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TRIBUTÁRIA REVISTA e de finanças públicas Ano 25 • vol. 135 • IV Trim / 2017

Revista TRIBUTÁRIA

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TRIBUTÁRIARevista

e de finanças públicasAno 25 • vol. 135 • IV Trim / 2017

Page 2: Revista TRIBUTÁRIA

Coordenação GeralMARCELO CAMPOS

Conselho Editorial Nacional – Agostinho Toffoli Tavolaro, André Koller di Francesco Longo, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Arnoldo Wald, Aires Fernandino Barreto, Carlos Mário da Silva Velloso, Cláudio Santos, Eduardo Arruda Alvim, Eduardo Jardim, Edvaldo Pereira de Brito, Ernani de Paula Contipelli, Fátima Fernandes de Souza Garcia, Gilmar F. Mendes, Gustavo Miguez de Mello, Hamilton Dias de Souza, Ivan Tauil Rodrigues, Ives Gandra da Silva Martins, José Carlos Moreira Alves, Joaquim Portes de Cerqueira Cesar, José Eduardo Soares de Mello, Leo Krakowiack, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Marcelo Campos, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Misabel Derzi, Nelson Jobim, Paulo de Barros Carvalho, Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, Plínio José Marafon, Renato Baccaro. Roberto Rosas, Rogério Vidal Gandra Martins, Sydney Sanches, Tércio Sampaio Ferraz, Wagner Balera, William Roberto Grapella e Zelmo Denari.

Conselho Editorial Internacional – Alberto Tarsitano (Argentina), Alberto Xavier (Portugal), Alfredo Benítez Rivas (Bolívia), André Valle Bilinghurst (Peru), Augusto Fantozzi (Itália), Cristián Billardi (Itália), Diogo Leite de Campos (Portugal), Eusébio Gonzalez (Espanha), Eva Andres Aucejo (Espanha), Israel Hernandes Morales (Costa Rica), José Luiz Shaw (Uruguai), José Maria Meléndez Garcia (Guatemala), José Tudela Aranda (Espanha), Klaus Vogel (Alemanha), Luiz Miguel Gomes Sjoberg (Colômbia), Manoel Pires (Portugal), Pablo Egas Reyes (Equador), Piero Adonnino (Itália), Rubén Candela Ramos (Espanha), Victor Uckmar (Itália).

ABDTAlameda Gabriel Monteiro da Silva, 2449Jardim América - São Paulo-SPCEP 01441-002Tel.11 [email protected]

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e de fi nanças públicas

Ano 25 • vol. 135 • IV Trim / 2017

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ISSN 1518-2711

Coordenação Geral

MARCELO CAMPOS

Publicação oficial da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT

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Coordenação GeralMARCELO CAMPOS

© Edição e distribuiçãoACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Os colaboradores desta Revista gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seus trabalhos.

Diretor ResponsávelMARCELO CAMPOS

ABDTAlameda Gabriel Monteiro da Silva, 2449 - Jardim AméricaSão Paulo-SP - CEP 01441-002Tel.11 [email protected]

TODOS OS DIREITOS RESERVADOSProibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo – Lei 9.610/1998.

E-mail para submissão de [email protected]

Visite nosso siteabdt.org.br

Impresso no Brasil: [IV Trim-2017] Profissional

ISSN 1518-2711

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academia Brasileirade direito triButário

aBdt

CONSELHO DIRETORMandato até 31.12.2017

Presidente: Marcelo Campos1.º Vice-Presidente: Wagner Balera2.º Vice-Presidente: Agostinho Toffoli Tavolaro3.º Vice-Presidente: Eduardo Diamantino Bonfim e Silva4.º Vice-Presidente: Kiyoshi Harada

5.º Vice-Presidente: Roberto RosasSecretária: Marilene Talarico M. Rodrigues2.ª Secretária: Denise DoneTesoureiro: Maximiliano Nogueira Garcia2.º Tesoureiro: Ricardo Correa Dalla

CONSELHO CIENTÍFICO

Edvaldo Pereira de BritoAdilson Rodrigues PiresAlexandre Barros de CastroAlfredo BrandãoAlice GrecchiAna Flávia MessaAntonio Carlos Del NeroAroldo Gomes de MattosAry Oswaldo de Mattos FilhoCarlos Alberto de Moraes Ramos FilhoCelio Armando JanczeskiClélio ChiesaFátima Fernandes de S. GarciaFúlvia Helena de Gioia Heitor Regina

Humberto Bergman ÁvilaIvan Tauil RodriguesJames MarinsLidia Maria Lopes Rodrigues RibasLuiz Eduardo SchoueriMarcelo CamposMaria Leonor Leite VieiraOctávio Campos FischerOmara Oliveira de GusmãoPaulo Ayres BarretoPaulo Cesar Bária de CastilhoPlínio José MarafonRoberto Quiroga MosqueraRomeu Giora JuniorWalmir A. Barroso

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1 José Augusto Delgado

Patrono Yonne Dolácio de Oliveira

2 Paulo de Barros Carvalho

3 James Marins

Patrono Eugênio Doin Vieira

4 Sacha Calmon Navarro Coêlho

5 Carlos Mário da Silva Velloso

Patrono René Isoldi Ávila

6 José Souto Maior Borges

7 Kiyoshi Harada

Patrono Bernardo Ribeiro de Moraes

8 Moisés Akselrad

9 Adilson Rodrigues Pires

Aurélio Pitanga Seixa Filho

Patrono Walter Barbosa Corrêa

10 Misabel Abreu Machado Derzi

11 Heron Arzua

12 José Eduardo Soares de Melo

Patrono Brandão Machado

13 Marco Aurélio Greco

14 Agostinho Toffoli Tavolaro

15 Eduardo Domingos Bottallo

16 Luciano da Silva Amaro

17 Zelmo Denari

18 Ives Gandra da Silva Martins

19 Roque Antonio Carrazza

20 Gustavo Miguez de Mello

21 Wagner Balera

22 Paulo Ayres Barreto

Patrono Aires Fernandino Barreto

23 José Afonso da Silva

24 Paulo Celso Bergstrom Bonilha

25 Sebastião de Oliveira Lima

26 Eivany Antonio da Silva

Patrono Carlos da Rocha Guimarães

27 Roberto Rosas

Patrono Ruy Barbosa Nogueira

28 Hugo de Brito Machado

29 Ricardo Lobo Torres

Patrono Gilberto de Ulhôa Canto

30 Gilberto de Ulhôa Canto

Patrono Dejalma de Campos

31 Antonio Carlos Florêncio de Abreu e Silva

Patrono Edgard Neves da Silva

32 Flávio Bauer Novelli

33 Edvaldo Pereira de Brito

34 Hamilton Dias de Souza

35 Luís Eduardo Schoueri

Patrono Alcides Jorge Costa

36 Sidney Saraiva Apocalypse

37 Humberto Bergmann Ávila

Patrono Celso Cordeiro Machado

38 Mauro Campbell Marques

Patrono Rubens Approbato Machado

39 Américo Masset Lacombe

40 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral

Patrono Leon Frejda Szklarowski

41 José Casalta Nabais

Patrono Alberto Pinheiro Xavier (Portugal)

42 Juan Carlos Peirano Facio (Uruguai)

Patrono Ramón Valdés Costa (Uruguai)

43 (Vaga)

Patrono Carlos A. Mersan (Paraguai)

44 (Vaga)

Patrono Víctor Uckmar (Itália)

45 José Andrés Octavio (Venezuela)

46 (Vaga)

Patrono Klaus Vogel (Alemanha)

47 Manuel E. Tron (México)

Oliver Oldman (EEUU)

Patrono Ernesto Flores Zavala (México)

48 Patricio Masbernat M. (Chile)

Patrono Ítalo Paolinelli Monti (Chile)

49 Juan Ramalho Massanet (Espanha)

50 Hector B. Villegas (Argentina)

ACADÊMICOS

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Coordenação GeralMARCELO CAMPOS

DiagramaçãoBLACK & LION DESIGN

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BLINDAGEM PATRIMONIAL DOS GRUPOS ECONÔMICOS E SONEGAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES DA UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL PARA DESMONTAR ESTRUTURAS FRAUDULENTAS

PATRIMONIAL AUTONOMY IN ECONOMIC GROUPS AND FISCAL EVASION.USES OF DISREGARD DOCTRINE INCIDENT IN EXECUTION FOR FISCAL

DEBT TO DISASSEMBLE FRAUDS

MARCO AURÉLIO SOUZA MENDESAdvogado, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Justiça Administrativa (PPGJA) da Universidade Federal

Fluminense (UFF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)[email protected]

Abstract: Even if processual code law has innovated making rules to disregard doctrine procedures, the incident has administrative elements that need a more accurate study by modern administrative process. This paper ought to confront several elements that Public Treasury need to comply to provide substantial difference between responsibility by legal infringement (art. 135 do CTN) from disregard doctrine. The incident when it’s used by Public Treasury has important differences when compared from its use in litigation of two citizens. Its base derives from an administrative process that looks for a bunch of info to justify bringing particular patrimony to execution.

Keywords: Tax Law; disregard doctrine; economic group; administrative process; administrative adjudication.

Resumo: Ainda que o Código de Processo Civil tenha inovado no campo jurídico para disciplinar o regramento processual do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando tratamos de débitos fiscais passíveis de ultrapassarem a blindagem patrimonial do grupo econômico, o incidente jurisdicional se vale de elementos adquiridos administrativamente que precisam ser sopesados à luz de uma teoria mais contemporânea do processo administrativo. Este artigo visa abordar os principais pontos enfrentados pela Fazenda Pública ao diferenciar uma responsabilidade do art. 135 do CTN para a desconsideração da personalidade jurídica nos grupos econômicos, elementos buscados através de um processo administrativo que merece uma discussão de maior amplitude no que tange os elementos do contraditório, ampla defesa e cooperação, tendo em vista que o uso do incidente de desconsideração pela Fazenda possui repercussões peculiares frente ao seu uso em uma execução particular, pois sua base advém de um processo administrativo que busca uma reunião de informações com o fito de atingir diretamente o aspecto patrimonial do sujeito.

Palavras Chaves: Direito Tributário; desconsideração da personalidade jurídica; grupo econômico; procedimento administrativo; jurisdição administrativa.

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1. INTRODUÇÃO: APRESENTANDO A TEMÁTICA E DEFININDO PREMISSAS PARA A IMPORTÂNCIA DE SE DISCUTIR ASPECTOS ADMINISTRATIVOS DENTRO DE UMA MEDIDA JUDICIAL

A recente reforma na legislação trabalhista brasileira (Lei 13.467/2017) tentou colmatar uma antiga (e criticada pela doutrina) lacuna legislativa quanto à definição dos grupos econômicos.

Até pouco tempo, a legislação brasileira era extremamente obscura para caracterizar o conceito normativo de Grupo Econômico, o que facilitava ainda mais a formação destes Grupos para a perpetuação de atos ilícitos.

A Instrução Normativa nº 971/2009 da RFB faz uma interpretação sistemática da legislação civil para colmatar uma lacuna do ordenamento pátrio: “Caracteriza-se grupo econômico quando duas ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”. Portanto, destaca-se uma tríplice necessidade para a identificação do grupo econômico, sendo elas: interesse comum, a subordinação ou coordenação e a relevância das provas.

De acordo com a nova redação da CLT proporcionada pela Lei 13.467/2017, não basta a mera identidade de sócios para que reste caracterizado o grupo econômico. A nova regra requer a comunhão de interesses, demonstração de interesse integrado e atuação conjunta das empresas que pertençam ao mesmo conglomerado econômico.

Art. 02º da CLT (alteração pela Lei 13.467/2017) §2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

Não é intuito deste trabalho analisar o impacto da mudança legislativa no campo da sucessão trabalhista, doravante isto terá reflexos na consolidada jurisprudência

Sumário: 1. Introdução: apresentando a temática e definindo premissas para a importância de se discutir aspectos administrativos dentro de uma medida judicial - 2. Respondendo aos questionamentos preliminares: 2.1. Diferentes fundamentos para a responsabilização tributária – a diferença entre desconsideração e responsabilização através do art. 135 do CTN; 2.2. O caráter imprescritível da medida de desconsideração no Grupo Econômico quando a responsabilidade não se fundamentar no art. 135 do CTN - 3. O grupo econômico como técnica de sonegação - 4. Desenvolvimento da atuação da Fazenda Pública frente às tendências atuais do procedimento administrativo – medidas autônomas internas justificadoras da desconsideração da personalidade jurídica - 5. Conclusão - 6. Referências.

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do TST, visto que agrega um grau de segurança legislativa quanto ao entendimento da responsabilização dos grupos econômicos.

Entretanto, para fins de responsabilização tributária em caso de redirecionamento de execuções fiscais, a simples constituição por si só do Grupo Econômico não garante o alcance do vultoso patrimônio da estrutura formada, elemento protegido pela blindagem de autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e a inicial desvinculação entre a incidência do fato gerador sobre ato societário ao invés de ato do sócio.

Antes de qualquer tomada de atitude pela Fazenda Pública exequente, torna-se necessário demonstrar a ocorrência de algumas das hipóteses do art. 135 do CTN de responsabilização ou elemento hábil de desconsideração da personalidade jurídica quando há claro locupletamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. É neste ponto que as cruciais discussões que este trabalho propõe residem.

Por mais que haja uma melhor definição do caráter jurídico dos grupos econômicos, tal como acentuado pela reforma legislativa, sempre haverá o encontro da atuação de persecução patrimonial do Estado na satisfação de seu crédito junto de conceitos jurídicos abertos, como a comunhão de interesses, atuação conjunta das empresas ou subordinação e coordenação entre as diversas pessoas jurídicas.

O Novo Código de Processo Civil traz em boa hora um regramento processual para a discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 ao 137 do CPC). A presença de balizas legais para o exercício deste incidente no processo garante uma maior efetividade para o respeito ao contraditório e ampla defesa, já que em uma hipotética execução ambas partes, exequente e executado, perdem com um tipo de desenvolvimento processual deficiente em contraditório e ampla defesa. Tanto é importante para a exequente que o juízo observe os graves fatos apontados em seu pedido e aprecie o verdadeiro fundamento da responsabilidade quanto para o executado, que deve exercer o efetivo contraditório sobre o verdadeiro objeto alegado, sob pena inclusive de cerceamento do direito de defesa.

Ao tratarmos diretamente da relação entre Administração e Administrado na execução fiscal, este incidente se torna ferramenta que ultrapassa a simples técnica de distribuição do ônus entre as partes para que haja um efetivo contraditório quanto aos fatos determinantes para se afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Há um claro exercício prévio de jurisdição administrativa seguido pela medida judicial, pois questões pontuais precisam ser plenamente delimitadas pela Fazenda para que possa exercer sua pretensão executória no patrimônio de outras empresas e/ou sócios do grupo econômico, conceito de atuação estatal que possui uma proximidade muito grande com o alcance e finalidade do procedimento administrativo. Neste sentido, cita-se a definição de Ricardo Perlingeiro que demonstra o citado alcance de restrição patrimonial apresentado:

[...] o procedimento administrativo – dotado de ampla defesa e contraditório efetivo – será prévio, de maneira que legitime a constituição

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de atos administrativos individuais que geram efeitos restritivos de direitos ou interesses. Com iguais garantias, se encontram incluídos na noção de procedimentos administrativos o direito à impugnação de recurso contra os atos ou decisões administrativas adotadas (PERLINGEIRO, 2011, traduzido pelo autor).1

A medida administrativa possui certas questões antecedentes de pertinência importante para o seguimento da discussão: i) Qual a diferença fundamental entre a responsabilização tributária através da desconsideração e a presente no art. 135 do CTN? ii) Qual o impacto entre essa diferenciação para o trato da decadência/prescrição dentro da execução fiscal? As respostas destas perguntas servirão de subsídio para construir a fundamentação adequada sobre a importância do procedimento administrativo prévio no incidente de desconsideração utilizado pela Fazenda Pública.

Baseando-se neste conceito de procedimento administrativo, a proposição do trabalho é destrinchar os elementares utilizados pela Fazenda Pública na pretensão de alcance de outros patrimônios que não só o da pessoa jurídica sujeito passivo da obrigação tributária.

Esta expansão de alcance necessita da busca de fundamentos que fogem o campo da medida judicial incidente, portanto, encaram uma medida procedimental autônoma de jurisdição administrativa para que haja uma melhor qualificação da responsabilidade tratada no caso. Na análise deste artigo, utilizando-se de estudos contemporâneos sobre tendências atuais do procedimento administrativo na América Latina e Europa, será proposta diversas atuações positivas da Fazenda em âmbito administrativo quando há o requerimento deste incidente processual.

Através de uma pesquisa documental (jurisprudência dos tribunais brasileiros) aliada com a exposição bibliográfica, será possível olhar como está a atuação entre Fazenda e Judiciário no tratamento da desconsideração da personalidade jurídica na seara tributária. Com base na apresentação documental e doutrinária, as conclusões farão uma relação entre efetividade da medida e respeito às garantias do contribuinte/executado quando se estuda os pressupostos de instauração do incidente por via do procedimento administrativo.

2. RESPONDENDO AOS QUESTIONAMENTOS PRELIMINARES

Mister a apresentação dos principais fundamentos materiais da tese da desconsideração para os grupos econômicos antes de aprofundarmos nas discussões efetivas quanto ao modelo de procedimento administrativo adotado

1 [...] el procedimiento administrativo –dotado de amplia defensa y de contradicción efectivos– será previo, de manera que legitime la constitución de actos administrativos individuales que generan efectos restrictivos de derechos o intereses. Con iguales garantías, se encuentran incluidos en la noción de procedimientos administrativo el derecho a la impugnación o de recurso contra los actos o decisiones administrativas adoptadas (PERLINGEIRO, 2011).

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pela Administração para perquirir frente aos atributos inerentes do grupo que condicionam o alcance patrimonial além de uma única pessoa jurídica.

Estes fundamentos terão profundos reflexos no pensamento esboçado sobre a efetividade do momento em que Administração decide investigar a ocorrência da indevida utilização da pessoa jurídica para prática de fraudes, se previamente ao ajuizamento da execução fiscal ou em seu curso.

A estrutura da fundamentação reflete no modelo de atuação adotado pela Fazenda, mas com claro respaldo na legislação, sobre a escolha das medidas necessárias dentro do campo administrativo para fundamentar sua opção sobre qual tipo de responsabilidade dentro do grupo econômico.

2.1. Diferentes fundamentos para a responsabilização tributária – a diferença entre desconsideração e responsabilização através do art. 135 do CTN

Trago este tópico para discutir um tema crucial para o debate acerca da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no caso dos grupos econômicos: o afastamento de qualquer semelhança com a responsabilização pessoal prevista no art. 135 do CTN.

Para tanto, utiliza-se o esclarecedor estudo de Robson Maia Lins sobre regra de incidência e regra de responsabilidade. A regra de incidência tem como sujeito passivo o contribuinte, enquanto a regra de responsabilização teria a estrutura de uma conduta praticada por pessoa diversa daquela que pode ser responsabilizada na forma solidária ou subsidiária (LINS, 2016).

Esta diferença é crucial no esclarecimento em virtude de impactar sobre a incidência ou não de prazo prescricional para reflexos da atuação das Procuradorias no redirecionamento da atuação das execuções fiscais para o patrimônio privado.

Atualmente, há um tema de importante respaldo jurídico para o âmbito da responsabilidade tributária: os Grupos Econômicos. Em muitos casos, as operações societárias realizadas por este conjunto de pessoas jurídicas não possuem o caráter negocial inerente à atividade empresarial, apenas se prestando a blindagem e esvaziamento patrimonial dos seus sócios.

Já de antemão convém ressaltar que não é o objetivo deste trabalho criticar a existência dos grupos econômicos, tanto os de fato quanto os de direito, como forma de sempre burlarem a legislação tributária do país. Conforme Ribeiro e Porto (2015), a irregularidade almejada se verifica quando se simula a formação do grupo econômico, ou seja, a criação meramente no plano formal. A simples existência do grupo econômico não é motivo para imputação de causas a retirar sua autonomia patrimonial.

Quando ocorre o redirecionamento da execução fiscal por ato de infração à lei do administrador, como exemplo da dissolução irregular, a empresa estava inicialmente constituída regularmente, exercendo suas atividades fins e sem o locupletamento

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ilícito da autonomia da pessoa jurídica pelos sócios como forma de blindagem para o intuito fraudulento de enriquecimento ilícito.

Dessa forma, a dissolução irregular é um ato de infringência à lei e que implica no conceito de sujeição a uma pretensão por violação de direito. A União teve seu direito ao crédito tributário violado porque a dissolução irregular é justamente uma forma de o devedor tributário encerrar suas atividades a margem da lei para se esquivar do pagamento dos débitos.

Esta é a principal diferença estabelecida entre elemento de responsabilização e de desconsideração. No caso da responsabilidade por ato de infringência legal, como o formato do art. 135 do CTN, há a necessidade da Fazenda demonstrar primeiro a relação de sujeição de incidência entre contribuinte e fato gerador, para somente depois perquirir nos elementos ensejadores de uma segunda relação passível de atribuição de responsabilidade. Mas ambas relações perpassam por um juízo único de subsunção direta à norma tributária.

Lins (2016) baseia a diferenciação se utilizando dos comandos conceituais entre norma primária e norma secundária, distinção crucial para entendermos futuramente a importância de trazer a temática para o campo da jurisdição administrativa:

Importante salientar que tanto os comandos da incidência como aqueles que tratam a responsabilidade tributária enquadram-se no domínio das normas jurídicas primárias, pois não tratam da relação com o Estado-juiz (relação processual), mas, isso sim, do relacionamento entre as partes envolvidas na pretensão fiscal (contribuinte, responsável e Fisco), própria do direito material tributário (LINS, 2016).

Já é passível de concluirmos que durante a desconsideração temos um cenário conceitualmente diferente da causa da responsabilidade. Como a desconsideração da personalidade jurídica visa reconhecer que a empresa (ou grupo de empresas) eram constituídas para que os empresários se escondessem sob o véu de sua autonomia patrimonial para praticar os atos de fins ilícitos (ocultação patrimonial, sonegação fiscal, transferência de bens e etc), não se pleiteia aqui uma extinção da pessoa jurídica a partir de uma infração a lei para atingir os sócios. Apenas existe uma superação justamente do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para incidir os atos materiais da execução diretamente sobre o sócio.

Eis a crucial diferença de impacto na atividade empresária: no modelo da desconsideração, visa-se preservar a estrutura administrativa da empresa para pontuar episódica ineficácia, pois a prática do ato fraudulento reside sob o animus do sócio por trás da pessoa jurídica. Diferentemente da dissolução irregular, em que a pretensão de exigibilidade surge apenas depois de um ato de infração à lei (visto que antes havia uma exigibilidade única frente à pessoa jurídica), o que faz com que surja o conceito de pretensão para a União.

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Com a exposição, a maneira de responsabilização do grupo econômico por meio da desconsideração pressupõe uma atuação secundária, ou seja, a aplicação de uma atuação em segundo plano para justificar a episódica perda de ineficácia dos atos da pessoa jurídica para que a Fazenda consiga alcançar o patrimônio oculto.

Os elementos comunhão de interesses, atuação conjunta das empresas ou subordinação e coordenação entre as diversas pessoas jurídicas deverão, ou melhor dizendo, somente poderão ser demonstrados com plena eficácia, através de um procedimento de investigação paralela preliminar à execução ou concomitante a ela que reúna conteúdo fático-probatório suficiente. Este recurso incidental se refere à atuação da Fazenda no campo da jurisdição administrativa.

Por isso, a maior garantia de uma execução salutar para o respeito às garantias do executado ultrapassa a discussão dos elementos de desconsideração dentro do incidente processual, levando a questão para o melhor debate dentro do processo administrativo, local em que a Administração efetivamente exercerá seu juízo de ponderação e reunião dos elementos de fato, lugar em que efetivamente se dá a construção da obrigação tributária e reúne as verdadeiras condicionantes do mundo fenomênico em que se deu a prática do ilícito. É através do processo administrativo que o Fisco em conjunto com a Fazenda Pública garante a reunião das provas indiretas que servirão de fundamentos para o incidente processual posterior.

2.2. O caráter imprescritível da medida de desconsideração no Grupo Econômico quando a responsabilidade não se fundamentar no art. 135 do CTN

Demonstrada a importância de se analisar a desconsideração da personalidade primeiro por via do processo administrativo para somente depois adentrar ao mérito do incidente processual instaurado, pontuais discussões sobre o momento e prazo de exercício da pretensão administrativa se fazem necessários antes de efetivamente avançarmos nas discussões específicas consoante à jurisdição administrativa.

Através do exposto, foi possível perceber a diferença entre o pleito de uma desconsideração e a responsabilização do sócio gerente pelo art. 135 do CTN como fato genérico de violação de preceito legal. A responsabilidade prevista no art. 135 do CTN refere-se à responsabilização pessoal e direta de determinadas pessoas, com base nos créditos tributários decorrentes de atos praticados com excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Neste caso, as pessoas indicadas pelo art. 135 do CTN passam a ser os verdadeiros responsáveis diretos pela obrigação tributária.

Já que a desconsideração surge num momento em que se identifica o uso indevido da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, seja por fraude ou abuso de direito, o que efetivamente se busca é uma suspensão momentânea da eficácia dos atos constitutivos da pessoa jurídica para diretamente alcançar o patrimônio devido que está nas mãos da pessoa física.

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Como pedido de desconsideração da personalidade jurídica reclama do juízo uma tutela que estenda aos sócios a responsabilidade por obrigações assumidas pela empresa, mercê do reconhecimento da ineficácia relativa da própria pessoa jurídica, correspondendo ao reconhecimento da ineficácia dos atos constitutivos da sociedade para determinados fins, então é coerente a aplicação também para os créditos tributários perquiridos por desconsideração da tese do prazo decadencial de pretensão exigível. Em vista que a utilização para desconsideração como forma de responsabilidade possui fundamentos diferentes da responsabilidade por vias da dissolução irregular, o incidente de desconsideração nasce com a mesma natureza que um direito potestativo para o ente público.

O próprio Fábio Ulhoa abarca este entendimento ao afirmar que a desconsideração não deverá ser aplicada quando surge indícios e provas de fraude direta dos membros da pessoa jurídica na prática do fato gerador que lhe impute outra responsabilidade, como a do CTN (ULHOA, 1989). Se não houvesse diferença consequencial dos atributos de decadência e prescrição dos fundamentos de responsabilidade, não haveria motivos para que a doutrina empresarial, bem como a tributária, tivesse debatido com tanto afinco a questão.

Nesta senda, caso haja previsão no ordenamento jurídico de imputação direta de responsabilidade por certos atos aos sócios ou administradores da pessoa jurídica, não é necessária a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o Código Tributário Nacional traz solução mais eficiente para a hipótese ao responsabilizar diretamente o administrador e inclusive deve-se preferir o princípio da especialidade das normas nos campos dos subsistemas jurídicos. E como a violação legal é equiparada à uma violação de pretensão, por isso passível de aplicação direta da prescrição quinquenal intercorrente pelos fundamentos da actio nata.

Para os direitos potestativos cujo exercício a lei não discipline a necessidade de prazo especial para o exercício, prevalece a regra do decurso inesgotável do exercício deste direito, porque o ordenamento jurídico (lições preliminares de teoria do direito) não trabalha com uma hipótese de presunção por decadência ou prazo decadencial por equiparação e analogia. A lição estampada por célebre trabalho monográfico acerca da prescrição e decadência de Yussef Said Cahali estabelece a relação indicada:

[...] os direitos potestativos são insuscetíveis de violação. Porém, o exercício desses direitos, judicial ou extrajudicial, pode ou não estar condicionado a um prazo de decadência, dependendo do grau de perturbação social que o não exercício pode causar. Por consequência, para os direitos potestativos subordinados a prazos, o seu decurso sem o exercício implica a extinção do próprio direito; já para aqueles não vinculados a prazo prevalece o princípio geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, ou seja, direitos que não se extinguem pelo não uso. Com base nessas premissas, os direitos potestativos sem prazo fixado em lei são perpétuos, podendo, desse modo, ser exercidos a qualquer tempo,

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seja por meio de simples declaração de vontade, seja via ação constitutiva (CAHALI, 2008).

Com a devida procedência, o STJ, no voto de eminente relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão no Resp. 1.180.714/RJ, determinou que o ato de desconsideração da personalidade jurídica é ato potestativo, portanto resguardado por prazo decadencial. E como não há prazo decadencial previsto na legislação, seu exercício é inesgotável, desde que preenchido algum dos pressupostos de direito material para sua concessão.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA ‘DISREGARD’ A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.

O raciocínio empreendido no Resp. supracitado pode perfeitamente ser aplicado no âmbito da Administração Pública. Se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica demonstrar que possui os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.

A ausência de norma legal que regulamente um prazo para o exercício também é um fundamento inegável para o direito público. A título de exemplo, a própria Corte Especial já decidiu de maneira inversa a este raciocínio quando precisou decidir sobre prazo de revogação de vantagens com base na Lei 9784/99:

ADMINISTRATIVO - ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO - DECADÊNCIA - LEI 9.784⁄99 - VANTAGEM FUNCIONAL - DIREITO ADQUIRIDO - DEVOLUÇÃO DE VALORES. Até o advento da Lei 9.784⁄99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473⁄STF. A Lei 9.784⁄99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54). A vigência do dispositivo, dentro da lógica interpretativa, tem início a partir da publicação da lei, não sendo possível retroagir a norma para limitar a Administração em relação ao passado. Ilegalidade do ato administrativo que contemplou a impetrante com vantagem

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funcional derivada de transformação do cargo efetivo em comissão, após a aposentadoria da servidora. Dispensada a restituição dos valores em razão da boa-fé da servidora no recebimento das parcelas. Segurança concedida em parte. (MS 9112⁄DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 16⁄02⁄2005, DJ 14⁄11⁄2005, p. 174)

O TRF 1ª Região decidiu em outubro de 2015 sobre a não aplicação da prescrição intercorrente quando os fundamentos da responsabilização dos sócios-gerentes advir do abuso de personalidade jurídica em grupo econômico na maneira proposta por este trabalho:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA.1. Dada a interposição de agravo de instrumento anterior contra decisão que determinou a desconsideração da personalidade jurídica e a inclusão no polo passivo da execução fiscal da agravante, ante a ocorrência de fraude, configuração de grupo econômico e existência de confusão patrimonial, e o arresto de bens e bloqueio de ativos financeiros, não se conhece da parte do agravo de instrumento posteriormente interposto contra o mesmo decisum face ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais. 2. Não se tratando de hipótese de redirecionamento da execução fiscal contra sócio-gerente (artigo 135, III, do CTN), mas de reconhecimento da formação de grupo econômico de fato para fins de responsabilidade tributária por abuso de personalidade jurídica, não se aplica o entendimento jurisprudencial no sentido da existência de prescrição intercorrente, sendo inviável a contagem do prazo prescricional da data da citação dos devedores principais. 3. A Lei 6.830/1980 estabelece, em seu artigo 11, o rol de preferência a ser observado em caso de penhora ou arresto, havendo preferência de “dinheiro” em detrimento de “imóvel”, especialmente quando sobre este recaem diversos ônus. 4. O magistrado de origem não determinou a penhora sobre “renda ou faturamento”, mas sobre futuros pagamentos realizados por SWOT - Solução em Eventos Ltda e Tora Transportes Industriais Ltda, Usifast Logística Industrial e Alvicto Ozores Nogueira e Cia Ltda, e a constrição foi precedida do reconhecimento de que outras empresas se interpõem para frustrar a recuperação do crédito público em execução não garantida. 5. Não obstante os argumentos apresentados nas razões do regimental, a tese jurídica veiculada pela parte agravante não é capaz de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 045117-58.2014.4.01.0000, julgado em 16/10/2015, Desembargadora Federal Ângela Catão).

Vale também ressaltar que seria uma atitude contra a lei estabelecer que para os credores privados há a imprescritibilidade e para o credor tributário não, tendo em vista que isso seria clara atribuição de um maior privilégio ao credor privado em

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detrimento do credor público. Além disso, vale ressaltar a própria preferência legal do crédito tributário quando comparado com alguns créditos privados.

Observado o decurso inesgotável de prazo e os fundamentos amplos que fundamentam a base da desconsideração da personalidade jurídica de um grupo econômico, já se torna notória a importância de se discutir a atuação da Administração por via do processo administrativo.

Cada conduta executada pela Fazenda, se feita à revelia do administrado e sem o devido cuidado de respeitar balizas sólidas e demonstráveis quanto ao contraditório e ampla defesa, poderá afetar o decurso futuro da medida judicial pleiteada no incidente processual da desconsideração efetiva. Seguimos agora com os aportes necessários do tema dentro da jurisdição administrativa.

3. O GRUPO ECONÔMICO COMO TÉCNICA DE SONEGAÇÃO

Até o momento, o intuito foi familiarizar o leitor com conceitos diversos de responsabilidade tributária para explicar a necessidade do manejo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal.

Acontece que outro elemento de grande importância é correlação entre práticas ilícitas e os grupos econômicos no campo do Direito Tributário. Conforme já explicado anteriormente, a existência por si só do grupo econômico não é um mal tributário. Pelo contrário, apoia-se a prática dos grupos econômicos efetuadas dentro da legislação vigente, pois sob o aspecto econômico há uma segurança positiva de desenvolvimento para o capital empresarial, por facilitar o intercâmbio e produtos e serviços e minimizar os riscos sociais advindos da atividade empresarial.

A diferença crucial para aplicação da responsabilidade da desconsideração aos grupos econômicos advém de um modelo específico de constituição de grupos econômicos aparentes, que na verdade são constituídos para burlar o sistema jurídico e mascarar suas dívidas tributárias e trabalhistas. Trata-se do modelo de grupo econômico com finalidade empresarial de superfície, eis que sua razão de existir é ser um instrumento de sonegação fiscal.

É uma estrutura diferente do campo de aplicação do art. 135 do CTN (a responsabilização por infringência da lei) já que no campo formal todas as empresas terão uma aparência de regularidade e licitude. O que acontecerá na prática, entretanto, será uma confusão patrimonial e um remanejamento de operações que visam criar um planejamento tributário ilícito.

Geralmente, estes grupos econômicos operam na prática como diversas empresas autônomas do mesmo ramo empresarial, contudo coordenados por uma holding em comum. Tem-se aqui um grupo econômico por coordenação no seu amplo aspecto. Analisando posteriormente os elementos de coordenação do grupo é possível identificar por meio das provas indiretas os indícios de fraudes fiscais.

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Quais seriam estes elementos indiretos que poderiam levantar a suspeita de uma fraude? Segue-se com uma lista não exauriente para dissertarmos melhor nos próximos parágrafos:

a) As diferentes empresas coordenadas por uma mesma holding possuem registradas na Junta Comercial o mesmo endereço do estabelecimento empresarial;

b) Os empregados registrados formalmente em uma empresa trabalham para todas do mesmo grupo, ainda que não possuem noção que isso acontece. Um exemplo clássico acontece nas empresas de ônibus interestaduais: Compro um bilhete pelo guichê ou pela plataforma da web da Empresa ABC, porém no remanejamento dos passageiros para os ônibus, percebo que com o mesmo bilhete da Empresa ABC posso entrar em um veículo tanto da Empresa ABC quanto das Empresas XYZ ou XPTO;

c) Operações empresariais entre as empresas integrantes do mesmo grupo econômico que levantam a hipótese de um esvaziamento de ativos da empresa com maior dívida consolidada. Mais uma vez o exemplo dos transportes deixa clara a questão. Ex: A Empresa ABC concentra 70% das operações de fato do grupo, enquanto as Empresas XYZ e XPTO somariam os outros 30%. Contudo, o que acontece na prática é que as operações acontecem 95% em veículos das supracitadas empresas, que recebem todo o ativo recebido pela Empresa ABC, quem suporta na prática todo o encargo tributário por ser o sujeito passivo da obrigação tributária.

d) Para que o caixa de uma empresa pudesse fechar, ostentando custo de operação superior à receita liquida, é possível constatar transferências financeiras de outra empresa como forma de cobrir o déficit que seria gerado pelas transferências gratuitas de ativos, o que causaria uma verdadeira “maquiagem contábil”.

Outras características poderiam ser citadas, porém com esta lista exemplificativa já é possível fechar uma tese genérica. Perceba que o grupo econômico não possui uma estrutura de coordenação na gestão das empresas e na distribuição equitativa dos ônus e bônus.

A estrutura é totalmente voltada para que uma empresa, geralmente a que detém no aspecto registral o maior capital social, sofra os encargos tributários da atividade, entretanto gere um esvaziamento paulatino de seu patrimônio entre diversas empresas menores que realizam a atividade empresarial, na prática, em conjunto com a “empresa matriz”.

Dessa maneira, quando a execução fiscal for instaurada, esta “empresa matriz” já não terá bens suficientes para pagar seus débitos tributários. As demais empresas, a priori, estariam isentas desta carga tributária.

Deste modelo estrutural de espécie de sonegação através da blindagem patrimonial da pessoa jurídica, surge o nascedouro da violação positiva para desconsiderarmos a personalidade jurídica. Defendo que o inciso I do art. 124 CTN, em sua disposição sobre solidariedade na obrigação em que diversas pessoas possuam interesse comum

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no fato gerador, em combinação com uma aplicação genérica do art. 50 do CC02 para os fundamentos da confusão patrimonial, sustentam uma base normativa para a defesa do uso da desconsideração da personalidade jurídica no caso dos grupos econômicos de fato.

Há a ocorrência de uma situação fática a ser comprovada nos autos, qual seja, a existência de interesse comum. Esta situação fática do interesse comum é fruto de uma construção lógica através dos elementos indiretos observados tanto pelo Fisco quanto pelas Procuradorias em sede de execução fiscal.

É de rigor a responsabilização de todas as pessoas físicas e jurídicas ligadas ao fato gerador juntamente com o contribuinte de direito, no caso a “empresa matriz”. Colaciono uma posição da Ministra Nacy Andrigh em palestra proferida em 2004, quem já defendia uma aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em casos semelhantes ao trabalhado na hipótese deste artigo:

“A caracterização da confusão patrimonial pode ser identificada de várias formas: empresas com os mesmos sócios, muitas vezes no mesmo endereço, conglomerados familiares, empresas controladas e empresas controladoras, nas quais é normal a transferência de ativos e passivos, custos e de lucros. Assim, os interesses das controladas é o mesmo da controladora”.2

Não é difícil perceber que bases jurídicas e fundamentos sólidos tanto na lei quanto em posições doutrinárias para a realização da desconsideração existem, basta que o procedimento incidental de desconsideração tenha seu manejo correto para que o ato de desconsiderar obtenha sucesso no alcance do patrimônio.

É justamente este tópico que se pretende discutir a seguir. O Fisco e a Fazenda Pública possuem uma proximidade relativamente maior com as matérias elencadas de maneira exemplificativa como as provas indiretas que constroem o arcabouço do grupo econômico aparente. Dessa maneira, o momento de produção probatória para a desconsideração acontece em âmbito administrativo.

O incidente, já no processo de execução, terá espaço somente para uma análise superficial pelo Judiciário sobre o conteúdo do conjunto probatório, prejudicando inclusive o contraditório do contribuinte, que muitas vezes por atos meramente desidiosos levam a um entendimento errôneo das autoridades tributárias sobre a verdadeira situação de um grupo econômico.

Por isso, defende-se um procedimento administrativo autônomo e conjunto ao incidente de desconsideração, que trará ao bojo do incidente um conjunto probatório robusto e já contraditado materialmente, o que levaria uma decisão do Judiciário mais

2 F. Nancy Andrigui. Desconsideração da personalidade jurídica. Palestra UNIP – Tele-Conferência em Tempo Real. Universidade Paulista – UNIP, Brasília, 12 de maio de 2004. http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/673.

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célere e materialmente mais sólida, pois o magistrado teria uma condição material muito melhor de decidir se o caso realmente se enquadra na hipótese de fraude fiscal.

4. DESENVOLVIMENTO DA ATUAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA FRENTE ÀS TENDÊNCIAS ATUAIS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – MEDIDAS AUTÔNOMAS INTERNAS JUSTIFICADORAS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Neste momento, iremos nos debruçar acerca da atuação da Fazenda na reunião dos fatos componentes do grupo econômico. O intuído não é realizar juízos críticos sobre a legalidade questionável de alguns elementos cotidianamente encontrados nos grupos econômicos que movem a atuação estatal. A abordagem será necessariamente acerca da metodologia de investigação utilizada, discutindo sobre melhorias na efetividade da Fazenda e respeito às proteções fundamentais do contribuinte/executado dentro do procedimento administrativo.

Por que o processo administrativo é tão importante quanto o próprio incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica para o tema proposto? A apresentação anterior das discussões acerca dos pressupostos materiais para a desconsideração e do efetivo prazo, se prescricional ou decadencial, respondem este questionamento.

A existência do crédito tributário pressupõe um necessário processo administrativo, ainda que estamos tratando de tributos sujeitos ao lançamento por via de homologação. Institutos como a decadência/prescrição do crédito tributário podem fulminar essa obrigação principal em sua existência, no caso de decadência, ou na pretensão de exigibilidade, caso da prescrição, que atingirão diretamente os pressupostos da desconsideração determinados pelo Fisco e Fazenda.

Portanto, observar a realização do devido processo administrativo fiscal nas contendas de desconsideração é condição imprescindível para garantir que há exigibilidade deste crédito frente ao sujeito passivo principal que irá permitir a desconsideração, bem como subsidia com melhores elementos de fato as justificações da Fazenda sobre elementos que vincularão o julgamento posterior do juízo no incidente processual de desconsideração.

Neste sentido, apresento conclusão semelhante da dissertação de mestrado de Rodrigo Martins da Silva, apresentada na PUC – SP no ano de 2015:

Apesar da condenável confusão em questão, pode-se sustentar que o direito potestativo de sujeitar o sócio ou o administrador ao cumprimento das obrigações tributárias em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica, apesar de não possuir prazo especificado em lei, não pode ser exercido quando a obrigação surgida em nome da pessoa jurídica não mais existir por força da aplicação de outro instituto (no caso a prescrição) que tem por efeito a extinção dessa obrigação primária (SILVA, 2015).

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Nas palavras de Perlingeiro (2011), a proposta do Código Modelo de Processo Administrativo para Iberoamérica considera como procedimento administrativo todo e qualquer procedimento que contenha decisões aptas a incidir sobre direitos dos interessados. Parece-me que este conceito está intimamente ligado com o objetivo na atuação administrativa da Fazenda na investigação dos grupos econômicos, visto não se tratar simplesmente de um procedimento burocrático e formal para cumprir um mandamento legalista.

Na tratativa dos grupos econômicos aparentes (o centro de atuação dos objetivos da desconsideração da personalidade jurídica no campo tributário), dificilmente haverá uma prova documental pré-constituída que identificará a estrutura fraudulenta do conglomerado de pessoas jurídicas que se beneficiam dos instrumentos de autonomia patrimonial para praticar suas fraudes.

Deste modo, concorre como prova de primeira classe de satisfação as provas indiretas obtidas pelas autoridades fiscais em suas apurações procedimentais, o que nos dizeres de Ribeiro e Porto (2015) são idôneas a justificar o lançamento fiscal e a atribuição de responsabilidade tributária às empresas integrantes do grupo econômico, cabendo à autoridade fiscal demonstrar que o conjunto probatório direciona na demonstração inequívoca da constituição de sociedades empresárias meramente formais ou aparentes.

Este aspecto do procedimento administrativo de identificação de fraudes fiscais possui como base nuclear um dos maiores desafios do atual desenvolvimento do procedimento administrativo brasileiro: igualdade, segurança e estabilidade na incursão da Administração nos direitos privados. Cabe exemplificar com a discussão trazida por Perlingeiro em sua pesquisa:

O direito administrativo brasileiro possui dois grandes desafios em matéria de procedimentos administrativos. Se trata dos princípios de direito material, igualdade e segurança jurídica, que quando mal utilizados podem por em risco a finalidade dos procedimentos administrativos. [...] O segundo grande desafio do legislador brasileiro consiste na estabilidade dos cidadãos perante as situações jurídicas provocadas pela própria Administração3 (PERLINGEIRO, 2011, traduzido pelo autor).

Esta estabilidade mencionada pelo autor citado convoca a observação de um duplo aspecto de garantia tanto para a Fazenda quanto para o contribuinte: se de um lado a Administração deve manter uma atuação uniforme frente aos elementos identificadores de grupos econômicos fraudulentos (prova material do ilícito, subordinação ou coordenação, desvio de finalidade da pessoa jurídica, interesse

3 El derecho administrativo brasileño posee dos grandes desafíos em materia de procedimientos administrativos. Se trata de los principios de derecho material, de la igualdad y la seguridad jurídica, que, cuando mal logrados, pueden poner en entredicho la finalidad de los procedimentos administrativos. [...] El segundo gran desafío del legislador brasileño consiste en la estabilidad de los ciudadanos frente a las situaciones jurídicas provocadas por la propia administración (PERLINGEIRO, 2011).

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comum na prática do fato gerador mesmo que de maneira pressuposta e etc), o contribuinte necessita de antemão saber o que a Fazenda identifica como “agir ilícito” no modelo dos grupos econômicos para não incorrer em futuros dissabores altamente prejudiciais para o desenvolvimento da empresa.

Revela-se de suma importância que no caminho da desconsideração há uma importância muito maior em observar a atuação da Administração em seus procedimentos fiscais do que aguardar um comando do legislador passível de sanar controvérsias através de exemplificações em rol numeru clausus de casuísticas de fraudes econômicas. Este atuar entre Fisco, Fazenda e o próprio contribuinte chama a atenção para uma aplicação aprofundada de uma estrutura de jurisdição administrativa no atuar da Fazenda Pública.

O Profº Javier Barnes denomina de “quebra da terceira barreira” no procedimento administrativo no século XXI, construindo o que se denomina de “procedimento administrativo de terceira geração”, um tipo de processo administrativo em que há um atuação compartilhada da Administração e o particular nos campos clássicos de modelo unilateral de atuação do Estado, na ânsia de se obter uma decisão final compartilhada e conjunta entre os atores público e privado, privilegiando inclusive modelos de contratualização do campo público.

Coloca-se um pequeno excerto de uma das versões da obra de Barnes:

A terceira fronteira que parece ser relativizada é a que distinguia formulação de políticas e sua posterior gestão; a criação de Lei, de sua aplicação. [...] em muitos casos, a Administração não encontra mais na lei a receita a ser aplicada. Se a lei não pode definir as substâncias químicas perigosas, o crescimento sustentável em cada caso, os padrões técnicos a seguir para a elaboração de um produto ou a prestação de um serviço, onde, em que forma e com o que usa ou quais as determinações a serem feitas para garantir a competitividade de um mercado particular de telecomunicações, por exemplo, terão que conceber, em compensação, mecanismos, fóruns e regras para encontrar a solução certa, em termos de eficácia, legitimidade democrática e controle4 (BARNES, 2011, traduzido pelo autor).

O prévio e estabelecido procedimento administrativo nesse caminhar coaduna muito mais como guia e direção do caráter prévio de atuação da Administração em

4 La tercera frontera que parece relativizarse es la que distinguía la formulación de las políticas, de su gestión posterior; la creación del Derecho, de su aplicación. [...] En tantos casos, la Administración ya no encuentra en la ley la receta a aplicar. Si la ley no puede definir cuáles sean las sustâncias químicas peligrosas, el crecimiento sostenible en cada caso, los estándares técnicos que hayan de seguirse para la elaboración de um producto o la prestación de un servicio, por dónde, en qué forma y con qué usos constructivos ha de crecer la ciudad, o qué determinaciones se han de adoptar para asegurar la competitividad de un concreto mercado de las telecomunicaciones, por ejemplo, habrá de idear, en compensación, mecanismos, foros y reglas para hallar la solución correcta, en términos de eficacia, de legitimidad democrática y de control (BARNES, 2011).

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situações que afetarão diretamente o patrimônio do contribuinte do que meramente aplicação do Direito (o que a lei traz e define como grupo econômico irregular).

Há um tremendo impacto econômico na forma como a Fazenda Pública irá encarar os processos administrativos prévios a uma desconsideração, visto que representam uma forma de regulação do Estado de práticas econômicas e que gerarão impactos sobre a organização do setor empresarial.

Há uma identificação com o atuar colaborativo da terceira geração de processo administrativo, já que a atuação da Administração encontrará um obstáculo límbico, uma zona cinzenta de incerteza pois sua atuação não estará estritamente pautada em uma legislação cerrada, o que eleva o papel do setor privado de mero fornecedor de informações para atores importantes no fornecimento de informações cruciais para o modelo de regulação adotado.

Transcrevo trecho de recente artigo do Profº Javier Barnes que ilustra o cenário apresentado:

Colaboração entre Administrações, e entre administrações e o setor privado, é o princípio nuclear da terceira geração. Há o enfoque em reunir e engajar investidores e administração em um nível nacional e transnacional. Inter-agências e colaboração público-privada são direcionadas não somente para melhorar a legitimidade participatória (levando-se em consideração que a administração possui uma margem relevante de discricionariedade), mas há o intuito de se obter informações mais aprofundadas de segmentos relevantes, deixando que participem do processo regulatório, melhorando a eficácia e relevância das regulações estabelecidas. Em muitos casos, administrações são incapazes de decidirem em um vácuo de informações, pois precisam de dados externos de outras administrações ou de entidades do setor privado. Precisam de seus conhecimentos e cooperação. O caráter mais distintivo da terceira geração não é definido pelo controle do processo administrativo, e sim pela necessária colaboração. O subjacente modelo de administração não é mais aquele autárquico e hierárquico, tratando-se daquele que trabalha em conjunto com outras administrações, com ou sem laços nacionais, e com o setor privado (BARNES, 2016, traduzido pelo autor).5

5 Collaboration between administrations, and between administrations and the private sector, is a core principle of the third generation. It focuses on bringing together and engaging critical stakeholders and administrations at a national and transnational level. Inter-agency and public-private collaboration is intended not only to improve participatory legitimacy (given the fact that the competent administration has a relevant discretionary leeway), but also to obtain more in-depth information from relevant actors, and to let them to participate in the regulatory cascade, thereby improving the efficacy and relevance of the regulations established. In many cases, administrations cannot make decisions in a vacuum, because they need external input from other administrations or private sector entities; they need their knowledge and cooperation. The most distinctive character of this third generation is defined not by control on the administrative process, but by this necessary collaboration. The underlying model of administration is not that of an autarkical and hierarchical one, but rather one working in synch with other administrations, within and without the national boundaries, and with the private sector.

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Observe que a disciplina o incidente de desconsideração no Código de Processo Civil traz uma importante observação que realça a importância do prévio processo administrativo antes de uma arbitrária instauração do incidente processual, como forma de simplesmente garantir uma ampliação desmedida do polo passivo da execução fiscal.

O §4º do art. 134 da lei processual traz claro mandamento ao exigir que o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Conforme já abordado, e necessário que se frise novamente, os elementos que embasam o pedido da desconsideração da personalidade jurídica no campo fiscal são produzidos de maneira qualitativa dentro da Administração.

Há, inclusive, uma razão para a conclusão inferida, pois conforme as lições do Profº Barak Erez, Universidade de Tel Aviv, a Administração trata em seus julgamentos sobre conflito de interesses, o que difere de uma um pedido de mera aplicação da lei. Levando em consideração este cenário, o aparato estatal tem uma condição mais equipada que o Judiciário para avaliar perspectivas sociais e econômicas em virtude de sua competência profissional especializada.6

Esta consagração do substantive due processo of law no incidente somente será plenamente respeitada através do exercício prévio em um processo administrativo que garanta o contraditório e ampla defesa na perquirição dos elementos materiais para a desconsideração. Este caráter singular do substantive due processo of law possui defesa também na citada dissertação de mestrado de Silva (2015). A importância da instância administrativa dialogar com a instância judicial, neste caso concreto, é observada através da técnica da melhor produção.

Ao considerarmos uma atuação da Fazenda Pública dentro do conceito de procedimento administrativo de “terceira geração”, percebe-se que os elementos autorregulatórios da prática empresarial privada (cita-se: as atuações permissivas que não extrapolam a legalidade tributária nos comportamentos empresariais) vão ser desenvolvidas efetivamente no campo da Administração Pública. Na prática, o incidente servirá para o melhor confronto de provas e alegações, pois equívocos da atuação do Fisco em conjunto da Fazenda poderão ocorrer. Mas a produção, o início do desenvolvimento de descoberta da construção probatória para o locupletamento

6 Transcrevo parte do estudo de Erez que corrobora a conclusão trazida no artigo. Perceba que seu estudo se pauta sobre o papel da revisão judicial em sistemas Administrativos como o da América Latina. Segundo sua posição, neste modelo administrativo as Cortes sofrem restrições indiretas na maneira de decidir, limitando seus pronunciamentos apenas em revisões rasas (“o decidir o mesmo de novo”): I argue that this decision to endow the agencies, and not the courts, with the primary decision-making power is understandable if we consider that administrative decisions are usually about interests and not about rights. Administrative agencies are, indeed, not experts on legal rights, but they are relatively better equipped to evaluate social and economic interests because of their professional competencies and due to their procedures that give voice and representation to relevant affected groups. At the same time, since these administrative decisions are made in an environment of lobbying and interest-group pressure, judicial review has an important role. The reviewing court has to make sure that administrative decisions were not tilted by irrelevant interests. Judicial precedents, which require consideration of all relevant facts and reasoned explanation of administrative decisions, should be understood with this concern in mind (EREZ, 2014).

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da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ocorre no âmbito administrativo. E isso independe se a atuação possui marco inicial antes ou depois do procedimento fiscal de lançamento do crédito.

5. CONCLUSÃO

É evidente que não houve um esgotamento da temática no curso deste trabalho. Entretanto, a pesquisa cumpriu seu papel. Muito se discute em artigos e dissertações acerca da garantia do contraditório e ampla defesa na desconsideração da personalidade jurídica dentro do processo judicial. Não existem dúvidas de que a disposição normativa de um incidente com esta finalidade no Código de Processo Civil irá garantir maior segurança jurídica nas relações societárias.

Por outro lado, este será um incidente bastante peculiar quando utilizado pela Fazenda Pública em seus processos de persecução do crédito fiscal. Compatibilizando a desconsideração processual com os elementos procedimentais de novas tendências do procedimento administrativo, bem como na organização de um modelo de jurisdição administrativa que favoreça o contraditório e ampla defesa, seguramente é possível afirmar que os elementos que constituem as provas indiretas da formação de um grupo econômico aparente são melhor organizados e contraditados dentro do processo administrativo.

O estudo de Perlingeiro das garantias e princípios do procedimento administrativo, como a boa-fé processual, eficiência e legalidade, aliado com o entendimento de Javier Barnes acerca de uma atuação de terceira geração no procedimento administrativo, subsidiam a visão apresentada de que deve existir um diálogo entre o campo administrativo e o incidente processual no momento da desconsideração da personalidade jurídica.

O comportamento da Fazenda Pública e do Fisco com referência ao que se entende por locupletamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica não servirá somente para resguardar os interesses particulares das partes no processo executivo que em tese será instaurado o incidente. Os posicionamentos possuirão um efeito irradiante sobre a coletividade empresarial, que observará de maneira auto regulatória as atividades consideradas ilícitas e passíveis de desconsideração. Uma estrutura semelhante a um compliance e governança corporativa interna. Esta posição pode ser embasada pelo estudo de Barnes:

Isto significa, em suma, que o procedimento se estende não só para administrações públicas (órgãos territoriais, reguladores ou agências independentes) quando atuam predominantemente de forma cooperativa (i), mas também para o setor privado que faz parte do processo regulatório (auto regulação, setores regulados, atividades subsidiadas, ou mesmo atividades

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puramente privadas - empresas, etc.) (ii), e o setor público (empresas e entidades públicas)7 (BARNES, 2011, traduzido pelo autor).

A relação Administração e sociedade já ultrapassou a visão meramente hierárquica e de intangibilidade dos atos administrativos. Entramos na era da coletividade, da cooperação e da busca por justas e eficientes soluções nas tomadas de decisão pela Administração Pública. Trazer os elementos de jurisdição administrativa para o incidente de desconsideração, juntamente de uma maior importância dos procedimentos administrativos fiscais, garante uma atuação benéfica tanto para o Estado quanto para o contribuinte.

6. REFERÊNCIAS

BARNES, Javier. Tres generaciones de procedimiento administrative. In: ABERASTURY, Pedro; BLANKE, Hermann-josef (Org.). Tendencias actuales del procedimiento administrativo en Latinoamérica y Europa : presentación de la traducción de la Ley alemana de procedimiento administrativo. Buenos Aires: Konrad Adenauer Stiftung, 2011. Cap. 01. p. 119-164. Disponível em: <http://www.kas.de/wf/doc/kas_34506-1522-4-30.pdf?130528220040>. Acesso em: 11 out. 2017.

________. Towards a Third Generation of Administrative Procedures. 2016. Conference on Comparative Administrative Law (Yale University). Disponível em: <https://law.yale.edu/system/files/area/conference/compadmin/compadmin16_barnes_towards.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017.

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7 Ello significa, en síntesis, que el procedimiento se extiende no solo a las Administraciones públicas (territoriales, organismos reguladores o agencias independientes) cuando actúan predominantemente en modo cooperativo (i), sino también al sector privado en cuanto se inscribe en el proceso regulatorio (autorregulación, sectores regulados, actividades subvencionadas, incluso actividades meramente privadas –gobernanza corporativa–, etc.) (ii), y al sector público (empresas y entidades públicas) (BARNES, 2011).

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BLINDAGEM PATRIMONIAL DOS GRUPOS ECONÔMICOS E SONEGAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES DA UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL PARA DESMONTAR ESTRUTURAS FRAUDULENTAS 209

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