, inclui as remunerações diretas e indiretas dos trabalhadores, os juros e os lucros pagos aos capitalistas, os aluguéis de imóveis e os impostos indiretos líquidos de subsídios.

se meramente contábil). A exuberância dos lucros fi ca evidenciada em vários indicadores, como no EBITDA ou na relação entre lucro operacional (antes do impos-to de renda - IR e da contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL) e patrimônio líquido, que se situam muitas vezes acima de 50%, podendo mesmo ultrapas-sar a marca dos 70%5.

Graças aos lucros exuberantes, os valores recolhidos como IR e CSLL também são elevados, dando margem à crença ou ilusão, predominante na opinião pública, de que a causa maior dos aumentos na “conta de luz” reside no peso dos impostos pagos às diferentes esferas de go-verno. De fato, o único imposto realmente exorbitante que incide sobre o preço da energia elétrica residencial, é da esfera estadual, o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), cuja alíquota se situa em torno de 30% em alguns estados do Brasil. Em contrapartida desta alíquota, que onera particularmente o consumo resi-dencial e o custo das empresas voltadas apenas ao merca-

do doméstico, as empresas exportadoras são amplamente benefi ciadas, pois estão isentas do recolhimento de ICMS e ainda usufruem de créditos derivados de tributos reco-lhidos por seus fornecedores de serviços e insumos.

Outra deformação de grande impacto social, revela-da pelos balanços corporativos, é a desigual distribuição do valor adicionado entre o trabalho e o capital6. Via de regra, a parcela que remunera o capital é muito maior do que o percentual destinado às remunerações do trabalha-dor, conforme se pode observar na tabela 4, com infor-mações retiradas dos balanços dos maiores grupos que operam nosso sistema de geração, transmissão e distribui-ção de energia elétrica.

O valor adicionado, em empresa ou grupo empresa-rial, representa a parcela do Produto Interno Bruto que foi gerada por esta unidade produtiva. Da parte que cabe aos empregados, constam, basicamente, salários e bene-

Tabela 4: Rendimentos dos empregados, dos capitais de terceiros e de capitais próprios (em números índice) - 2008

Grupos empresariais

12345

Empregados

100100100100100

Cap de terceiros

18924697

144343

Capitaispróprios

1.654744221122413

Fonte: balanços empresariais publicados na imprensa.

...Graças aos lucros exuberantes, os valores

recolhidos como IR e CSLL também são elevados ...

>>CAPA<<

Page 23: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 21

fícios indiretos recebidos, enquanto na parte dos capitalistas são conta-bilizados aluguéis, juros e lucros. A repartição do valor adicionado entre trabalho e capital, no nível empresa-rial, repercute nos dados agregados que vão constituir a renda da po-pulação brasileira. Se a repartição é desigual, em nível de empresa ou grupo corporativo, teremos inevita-velmente um processo de concen-tração da renda nacional. Nos casos

anteriormente indicados, a renda dos capitais é, no mínimo, de 2,6 vezes a parcela que cabe aos trabalhadores, mas pode chegar a até 18 vezes!

Cabe acrescentar, enfi m, que os exemplos considerados aqui referem-se a grandes grupos, cujo valor adicio-nado em 2008 situou-se entre R$ 2 bi-lhões e R$ 8 bilhões. Suas operações fi nanceiras extrapolam o território nacional e podem exercer infl uência sobre os resultados de nosso balanço

de pagamentos e sobre as variações da taxa de câmbio. Lucros dessa mag-nitude podem constituir, também, um estímulo adicional a operações especulativas nos mercados fi nancei-ros, agravando a fi nanceirização da economia brasileira. Permitem-lhes, por outro lado, acesso a mecanismos clássicos de exercício do poder, junto ao sistema político e aos canais de di-fusão ideológica. Como bem analisou Celso Furtado, e lá se vão 40 anos :

Conclusão

Com os dados disponíveis e a refl exão acumulada nas últimas décadas, pode-se, honestamente, acatar a hipótese de que há es-treita vinculação entre os lucros exorbitantes dos conglomerados do setor elétrico e as tarifas exces-

sivas cobradas dos usuários de energia elétrica. Se assim for, o momento é propício para analisar a possibilidade de mudança nas modalidades de cálculo tarifário adotadas no Brasil, adequando-o aos padrões civilizados vigen-tes nos países centrais. Não nos falta experiência nesse campo de conhecimento. Na presente con-

A grande empresa, que trabalha

com preços administrados e está em

condições de, só ou articulada com

algumas outras, comandar as deci-

sões econômicas em setores quase

sempre importantes, exerce funções

de direito público sob a cobertura

de entidade privada. Coloca-se,

portanto, o problema de identifi car

a natureza desse tipo de poder, se se

pretende controlá-lo e legitimá-lo.

O autofi nanciamento, que permite

às empresas, após haver remunera-

do o capital, acumular os recursos

de que necessitam para fi nanciar

a expansão que planejam, consti-

tui uma das manifestações desse

poder. Com efeito, essa forma de

apropriação de poupança coleti-

va muitas vezes não se diferencia

claramente de uma arrecadação

de impostos. [grifo nosso]... [In-

vestimentos estrangeiros podem

ser considerados] como inserção,

no sistema nacional de decisões,

de grupos que são parte integran-

te de outras economias nacionais.

O problema é tanto mais importan-

te quanto as empresas estrangeiras

são, em geral, de grandes dimen-

sões, exercem controle nos setores

em que operam, e ocupam grande

parte da faixa de atividades em

que é mais rápido o progresso tec-

nológico. (In C. Furtado. Um pro-

jeto para o Brasil. Rio de Janeiro:

Saga, 1969, p. 16

... Investimentos estrangeiros podem

ser considerados como inserção no

sistema nacional de decisões...

juntura, uma redução dos preços pagos pelas famílias, na conta de energia elétrica, poderia servir como elemento de contenção dos efeitos negativos da atual crise econômica, transformando-se em reforço da demanda doméstica e num instrumento importante de apoio à reativação da economia nacional.

Page 24: Revista Em Movimento nº3

22 | EM MOVIMENTO

Mais cordial impossível, o en-contro do presidente Lula

com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em julho último, no âmbito da reunião de cúpula do Mercosul. Além de acenar com melhores condições para a co-mercialização da eletricidade não consumida pelos paraguaios, o governo brasileiro triplicou o pre-ço pago ao Paraguai pela energia de Itaipu.

As decisões, que serão subme-tidas às avaliações dos Congres-sos dos dois países, tratam de um negócio que saltou de 120 milhões de dólares para 360 milhões de dólares anuais. O Paraguai conse-guiu, ainda, permissão para a ven-da direta de eletricidade no mer-cado brasileiro, gradativamente, sem intermediação da Eletrobrás. Aparentemente, caso o acordo se concretize, Lugo viu atendida a maioria de suas reivindicações, especialmente o valor que o Bra-sil paga pela energia de Itaipu. Promessa de campanha que pa-rece já vitoriosa em um país que convive com a dramática situação

de ter um sistema de eletricidade extremamente precário e ser, ao mesmo tempo, um grande expor-tador de energia elétrica, talvez um dos maiores do mundo.

Pelo Tratado de Itaipu, cada país tem 50% da energia produzida e se obriga a vender ao outro o que não consumir, e o Paraguai não tem outro mercado para vender a parcela excedente da sua energia. Por essas e muitas outras razões, o povo paraguaio vê o Tratado de Itaipu com extrema desconfi an-ça. Primeiro, porque foi assinado em plena ditadura Stroessner, en-volvida em corrupção. Segundo, porque a história da construção da hidrelétrica refl ete as ligações pe-rigosas com empreiteiras e super-faturamentos. O Paraguai elegeu Lugo na expectativa de que ele pudesse rever o Tratado de Itaipu. Nos dois países, muitas são as leituras possíveis envolvendo aspectos distintos e importan-tes. No Brasil, o jornalista Luis Nassif destaca três aspectos: “o primeiro, a equação econômico-financeira e os aspectos nego-

>> AMÉRICA LATINA<<

Paraguai & Brasil: Políticas de Desenvolvimento Continental

ciais propriamente ditos. O se-gundo, a posição que o Brasil pretende ocupar no continente, a importância do desenvolvi-mento uniforme da região, como alavanca para o próprio desen-volvimento brasileiro. O tercei-ro, a possibilidade de o acordo ser aceito pelo Congresso, que dará a palavra final para a maior parte dos itens negociados”.Este importante debate envolve o Mercosul e os respectivos con-gressos de dois países que vão discutir, caso o façam em alto nível, projetos nacionais. Trata, ainda, de política de desenvol-vimento continental e, como tal, deve ser tratado.

O Paraguai elegeu Fernando

Lugo na expectativa de que

ele pressionasse o governo

brasileiro a rever o Tratado

de Itaipu, visto com extrema

desconfi ança pelo povo para-

guaio. O Tratado foi assinado

em plena ditadura Stroessner.

Page 25: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 23

Assim como o mundo está go-vernado por um império – que im-põe seus interesses pela força da pressão econômica ou militar ao resto da humanidade –, no Mercosul existe uma clara metrópole domi-nante, que é o polo mais industriali-zado do Brasil. Este país, através do Itamaraty – uma das chancelarias mais consolidadas no mundo todo –, impõe a sua vontade na região. Buenos Aires, a segunda metrópo-le, exerce um papel parecido ao da Europa com os EUA. Praticamente não contam os demais países. No caso do Paraguai, como estamos de-sorganizados e não estamos certos sobre quais são os interesses nacio-nais, levamos a pior parte.

O Mercosul foi constituído como um projeto do Brasil, com certo respaldo da Argentina, de modo a conformar um conjunto de países da América do Sul que possa con-tar com uma quota de participação nas principais questões mundiais. Com o advento de Lula ao gover-no do Brasil, observa-se uma ênfa-se maior em um desenvolvimento com certa autonomia das grandes metrópoles mundiais, fato favorá-vel que, entretanto, não elimina as diferenças que temos com o Brasil,

dada nossa situação de país menos desenvolvido da região.

Independentemente dos pontos coincidentes que possa ter o Para-guai com o Brasil e com a Argenti-na quanto a um espaço comum que nos permita tentar um desenvolvi-mento regional sustentável e um melhor relacionamento no mundo globalizado, devemos considerar que temos interesses diferentes em outros aspectos e, em muitos casos, sofremos mais as consequências de depender das submetrópoles (Bra-sília, Buenos Aires) que do próprio Império.

É por isso que o Paraguai deve ter Políticas de Estado em todos os âmbitos – de modo a defender os nossos interesses – e, em particular, quanto à energia, a principal riqueza natural em exploração no Paraguai.

O Mercosul (sem considerar a Venezuela, mais distante, mas sim a Bolívia e o Chile, como Estados associados) ou, então, o Cone Sul da América como um todo, é estru-turalmente defi citário quanto à pro-dução de energias, tendo ainda um consumo energético muito menos intenso do que o observado nos paí-ses desenvolvidos.

Quanto ao petróleo, a maioria dos países da região é importadora. O Brasil foi aumentando a porcen-tagem de seu autoabastecimento de petróleo e, em 2006, anuncia que chegou a autossufi ciência. A Argen-tina se autoabastece limitadamente

com petróleo, ainda que seja defi ci-tária em alguns derivados, como o óleo diesel, e exporte outros, como as naftas. A Bolívia tem um com-portamento similar ao da Argentina. Chile, Paraguai e Uruguai são países puramente importadores de petróleo. Globalmente, a região é defi citária no fornecimento de petróleo. Daí, que uma aliança estratégica com a Vene-zuela, o único país da América do Sul com importantes reservas de petró-leo e com capacidade de exportação, pode ser de grande interesse para toda a região (...).

Quanto à energia elétrica, as alter-nativas energéticas do Brasil foram sufi cientemente analisadas pelo Minis-tério das Minas e Energia (MME) e pela Eletrobrás, sem que fosse encontrada uma solução de bai-xo custo. Pelo contrário, todos os estudos concluem que o custo da ge-ração no Brasil será crescente.

Até agora, 90% da geração elétrica do Brasil provêm de centrais hidre-létricas e da importação de energia paraguaia de Itaipu (mais de 10%). A demanda de energia elétrica do Bra-sil tende a crescer mais rapidamente que seu Produto Interno Bruto (PIB), motivo pelo qual a expectativa atual é de um forte crescimento da deman-da, sem que os recursos hidrelétricos ainda não aproveitados possam su-prir esta demanda de aumento.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com boa arti-culação com o movimento social e ambiental brasileiro e internacional, teve sucesso em deter ou, pelo me-nos, retardar a construção de dezenas de hidrelétricas brasileiras que, como Porto Primavera, foram atrasadas em décadas com relação à data do início de sua operação. De fato, este fenô-meno não é diferente do que conhe-cemos aqui em Yacyrctá e do que se registra no mundo todo. Além disso, a preocupação social e ambiental tenderá a aumentar, pelo que, se até agora o Brasil não pôde cumprir seu cronograma quanto à construção de

“Dívida espúria

imposta pela

Eletrobrás”.

Ricardo CaneseMembro do Movimento Popular Tekojoja, decisivo na vitória de Fernando Lugo para a presidência do Paraguai.

Page 26: Revista Em Movimento nº3

24 | EM MOVIMENTO

novas centrais hidrelétricas, é impro-vável que possa fazê-lo futuramente. Irremediavelmente, a energia hidre-létrica terá uma importância decres-cente no Brasil e, em nenhum caso, poderá cobrir suas necessidades elé-tricas, mas sim em porcentagens de-crescentes.

Diante deste quadro, que al-ternativa de geração elétrica res-ta ao Brasil? Durante os últimos anos, o Brasil voltou os olhos para o gás natural (GN) importado da Argentina e da Bolívia, dado que o próprio é insufi ciente. Durante alguns anos, a Bolívia – não a Ar-gentina – pôde fornecer ao Brasil GN sufi ciente para produzir eletri-cidade. Agora mesmo, importa 26 milhões de m3/dia (o que equivale a 163.000 barris de petróleo por dia). Hoje o Brasil impõe à Bolívia um preço (um pouco mais de 3 dó-lares por milhão de BTU, unidades térmicas britânicas) muito abaixo do preço de mercado (que está em torno de 14 dólares por milhão de BTU na fronteira entre os EUA e o México, por exemplo). Após a nacionalização dos hidrocarbona-tos por parte da Bolívia, em 1° de

maio de 2006, as perspectivas são de que o preço do GN boliviano chegue a ser similar ao fuel oil, por igual geração de eletricidade. Com o fuel oil, é impossível hoje gerar energia por menos de US$ 81/MWh, quase o triplo do cus-to (por si mesmo aumentado) da energia paraguaia de Itaipu (em torno de US$ 29/MWh). O valor de US$ 81/MWh ocorre se as cen-trais térmicas a GN possuem um rendimento de pelo menos 40% (muito difícil e custoso de alcan-çar) e se a sua cotação é equiva-lente a US$ 60/barril de petróleo, muito menos do que custa agora este hidrocarboneto.

O custo de geração com carvão mineral, energia que existe no Sul do Brasil, é similar ao indicado, ou mesmo maior, se levados em conta os elevados custos ambien-tais. O mesmo ocorre com a ener-gia nuclear, como analisa muito bem o MME do Brasil. A geração elétrica com base nas jazidas bra-sileiras de carvão e urânio, além disso, tem um horizonte muito limitado de geração elétrica, pela reduzida magnitude de suas reser-

vas, em relação ao que o Brasil necessita.

Consequentemente, o Brasil não tem substitutos para a energia paraguaia de Itaipu por um cus-to similar, e sim, por outro que é o triplo da tarifa atual da entidade binacional, segundo o preço atual do petróleo (US$ 60/barril e mais). Mesmo para menores cotações do petróleo (um preço impensável de US$ 30/barril), o custo de geração de energia no Brasil, a partir de petróleo ou GN, é muito mais caro (US$ 40/MWh) que a energia pa-raguaia de Itaipu (US$ 29/MWh). E, neste custo da energia paraguaia de Itaipu, estão a dívida espúria e os juros usurários impostos pela Eletrobrás, que não são custos para o Brasil. Este país dispõe, na reali-dade, de uma energia paraguaia de Itaipu a um custo abaixo de US$ 10/MWh. Em resumo, o Brasil ca-rece de alternativas energéticas de baixo custo para substituir a mui-to mais barata energia paraguaia de Itaipu, razão pela qual carece de sentido que lhe presenteemos nossa energia por muito menos que seu valor de mercado.

224242424242424242424242424242424424224242242222222222244242222244 | ||| EMEMEMEMEMEMMMMMMMMMMMMEMEMEMMMMEMEMMMMMMEMMMM MMMMEEMMMMM MMMEMMMMMMM MMMMEMM MMEMMMMM MMMEEMMM MMMEMM MOMOMOMOMMMMOMOMOVMOVMOMMMMOMMOMMMMMMMOMMMMMOMOMMOMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMO IMIMEMEMENNTNTNTNTOTOTOTOOOOOOOOONTONTTOTOOOTOONTOOOOOOOOOO

Este importante debate envol-

ve o Mercosul e os respectivos

congressos de dois países que

vão discutir, caso o façam em

alto nível, projetos nacionais.

Trata, ainda, de política de

desenvolvimento continental.

Como tal deve ser tratado.

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EM MOVIMENTO | 25

>>AMÉRICA LATINA<<

A visão no Mercosul de um Bra-sil imperialista que dita as normas e agride o Paraguai, país pequeno, não procede. E se esta minha vi-são for equivocada e, de fato, exis-tir este problema de hegemonia na América do Sul, o caminho mais sensato é enfrentar a discussão. A dimensão do Brasil é, sem dúvida, muito grande, mas não é da nossa tradição o imperialismo, muito em-bora exista nos registros da nossa história a guerra com o Paraguai, praticamente a única guerra sobre a qual podemos afi rmar que o Brasil, efetivamente, teve responsabilida-de. A II Guerra Mundial, da qual o Brasil participou, foi uma guerra justa, contra o nazismo. Este não foi o caso da guerra com o Paraguai.

O Brasil não tem uma política de intervenção econômica nos pa-íses sul-americanos, ao contrário, fi ca bem mais evidente a tentativa de integração econômica.

Agora, na égide do capitalismo, existe, no Paraguai, no Brasil e nos outros países, a exploração do tra-balho. O problema do capitalismo não foi resolvido. Simplesmente convivemos com ele. A crise mun-dial evidencia mazelas gravíssimas que as populações sofrem e como os donos do poder manipulam a economia. Portanto, Canese tem parte de razão, mas não é um atri-buto específi co do Brasil, que não

tem que assinar recibo dessa culpa. Particularmente, o que vejo é exata-mente o contrário, um grande esfor-ço para consolidar uma política de integração.

Do ponto de vista técnico, Cane-se está errado. Seus argumentos não partem de valores verdadeiros. Na-turalmente, a interpretação sempre cabe em qualquer cenário, especial-mente quando a situação envolve grande volume de recursos mais os juros. No entanto, existem muitas maneiras, as mais distintas, de fazer esse cálculo. E o que Ricardo Ca-nese faz é não colocar a questão na sua dimensão total. Por exemplo, a remuneração que o Paraguai recebe por Itaipu é um valor bem mais alto do que ele declara. O grande pro-blema é que Itaipu paga uma dívi-da, e isso é uma outra história. E aí é possível o questionamento: seria essa dívida correta? É justo o cálcu-lo dos juros sobre ela?

São questões importantes, que interessam ao Paraguai, mas dife-rentes do questionamento sobre a remuneração que é paga pela ener-gia gerada. Na realidade, a remune-ração é baseada numa tarifa razoá-vel. Hoje, no Brasil, esta tarifa está um pouco acima do valor das usinas que estão sendo construídas no Rio Madeira. No passado, a tarifa im-posta no governo Geisel, por exem-plo, era caríssima. As empresas elétricas tinham, necessariamente, que comprar de Itaipu, mesmo não sendo vantajoso. Precisavam remu-

nerar todo o capital que o Brasil in-vestiu. O Paraguai não integralizou absolutamente nada. O Paraguai entrou no negócio com o rio. O que é muito no sentido geográfi co, é claro, mas, se não houvesse a deci-são brasileira de fazer a usina, não haveria usina nenhuma. Ou o Bra-sil faria, ou não havia usina, porque tratava-se da fronteira dos dois paí-ses. O Paraguai, de fato, não tinha recursos. Com uma economia bem menor que a brasileira, não tinha como construir.

Estamos falando de hegemonia do capital. Aí cabe uma discussão que é política. Mas, insisto, não é verdade que a remuneração paga ao Paraguai não é justa. O Brasil também quer a sua parte, já que es-tamos falando de um projeto cons-truído meio a meio. Itaipu é metade de cada país, e paga o investimento. Mas, na prática, o que aconteceu é que o Tesouro Nacional e a Eletro-brás absorveram essa dívida total-mente paga pelo Brasil. Um volume de cerca de US$ 20 bilhões, agora em processo de amortização. Mas, durante muito tempo era basica-mente pagamento de juros, nesse cálculo fi nanceiro perverso, de re-muneração do capital.

Ou seja, a discussão é correta, o que não é correto é atribuir um valor qualquer, calculado com base numa certa aproximação, dizendo que o Paraguai está recebendo pouco di-nheiro. Está recebendo o mesmo que recebe a Itaipu brasileira, que é a metade. Agora, todos os dois pa-gam essa dívida.

Tanto técnica quanto politica-mente, a solução ou os caminhos dessa questão são complexos. O Paraguai coloca pleitos impossí-veis, como, por exemplo, o Brasil construir uma linha de transmis-são para que o Paraguai possa vender energia para a Argentina, que é o que eles querem. Isso me parece inviável. Eu posso ser até enganado pela minha mulher, mas eu não vou comprar a cama para

“O problema

não é jurídico,

é político.”

Luiz Pinguelli Rosa Físico, diretor da COPPE/UFRJ.

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26 | EM MOVIMENTO

ela dormir com o amante. Qual-quer pessoa pensa dessa forma.

O que o Brasil está disposto a fazer é uma linha de transmis-são, financiá-la e executá-la até Assunção, que está precisando de energia, porque eles não fizeram a linha complementar. O consu-mo subiu e esta linha de trans-missão é necessária.

Outra coisa que pode ser de in-teresse dos dois países é o investi-mento para o Paraguai consumir a sua energia, já que o país não tem capital. Se o país consumisse toda a parte de energia que lhe cabe, não haveria a venda ao Brasil. Agora, naturalmente, o Paraguai tem que escolher o tipo de inves-timento que quer, o tipo de desen-volvimento que quer e que poderia dar margem ao valor agregado de produtos que fossem feitos no Pa-raguai, que fossem exportados, ou consumidos pelo povo paraguaio, conforme suas necessidades. Não temos que impor um modelo ao Paraguai, mas o debate no campo dos caminhos do desenvolvimen-

to é uma possibilidade. Há outras possibilidades. O que não é razoá-vel é simplesmente desclassifi car o preço estabelecido para o Para-guai, e ponto fi nal. Não é isso. Tem que negociar, sim, mas não com propostas despropositadas.

Entretanto, é claro que as baias existem. Cada um de nós incorpora, de certa forma, os interesses nacio-nais. Entendo que o Brasil deve ce-der em benefício do entendimento, como no caso da Bolívia, que eu acho que foi razoavelmente resolvi-do. Mantivemos o fl uxo de gás na-tural, que interessava muito a nós, e interessava também à Bolívia. Ao mesmo tempo, não abrimos mão das refi narias, e eles tiveram a sobe-rania deles exercida para encampá-las. O Brasil não criou um grande problema, como vimos, por exem-plo, na imprensa brasileira. Os se-tores mais conservadores e liberais cobravam do Governo. E considero a diplomacia do governo Lula boa. É uma área da política do Gover-no das melhores. Pode ser comer-cial demais, que vende coisas para toda parte, mas, busca uma certa

integração na América Latina, uma presença maior do Brasil não só na Europa, nos Estados Unidos, mas em outros países, em particular na América do Sul. Então, é possível ceder, sim, e chegar a um acordo.

O Canese errar não signifi ca que o Paraguai esteja errado. Faz parte do interesse político nacional do Paraguai buscar melhores con-dições para o país, e, sem dúvida, Itaipu é um trunfo para isso. Mas sem bom senso não se chega a lugar algum. Não vejo muita possibilida-de legal. Decidir que, juridicamen-te, está correta a posição paraguaia, ou a posição do Brasil? Não acredi-to nisso. O problema é político. Ri-cardo Canese erra na argumentação técnica. Seus argumentos técnicos não são corretos. Já, politicamen-te, eu concordo totalmente com sua argumentação. É um problema de interesse social, de melhorar as condições de vida do povo para-guaio. Como também, no Brasil, as condições de vida são precárias para grande parte da população. Por isso, os argumentos devem ser bem-pesados e o nível da conversa deve ser no campo de uma política de de-senvolvimento.

>>AMÉRICA LATINA<<

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EM MOVIMENTO | 27EM MOVIMENTO | 27

>> TRABALHO<<

UM NOVO MARCO UM NOVO MARCO CIVILIZATÓRIOCIVILIZATÓRIO

A maioria liberal

conservadora da

aristocracia café

com leite empurrou o

Brasil para o atraso

até 1930. Todos somos

herdeiros de um

sonho de nação que

começou a se realizar,

de forma concreta, a

partir de 1930.

A aliança liderada por Getúlio Vargas, e por outros, certa-

mente expressou a maioria an-tiliberal, reunindo fascistas, co-munistas e esta maioria política que consagrou, em 50 anos, uma condição jamais vista no mundo: um país primário e exportador se transformar na oitava economia urbana e industrial do mundo. Não completamos esse ciclo de ex-pansão, mas avançamos de forma considerável. O Brasil vive, hoje, um momento espetacular. Está

na perspectiva de construir uma maioria política que consagre o desenvolvimento com inclusão social. No entanto, o que temos, cada vez mais, é a presença de uma profunda concentração do poder econômico nas mãos de não mais que 500 corporações que dominam todos os setores da atividade econômica. É um qua-dro que ainda não havíamos visto e sobre o qual não há regulação ou governança democraticamen-te estabelecida.

Marcio Pochmanné economista, presidente do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

Page 30: Revista Em Movimento nº3

28 | EM MOVIMENTO

Empresas maiores que paísesEm outras palavras, estamos viven-do um momento em que empresas são maiores do que países. As três maiores corporações mundiais têm um faturamento anual superior ao PIB do Brasil, que é o 10º do mun-do. A nossa Petrobras tem um fatu-ramento anual superior ao PIB da Argentina. As 50 maiores corpora-ções têm faturamento superior ao PIB de 150 países. A governança criada no mundo para liderar o padrão de desenvolvimen-to do século XX se deu para a regu-lação de países, e, hoje, temos cada vez mais corporações com maior força e maior poder econômico do que muitos países. É uma situação semelhante à de uma pequena ci-dade, de 5 mil habitantes, que, de repente, se vê diante da instalação de uma siderurgia, de uma empresa que vai produzir com cerca de 5 mil ou 3 mil trabalhadores. Vai gerar faturamento e tributação que viabi-lizam um orçamento muito melhor para a vida daquela cidade. A ques-tão que se coloca é: quem conduz a cidade? O prefeito democratica-mente eleito ou o presidente desta grande siderurgia? Vivemos num mundo em que não são os países que têm empresas, mas, cada vez mais, empresas têm países. Este obstáculo ao desenvol-vimento é fundamental no momen-to em que o padrão que essas cor-porações reproduzem é um padrão de profunda degradação ambiental, incapaz de consagrar uma situação adequada, do ponto de vista am-biental para os próximos 50 anos. O padrão de desenvolvimento que temos é a economia do “ter” – ter muitas roupas, ter muitos carros,

ter muitas casas. Esta economia do “ter” é profundamente degradante ao meio ambiente. Não é possível reproduzir esse padrão de produção e consumo para todos, a não ser na forma de subdesenvolvimento, no qual o Brasil se especializou. Para que uma parte de brasileiros pudes-sem ter acesso ao padrão de consu-mo desta civilização, a maior parte da população fi cou de fora. Outro aspecto importante é a pro-funda necessidade de realizarmos a reforma tributária na capacidade de capturar o excedente gerado. É esse mecanismo, absolutamente funda-mental, que permitirá a inclusão de camadas que hoje estão excluídas e, possivelmente, estarão incluí-das num tempo não tão distante. A tributação sobre o excedente foi a principal referência da inclusão social dos países hoje considerados desenvolvidos. Há mais de 100 anos, no Brasil, a expectativa média de vida era de 35 anos, resultado de uma sociedade agrária na qual viver era, funda-mentalmente, trabalhar. A pessoa trabalhava onde morava. Morava e trabalhava na fazenda, desde os 5 ou 6 anos de idade, ajudando a mãe ou o pai. Não havia escola nem a regulação do trabalho que defi nia 8 horas de jornada, 5 dias por semana,

descanso semanal, férias e feriado. Trabalhava-se de segunda a segun-da e, embora existisse o relógio, o que pautava e organizava a vida era o sol. O trabalho começava quando o sol nascia e se encerrava quan-do o sol se punha. O trabalho aos 5, 6 anos de idade era não apenas o exercício físico e mental, mas uma condição de sociabilidade. Há 100 anos, talvez, não teríamos condi-ções de conhecer mais do que 100 pessoas ao longo da vida, em fun-ção da total ausência de mobilidade.

Financiamento público para o tempo livreEssa sociedade se altera drasti-camente quando transita para a sociedade urbana e industrial, da qual todos somos herdeiros. So-ciedade completamente diferen-te, com um mínimo de repartição geográfi ca. De maneira geral, as pessoas não moram onde traba-lham. Não é possível levar para o trabalho os fi lhos, os pais, os avós, como na sociedade agrária. Essa divisão social vem, eviden-temente, acompanhada de ganhos de produtividade inimagináveis.

A governança criada no mundo para liderar o padrão de desenvolvimento do século XX se deu para a regulação de países. No século XXI existem, cada vez mais, corporações com maior poder econômico do que muitos países.

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EM MOVIMENTO | 29

>>TRABALHO<<

Na sociedade urbana e industrial, o tempo de trabalho passa a ser conta-bilizado a partir do ingresso no local de trabalho. E, no local de trabalho, o tempo é rigidamente contabiliza-do e a intensifi cação do trabalho é enorme. Não há condições do tra-balhador, no local de trabalho, de-fi nir como organizar o trabalho. O trabalho já está organizado. O ritmo é dado não mais pelo esforço físico e mental, e sim pela máquina. Me-lhor exemplo dessa realidade Cha-plin mostrou em seu fi lme “Tempos Modernos”, quando até para ir ao banheiro o operário precisava de au-torização. O trabalho como organização da vida da sociedade agrária se altera drasticamente na sociedade urbana e industrial, que separa o tempo de trabalho do tempo de não trabalho. A luta de 103 anos dos mártires em Chicago demarcou muito precisa-mente a luta pela redução da jornada. A jornada de 8 horas, como sendo 8 horas de trabalho, 8 horas de descan-so e 8 horas de convivência familiar, de sociabilidade, constituída fora do local de trabalho. Essa sociedade permitiu que a vida deixasse de ser, fundamentalmente, trabalhar. Em primeiro lugar, por-que, hoje, no Brasil, 70 anos é a ex-pectativa média de vida. Para essa sociedade que vai viver mais, já não se ingressa no mercado de trabalho

aos 5, 6 anos, e sim a partir dos 15, 16 anos de idade. Pela primeira vez na História, aque-les que não têm outra forma de viver que não seja pelo trabalho, passam a ter o fi nanciamento público do seu tempo livre. Quem tinha condições de estudar e não depender do traba-lho físico na sociedade agrária do século XIX eram os proprietários, os fazendeiros, a aristocracia. Esses, inclusive, contratavam tutores para ensinar seus próprios fi lhos. O que permitiu que os fi lhos dos trabalha-dores passassem a estudar e que a escola se transformasse em elemen-to central da sociabilidade, fazendo com que antes de entrar no mercado de trabalho se passasse pela educa-ção? E, mais: depois de passar pela escola, ingressar no mercado de tra-balho, após 30, 35 anos de trabalho, viver 10, 15, 20 anos na inatividade? O que permitiu o fi nanciamento do tempo livre? O fi nanciamento público do tem-po da inatividade seria inimaginá-vel no século XIX, na sociedade agrária, quando viver era trabalhar. Para quem começava a trabalhar aos 5 anos de idade e morria aos 35 anos, trabalhando 16 horas por dia, de segunda a segunda, 70% do seu tempo estava comprometido com o trabalho. Na sociedade do século XX, sociedade urbana e industrial, o trabalho visa uma recompensa, um

salário para poder fi nanciar a sobre-vivência. Esse trabalho heterônomo vai representar 40% do tempo de vida, jornadas de 8 horas, descanso semanal, férias, feriado, trabalho por 35 anos para o homem e a inativida-de fi nanciada. Financiada com a captura do exce-dente, a captura da produtividade, a produtividade física, aquela que re-sultou da mecanização e dos novos métodos de gestão e organização do trabalho. Esse ganho foi capturado pela negociação coletiva, ou pelo au-mento dos salários ou pela redução da jornada de trabalho ou através da tri-butação, dos impostos, das reformas tributárias, do imposto de renda, dos impostos progressivos que criaram um fundo público. O fundo público fi nancia a escola, a aposentadoria, os planos de saúde e o atendimento aos doentes, aos defi cientes físicos e mentais e aos desempregados. Esta é a trajetória que se constrói no fi nal do século XIX, ao longo do século XX, a partir da invenção da democracia tal qual nós conhe-cemos. É importante que se diga: a democracia que se tinha até o sécu-lo XIX, nos países avançados, era a democracia dos proprietários, demo-cracias censitárias. Votavam ou eram votados homens de patrimônio. No Brasil, até 1930, só votavam os que tinham renda e propriedades. Na dé-cada de 30, por exemplo, e nas déca-das anteriores, votavam nas eleições, no máximo, 4 ou 5% da população. Somente em 1932, se introduz no Brasil o voto direto, secreto e não universal, porque, embora a mulher passe a ter direito ao voto, os analfa-betos não podem votar. Em 1945, acontece a primeira elei-ção participativa do Brasil. Por que tudo isso é importante? Porque esses foram os instrumentos inventados pelo esforço humano que constituiu um padrão civilizatório do século XX: trabalhar 8 horas e ter tempo para a construção da sociabilidade fora do trabalho.

Pela primeira vez na História aqueles que não têm outra forma de viver que não seja pelo trabalho passam a ter o fi nanciamento público do tempo livre.

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30 | EM MOVIMENTO

>>TRABALHO<<

Novas técnicas de gestão do trabalhoTodos estamos vivendo uma épo-ca em que há enormes avanços na produtividade, não apenas física, mas cada vez mais, a produtividade imaterial. Produtividade essa que é perceptível pela quantidade de re-cursos que circulam nos mercados fi nanceiros, não contabilizados nos orçamentos ou balanços das próprias empresas. O mundo tem hoje um Produto In-terno Bruto estimado em 60 trilhões de dólares, mas é simultâneo a 600 trilhões de dólares que circulam nos mercados fi nanceiros, resultado da produtividade imaterial não contabi-lizada e tampouco repartida. O que é a produtividade imaterial? É o resultado do trabalho feito, cada vez mais, fora do local de trabalho, pelas novas tecnologias, a reenge-nharia e novas formas de organiza-ção do trabalho. Pelos novos ins-trumentos, trabalha-se em qualquer

lugar através do celular, do compu-tador. E esse tempo de trabalho não está sendo considerado como gera-dor de riqueza. As novas técnicas de gestão do trabalho fazem com que o trabalhador leve o trabalho para casa. Ele sonha com o trabalho. Ele dorme com o trabalho. Acorda com o trabalho. Diferentemente do século XX, quando havia uma divisão plena entre tempo de trabalho e tempo de não trabalho. Essa intensifi cação brutal do traba-lho está gerando uma crise profun-da de sociabilidade, numa sociedade em que não se tem tempo para mais nada, uma sociedade em que cresce o individualismo, que convive com uma família fortemente desestrutu-rada, incapaz de reproduzir os valo-res básicos da existência humana. A mulher, no século XIX, embora vivesse não mais do que 35, 40 anos era uma máquina de reprodução hu-mana. Tinha 15, 20 fi lhos ao longo de sua vida. Já a mulher do século XX, vivendo 70 anos em média, ti-nha dois fi lhos. O padrão familiar do século XX é: dois adultos e duas crianças. Qual o padrão familiar do

século XXI? É cada vez mais a fa-mília monoparental: a família de um adulto e uma criança ou os no-vos arranjos familiares com homens com fi lhos de variadas mulheres ou mulheres com diferentes homens ou homens depois dos 60 anos recons-tituindo a geração familiar, numa sociedade que vive cada vez mais, até100, 110 anos de idade. Como reorganizar uma sociedade na qual o trabalho heterônomo é cada vez mais redundante, desnecessário para todos? Dado o avanço tecno-lógico, produtivo, é desnecessário o trabalho por tão longas jornadas, especialmente o trabalho realizado fora do local de trabalho. Esta é uma questão-chave da consti-tuição do novo padrão civilizatório, que deverá ter não mais do que 12 horas de trabalho por semana: 3 dias por semana com 4 horas de jornada. Isso é plenamente possível nos dias de hoje. Não há razão técnica que justifi que jornada semanal superior a 12 horas. Pode ser estranha essa afi rmação, como deve ter parecido estranho, em 1850, alguém dizer que eram possíveis e necessárias jorna-

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Todos estamos vivendo uma época em que

há enormes avanços na produtividade, não

apenas física, mas cada vez mais, a produ-

tividade imaterial. Produtividade essa que

é perceptível pela quantidade de recursos

que circulam nos mercados fi nanceiros,

não contabilizados nos orçamentos ou ba-

lanços das próprias empresas.

Page 33: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 31

das de 8 horas diárias, 48 horas se-manais, ao invés das 80 horas sema-nais, 16 horas por dia. Os ganhos de lucratividade que te-mos hoje são fantásticos e precisam ser repartidos, assim como não há razão que justifi que alguém começar a trabalhar antes dos 25 anos de ida-de. Não há razão para começar tão cedo numa sociedade cuja expectati-va de vida se aproxima dos 100 anos. Também seria estranho dizer para al-guém no século XIX que deveria co-meçar a trabalhar depois dos 15 anos de idade, depois de ter completado o ensino básico. É preciso conhecer as letras, os va-lores, os elementos de sociabilidade que a escola passa a compor frente à crise da família do século XX: uma família que passa a morar distante dos avós, que não tem mais os ido-sos como referência. É a escola que repõe a sociabilidade do século XX: uma escola voltada somente para as

fases precoces da vida, não transfor-madora, acomodadora, uma escola funcional, utilitarista. Os fi lhos dos ricos no Brasil, por exemplo, começam a trabalhar de-pois dos 25 anos de idade, depois de terem concluído a universidade, senão o mestrado e o doutorado. So-mente os fi lhos dos pobres de nosso País estão condenados a começar a trabalhar muito cedo, sem terem concluído, muitas vezes, o ensino básico. O ingresso tão diferencial e precoce no caso dos nossos jovens anula a visão de república que se tem no Brasil. Não será uma repú-blica enquanto não houver igualdade de oportunidades.O fi lho do pobre que começa a traba-lhar aos 15, 16 anos de idade não tem a mesma oportunidade que o fi lho de um rico que começa aos 25 anos, após ter completado a universidade. É equivalente a uma corrida em que uns correm descalços e outros com

carros de Fórmula 1. É uma corrida, e nós sabemos quem vai ganhar. Esta situação está colocada nos dias de hoje, assim como o padrão civi-lizatório pressupõe a escola para a vida toda. Estamos abandonando aquela condição de que estudavam tão somente a criança, o adolescente e alguns jovens que chegavam à uni-versidade. Uma circunstância de que a universidade absorvia não mais do que um a cada 10 jovens na faixa etária de 18 a 24 anos. O projeto da sociedade do conhecimento pressu-põe que 70%, 80% deverão estar na universidade. A complexa sociedade do conheci-mento está levando ao conhecimen-to da ignorância profunda. Pouco ajuda a quantidade das informações, se não houver capacidade de análi-se, de síntese. Nós não conseguimos acompanhar a produção de conhe-cimento em nossa área específi ca, vide a quantidade de livros, revistas,

No século XX havia uma divisão

plena entre tempo de trabalho e tem-

po de não trabalho. Hoje, as novas

técnicas de gestão do trabalho fazem

com que o trabalhador durma, sonhe

e acorde com o trabalho.

Page 34: Revista Em Movimento nº3

32 | EM MOVIMENTO

artigos, pesquisas que, diariamente, são divulgados, quiçá a produção de outras áreas. Essa nossa incapacidade frente a uma formação de especialistas nos leva a uma dependência da escola, da educa-ção para a vida toda. Será cada vez mais comum pessoas de 80, 90 e 100 anos estudando. Estudando não somente para o trabalho, mas para a vida. Abandonaremos a fase que temos na escola utilitarista, quando, porven-tura, alguém de 50 anos vai estudar de novo e perguntam: “Por que está estu-dando? Já é formado, aposentou-se. Para que estudar? Para que insistir em estudar?”. Isso refl ete a concepção de educação da escola do século XX, da educação para o trabalho, em que se es-tuda para o trabalho. Passa-se cinco anos em uma universidade, abre-se a cabeça, coloca-se lá as fórmulas e as equações e fecha-se a cabeça. O conhecimento acu-mulado durante cinco anos iria lhe per-mitir trabalhar por quatro décadas sem precisar ler um livro novamente. A situação hoje é de uma educação per-manente, de um trabalho cada vez mais autônomo, menos heterônomo, trabalho criativo. Essa sociedade já é possível nos dias de hoje, mas, se não houver uma repartição dessa produtividade física e, cada vez mais, imaterial, nós não consti-tuiremos esse novo padrão civilizatório. O nosso desafi o, portanto, passa pela compreensão do momento e pela opor-tunidade de que, ao compreender o mo-mento que vivemos, liderado pelo novo padrão civilizatório, ele já está em nos-sas mãos. Ele é possível. Precisa, antes de mais nada, da nossa confi ança, a nos-sa ousadia. Não tenho dúvida de que a categoria, a Fisenge, todos aqueles que aqui se encontram, direcionam-se para este objetivo. Objetivo que não será sim-ples, mas, sob persistência, nos dará um país superior.

A intensifi cação brutal do

trabalho gera profunda

crise de sociabilidade, numa

sociedade em que não se

tem tempo para mais nada,

com individualismo cres-

cente, que convive com uma

família fortemente desestru-

turada, incapaz de repro-

duzir os valores básicos da

existência humana.

O texto acima foi transcrito da palestra de Marcio Pochmann na abertura do 8° Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros.

>>TRABALHO<<

Page 35: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 33EM MOVIMENTO | 33

Não podemos falar sobre redução da jornada de trabalho sem recor-rermos à História. A classe tra-balhadora de nosso País travou e trava uma intensa luta em defesa de seus direitos. Por volta das dé-cadas de 1930 e 1940, na chamada Era Getúlio Vargas, foi instituída a primeira Lei Nacional que limita-va a jornada a 48 horas semanais. Nesse momento, os trabalhadores conquistaram uma legislação tra-balhista unifi cada, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garante direitos como, 13º salário, férias, entre outros. Mesmo com a regulamentação, a ex-ploração do trabalho avançou sobre a classe trabalhadora. E, após qua-se 40 anos, durante a Constituinte de 1988, os trabalhadores tiveram mais uma conquista: a limitação da jornada para 44 horas. Embo-ra algumas categorias já tivessem conquistado este direito, era neces-sária uma vitória de toda a classe e, graças às movimentações sindicais e dos trabalhadores, foi instituído tal direito na Constituição de 1988. E os ciclos divididos por décadas se repetem. Após aproximadamen-te 20 anos, a luta pela redução da jornada para 40 horas avança nas instâncias do Parlamento.Em junho deste ano, a redução da jornada de trabalho foi aprovada por unanimidade pela Comissão Especial da Câmara dos Deputa-dos. Além da limitação para 40 horas, a Proposta de Emenda à

Constituição (PEC), que tramita há 14 anos no Congresso Nacional, também prevê aumento das horas extras de 50% para 75%, no míni-mo. A PEC precisa ser aprovada em dois turnos pelos plenários da Câmara e do Senado. Segundo da-dos do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (IPEA), a jornada normal de trabalho no Brasil, de 44 horas semanais, desde 1988, é uma das maiores do mundo.

Crise econômica e geração de empregoEsse indicativo positivo de redu-ção da jornada vem ao encontro de uma das maiores crises econô-micas mundiais desde 1929. “Nes-se momento de crise, é necessário que os Estados Nacionais tenham instrumentos que reduzam a jorna-da de trabalho sem redução de sa-lários, gerando novos empregos e diminuindo o ritmo de trabalho”, avaliou Rosane da Silva, membro da Executiva Nacional da CUT, que reforça a questão da redução sem qualquer diminuição salarial. Outro ponto destacado por Rosane é que a parcela mais vulnerável dos traba-lhadores demitidos são as mulhe-res e os jovens. “A redução não só benefi cia todo o conjunto da classe trabalhadora como também ampara os jovens e as mulheres, que são os primeiros a serem demitidos em um momento de crise”, afi rmou.

A HISTÓRICA LUTA DOS TRABALHADORES EM DEFESA DE SEUS DIREITOS

É hora de avançar na luta pela redução da jornada de

trabalho. Depois de lutas e conquistas históricas, o Brasil

começa a pautar a limitação para 40 horas trabalhadas.

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34 | EM MOVIMENTO 334343434434343434333 ||||| || EEEEEMEMEMEMEMEMMMMMM M MMME MMMMOVMOMOVMOVMOVVVMOVMOMOVMOMOMOOVMOVMMOVIIIMIMMEMEMEMEMEIMIMIMEII NNTNTNNNTTNTTOTOOTOTOOON OTNTOOT

>>TRABALHO<<

Segundo estudo do Ipea, publica-do em abril deste ano, os efeitos da crise fi nanceira internacional che-garam ao Brasil. De novembro de 2008 até março de 2009, o número de desligamentos foi superior ao de admissões, revertendo a tendência observada no ano anterior. No en-tanto, o aumento de desligamentos não signifi ca impacto imediato na taxa de desemprego. Isso porque estes trabalhadores podem ter in-gressado em trabalhos informais, por exemplo. Márcio Pochmann, presidente do Ipea, revela que, em momentos de crise, a resistência das empresas em relação à diminuição da jornada tende a aumentar. “Em um momento de crescimento da economia, a resistência das empre-sas tende a ser menor. E não existe conquista sem luta”, declarou. Para isso, a classe trabalhadora, em conjunto com as entidades de clas-se, devem mobilizar e pressionar cada vez mais pela aprovação da redução da jornada de trabalho sem redução salarial.

A contradição das horas extrasDesde o fi nal dos anos 1990, apoia-da pelo governo FHC, o Brasil vem apresentando uma frequente fl exi-bilização do tempo de trabalho, seja por hora extra, trabalho noturno ou férias coletivas. A partir deste prece-dente, as empresas utilizam as horas extras para compensar a redução e não contratar mais funcionários. “É necessária uma forte regulação das horas extras que restringem a queda efetiva das altas taxas de desempre-go e também servem como meio para compensar a perda do poder aquisitivo da remuneração”, afi r-mou Pochmann. A PEC aprovada pela Comissão Especial prevê o aumento das ho-ras extras de 50% para 75%. Com

a inconsequente utilização da hora extra como subterfúgio da redução da jornada, a classe trabalhadora sofre com a desenfreada intensifi -cação do ritmo de trabalho. Além de ter difi culdades de acesso à con-tabilidade das horas trabalhadas e das horas descansadas, ainda há a forte pressão patronal. Um fator que contribui para a realização de hora extra é o baixo salário, que praticamente obriga o trabalhador a compensar a perda. Segundo o Dieese, a redução da jornada normal de trabalho é um instrumento necessário, mas não sufi ciente, para reduzir a jornada efetiva. Ainda de acordo com o De-partamento, a redução da jornada poderia gerar cerca de 2.252.600 novos postos de trabalho. Portanto, para garantir a ampliação deste qua-dro, é preciso pautar o fi m das horas extras, um efetivo aumento salarial, nova regulamentação do banco de horas e muitas outras políticas que garantam direitos e dignidade aos trabalhadores.Além de aumentar o ritmo de tra-balho e camufl ar perdas salariais, a hora extra infl uencia diretamente no tempo livre e na sociabilidade do trabalhador. Pouco sobra para qualifi cação profi ssional, atividades culturais e de lazer, estudos, cuida-dos com a saúde e a família, entre outras difi culdades que a falta de tempo impõe, ampliando, assim, os valores individuais de uma socieda-de cada vez menos solidária. E, para avançar na luta, é impres-cindível organização sindical e da classe trabalhadora de modo a pressionar não somente a aprova-ção da PEC como também e, prin-cipalmente, uma real transforma-ção da sociedade, identifi cada por Marcio Pochmann como um novo marco civilizatório.

Camila Marins

Page 37: Revista Em Movimento nº3

EM MOVIMENTO | 35

Morre um artista que deixa a resistência

como sua melhor forma de arte

>> CULTURA<<

“O Brasil caminha de forma lenta, gradual e segura para uma nova forma de escravidão – somos todos escravos,

embora não tenhamos senhores visíveis, palpáveis. Nossos salários, a miserável educação e a doentia saúde de que

o País padece, o latifúndio improdutivo, a falta de emprego das multidões em êxodo rural e citadino, a absoluta

ausência de decisões nacionais autônomas e a obediência caolha ao que nos manda o FMI e outras organizações

globais, estes fatores não nos deixam o menor fi apo de livre-arbítrio. Somos escravos”.

Augusto Boal – 2000

Camila Marins

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36 | EM MOVIMENTO

Talvez a ousadia possa perma-necer na afi rmação de que aquilo que Bertold Brecht, um dia, sonhou e idealizou, Augusto Boal concreti-zou. Por meio da arte, Boal fi rmou resistência política e disseminou através do teatro novas ideias e de-nunciou intransigentemente todas as formas de opressão. Isto é o Te-atro do Oprimido, uma das maiores manifestações artísticas de todo o mundo, cuja metodologia de traba-lho dramático, comprometida com o marxismo.

Augusto Boal nos deixou em 2 de maio deste ano. Mas, aos 78 anos, Boal resistiu, lutou e sensibi-lizou muitos “especatores”. Era as-sim que o dramaturgo se referia aos espectadores, afi rmando que eles podiam ser sujeitos de sua própria história, atuando e interferindo di-retamente. Em 2008, Boal ganhou o prêmio Nobel da Paz e, pouco antes de falecer, em março de 2009, foi eleito Embaixador Mundial do Te-atro pela Unesco. Além de drama-turgo, Boal era engenheiro químico e foi vereador do município do Rio de Janeiro.

Opinião, política e arte

Se o surgimento do teatro foi marcado pela infl uência grega e a utilização de máscaras represen-tando a tragédia e a comédia, Au-gusto Boal se despiu de qualquer máscara social e, diante da Histó-ria, revelou toda e qualquer farsa. E, assim, se propôs a analisar a sociedade brasileira, de modo a revolucionar o teatro e suas ce-nas sociais. Também provou que é possível fazer política por meio de diferentes formas de arte. Sem qualquer pudor, demonstrou resis-tência e optou corajosamente pela esquerda brasileira em plena dita-dura militar.

Foi uma das grandes lideranças do Teatro de Arena, um dos prin-cipais movimentos de resistência

à repressão, aliando valores esté-ticos a valores políticos e sociais. Trazendo à tona denúncias, pro-testos, discussões e reivindicações nacionalistas, o Teatro de Arena demarcou espaço no contexto político do País. Boal encenou e dirigiu peças que polemizaram a sociedade da época, como por exemplo, “Revolução na América do Sul” e o show “Opinião”, que deu origem ao grupo de mesmo nome. É claro que, diante de tan-tas manifestações políticas, o go-verno brasileiro da época não deu trégua e, assim, Boal foi preso e exilado em 1971.

Mas, como a própria música “Opinião” diz: “Podem me pren-der, podem me bater que eu não mudo de opinião”. Mesmo no

exílio em diferentes países, Boal continuou os estudos teatrais or-ganizando grupos de formação fora do Brasil. Foi na França onde criou um centro para pesquisa e difusão do Teatro do Oprimido. E, em 1984, retornou ao País e, co-erentemente, deu continuidade ao Teatro do Oprimido.

Durante seu exílio, em home-nagem a Augusto Boal, Chico Buarque escreveu a música “Meu Caro Amigo”. Se hoje pudésse-mos cantar e até mesmo parafra-sear Chico, diríamos: “Meu caro amigo nos perdoe, por favor, se não lhe prestamos devido reco-nhecimento”. E, assim, suas cor-tinas foram fechadas, mas a luta sempre continuará, nos palcos ou nas ruas.

CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO

Nova York, Lisboa, Paris, Nu-remberg, Wuppertal e Hong Kong foram alguns dos países que recebe-ram as encenações de Boal. No Bra-sil, o Teatro do Oprimido, por meio de grupos populares, passa por es-colas, centros comunitários, entre outros espaços, a fi m de incentivar a capacidade transformadora de cada indivíduo. E foi no Rio de Janeiro que aconteceu a 1ª Conferência In-ternacional do Teatro do Oprimido, em julho deste ano.

Entre os participantes estiveram representantes dos seguintes países: Canadá, EUA, Porto Rico, Moçam-bique, Senegal, Guiné-Bissau, Su-

dão, França, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Itália, Espanha, Portugal, Israel, Palestina, Paquis-tão, Índia, Argentina, Uruguai e Brasil. No decorrer do evento, fo-ram debatidos os desafi os para o desenvolvimento de projetos locais e o planejamento de ações de coo-peração internacional.

Além de uma homenagem a Au-gusto Boal, a Conferência marca a história pela continuidade de seu trabalho, reafi rmando seus funda-mentos políticos, fi losófi cos, esté-ticos e pedagógicos do Método do Teatro do Oprimido. Como parte fundamental do debate foram ava-liados os impactos da aplicação do método em diferentes áreas temáti-cas, nas diversas regiões do mundo, e também foram feitas refl exões so-bre o Movimento Internacional de Teatro do Oprimido e as perspecti-vas de sua organização.

Já está programado para julho de 2010 o Encontro Internacional, em Belém, dentro do Congresso Mun-dial Associação Internacional de Drama/Teatro e Educação (IDEA).

>>CULTURA<<

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HISTÓRICO

Nos anos 80, quando o sindicalismo nacional travava duras batalhas contra a ditadura militar, tem início o processo de consolidação do movimento de renovação política nos Sindicatos de Engenheiros – Senges.

A fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, impulsionou os Senges a constituírem, em 1990, a Coordenação Nacional, e em 1993, a FISENGE.

Durante esses anos, os Senges estiveram presentes nos grandes debates nacionais e nas principais lutas da sociedade brasileira, buscando a democracia política e social do Brasil.

Presente em 10 Estados, a Fisenge é referência nacional e internacional no debate sobre um novo modelo de desenvolvimento, com inclusão social, baseado na sustentabilidade.

Dentre as articulações internacionais, destacam-se as seguintes entidades às quais a Federação é fi liada: Union Network International (UNI) e o Observatorio Sindical de Empresas Transnacionales Españolas.

A Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE) tem por

fi nalidade canalizar e encaminhar, em nível nacional, a organização e as propostas dos

engenheiros que surgem em suas bases e são discutidas nos sindicatos.

O QUE É A FISENGE?

FISENGE

Av. Rio Branco, 277, 17º andar CEP.: 20040-009 Cinelândia, Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Tel.: (21) 2533-0836 Fax.: (21) 2532-2775 fi senge@fi senge.org.br - www.fi senge.com.br

OBJETIVOS

A articulação e a defesa do conjunto das reivindicações dos profi ssionais representados pelos sindicatos fi liados;

A consolidação dos sindicatos como instituições sociais e políticas livres e autônomas;

O fortalecimento da participação democrática das classes trabalhadoras na organização da sociedade brasileira e de suas relações com outras classes e setores dessa sociedade e do Estado.

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