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 RAP — RIO DE JANEIRO 43(4):919-41, JUL./AGO. 2009 ISSN 0034-7612 Bases teórico-metodológicas da administração política* Reginaldo Souza Santos** Elizabeth Matos Ribeiro*** Thiago Chagas Silva Santos**** P  AL AV R A S - CHAVE : administração política; contexto histórico; método e objeto. K E Y  WORDS: political administration; historical context; method and object. Os estudos no campo d a administração política, até aqui, estavam avançando mais na direção da análise ou da história das ideias do que na explicitação das denições, dos conceitos, dos enunciados. Contudo, o estágio atual das discussões vem acom- panhado de questionamentos sobre a validade de algumas proposições das análises em andamento, que impedem avanços teóricos e analíticos sem a fundação de uma base teórico-metodológica pertinente. Sem dúvida, esta não é uma tarefa fácil, mas é necessário iniciá-la. Este artigo ajuda na edicação da administração política como campo do conhecimento. Political administration theoretical and methodological framework Until now political administration studies have advanced in the direction of the analysis or the history of ideas, instead of the establishment of denitions, concepts, enunciations. Nevertheless, the current stage of discussions includes questionings about the validity of some propositions which are obstructing theoretical and analyti- cal advancements without the a theoretical and methodological framework . Although * Artigo recebido em abr. 2008 e aceito em abr. 2009. ** Professor doutor, titular do Departamento de Finanças e Políticas Públicas e diretor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com mandato até dezembro de 2012. Endereço: Rua Amazonas, 159/204 — Pituba — CEP 41830-380, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]. *** Professora adjunta do Departamento de Finanças e Políticas Públicas da Escola de Administra- ção da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço: Rua Raul Drumond, 294/303 — Edifício Tavares — CEP 40130-150, Salvador, BA , Brasil. E-mail: [email protected]. **** Professor substituto da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorando em ciências sociais pela UFBA. Endereço: Rua Prof. Clovis Veiga, 47/401 — Edifício Terral — CEP 41760-140, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].

Santos Bases Teorico Metodologicas Da Adm Politica

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Santos Bases Teorico Metodologicas Da Adm Politica

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  • rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    issn0034-7612

    Bases terico-metodolgicas da administrao poltica*

    reginaldo Souza Santos** elizabeth Matos ribeiro*** Thiago Chagas Silva Santos****

    Palavras-chave: administrao poltica; contexto histrico; mtodo e objeto.

    Key words: political administration; historical context; method and object.

    Os estudos no campo da administrao poltica, at aqui, estavam avanando mais na direo da anlise ou da histria das ideias do que na explicitao das definies, dos conceitos, dos enunciados. Contudo, o estgio atual das discusses vem acom-panhado de questionamentos sobre a validade de algumas proposies das anlises em andamento, que impedem avanos tericos e analticos sem a fundao de uma base terico-metodolgica pertinente. Sem dvida, esta no uma tarefa fcil, mas necessrio inici-la. Este artigo ajuda na edificao da administrao poltica como campo do conhecimento.

    Political administration theoretical and methodological frameworkUntil now political administration studies have advanced in the direction of the analysis or the history of ideas, instead of the establishment of definitions, concepts, enunciations. Nevertheless, the current stage of discussions includes questionings about the validity of some propositions which are obstructing theoretical and analyti-cal advancements without the a theoretical and methodological framework. Although

    * Artigo recebido em abr. 2008 e aceito em abr. 2009.** Professor doutor, titular do Departamento de Finanas e Polticas Pblicas e diretor da Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com mandato at dezembro de 2012. Endereo: Rua Amazonas, 159/204 Pituba CEP 41830-380, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].*** Professora adjunta do Departamento de Finanas e Polticas Pblicas da Escola de Administra-o da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereo: Rua Raul Drumond, 294/303 Edifcio Tavares CEP 40130-150, Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected].**** Professor substituto da Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorando em cincias sociais pela UFBA. Endereo: Rua Prof. Clovis Veiga, 47/401 Edifcio Terral CEP 41760-140, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].

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    certainly not easy, this task must be undertaken. This article intends to cooperate in the construction of political administration as a knowledge field.

    I

    Os estudos para o desenvolvimento epistemolgico da administrao continu-am. Alm dos trabalhos originrios Em busca da apreenso de um conceito para a administrao poltica (Revista de Administrao Pblica, v. 35, n. 5, set./out. 2001) e a coletnea A administrao poltica como campo do conhe-cimento (So Paulo/Salvador: Edies Mandacaru/Hucitec, 2004), as discus-ses da administrao poltica ficaram mais restritas s salas de aula e aos seminrios.1

    Progressos considerveis foram alcanados nessas discusses (2004-2007), que nos levaram a uma melhor sistematizao das ideias centrais e os resultados apareceram com o lanamento do indito peridico, em parceria com a Editora Hucitec, da Revista Brasileira de Administrao Poltica (Rebap), em 2008. Os trabalhos que refletem o esforo de avanar a base compreensiva do campo da administrao poltica so Keynes e a proposta da administrao poltica do capitalismo (Reginaldo Souza Santos); Cincias ou ideologia? A constituio do campo da administrao poltica (Daniel Andrade Carib); A administrao poltica e gesto do modo de produo: processos gestoriais, da organizao produtiva do trabalho economia-mundo capitalista (Rmulo Carvalho Cristaldo e Clara Marinho Pereira); e Administradores Polticos en-quanto classe: um projeto de pesquisa (Fabrcio Santos Moreira). Os autores dos trabalhos A administrao poltica de Rmulo Almeida: pensar (e viver) o futuro (Fernando Cardoso Pedro); e Administrao poltica e teoria da administrao: contribuies histricas de autores brasileiros (Francisco Cor-reia de Oliveira), embora no tenham origem no ncleo da escola, so aproxi-maes do que estamos fazendo, o que muito positivo.

    O projeto de pesquisa originrio pregava que as anlises, as evidncias empricas da administrao poltica deveriam ser buscadas depois de melhor

    1 A partir de 2006, o ensino da administrao poltica fica formalizado nos programas de adminis-trao da escola (no segundo semestre de 2006, como optativo no curso de graduao e em 2007, tambm como optativo no eixo acadmico da ps, mestrado e doutorado); dois seminrios, nesse perodo, foram realizados: 1) I Seminrio Nacional de Administrao Poltica Simpsio Rmulo Almeida, nos dias 31 de maro e 1o de abril de 2005 e II Seminrio Nacional de Administrao Poltica no dia 10 de outubro de 2008, lanamento da Revista Brasileira de Administrao Poltica (Rebap).

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    fincadas as bases tericas e metodolgicas; entretanto, o furor de nossas dis-cusses, em salas de aula e nos encontros, contribuiu para que a ordem cro-no-hierrquica fosse desconhecida. E, assim, os trabalhos pioneiros da Rebap refletem uma preocupao maior com o entendimento de como o capitalismo est sendo administrado. Porm, medida que avanvamos na compreenso do processo histrico-dialtico de como o capitalismo administrava as relaes sociais de produo, realizao e distribuio, mais sentamos a impreciso de alguns conceitos fundamentais particularmente do significado mais preciso do que seja administrao poltica, qual o seu objeto de estudo nesse campo, o mtodo mais apropriado (embora no signifique que deva ser restringido a apenas um mtodo), os pressupostos, as hipteses mais relevantes, as leis ge-rais que do identificao ao campo da administrao poltica. Enfim, estavam nos faltando as bases terico-metodolgicas que orientassem nossos estudos, a construo de uma epistemologia que nos possibilitasse melhorar o nosso entendimento emprico da trajetria do capitalismo e a proposio de uma administrao poltica que redirecione os resultados do trabalho social, permi-tindo a cada indivduo menor jornada para a garantia da sobrevivncia, liber-tando-o, assim, de ter a existncia justificada pela luta incessante em garantir a materialidade. Logo, aprofundar a compreenso dos termos e estruturar me-lhor as bases terico-metodolgicas no campo da administrao poltica so os objetivos principais deste artigo desde relaes hierarquizadas, produtoras de todo o conhecimento.

    II

    Os filsofos da cincia (a filosofia da cincia) costumam fazer distino entre o campo terico (cincia) e o campo aplicado (ao/arte) como se um negasse o outro e no pudessem fazer parte de uma s totalidade para a compreenso plena de um mesmo (e s) sentido. Portanto, o campo puro (do que e o que tende a ser) e o campo normativo (do que e o que deve ser) esto interliga-dos a existncia tem que ser compreensiva a partir do sentido (finalidade) da ao humana. Assim, a nossa compreenso da cincia engloba a parte que observa, que expe e que explica (considerado o lado puro, cientfico) bem como a parte emprica, aplicada, normativa ou artstica (que aconselha, que prescreve, que dirige). S assim, o conhecimento pode ser libertador do ho-mem: desde relaes hierarquizadas, produtoras de todo o sofrimento, at as que levam fadiga, nsia, misria e fome.

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    Parece-nos que tal separao fica mais descabida ainda quando se trata do mundo humanstico; particularmente, daquele que voltado para o campo da produo, como o campo da administrao, o da economia, o do direito e o das finanas e atuariais. Entre eles, certamente os estudos no campo econ-mico j esto mais avanados, pelo menos desde a segunda metade do sculo XVIII, embora contornos mais definidos fossem notados no ltimo quartel do sculo XIX, com a introduo da matemtica nos estudos econmicos.2

    Adam Smith aceito por todas as leituras como o demarcador do novo campo do conhecimento, no mbito dos estudos sociais, fundador da econo-mia poltica. Entretanto, alguns autores, particularmente Len Walras (1988), dizem que a sua definio de economia poltica no est enquadrada no cam-po de uma cincia propriamente dita; pois mais aconselha, prescreve e dirige (normaliza) do que observa, expe e explica (positiva):

    considerada um ramo dos conhecimentos do legislador e do homem de Estado, prope-se a dois objetivos distintos: primeiro, o de propiciar ao povo um rendi-mento ou uma subsistncia abundante, ou, mais adequadamente, de coloc-lo em condio de adquirir por si prprio esse rendimento ou essa subsistncia abundante; o segundo objeto consiste em fornecer ao Estado ou comunidade um rendimento suficiente para o servio pblico: ela se prope enriquecer si-multaneamente o povo e o soberano.

    E segue Walras (1988) em sua anlise critica definio de Adam Smith:

    Dessa maneira, preciso afirm-lo: a economia poltica coisa diferente do que Smith diz. Antes de pensar em propiciar ao povo um rendimento abun-dante e antes de ocupar-se em fornecer ao Estado um rendimento suficiente, o economista busca e descobre verdades cientficas. Assim age quando enuncia, por exemplo, que o valor das coisas tende a aumentar quando a quantidade procurada aumenta ou quando a quantidade oferecida diminui e que esse valor tende a diminuir nos dois casos contrrios; que o imposto lanado sobre a ren-da fundiria fica inteiramente a cargo do proprietrio das terras, sem afetar os preos dos gneros. Em todos esses casos e em muitos outros o economista faz cincia pura. O prprio Adam Smith o fez. Seus discpulos, Malthus e Ricardo,

    2 importante compreender essa discusso de cincia na economia porque por meio dela que derivam as preocupaes com a administrao dos negcios e da gesto das relaes sociais de produo e distribuio.

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    o primeiro em Ensaio sobre o princpio de populao (1798), e o segundo, em Princpios da economia poltica e do imposto (1817), fizeram-na ainda mais. A definio de A. Smith , pois, incompleta, porque deixa de assinalar o objeto da economia poltica considerada uma cincia propriamente dita. Com efeito, dizer que a economia poltica tem como objeto propiciar ao povo um rendimen-to abundante e fornecer ao Estado um rendimento suficiente como dizer que a geometria tem como objeto construir casas slidas e que a astronomia tem como objeto navegar pelos mares com segurana. Em uma palavra, definir a cincia por meio de suas aplicaes.

    Em seguida, Walras (1988) vai fazer uma discusso com autores con-temporneos acerca da distino que imprescindvel fazer entre a cincia, a arte e a moral. E finaliza a sua anlise das bases terico-metodolgicas da economia poltica, no captulo III, a partir da compreenso do valor de troca, afirmando:

    O valor de troca , pois, uma grandeza, e pode-se ver desde agora que uma grandeza avalivel. E, se as matemticas em geral tm como objeto o estudo das grandezas desse gnero, certo que h um ramo das matemticas, at agora esquecido pelos matemticos e ainda no elaborado, que a teoria do valor de troca.

    No digo, e isso suficientemente sabido, que essa cincia seja toda a economia poltica. As foras, as velocidades so, elas tambm, grandezas avaliveis, e a teoria matemtica das foras e das velocidades no toda a mecnica. Entre-tanto, certo que essa mecnica pura deve preceder mecnica aplicada. Da mesma forma, h uma economia poltica pura que deve preceder economia poltica aplicada, e essa economia poltica pura uma cincia em tudo seme-lhante s cincias fsico-matemticas. Essa assero nova e parecer estranha; mas acabo de prov-la e a provarei ainda melhor em seguida.

    Se a economia poltica pura, ou a teoria do valor de troca e a da troca, isto , a teoria da riqueza social considerada em si prpria, , como a mecnica, como a hidrulica, uma cincia fsico-matemtica, ela no deve temer que se empre-guem o mtodo e a linguagem das matemticas.

    O mtodo matemtico no o mtodo experimental, o mtodo racional. As cincias naturais propriamente ditas limitam-se a descrever pura e simplesmen-te a natureza e no saem da experincia? Deixo aos naturalistas a preocupao de responder a essa pergunta. O certo que as cincias fsico-matemticas, bem como as cincias matemticas propriamente ditas saem da experincia desde que lhes tomaram seus tipos. Elas abstraem desses tipos reais, tipos ide-

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    ais, que definem; e, com base nessas definies, constroem a priori todos os andaimes de seus teoremas e de suas demonstraes. Depois disso, retornam experincia, no para confirmar, mas para aplicar suas concluses. Qualquer pessoa sabe, por pouco que tenha estudado geometria, que os raios de uma circunferncia apenas so iguais entre si, que a soma dos trs ngulos de um tringulo apenas igual soma de dois ngulos retos, em uma circunferncia e em um tringulo abstratos e ideais. A realidade s aproximadamente confirma essas definies e demonstraes; mas delas permite uma aplicao muito rica. Para seguir esse mtodo, a economia poltica pura deve tomar da experincia tipos de troca, de oferta, de demanda, de mercado, de capitais, de rendas, de servios produtivos, de produtos. Desses tipos reais deve abstrair, por definio, tipos ideais e raciocinar sobre estes ltimos, s retornando realidade depois da cincia feita e tendo em vista aplicaes. Teremos assim, em um mercado ideal, preos ideais que tero uma relao rigorosa com uma demanda e uma oferta ideais. E assim por diante. Essas verdades puras tero uma aplicao fre-quente? A rigor, seria um direito do sbio fazer a cincia pela cincia, como um direito do gemetra (e ele o utiliza todos os dias) estudar as mais estranhas propriedades da figura mais bizarra, se elas so curiosas. Mas ver-se- que essas verdades de economia poltica pura fornecero a soluo dos mais importantes problemas, dos mais debatidos e dos menos claros, de economia poltica apli-cada e de economia social.

    Quanto linguagem, por que obstinar-se em aplicar to penosa e to incorre-tamente, como muitas vezes o fez Ricardo, como o faz a todo instante John Stuart Mill, em seus princpios de economia poltica, servindo-se da linguagem usual, coisas que, na linguagem das matemticas, podem ser enunciadas em muito menos palavras e de maneira bem mais exata e bem mais clara?

    A despeito de se louvar o esforo intelectual de Walras (1988) em bus-car demonstrar o carter de cincia da economia, evidente que o estudo cientfico no pode ser desprovido de algum propsito, alguma finalidade; as-sim, qualquer campo do conhecimento possui dimenses cientficas (positiva, a verdade pura), aplicada (normatizao da aplicao dos novos conhecimen-tos) e moral (avaliao do que est sendo aplicado dos recursos, do bem-estar humanidade). Em resumo, o esforo intelectual s ganha sentido revelado pelo significado da existncia, se tiver abrangncia compreensiva, dimenso de totalidade esta noo encontrada na obra de Adam Smith e pouco percebida por Walras.

    Porm, h algo muito importante alm dessas concepes enunciadas que est evidente, mas no devidamente percebido em toda a obra dos prin-

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    cipais economistas polticos, notadamente aqueles que integram a escola cls-sica: o que se atribui como no cientfico da economia, na verdade pertence a um novo campo do conhecimento, a administrao poltica.

    E a definio em epgrafe de economia poltica de Adam Smith, e que Lon Walras diz no estar no campo puro da economia poltica, d conta dos meios para a proviso de uma materialidade para a sociedade. Como perce-bemos, criar os meios administrar as possibilidades de proviso, fazer a melhor gesto das possibilidades de produo, realizao e distribuio para elevar a materialidade social.

    Apesar de no se complementarem na produo de um conhecimen-to voltado para o entendimento do processo de trabalho que se estabelece na relao transformadora entre homem e natureza, as preocupaes com melhor organizao, racionalidade e produtividade do trabalho decorrem do redirecionamento do trabalho acadmico dos economistas polticos para os estudos microeconmicos. Com isso, parte dos estudos da economia poltica deve ser referida administrao poltica. Dado que compreendemos a ad-ministrao poltica como a gesto das relaes de produo e distribuio. Hoje, a definio de Adam Smith seria a base aplicada, normativa, provisional desse campo cientfico. Por sua vez, os estudos administrativos nunca ambicio-naram ou se deram conta dessa dimenso poltica. A sua origem e todo o seu desenvolvimento estiveram sempre vinculados a preocupaes relacionadas organizao, racionalidade e produtividade do trabalho, criando tcnicas, cada vez mais refinadas, para aumentar o seu rendimento.

    Em verdade, visitando a histria da anlise administrativa, v-se, clara-mente, que a administrao nunca desenvolveu um esforo intelectual para criar bases epistemolgicas que pudessem coloc-la como campo cientfico. A administrao, nos ltimos 140 anos, se contentou em ser auxiliar e subordi-nada do que se pensava ser a economia. Por essa regra, a administrao tem sido, at aqui, um campo meramente profissional e no especulativo. Nesse sentido, o ponto de partida da histria da anlise administrativa tem que ser o instante em que os estudos da economia poltica esto direcionados para uma base mais experimental, mais microeconmica. De acordo com Santos (2004):

    os estudos e prticas da administrao profissional nascem com o advento da Escola Neoclssica da economia, que surge com a crise do capitalismo do ltimo quartel do sculo XIX e incio do sculo XX, atravs do pensamento e obra de autores como William Petty, Len Walras, Alfred Marshall, Arthur Cecil Pigou, entre outros, que construram os fundamentos da microeconomia. Com as mu-

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    danas na organizao do capitalismo, ocorrida ao longo do sculo XIX, com o aparecimento de mercados imperfeitos, mediante estruturas oligoplicas e monoplicas, a tradio clssica, mais voltada para o estudo da economia pol-tica do desenvolvimento, praticamente, d lugar ao estudo do comportamento das unidades de produo e consumo, representadas pelos indivduos, famlias e empresas. Este o momento em que a lgica do valor trabalho orientada-mente substituda pela lgica do valor utilidade, fundada na racionalidade da alocao dos fatores econmicos e na soberania do consumidor. Ento, surge a economia pura baseada no mtodo dedutivo e do positivismo cientfico, aban-donando-se, assim, toda e qualquer subjetividade na anlise dos aspectos eco-nmicos, ou seja, de qualquer juzo de valor ou conotao tica.

    nesse ambiente intelectual que surgem os primeiros estudos da ad-ministrao como campo auxiliar do novo ramo da cincia econmica, que parece fundamentar-se conceitualmente com Max Weber (a partir da sua com-preenso de tipos ideais e, fundamentalmente, da ordem administrativa e da ordem reguladora, do conceito de gesto econmica, orientao econmica da ao e, principalmente, aquilo que chamou de medidas tpicas da gesto econmica racional) e se instrumentaliza de forma definitiva com Frederick Winslow Taylor, quando escreve a sua imortal obra Princpios da administra-o cientfica (1911). Desse momento em diante, ainda que a anlise admi-nistrativa incorporasse ao seu repertrio conceitos de cultura, valor e tica, a administrao nunca perdeu de vista a sua racionalidade instrumental no mbito das organizaes. Particularmente as voltadas para o mercado capi-talista desenvolveram tcnicas cada vez mais elaboradas para a alienao e o aprisionamento do trabalhador aos requisitos do aumento da produtividade e fidelidade organizao, ao seu patro, em ltima instncia.

    Esse o atual status da administrao. Daqui em diante, resta saber se possvel a administrao do processo de produo da riqueza social ser enunciada como um campo do conhecimento cientfico. Para tanto, necess-ria a identificao dos elementos caracterizadores, a exemplo do objeto e do mtodo.

    III

    Como a pretenso da administrao, mais precisamente da administrao pol-tica, ser um campo de conhecimento (produzido historicamente), dotado de finalidade e objetividade que permitem a sua transmisso, e que est estrutu-

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    rado atravs de mtodo, teorias e linguagens prprias, que visa compreender e orientar as atividades humanas; ento preciso, antes de tudo, conhecerem-se as bases terico-metodolgicas e seu plano de trabalho.

    Esse o desafio intelectual a ser enfrentado nesta seo, com o propsi-to de construir um caminho de aproximao de sua episteme.

    Antes de iniciarmos a tarefa principal, preciso dizer que, do ponto de vista do enquadramento cientfico, a administrao um campo do conheci-mento sem uma identidade prpria, seja porque os estudiosos tm dado pouca importncia ao trabalho de investigao de base epistemolgica; seja porque, quando alguma importncia dada a estudos dessa natureza, de forma equi-vocada, principalmente, no que diz respeito ao seu objeto. Ao longo de um sculo de estudos administrativos, o pouco que se falava em teoria da adminis-trao vem sendo abandonado, pouco a pouco (at mesmo com a titulao de disciplinas nos currculos de administrao), e substitudo por denominaes do tipo teoria das organizaes, cincia das organizaes etc. Com isso, induz-se, de forma indireta, que o objeto da administrao, no que tange ao campo do conhecimento, a organizao.

    Por conta dessa impropriedade metodolgica, hoje, a grande dificul-dade do estudante da disciplina estar diante do objeto prprio dela. Assim, trabalhar um campo disciplinar sem ter clareza do objeto restringe o prop-sito, anuvia a objetividade da investigao, o que faz com que esse saber seja destitudo de finalidades e de mercado, por incertezas em relao s suas concluses.

    Para eliminar, ou, ao menos, corrigir essa impreciso, o ponto de parti-da fazer a definio dos termos relevantes, antes de questionar e dar melhor compreenso aos elementos (objeto, mtodo, pressuposto/hiptese etc.) e re-velar um plano de trabalho mnimo para o nosso futuro.

    Assim, a pergunta primeira : o que administrao? Etimologicamen-te, o que significa o termo administrao? Segundo Aurlio, o vocbulo admi-nistrao tem origem no latim administratione e significa governo, regncia, que se manifesta mediante um conjunto de princpios, normas e funes que tm por fim ordenar a estrutura e funcionamento de uma organizao (rgo pblico, empresa etc.). Pode-se incluir, tambm, nessa compreenso de orga-nizao, as amplas relaes sociais de produo e distribuio.

    Para uma melhor compreenso do significado da palavra administrao necessrio separar os seus termos: o prefixo ad quer dizer para (prximo de, aproximar, abeirar, achegar) enquanto o ncleo (verbo) ministrar quer dizer conduzir, dar, fornecer. Ento, dando unidade de significado aos termos separados podemos chegar a uma definio da expresso administrao mais

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    prxima dos propsitos deste artigo administrao quer dizer transformar, conduzir para..., direo de...

    Logo, a expresso administrao ou a disciplina administrao (estamos querendo compreend-la como um campo de conhecimento prprio) deve ter uma compreenso mais estendida, a partir de duas dimenses de anlises: a) dimenso abstrata; e b) a dimenso aplicada. Cada uma delas tem duas subdimenses. Uma entender o significado do gestor, da gesto que sero atos ou efeitos de conceber, de gerar, de desenvolver-se enfim, trata-se da gesto das relaes sociais de produo, realizao e distribuio em qualquer contexto e momento histrico do processo civilizatrio da humani-dade: base poltica da dimenso abstrata da administrao. Outra o entendi-mento do que seja gerenciar, gerncia trata-se do lugar onde se exerce ou executa as funes (os processos, a engenharia, enfim) das relaes sociais de produo e distribuio, tambm, em qualquer contexto e momento histrico do processo civilizatrio. Com isso, impe-se de forma clara uma distino en-tre gesto (concepo) e gerncia (execuo): base profissional da dimenso abstrata da administrao.

    A dimenso aplicada compreende os atos de conceber, de gestar e de desenvolver as relaes sociais de produo, realizao e distribuio concre-tas em diferentes contextos e momentos histricos do processo civilizatrio a administrao poltica do povo inca, do feudalismo, do capitalismo (na fase concorrencial, durante a crise dos anos 1930 etc.) e de outras formaes sociais; podemos at falar de uma administrao poltica da natureza em seu estado organizado, sem a transformao patrocinada pelo homem.

    Numa dimenso aplicada micro, temos a administrao profissional (gerncia), que significa a maneira de fazer, o processo de fazer a enge-nharia de produo em todos os sentidos.

    As definies e relaes explicitadas acima podem ser expressas no diagra-ma da estrutura etimolgica e conceitual da administrao poltica (a seguir).

    Essas definies nos ajudam a analisar as possibilidades para concei-tuar, compreender e demarcar a administrao como um campo autnomo do conhecimento. E comeamos esse trabalho por aquilo que central para a caracterizao ou no de um campo do conhecimento: o objeto.

    Essa discusso epistemolgica no campo da administrao quase ine-xistente e to pobre que, quando se pergunta a um especialista qual o objeto da administrao, quando no fica surpreso com o questionamento, respon-de que a organizao, no havendo outra hiptese. O administrador toma como verdadeiro objeto da administrao a organizao, porque nela que o profissional desse campo, de posse dos instrumentos apropriados de outros

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    campos do conhecimento, tem a incumbncia de estud-la e geri-la de acordo com seus propsitos.

    Diagrama da estrutura etimolgica e conceitual da administrao poltica

    Administrar (conduzir para transformar)

    a) Dimenso etimolgica

    Prefixo: ad para (abeirar, aproximar).Ncleo: Ministrar (verbo) conduzir, dar, fornece.

    b) Dimenso conceitual (terica/abstrata)

    Gestar ato ou efeito de servir, de conceber, de desenvolver-se (administrao poltica).Gerenciar exercer as funes (processar, fazer a engenharia dos processos) (administrao profissional).

    c) Dimenso analtica (aplicada)

    Gesto formas de conduo das relaes sociais de produo e distribuio (administrao poltica).Gerncia lugar de exercer as funes, a maneira de fazer, o processo do fazer, a engenharia da produo em todos os sentidos (administrao profissional).

    exatamente nesse ponto que existe a impropriedade metodolgica da qual j falamos visto que, em primeiro lugar, as organizaes/institui-es, como expresses das relaes sociais, constituem objetos de estudos de diferentes campos do conhecimento. Em segundo lugar, como a nossa discusso presente fundamentalmente epistemolgica, porque se trata da tentativa de apreenso do objeto e do mtodo de um dado campo do conhecimento te-mos de fazer a diferenciao importante da noo (compreenso) do objeto e do campo especfico do conhecimento (e dele se pode dizer que inalienvel) daquela noo de objeto de um estudo ou de uma pesquisa especfica.

    Falar de organizaes/instituies uma aproximao apenas necess-ria para a definio do objeto da administrao, ainda assim insuficiente, por-que restrita. Embora as organizaes/instituies sejam o gnero que contm elementos essenciais do objeto da disciplina administrao, elas so espaos

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    particulares, onde apenas habita o objeto. A essncia perpassa o espectro das relaes sociais internas das organizaes e se estabelece nos limites das rela-es sociais mais amplas; portanto, no mbito da sociedade.

    Essa diferenciao fundamental, pois nos permite entender por que as organizaes no so o objeto da cincia da administrao. O estresse no trabalho, por exemplo, um problema no mbito das organizaes, o seu equacionamento no se faz pela administrao, mas sim pelas cincias mdi-cas ou psicolgicas. Quando falamos de relaes sociais nas organizaes, a administrao no o campo do conhecimento mais apropriado para o enten-dimento e explicao desse fenmeno, mas sim a sociologia. E assim acontece com as relaes e estruturas de poder, campo prprio da cincia poltica, e no da administrao. Aspectos relacionados a costumes, hbitos, enfim, cultura, ficam mais adequadamente compreendidos pela antropologia, e no pela ad-ministrao. Quando falamos de aspectos tcnicos da produo, a engenharia de produo que deve se preocupar com a sua anlise.

    E o que cabe, ento, administrao? Pura e simplesmente, a gesto. Assim, cabe administrao estruturar formas de gesto que viabilizem os objetivos da organizao. Por essa razo, a gesto apenas um dos conte-dos que do forma institucional e essncia s organizaes. Ento, podemos concluir que a gesto e no a organizao que caracteriza o objeto e que d autonomia administrao enquanto um campo prprio do conhecimento.3

    Com isso entendido, podemos dizer que as organizaes podem ser ob-jetos de pesquisa em administrao, mas nunca so objetos que trazem status de cincia administrao. Queremos dizer que uma coisa um objeto de pesquisa e outra, bem diferente, um objeto da cincia, ou seja, de um cam-po disciplinar do conhecimento. Assim, as organizaes s podem ser objeto de pesquisa, mesmo assim no o so particularmente da administrao, mas tambm da antropologia, da sociologia, da economia, da medicina etc. Alm disso, bom que fique claro que a gesto no est circunscrita ao mbito das organizaes, mas presente na prpria natureza, no obstante as leis fsicas e biolgicas que permitem a compreenso da sua essncia e movimento; existe nela uma lgica de organicidade que, se mudada, interrompe o seu movimen-to, melhor dizendo, o seu ciclo de vida ou seu ciclo de perenidade, enfim, seu ciclo de existncia.

    3 Com a nossa anlise lgica, podemos dizer que os procedimentos da gesto at aqui praticados esto totalmente inadequados, a comear pelo staff que assessora o gestor. Se o que fazemos tem como finalidade o bem-estar, ele est sendo conseguido a um custo bastante elevado. Este o ponto fundamental a ser considerado.

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    Como as relaes sociais devem convergir em direo finalidade, que a sublimao do corpo/alma e da mente/esprito, e isso perseguido por meio da orientao e da cooperao de diferentes campos da cincia; logo, pode-mos encontrar nesse espao o objeto que prprio da disciplina administrao e, assim, apreender a essncia do seu papel cooperativo para o alcance do conhecimento e do desenvolvimento do processo cultural e civilizatrio, que o bem-estar pleno da humanidade, libertando-a de ver, na materialidade, o sentido da existncia.

    Assim, parece no haver mais espao para a continuao dessa discus-so. E como a administrao poltica responsvel pela gesto das relaes sociais de produo e distribuio em sua totalidade, e considerando que a organizao um elemento particular das referidas relaes e concebida por uma modalidade de administrao a gesto (poltica) , no possvel ser a organizao objeto do campo do conhecimento denominado administrao poltica.

    Por ser a gesto o objeto da administrao, tem como propsito orga-nizar as relaes sociais de produo e distribuio para um melhor bem-estar da humanidade. Resta-nos saber, agora, qual o mtodo ou quais os mtodos que melhor servem quele propsito. Ao tomar o mtodo como o caminho pelo qual se atinge um determinado objetivo, ou melhor, compreendido como um programa regulador de um conjunto de operaes realizveis, mostrando os erros evitveis, em vista de um resultado determinado, pensamos a clareza do mtodo que possa melhor servir aos interesses do processo civilizatrio da humanidade. Esse mtodo deriva de dois pressupostos, que so antecedentes necessrios para a sua distino e compreenso.

    O primeiro pressuposto que se compreendermos que o processo civi-lizatrio do homem no sentido de libert-lo o mais cedo possvel da obri-gatoriedade de conquistar a materialidade, a finalidade do trabalho humano (este se processa na relao transformadora do homem com a natureza), que administra a construo das relaes sociais de produo e de distribuio, deve estar sempre associada libertao do homem como indivduo e ao seu bem-estar.

    O segundo pressuposto deriva do primeiro: se a finalidade do trabalho propiciar a liberdade com o maior grau de bem-estar possvel, temos que produzir uma filosofia da cincia orientada pela noo de totalidade, no po-dendo mais ter o desenvolvimento do conhecimento (desenvolvimento das foras produtivas) orientado pela separao do que um conhecimento puro (cientfico) do que considerado um conhecimento aplicado (normativo e prescritivo). Assim, admitindo que esse tenha sido o propsito da humanida-

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    de (com suas diferentes formas histricas de organizao social do trabalho), constata-se que estamos longe do alcance desse propsito e isso decorre de uma trajetria metodolgica inadequada.

    Quando idealizada (fundamentalmente com a filosofia aristotlica) e finalizada (durante a renascena e o iluminismo), a compreenso da socie-dade na transio do feudalismo para o capitalismo (este ainda pouco vis-vel) era de que se vivia nas trevas, numa situao de estado de natureza. Assim, o estado avanado do desenvolvimento do conhecimento cientfico e das artes reclamava, ento, relaes sociais mais civilizadas. Para tanto, era fundamental o estabelecimento de um contrato entre o Estado e os indiv-duos (sociedade).

    Ficando o Estado como mediador dos interesses coletivos, com o con-trato social, os indivduos saam de uma situao de instabilidade (portanto, situao de estado de natureza, de barbrie em que o homem lutava contra o prprio homem, em uma guerra permanente) para um estgio de estabili-dade. Construdas essas condies de harmonia social, negcios poderiam prosperar e mais rapidamente (com as repercusses do rpido desenvolvimen-to da cincia e da tecnologia) proporcionar o bem-estar desejado. Essa noo metodolgica reforada e levada s ltimas consequncias, nos ltimos 40 anos, quando reencarnado, de forma canhestra, o iderio do capitalismo liberal, construdo nos sculos XVIII e XIX.

    A forma/estrutura final desse procedimento metodolgico do capita-lismo para superar a materialidade e alcanar o estado de bem-estar, seria: superao da instabilidade; estabelecimento de medidas de interesse coletivo (contrato social, arbitrado pelo Estado). Havendo estabilidade nas regras es-tabelecidas, estariam criadas as condies para a expanso da riqueza social (medida pelos indicadores de investimento, emprego e renda). Alcanando-se sustentabilidade (numa linguagem dos dias atuais) nessa trajetria de expan-so, pode-se combinar com uma poltica de desenvolvimento social (distri-buindo-se melhor os resultados do esforo do trabalho coletivo). Havendo sustentabilidade nessa combinao da poltica de expanso de riqueza com distribuio, pode-se chegar a uma situao de bem-estar social e mant-la. Estgio em que a humanidade estar se dedicando contemplao das artes da vida, entre elas o amor.

    Embora esse mtodo no seja imanente ao capitalismo, mas para ele muito conveniente e, por isso, aperfeioou-o. Nos tempos de hoje, o seu gran-de problema que o objetivo da proposta, a finalidade que justifica o sentido da existncia o bem-estar , tratado como uma derivada, um resduo.

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    rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    Por ser esse mtodo consagrado h mais de dois sculos, a nossa pro-posta metodolgica para a administrao poltica, aqui, no sentido de que os termos da equao sejam invertidos, e que seu ponto de partida passe a ser a parte final da proposta que atualmente vigora, da forma que segue: para qualquer nvel de renda (PQNR), devemos adotar uma poltica de dis-tribuio/bem-estar. Depois desse procedimento, verificado que se a renda social, depois de distribuda de acordo com critrios socialmente aceitos, no for suficiente para superar a materialidade e garantir certo nvel de bem-estar, necessrio se implantar uma poltica econmica de crescimento de modo a expandir a riqueza social para nveis humanitariamente requeridos.

    Parece-nos bvio que essa proposta metodolgica seja compreensvel a todos, particularmente aqueles que so detentores de riquezas e tm uma per-feita noo da forma que elas chegaram s suas mos (notadamente aqueles que as herdaram) e, sobretudo, que tm uma preocupao visceral em v-las distribudas de modo justo, que proporcione a superao da materialidade e a contemplao das artes.

    Compreendidos os objetos e mtodo, quais os princpios ou leis gerais devero ser conhecidos e enunciados previamente, de modo que os desgnios da humanidade possam ser alcanados com menor custo social ou menor in-tervalo de tempo possvel?

    Pensamos que o primeiro princpio ou lei geral possa ser assim enuncia-do: s construir algo novo, depois de desfrutar plenamente do que j existe.

    A histria da humanidade marcada pelo desperdcio e destruio da-quilo que fora edificado pelo esforo do trabalho coletivo ficando mais marcante ainda no contexto do capitalismo. Este desperdcio ou destruio do esforo do trabalho coletivo/social est perpetrado tanto no processo de produo (construo da riqueza), quando se desenvolve a noo de que os avanos na expanso do produto se fazem mediante um processo de destrui-o/criativa, dada pelas ondas de inovaes veja os trabalhos de John Stuart Hill (Princpios de economia poltica) e Joseph A. Schumpeter (O ciclo do desenvolvimento econmico) , quanto pelo processo mais absoluto e pri-mitivo que a guerra.

    Como adquirimos a conscincia de que a existncia no tem como fi-nalidade o trabalho interminvel para acumular, individualmente, o mximo de riqueza possvel numa luta permanente do homem contra si mesmo ento, deve-se preservar ao mximo o princpio de que s se deve construir o novo depois de desfrutar previamente do que j existe. Com isso o custo do trabalho social estar sendo reduzido, aproximando, mais rapidamente, o homem da situao de bem-estar.

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    934 reGinaLdo SoUza SanToS eLizabeTh MaToS ribeiro ThiaGo ChaGaS SiLva SanToS

    Esse um princpio vlido tanto para o trabalho sob a organizao do Estado, quanto para aquela frao que est sob a orientao do capital privado. Quanto de desperdcio eliminar-se-ia, ou quanto mais de riqueza teramos, se fosse eliminada a competio destrutiva e burra entre os capitais privados? A nica possibilidade de expanso do negcio tem que ser, inevitavelmente, um capital destruindo o outro? Se algum responder que, numa economia de mercado, de decises descentralizadas, esse um posicionamento inevitvel, podemos concluir que o capitalismo no a melhor forma de organizao so-cial compatvel com os desgnios da existncia da humanidade.4

    De igual modo, melhor dizendo, o princpio aplica-se mais adequada-mente a favor da situao de produo que est subordinada ao Estado. No temos a dimenso do quantitativo, uma vez que o trabalho de medio ain-da no foi desenvolvido, mas seria extraordinria a diminuio dos custos e tambm o aumento de bem-estar social. Por exemplo, antes de se construir novas delegacias e quartis e contratar novos efetivos da segurana, o Estado poderia pr em uso pleno (com todas as condies de trabalho) as delegacias e quartis existentes e faria com que o atual efetivo de segurana cumprisse, de acordo com o contrato de trabalho, o expediente. Ou ao invs de construir novas escolas, faria funcionar adequadamente as escolas existentes, inclusive os professores cumprindo o expediente escolar, conforme o contrato de traba-lho; ou, ainda, se antes de construir novos hospitais e postos de sade, faria funcionar de acordo com critrios humanitrios os que j existem, conforme o prescrito nas convenes da Organizao Mundial de Sade (OMS), e os m-dicos, enfermeiros e os demais profissionais de sade exerceriam o expediente pautado no contrato de trabalho e no juramento de conduta profissional que fizeram por ocasio da formatura. Essa compreenso pode ser estendida e validada a todos os demais setores de atuao estatal.

    Pressupondo que os recursos so escassos e que o desgnio maior da humanidade no acumular riqueza material principalmente individual-mente , uma concluso lgica que riqueza adicional s deva ser adquirida quando, e somente quando, a riqueza existente estiver em pleno usufruto da humanidade.

    O segundo princpio ou lei geral, para melhorar os resultados, pode ser: para legitimar (integrar) o Projeto da Nao ou outro de qualquer organizao/

    4 A parte mais expressiva da produo estatal de bens e servios ocorre porque o capital no tem interesse, por conta da baixa rentabilidade ou por incompetncia tcnica ou moral. Tal consta-tao s refora a concluso de que o capitalismo no a melhor forma de organizao social compatvel com os desgnios da existncia da humanidade.

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    rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    instituio torna-se necessrio relativizar a hierarquia dos processos de constru-lo ou edific-lo.

    Esse enunciado revela que, quanto mais hierarquizada for a deciso so-bre o que fazer ou como fazer, mais elevados sero os custos de sua implemen-tao, ou seja, mais os resultados vo ficando distante do alcance desejado (o que d no mesmo). As decises muito hierarquizadas significam que cada vez menos pessoas participam delas ou tm conhecimento do seu contedo ou significado, gerando constrangimento e falta de motivao por parte daque-les que sero responsveis pela implantao. importante dizer que quanto mais restrita for a deciso (isto , quanto mais hierarquizado for o processo decisrio) mais prximos estamos de uma deciso equivocada, portanto, mais distante dos interesses da sociedade (quando um projeto de governo) ou dos acionistas (quando se refere a um projeto privado).5

    Nesse caso, a administrao poltica envolve tanto o processo decisrio do que fazer, quanto o relativo ao como fazer, que significa viabilizar os meios necessrios para construir o projeto da nao ou da organizao e im-plant-lo. A reside a gesto das relaes, essncia da administrao poltica.

    O terceiro princpio ou lei geral diz respeito ao processo de governana do projeto (o que comumente se chama de continuidade administrativa) e suas temporalidades, com o seguinte enunciado: em vista do resultado determinado, a forma de gesto mais adequada de qualquer projeto (do indivduo, da organi-zao ou da nao) est condicionada compreenso da sua temporalidade.

    A administrao estuda com to pouca relevncia uma inteno ou pro-psito que, quase sempre, as causas e consequncias do sucesso ou fracasso so atribudas, de maneira simplificada, a uma concorrncia desleal ou a uma ge-nialidade do administrador-chefe (que, normalmente, no algum com forma-o em administrao, e sim em economia e engenharia), ou, ainda, s causas e consequncias metafsicas: a uma infelicidade ou felicidade divina. Nesse caso, a verdade dos fatos fica para a evidenciao espontnea, ou no, da histria.

    Isso fica bastante evidente na confuso que se faz entre duas categorias analticas distintas: temporalidade e continuidade administrativa. A discusso

    5 O episdio recente de transposio das guas do rio So Francisco bastante ilustrativo. Um nmero diminuto de burocratas do governo federal, associados aos interesses de empreiteiras que esto executando as obras de engenharia civil, decidiu que esta a melhor maneira de equacionar o problema de falta dgua no semirido nordestino. A maioria dos pesquisadores e especialistas sobre a questo diz exatamente o contrrio. Outro exemplo contundente decorre das decises ocultas de empresas financeiras e no financeiras que as levaram runa, produzindo uma crise generalizada, cuja face mais visvel o desemprego de milhes de trabalhadores em todo o mundo.

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    936 reGinaLdo SoUza SanToS eLizabeTh MaToS ribeiro ThiaGo ChaGaS SiLva SanToS

    que se faz, no campo da administrao, que o cumprimento da finalidade encontra obstculos intransponveis em razo da descontinuidade (adminis-trativa) no processo de implantao do projeto da nao. Aqui se associa a continuidade a um mesmo governo, cuja mudana (fora de um dado foco tcnico-poltico-ideolgico) implica descontinuidade. Ora, essa maneira de pensar inadequada dentro de uma sociedade democrtica e plural, que pres-supe alternncia de partidos polticos ou outras formas de organizao social do poder. Nesses termos, para que exista continuidade, preciso pressupor um Estado ditatorial, no qual haja efetiva hegemonia de um nico partido que garanta a continuidade de um nico governo. Porm, essa no a tese defendida pelas democracias formais e hegemnicas. Assim, por no ter cam-po prprio de investigao claramente identificado, a anlise administrativa no d importncia a esse fato ou, simplesmente, no percebe que essa forma de pensar a continuidade administrativa no atende aos requisitos bsicos da administrao poltica no cumprimento da finalidade social.

    Seria necessrio, ento, compreender a continuidade administrativa a partir da noo de temporalidade que, para o nosso propsito, tem duas di-menses. A primeira, dimenso da temporalidade, a que aqui denominamos administrativa, burocrtica, normativa e que est associada ao mandato do indivduo ou partido, eleito pelas regras em vigor, para governar/gerenciar uma empresa, um sindicato, um partido poltico, uma cidade, uma nao. Findo o mandato, o indivduo ou partido obrigado a deixar o comando da instituio, at ento sob sua responsabilidade de dirigir, e ser sucedido por outro indivduo ou partido com as mesmas fundamentaes tcnicas, polticas e ideolgicas ou no.

    outra dimenso da temporalidade, denominamos terica, no est as-sociada ao tempo regulamentar do mandato, mas sim ao tempo tcnico neces-srio para o cumprimento da finalidade, que se expressa no bem-estar pleno da humanidade. Isto que fundamental e, nesse sentido, a temporalidade administrativa, burocrtica, normativa deve subordinar-se temporalidade terica. A alternncia no poder de indivduos, de partidos ou de ideologias no deve perder de vista essa noo de temporalidade e, muito menos, que a dimenso administrativa da temporalidade deva estar sempre subordinada dimenso terica.

    Sem embargo, tomando a administrao como edificadora das formas de gesto que se empreendem para levar a cabo a produo social (responsa-bilizada no indivduo, na organizao e no Estado), visando ao cumprimento das finalidades da sociedade, o que temos a fazer, fundamentalmente, de-

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    rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    senvolver esse esforo intelectual para impor rigor cientfico compreenso do processo de gesto das relaes de produo e distribuio, mediante o aprofundamento das bases de definies conceituais.

    IV

    Como modo de produo hegemnico, nas formaes sociais europeias, o ca-pitalismo surge com a Revoluo Industrial, marcada por transformaes de ordens cientfico-tecnolgicas, econmicas e sociais e vai se estruturar, sus-tentar e expandir pela formao de grandes sistemas fabris e por regras con-tratuais e sistema de sano definidos preliminarmente pela nova sociedade, atravs do Estado. Assim, o capitalismo nascia advogando a necessidade de se romper com o absolutismo do monarca e de se estabelecer um poder poltico que no mais fosse concorrente com os empresrios; um poder poltico com decises descentralizadas (mercado). Um poder poltico que no mais organi-zasse expedies de conquistas e explorao alm-mar, mas apenas protegesse o capitalista, para que ele mesmo os organizasse e explorasse que substi-tusse a expanso dos mercados por meio das armas pela diplomacia. Enfim, um poder poltico que garantisse o direito de ir e vir, o direito de possuir e explorar a propriedade privada e garantir o direito herana.

    Nascia, assim, o laissez-faire, que passava a guiar a prtica dos utilita-ristas e o discurso de intelectuais como o Geremy Bentham, em seu livro A manual of political economy. De acordo com Keynes:

    A regra geral que nada deve ser feito ou tentado pelo governo; o lema ou divisa do governo deveria ser: ficar quieto (...). A exigncia feita pela agricul-tura, indstria e comrcio aos governos to modesta e razovel quanto a que Digenes fez a Alexandre: sai da minha frente.

    Estavam, assim, criadas as condies para que a doutrina que, em bases divinas, naturais ou cientficas, estabelecia que a ao do Estado deveria ser rigorosa-mente limitada, e que, na medida do possvel, a vida econmica deveria ser dei-xada, sem regulamentos, aptido e ao bom senso de cidados individualistas, impelidos pela admirvel motivao de subir na vida.

    Alm de estabelecida essa ideologia do Estado mnimo, eram criadas novas bases cientficas, a partir do conhecimento que se formava na renas-cena, no iluminismo e, sobretudo, ao longo do sculo XIX, com o surgimento de campos do conhecimento especializados e profissionalizados a exemplo da consagrao do direito e das cincias atuariais, a microeconomia determi-

  • rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    938 reGinaLdo SoUza SanToS eLizabeTh MaToS ribeiro ThiaGo ChaGaS SiLva SanToS

    nando, matematicamente, o ponto timo do mximo rendimento dos fatores de produo, das engenharias com o surgimento das escolas/institutos poli-tcnicos etc. Houve transformaes revolucionrias nas bases gestoriais, tanto no plano macro, medida que os macrofundamentos da gesto das relaes sociais se transferiam do Estado para o mbito do mercado, de acordo com os interesses soberanos dos capitais individuais, quanto no plano micro, me-dida que as corporaes passavam a ser orientadas, cada vez mais, por uma racionalidade que ampliava os ndices de produtividade e de retornos finan-ceiros dos negcios capitalistas.

    Configura-se que as relaes de produo e distribuio fossem marca-das/orientadas por tratamento racional, sistemtico e especializado de acordo com fundamentos cientficos e executados por especialistas treinados. Essas eram as bases do processo de trabalho do Estado moderno e da moderna eco-nomia ocidental. Foi um instante de to expressivo significado transformador que a ele assim Max Weber (1983) se referiu:

    pas e tempo algum experimentaram jamais, no mesmo sentido que o moder-no Ocidente, a absoluta e completa dependncia de toda a sua existncia, das condies polticas, tcnicas e econmicas de sua vida, de uma organizao de funcionrios especialmente treinados, funcionrios tcnica, comercial e, acima de tudo, juridicamente treinados, detentores das mais importantes funes co-tidianas na vida social.

    Com a crise da economia capitalista, que toma todo o ltimo quartel do sculo XIX, o grau de racionalidade no gerenciamento dos negcios se aprofunda. Embora os princpios bsicos fossem preservados a exemplo da Lei dos Mercados de Say e da Lei das Vantagens Comparativas e da Diviso Internacional do Trabalho de Ricardo , os estudos econmicos passaram a ser construdos, a partir da empresa individual, com base no clculo econmi-co racional e na economia de bem-estar; buscava-se o funcionamento timo do sistema econmico. A questo central era: se h uma crise, por que ela no atinge, negativamente, todos os agentes ou setores?

    Sem dvida, os estudos voltados para o entendimento do desenvolvimen-to continuam sendo feitos a essncia da economia poltica. Porm, a preocu-pao central estava direcionada para compreender a competio em condies de mercados imperfeitos, a estrutura e a dinmica desses mercados, como se formavam as expectativas e as decises de investir, o comportamento do consu-midor (eleitor) etc. Tudo isso visava entender os microfundamentos do sistema, com o objetivo de propiciar-lhe as condies de rendimento mximo.

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    rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    Esse conhecimento prvio era necessrio, mas no suficiente. Era preci-so conhecer e desenvolver contedos gerenciais no processo de produo, de modo que o trabalho pudesse obter o mximo rendimento (mxima produtivi-dade) possvel. Assim, estudar os tempos e os movimentos no processo de tra-balho passou a ser a tarefa especializada de um novo campo do conhecimento. Nasce, ento, a administrao profissional.

    nesse contexto histrico do desenvolvimento das foras produtivas e do capitalismo que surge a administrao como um conhecimento cientifica-mente produzido. Porm, com um carter fundamentalmente aplicado, por-tanto, bastante profissional. E os trabalhos seminais originrios decorreram, como se sabe, do esforo intelectual de Max Weber e de Frederick Winslow Taylor.

    V

    Essas condies histricas em que surge a administrao vo lhe impor um carter e uma trajetria bem peculiares. Pelo fato da economia ser um campo de estudos tericos e analticos, h mais de um sculo, cujos estudos micro-econmicos decorrem de preocupaes em medir e ampliar a eficincia e os resultados dos negcios capitalistas individualizados. A gerncia, nessas con-dies, nasceu, incondicionalmente, sob as prescries das leis emanadas dos estudos econmicos. Ademais, os primeiros estudos sistematizados que vo dar cientificidade a esse campo ocorreram em setores e em organizaes que exigiam ferrenho rigor do trabalho no processo de produo: o Exrcito (com os estudos de Max Weber, na qualidade de oficial do exrcito alemo) e Fre-derick Winslow Taylor (na qualidade de engenheiro de produo, em fbricas americanas).

    Desse instante em diante, a administrao no mais conseguiu ver-se atuando fora dos limites da produo sob a orientao da microeconomia. Da ser, at hoje, um campo subordinado e com abordagens fundamentalmente prescritivas e funcionais aos interesses do acmulo de lucros e da expanso dos negcios capitalistas. Todos os estudos administrativos, realizados nos ltimos 100 anos, perseguem esse desgnio. Os estudos de natureza relacio-nal e comportamental e os mais recentes de carter contingencial tm flagrante e declarado propsito de aprofundar a subordinao do trabalho ao capital para a extrao mxima da mais-valia relativa e absoluta. No por acaso, so os estudos que surgem em situao de crise aguda do sistema eco-

  • rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    940 reGinaLdo SoUza SanToS eLizabeTh MaToS ribeiro ThiaGo ChaGaS SiLva SanToS

    nmico capitalista anos 1920 e 1930 e a partir de 1970.6 Nessa perspectiva, medida que se buscava maior racionalidade no processo de trabalho, mais estendida, a ficando a diviso do trabalho e a hierarquizao das tarefas, e mais profunda a subordinao do trabalho ao capital. Esse tem sido o papel secular da administrao, da velha e da nova gerncia.

    assim que a administrao nasce profissionalizada e subordinada. Pela anlise da histria administrativa fcil concluir que a administrao pouco se pensou responsvel pelo observar, explicar, aconselhar, prescrever e dirigir as formas de gesto das relaes sociais de produo, realizao e distribuio do conjunto da sociedade. Parece no perceber a dimenso poltica do seu carter. Assim, por incompetncia daqueles que se dizem responsveis pelos estudos da administrao, a tarefa especulativa no campo da administrao poltica ficou reservada aos economistas que esto fora do mainstream, mais por deficincia intelectual e profissional em conseguir espao no mundo da economia mate-mtica (da economia pura), do que pela aptido ideolgica em construir um pensamento crtico. Assim, fica entendido que as anlises que so desenvolvi-das por economistas e classificadas como institucionalistas, gerencialistas, regulacionistas etc., em verdade, so anlises administrativas e podem ser en-quadradas no campo que denominamos administrao poltica.

    Enfim, com a prevalncia da economia matemtica, a economia pol-tica perde rumo apenas ganha algum status (mas sem prevalncia maior) nas escolas da periferia capitalista, com as teorias sobre o subdesenvolvi-mento e o desenvolvimento econmico. A sua fragmentao notada em estudos classificados como institucionalistas (novos e velhos), que nas es-colas de administrao so muito falados, mas no se sabe muito bem o que seja e qual a sua origem; os gerencialistas vocacionados para o abstrato, fatalista como o de James Burnham; e os regulacionistas, corrente perdida do marxismo francs.

    Todo o nosso esforo intelectual desenvolvido neste artigo em vista do resultado determinado em dar status de cincia ao campo da administrao poltica nos parece compensado. Ao final do trabalho reflexivo, alm de ver-mos que a administrao poltica tem um campo prprio com objeto de estudo bem definido, vislumbramos, tambm, que a sua posio na hierarquia dos conhecimentos ou dos campos de estudos seja destacada.

    6 Certamente que este fato no uma particularidade inerente s relaes sociais de produo do capitalismo. Os bolcheviques importaram essa gerncia do capitalismo e vo levar ao extremo a racionalidade no processo de trabalho e da administrao (meios) da organizao burocrtica.

  • 941baSeS TeriCo-MeTodoLGiCaS da adMiniSTrao poLTiCa

    rap rio de Janeiro 43(4):919-41, JUL./aGo. 2009

    Sendo a filosofia pura ocupada com os estudos de compreenso da realidade em sua totalidade, tendo no homem tema central e inevitvel de considerao, inclusive na explicao da existncia aprisionada a um traba-lho de resultado material, o seu ramo poltico tem ocupao em encontrar o sentido da existncia humana e prescrev-lo. A administrao poltica, ento, tem como ocupao principal a organizao e gesto do trabalho humano em sua relao com a natureza e consigo mesmo, com o intuito de libert-lo num maior grau relativo possvel.

    Assim, depois dos nossos desgnios orientados pela filosofia, o segundo passo cabe administrao poltica em criar as melhores formas de gesto a partir dos demais conhecimentos especializados fsico, matemtico, socio-lgico, poltico, epistemolgico etc. para criar as condies menos onerosas possveis do desiderato de bem-estar que a humanidade est determinada.

    Sendo campo do conhecimento com tamanha relevncia, o passo se-guinte , ento, nessa perspectiva, produzir uma anlise compreensiva da ges-to do processo civilizatrio e conceber as possibilidades metodolgicas que desoneraro o nosso destino.

    Referncias bibliogrficas

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