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ANO 12 n Nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009 Jornalistas ganham plano de aposentadoria complementar Blogues tornam mais popular relacionamento com os leitores Vítimas da notícia O risco irreparável do ataque à reputação de inocentes Lide A REVISTA DOS JORNALISTAS

Revista lide56

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Page 1: Revista lide56

ANO 12 n Nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

Jornalistas ganham plano de aposentadoria complementar

Blogues tornam mais popular relacionamento com os leitores

Vítimas da notíciaO risco irreparável do ataque à reputação de inocentes

LideA REVISTA DOS JORNALISTAS

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REAFIRMANDO SEU COMPROMISSO COM A TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA, O GOVERNO DO RIO DE JANEIRO OFERECE AOS CIDADÃOS SUA PRESTAÇÃO DE CONTAS.

SOMANDO FORÇAS, ESTAMOSRECUPERANDO O NOSSO ESTADO.

VEJA ALGUNS RESULTADOS.NOS ÚLTIMOS 2 ANOS, O RIO DE JANEIRO COMEÇOU A MUDAR.

JÁ NÃO EXISTEM DESAFIOS IMPOSSÍVEIS. JUNTOS, PODEMOS FAZER MAIS.

PRESTAÇÃO DE CONTAS AO CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – 2007/2009

SAÚDESAÚDE MODERNIZADA E QUATRO VEZES

MAIS PESSOAS ATENDIDAS

Emergências UPA 24 Horas: 20 unidades construídas em 17 meses. 2.019.533 pacientes atendidos. 1.197.046 exames realizados. 12.665.814 remédios distribuídos.Cartão Saúde com cadastro informatizado e personalizado.

Ampliação do SAMU: 50 novas ambulâncias. Aumento de 167% nos atendimentos diários.

Modernização da rede de saúde:R$ 108 milhões para a compra de equipamentos (tomógrafos, aparelhos de ultrassonografias, leitos etc.) em pregões internacionais no fim de 2007.O maior investimento em equipamentos hospitalares na história do Rio.

Salto de produtividade com maioreconomia do dinheiro público:Em 2008, foram quase 6,3 milhõesde exames contra 2,5 milhõesno ano anterior.A terceirização dos exames de laboratório possibilitou uma redução de gasto anualde 135 para 28 milhões de reais.

No total, foram investidos na saúde 400 milhões de reais acima do piso estabelecido pela lei.

Em 2 anos, os atendimentosrealizados pela rede pública estadualforam multiplicados por 4.

SEGURANÇAREINTEGRAÇÃO DE COMUNIDADES DOMINADAS

POR CRIMINOSOS E POLÍCIA REEQUIPADA

Comunidades Dona Marta, Cidade de Deus e Batam reintegradas:Adoção da filosofia de policiamento comunitário.

Mais de 700 policiais especialmente treinados. Parcerias com Governo Federal,prefeituras e sociedade.

Renovação da frota: 1.300 veículos comprados.Manutenção garantida e terceirizadapara 730 novos carros da PM.

Construção do Centro de Inteligência Policial mais moderno do país.

Estado líder no Brasil na implementaçãodo Pronasci:Mais de 20.000 agentes de segurança realizando cursos de capacitação e 700 recebendo Bolsa-Auxílio no valorde R$ 400,00.

EDUCAÇÃOO SÉCULO XXI CHEGA ÀS ESCOLAS

PÚBLICAS ESTADUAIS

Cada professor em sala de aularecebeu um laptop com conexão para internet em banda larga, totalizando50 mil computadores.

Todas as 1.600 escolas estaduais foram dotadas de laboratórios de informática conectados à internet.

Todas as 19 mil salas de aula também receberam um computador combanda larga.

No total, a rede estadual possui hoje10 vezes mais computadores do que tinha2 anos antes, em 2006.

Modernização da gestão das escolas:Acompanhamento das atividadesde 1 milhão e 500 mil alunos atravésde cartões digitais.

Criação de portais de internetcom conteúdos específicos para alunose professores.

Desenvolvimento de escolas-pilotofocadas nos novos mercados de trabalho, como a Nave, na Tijuca, no Rio de Janeiro.

OBRASGOVERNO REALIZA OBRAS QUE

O ESTADO ESPERAVA HÁ DÉCADAS

Urbanização e habitação beneficiando200 mil famílias.

Melhorias no saneamento e água de qualidade, para 3,4 milhões de pessoas, com a Nova Cedae.

A maior retirada de esgoto da Baía de Guanabara, com a ampliaçãoda Estação Alegria.

Entrega de 4 pontes importantes para o interior do estado: Resende, Cabo Frio, Campos e São Fidélis.Pavimentação e restauração de 553 quilômetros de vias públicas em todoo Rio de Janeiro.

Início do Arco Rodoviário,que irá desafogar o tráfego para capitale Baixada Fluminense, projeto estratégico para o desenvolvimento do estado.

GESTÃO PÚBLICAGASTOS DESNECESSÁRIOS TRANSFORMADOS

EM INVESTIMENTOS PRIORITÁRIOS

Economia de 1,3 bilhão de reais em gastos públicos até 2009. Meta até 2010: 3,5 bilhões de reais.

Recursos economizados permitem aumento dos investimentos em saúde, segurança e educação.

Novo modelo de controle dos projetos do governo e de seus objetivos, garantindo melhores resultadospara a população.

Definição de um plano estratégico,com 47 projetos prioritários parao futuro do Rio.

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Nelson MoreiraEditor responsável

editorial 3

ue a liberdade para a prática do Jornalismo é

fundamental numa sociedade democrática prati-

camente todos concordam. Mas ela exige muita

responsabilidade, já que a mídia tem poder de em pouco

tempo destruir uma reputação. E isso pode acontecer em

virtude de uma matéria mal-apurada ou mal-intenciona-

da mesmo. Este é o assunto da matéria principal desta

edição, que, a partir de alguns casos, como o do médico

Joaquim Ribeiro Filho, busca refletir sobre os danos que

os jornalistas podem causar quando não fazem direito

seu trabalho, apurando a veracidade da informação ou

aceitando como verdade absoluta a informação da fonte.

E discutir se o furo é mais importante que a informação

correta. Também discutimos a transparência a partir da

decisão da Petrobras de postar em seu blogue os pedi-

dos de informação de jornalistas e as respostas que dá.

Afinal, a informação pertence à empresa, à sociedade ou

ao veículo? E a fonte divulgar a informação antes do meio

de comunicação fere a ética? A discussão continua nas

redações. Trazemos ainda matéria sobre os blogues de

jornalistas, que estão nos veículos e páginas pessoais e

estabelecem novo paradigma na relação com os leitores.

E exigem novos parâmetros, como o que deve ser corta-

do, etc. E ainda saber estabelecer a diferença entre blo-

gue jornalístico e blogue de jornalista. Essa reflexão não

vai sair da pauta, pois os blogues vieram para ficar. Como

veio para ficar o plano de previdência dos jornalistas, o FE-

NAJprev. Após quatro anos de um trabalho que começou

com o Sindicato do Rio de Janeiro, foi lançado o plano

que, administrado pela Petros, vai oferecer aos jornalistas

planos para garantir uma aposentadoria melhor. Veja as

condições nesta edição. E boa leitura.

Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

Q

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

3 editorial

cartas

perfil

livros

blogue Petrobras

artigo

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11

12

capa16

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Repórter fotográfico registrou o nascimento da Bossa Nova em Copacabana

Risco de prejudicar inocentes com denúncia mentirosa aumenta responsabilidade dos jornalistas

Estudantes e jornalistas protestam contra decisão do STF e ganham apoio político

índice LideA REVISTA DOS JORNALISTAS

Publicação semestral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de JaneiroRua Evaristo da Veiga 16, 17° andarCEP 20031-040, Centro, Rio de Janeiro (Rj) Tel.: (21) 3906-2450. Fax: (21) [email protected]

Editor:Nelson Moreira (Mtb 17.048)

Subeditor:Manoel Franco

Diagramação e produção gráfica:Alessandro Matheus

Diretoria do Sindicato:Suzana Blass (presidente), Rogério Marques (vice-presidente)Aziz Filho (secretário-geral) Regina Célia Lopes (primeiro-tesoureiro) Nelson Moreira (segundo-tesoureiro)

Conselho FiscalJúlio César Guimarães, Marília Ferreira Viana e Renata Chaiber

Delegados junto à FenajAlberto Jacob Filho e Sônia Regina S. Gomes

SuplentesAna Cláudia Costa, José Luís Laranjo, Ilza Araújo, Marisa Bastos e Nacif Elias

Comissão de Ética:Carmem Pereira, Iara Cruz, Jorge Freitas, Maurílio Ferreira e Rogério Daflon

Comissão de apoio:André Jockyman, Beth Costa, Clelmo Carvalho, Elba Boechat,Jorge Antonio Barros, Marcelo Moreira, Mario Russo, Miro Nunes.

Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial – Cojira-Rio (Coordenação): Angélica Basthi, Miro Nunes e Sandra Martins

Impressão: Gráfica MEC EditoraTiragem: cinco mil exemplares

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ALBERTO JACOB FILHO

JúLIO CéSAR GuIMARãES

FenajPrev22

diploma

João Saldanha e caso Bloch

29

blogues24

28

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

cartas 5

Quer criticar? Reclamar? Sugerir? Contestar? Ou, até, elogiar?

É aqui, no espaço que pertence aos leitores da LIDE. Para participar é simples:

por carta: Rua Evaristo da Veiga 16, 17o andar, CEP 20031-040, Centro, Rio de Janeiro, RJ;

por fax: (21) 3906-2463; e por e-mail: [email protected]. Participe!

Duplo ensaioSaúdo a LIDE pela matéria do Rodri-

go Camarão, um jovem talentoso,

querido e amigo, sobre o Evandro Tei-

xeira. Como repórter, cobri várias ma-

nifestações de rua ao lado do Evan-

dro. Ele me ajudou muito, me orien-

tou para evitar confrontos da polícia

com manifestantes. Mas ele próprio

botava a cara na reta, para buscar e

registrar os momentos mais graves

da luta pela redemocratização do pa-

ís. Evandro sempre partiu do particu-

lar para o geral. Não se fixava num

ponto, andava de um lado para outro

procurando o melhor ângulo, a me-

lhor foto. O perfil do Evandro Teixeira,

traçado pelo Rodrigo Camarão, vale

por um duplo ensaio fotobiográfico.

José Pereira da Silva, Pereirinha

Grata surpresaNa LIDE 55, tomei conhecimento do

livro ‘Comunicação e Democracia –

problemas e perspectivas’, de Rosiley

Maia e Wilson Gomes. O livro ajudou

muito na pesquisa para a monografia

que comecei a escrever sobre o tema,

que em geral só é mais abordado em

obras publicadas por autores estran-

geiros. Grata surpresa para quem gos-

ta de (ou precisa) receber informação

sobre comunicação e política.

Cecília Cortez

Dicas importantesGostei muito da matéria da Alaíde da

Silva, na LIDE 55, sobre o trabalho

de jornalistas nas editorias de auto-

móveis. Sou estudante de Jornalismo

e quero me especializar nessa área.

As informações que li são muito im-

portantes. Os perigos dos “releases”

e dos “presentes” das empresas aos

jornalistas, por exemplo, nos alertam

para armadilhas que devemos evitar

em nome da ética e da isenção.

Gosto desse tipo de matéria que leio

como se fosse uma aula agradável.

Thiago Da Costa

sem DiplomaOs ministros do STF não se sensibi-

lizaram diante da opinião de jorna-

listas e da população em geral, ex-

pressa em pesquisas de opinião.

Por oito votos a um, o do solitário

Marco Aurélio de Mello, derrubaram

a exigência do diploma de Jornalis-

mo para se exercer a profissão de

jornalista. Confundiram liberdade

de expressão com a prática de fun-

ções que são exclusivas de uma

profissão, e que exigem técnica e

conhecimento teórico específico, a

exemplo das profissões de advoga-

do, professor, psicólogo, etc. Agora,

resta esperar o Poder Legislativo.

Ruy de Souza Panteão

Em ascensão, Jornalismo automotivo mistura paixão com profi ssionalismo

Evandro Teixeira conta no Perfi l curiosidades de sua carreira

Interesse públicoFormação específica é essencial ao bom Jornalismo

ANO 11 Nº 55 JULHO/AGOSTO/SETEMBRO DE 2008

LideA REVISTA DOS JORNALISTAS

”Ruy de Souza PanteãoJornalista

“Ministros do STF

confundiram

liberdade de

expressão com a

profissão. Resta o

Poder Legislativo

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n No início dos anos 1960, um grupo de jovens artistas de grande talento se reunia, ensaiava e se apresentava em shows no chamado Beco das Garra-fas, em Copacabana. Nas boates Bottle’s Bar, Ma Giffe, Bacará e Little Club, os notáveis João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, Nara Leão e Vi-nícius de Moraes, entre outros, eram protagonistas de um momento histó-rico. Eles davam forma à bossa nova, um gênero musical que enriqueceu a música brasileira e encantou grande parte do mundo, principalmente a Europa e os Estados Unidos.

Um jovem repórter fotográfico trabalhava nas imediações. Contrata-do pelo restaurante Au Bon Gourmet, trocava a noite pelo dia registrando grande parte daqueles momentos de glória. Durante muito tempo, guar-dou esse material e só há alguns anos parou para ordená-lo em arquivo. Hoje, ele é dono de um dos maiores e mais importantes acervos de foto-grafias com aqueles que fizeram his-tória. Sobre o tema, realizou a maio-

por Manoel Franco

Livro que pretende publicar já tem capa, mas falta patrocínio

Quando jovens

artistas davam

forma à bossa nova,

repórter fotográfico

registrava ensaios

e shows no circuito

musical/boêmio do

Beco das Garrafas

perfilAntonio Nery

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

ALB

ERTO

JACO

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

Jamille, que mantinha um bom rela-cionamento com a grande comunida-de síria da região, ensinou-o a fazer quitutes deliciosos, doces e salgados. Além de pratos da comida árabe, ela preparava, como poucos, uma delicio-sa galinha com quiabo. O segredo dessa culinária está em receitas que ele não se importa em repassar.

À escola ele chegou tarde e não adquiriu gosto pelo estudo conven-cional. Preferia desenhar e principal-mente copiar figuras e fotos. “Tinha verdadeira paixão por copiar.” Tímido e introvertido, foi ótimo seus pais o terem matriculado no rigoroso Colé-gio São José de Muzambinho, de pa-dres franciscanos. Ajudou sob dois aspectos: ensinou-o a valorizar a dis-ciplina e a tornar-se mais sociável. “Antes, eu era um garoto isolado que não gostava de me relacionar com as outras crianças. Não gostava de em-pinar papagaio (pipa) nem de jogar pião, como a maioria dos meninos.”

Com a ida para São Paulo com a família, aos 14 anos, sua vida se mo-dificou radicalmente. “Sou de um tempo e de um lugar em que as pes-

NA HORA CERTA, NO LUGAR CERTOE COM AS PESSOAS CERTAS

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“Sempre tive

verdadeira paixão

para desenhar

e copiar figuras

ou fotos que

me atraíssem pela

beleza plástica

ria de suas exposições – só no ano passado foram três, uma delas em Nova York, em comemoração aos 50 anos da bossa nova.

Para transitar por ambiente musi-cal tão sofisticado no Rio de Janeiro, esse profissional da fotografia passou por situações bem diversas do trabalho pelo qual optou antes de completar 20 anos. Sua origem é interiorana. Nas-ceu em 1935 na cidade de Muzambi-nho (MG), próximo de Guaxupé, terra famosa por produzir um café de alta qualidade. Descendente de italia-nos e negros e índios brasileiros, por parte de pai, e de sírios pelo lado da família materna, foi criado com mui-tos mimos: é o caçula de uma prole formada por três irmãs e somente um irmão – outro irmão morreu ao com-pletar 30 dias de vida.

Dos pais, herdou virtudes e qua-lidades que acrescentaram pontos pre-ciosos à sua vida profissional e pessoal. Seu pai, Hugo, ferreiro paciente, era um artista, um artesão que usava o seu principal instrumento de traba-lho, a bigorna, para fabricar enxadas, ferraduras, picaretas, etc. Sua mãe,

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perfil

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Antonio Nery

soas chamavam ‘prostituta’ de ‘rapa-riga’, e as mulheres direitas não fuma-vam”, diz hoje, para mostrar as difi-culdades que encontrou ao sair de um lugarejo provinciano para uma cidade cosmopolita, a “locomotiva do Bra-sil”. “Fiquei apavorado com aqueles prédios enormes”, conta. Dias depois, tomou um susto ainda maior e achou que nunca mais iria rever a família. “Saí e me perdi porque esqueci de anotar o endereço de casa. Passei o dia inteiro na rua, e só depois de mui-to andar consegui achar onde mora-va. Já era noite, e fiquei realmente muito amedrontado.”

A permanência em São Paulo foi passageira. Serviu apenas como uma adaptação para a mudança definitiva

para o Rio de Janeiro, a capital federal e cultural do país na época. Nos pri-meiros anos, adolescente, esbarrou por coincidência com pessoas ligadas a jogadores de futebol. A pensão em que trabalhou em serviços de faxina, na Central do Brasil, pertencia a um casal de portugueses, avós do jogador Orlando Pingo de Ouro, da Seleção de 1950. Depois, na empresa Prolar, onde servia café para a diretoria, tinha oportunidade de estar com os jogado-res do Fluminense que apareciam lá para receber o “bicho” – recompensa em dinheiro por vitória ou mesmo empate –, distribuído por um dos do-nos da empresa, diretor do clube.

Quando trabalhava na Casa Vitó-ria, especializada em venda de pneus,

aprendeu princípios de contabilidade, e entrou finalmente no universo artís-tico. Matriculou-se no Liceu de Artes e Ofícios e começou a estudar dese-nho com Modestino Kanto, autor do monumento ao marechal Deodoro da Fonseca, no Rio de Janeiro, e mode-lagem com o escultor Paulo Mazu-quelli. No início, passou por um pro-blema insólito. “Morria de vergonha diante das modelos que posavam nu-as. E elas nem ligavam, claro. Depois me acostumei também.”

Servir ao Exército, na Artilharia Montada, na Quinta da Boa Vista, motivou-o para comprar a primeira máquina fotográfica, uma Kapsa, de fabricação nacional. “Tratei de cava-los, organizei o almoxarifado e acam-

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pamentos. Comprei a máquina para guardar recordações daquele tempo.” Ao sair de lá, voltou ao antigo empre-go na Casa Vitória e às aulas no Liceu de Artes e Ofícios, onde aprimorou conhecimentos sobre técnicas artísti-cas: proporção, ritmo, movimento, equilíbrio, tonalidades de claro e es-curo, volume e profundidade. Nos fins de semana, arrumava tempo para fotografar festas, exposições e outros eventos.

Já na função de repórter fotográfi-co, começou na revista Brasil Munici-palista, “uma picaretagem”, e depois na Artistas em Foco, uma versão da famosa Revista do Rádio, sobre a vida de artistas e personalidades. Nessa época se deu um caso engraçado. Con-

tratado pela revista Noite Ilustrada, foi cobrir um ensaio da cantora Dalva de Oliveira. Fez muitas fotos, mas parou quando Dalva passou mal, desmaiou e saiu carregada do palco. Com certe-za, Noite Ilustrada quebraria todos os seus recordes de venda em banca se tivesse publicado as fotos do desmaio de uma das mais famosas cantoras do país. “Fiz tudo direito, só não fotogra-fei o melhor. Coisa de foca.”

Na Última Hora trabalhou como laboratorista fotográfico, mas sempre arrumava tempo para fotografar, principalmente nos plantões, quando havia menos profissionais na redação. Em seguida, durante dois anos, foi laboratorista de uma empresa coman-dada pelo fotógrafo e cineasta francês

Jean Manzon. E em 1960 começou a trabalhar no Copacabana Palace Ho-tel. Lá, registrou a presença no Brasil de Tony Bennet, Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr. e Lennie Dale, entre outras celebridades inter-nacionais. Os anos seguintes foram marcados pelos encontros com o pes-soal da bossa nova, ali perto, no Beco das Garrafas.

A carga excessiva de trabalho cria-va situações pouco convencionais, co-mo a do dia do seu casamento com Maria da Conceição, em 31 de de-zembro de 1960. Logo depois da ceri-mônia, despediu-se da noiva por volta das 21h porque tinha de estar no Co-pacabana Palace para registrar a festa de passagem de ano dos hóspedes, a

1. Olívia Marinho e Grande Otelo em 1956, quando o repórter fotográfico tinha 21 anos; 2. O jovem Abelardo Barbosa, Chacrinha; 3. Armando Marques, árbitro polêmico de futebol, e o controvertido Wilson Simonal no Maracanã; 4. Efeito mágico na foto em que aparece Elizeth Cardoso; 5. Booker Pitman com o seu clarinete, acariciado pela filha Eliana; 6. Vinícius de Moraes canta ao lado de Tom Jobim ao piano; 7. Carlinhos Lyra, Nara Leão e Vinícius; 8. Paulo Gracindo, consagrado ator, também trabalhou como locutor na Rádio Nacional

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perfil

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Antonio Nery

maioria estrangeiros endinheirados. “Fotografava e revelava, enquanto co-mandava uma equipe de cinco fotó-grafos, e apresentava as fotos às pesso-as minutos depois. Saí de lá às dez da manhã do dia seguinte. Durante esses anos foi sempre assim. Chegava tarde em casa e ela já nem reclamava mais.” O casal viveu junto até a morte de Maria da Conceição, em 2001.

Entre 1962 a 1969, o repórter fotográfico passou por vários veículos de comunicação: revistas Manchete, Fatos & Fotos e Jóia, de Bloch Edito-res, jornais O Dia e A Notícia, Últi-ma Hora, Folha da Tarde e Folha de S.Paulo. No jornal O Globo ele en-trou em 1970 e só saiu em 1993. De-pois, passou a trabalhar como frila em jornais e revistas. Agora, seu maior desejo é produzir um livro que reúna em pelo menos 200 páginas as fotos tiradas em pouco mais de 50 anos de profissão. As imagens já foram sele-cionadas e os textos, parcialmente concluídos. Para dar prosseguimento ao projeto, ele espera conseguir patro-cínio. Enquanto isso, passa a maior parte do tempo em casa, em Itaipua-çu, onde mora desde 2002.

Faltou contar uma história. A da marca do seu nome artístico, origina-da na ocasião em que começou a tra-balhar nas revistas da Editora Bloch. Um dia entregou ao chefe de reporta-gem três fotos que tirou em uma ceri-mônia, que seria editada como um sensacionalista “Casamento na Um-banda”. O repórter que escreveria a história passou por maus momentos porque não dispunha de nada concre-to para apurar o fato. Mas a matéria saiu. Na edição, acharam melhor tro-car o nome do repórter fotográfico, de Antonio Nery para A. Nery. Justificati-va: os Bloch iam achar o máximo. n

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1. Casamento do repórter fotográfico com Maria da Conceição; 2. Aos 15 anos, como “mocinho” ou “bandido”?; 3. No Copacabana Palace em 1961; 4. Escultura de sua autoria; 5. Desenhar, uma paixão; 6. O pai, ferreiro, e a mãe, quituteira; 7. Pelé, em pose exclusiva; 8. No Exército, sentiu necessidade de comprar a primeira máquina

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livros

PELÉ – ESTRELA NEGRA EM CAMPOS VERDESANGÉLICA BASTHIPelé enfrentou dificuldades de ordem econômica, familiar, afetiva. Teve problemas com os

filhos, sofreu baques comerciais, viveu dois casamentos e romances. Agora, ressurge como

personagem múltiplo e complexo, idolatrado por admiradores no mundo, mas fiel ao me-

nino que saiu com a familia de Três Corações para conquistar o mundo. É o que a jornalis-

ta relata, com graça e leveza, a partir de vasta e rigorosa pesquisa documental.

196 PÁGINAS – R$ 34,00 – EDITORA GARAMOND

NA HUMILDADEDIANE DUQUEUm relato perturbador do inferno. Livro-reportagem no qual a jornalista conta as suas ex-

periências depois de visitar três unidades penitenciárias e centros de recuperação para

dependentes químicos. Presos falam da vida criminosa e da rotina no cárcere, e os depen-

dentes contam de que forma se viciaram e a dificuldade da recuperação. O título Na Hu-

mildade é uma alusão aos dois grupos que usam o termo de diferentes formas.

156 PÁGINAS – R$ 15,00 – EDIÇÃO INDEPENDENTE – www.NAHUMILDADE.COM.BR

CIÊNCIA E JORNALISMOCREMILDA MEDINAA linguagem dialógica que a autora pesquisa há mais de quatro décadas articula reflexão

teórica com prática narrativa. Seu pensamento invoca, na essência, outra maneira de estar

no mundo em oposição à técnica tradicional da entrevista ou da observação dos fenômenos

contemporâneos. O leitor é convidado a partilhar a construção do texto: temas envolventes

vêm à tona, salientando o laço democrático entre ciência, sociedade e comunicação social.

120 PÁGINAS – R$ 26,90 – SUMMUS EDITORIAL

REPORTAGEM DE TELEVISÃOJOÃO ELIAS DA CRUZ NETOO livro especifica as fases da reportagem para ser exibida na televisão. Apresenta ainda uma

série de cinco reportagens que foram exibidas, analisando as cinco pautas, os cinco textos

dos repórteres e as modificações realizadas pelo editor de texto. Indicado para estudantes

de Jornalismo, para quem deseja trabalhar em televisão ou quer simplesmente conhecer

um pouco mais a respeito do processo de produção de notícia na televisão.

144 PÁGINAS – R$ 23,00 – EDITORA VOZES

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

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tendências

Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

nHá jornalistas que afirmam que, se câmeras transmitissem o que aconte-ce nas redações, o programa Big Bro-ther teria que se aposentar. Provavel-mente o que é dito em tom de ane-dota nunca será testado na prática, mas alguns episódios ajudam a di-mensionar o que provocaria uma exi-bição desse tipo. Como a decisão da Petrobras de publicar num blogue os e-mails trocados entre sua assessoria e a imprensa. A divulgação das entre-vistas antes de as matérias irem para as páginas, como nas primeiras pos-

segredos?

quebra de sigilo

Para empresa jornalística, “Fatos e dados” é intimidação; Petrobras

alega necessidade de transparência na relação com a imprensa

por Michel Alecrim tagens no início de junho, mostrou que há limites para a “espiadinha”. Mas deu aos leitores a chance de ver as reportagens sob novo ângulo.

O blogue Fatos e Dados (http://petrobrasfatosedados.worldpress.com) foi criado pela empresa depois que senadores de oposição ao governo pediram a instalação de CPI para apurar denúncia de corrupção na es-tatal. Reportagens nos principais veí-culos, com denúncias de irregularida-des na gestão e supostos favorecimen-tos a aliados políticos, levaram a Pe-trobras a não se contentar apenas em enviar suas respostas à imprensa.

A estratégia é adotada por gran-des companhias norte-americanas, mas os jornais daqui reagiram à novi-dade. O blogue acabou “vazando” as pautas de alguns veículos, abrindo a possibilidade de um concorrente ver o que o outro está apurando. Isso le-vou a empresa a mudar o método e a guardar suas postagens até a madru-gada da publicação.

O presidente da Federação Na-cional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, critica a publi-cação prévia dos e-mails com as per-guntas e acredita que é importante a fonte deixar claro para o repórter que

ou diálogo sem

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

”Sérgio MurilloPresidente da Fenaj

“A novidade é

interessante e

veio para ficar.

Vai permitir que

as pessoas tirem

suas próprias

conclusões

No início, as postagens do blogue saíam antes do dia da publicação

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tendências

Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

pretende divulgar a entrevista a partir da veiculação da matéria para a com-paração dos leitores. E avalia que essa novidade veio para ficar.

“Entrou um componente intimi-datório na antecipação das perguntas. Mas essa é uma inovação interessante, se não forem antecipadas as respostas. Permitirá que as pessoas tirem suas próprias conclusões”, afirmou.

A possibilidade de os leitores te-rem mais informação sobre o traba-lho dos jornalistas é elogiada pelo diretor-executivo da Ong Transparên-cia Brasil, Claudio Weber Abramo, que já faz esse trabalho de monitora-mento do poder público.

“Ajuda a melhorar a qualidade da cobertura. O leitor tem acesso ao que foi perguntado e respondido. Mas senti falta de uma repercussão fora das redações”, comenta o matemático e mestre em filosofia da ciência.

Com experiência em reportagem, tema de vários livros seus, e também em assessoria de imprensa, o profes-sor Nilson Lage vê na iniciativa da Petrobras uma nova tendência. Para ele, mesmo que o público dos meios tradicionais de comunicação conti-nue sendo maior, cada vez mais em-presas e órgãos públicos procurarão falar diretamente com as pessoas.

“O debate acaba sendo bom para a profissão. Não é educado revelar o conteúdo de uma conversa, mas não é proibido”, diz o professor da Uni-versidade Federal de Santa Catarina. Ele reconhece que distorções podem ocorrer sem que o repórter seja o res-ponsável, mas o deixaria exposto. “A corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, diz Lage.

O presidente da Associação Bra-sileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, acredita que blogues como o

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”Maurício AzêdoPresidente da ABI

“Obrigados a

abandonar uma

esfera mais

fechada, os

autores serão mais

cautelosos. Haverá

mais seriedade

”Claudio Weber AbramoDiretor da ong Transparência Brasil

“O leitor tem

acesso ao que foi

perguntado e

respondido. Mas

senti falta de

repercussão fora

das redações

PAulO SIlvA

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da Petrobras podem levar a mudanças em algumas coberturas. O direito de defesa, para ele, se amplia. “Os auto-res serão mais cautelosos, por ter de abandonar uma esfera mais fechada. Haverá mais seriedade”, avalia.

Ninguém da diretoria da Petro-bras quis dar entrevista sobre o blo-gue, mas a assessoria da empresa ne-gou em e-mail a intenção de causar intimidação à imprensa. “A verdade é que o blog é uma ferramenta de co-municação que visa a dar transparên-cia aos processos da Petrobras, ofere-cendo, de forma democrática, opor-tunidade para a sociedade conhecer a Companhia e os questionamentos feitos por meio da imprensa, na ínte-gra e sem edição”, diz a empresa.

A estatal afirma que não tinha o intuito de prejudicar o trabalho dos jornalistas e por isso passou a evitar a antecipação da postagem. “O relacio-namento da Petrobras com a impren-sa é pautado pela ética, comum a to-dos os cidadãos, que devem ter acesso à informação. A Petrobras está divul-gando as perguntas e respostas a par-tir de zero hora do dia da publicação das matérias, comprovando que nun-ca quis prejudicar o trabalho dos jor-nalistas, já que tem o objetivo comum de tornar as informações transparen-tes para a sociedade”, informou.

A publicação das perguntas dos jornalistas gerou um debate inédito na imprensa: a inviolabilidade dos e-mails dos repórteres. Acostumados a defender o sigilo das fontes, os jor-nais cobraram proteção à sua corres-pondência. Segundo o advogado Luiz Henrique Souza, especializado na nova modalidade direito digital, a Constituição Federal garante a invio-labilidade do sigilo das correspon-dências de uma forma geral, contra a

violação de um terceiro.“Se a comunicação é dirigida a

uma pessoa e a divulgação se dá por esta mesma pessoa não podemos con-cluir pelo descumprimento do precei-to constitucional ou mesmo pelo crime de violação de correspondên-cia”, explica o especialista, que apon-ta o direito da pessoa divulgar comu-nicação da qual ela é interlocutora.

Com o uso cada vez maior do e-mail como forma de apuração e de entrevista, os repórteres precisam ficar atentos ao que digitam. Tudo pode acabar exposto no Big Brother da In-ternet. Não é comum que profissio-nais tratem de assuntos de sua intimi-dade nos e-mails trocados com fontes, mas essa seria uma exceção que, na visão do advogado, poderia impor limite à publicação das conversas.

“Isso ocorre principalmente com relação ao conteúdo da mensagem. Nesse sentido, temos o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal que dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, afirma Souza.

A Petrobras se diz no direito de publicar o conteúdo. “A companhia tem liberdade para publicar a íntegra das respostas que fornece aos veículos de comunicação porque é fonte e de-tentora dos dados disponibilizados. No campo jurídico, especialistas con-sultados reafirmam a legalidade de nossa decisão”, alega a empresa.

A bisbilhotagem comum ao mundo das celebridades e dos parti-cipantes do Big Brother ainda é roti-na distante da vida dos jornalistas, mas ter seu trabalho cada vez mais acompanhado pelo público virou ten-dência inevitável. E quem está acos-tumado a cobrar transparência está tendo que se adaptar a ela. n

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”Luiz Henrique SouzaAdvogado na área de direito digital

“Não podemos

concluir pelo

descumprimento

de preceito

constitucional

nem pelo crime

de violação

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n O médico Joaquim Ribeiro Filho, um dos maiores especialistas em transplante de fígado do país, foi acu-sado há um ano de ter montado um esquema fraudulento para furar a fila única de pacientes à espera de trans-plante no Hospital do Fundão, no Rio de Janeiro. Por conta disso, foi

por Tatiana Moraes detido pela polícia e julgado. Os veí-culos de comunicação divulgaram o caso com alarde e seu nome ficou em evidência durante dias. Meses depois, o médico provou sua inocência. Foi absolvido da acusação, tanto em um julgamento no Conselho Regional de Medicina quanto em um processo na 21ª Vara da Justiça Federal.

A imprensa, mais uma vez, foi

parar na lista dos grandes vilões da informação sem fundamento. Este caso veio se somar a outros, respon-sáveis por causar danos irreparáveis a pessoas envolvidas em noticiários mentirosos. A qualidade da informa-ção foi para a lata do lixo. Analistas de comunicação entendem que o desafio do jornalismo é se fazer in-dispensável, não somente pelos “fu-

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EM NOSSAS MÃOS A REPUTAÇÃO ALHEIA

Risco de publicação de notícias tendenciosas ou manipuladas

aumenta a responsabilidade dos jornalistas. Na busca rápida

por informação de qualidade, profissionais experientes

recomendam rigor na escolha das fontes e preocupação para

evitar erros que prejudiquem inocentes de modo irreparável

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ros”, mas pela apuração bem feita, pela notícia divulgada sem erros e que dispensa o sensacionalismo. A busca da informação, componente que nutre as redações, deve ter dire-trizes éticas, de respeito ao próximo, sob o risco de o jornalismo perder sua essência. É importante ter a consciência de que o trabalho da im-prensa pode interferir tanto para o

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EM NOSSAS MÃOS A REPUTAÇÃO ALHEIA

”“Não existe jornal e emissora de

rádio ou TV na imprensa profissional

que não queira reparar erros

Luiz Novaes, editor executivo de O Globo

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com relação às fontes e evitar aquelas que só se preocupam em “turbinar” as investigações e arranjar culpados. Rapidamente, sem provas concretas, querem passar trabalhos adiante e se destacar como servidores públicos eficientes diante de seus superiores e até da própria imprensa.

Por esse motivo, uma agenda te-lefônica com bons contatos ainda tem um valor inestimável em nosso meio. Ela sempre fará a diferença na hora de apurar casos polêmicos, cercados de versões contraditórias.

‘BARRIGA’Principalmente num momento

em que a notícia ganha mais veloci-dade pelo impulso de novas tecnolo-gias, é indispensável conciliar rapidez com qualidade. Uma não pode se dis-tanciar da outra sem colocar em risco a credibilidade. Paulo Cabral, corres-pondente da BBC, diz que o jornalis-ta precisa ser cada vez mais cuidadoso e valorizar a informação confiável.

“Todo jornalista já errou, eu já errei. Vivemos sob pressão para noti-ciar novidades. Mas o importante é que só divulguemos a informação confirmada, mesmo que esta seja cur-ta. A qualidade deve prevalecer sobre a quantidade”, ensina.

O caso da brasileira Paula Olivei-ra, que mora na Suíça, também é em-blemático e exigiu até a intervenção da diplomacia do Itamaraty na histó-ria. Ela apareceu com o corpo marca-do por cortes que teriam sido feitos por homens de um grupo nazista com estilete. Disse que teve a gravidez interrompida e acusou o grupo racis-

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bem quanto para o mal na vida das pessoas e instituições.

CRUELDADEOutro caso de repercussão atingiu

cruelmente a jovem Sabrina Aparecida Marques Mendes, de 21 anos. Ela foi apresentada à imprensa pela polícia como uma das pessoas que participa-ram do incêndio de um ônibus, em ação comandada por traficantes no bairro da Penha, no Rio de Janeiro. No incêndio, morreram 13 pessoas, dentre elas uma criança de um ano.

Além do noticiário que levou em conta apenas a versão da polícia, Sa-brina passou 27 dias presa e viveu uma experiência augustiante e pavo-rosa. Era ameaçada o tempo todo de linchamento pelas outras prisioneiras e quando saiu de lá soube que perde-ra o emprego. Dias depois, compro-vou-se a sua inocência.

Por que isso acontece? “Em sua essência, todas as infrações cometidas pelos meios de comunicação derivam de apuração mal feita”, responde Luiz Antônio Novaes, editor executivo do jornal O Globo.

Esse é um caso para ser encarado com aguçado senso crítico. As infor-mações transmitidas pela polícia nem sempre são corretas. Nessas matérias, é comum a reprodução de versões de agentes envolvidos na repressão e também na investigação policial. Na-da mais natural, pelo fato de esses policiais estarem na linha de frente dos acontecimentos. Jornalistas mais experientes, no entanto, recomendam atenção e coerência na apuração.

É fundamental ser previdente

”Paulo CabralCorrespondente da BBC

“O importante é

confirmar a

informação,

mesmo que seja

curta. A qualidade

deve prevalecer

sobre a quantidade

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ta de tê-la torturado perto de uma estação de trem.

A imprensa brasileira repercutiu o caso com alarde e patriotismo equi-vocado. Mais tarde, provou-se que ela se autoflagelara e não estava grávida. Agora se sabe que em Zurique, local do ocorrido, nenhuma autoridade da cidade foi entrevistada por brasileiro para detalhar a história até o momen-to do desmentido oficial pelas auto-ridades suíças.

Nesse caso, ficou em jogo a repu-tação de um país. O portal do Ob-servatório da Imprensa classificou o noticiário brasileiro como a maior “barriga” de toda a história do jorna-lismo nacional.

Erros e acertos, porém, fazem parte do nosso cotidiano profissional.

Para o deputado federal Miro Teixei-ra, sempre haverá uma saída. “Há erros, e como há! Mas se colocarmos erros e acertos em uma balança, vere-mos que os erros são insignificantes se considerarmos os benefícios con-quistados pelo país e pela população com os acertos.”

Além disso, erros podem ser cor-rigidos na edição seguinte, assim co-mo as decisões judiciais podem ser anuladas nas instâncias superiores, garante Miro, que também é jorna-lista e advogado.

Mas a força da imprensa é avas-saladora e não há como negar o vigor de uma denúncia publicada em um veículo de alcance nacional. As con-sequências serão sempre graves. Uma denúncia deve ser esclarecida e pu-

blicada somente a partir de rigorosa confirmação ou investigação. Não pode sob nenhuma hipótese trans-formar-se em um espetáculo sensa-cionalista para vender mais ou con-quistar audiência.

É uma questão ética na qual de-vem estar envolvidos todos os profis-sionais de um veículo: desde o profis-sional na “escuta”, repórteres, chefes de reportagem, passando por redato-res, subeditores e editores de área, até chegar aos postos da hieraquia supe-rior, como editores executivos e dire-tores de redação.

Para minimizar os erros de infor-mação, a solução também se encon-tra fora do âmbito jornalístico. “É preciso que os jornalistas se conscien-tizem de sua responsabilidade crimi-

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”Nilo BatistaAdvogado e professor universitário

“As regras da

justiça comum

são capazes de

amparar as

pessoas que se

sintam ofendidas

por calúnia

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nal e que todos saibam que podem responder por calúnia, ato ilícito e até por precipitação de julgamento”, ressalta Nilo Batista.

E há sempre uma maneira prática de melhorar a relação mídia-entrevis-tado-população. O diálogo com os responsáveis pelos veículos de comu-nicação é sempre o melhor caminho. “Não existe jornal, canal de televisão ou emissora de rádio na imprensa profissional que não queira reparar erros”, diz Luiz Novaes.

Para ele, a imprensa comete abu-so quando não dá o direito de respos-ta em casos de calúnia, injúria ou difamação. Administrar com mais eficiência esse direito de resposta é uma das receitas sugeridas por Miro Teixeira para aperfeiçoar o trabalho da imprensa. “Em alguns casos, a boa informação está na resposta.”

Ainda sobre o caso do médico Joaquim Ribeiro, o deputado consi-dera importante que os veículos de comunicação se mobilizem no senti-do de realizar atos de desagravo ao profissional e também para concreti-zar ações de reparação de danos cau-sados pelo noticiário mentiroso. A sugestão tem fundamento, mas é im-provável que os meios de comunica-ção se retratem publicamente.

MAIS LEIS?Até ser derrubada pelo Supremo

Tribunal Federal (STF), em abril, a Lei de Imprensa ditava as regras desse relacionamento no cotidiano nacio-nal. Imposta pela força da ditadura, hoje a lei não encontra defensores. “Era um antigo retrato do autoritaris-

mo, que interferia diretamente na li-berdade de imprensa”, atesta o jorna-lista Luiz Novaes, editor-executivo do jornal O Globo.

Segundo o deputado Miro Tei-xeira (PDT-RJ), o caso do médico Joaquim Ribeiro serve de exemplo para provar que a existência de uma lei de imprensa, que vigorava na épo-ca do “escândalo”, não assegura au-mento de responsabilidade nem coíbe erros de jornalistas, dos veículos de comunicação ou dos dois.

Mas o tema é polêmico quando se trata de saber se há necessidade de uma nova lei de imprensa ou se o ar-cabouço jurídico brasileiro está capa-

”Miro TeixeiraJornalista e advogado

“ Há

personagens

que se dizem

jornalistas e

construíram

fortunas com

chantagens

“Uma agenda

com fontes bem

informadas faz a

diferença na hora

de apurar casos

polêmicos

com versões

contraditórias

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citado para julgar qualquer questão relacionada com a imprensa e o tra-balho de seus profissionais. Os erros acontecem, infelizmente, mas eles podem ser reparados, segundo o ad-vogado Nilo Batista, comentando o caso do médico.

“Esse profissional foi execrado, duramente acusado, massacrado pela imprensa, mas no final das contas conseguiu provar sua inocência. As regras da justiça comum são capazes de amparar as pessoas que se sintam ofendidas por calúnia”, afirma Batis-ta, que é professor titular de Direito Penal da UFRJ e da Uerj e ex-secre-tário de Justiça do Estado do Rio.

A Lei de Imprensa era decrépita por se referir a situações ultrapassa-das. Considerava, por exemplo, “in-tolerável a propaganda de guerra e de processos de subversão da ordem pú-blica e social”, além de prever pena de prisão para jornalistas por delito de opinião e não admitir “prova de ver-dade em casos de acusação contra o presidente da República e integrantes do governo”.

A mesma lei assegurava, no en-tanto, o respeito ao sigilo das fontes e informações recolhidas por jornalistas e também fixava teto para indeniza-ções por danos morais. Por esse mo-tivo, Nilo Batista considera funda-

mental discutir pontos da lei favorá-veis ao trabalho jornalístico.

“Agora, o direito de sigilo da fon-te passa a correr sério risco. Além dis-so, considerava-se que o crime de imprensa era praticado apenas pelo autor do texto. Pelo regimento da jus-tiça comum, houve uma mudança”, assegura e destaca: “Os profissionais da área perderam a proteção à liber-dade de imprensa.”

Sua preocupação se fundamenta no confronto entre liberdade de ex-pressão e o direito a um julgamento justo. Quanto ao capítulo das indeni-zações, Miro Teixeira não vê motivo para preocupação: “Um juiz deverá ser justo e não determinará valores além das possibilidades financeiras do perdedor de uma ação.”

Para Novaes, a legislação em vi-gor é suficiente para regulamentar o trabalho da imprensa. Miro concor-da. “Não precisamos de mais leis. O Brasil tem lei de imprensa desde o Império. Antes da primeira Consti-tuição, a de 1824, conhecemos três. Para todos os casos, existem a Cons-tituição e os Códigos Penal e Civil.”

Os abusos e julgamentos precipi-tados no passado recente foram co-metidos sob a vigência de uma lei de imprensa, destaca.

“Acredito na melhor convivência entre a notícia e a verdade. O jorna-lista tem que ser um profissional da verdade. Há personagens que se di-zem jornalistas e construíram fortu-nas com chantagens. Normalmente, têm seus próprios meios de comuni-cação. Não devem ser confundidos com jornalistas.” n

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FENAJprev

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n Lançado no dia 10 de julho, no Rio de Janeiro, o FENAJprev é uma alter-nativa vantajosa para o jornalista inte-ressado em adquirir um Plano de Pre-vidência Complementar, independen-temente de ter registro em carteira ou de trabalhar como frila. Por ser administrado pela Petros (Fundação Petrobras de Seguridade So-cial), uma entidade sem fins lucrativos, o participante paga somente uma taxa de administração, que é inferior às pra-ticadas pelos bancos e seguradoras. Também pela infraestrutura instala-da e pelo volume de recursos adminis-trados, a Petros tem possibilidade de alcançar melhores resultados nos inves-timentos e não cobra taxa anual sobre o patrimônio, como fazem bancos e seguradoras de previdência aberta. Para maior transparência, o FE-NAJprev tem um Comitê Gestor composto por representantes dos jor-nalistas e por técnicos da Petros, in-cumbido de acompanhar as questões de seguridade e dos investimentos.

O participante pode acompanhar de perto a gestão e recebe informações

sobre as movimentações de suas contas no Plano. A partir dos 55 anos já é pos-sível ter direito a uma renda, com uma contribuição mínima de cinco anos.

No momento da requisição do benefício, 25% do valor do montante acumulado no Plano podem ser resga-tados de uma só vez. O restante será utilizado para o pagamento de uma

renda mensal. Já o resgate total do in-vestimento pode ser feito a qualquer instante sem prejuízo ao participante. Não há limite mínimo de idade para adesão ao Plano.

O participante também pode al-terar o valor das contribuições ou re-alizar aportes extras para aumentar o patrimônio, além de contratar cober-tura extra para benefícios de risco, como morte e invalidez. Esta moda-lidade é oferecida pela seguradora Mongeral, parceira da Petros.

Para aderir ao FENAJprev, basta ser associado ao Sindicato dos Jorna-listas Profissionais do Município do Rio ou aos sindicatos dos estados de Pernambuco, Paraná, Tocantins, Goi-ás, Minas Gerais ou Espírito Santo.

O FENAJprev oferece mais van-tagens. Em breve a taxa de adminis-tração, hoje estabelecida em 6%, será reduzida para 4%, índice bem abaixo dos estabelecidos no mercado. “Como o valor do benefício a receber é calcu-lado com base no patrimônio dos par-ticipantes, esta redução significa uma renda de aposentadoria maior”, anali-

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Plano de previdência privada tem uma série de vantagens por

ser administrado pela Petros, uma entidade sem fins lucrativos

A APOSENTADORIA COMPLEMENTAR DOS JORNALISTAS

”Maurício França RubensDiretor de Seguridade da Petros

“A redução da taxa

de administração

de 6% para 4%

vai significar uma

renda maior de

aposentadoria

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FENAJprev

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sa o diretor de Seguridade da Petros, Maurício França Rubens. Também é possível deduzir até 12% do total de rendimentos anuais no momento da declaração do Imposto de Renda.

A Petros administra planos insti-tuídos para outros conselhos de classe e sindicatos, como o Simeprev do Sindicato dos Médicos, o CRAPrev dos Conselhos de Administração e o CROPrev dos Conselhos de Odonto-logia, entre outros.

Congênere do FENAJprev, o CROprev obteve nos últimos três anos rendimentos superiores à poupança e ao CDI e bem acima de índices do IPCA (veja tabela ao lado). Em maio deste ano, a rentabilidade das aplica-ções alcançou 1,09%, enquanto o CDI e a poupança mantiveram-se em 0,77% e 0,57%, respectivamente.

O interessado em aderir ao FE-NAJprev deve acessar a página do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro na Internet – www.jornalistas.org.br –, no linque do Plano, onde também poderá fazer simulações sobre valores

de contribuição e a projeção de renda para a sua aposentadoria.

Para se ter uma ideia, uma pessoa com 25 anos que opte por se aposen-tar aos 65 anos e tenha contribuído com 100 reais por mês, terá um saldo acumulado de R$ 396.608,47. Este valor, transformado em renda do Pla-no, gera um benefício mensal de R$ 2.444,30. Essa simulação não consi-dera contribuição para cobertura adi-cional para Renda de Aposentadoria por Invalidez e Pensão por Morte.

Vale lembrar que este é um exem-plo ilustrativo em que foi utilizada uma rentabilidade anual de 9,0% pa-ra simular os valores apresentados. O montante do patrimônio acumulado e da renda dependerá de fatores como valor das contribuições realizadas, tempo de capitalização e rentabilida-de alcançada no período. Mais infor-

mações podem ser obtidas ainda pelo telefone 0800 025 35 45.

O FENAJprev surgiu de uma ini-ciativa do Sindicato carioca. As con-versações para sua constituição tive-ram início em 2005 na gestão da di-retoria presidida por Aziz Filho, hoje secretário-geral do Sindicato.

O Plano foi encampado pela Fenaj que passou a administrar a adesão de outros sindicatos. A Petros, escolhida para administrá-lo, encaminhou pro-cesso para a Secretaria de Previdência Complementar que o aprovou.

Criada pela Petrobras há 39 anos, a Petros é uma entidade de pre-vidência fechada sem fins lucrativos. Tem um patrimônio de R$ 41 bi-lhões, uma carteira de clientes com 41 empresas, 47 entidades de classe e cerca de 130 mil pessoas inscritas nos planos que administra. n

Lançamento do FENAJprev no Rio: Sérgio Murillo, presidente da Fenaj, discursa ao lado de Suzana Blass, presidente do SJPMRJ

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Período CROprev Poupança CDI IPCA2006 15,71% 8,32% 15,03% 3,14%2007 11,59% 7,71% 11,82% 4,46%2008 12,57% 7,90% 12,38% 5,90%

TABELA COMPARATIVA DE RENTABILIDADE

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mídia

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Fenômeno se espalha democraticamente na Internet e amplia

nova forma de comunicação, mais direta e próxima dos leitores

Blogue:você aInda vaI ter um

André Machado desaconselha excesso de intimidade com leitor

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nA Internet facilitou e acelerou o aces-so ao consumo da informação, mas foi o fenômeno dos blogues que efetiva-mente permitiu a qualquer cidadão conectado produzi-la e divulgá-la em grande escala. Nada de software com-plicado ou linguagens de programação: tudo se resume a acessar um site que funciona como um processador de tex-tos e publicar. De simples diários pes-soais, os blogues evoluíram para publi-cações pessoais ou coletivas contendo informações, notícias, comentários e opiniões. E todo blogueiro passou a ter um pouco de jornalista.

Ante o sucesso da blogosfera, os veículos de comunicação não tarda-ram em montar blogues para seus profissionais, criando canais alterna-tivos para os leitores. Para os jornalis-tas profissionais, o formato se impõe como um campo obrigatório de ex-ploração, repleto de desafios e opor-tunidades, tanto na produção e divul-gação do conteúdo quanto no rela-cionamento com o leitor. E, apesar de ainda não haver regras sedimentadas para ser fazer um “blogue jornalísti-co”, algumas tendências ganham for-ça no mercado.

Muitos jornalistas blogueiros apontam a liberdade em relação aos padrões da “velha mídia” e o contato direto e próximo com os leitores co-mo principais vantagens dos blogues. “Ser mais pessoal e opinativo e apro-ximar você do leitor são as razões de ser do blogue. Mas sem excesso de intimidade”, avalia André Machado, repórter da revista e do site Digital, do Globo. Ele é autor do blogue Segu-rança Digital (http://oglobo.globo.

por Marlos Mendes com/blogs/andremachado/), especia-lizado em segurança da informação, no ar desde 2007, e dos blogues lite-rários Comentários e Versos do Cada-falso e Cadafalso II, onde escreve po-emas e pequenos contos desde 2001.

Pedro Doria, repórter especial e colunista do Estadão e blogueiro des-de 2002, quando integrava a equipe da revista eletrônica No Mínimo, acredita que não existem fórmulas prontas e aposta na experimentação. “Tento deixar claro o que está acon-tecendo no mundo e explicar melhor o que o jornal apenas noticiou. Gosto de pensar que o blogue pode também ser uma leitura divertida, por vezes inusitada, surpreendente, mais leve do que o pesado jornal que se folheia de manhã. Tenho liberdade para pu-blicar o que eu quiser”, explica o au-tor do Pedro Doria Weblog (http://pedrodoria.com.br).

Para não ser apenas mais um em meio ao turbilhão de informações online, é preciso buscar diferenciais. “Como a informação virou commodi-ty, a opinião faz a diferença. Os seus leitores esperam a sua opinião sobre o que todo mundo está falando. Ou você acrescenta algo novo ou perde a relevância. Você não precisa vestir a camisa do veículo”, acredita Cristina De Luca, diretora de conteúdo da Gol Mobile, que foi editora dos sites Globo Online, Globo.com e O Dia Online, e desde 2000 mantém um blogue de tecnologia, que já teve vá-rios nomes e endereços e hoje está em www.webdeluca.com.

Autora do blogue Futebol & Afins, Marluci Martins também apro-veita o espaço para ser mais opinativa, o que não pode fazer nas matérias pu-

”Cristina De LucaDiretora do Gol Mobile

“Tento deixar

claro o que está

acontecendo no

mundo e explicar

melhor o que o

jornal apenas

noticiou

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mídia

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“Muitas vezes coloco a matéria no site e dou um post com o linque para a matéria, ou faço um opinativo com-plementar. Nas matérias jornalísticas, o tom tem que ser mais neutro. No blogue, eu posso me espalhar”, diz o crítico musical.

Se discussão é o que não falta nos veículos online, nos blogues ela fica ainda mais intensa já que o leitor se sente ainda mais próxi-mo do autor, e ambos formam uma comunida-de unida por interes-ses comuns. A relação é

blicadas no jornal. O desafio é separar o que vai para o blogue e o que vai para as páginas impressas. “É frus-trante não poder dar no blogue uma informação importante, mas o carro-chefe é o jornal, que tem maior reper-cussão. O blogue é mais uma brinca-deira levada a sério”, diz.

Tão a sério que ela sempre leva sua câmera digital a tiracolo e publica comentários sobre o mundo da bola mesmo nos dias de folga. “Tento atu-alizar o blogue todos os dias porque é isso que aproxima e mantém o leitor”, acredita Marluci, que é subeditora do Ataque, caderno de esportes do DIA.

Não há fórmulas tampouco para o tratamento dado ao conteúdo onli-ne e o impresso. André Machado co-meçou o blogue de segurança da in-formação para aproveitar pautas que não saíam no papel, o que hoje evita.

“Às vezes, boto lá uma matéria que saiu no impresso, mas de modo geral separo as coisas porque na re-vista Digital escrevo sobre temas va-riados, não apenas segurança”, conta. O blogue também atualiza temas obrigatórios como alertas sobre ata-ques de vírus e novos golpes de phishing scam (quando o internauta é induzido a clicar num linque e, sem querer, instala um código mali-cioso em seu computador).

Pedro Doria considera que a inte-gração ainda é válida. “Costumo tra-zer matérias publicadas no impresso para a discussão no blogue. No início a discussão me incomodava. Hoje, sinto falta dela no impresso”, avalia. Jamari França, autor do Jam Sessions (http://oglobo.globo.com/blogs/jama-ri) e setorista de música há 23 anos, também busca harmonizar as mídias.

intensa e muitas vezes tensa. “Você acaba aprendendo a lidar

com o público. Aquela distância de respeito entre o jornalista e o leitor, que normalmente existe, desaparece por completo. Os leitores às vezes são carinhosos. Noutras, agressivos

pacas. E estão constantemente questionando o jornalista”, con-ta Pedro Doria.

André Machado também reclama da agressividade de al-guns leitores, principalmente

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”“É frustrante, mas a notícia importante

vai para o jornal. O blogue é mais

uma brincadeira levada a sério

Marluci Martins, de O Dia e do Futebol & Afins

Pedro Doria é constantemente questionado

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dos que se aproveitam do anonima-to, mas ressalta a participação posi-tiva dos leitores.

“Há muita falta de educação na rede, em especial assinada por um nick (apelido) qualquer. Não sabem o limite da crítica e só aparecem para baixar o pau. Mas há excelentes co-mentaristas, que complementam o que você disse, ajudam outros leitores e avisam quando você erra”, conta.

Cristina De Luca também já se acostumou ao comportamento do público. “Se o leitor discorda de algo que está no blogue, na hora ele faz um comentário. E é sempre bom res-ponder a quem escreve, para manter o vínculo”, diz Cristina De Luca.

Quando o assunto é futebol, a tensão aumenta. “Os leitores são muito apaixonados. Todo mundo acha que sabe tudo e que é dono da verdade. Os comentários acabam vi-rando uma briga. Mas torcedor é as-sim mesmo, não dá para esperar dis-cernimento. Mas há elogios também. No jornal, o que motiva o leitor a es-crever é a indignação, dificilmente ele escreve para elogiar. No blogue, isso acontece”, diz Marluci Martins.

O jeito é moderar os comentá-rios. Segundo Marluci, a intervenção do autor nos comentários, apesar de necessária, atrapalha a dinâmica da discussão. Uma solução encontrada foi só permitir que participem de sorteios de brindes e camisas de clu-bes os leitores que comentam sem baixar o nível.

“A moderação intimida um pou-co, mas é preciso moderar de alguma forma, não só por causa de alguns leitores, mas porque há muito spam”, concorda Cristina De Luca. “Alguns

jornalistas preferem excluir os co-mentários e ponto. Eu permito que se publique de tudo e faço uma tria-gem posterior, contra racismo e coi-sas do tipo. Não é uma relação sim-ples”, resume Doria.

A liberdade de forma e conteúdo desafia os blogueiros a aproveitar re-cursos além do texto para enriquecer a informação. A convergência é uma oportunidade de ouro para alguns. “É especialmente valioso para quem escre-ve sobre música, porque permite mos-trar músicas avulsas, podcasts e vídeos. Hoje em dia produzo regularmente vídeos dos shows a que assisto, fotos e publico no blogue, o que permite ao leitor ter uma idéia melhor do que falo no texto”, explica Jamari França.

Os recursos multimídia, contudo, valem para todos os blogues, seja qual for seu assunto principal.

Seja qual for o formato, o tema principal e os recursos empregados, o jornalista que queira manter um blo-gue precisa estar disposto a ter muito trabalho e pouco retorno financeiro, mesmo apelando para linques patro-cinados, como os do Google. Tam-bém precisará ter em mente que blo-gue de jornalista e blogue jornalístico não são necessariamente sinônimos.

“Blogue de jornalista pode ser pessoal. Blogue jornalístico deve se-guir os mesmos princípios que pau-tam qualquer profissional”, resume Pedro Doria. De Luca lembra que os blogues também estão sujeitos às leis e, por isso, o blogueiro deve ter a mesma responsabilidade do profis-sional em qualquer veículo. “A van-tagem do jornalista é conhecer a téc-nica e a apuração. Os blogueiros que não são jornalistas às vezes trocam os pés pelas mãos”, diz. n

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”Jamari FrançaAutor do Jam Sessions

“Nas matérias

jornalísticas, o

tom tem que ser

necessariamente

mais neutro. No

blogue, eu posso

me espalhar

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

Com Nacif Elias, diretor do Sindicato, Ruth e Sonia, filhas de Saldanha

nEm clima de confraternização, rea-lizou-se no dia 2 de julho a reinaugu-ração do Auditório João Saldanha, no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Amigos, parentes e ex-colegas home-nagearam um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros. Estiveram pre-sentes duas dos quatro filhos de Sal-danha: Sonia e Ruth. Com Vera e o xará João, a família é formada por mais 12 netos e dois bisnetos.

“Ele era um cara de tribos e luga-res. Gostava do Maracanã, da Rua Miguel Lemos, em Copacabana, e da praia. O Sindicato dos Jornalistas era uma esquina para encontros com quem ele gostava de conviver e con-versar”, lembrou Ruth. Sonia disse que se o pai estivesse vivo “muita coi-

Tributo a Saldanha no Sindicato vira festa com parentes e ex-colegas

sa ruim não estaria acontecendo no esporte brasileiro”.

A jornalista Thereza Bulhões, se-gunda mulher de Saldanha, disse que já entregou a uma editora os originais

do seu livro “As Feras do Saldanha”, com depoimentos de quatro ex-mu-lheres e menção a sete namoradas, com prefácio e apresentação dos jorna-listas João Máximo e Juca Kfouri. n

AUDITÓRIO JOÃO SEM MEDO

BLOCH: INDENIZAÇÃO À VISTAnChega ao fim um drama iniciado há praticamente nove anos, quando a Bloch Editores faliu. Tão logo a per-missão seja publicada no Diário Ofi-cial, os 2.500 ex-empregados, habili-tados pela Justiça, receberão seus créditos trabalhistas à vista, num to-tal de R$ 35 milhões. Este valor se refere à parte dos R$ 64,5 milhões obtidos com a venda do prédio da Manchete em leilão.

Desse total, serão separados R$ 25 milhões, referentes ao débito da empresa com o Imposto de Renda. A

destinação desse montante é contes-tada Justiça em favor dos ex-empre-gados. O restante, R$ 4,5 milhões, vai pagar créditos trabalhistas de cer-ca de 500 ex-empregados, tão logo sejam habilitados pela justiça.

No dia 28 de agosto eles se reú-nem em assembleia. O presidente da Comissão dos Ex-Empregados de Bloch Editores, José Carlos Jesus, acredita que será a última assembleia. “É praticamente o fim de um proces-so longo e doloroso para cerca de dez mil pessoas – os ex-empregados e fa-

miliares diretos. Muitos morreram e outros passam por dificuldades.”

Ele elogiou a participação nesse processo das seguintes pessoas: a juíza Maria da Penha Victorino e os advo-gados Bárbara de Freitas, Márcia Bar-letto e Cláudio Soares, da 5ª Vara Empresarial; o promotor público Luiz Roldão, da 5ª Promotoria de Massas Falidas; o síndico Valter Soa-res e os advogados Francisco Chagas, Luciana Trindade da Silva e João Alk-mim, da massa falida, e o leiloeiro Fernando Braga. n

ALBERTO JACOB FILHO

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Lide n nº 56 n JANEIRO A JUNHO DE 2009

diploma

n A decisão do STF sobre o fim da obrigatoriedade do diploma de Jor-nalismo foi um duro golpe em uma das principais conquistas da catego-ria nas últimas décadas. Defender a importância da formação universi-tária nunca foi uma causa isolada, mas diretamente inserida na defesa de um jornalismo mais responsável e menos comprometido com interes-ses particulares.

A liberdade de expressão jamais esteve ameaçada pelo diploma como proclamado por oito ministros do Supremo. Não é a sociedade que se sente ameaçada por jornalistas di-plomados, mas empresários dos meios de comunicação que levaram

por Suzana Blass a questão à suprema corte brasileira, onde seus desejos foram enfatica-mente legitimados.

Além de deixar clara a manipula-ção de princípios democráticos em favor de interesses próprios, o fim do diploma não muda o mercado con-centrador que reduz empregos e com-promete a independência da informa-ção. Prevaleceu a força do lobby em-presarial que contou com aliados si-lenciosos. Formadores de opinião se calaram enquanto os que defendiam o diploma como forma de defender o Jornalismo eram taxados de dinossau-ros corporativos.

Agora temos um novo cenário e mais vozes se juntam à nossa em de-fesa da profissão. Já tramitam no Congresso Nacional duas propostas

de emenda constitucional (PEC), que restabelecem a exigência da formação universitária específica, e está sendo formada uma Frente Parlamentar em Defesa do Diploma.

Deve-se ressaltar que os dispositi-vos da regulamentação da profissão permanecem inalterados. O registro profissional é condição de acesso à profissão, o Ministério do Trabalho deve registrar os jornalistas, diploma-dos ou não, e continuam valendo as regras fixadas em acordos e conven-ções trabalhistas.

E, acima de tudo, a confiança da sociedade na imprensa continuará sendo medida pela responsabilidade social no exercício da profissão de jor-nalista, único modo de garantir a qualidade da informação. n

DECISÃO DO STF PROVOCA

REAÇÃO E APOIOS

Estudantes e jornalistas realizaram quatro manifestações de protesto no Rio

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30 artigo

Lide n nº 56 n Janeiro a JUnHo De 2009

Rogério Marques*

”“ Eles estavam em

Miami para investigar a ação de grupos terroristas

anticubanos

Nossa imprensa divulgou com destaque a prisão e con-

denação de duas jornalistas americanas de origem orien-

tal, na Coréia do Norte, acusadas de espionagem. Euna

Lee e Laura Ling pegaram 12 anos de prisão. Tomara que

sejam libertadas o quanto antes. Mas será que os brasilei-

ros sabem, também, que há 11 anos cinco cidadãos cuba-

nos estão presos nos Estados Unidos, em condições durís-

simas, condenados num julgamento que sempre foi ques-

tionado por juristas de diversos países?

Garanto que a maioria dos leitores e até mesmo muitos

jornalistas ignoram este fato por um único motivo: nossos

jornais vivem uma situação anacrônica, ainda mergulhados

no espírito da guerra fria. Dependendo do país em foco,

as notícias ganham espaço e interpretações diferentes. Ao

contrário das americanas Euna Lee e Laura Ling, que tive-

ram suas fotos divulgadas em todos os jornais, os cinco

cubanos encarcerados há 11 anos não têm rosto, profissão,

nem mesmo nomes.

Antonio Guerrero, engenheiro civil, Fernando Gonzalez,

Gerardo Hernández, licenciados em relações internacio-

nais, Ramón Labañino, economista, e René González, téc-

nico de aviação, foram presos em Miami em 1998. O gover-

no de Cuba afirma que os cinco investigavam a ação de

grupos terroristas anticubanos, que nunca deixaram de agir.

Em 1976 derrubaram um avião da empresa Cubana de Avia-

ción, matando 73 pessoas. Em 1997 os terroristas mataram

uma pessoa e feriram 12 num hotel em Cuba. Em julga-

mento considerado político e cheio de irregularidades, os

cinco cubanos foram condenados a penas altíssimas – Ge-

rardo e Antonio pegaram prisão perpétua.

Nos últimos anos cresce no mundo inteiro uma cam-

panha pela libertação do grupo, diante de evidências de

que o julgamento foi político. Dezenas de juristas, artistas,

políticos e intelectuais manifestaram apoio à campanha,

que ganhou mais força no dia 6 de março com a adesão

dos 10 ganhadores de prêmios Nobel: o escritor alemão

Günter Grass; o dramaturgo e compositor italiano Dario

Fo; o físico russo Zhores Alferov; o presidente do Timor

Leste, José Ramos-Horta; o argentino Adolfo Pérez Esqui-

vel; a guatemalteca Rigoberta Menchú; a escritora sul-afri-

cana Nadine Gordimer; a irlandesa Mairead Corrigan-Ma-

guire; o escritor português José Saramago; e o escritor

nigeriano Wole Soyinka.

O caso dos cinco cubanos está longe de ser o único

exemplo da falta de isenção e independência da imprensa

brasileira. Outro episódio gritante foi a invasão e destruição

do Iraque pela chamada Coalizão, liderada pelos Estados

Unidos, em 2003. Um massacre.

Mais tarde descobriu-se que a razão alegada para a in-

vasão era mentira. O Iraque não tinha armas de destruição

em massa. E por que nossa imprensa não clama para que

Bush seja julgado pelos crimes que cometeu contra a hu-

manidade, não apenas no Iraque mas no campo de con-

centração de Guantánamo? Será que somente o dirigente

do Sudão, Omar al-Bashir, é um criminoso de guerra?

Em vez de serem julgados por seus crimes, e contando

com o silêncio da mídia, George W. Bush faz palestras em

universidades e seu vice Dick Cheney ainda defende a tor-

tura de prisioneiros em Guantánamo. Enquanto isso, quem

está preso é o jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi. Seu

crime: atirar sapatos no criminoso de guerra que destruiu e

ainda ousou visitar o Iraque. Entre os casos de al-Zaidi e dos

cinco cubanos encarcerados há 11 anos nos Estados Unidos

existem portas. A imprensa tem o dever de abri-las.

Há CUBANOS PRESOS NOS EUA. VOCê SABIA?

* rogério Marques, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

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