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ISSN 1984-1728 Fae - Centro Universitário Instituto de Filosofia São Boaventura Curitiba 2012 S ão B oaventura Revista Filosófica São Boaventura, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 1-211 janeiro/junho 2012

São Boaventura Revista Filosófica - CORE · seja aceita (o que Popper chama de “doutrina da primazia das repetições”; POPPER, 2007 [1934], p. 480). Neste cenário, no entanto,

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ISSN 1984-1728

Fae - Centro UniversitárioInstituto de Filosofia São Boaventura

Curitiba 2012

SãoBoaventuraRevista Filosófica

São Boaventura, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 1-211

janeiro/junho 2012

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Catalogação na fonte

Revista filosófica São Boaventura/ FAE - Centro Universitário Franciscano do Paraná. Instituto de Filosofia São Boaventura.

v. 1, n. 1, jul/dez 2008- . Curitiba: FAE - CentroUniversitário Franciscano do Paraná, 2008-v. 23

SemestralISSN 1984-17281. Filosofia – Periódicos. I. FAE - Centro Universitário. Instituto deFilosofia São Boaventura.

CDD - 105

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“I disbelieve in specialization and in experts.By paying too much respect to the specialist, we are

destroying the commonwealth of learning, the rationalist tradition, and science itself” (Karl Popper).

Introdução

Em certa ocasião, Popper registrou sua concordância

com Russell no que concerne à existência de consequ-

ências práticas da epistemologia para os campos da

própria ciência, da ética e também da política. Ambos,

Popper e Russell, se põem em acordo ao aproximar tanto

o relativismo epistemológico como o pragmatismo epis-

temológico de ideias totalitárias e autoritárias (POPPER,

2008 [1963], p. 35-36). Instigados por esta asserção e

assumindo-a como potencialmente legítima, propomos

acercar-nos da reflexão em filosofia da ciência de Popper

para elucidarmos do modo mais preciso possível quais

consequências práticas poderiam ser extraídas de suas

contribuições em epistemologia.

De fato, tendo em consideração a realidade do atual

contexto de desenvolvimento científico e tecnológico

alcançado pela espécie humana, quiçá fosse mais coe-

rente substituirmos o “poderiam” da frase anterior por

“deveriam”.

A “doxa-logia” popperiana e suas implicações para a (bio)ética em (bio)tecnociência*

Márcio Rojas da Cruz, Ministério da Ciência

e Tecnologia e Universidade de Brasília**

Gabriele Cornelli, Universidade de Brasília***

* Versão inicial desta refl exão

foi apresentada por ocasião

do II Colóquio Internacional

“Biotecnologias e Regulações”

do Núcleo de Estudos do Pen-

samento Contemporâneo do

Instituto de Estudos Avançados

Transdisciplinares da Universi-

dade Federal de Minas Gerais,

realizado em abril de 2011.

** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Coordenação-Geral de Biotec-nologia e Saúde. Ministério da Ciência e Tecnologia. Esplanada dos Ministérios, Bloco E, Sala 256, 70067-900, Brasília, DF, Bra-sil. E-mail: [email protected]

*** Professor dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e em Bioética da Universidade de Brasília. UnB, Instituto de Ciências Humanas, Departa-mento de Filosofia. Campus Universitário Darcy Ribeiro – ICC Ala Norte, Caixa-Postal: 04661. 70910-900, Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected]

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Acompanhamos inclusive por meio de mídia não especializada em divulgação

acadêmica os notáveis avanços científicos recentes, particularmente os que se referem

ao paradigma biotecnocientífico. Tornado possível por meio da teoria da evolução de

Darwin e da teoria genética de Mendel e conquistado em definitivo pela elucidação

da estrutura do DNA por Watson e Crick e o desenvolvimento posterior de protocolos

de engenharia genética (com enzimas de restrição, DNA ligases, reações em cadeia de

DNA polimerases etc.), o paradigma biotecnocientífico representa nossa competência

técnica em “transformar e reprogramar o ambiente natural, os outros seres vivos e

a si mesmo em função de seus projetos e desejos” (SCHRAMM, 1998, p. 217), nos

habilitando em teoria a nos tornarmos de certa forma imunes aos mecanismos de

seleção natural e influenciadores significativos do processo de evolução das espécies

vivas (SCHRAMM, 1996, p. 114-115).

Interessante notarmos que este potencial por vezes surpreendente já havia sido

notado pelo próprio Popper quando, ao refletir sobre o progresso científico, percebeu

a partir de um ponto de vista biológico e evolutivo a ciência como um “instrumento

usado pela espécie humana para se adaptar ao ambiente, para invadir novos nichos

ambientais e até para inventar novos nichos ambientais” (POPPER, 2004, p. 51).

Nesse cenário, nos deparamos com a seguinte situação: o paradigma biotecnocien-

tífico nos confere uma competência a priori exclusivamente técnica, não necessaria-

mente também uma competência ética. A propósito, parcela importante dos processos

ou produtos que guardam estreita aderência ao paradigma biotecnocientífico suscitam

dilemas no campo da ética, cujas soluções, para que se apresentem minimamente

satisfatórias (ou até mesmo o menos insatisfatórias possível), demandam hercúleos

estudos e discussões.

Infelizmente a concepção de que o investimento no progresso científico gera

espontaneamente e em igual proporção progresso moral já foi devidamente mitifi-

cada, não nos sendo permitido manter a ingenuidade dos pretéritos. Novamente, o

próprio Popper já havia percebido o risco de se aceitar o mito do progresso, decla-

rando que

nada sob o sol existe que não possa ser usado mal e que não tenha sido mal usado.

Mesmo o amor pode se mudar em instrumento de assassínio e o pacifismo pode-se

transformar numa arma que favoreça uma guerra agressiva (POPPER, 1998b [1945],

p. 252).

Assim, não podemos nos furtar da responsabilidade de avaliar as consequências

éticas e morais das biotecnologias modernas.

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É digno de nota que, com o avanço do conhecimento na área da biologia do

desenvolvimento evolutivo, ou “evo-devo” (CARROLL, 2008) – mais especificamente,

com o avanço do conhecimento acerca da tradução da informação genotípica em

características fenotípicas dentro de um contexto filogenético – em termos de evo-

lução, há casos em que ganhos são alcançados somente após perdas serem sofridas.

Ilustrando, artigo recente publicado na Nature apresentou a tese de que uma perda

em informação genômica (próxima a um gene supressor de tumor ativado por dano

ao DNA e responsável por cessar o ciclo celular) estava relacionada com o fato de

seres humanos serem dotados de cérebros maiores quando comparados com chim-

panzés (McLean et al., 2011). Ou seja, em que pese o fato de o senso comum e boa

parte de biólogos associarem a perda de informações genômicas com perda no grau

de complexidade de um organismo qualquer, este estudo trabalha com a hipótese

contrária, o aumento no grau de complexidade de um organismo e em alguns casos

uma aceleração no processo evolutivo por vezes se dá por meio de um deletar de

informações genômicas.

Essas descobertas em biologia do desenvolvimento evolutivo podem ser tidas

como mais uma sinalização hodierna da necessidade de nos dedicarmos seriamente

às questões bioéticas levantadas pelo paradigma biotecnocientífico. Isto porque se

prosseguirmos com a comparação entre o avanço da fronteira do conhecimento,

viabilizado pelo paradigma biotecnocientífico, e o processo evolutivo sob a perspec-

tiva biológica, nos é permitido suspeitar se não seria o caso de o desenvolvimento

acelerado das modernas biotecnologias estarem se dando às custas de perdas ou

deleções quiçá no que tange aos princípios e valores morais.

Na perspectiva biológica, eventualmente, para que haja um ganho no fenótipo,

há a necessidade de uma perda no genótipo. É possível que na perspectiva tecnocien-

tífica, eventualmente, a situação se assemelhe à perspectiva biológica: para que haja

um ganho na técnica, há a necessidade de uma perda na ética. Cabe-nos decidir se

preferimos priorizar a técnica em detrimento da ética ou, do contrário, se preferimos

priorizar a ética em detrimento da técnica.

Essa suspeita se torna ainda mais preocupante e a reflexão em bioética se torna

ainda mais impostergável quando contemplamos os próprios objetos de estudo dos

laboratórios em instituições públicas e privadas distribuídas pelo mapa mundial. É

público e notório que cada vez mais os cientistas se dedicam a pesquisas científicas e

desenvolvimentos tecnológicos envolvidos com manipulação da vida, não só de repre-

sentantes de espécies vegetais e animais inferiores, mas igualmente da própria vida

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humana. O investimento em plataformas biomiméticas para o estudo de células-tronco

humanas, com microambientes controlados que simulam as condições humanas in

vivo para investigações de desenvolvimento, regeneração e patologia tecidual, expe-

rimentações estas nas interfaces entre a biologia, a engenharia e as ciências médicas

(VUNJAK-NOVAKOVIC, 2011) é apenas um exemplo de muitos disponíveis.

Por conseguinte, tendo sido apresentada uma breve justificativa para a reformu-

lação, acerquemo-nos da reflexão em filosofia da ciência de Popper para elucidarmos

do modo mais preciso possível quais consequências práticas deveriam ser extraídas

de suas contribuições em epistemologia.

O filósofo da ciência

Durante décadas, a ciência tem sido vista como consistindo em um sistema de

conhecimento dotado da característica da verdade, sendo o procedimento lógico da

indução o principal responsável pela base de confiança na verdade do conhecimento

reunido pelo sistema científico (POPPER, 2007 [1934], p. 347). Após ter sido realizada,

registrada e analisada uma sequência de observações, descobrem-se determinadas

regularidades aparentemente sem exceções quanto aos enunciados observacionais.

Com base nas repetições de evidências empíricas singulares, procede-se com a gene-

ralização para um enunciado empírico universal. Este passo transparece a confiança

que se deposita na expectativa de que observações futuras ocorrerão exatamente

do mesmo modo que as observações já realizadas, registradas e analisadas, como se

eventos repetidos pudessem configurar como justificação para que uma lei universal

seja aceita (o que Popper chama de “doutrina da primazia das repetições”; POPPER,

2007 [1934], p. 480).

Neste cenário, no entanto, Popper introduz o “problema da indução”. Trata-se

da consequência natural que surge do dualismo entre um critério empírico básico (o

de que apenas a experiência é capaz de atestar a veracidade ou a falsidade de um

enunciado científico) e a impossibilidade lógica de decisões indutivas (enunciados

universais não podem contar com justificações empíricas), previamente aventada

por Hume (POPPER, 2009 [1979], p. 357). Assim, ao invocar o questionamento da

admissibilidade da indução por Hume, Popper considera que enunciados empíricos

singulares são passíveis, em princípio, de verificação ou falsificação, uma vez que não

há empecilhos lógicos para se comprovar a veracidade ou a falsidade de enunciados

empíricos singulares. Contudo, a situação é distinta para os enunciados empíricos

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universais, uma vez que, em princípio, estes só são passíveis de falsificação. Isto ocorre

porque experiências científicas, por razões lógicas, só são capazes de determinar se

um particular enunciado empírico universal é falso, e nunca são capazes de determinar

se um particular enunciado empírico universal é verdadeiro (POPPER, 2009 [1979],

p. 330-331). Enquanto a tarefa de se verificar (no sentido de corroborar) uma teoria

científica em teste é impossível do ponto de vista da lógica, falsificar (no sentido de

falsear) uma teoria científica em teste irá, no pior dos casos, se deparar com impossi-

bilidades apenas práticas. Isto porque ao considerarmos os procedimentos indutivos

(partindo de enunciados singulares em direção a enunciados universais), o modus

tollens funciona como uma inferência estritamente lógica, e não há nesta direção

modus ponens (POPPER, 2009 [1979], p. 433). A partir do ponto de vista da lógica,

toda vez que se procede com uma indução, seja ela tácita ou explícita, assumem-se

certas suposições como sendo verdadeiras sem, contudo, se ter justificativa para tal

(POPPER, 2009 [1979], p. 36-37).

Avança-se da segurança do singular observado para o duvidoso do geral ainda

não observado, sobre o qual nada investigamos ainda.

Uma inferência indutiva pura não pode ser logicamente justificada, dado que enuncia-

dos universais não podem nunca ser derivados de observações singulares; em resumo,

afirma algo que (pelo menos para cada empirista) é autoevidente: que nós não podemos

saber mais do que sabemos (Tradução nossa) (POPPER, 2009 [1979], p. 42).

Uma breve nota sobre relações de causa e efeito. Diante da impossibilidade de

observarmos um evento causando outro evento como efeito (por exemplo, uma

infecção por papilomavírus humano do tipo 16 ou 18 causando carcinoma cervical

invasivo), devemos ter em mente que a causalidade deve ser tida por regularidade

ou comportamento de sequências de eventos semelhante a uma lei, uma vez que

nossa observação se restringe ao registro de que um evento de um determinado tipo

(desenvolvimento de carcinoma cervical invasivo em pacientes não tratadas) tem até

o momento se sucedido regularmente a um outro evento de outro determinado tipo

(infecção por papilomavírus humano do tipo 16 ou 18). Assim, como a observação

apenas nos informa da sequência dos eventos, observações isoladas não nos podem

informar sobre relações causais (POPPER, 2009 [1979], p. 112-113).

Considerando o fato de que teorias científicas são, via de regra, essencialmente

generalizações de conjuntos de enunciados empíricos singulares com potencial para

exercer o papel de lei da natureza (gozando de poder explicativo, poder preditivo,

entre tantos outros valores cognitivos), o conflito surgido entre o “princípio da in-

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validade da indução” e o “princípio do empirismo” conduz Popper ao “princípio do

racionalismo crítico”, pelo qual certa teoria científica em julgamento só receberá o

veredicto de aceitação ou rejeição após um processo de crítica racional e levando em

consideração os resultados de observações e experimentações (POPPER, 2000 [1983],

p. 32-33).

Elucidando este tópico da epistemologia popperiana, o “princípio do raciona-

lismo crítico” nada mais é do que a lógica dedutiva, levando em consideração suas

características de “transmissão da verdade” (assumindo inferências dedutivas válidas,

se trabalharmos exclusivamente com premissas verdadeiras, a conclusão deverá ser

necessariamente verdadeira) e de “retransmissão da falsidade” (assumindo inferências

dedutivas válidas, caso a conclusão seja falsa, pelo menos uma entre as premissas

deverá ser necessariamente falsa), com ênfase para esta última característica (POPPER,

2004, p. 26-27).

Agora, se o cerne do empreendimento científico consiste no falibilismo (“fallibi-

lism”, ou falseacionismo, “falsificationism”), como se daria a dinâmica do progresso

científico? Segundo Popper, a observação e a experimentação científicas são sempre

precedidas pela formulação de uma teoria (uma expectativa) a ser testada. E sendo

esta a única forma da qual dispomos para começar a tarefa de interpretação da na-

tureza, faz-se necessário o investimento na proliferação de possíveis teorias científicas

que expliquem determinadas questões do mundo físico, por meio de especulações

injustificadas e arriscadas (POPPER, 2007 [1934], p. 307). E como a teoria, por sua vez,

é invariavelmente precedida por um problema específico que motivou sua formula-

ção inicial, pode-se afirmar que o conhecimento tem por origem não as percepções

sensoriais mas sim os problemas. Esta constatação torna visível a tensão que subsiste

entre conhecimento e ignorância, uma vez que ambos concorrem para a geração de

problemas. Não há problema sem conhecimento da exata mesma forma que não há

problema sem ignorância (Popper, 2004, 14-16). Prosseguindo, a dinâmica científi-

ca se daria de acordo com o esquematicamente exposto pela figura 1, sendo “P” o

problema original em determinada fase do desenvolvimento científico, “TT” a teoria

tentativa para o problema alvo da investigação científica e “EE” a eliminação de erro

que se dá pela crítica racional falibilista (POPPER, 1999 [1973], p. 159-160). Uma

estimativa da medida do progresso científico pode ser obtida por meio da aferição

da distância entre dois problemas (POPPER, 2009 [1996], p. 230-231). Já neste ponto

transparece a insignificância do contexto de descoberta frente ao mérito do contexto

de justificação.

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Figura 1. Modelo básico para dinâmica científica segundo Karl Popper

Incorporando ao esquema algumas características adicionais para que se tenha

uma visão mais próxima da realidade complexa, chegamos à figura 2, onde se des-

tacam: i) que a dinâmica científica não é cíclica, ou seja, novos problemas emergem

dos distintos processos de eliminação de erros (POPPER, 1999 [1973], p. 223); e ii)

que a dinâmica científica tem uma tendência a ser convergente, ou seja, os distin-

tos processos de eliminação de erros apontam em princípio para uma única teoria

tentativa final (POPPER, 1999 [1973], p. 239-240) capaz de supostamente oferecer

conhecimento científico definitivo dotado de uma componente teórica (uma explica-

ção), bem como dotado de uma componente prática (uma predição, uma aplicação

técnica) (POPPER, 1999 [1973], p. 321).

Figura 2. Modelo para dinâmica científica segundo Karl Popper

Considerando a ciência como sendo um fenômeno biológico, que tem por origem

o conhecimento do senso comum (pré-científico) que, por sua vez, tem por origem o

conhecimento animal (POPPER, 2001 [1994], p. 20), a dinâmica do desenvolvimento

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científico pode ser comparada, grosso modo, à dinâmica do desenvolvimento de popu-

lações biológicas. O método pelo qual uma espécie biológica alcança a sobrevivência ao

longo do processo evolutivo é fundamentalmente o mesmo pelo qual devemos buscar

alcançar a solução de determinados problemas por meio da ciência, o “método das

tentativas, dos erros e dos acertos”. E da mesma forma que a diversidade de genes é

crucial para que uma população seja exitosa, assim também o sucesso do empreen-

dimento científico é dependente da diversidade de teorias científicas. Quanto mais

amplas forem as possibilidades de tentativas de avanço do conhecimento científico,

maiores serão as chances de encontrarmos conjecturas resistentes ao falseamento.

E para que cada teoria científica goze de uma possibilidade concreta de resistir ao

falseamento, é imprescindível que ela seja “dogmaticamente” defendida pelo maior

espaço de tempo possível, ainda que sofra com dificuldades internas ou mesmo que

tenha de lidar com aparentes refutações empíricas. Neste cenário, exercem papeis

igualmente importantes o “applied scientist”, cientista vítima de uma doutrinação em

sua fase de capacitação que o induz a realizar suas pesquisas imbuído de um espírito

dogmático e o “pure scientist”, cientista que em sua formação foi treinado e encora-

jado no método crítico (POPPER, 1970, p. 53). O monopólio de uma teoria científica

inquestionavelmente comprometeria a manutenção do progresso científico (POPPER,

2000 [1983], p. 70; 2004, p. 73-74 e 2008 [1963], p. 343). Igualmente, considerando

a possibilidade de os pesquisadores individuais se tornarem todos “imparciais e frios”,

tal situação também representaria um “obstáculo intransponível” para a manutenção

deste progresso (POPPER, 2009 [1996], p. 65). Não obstante, em que pese o fato de

ambos, o dogma e a crítica, terem sido reconhecidos como componentes vitais para

o empreendimento científico, o compromisso duradouro com a importância do papel

exercido pela crítica impediu que Popper desenvolvesse em mais detalhes a reflexão

que trataria da contribuição do dogmatismo para o empreendimento científico (RO-

WBOTTOM, 2011, p. 122).

Seguindo esta linha de raciocínio, a de que a dinâmica do desenvolvimento

científico pode ser comparada à dinâmica do desenvolvimento de populações bioló-

gicas, o que distingue crucialmente Einstein de uma ameba é a disposição perante o

falibilismo. Enquanto a ameba evita com todas as forças a eliminação das tentativas

de soluções para os seus problemas e assume o papel de participante passiva desse

processo, Einstein busca ativamente a eliminação das tentativas de soluções para os

seus problemas. Este cenário é possível uma vez que em ciência podemos submeter

nossas hipóteses a um processo que potencialmente culminará com sua eliminação

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sem implicar necessariamente na nossa própria eliminação, ao passo que para a

ameba a situação é diferente. Caso o ambiente elimine uma tentativa particular da

ameba de solucionar um problema específico, o resultado final pode ser a eliminação

da existência da própria ameba (POPPER, 2001 [1994], p. 25).

A dinâmica popperiana para o progresso científico também apresenta uma estreita

semelhança com a teoria para a formação de anticorpos, tal qual trabalhada pela

imunologia atual. Da mesma forma que a instrução para a produção de anticorpos

por um organismo é inata, assim também as teorias científicas são idealizadas com

base em pré-conceitos e da mesma forma que a exposição a distintos antígenos

favorecerá a produção de determinados anticorpos em detrimento de outros, assim

também a experimentação favorecerá a manutenção (e talvez o desenvolvimento

subsequente) de determinadas teorias científicas em detrimento de outras (POPPER,

2009 [1996], p. 36-37). E ainda, da mesma forma que novos anticorpos produzidos

por um organismo apresentam um dualismo entre um caráter inovador (regiões va-

riáveis para reconhecimento dos epitopos dos antígenos) e um caráter conservador

(regiões constantes nas cadeias pesada e leve), assim também o progresso na ciên-

cia apresenta um dualismo entre um caráter inovador e um caráter conservador. O

caráter inovador é conferido pelo fato de que uma teoria científica deve, do ponto

de vista lógico, entrar em algum conflito com a teoria científica à qual ela sucedeu,

apontando para uma explicação que não só desconsidera como também contradiz a

sua antecessora. Já o caráter conservador, por sua vez, é conferido pelo fato de que,

para ser considerada uma boa nova opção, a teoria científica mais recente deve ser

capaz de oferecer uma explicação aos fatos da realidade pelo menos tão adequada

quanto à teoria científica anterior. Se possível, a nova explicação deve ser ainda mais

completa, acrescentando melhores resultados que os apresentados pela explicação

em substituição. “A teoria predecessora deve parecer uma boa aproximação à teoria

nova” (POPPER, 2004, p. 67-68).

Uma vez que o refutar de uma teoria por meio da análise de suas consequências

dedutivas inspira-se em uma inferência dedutiva do tipo modus tollens, surge na-

turalmente a necessidade de reconhecimento de que as teorias científicas, por mais

importantes que possam ser para a sociedade que temos hoje, e ainda por mais tempo

que resistam às tentativas de falseamento, jamais podem ser vistas como tendo a

veracidade definitivamente assegurada (POPPER, 1992 [1976], p. 88).

O status de verdade no sentido objetivo, entendida como correspondência com os

fatos, e sua função como princípio regulador podem ser comparados à situação de

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um pico montanhoso, usualmente envolto em nuvens. Um alpinista não só terá difi-

culdade em alcançá-lo mas também não saberá quando o alcançou, pela dificuldade

em distinguir o pico principal dos subsidiários, no meio das nuvens. Mas isso não afeta

a existência objetiva do pico. Se o alpinista disser: “tenho dúvida sobre se cheguei

ao pico principal”, estará reconhecendo, por implicação, sua existência objetiva. A

própria ideia do erro, ou da dúvida (no sentido normal e corrente) implica a ideia de

uma verdade objetiva que podemos deixar de alcançar.

Embora o alpinista possa não ter a possibilidade de certificar-se de que atingiu real-

mente o pico, quase sempre poderá perceber que ainda não o alcançou: por exem-

plo, quando depara um paredão que se prolonga verticalmente. Da mesma forma,

há caso em que temos a certeza de que não chegamos à verdade. Assim, enquanto

a coerência, ou consistência, não é um critério de veracidade, simplesmente porque

mesmos sistemas provadamente consistentes podem ser de fato falsos, a incoerência

ou inconsistência demonstram a falsidade. Portanto, se tivermos sorte poderemos

descobrir a falsidade de alguma das nossas teorias (POPPER, 2008 [1963], p. 252).

Assim sendo, a visão epistemológica popperiana equilibra o extremo pessimismo

epistemológico (a ideia de que a razão não é capaz de prover conhecimento objetivo,

sendo este resultado de convenções em uma comunidade particular em um tempo

particular) e o extremo otimismo epistemológico (defesa exagerada da razão, como se

esta alcançasse mais do que de fato alcança ou operasse de forma infalível no mundo)

(PARVIN, 2010, p. 4-5). E o elemento “sorte” relacionado à descoberta da falsidade de

alguma teoria emerge porque sendo as refutações pontos onde a realidade é tocada

(POPPER, 2008 [1963], p. 144), longe de representarem a constatação de fracasso de

uma teoria científica ou do cientista que a propôs, elas devem ser enxergadas como

sucessos da empreitada científica, sucessos esses compartilhados entre o cientista que

refutou uma teoria específica e o cientista autor da teoria alvo da refutação, por ter

contribuído, ainda que indiretamente, para o desenho experimental que propiciou

esse toque à realidade (POPPER, 2008 [1963], p. 268).

Considerando que, a priori, enunciados empíricos universais estão logicamente

impedidos de ter a veracidade demonstrada pela experiência, as teorias científicas

deixam de figurar como afirmações verdadeiras e inquestionáveis a respeito da natu-

reza e do mundo e passam a ser encaradas ao longo de toda a sua existência como

sendo apenas suposições, hipóteses ou até mesmo palpites a respeito da natureza

e do mundo – “hypotheticalism”. Consequentemente, a ciência se ocupa mais de

“doxa” (conjecturas) do que propriamente de “epistēmē” (conhecimento indubitável)

(POPPER, 2000 [1983], p. 259; 2006 [1984], p. 71; 2008 [1963], p. 84 e 131; e 2009

[1979], p. 8).

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Mais uma vez recorrendo à comparação entre o contexto evolutivo e o contexto

epistemológico, o conhecimento científico conjectural teria por equivalente no reino

animal a expectativa (POPPER, 2001 [1994], p. 60). E ainda, da mesma forma que o

sucesso evolutivo atual de uma dada espécie não garante que a espécie permanecerá

tendo sucesso no futuro, assim também o êxito atual de uma teoria científica em resistir

às tentativas de refutações de forma alguma garante que a teoria científica permanecerá

resistindo às tentativas futuras de refutações (POPPER, 1999 [1973], p. 74).

Desse modo, deve-se ter clara a distinção entre verdade e certeza. Considerando

o fato de que todo o conhecimento humano é falível, a busca incessante pela verdade

por meio do empreendimento científico não pode nunca nos induzir ao pensamento

de que alcançamos a certeza com as nossas experimentações e observações (POPPER,

2006 [1984], p. 14). O processo de formação de uma opinião, quando da busca pela

verdade, o caminho que se percorre para se aproximar o máximo que as circunstâncias

permitem da verdade, sofrem sempre a influência de “elementos de livre decisão”

(POPPER, 2006 [1984], p. 266). E esta abertura à influência de idiossincrasias faz com

que a aceitação de um enunciado básico esteja condicionada a uma convenção, a

uma decisão conjunta por parte dos especialistas ou grupo de especialistas afetos a

determinado tema (POPPER, 2007 [1934], p. 113 e 301). Com isso, as experimentações

científicas vêem de certa forma comprometida a importância que o senso comum

lhes confere. Neste sentido, Popper defende a ideia de que

[a]s experiências podem motivar uma decisão e, consequentemente, a aceitação ou

rejeição de um enunciado, mas um enunciado básico não pode ver-se justificado por

elas – não mais do que por um murro na mesa (POPPER, 2007 [1934], p. 113).

Neste ponto, há que se proceder com esclarecimentos a respeito da noção de re-

lativismo, dado que estas colocações podem instigar argumentos em prol de “um dos

muitos crimes dos intelectuais”, “uma traição à humanidade” (POPPER, 2006 [1984],

p. 16). Para Popper, o relativismo destituiu a verdade de qualquer importância ou

significado, propiciando a possibilidade de se poder afirmar absolutamente qualquer

coisa e, por equivalência, não se afirmar rigorosamente nada. Uma vez que à verdade

deve ser conferido papel crucial para o exercício da atividade científica, o conceito de

relativismo deve ceder posição para o conceito de pluralismo crítico, que é dotado da

capacidade de alcançar a busca pela verdade por meio da discussão racional quando

da avaliação de teorias científicas competidoras (POPPER, 2006 [1984], p. 246).

Neste contexto, engana-se quem supõe que o afastamento do método da indução

comprometa o “critério de demarcação” entre as ciências empíricas e a metafísica,

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ou como originalmente pensado por Popper, “critério de demarcação” entre a ciên-

cia e a pseudociência. A comprovação pela experiência permanece exercendo papel

crucial para que um determinado sistema seja tido como científico, mas não mais no

sentido positivo, e sim no sentido negativo. Para que um sistema possa ser conside-

rado científico, passa-se a exigir que ele seja passível de refutação pela experiência. A

verificabilidade (“verifiability”) de um sistema deixa de ser o critério de demarcação,

sendo substituído pela falseabilidade (POPPER, 2007 [1934], p. 42). Registre-se que o

critério historicamente prevalente de verificabilidade para a demarcação não é capaz

de agir como excludente no que tange a proposições marcadamente metafísicas e

tampouco é capaz de agir satisfatoriamente como includente no que tange a propo-

sições marcadamente científicas, em que pese a intenção diametralmente oposta de

seus defensores (POPPER, 2008 [1963], p. 209). Nas palavras de Popper, extraídas de

sua obra mais lida, a proposta é de que:

uma teoria será chamada de “empírica” ou “falseável” sempre que, sem ambigui-

dade, dividir a classe de todos os possíveis enunciados básicos nas seguintes duas

subclasses não vazias: primeiro, a classe de todos os enunciados básicos com os quais

é incompatível (ou que rejeita, ou proíbe): – a essa classe chamamos de classe dos

falseadores potenciais da teoria; e segundo, a classe de enunciados básicos que ela

não contradiz (ou que ela “permite”). Mais resumidamente, poderíamos apresentar o

ponto dizendo: uma teoria é falseável se não estiver vazia a classe de seus falseadores

potenciais (POPPER, 2007 [1934], p. 90-91).

De certa forma, a questão da falseabilidade se confunde e se identifica com a

questão da testabilidade (“testability”), visto que o critério de demarcação proposto

filtra as teorias científicas com afirmativas que podem se chocar com as observações

das teorias pretensamente científicas com afirmativas de certa forma imunes ao choque

com as observações (POPPER, 2008 [1963], p. 284), seja por não tratarem de fatos

observáveis, seja por aceitarem toda a gama de possibilidades de fatos observáveis.

O fato de que sempre será possível se investir em procedimentos que afastem um

sistema teórico da falseabilidade não necessariamente nos encaminha para o descarte

do falseacionismo como critério de demarcação. Uma vez que procedimentos que

afastam um sistema teórico em particular da falseabilidade são acompanhados pari

passu em teoria por procedimentos que aproximam um sistema teórico em particular

da falseabilidade (seus opostos), o critério de demarcação deve ser imbuído de um

caráter metodológico, além da questão lógica (POPPER, 2009 [1979], p. 392). Tendo

isso em mente, Popper propõe o “princípio do encerramento do sistema”, pelo qual

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o sistema axiomático de uma teoria empírica deve ser considerado como concluído

em definitivo. Em consequência, o cientista, ao introduzir um novo axioma teórico

que não seja dedutível a partir do sistema já encerrado – uma hipótese auxiliar ou ad

hoc – está procedendo com o falseamento do sistema teórico em questão (POPPER,

2009 [1979], p. 418). Hipóteses auxiliares só devem ser admitidas nos casos em que

suas características singulares, não-universais, possam ser demonstradas, ou seja, nos

casos em que suas generalizações diretas possíveis sejam falseáveis (POPPER, 2009

[1979], p. 420). Em outras palavras, para que a introdução de uma hipótese auxiliar

seja admitida, é imprescindível que este passo não comprometa o grau de testabilidade

(ou o grau de falseabilidade) do sistema teórico (POPPER, 2007 [1934], 87 e 274).

Agora, se a verdade desempenha um papel fundamental para o desenvolvimen-

to científico e tecnológico, conforme sinalizado inicialmente no primeiro parágrafo

desta seção, não seria paradoxal defender a orientação metodológica de concentrar

esforços na busca pelo falseamento das candidatas à teoria científica vigente? Além

da já discutida impossibilidade lógica de se verificar uma teoria científica, poderíamos

acrescentar também a constatação prática da relativa facilidade em se corroborar

teorias científicas. Caso seja a intenção do pesquisador alcançar evidências que con-

firmem uma teoria científica específica, basta que ele seja minimamente habilidoso

em seus desenhos experimentais e ele encontrará evidências confirmatórias em um

grau de diversidade considerável. Esta constatação torna a irrefutabilidade de uma

teoria científica não uma virtude, mas sim um vício, transformando a teoria científica

irrefutável digna de suspeitas, antes de digna de admiração (POPPER, 2009 [1994],

p. 159). Daí a necessidade de se promover os testes mais rigorosos possíveis, tor-

nando o ambiente no qual as teorias científicas se encontram o mais hostil possível

(POPPER, 2005 [1957], 123-124). A impossibilidade de atestarmos com segurança a

veracidade de uma teoria científica nos impõe a restrição de como sendo o máximo

objetivo alcançável uma teoria científica ainda não falseada, ou válida apenas provi-

soriamente para fins práticos. Destaque-se neste ponto que o conteúdo informativo

de uma teoria científica é dado pelo conjunto de enunciados que são incompatíveis

com a teoria (POPPER, 1992 [1976], p. 24). Ainda que possa parecer paradoxal, quanto

mais a teoria científica declara a impossibilidade de existência, mais ela nos informa

a respeito da realidade.

Não obstante a significativa contribuição que o falseacionismo proporciona para

a epistemologia e para o exercício da atividade científica, o próprio Popper nos alerta

para a não desejabilidade de sermos absolutamente rigorosos quanto ao critério de

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demarcação, dado que mitos, ao longo da história, têm sido fontes fecundas de ins-

piração para grande parte das teorias científicas existentes. Bem ilustra esta situação

a questão do sistema heliocêntrico copernicano, tendo sido estimulado criativamente

por uma “adoração neoplatônica da luz solar, que precisava ocupar o ‘centro’ do

universo devido à sua nobreza” (POPPER, 2008 [1963], p. 285).

Tais constatações de certa forma entram em conflito com a teoria do senso co-

mum do conhecimento, conhecida na filosofia por teoria da tábula rasa e tratada por

Popper como “teoria do balde mental”, pelo fato de a mente humana ser análoga a

um balde que inicialmente se encontra vazio. Para que o balde seja preenchido – para

que a nossa mente adquira conhecimento – há a necessidade de preenchimento da

forma adequada – no caso de conhecimento, a forma adequada consiste na experi-

ência registrada pelos sistemas sensoriais (POPPER, 1999 [1973], 66-67). Pela teoria

do balde mental, as percepções (as experiências dos sentidos) devem necessariamente

preceder qualquer pronunciamento acerca do mundo (POPPER, 1999 [1973], 313). O

problema da teoria do balde mental é que ela aceita a suposição de que percepções

(observações no geral) são possíveis de serem registradas sem que haja qualquer tipo

de expectativa, suposição esta, segundo Popper, absolutamente equivocada, uma vez

que sempre há um sistema de expectativas orientando (ainda que minimamente) o

procedimento da observação (POPPER, 1999 [1973], 316). No processo de observação,

concomitante aos estímulos visuais propriamente ditos, também são considerados

“nossos problemas, nossos temores e esperanças, nossas necessidades e satisfações,

nossos gostos e nossos desgostos” (Tradução nossa) (POPPER, 2000 [1983], p. 45).

Tratando desta questão, Popper assume que todos os homens (incluindo, na-

turalmente, os homens dedicados à ciência) são parciais e subjetivos, uma vez que

todos consideram determinadas coisas como “evidentes por si mesmas”, aceitando

“sistemas de preconceitos” com “convicção ingênua e arrogante de que a crítica é

completamente supérflua” (POPPER, 1998b [1945], p. 224). E apesar de se dedicarem

com devoção ao racionalismo, os que defendem a racionalidade científica pecam por

não ter em consideração a insustentabilidade lógica desta espécie de “racionalismo

não-crítico”, que ignora toda e qualquer ideia que não possa ser defendida com o

uso da argumentação ou por meio da experiência. Por ser análogo ao paradoxo do

mentiroso, o racionalismo não-crítico induz à situação de que:

quem quer que adote a atitude racionalista o faz por haver adotado, sem raciocinar,

alguma proposta, ou decisão, ou crença, ou hábito, ou comportamento que, portanto,

por sua vez, pode ser chamado irracional. Seja como for, poderemos descrevê-lo como

uma irracional fé na razão (POPPER, 1998b [1945], p. 238).

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Uma vez que a racionalidade científica é costumeiramente associada à existência

de uma metodologia científica bem estabelecida, capaz de conferir aos cientistas

seguras racionalidade e objetividade quando nos exercícios de suas atribuições em

desempenho de pesquisas, faz-se necessário um alerta. Segundo Popper, devemos

ter o cuidado de não exagerarmos ao ponto de crermos que a ciência é tão irracional

quanto “práticas mágicas primitivas” (POPPER, 2008 [1963], p. 87). Isto porque se

trata de um equívoco completo associar a racionalidade e a objetividade da ciência

como tendo uma relação de exclusiva dependência para com a racionalidade e a ob-

jetividade do cientista. Não há em princípio nada no cientista – seja ele representante

das ciências naturais, seja ele representante das ciências sociais – que o torne menos

parcial do que qualquer outro ser humano (POPPER, 2004, p. 22-23). A racionalidade e

a objetividade surgem a partir do momento em que ocorre a abertura ao aprendizado

pelo erro, buscado naturalmente de uma forma consciente (POPPER, 2009 [1994],

p. 194) e são conferidas pela “tradição crítica” da ciência, sendo a coletividade das

contribuições de cientistas individuais a responsável pela sua sustentação (POPPER,

2006 [1984], p. 103). Neste sentido, o termo “objetividade” no empreendimento

científico deve configurar como equivalente a “testabilidade inter-subjetiva” (“inter-

subjective testability”) (POPPER, 2009 [1979], p. 73). Popper associa a objetividade

da ciência ao “aspecto social do método científico”, uma vez que é dependente do

esforço cooperativo de diversos cientistas. Desta forma, a definição de objetividade

científica passa a ser a “inter-subjetividade do método científico” (POPPER, 1998b

[1945], p. 225), aonde à inter-subjetividade se conferiria a potencialidade e a ca-

pacidade de, por meio do escrutínio racional, objetivar sentimentos ou impressões

subjetivas (DORIA, 2009, p. 120). Tal entendimento de racionalidade apresenta uma

afinidade considerável com o entendimento de anti-irracionalismo de Ajdukiewicz,

para o qual toda proposição racionalmente aceita deve ser comunicável e testável

inter-subjetivamente (NARANIECKI, 2010, p. 518).

Neste ponto, antes de procedermos com comentários adicionais que tratam de

metodologia científica, esclareçamos três pontos relevantes da epistemologia po-

pperiana: i) não existe método para se descobrir uma teoria científica; ii) não existe

método que assegure a veracidade de uma hipótese científica; e iii) não existe método

que estime a probabilidade de uma hipótese científica, no sentido de cálculo proba-

bilístico. Neste sentido, as teorias científicas e os mitos se diferenciam pelo fato de as

teorias científicas serem passíveis de críticas e de estarem sujeitas às alterações tendo

por base as críticas recebidas (POPPER, 2000 [1983], p. 6-7).

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Em oposição à “teoria do balde mental”, Popper apresenta sua reflexão que trata

da “teoria do holofote”: assim como do escuro só revelamos o ponto para o qual

direcionamos o holofote, assim também da realidade só alcançamos o ponto sobre

o qual pesquisamos cientificamente. E da mesma forma que uma série de interesses

influencia o posicionamento, a intensidade, a cor etc., da fonte luminosa do holofote

(impactando naturalmente no que revelaremos do escuro), assim também uma série

de interesses influencia as linhas de pesquisa, os protocolos, os investimentos etc.

(impactando igualmente naturalmente no que alcançamos da realidade) (POPPER,

1998b [1945], p. 268). Dado que o percurso que transcorremos no presente é deter-

minado pelo percurso que transcorremos no passado, ou nas palavras de Popper, “a

ciência de hoje se edifica sobre a ciência de ontem (e assim é o resultado do holofote

de ontem)” (POPPER, 1999 [1973], p. 318), o futuro do desenvolvimento científico

pode ser visto como sendo pelo menos pontualmente caminho-dependente.

Por fim, concluindo essa seção, aos que acreditam que a discussão relativa à

incomensurabilidade (referida pelo epistemólogo como o “mito do contexto”) com-

prometeria a estratégia de crítica racional, uma vez que o processo de crítica racional é

dependente da linguagem, Popper declara que as crenças, as teorias e as expectativas

que estão vinculadas à estrutura básica de um sistema linguístico podem perfeita-

mente ser também alvos da estratégia de crítica racional pelo emprego de dois ou

mais sistemas linguísticos (POPPER, 2000 [1983], p. 156-157). A aceitação da ideia

de que as observações estão contaminadas por teorias as mais diversas não implica

necessariamente a incomensurabilidade entre observações ou mesmo entre teorias

(POPPER, 2009 [1996], p. 108). Não obstante a possibilidade de nos libertarmos da

“prisão intelectual” à qual estamos invariavelmente submetidos pela nossa linguagem,

ao procedermos com a formulação linguística de forma clara e objetiva das crenças,

teorias e expectativas e a consequente crítica racional (POPPER, 2009 [1996], p. 100),

o resultado final ainda não seria a liberdade completa, mas apenas uma “prisão in-

telectual” maior (POPPER, 2000 [1983], p. 16-17). Interessante notarmos que Popper

considera o mito do contexto como sendo “um dos grandes malefícios intelectuais do

nosso tempo”, visto que “afirma dogmaticamente que, em regra, o debate racional ou

crítico só pode acontecer entre pessoas com opiniões quase idênticas”, favorecendo

o relativismo e comprometendo a esperança de consensos maduros entre distintas

sociedades (POPPER, 2009 [1994], p. 198).

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O bioeticista em ciência

Tratemos agora de elucidar do modo mais preciso possível as consequências prá-

ticas no âmbito da bioética das contribuições em filosofia da ciência de Popper. E para

que a compaginação entre a contribuição em filosofia da ciência e a as consequências

práticas no âmbito da bioética se dê de forma solidamente embasada, mas também

harmônica, partamos gradualmente da reflexão popperiana que mais se aproxima de

uma discussão na região limítrofe acerca de questões epistêmicas e não-epistêmicas

até alcançarmos um ponto além do que tem por autor o próprio Popper, identificando

consequências práticas as quais não foram trabalhadas originalmente.

O primeiro ponto que se suscita é o que trata dos princípios éticos como a busca

da verdade e as ideias de honestidade intelectual e de falibilidade, princípios estes

que se encontram na própria base da ciência (POPPER, 2006 [1984], p. 258). Sem

querer desmerecer a importância desses princípios, nota-se com clareza que estão

longe de serem suficientes para que o cientista receba de forma clara e transparente

um conselho “da física” sobre as opções de se construir “um arado, um avião ou uma

bomba atômica” (POPPER, 2008 [1963], p. 391). Por conseguinte, reconhecendo que

o cientista sofre a influência de uma série de fatores não só da esfera profissional, mas

também da esfera pessoal, ao propor uma “nova ética profissional” Popper coloca

como primeiro princípio o reconhecimento de que “não há autoridade”, visto que

“nosso conhecimento conjectural objetivo excede, cada vez mais, o que uma pessoa

pode dominar” (destaque como no original) (POPPER, 2006 [1984], p. 260).

Ainda tratando de uma suposta autoridade científica, a constatação de nossa

inescapável ignorância nos apresenta o natural corolário ético da tolerância para com

concepções divergentes das nossas. Os únicos alvos legítimos para a nossa intolerância

devem ser a própria intolerância, a violência e a crueldade (POPPER, 2006 [1984], p.

247). Ainda que no campo das elucubrações teóricas seja possível distinguir o cien-

tista que apenas se interessa pela verdade e o político que apenas se interessa pelo

poder (POPPER, 2009 [1996], p. 311), no mundo real nos deparamos com incontáveis

cientistas-políticos, ávidos não só pela verdade mas igualmente pelo poder.

O segundo é o que trata do “problema da indução”, pelo qual os enunciados

empíricos universais são impedidos logicamente de serem declarado verdadeiros, in-

dependente da quantidade e da qualidade de evidências confirmatórias. A expressão

“verdade científica” perde completamente o sentido de sua existência, visto que os

acertos provenientes do “método das tentativas, dos erros e dos acertos” não garante

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a acronicidade de determinada teoria científica. Não se pode abstrair o fator tempo

de absolutamente nenhuma fração do conhecimento científico, por mais sólido que

inicialmente possa parecer, ainda que permaneça irrefutável por décadas ou até mesmo

por séculos. O caso da física newtoniana, ainda hoje aplicada em numerosas situações,

mesmo tendo sido superada pela física einsteiniana, é um bom exemplo de como

um elevado grau de solidez empírica não basta para que se declare a veracidade de

uma teoria científica. A concepção leiga de que teorias científicas são hipóteses que

foram confirmadas pela experimentação rigorosamente ajustada a uma metodologia

praticamente infalível deve ser substituída pela mixórdia entre hipóteses e teorias

científicas. O que temos hoje por teorias científicas são de fato conjecturas, hipóteses,

presunções, suposições, possibilidades que permanecem dignas de consideração até

o momento presente das circunstâncias da esfera científica, não havendo nada que

garanta a permanência desta dignidade de consideração no futuro.

O ponto seguinte que se suscita é o que diz respeito à origem das teorias cientí-

ficas e ao impacto desta origem para o progresso da ciência. Como vimos, segundo

Popper, percepções sensoriais puras e imparciais não estão na base das teorias cien-

tíficas, descartando-se a “teoria do balde mental”. Os “dados” não devem ocupar

espaço no altar da ciência, uma vez que “não são base nem garantia para as teorias:

não são mais seguros do que qualquer de nossas teorias ou ‘preconceitos’, mas bem

menos, se alguma coisa forem” (POPPER, 1999 [1973], 144). Este papel, o de base

para as teorias científicas, é exercido por problemas que a comunidade científica

elege como importantes e por teorias que a comunidade científica não só formula

influenciada por especulações as mais diversas como também por vezes defende de

forma dogmática, ignorando eventuais refutações empíricas, como sinaliza a “teoria

do holofote”. Naturalmente que em cada uma dessas etapas – priorização dos proble-

mas a serem resolvidos, formulação das teorias científicas a serem testadas, defesas

dogmáticas de determinadas teorias científicas – são incontáveis as oportunidades

para que idiossincrasias influenciem o pensar e o agir do cientista. Popper mesmo

declara que “nada jamais se realiza sem uma dose de paixão” (POPPER, 1999 [1973],

23), reconhecendo a parcialidade e a subjetividade dos homens da ciência que se

deixam levar por medos, necessidades e gostos. Ao afirmar que a objetividade e a

racionalidade de todos os cientistas obstaculizariam o progresso científico, abre-se

precedentes para que seja questionada a ideia da neutralidade científica, e por con-

sequência, da própria autonomia científica.

É digno de nota que, ainda que a ciência pudesse ser considerada seguramente

neutra e merecidamente autônoma, não seria o caso de transferirmos automatica-

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mente tais adjetivos para cientistas individuais ou grupos de pesquisa organizados.

Suas atividades deveriam ainda assim ser submetidas a minuciosos exames de ordem

ética, de forma a minimizar o risco de abusos cometidos “em nome da ciência”.

Neste sentido, o epistemólogo argumenta que a racionalidade e a objetividade

científicas não são dependentes da racionalidade e da objetividade pessoais de cada

um dos cientistas envolvidos em determinada área de atuação, mas surge como uma

propriedade do aspecto social do método científico, mais especificamente pela tra-

dição crítica que atinge o empreendimento científico, impelindo seus atores à busca

consciente do aprendizado pela procura e detecção de erros.

Seria este argumento suficiente para que a ciência fosse tida por racional e obje-

tiva? Sem sombra de dúvidas que a inter-subjetividade do método científico é capaz

de contribuir positivamente para a racionalidade e a objetividade da ciência. Contudo,

esta contribuição não é absoluta, por não ser capaz de esgotar todas as possibilidades

de eliminação de influências irracionais e subjetivas. Consideremos a possibilidade de

determinados interesses (não necessariamente escusos) serem compartilhados de for-

ma consensuada por um número significativo de pesquisadores de uma área específica,

ou mesmo, consideremos a possibilidade de determinados interesses (novamente, não

necessariamente escusos) serem compartilhados de forma consensuada pela grande

maioria de representantes de uma nacionalidade específica. Desafortunadamente,

na prática, não há garantias de que este grupo de pesquisadores ou que esta nação

se furte a envidar esforços por meio do exercício do poder político, ideológico ou

econômico (e consequentemente, científico e tecnológico) no sentido de “direcionar

o holofote” para determinados pontos de possível realidade, favorecendo a ascen-

são de uma teoria científica em particular, ao mesmo tempo em que priva outros

determinados pontos de possível realidade de serem iluminadas pelo holofote, com-

prometendo o surgimento de teorias científicas concorrentes. Resgatando a alegoria

do alpinista no pico montanhoso envolto por nuvens, a situação ora aventada seria

como se os responsáveis legais pela gestão do parque ambiental no qual se encontra

o pico montanhoso, hipoteticamente alegando questões de segurança, restringissem

os inícios das escaladas a apenas algumas das faces da montanha, impedindo que se

empreendam tentativas com início em outras faces da montanha.

Tal cenário não só de certa forma comprometeria a racionalidade e a objetividade

da ciência como comprometeria igualmente a concepção convergentista da racionali-

dade e objetividade científicas. O evidente conflito que surge na dinâmica científica tal

qual pensada por Popper entre a característica de a ciência se desenvolver de forma

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caminho-dependente e a tendência à convergência final pode ser resolvida apenas

parcialmente ao se escalar a questão da crítica racional como a responsável pela

capacidade de aproximação a uma verdade única, superando também as restrições

impostas pelo debate acerca da incomensurabilidade, ou pelo “mito do contexto”.

Uma vez que, para todos os efeitos, a base da montanha é de proporções incon-

cebíveis, ainda que os responsáveis legais pelo parque ambiental não coloquem abso-

lutamente nenhuma restrição quanto ao ponto de início das mais diversas tentativas

de escalada, também não há garantias de que tenhamos iniciado a nossa escalada

do exato ponto de partida que nos dará acesso ao cume mais alto, lembrando que as

nuvens nos impedem de conferir pela observação, ou seja, não há garantias de que

tenhamos partido do problema correto ou não há garantias de que tenhamos inves-

tido na teoria tentativa correta. Ainda que a crítica racional seja capaz de, de certa

forma, aumentar nossa visibilidade a tal ponto que sintamos segurança em abandonar

determinadas rotas de investimento em pesquisas científicas para fortalecer outras

teorias tentativas, sempre restará a dúvida sobre se de fato esgotamos os pontos de

partida ou os problemas cruciais para que alcançássemos o ponto mais próximo da

verdade que nos é acessível.

Levando em consideração que o cientista está envolvido em um empreendimento

que se ocupa mais de “doxa” do que de “epistēmē” – impossibilitado de garantir a

veracidade do conhecimento que tem por referência –, quando de aplicações de suas

recomendações, especialmente quando essas recomendações de certa forma entra-

rem em conflito com recomendações oriundas de outros segmentos da sociedade,

segmentos propriamente não-científicos, ao parecer do cientista não deve a priori ser

conferido peso maior do que ao parecer do não-cientista, simplesmente pela condição

de representante do meio científico.

Cabe a esta altura esclarecermos que o “princípio da objetividade de enunciados

básicos”, válido para todas as ciências, implica não necessariamente na negação ou no

falseamento de enunciados que não sejam testáveis inter-subjetivamente. Tais enun-

ciados devem ser ignorados pela ciência, no sentido de a ciência ser intrinsecamente

limitada quanto à sua capacidade de avaliação fora da esfera empírica (POPPER, 2009

[1979], p. 132). Assim, determinadas linhas de pensamento em psicologia, ou em teo-

logia, por exemplo, pelo simples fato de não se submeterem aos mecanismos de testes

inter-subjetivos conforme propõe o falseacionismo, não são necessariamente falsos.

Enunciados imunes aos testes inter-subjetivos tem teoricamente o mesmo potencial

inicial de serem verdadeiros que os enunciados científicos antes de se submeterem aos

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testes inter-subjetivos. Naturalmente que lhes falta a possibilidade de apresentarem

tentativas frustradas de falseamento, impedindo-os de receberem o rótulo de “cientí-

ficos” ou de “provisoriamente verdadeiros”, mas não demandando a necessidade de

serem rotulados como “falsos”. O “princípio da objetividade de enunciados básicos”,

intimamente relacionado ao critério de demarcação popperiano, implica no fato de

os cientistas não poderem de forma justificada se manifestarem sobre questões extra-

científicas ou não-científicas, pelo menos gozando de algum status especial por serem

cientistas. O conhecimento científico não confere legitimidade para pronunciamentos

acerca de enunciados que escapam à sua esfera de atuação. Fundamentalmente, no

que concerne à verdade ou à certeza – conhecimento objetivo – a ciência exerce o

importante papel de nos informar aonde nós não devemos procurá-las, aonde elas

não se encontram, exclusivamente tratando-se da esfera científica.

Conclusão

A introdução deste texto trazia a consideração de que havia consequências práticas

da filosofia da ciência para o campo da ética. Agora, na conclusão, é oportuno registrar

que situação análoga ocorre entre as reflexões no campo da ética, que a seu modo

expõe consequências práticas para o campo da ciência. Hoje em dia, considerando

os avanços recentes na fronteira do conhecimento científico e tecnológico, está claro

que praticamente todas as atividades de pesquisa suscitam questões éticas relevantes.

Particularmente no caso de pesquisas médicas envolvendo voluntários humanos, é

justificável que se considere toda e qualquer intervenção como sendo inicialmente

eticamente sensível e, por consequência, legitimamente sujeita a uma avaliação ética

(BORTOLOTTI; HEINRICHS, 2007, p. 173-174).

Assumindo que a ciência experimental, ou mais especificamente determinadas

práticas científicas colocam por vezes questões éticas problemáticas e refletindo

sobre se tais questões éticas problemáticas seriam intrínsecas à ciência experimental

ou se seriam acidentais e ainda tendo presente que a observação de determinadas

regras morais são perfeitamente capazes de gerar consequências na construção do

conhecimento – consequências epistêmicas oriundas de restrições éticas – chega-se

ao conflito entre o cientificismo (ou “dogmatismo progressista”, que considera ilegí-

tima qualquer restrição à ciência) e o moralismo (ou “ceticismo obscurantista”, que

considera legítima toda e qualquer restrição à ciência) (LAVELLE, 2005, p. 221). Por

inspiração do critério de demarcação proposto por Popper, Lavelle apresenta para

apreciação o “critério de rejeição moral”: assim como as propostas de teorias cien-

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tíficas precisam ser falseáveis, ao menos teoricamente, assim também as pesquisas

científicas precisam fazer referência a condições as quais pelo menos um indivíduo

poderia se recusar a se envolver, dadas determinadas condições morais. Caso não

seja possível descrever uma situação particular na qual determinado projeto científico

não deveria ser implementado, tendo em vista uma rejeição baseada em argumen-

tos éticos, este mesmo projeto não deverá ser considerado eticamente aceitável ou

desejável (LAVELLE, 2005, p. 231).

Levando a termo a aproximação algorítmica entre a perspectiva evolutiva e a pers-

pectiva epistemológica iniciada na introdução, Popper compara as teorias científicas

com as adaptações anatômicas e comportamentais de organismos vivos, teorias cientí-

ficas estas, por conseguinte, capazes de nos conferir melhores chances de sobrevivên-

cia no meio ambiente no qual estamos inseridos. Neste sentido, as teorias científicas

podem ser tidas por órgãos endossomáticos que nos viabilizam não só a descoberta

de novos nichos ecológicos virtuais mas também nos viabilizam transformá-los em

nichos ecológicos efetivos (POPPER, 1999 [1973], 143). Esta constatação permite-nos

proceder com a distinção entre duas correntes (duas teorias em metodologia) para a

geração do conhecimento e o estabelecimento de teorias científicas. A primeira cor-

rente, identificada como “lamarckista” e aceita pela epistemologia clássica, defende a

ideia de que o estudo criterioso dos fatos conduz à teoria ampla e geral. Esta corrente

assume como possível a pureza da percepção e da linguagem, como se estas não

estivessem de forma alguma impregnadas por diversos mitos e por diversas teorias,

e elege a indução como mecanismo para geração do conhecimento, se dedicando

à verificação e corroboração das teorias científicas, como se houvesse “instrução

pelo ambiente”. Já a segunda corrente, por sua vez, identificada como “darwinista”

e defendida por Popper, rejeita a indução, por considerar que dados de observação

são como “reações adaptativas e, portanto, interpretações que incorporam teorias e

preconceitos e que, como teorias, estão impregnadas de expectativas conjecturais”,

sustentando a ideia de que a geração do conhecimento deve se dar por meio de críticas

racionais visando o falseamento das teorias científicas, como se houvesse “seleção

pelo ambiente” (POPPER, 1992 [1976], p. 97; 1999 [1973], p. 143-144 e 2009 [1996],

p. 22-25). Registre-se que da mesma forma em que Darwin “colaborou” para a obra

de Popper, assim também Popper vem “colaborando” com a obra de Darwin, como

exemplifica a discussão em torno do papel da corroboração na sistemática molecular

moderna, de modo particular no que diz respeito às discussões que tem por alvo a

arquitetura da Árvore da Vida (KLUGE, 2001; FAITH e TRUEMAN, 2001; FAITH, 2004;

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KLUGE, 2009; LIENAU e DeSalle, 2009). Naturalmente que as afinidades não se limi-

tam ao estudo da evolução. A “medicina baseada em evidências” (outro exemplo)

também apresenta um processo consistente com a filosofia da ciência popperiana,

sendo os cinco passos da medicina baseada em evidências absolutamente próximos

aos três passos da abordagem popperiana para se alcançar o conhecimento objetivo

– reconhecimento do problema, geração de soluções e seleção da melhor solução

(SESTINI, 2010, p. 304).

Não obstante o modo que se dá o progresso científico, o senso comum já incor-

porou, possivelmente seguindo a reflexão de Russell, a ideia de que a origem dos

nossos problemas está em sermos inteligentes, porém maus. Dominamos a ciência

e a tecnologia, mas a empregamos de modo equivocado, influenciados mais pelos

contra-valores do que pelos valores propriamente ditos (POPPER, 2008 [1963], p. 398).

Em oposição ao senso comum, Popper defende a ideia de que a humanidade não

é má, mas boa, contudo não é inteligente, mas estúpida. A origem dos problemas

mais relevantes de nosso tempo está em uma pressa em promover ações que visem

melhoras para nossas sociedades, mas que acabam por gerar muitas vezes resulta-

dos práticos desagradáveis (POPPER, 2008 [1963], p. 399). Independentemente de

sermos inteligentes maus ou bons estúpidos, o fato é que o criador do neologismo

“bioética”, há quarenta anos, já havia desenvolvido o conceito de “conhecimento

perigoso” ao contemplar a incompatibilidade entre nossa elevada velocidade em

provocar o avanço da fronteira do conhecimento e nossa diminuta velocidade em

amadurecer a sabedoria necessária para bem manejar todo o conhecimento alcançado

(POTTER, 1971, p. 76-77). E a periculosidade do conhecimento possivelmente tenha

origem na corruptibilidade humana, visto que a um homem não se pode conferir

poder sobre outro homem, ou sobre a natureza, sem ao mesmo tempo instigá-lo a se

aproveitar deste poder e exercitá-lo de forma abusiva (POPPER, 2005 [1957], p. 57).

E ainda, considerando que a tentação é diretamente proporcional ao poder, ou seja,

quanto maior for o poder, maior será a tentação em abusar dele, e acrescentando

que a biotecnociência está nos permitindo um elevadíssimo grau de manipulação

do fenômeno vida, percebe-se que em teoria poucos são os que pessoalmente tem

condições de não sucumbir.

Ainda que houvesse comprovações da superioridade pessoal por parte de um sele-

to grupo de integrantes de nossa sociedade (superioridade intelectual, por exemplo),

estas comprovações jamais deveriam servir de base para uma possível reivindicação de

vantagens ou privilégios na esfera política. Ao invés de direitos especiais, representan-

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tes da nossa sociedade que sejam intelectualmente ou educacionalmente superiores

deveriam ser imbuídos de responsabilidades morais adicionais, ainda que alguns se

pronunciem em sentido oposto, por farisaísmo (POPPER, 1998a [1945], p. 63).

A possibilidade teórica, ou mesmo a constatação prática de conflitos entre prin-

cípios morais – por exemplo, o conflito entre autonomia da atividade científica e o

controle social da atividade científica – não necessariamente nos encaminha para a

aceitação de uma visão relativista no campo da moral. Não são todos os princípios

morais que podem ser legitimamente defendidos e seguidos. Em casos complexos

de conflitos entre princípios morais, as diversas opções de encaminhamento devem

ser consideradas, refletidas e criticadas, a fim de que se alcance, após um processo

tão plural quanto possível, a solução que satisfaça os atores envolvidos. Ainda que

a solução final não contemple o posicionamento inicial de absolutamente todos

os partícipes, é imperativo que todos estejam de acordo com os mecanismos que

foram implementados para a resolução de um conflito específico. O processo de

negociação deve ter a capacidade de filtrar as influências e os interesses desejáveis

dos indesejáveis.

Daí emerge a proeminente necessidade de investirmos em formas de controle

que independam da esfera individual, abrindo oportunidade para que a sociedade

participe da forma mais adequada possível com interferências positivas no Sistema

Nacional de Ciência e Tecnologia, por meio de instrumentos e mecanismos institucio-

nais devidamente negociados.

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