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vivido no presente quando relata o vivido, num outro quando vivo a diferença desse relato, num outro quando a pessoa atualiza. O atualizar, eu diria que é o que a gente busca na clínica, que pode ou não acontecer. Então a riqueza dessa clínica está nisso, nessa gama de possibilidades que ela abre a uma leitura de elementos presentes. A leitura não é do terapeuta nem do cliente, e é dos dois, num sentido muito especial, nas intensidades dos afectos correspondentes. Este trabalho é uma invenção de uma clinica que opera em nossos corpos, trazendo sentidos novos a cada olhar, clinicamente... Beijos, Cristina e Pablo 40 TEMPO [email protected] Fundação/edição: Pablo Gonzalez e Diogo Vancin Comunicação Visual e revisão de texto: Lis Amorim Assistência: João Paulo Hisse Transmissão: Margareth Hisse Imagem da Capa: Missiva: João Kammal 1

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vivido no presente quando relata o vivido, num outro quando

vivo a diferença desse relato, num outro quando a pessoa

atualiza. O atualizar, eu diria que é o que a gente busca na

clínica, que pode ou não acontecer. Então a riqueza dessa

clínica está nisso, nessa gama de possibilidades que ela abre a

uma leitura de elementos presentes. A leitura não é do

terapeuta nem do cliente, e é dos dois, num sentido muito

especial, nas intensidades dos afectos correspondentes.

Este trabalho é uma invenção de uma clinica que opera

em nossos corpos, trazendo sentidos novos a cada olhar,

clinicamente...

Beijos,

Cristina e Pablo

40

TEMPO

revistatemmmpo@gmail .com

Fundação/edição:

Pablo Gonzalez e Diogo Vancin

Comunicação Visual

e revisão de texto:

Lis Amorim

Assistência:

João Paulo Hisse

Transmissão:

Margareth Hisse

Imagem da Capa:

Missiva: João Kammal

1

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Neste número

4 Editorial

7 Epistemologias das Intensidades da Teoria para uma

Prática em Psicomotricidade– parte 2 Marcelo Antunes

10 Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 2014

Laís Patrão

11 Diário de um Nômade

Vitor de Jesus

13 Meia-noite em Paris

Tátia Rangel

17 A Vida Berra

Celso

19 Histórias

Cristie Campello e Martha Neiva

22 Das Armadilhas do Ressentimento – parte 2

Diogo Vancin

2

que potencializa nós em nós, que nos desata nós para novos

nós. Se entendemos o corpo da sociedade maquínico, vemos

que não temos garantias, podemos nos fuder saudavelmente

ou seja não sabemos, somos possibilidades. Porque a saúde

atual não é saúde, é doença negativa. Mas te pergunto o que é

saúde, o que é a grande saúde? Sinto que ela passa por baixo da

porta. E o fogo? calmo, raivoso, o fogo cozinha, aquece,

queima, fogo brando, fogo quente ou fogo que me gela, assim

criar é a solução.

A palavra é um acontecimento. Ela não está referida a

nenhum outro lugar. Ela é efeito do corpo presente e se refere

ao corpo presente. Os sintomas são índices, trata-se de criar

com eles pontos de sintonia para levar aquilo a proliferar,

multiplicar, crescer. A árvore social já está inchada demais.

Queremos levar essas sementes a semear novas árvores,

plantas, ervas. Não há garantia em nenhuma forma. Mas

queremos criar as possibilidades para que isso multiplique.

Forças nos impulsionam. Forças e coragem. Forças e

vontade. Talvez isso leve à exasperação. Temos então forças.

São vestes que travestem o nu. Travestidos de terapeutas,

forças, vontades, se encontram. Travestimos clínica. Mas

forças nos impulsionam. Forças e vontade. Essa clínica então

só pode ser uma clínica do acontecimento. Define-se por

mudança e pluralismo. Que forças nos fazem inclinarmos e

operar a mudança enquanto uma possibilidade de

acontecimento?

A clínica do acontecimento opera numa pluralidade,

porque ela aparece na possibilidade de atualização, no novo

acontecimento, nos relatos, nas emoções, nas apropriações do

39

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podemos criar novas marcas, novos códigos, novas

novidades? Uma semente não vira com certeza nada, ela vira

com potência. Não temos garantia nenhuma e nada está

pronto, mas o anseio está aqui.

A clínica são devires-terapeuta muito concretos que

guardam uma dignidade própria em sua singularidade.

Compartilhamos da crença de que ela não deve se tornar uma

escolástica, pois isso a faria perder seu nível operatório

singular, indo junto sua dignidade. Propomos então uma

clínica criativa, sem nenhum tipo de julgamento. Pois o ser só

é sendo, ou seja, somos durações. Somos marcas encarnadas, e

não são os caracteres que gerenciam nossos próximos

instantes mas as tendências que nossas marcas implicam

diante de um futuro totalmente imprevisível.

Estamos apresentando um trabalho do aprofundamento

que quer falar da nossa emoção, da nossa forma de ver o

mundo, que é falar da nossa clínica que é a clínica do

acontecimento no sentido em que ela possa mudar, porque

isso define o acontecimento, ele muda o mundo, são as

pulsações das minhas vísceras. É quando eu me sinto no

instante-já que muda o mundo. A hora em que eu me encontro

com a chuva, a hora em que eu me encontro com a cachoeira.

Eu descobri que eu adoro calor, descobri que o meu corpo adora

o verão, os cinquenta graus do Rio de Janeiro, porque ele fica

mais aberto à vida, ele me põe na rua, ele me põe em contato

com o mar, são acontecimentos. É um acontecimento toda

vez que um cliente chega. Uma história feita de presente,

porque a palavra de ontem já não faz mais o menor sentido. O

acontecimento quando o olho do cliente brilha em mim e aqui

criamos juntos uma nova sociedade, o lugar desse encontro

38

25 Teatro Interativo – parte 2

Flávia Azevedo

34 Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2013

Juliana Carbone

36 Cartas Clínicas por um Devir Criativo

Cristina Bertling e Pablo Gonzalez

3

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EDITORIAL Pablo Gonzalez e Diogo Vancin

Uma vida grita por um próximo passo, nada é a toa, a

força que agrega faz uma casa. É com pedra que se faz uma

casa, com tijolo, e com luz também, música, e alegria. As

impressões, os afetos, as marcas, tudo que concerne ao visceral

que o corpo utiliza. Pode transvalorar. O resto joga-se fora.

Não há saúde e doença. só saudensa ou doençude, isso

porque tem o real, tem o imaginário e tem a realidade. Ou seja,

há condiçoes humanas, relações humanas e elas querem

viver.

O parodoxo não é a contradição. O que há de ser a

contradição? Há a coexistência que age, não por oposição mas

por aglutinação. Pedro Honório. Aprender não é faça como eu

mas faça comigo.

Toda palavra de ordem traz uma sentença de morte e

também componentes de passagem. Não se trata de fugir dela

mas de fazer algo fugir com ela. Aquilo que se repete, retorna

no presente ainda que varie a forma aponta para o processo

construtivo de uma ética. Escrever na busca afirmativa da

experiência, do possível. Na ética, com ética de ousar na

singularidade.

Mais possibilidades além do conhecido. É um risco e eu

banco.

Imaginário apaixonado. Bancar um centésimo do que

imagina. Desejo te desejar. Um tom inebriado de vinho,

amante de Charles Baudelaire. Menina nua, saia rodada, colar

4

toma certos lugares, traduz e induz olhares, codifica a

existência em pode/não pode.

Já fomos além, já fomos nômades, já fomos hipies, já

fomos baratas, já fomos vegetais. Por que muitas vezes, quando

parecemos em vias de criar novos territórios existenciais,

acabamos nos enganando, afundando em falsas crenças,

falsas drogas, falsos caminhos, ou elegendo campos

imaginários, falsas parcerias? Por que não criarmos um

trabalho, nesse campo sutil, nessa vida intensa, que seja de

novas criações?

Queremos viver. Estamos cansados de ter que escolher

entre a emoção familial e a nulidade enganada. Queremos

chover.

É muito fácil para cada um de nós que nasceu e cresceu

nessa maneira de viver onde a família é o tijolo do muro, na

conservação de uma ocidentalidade, orientalidade, capitalista,

socialista sei lá o quê, pegar o difícil caminho de remontar,

cuidar de feridas antigas, me inteirar inteiro, cicatrizando e

feliz mas rebatido em chamar meu próximo de pai, filho, mãe,

irmão, pra quê? Não vemos mais sentido em investir no

sagrado seio da família. Queremos outra coisa.

A vida nos emociona, queremos uns aos outros. Uma

fala que você diz me afeta, mexe comigo e na semana seguinte

cai uma ficha. Reconheço seu rosto, seu jeito de falar, seu jeito

de vestir. Experimento andar com você, cozinhamos juntos,

sou povoado de gente, moram no meu coração muitos

corações.

Por que ainda esse campo simbólico? Por que não

37

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CARTAS CLÍNICAS POR UM DEVIR CRIATIVO

Cristina Bertling e Pablo Gonzalez

Rio, 13 de fevereiro de 2014

Para você,

Qual a diferença na emoção numa das igrejas

universais, num show de música, numa sessão de

psicomotricidade, numa palestra de filosofia da diferença,

numa novela televisiva, numa black friday...? O que estamos

vivendo, descarrego, lavagem, contato, abertura, catarse,

gozo? Quem estamos, fiéis, fãs, pais, filhos, alunos,

telespectadores, consumidores?

Durante uma aula, o filósofo Gilles Deleuze subitamente

pára de falar e põe para tocar uma música num aparelho de

som. Ele quer abrir os repertórios para novidades... O que

estamos vivendo?

Por que campo simbólico? Por que o nome disso vai ser

família, homem, mulher? Nos interessa a emoção, a vida

mesmo dos nossos corpos em tudo o que eles podem viver, o

calor, o suor, o olhar, as expressividades. Mas a família, o

emprego, a diversão, essa sociedade que está aí, não é lenha

para o nosso coração. Então por que pai, por que filho, por que

homem, por que mulher? Afinal, o social é o grande ovo que

nos engole, que ai estava antes de papai-mamãe, o capital

36

e mais nada.

O corpo existe no tempo. Não querendo mais uma

epistemologia referenciada em algo que não seja o corpo, o

sentido, o acontecimento. A razão passa a ser a intensidade.

Olho em volta e os corpos se metamorfoseiam. Não mais

irmãos, irmãs, pais, mães, e filhos, mas bocas, babas, garras,

bichos. Verdade é ilusão, fantasma, delírio. Verdade é nó.

Crença é chão, e chão é placa tectônica.

Qual o valor dos valores? Nietzsche, Deleuze, cartas

clínicas. É necessário acabar com o julgamento. É preciso que

o novo homem vire os olhos em direção ao corpo, ao sentido

da terra.

Alegria, riso, o melhor possível com o que tenho. Afirmar

o que aumenta minha potência de agir. Acordei o dia bem.

Como tratar da criação de valores? Prática de uma

teoria, expressão de uma territorialidade. Feliz ano novo.

Memórias, dobras e desdobras.

História, autobiografia, expressão de transformação,

surpresa. Caminhos tortuosos, cadeia de pensamento, pedir

ajuda, o algoz está dentro de nós, já não há mais tempo. O

tempo é agora. A vida berra por um passo à frente. Uma

pergunta. A crença no humano fica em pedaços. Por onde

começar? Por agora.

A máquina de moer carne, mais um tijolo na parede.

Mais um igual a um certo modo de existir, mais um diferente,

mais um, um outro lugar, singularidade, diversidade,

multiplicidade. Ser diferente compondo.

Uma casa bem diferente. Passo a compreender com as

vísceras, entre as cadeias do pensamento. A casa que recebe o

nome de alguém que foi rejeitado como alimento por uma

tribo antropofágica, curiosamente parece ter se tornado abrigo

5

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daqueles que estiveram próximos de serem triturados pela

máquina de moer carne, em que parece ter se tornado a nossa

sociedade. Chego como um náufrago, perco algumas ilusões. A

nova jornada está só começando.

Corpo intensivo formado por forças, devires e potências.

Interpretar ou experimentar? Eu ou componentes de

subjetivação, o corpo pensa sentindo. Rebelde alegria.

Inventar é transgredir. Quebrar as velhas tábuas. Unhas

vermelho brilhante.

O que insiste, o que persiste, o que retorna? A vida é

complexa. A operatória do corpo vivo no presente é irredutível.

A unidade são marcas de níveis diferentes. Diferenças não

conceituais e repetições complexas. Formam nossa

expectativa de que “isto” continue. Formam nossa dignidade

que se inclina sobre o outro e faz clínica.

6

sei que vocês estão presentes para não dar merda quando eu

estou muito agitada, eu prefiro dormir, ficar comigo e segurar

minha onda. Para no dia seguinte eu acordar bem, eu poder

ajudar e conversar com calma sem dar alguma merda e sem

me exaltar nas minhas agitações. De manhã eu já estava

agitada, Pedro Honório falou que eu estava me exaltando,

então eu, que vi que estava agitada, e que estava com a cabeça

não muito boa, preferi, para não perturbar o pessoal e ficar

numa boa com eles, e como eu não tinha aula, resolvi dormir

o dia inteiro e segurar minha onda. Resolveu, acordei o dia

bem, ajudei, conversei e estudei. E foi a vivência que

aconteceu comigo.

Em pleno feriado, aproveitei para dormir, descansar e

pensar na minha vida, o que estava acontecendo naquele

momento na minha vida.

35

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RIO DE JANEIRO, 21 DE NOVEMBRO DE 2013

Juliana Carbone

Auto Poiesis→Auto Poesia→ É um termo grego, que

significa produção. Ele é produto e produz. Centro dinâmico

constitutivo dos seres vivos, em outros termos são a auto

produção.

Trabalho da casa é saúde.

Estudar, trabalhar, diversão, isso tudo é saúde.

O que eu crio para ficar bem.

O que eu deixo de criar para eu também ficar bem.

O que eu acredito, que deixo de acreditar para ficar bem.

O que eu escuto que deixo de escutar para ouvir as

pessoas e atender e ouvir o que as pessoas falam para mim e

para vocês.

O que eu me isolo para ficar bem comigo e com os

outros.

O que eu sinto para me dar bem.

Quando eu tô bem eu sou uma ótima companhia e

quando eu não estou bem eu me isolo para dormir e ficar bem

com os outros. Eu não sabia escutar agora eu sei escutar.

Eu não me isolo para ficar sozinha, pelo contrário, eu

34

EPISTEMOLOGIAS DAS INTENSIDADES DA TEORIA

PARA UMA PRÁTICA EM PSICOMOTRICIDADE

parte 2

Marcelo Antunes

(artigo publicado nos Anais do XII Congresso Brasileiro de

Psicomotricidade, 2013. Dividido aqui em três partes, segue a

segunda)

A partir desta reflexão podemos supor que as variações

sensíveis que acometem o corpo orgânico são sensíveis ao

corpo psicomotor em seu plano de composição dinâmico e

cinético. É a partir desta análise das dinâmicas e cinéticas dos

espaços que o corpo psicomotor inscreve seus deslocamentos,

suas coordenadas energéticas intensivas aonde a constituição

dos mapas das intensidades vai além da relação sujeito e

objeto e inscreve no espaço transacional, polifonias e

multiplicidades de gestos e vozes, fragmentadas por natureza

cujos trajetos intensivos são dispositivos de subjetivação entre

outras habilidades do corpo em processo expressivo.

A partir desta relação o corpo oculta, encerra uma

linguagem. A linguagem forma um corpo intensivo, um campo

de força, uma grandeza intensiva, a partir de

signos-partículas, ou seja, unidade intensiva da palavra. Não

se sabe mais se é a pantomima que raciocina ou o raciocínio

que faz a mímica. Não se trata de falar de corpos tais como são

antes da linguagem ou fora da linguagem, mas, ao contrario,

de formar com as palavras um corpo psicomotor intensivo, um

7

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corpo pensado como forças, devires e potências. Não há nada

mais verbal do que o excesso de carne. E se os corpos imitam a

linguagem, não o é pelos órgãos, mas pelas reflexões. É a

intensidade que dramatiza. É ela que se exprime

imediatamente nos dinamismos espaços-temporais de base e

que determina uma relação diferencial. Cita Deleuze: “Ao corpo

intensivo substituímos a anamnese pelo esquecimento, a

interpretação pela experimentação”.

Encontre seu corpo intensivo, saiba fazê-lo, é uma

questão de afirmação vital ou repressão, vida ou de morte,

alegria ou tristeza. Em última análise proponho uma questão

de expressividade psicomotora como condição de uma

epistemologia das intensidades em psicomotricidade. É aí que

tudo funciona e se decide. Muito mais pelos efeitos diretos

sobre o modo de funcionamento do que propriamente pelas

causas que atuam sobre o programa psicomotor. Entendemos

por efeitos as variações intensivas no corpo psicomotor. Cita

Deleuze: “Onde a psicanálise diz pare, reencontre o seu eu,

deveríamos dizer vamos mais longe, não encontramos ainda

nosso corpo intensivo”.

Não é seguindo um programa centrado no fantasma que

assombra a máquina psicomotora, mas chegamos ao corpo

intensivo pelo programa efetivo da experimentação

psicomotora, uma grande razão do corpo, como pensou

Nietzsche ou tendo o “corpo” como fio condutor, assim como

pensava Deleuze escrevendo sobre Espinosa em Filosofia

Prática. Portanto minha proposta é criar um pensamento

sensorial na prática psicomotora intensiva, onde

privilegiamos os afetos e forças, que valoriza a lógica da

sensação, o esquecimento como força vital para a realização

8

– Os desprezadores do corpo não percebem que é ele, o

próprio corpo, o fio condutor que guia o homem para o

caminho do criador. As forças criativas, positivas e a vontade

afirmadora que emana do corpo são a ponte, o caminho que

leva à super-ação do homem, que leva ao super-homem. A

transvaloração de todos os valores e a afirmação dionisíaca –

o sagrado dizer sim! - tornam possível a superação, o

devir-ativo: nada carregar, não se encarregar de nada, mas

aliviar tudo o que vive.14 Força desdobrada e redobrada –

Dionísio na mais alta potência!

O apresentador olhou o relógio. Ofereceu alguns

minutos para novas colocações, mas a plateia desejava o

porvir, desejava viver.

- Amigos, é chegada a hora do espetáculo! E após essa

aquecida discussão, tenho o prazer de anunciar... a peça tão

esperada! Com vocês....

A NOIVA! O SIM QUE RESPONDE AO SIM!15

TENHAM TODOS UM ÓTIMO ESPETÁCULO!! CITAÇÕES: 1- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 2- FRIEDRICH NIETZSCHE - A GAIA CIÊNCIA. 3- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 4- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 5- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 6- FRIEDRICH NIETZSCHE - GENEALOGIA DA MORAL. 7- FRIEDRICH NIETZSCHE -CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS 8- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 9- FRIEDRICH NIETZSCHE - VONTADE DE POTÊNCIA. 10- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 11- FRIEDRICH NIETZSCHE - ASSIM FALOU ZARATUSTRA. 12- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 13- FRIEDRICH NIETZSCHE - ASSIM FALOU ZARATUSTRA. 14- GILLES DELEUZE - NIETZSCHE E A FILOSOFIA. 15- GILLES DELEUZE – CRÍTICA E CLÍNICA: A F IG U RA DA NO IVA RE PRE S E NT A A DU PLA AF IRM AÇ ÃO O RIU NDA DA

RE LAÇ ÃO E NT RE ARIADNE E D IO NÍS IO : F O RÇ A DE S DO BRADA E RE DO BRADA

33

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estivermos vivos haverá sempre uma solução a ser criada. E,

em se tratando de escolher a saúde, descobrir esses meios

particulares de lidar com o negativo nos é fundamental – disse

uma voz até então não ouvida.

O bêbado se pronunciou: " afinal, desde que os homens

existem, sempre o homem se alegrou pouco demais: é somente

este, meus irmãos, o nosso pecado original." 13

E saiu porta afora cantarolando: Desejo, necessidade,

vontade... Você tem sede de que? Você tem fome de que?

O apresentador percebeu o recado. É preciso que o novo

homem, o artista e criador, vire os olhos em direção ao corpo e

busque o sentido da terra. É preciso romper com os valores

metafísicos que depreciam a vida e o corpo. E, mesmo

chegando a hora do início do espetáculo, disse: Dirigir o olhar

para o corpo! .... Nietzsche quis dizer...

O apresentador foi interrompido abruptamente pelo

bêbado:

“Permaneceis fiéis à terra, meus irmãos, com o poder da

vossa virtude! Que o vosso amor dadivoso e o vosso

conhecimento sirvam ao sentido da terra! Eu vo-lo rogo, e a

isso vos conjuro. Não deixeis a vossa virtude fugir das coisas

terrestres e adejar contra paredes eternas. Restituí, como eu, à

terra a virtude extraviada. Sim: restituí-a ao corpo e à vida,

para que dê à terra o seu sentido, um sentido humano.”13

Estarrecido pela lucidez e sobriedade das palavras, o

apresentador continuou: - Dirigir o olhar para o corpo! ...

Mas... O que pode um corpo? Quantos pedidos do corpo sou

capaz de ouvir? Quando está de mais ou de menos pra mim?

Procuro saber? Conheço os meus limites? Conheço a minha

potência? Separo a minha força do que ela pode? Preciso de

ajuda? Será que peço?

32

do movimento. E o acontecimento como motor endógeno da

prática psicomotora, um construtivismo corporal de pele,

afetos, intensidades e forças acopladas a partir dos encontros

com a exterioridade das superfícies dos corpos sensíveis.

O corpo intensivo não é um espaço ou está no espaço, é

a matéria psicomotora expressiva que ocupará o espaço em

maior ou menor grau, ele é matéria intensa não formada e

estratificada. Matéria é igual à energia, ou seja, trabalho em

ação. Produção do real como grandeza intensiva, cujas

variações intensivas constituem a unidade transdutora de

afectos, perceptos e conceitos que entendemos como valências

psicomotoras. O corpo intensivo é o próprio desejo como

produção. Talvez a função do psicomotricista seja cartografar

as dinâmicas e cinéticas dos movimentos, tornando o espaço

e o tempo psicomotor uma sucessão de acontecimentos e

deslocamentos de potências intensivas que atuam sobre o

corpo em sua natureza de afetar e se afetado. Por que ainda

não sabemos o que pode um corpo em sua natureza de afetar e

se afetados.

(continua...)

9

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RIO DE JANEIRO, 31 DE DEZEMBRO DE 2014

Laís Patrão

Bem, hoje é o último dia do ano de 2013, e nesse último

final de semana fez um dia bem lindo! O sol brilhava no

horizonte e eu pude fazer coisas bem maneiras!!

Bom, no sábado caminhei com a tia Kátia. Fomos até a

Lagoa ver a árvore. Aí nós conversamos, tomamos uma água e

voltamos para casa. Depois fui com o Diogão para o mercado,

conversando bem para caramba. Aí, ontem fui à Praia de Copa

junto com o Diogão, Marcelo e Vitoreba. Ai gente, a água

estava muito boa. Eu e o Vitor só ficamos dando mergulhos e

conversando naquela água deliciosa e depois nós fomos tomar

um caldo de cana delicioso (bom pra caramba). Nós fomos e

voltamos andando para mantermos a forma.

Aí ontem a minha “criagem” veio me visitar e trazer um

bando de coisas bonitas para eu usar. Hoje acordei, ouvi

música, lavei as minhas roupas porque estava precisando

exercitar o meu corpo (e ainda preciso), dei uma volta com o

Diogão, Pedroca e Viniçasso. Uma caminhadinha boa, não é? E

aí fiz um pão com o Vitor, Diogão e o gostosão do Nando.

Depois disso lanchamos e vimos TV. A novelinha das nove que

canto a música inicial com o Vitor.

Bem, o ano acabou e tomara que 2014 seja bem melhor

do que este, então:

FELIZ ANO NOVO

PAZ E SAÚDE

10

vive o melhor possível de um determinado dado ruim.

- Às vezes até mesmo dentro de um lance bom, existem

pequenos lances ruins. Alguns acontecimentos andam, outros

desandam e a gente vai agenciando e provocando o

deslocamento no famoso “jogo de cintura”, no dançar

nietzscheano. Esses agenciamentos são necessários; são o que

considero a própria saúde – acresceu o apresentador.

Novamente o bêbado: –"Dissestes sim, algum dia, a um

prazer? Ó meus amigos, então o dissestes, também, a todo o

sofrimento."11

– O exercício do artista criador é a grande redenção do

sofrimento, é o que torna a vida mais leve. É necessário

enxergar na criação, produção e na vontade de potência essa

redenção do sofrimento e, igualmente, enxergar a alegria

afirmativa, mesmo no caráter mais absurdo da vida –

concluiu o fomentador.

O apresentador lembra Deleuze: "será tudo passível de

tornar-se objeto de afirmação, isto é, de alegria? Para cada

coisa, será preciso encontrar os meios particulares pelas quais é

afirmada, pelas quais deixa de ser negativa."12 Vê-se aqui, a

proposta de um saber trágico, de um viver dionisíaco. Um

saber que valorize a vida, a força, a saúde. Quantas vezes meu

olhar se perde nas dores da vida que nem mesmo percebo que

já adoeci? Nem percebo que estou distante de mim! Rir é o

melhor remédio e ensinar a rir é uma das maiores

preocupações de Zaratustra. O riso simboliza a resposta

corporal de um excesso de força criativa, de poder, excesso de

saúde e vida.

- Sem pieguices, fico animado com a eterna novidade

que é a vida. A montanha russa dos altos e baixos! Enquanto

31

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de pensar são as tarefas que Nietzsche propõe para si: eu quis

conquistar o sentimento de uma total irresponsabilidade,

tornar-me independente dos elogios e da reprovação, do

presente e do passado.9

Um espírito livre do terceiro banco acrescenta: - É

necessário se livrar de qualquer julgamento! Acabar com o

julgamento! Essa nossa deplorável mania de acusar, de

procurar responsáveis fora de nós ou mesmo em nós.10

- Liberdade para agir além do bem e do mal, liberdade

para assumir o lugar de legislador e criador de novos valores,

liberdade para afirmar a vida tal qual ela é: non sens! – disse

um outro.

O fomentador de discussões provocou a plateia com

uma pergunta nietzscheana que sacode as vísceras: Tu és

poderoso o suficiente para suportares ser criador?

Sim ou... não? – deu uma oportunidade de reflexão e

repetiu: Tu és poderoso o suficiente? Temos aqui, duas

possibilidades de resposta: uma negativa, própria do niilista,

do escravo e outra afirmativa, própria do pensamento

afirmador, do pensamento trágico, do pensamento do amor

fati. O escravo não é capaz de suportar a condição de criador,

não é capaz de ocupar esse lugar vazio deixado pela morte de

Deus. O filósofo trágico, ao contrário, ama a condição de

artista, de criador de valores e de sentidos e ocupa esse lugar

alegremente, com riso.

O espírito livre do terceiro banco também contribui: No

entanto, para criar é necessário afirmar a vida em todas as

suas particularidades, sejam elas boas ou ruins.

É o caso do lance de dados. No tabuleiro da vida nem

todos os dados que caem são bons e favoráveis. Mas o bom

jogador para Nietzsche é aquele que afirma qualquer dado e

30

DIÁRIO DE UM NÔMADE

Vitor de Jesus

Diário, sou eu, Dj Aragorn. Hoje vou contar como foi meu

Reveillon.

O dia começou com a arrumação para a festa Pirex de

final de ano, colocamos tudo da casa na rua, sofás e mesas.

Colocamos um toldo de plástico como cobertura para caso

chovesse.

Na hora da festa, eu e um grupo de pessoas fomos para

Copacabana, para ver os fogos de artifício. Quando acabou

voltamos para a Hans Staden, começou a festa Pirex. Eu, Dj

Aragorn, toquei das 3:20 às 4:10. Adorei pois realizei um sonho

que era tocar como Dj no Reveillon.

Fiquei feliz por ter realizado um sonho.

Eu espero que esse ano de 2014 seja um ano de melhora

pois esse ano quero começar a estudar numa escola, para

poder completar a escola.

E eu, sendo um Dj nômade, desejo um feliz 2014 para

todos.

Em Copacabana vendo os fogos de artifício, me senti um

pouco eufórico e feliz. Fiquei eufórico pois era a primeira vez

que eu tinha ido a Copacabana no Reveillon para ver fogos de

artifício. E este acontecimento também foi uma realização de

11

Page 12: Revista Tempo 40 Editada e Revisada - Google Docs(1)_booklet

um sonho.

Na hora de me vestir foi difícil escolher a roupa. O

modelo de cabelo e o tênis que iria usar.

Também tocaram o Celso, o Fernando, o Gonzalez e a

Joana.

Estavam na festa o Fábio, irmão da Mônica, a Mônica,

Vinícius, Valmor, Pedro Honório, Marcela, Camila, Bruna,

Beatriz, Mariana, Celso, Gonzalez, Fernando, Diogo, Flávia,

Kátia, Roberto, Laís, Zé Benício, Helena.

Para fazer a festa não deu trabalho pois foi feita em

trabalho de equipe, um ajudando o outro. Eu ajudei a tirar os

móveis da casa e na limpeza.

Para o próxima festa eu sugeriria como tema “queremos

ser feliz”.

Um abraço,

Dj Aragon

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responsabilidade. Se o homem é livre para escolher suas ações

e decisões, imediatamente, ele se torna responsável pelas

decisões e ações que escolhe. Também não termina aí, a

responsabilidade implica nas ideias de certo e errado, elogio e

reprovação, punição e absolvição, recompensa e castigo,

pecado e virtude, ou seja, no problema da interpretação. Não

caberia também aqui questionar a origem dos valores e o valor

dos valores?

Uma voz vinda do centro cita Nietzsche: – "...sob que

condições o homem criou para si os juizos de valor 'bom' e

'mau'? E que valor tem eles?" 6 O que é certo pra um, pode não

ser para o outro; o que é bom pra um, pode ser mau pro outro.

– finaliza o participante.

O bêbado adentra pelos fundos do recinto e retira do

bolso um charuto amassado:

–"Onde quer que as responsabilidades sejam procuradas, aí

costuma estar em ação o instinto de querer punir e julgar.

Despiu-se o vir-a-ser de sua inocência, quando se

reconduziram os diversos modos de ser à vontade, às intenções,

aos atos de responsabilidade. A doutrina da vontade é

inventada essencialmente em função das punições, isto é, em

função do querer-estabelecer-a-culpa. (...) Os homens foram

pensados como ‘livres’, para que pudessem ser julgados e

punidos – para que pudessem ser culpados."7 - leu bastante

sóbrio.

- Percebem a necessidade do martelo? Há que se

aquebrantar este mal pela raiz, pela origem, e dar à

irresponsabilidade o seu caráter positivo,8 como diz Deleuze:

Um novo ideal, uma nova interpretação, uma outra maneira

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se embaralhe com a de um sujeito dito como neutro e dotado

de livre arbítrio.5

Dessa vez, o bigodudo bêbado aparece na janela e

gargalha: – ahh, o livre arbítrio!

E gargalha...

É longa essa história. Mas para resumir e facilitar o

entendimento dos que estranharam as gargalhadas, o espírito

livre apresentador utilizou as palavras do dicionário: – Arbítrio

significa: Parecer, juízo, opinião, vontade, determinação que

não dependem de regra, praxe ou lei, mas da prudência ou

retidão da pessoa.

Ao ouvir a palavra retidão ligada ao livre arbítrio, o

bêbado rolou de rir atrás da janela. O apresentador desejando

gargalhar com ele, mas temendo se perder no raciocínio,

pigarreou e continuou a conversa:

– Como vimos, a expressão livre arbítrio já denuncia o

seu equívoco. Em primeiro lugar porque a conduta humana

apesar de dita "livre" está condicionada às regras, praxes e leis

morais. Em segundo lugar... (baixou a voz para não atrair mais

gargalhadas) Retidão??! Cá entre nós!

Sacou novamente do dicionário: – Retidão quer dizer: 1.

qualidade do que é reto ( já começa mal, pois o reto é feio!); 2.

Conformidade com a justiça, com a lei, com a razão, com o

direito; justiça, legalidade. 3 Integridade de caráter. Quer dizer

então, que a integridade de caráter da conduta humana está

diretamente ligada à razão, à justiça e à legalidade?

– Humm.. isso cheira a enquadramento, não? –

questionou o fomentador.

– Já se vê incongruências no significado da expressão,

mas o problema não termina aí, o equívoco está na falsa

liberdade do arbítrio que implica na questão da

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MEIA-NOITE EM PARIS 1

Tátia Rangel

Ah... caminhar pelas margens do Sena sentindo a brisa

fresca da primavera, recordar das flores do Luxembourg, e

ainda assim, deparar-me com a Casa de Rui Barbosa em

Botafogo!!!

Que nossas viagens possam nos deslocar as sensações,

que nossos ouvidos possam viajar nos sons, que nosso paladar

possa entregar-se aos prazeres desconhecidos, que nossas

mãos... Ah... Que essas possam encontrar muitas superfícies! E

nossos olhos? Ah... Que esses possam surpreender-se a cada

instante... E que nosso corpo seja a máquina desejante a nos

mover em cada dia da vida, essa grande viagem!!!

Silêncio…

O filme já vai começar… Preparem seus corações para muitas

novas sensações experimentar…

Ontem… hoje… amanhã…

Que diferença isso faz?

Viver a possibilidade de fluxos criativos, lembranças

afetivas, recordações nostálgicas… não importa, o valor que

1 Esse texto foi construído com muitos cenários, textos e com o filme: Meia Noite em Paris, do Woody Allen. Escrito em setembro de 2013.

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há é no tempo qualitativo que nos autorizamos estar,

experimentar, e mais, atualizar a todo tempo-espaço nossos

desejos, nossas emoções…

Contato e relação…

Paris, Rio de Janeiro, Macaé, São Pedro da Serra, Campos

dos Goytacazes, Rio das Ostras, Mar do Norte, Cabo

Frio, Recife… não importa… o que vale mesmo é onde estou?

Quantas vezes andamos por nossas casas e nos

perdemos em sonhos de palácios reais, casas diferentes,

hotéis? Quantas vezes estamos num belo lugar e nos

deparamos com a saudade de nossa cidade natal? Quantas

vezes estamos no cinema e só conseguimos pensar no

shopping, no bar, na praia…, múltiplas são as possibilidades

de estar num lugar, desejar outro e ainda estar pensando em

outro… e ai?

E ai? Qual o problema? Será que há problema?

Ou isso é tão comum que nem nos damos conta?

Bem, não precisamos de afirmativas binárias para nos

dizer como conseguimos funcionar, o que é mais

necessário é saber qual desejo? Onde desejamos estar? É

possível? Podemos tornar possível? Será o possível realizar ou

só o desejar?

Nosso personagem fez uma linda caminhada,

momentos presentes, momentos sonhados, momentos

construídos, mas com algo muito próximo ao nosso real, a

necessidade de contato e relação.

14

romper com a visão pecaminosa, criminosa, responsável e

culposa da vida para afirmar o caráter radicalmente inocente

da existência. Despir a vida dos tecidos da moral e dos “bons

costumes”, dos padrões e formatos, da ideia de um além

mundo, despir a vida das velhas tábuas.

Um bigodudo bêbado, no fundo do teatro, levanta do

chão arrastando o chinelo. Ergue a garrafa e imposta a voz:

"O caráter geral do mundo, no entanto, é caos por toda a

eternidade, não no sentido de ausência de necessidade, mas de

ausência de ordem, divisão, forma, beleza, sabedoria, e como

quer se chamem nossos antropomorfismos estéticos (...) o

mundo não é perfeito nem belo, nem nobre, e não quer

tornar-se nada disso, ele absolutamente não procura imitar o

homem! Ele não é absolutamente tocado por nenhum de nossos

juízos estéticos e morais! (...resmungou um pouco e continuou)

Quando é que todas essas sombras de Deus não nos

obscurecerão mais a vista? Quando poderemos começar a

naturalizar os seres humanos com uma pura natureza, de nova

maneira descoberta e redimida?2

– Deus está morto! - prosseguiu o espírito livre se

dirigindo à plateia – Foi necessário assassinar Deus, o criador

de valores, para que nós, homens, nos tornássemos deuses e

ocupássemos o lugar de produtor de sentidos, criador de

valores e inventor de novos "jogos sagrados". No plural! No

pluralismo da inocência.

– Como diz Deleuze: A inocência é o jogo da existência,

da força e da vontade."3 – disse uma voz vinda dos fundos.

– Sim! Queremos bons jogadores para um jogo bem

jogado onde a vida possa ser afirmada e apreciada, onde a

força não seja separada do que ela pode4 e onde a vontade não

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Page 15: Revista Tempo 40 Editada e Revisada - Google Docs(1)_booklet

Mas o que é o viver inocente? – pergunta o curioso perto

do palco.

Um mundo de abordagens pode ser explorado aí, mas o

curioso deve ter ouvidos que vejam o crepúsculo dos ídolos – o

declínio de valores e verdades milenares desaparecendo no

horizonte. Deve possuir orelhas pequenas para uma escuta

sutil.

A resposta chega: – Já nas primeiras linhas de Nietzsche

e a Filosofia, Deleuze aponta a filosofia do martelo. Um

sugestivo método nietzscheano a começar por destruir o valor

dos valores e a origem dos valores ao questionar o valor da

origem... – o curioso franze a testa um tanto confuso

–...marteladas às doutrinas filosóficas de Schopenhauer, Kant,

Hegel e para as ideias de alguns de seus contemporaneos como

Richard Wagner! São instrumentos falsos para a compreensão

da humanidade e são elementos que aviltam a natureza – a

verdadeira natureza. Devem ser marteladas e partidas em

pedaços a razão, a moral e a religião!

– Durante muito tempo, o pensamento ocidental

ignorou que os sentidos e os valores da existência eram

criações humanas e a ideia cristã de Deus pode ocupar esse

lugar da criação. Deus, o criador absoluto de valores e verdades

absolutas. Deus, a crença em uma ordenação moral do

mundo, na existência metafísica de valores e sentidos, no

caráter absoluto de finalidade, regularidade e ordem da vida –

acrescentou o fomentador.

"Os deuses morreram, mas eles morreram de rir ouvindo um

Deus dizer que era o único."1 – diz uma voz na plateia.

O apresentador aproveitou a citação: – Sim! Para um

viver inocente há que se desdivinizar a natureza. É necessário

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Ele rompe o tempo em busca de escuta, acolhimento,

afeto, nutrição para sua criatividade, necessidade de

produção... Rompe barreiras morais e mentais, para dizer que é

possível sim, dialogar com nossos artistas, nossos textos,

nossos filósofos, nada mais do que dialogar com nossas

crenças, sonhos, lugares, fantasias, lembranças...

Na vida podemos pensar essas conjunções em várias

formas-conteúdos-expressão. Podemos criá-las,

recriá-las, e ainda assim, continuar buscando… não há

finitude no desejo, há possibilidade na criação, na

reinvenção... Como uma fala do filme:

“Nenhum tema é ruim se a história é verdadeira”.

Façamos de nossas histórias, nossas verdades de

sentindo, não verdades morais ou binárias, mas verdades do

nosso afeto, do desejo de desejar, da possibilidade de

romper com amarras do tempo, e ainda assim, não se alienar,

mas sim, se conectar com seu próprio desejo.

O escritor estava em busca de inspiração, encontrou

tantas coisas, que reais, sonhadas, imaginadas… Não importa

mais, viveu tantos encontros que o fizeram deslocar em sua

vida na imanência, num puro acontecimento.

Queremos mais do que apenas estar na vida. Queremos

sentir, construir, experimentar... Jogar tudo fora e começar de

novo o novo, e mesmo assim, ter a sensação do passado no

instante presente, e quando menos se esperava o futuro já

estava lá atrás olhando para gente!

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Page 16: Revista Tempo 40 Editada e Revisada - Google Docs(1)_booklet

A VIDA BERRA

Celso

Afastado do mundo, aprisionado em mim mesmo, numa

cadeia de pensamentos que me fazem temer a tudo e a todos.

O caminho até esse ponto foi tortuoso, doloroso,

angustiante...Extrema dificuldade em pedir ajuda, extrema

dificuldade em se perdoar pelos próprios erros, um superego, ou

um ego, não sei bem ao certo, enfim, um celso dentro do celso

extremamente empenhado em uma autocondenação, um

cruel algoz dentro de mim mesmo.

Mas já não há mais tempo para se autoanalisar, já não

há mais tempo para continuar olhando para trás, a vida grita

por ajuda, por convívio, por uma nova sensação de

pertencimento, a vida clama por novamente olhar adiante, a

vida berra por um passo a frente.

Por onde começar? por onde tentar recomeçar? Com

essa pergunta na cabeça ligo o computador a minha frente e

observo os amigos “online”, esforço-me para acreditar que há

alguém ali que possa me ajudar, pois nesse momento a crença

no humano está em pedaços.

Resolvo tentar, surge um convite para um grupo de

estudo, resolvo aceitar, mesmo sentindo-me sem reais

condiçoes de me entrosar em qualquer grupo que seja. Chego

então em uma casa bem diferente das que costumava

frequentar, pessoas de diferentes tipos a frequentam, essa é a

primeira impressão que me marca...O estudo daquela noite é

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TEATRO INTERATIVO - PARTE 2

Flávia Azevedo

(texto dividido em duas partes, segue a segunda)

– A vida deve ser inocente! – diz o apresentador espírito

livre entrando no palco e saudando a plateia.

– E por que a vida deve ser inocente? – pergunta o

fomentador de discussões sentado na primeira fila.

– Porque ela, em si mesma, é! É inocente. A vida não

erra, não mente, não é boa ou ruim. A vida é pura relação de

forças – produto do acaso. Quem dá sentido e valores à vida é o

homem, seja ele um espírito livre ou um espírito de gravidade.

É o homem que decide, ou não, turvar a transparência da vida

com miragens, verdades e valores absolutos; quer reinterpretar

o mundo para adaptá-lo aos seus limites. Esses sentidos e

valores, não existem em si mesmos; são criações humanas. A

vida apenas é!: livre combinação de forças.

O fomentador de discussões também contribui: –

Zaratustra é o maior exemplo da afirmação do non sens da

vida. Ele ensina que o homem constrói um mundo de sentidos

e valores seus a partir da necessidade de sentido própria à

existência. A vida é ausência de sentido, mas a existência

necessita de sentido – o homem precisa disso!

E se, por algum motivo ou, por um conjunto de motivos,

até um espírito livre não a vê tão inocente assim, mesmo que

em determinados instantes, com certeza necessita de um

pouco de atenção consigo mesmo, necessita de descanso e de

riso. Torna-se necessária uma dose de transmutação para

vê-la e vivê-la inocente assim.

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Page 17: Revista Tempo 40 Editada e Revisada - Google Docs(1)_booklet

confuso agitar de braços, como se os braços de cada um

houvesse se multiplicado. Todos tinham lábios feito pinças

que se mexiam nervosamente com se falasse algo muito

importante ainda que inaudível. O padre limpa as orelhas, e

ainda assim nada escuta. Era como se vislumbrasse um filme

mudo em preto-e-branco. A baba do bispo e das freiras, que de

tão brancas, grossas e longas pareciam um enorme fio, que

com os braços cada um deles o manipulava, de forma que

pareciam estar costurando algo. E o padre se viu sonhando

acordado, porque nunca em sua vida esteve louco a ponto de

sofrer com alucinações. Deu então de costas a coroa religiosa

que seus olhos haviam tratado de metamoforsear. Nisso

alguém parece ter lançado em suas costas, na altura do ombro

direito, um desses enormes fios de baba. O padre se põe

novamente de frente como quem procurasse o lançador do fio

e acaba se enrolando nele.

(continua...)

24

sobre Nietzsche, a mente confusa já não se mostra tão hábil

em compreender como há anos atrás, mas naquele instante

sinto como se estivesse compreendendo com as vísceras,

algumas coisas ditas parecem me remexer por dentro, como a

mão de um cirurgião que estivesse com meus órgãos expostos

diante de si e brincasse com eles, remexendo-os, uma

sensação intensa, porém positiva.

Nesta “tribo” sinto um novo sopro de vida, consigo

reconhecer o quanto preciso de ajuda, consigo verbalizar um

pedido de abrigo, de asilo, de acolhimento...A casa que recebe o

nome de alguém que foi rejeitado como alimento por uma

tribo antropofágica, curiosamente, parece ter se tornado

abrigo daqueles que estiveram próximos de serem triturados

pela máquina de moer carne em que parece ter se tornado a

nossa sociedade: sou aceito como cliente da Hans.

Chego à casa como um náufrago que chega a uma ilha

deserta depois de muito nadar e se esforçar para não se afogar,

mas sem mais carregar a ilusão de ser salvo por alguém, sem a

ilusão de estar chegando à uma ilha paradisíaca, as

dificuldades surgirão, a nova jornada esta só começando. No

entanto, estou grato pelas portas abertas, pelo carinho, pela

receptividade, enfim, grato como um náufrago que consegue

novamente ter um chão onde pisar depois de tanto lutar para

não se afogar nas águas das suas próprias loucuras.

Grato como um náufrago que se permite deitar nas

areias da praia em que acabou de chegar, tomar um fôlego, e se

reenergizar sob o sol para tentar seguir adiante.

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HISTÓRIAS

Cristie Campello e Martha Neiva

Vamos contar histórias. Essas histórias estão propondo

uma situação imaginária, ficcional, sobrenatural e real. É uma

narrativa, um início de conversa, um início de parceria.

Vamos lá.

Em uma sexta feira chuvosa, feriado, assistia a Globo

News, o canal que nunca desliga (seu slogan). Nesse dia,

acompanhava a prisão dos políticos, empresários e

marqueteiros do mensalão. O canal plugado, o dia todo, em

cada movimento destes prisioneiros: saem de casa, entram

nos carros, entram no avião, descem do avião, chegam à

prisão, fogem do país etc...A sociedade do espetáculo saciava a

sua fome com imagens tão reais. Nesse momento, uma

senhora de 84 anos, minha mãe, que não parecia mostrar

qualquer interesse pelo que estava se passando na tela da

televisão solta a seguinte frase: “E eles são todos velhos”. Essa

afirmação me pegou de surpresa. Foi um choque.

O que ela queria dizer com isto? O que ela viu que eu não

vi? Qual o sentido que estava enxergando por trás e além de

todo àquele jogo político, de toda àquela farsa que a mídia

estava escancarando na nossa cara? Será que o interesse dela

era naquilo que não aparecia? Até agora, penso nessas

questões. Aliás, para quê buscar tantas respostas?

Agamben quando apresenta o seu conceito vida nua, ele

se refere a uma vida rebaixada ao seu nível biológico, uma

vida-concha, uma vida-besta, uma vida-cadáver, uma

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aqueles que ousam ter coragem.

Enfim, chegam os religiosos. Bispos, cardeais, padres,

freiras, seminaristas, fiéis.

O padre que pensava com a cabeça baixa e seus olhos

haviam se fechado por alguns segundos, libera pela garganta e

pelo nariz a fumaça do cigarro que acabara de tragar, apaga no

chão a guimba e a esconde embaixo de uma pedra. Levanta a

cabeça, desperta de seus pensamentos e olha um a um os

bispos, padre, cardeais, freiras e fiés. Todos vestiam-se de peto.

O padre abaixa mais uma vez a cabeça, inspira e expira

lentamente e enquanto solta demoradamente pela boca o ar,

trata de calmamente desenrolar o pescoço a fim de olhar mais

uma vez aqueles que se postavam de pé à sua frente.

Seu estômago e coração comprimiam e exprimiam

quase que sincronicamente. Pernas tremiam e as solas dos pés

pareciam ter se tornado hipersensibilizado. Mais uma rajada

de vento conforta seu corpo.

Nenhuma palavra dita até agora. O padre sentiu-se

tonto e nauseado. Um seminarista se aproximou de um dos

bispos e cochichou-lhe algo. O bispo olhou para o padre, os

olhos vermelhos como fogo, abriu a boca e uma baba branca e

grossa escorreu pelo canto dela. O padre sentiu-se tonto e

nauseado, ainda assim se pôs de pé. Olhou ao fundo onde duas

freiras conversavam. Suas bocas pareciam pinças e pelo cato

delas também escorria uma baba branca e grossa. O padre

entra no estábulo e lava novamente o rosto. Os guardas ainda

dormiam como se não soubesse de nada.

Ao se voltar novamente para a porta do estábulo, viu

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DAS ARMADILHAS DO RESSENTIMENTO - PARTE 2 Diogo Vancin

O padre, que por algumas horas havia adormecido,

escuta barulhos lá fora. Sente um certo tremor no chão. Em

alguns minutos já se torna possível ouvir algumas vozes.

Percebe que o certo tremor no chão vem sendo causado pelo

trotar de número considerável de cavalos. Há ainda o arrastar

de rodas que transcorre tortuoso caminho transpondo barro,

pedras, pedaços de tronco e gravetos.

O padre, atordoado por conta dasdoses de cachaça

ingeridas, e pelo susto que provocou o abrupto despertar, trata

então de lavar o rosto e de se preparar para o que estava por

vir. Os guardas ainda dormiam como se não soubessem de

nada. O padre então se levanta, toma um cigarro do bolso de

um dos guardas, e se senta à entrada do estábulo, onde

esperaria fumando. O plano era criar linhas de fuga. O plano

era não há verdades, apenas criações. O plano era constituir se

há aqui um território. Qual os desvios possíveis? Por trás de

armaduras e armas forjadas todos pessoas como eu. Eis o jogo e

eu jogo. E onde houver saída estará minha salvaguarda. Há

sempre algumas saídas, apenas que não estão dadas, mas que

vão se dando a medida que vão constituindo os territórios. É

preciso escutá-los e respeitá-los, mas é preciso ainda

permanecer livre e digno. Eis o jogo, eis a luta. É que da luta

não fujo, mas da máquina que absorve a liberdade de pensar,

tornando-a a garantia mais eficiente de controle sobre os mais

desprevenidos, pensar pode ser no mínimo perigoso para

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vida-morta. Vendo estes homens condenados a uma vida nua,

mais do que a uma prisão, talvez, faça sentido esta frase de

minha mãe, pois, para chegar à velhice desta forma vil que

eles estão chegando, ela, nos garbos e na maestria de seus 84

anos, dá sentido a sua observação.

Ao ver os velhos e não os corruptos, May, talvez, tenha

enxergado o humano deles, tal qual a filósofa alemã Hannah

Arendt que ao cobrir para a revista The New Yorker o

julgamento de Adolf Eichmman, um dos quadros da SS nazista,

enxergou um medíocre.

Dois homens beirando os 70 anos vão para a prisão. E a

sociedade do espetáculo cumpre, mais uma vez, sua missão: a

de criar imagens, banalizando o que é singular. Aparência sem

consistência. E só.

E agora José?

Bom, agora a aposta é num devir-envelhecimento.

Envelhecer inventando e criando sempre e com uma rebelde

alegria.

Este é o convite!

Há muito disso por aí. Está nas universidades. Está nas

ruas. É só ter olhos de ver.

Dia desses, entrando no vagão do metrô, vi uma

senhorinha. Com não mais de 150 cm, ela chegou com

passinhos curtos, chamando a minha atenção. Olhei então a

velhinha, que passa fácil dos 90 anos e percebi que, apesar da

idade, as pontas dos dedos dos pés e das mãos denunciavam a

vida que ainda tem por viver: suas unhas eram vermelho

brilhante.

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