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SEBENTA BIOQUÍMICA I BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 2010/2011

Sebenta de Bioquímica I

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  • SEBENTA

    BIOQUMICA I

    BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO

    FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    2010/2011

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

    Sebenta de Bioqumica I

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    ndice Digesto e absoro de glicdeos.3

    Gliclise e oxidao do piruvato.....9

    Ciclo de Krebs.......14

    Fosforilao oxidativa.....18

    Gliconeognese.....24

    Metabolismo da galactose, frutose, cido glicurnico e acares aminados ....28

    Metabolismo do glicognio....33

    Via das pentoses-fosfato......37

    Tabela de vitaminas......40

    Enzimas: Cofactores e Inibidores......41

    Classes de enzimas........42

    Esto includos nesta sebenta resumos relativos s aulas de grupo (metabolismo de glicdeos)

    de Bioqumica I da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Como anexos, inclu

    tambm trs tabelas-sntese: Uma sobre as vitaminas que participam nestes processos de

    metabolismo e as restantes sobre enzimas.

    Bom trabalho e sucesso nos exames,

    Bernardo M. Sousa Pinto

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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    Digesto e absoro de glicdeos

    O que so quimicamente os glicdeos?

    Quimicamente, os glicdeos so derivados aldedicos ou cetnicos de polilcoois, ou seja, polilcoois,

    onde um grupo hidroxilo foi oxidado, perdendo dois tomos de hidrognio. Dessa forma, podemo-nos

    referir s oses, ou monossacardeos, unidades constituintes dos glicdeos, como sendo aldoses (quando

    a oxidao ocorre ao nvel do grupo hidroxilo do primeiro carbono) ou cetoses (quando a oxidao

    ocorre ao nvel do grupo hidroxilo do segundo carbono), com vrios grupos hidroxilo e pelo menos trs

    tomos de carbono (com apenas dois tomos de carbono no conseguimos ter vrios grupos hidroxilos

    livres, apenas, quando muito, um).

    O grupo dos glicdeos subdivide-se em oses e

    osdeos. As oses, ou monossacardeos so as

    unidades bsicas dos glicdeos. So exemplos de

    oses a glicose, a galactose, a manose e a

    frutose. Os osdeos consistem em oses ligadas a

    outra coisa, podendo ser outras oses

    (holosdeos) ou algo que no seja uma ose

    (heterosdeos). Dentro dos holosdeos temos

    homopoli(oligo)sacardeos, caso as unidades

    que se ligam sejam todas iguais ou

    heteropoli(oligo)sacardeos, se no forem todas iguais (ambos podem ou no ser ramificados).

    Relativamente aos osdeos, podemos classific-los como dissacardeos, de que so exemplo a sacarose,

    a maltose e a lactose; oligossacardeos, se tiverem entre 3 e 10 monossacardeos, sendo que a maior

    parte no desdobrada pelas enzimas humanas e polissacardeos, se deles fizerem parte mais do que

    10 monossacardeos. O amido e o glicognio so polissacardeos.

    As oses encontram-se frequentemente sob a forma cclica, mais do que sob a forma linear. Para que

    estas molculas passem forma cclica, d-se uma ligao semiacetal (no caso de estarmos perante uma

    aldose) ou cetal (no caso de estarmos perante uma cetose), em que o grupo carbonilo reage com o

    grupo hidroxilo. Forma-se um carbono anomrico, visto que um carbono que no era assimtrico

    passou a s-lo. Duas oses reagem, formando uma ligao acetal e libertando uma molcula de gua.

    Essa ligao acetal estabelece-se entre o semiacetal e um lcool. Referimos que um determinado

    composto tem poder redutor, sempre que existe um carbono anomrico livre.

    Classificao dos glicdeos em termos qumicos e funcionais

    A forma de classificao das oses j foi referida. Contudo, podemos ainda classificar as oses em termos

    qumicos e funcionais, ou seja de acordo com o nmero de carbonos e com a presena de um

    aldedo/cetona respectivamente. Dessa forma, as estruturas podem ser classificadas em trioses,

    tetroses, pentoses, hexoses e heptoses, de acordo com o nmero de carbonos presentes e aldoses ou

    cetoses, caso apresente um grupo aldedo ou cetnico. As duas classificaes podem ser aplicadas

    simultaneamente a um monossacardeo, por exemplo, a glicose uma aldo-hexose.

    Existem ainda os acares-lcoois (que ocorrem naturalmente nos alimentos) em que o grupo carbonilo

    foi reduzido, tendo sido originado um grupo lcool. Derivados dos glicdeos incluem os cidos urnicos,

    cidos aldnicos e aldricos.

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    Isomeria verificada nos glicdeos

    Existem vrios tipos de isomeria verificada nos glicdeos. A glicose consegue formar 16 ismeros! As

    formas mais comuns de isomeria verificadas nos glicdeos so as que se seguem:

    Isomeria D e L:

    As oses normalmente apresentam-se sob a forma D, embora

    tambm haja algumas que estejam naturalmente na forma L

    (nomeadamente a arabinose, a fucose e a xilulose). Esta isomeria

    quiral (porque as molculas D so as imagens espelho das

    imagens L) fcil de detectar pela orientao do grupo hidroxilo

    do ltimo carbono assimtrico. Quando este est orientado para

    a direita, temos uma molcula do tipo D, por outro lado,

    quando est orientado para a esquerda, temos uma molcula do

    tipo L. Todos os ismeros que no so quirais so

    diastroismeros (o que inclui os epmeros). Existem estruturas D

    (-), D (+), L (-) e L(+), prendendo-se o + e o com a orientao

    que os carbonos assimtricos tomam quando iluminados com luz polarizada, representando o + a

    rotao para a direita (dizem-se destrgiros) e o para a esquerda (dizem-se levgiros). A frutose existe

    sobretudo sob a forma de D(-) e por isso tambm designada por levulose, enquanto a glicose ocorre

    sobretudo sob a forma de D(+), sendo por isso designada por dextrose.

    Piranose e furanose:

    Quando os monossacardeos assumem estruturas cclicas, podem se dispor em estruturas pentagonais

    como furano, ou hexagonais como o pirano. A glicose ocorre em 99% sob a forma de piranose.

    Anmeros e :

    O carbono anomrico aquele em que, aps se ter

    institudo uma ligao semiacetal ou cetal passou a ser

    assimtrico, no o sendo anteriormente. A classificao

    de um monossacardeo como sendo um anmero ou

    prende-se com a orientao do grupo OH no carbono

    anomrico. Nos monossacardeos do grupo D, temos

    estruturas , quando o grupo OH est para baixo e

    quando est para cima. Nos monossacardeos do grupo -

    L ao contrrio.

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    Isomeria aldose-cetose:

    Ismeros em que uma das molculas uma aldose e a outra uma cetose. Por exemplo, a frutose e a

    glicose tm a mesma frmula molecular, mas diferem na frmula estrutural, visto a frutose ser uma

    cetose e a glicose ser uma aldose.

    Epmeros:

    Epmeros so ismeros, onde a orientao dos grupos OH e H num

    dos carbonos 2,3 ou 4 (no caso das hexoses) difere, sendo inversa. Por

    exemplo, a glicose um epmero da manose, devido a diferenas no

    carbono 2.

    Principais formas de glicdeos nos alimentos

    O amido um polissacardeo, mais propriamente um homopolissacardeo ramificado, constituindo por

    resduos de glicose, e que se encontra frequentemente em cereais, batatas, leguminosas e outros

    vegetais, visto ser um importante polmero vegetal de reserva. O amido tem dois constituintes principais

    a amilose, com uma estrutura no-ramificante, constituda por ligaes 1->4 e a amilopectina,

    consistindo em cadeias ramificantes, por ligaes 1->6.

    A frutose est presente em elevadas concentraes na fruta, bem como em alguns vegetais. Contudo,

    este monossacardeo igualmente a base de muitos adoantes, estando presente em refrigerantes e

    outros doces.

    A sacarose (dissacardeo constitudo por resduos de glicose e frutose, ligados por uma ligao

    glicosdica 1->2 e sem poder redutor), dado ser a molcula presente no vulgar acar de mesa est

    presente em muitos doces, sobremesas, refrigerantes sendo tambm usada como conservante.

    Naturalmente, a sacarose tambm se encontra no sorgo, nalgumas frutas e vegetais.

    A lactose, por seu turno, um dissacardeo formado por resduos de glicose e galactose (ligadas ligao

    glicosdica 1->4, sendo do tipo osdeo-ose), presente no leite e seus derivados.

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    Digesto de glicdeos

    A digesto de glicdeos feita por hidrlise (AB + H2O A + B), permitindo libertar oligossacardeos e

    posteriormente dissacardeos e monossacardeos, atravs da quebra das ligaes glicosdicas, que

    ocorre mediada por enzimas. O ndice de glicemia o aumento dos nveis de glicose no sangue aps

    uma dose de teste de glicdeos. A glicose e a galactose tm um ndice de 1, algo que acontece tambm

    com a lactose, maltose, isomaltose e trealose, visto que por hidrlise estes oligossacardeos originam os

    monossacardeos acima referidos. A frutose, a sacarose e os acares-alcois dado serem absorvidos

    mais lentamente, tm um ndice glicmico mais baixo. O ndice glicmico do amido varia entre 0 e 1,

    algo que resulta dos nveis variveis da hidrlise deste polissacardeo. Os alimentos com menor ndice

    glicmico so considerados mais benficos para a sade, visto provocarem menores flutuaes nos

    nveis de secreo de insulina. O amido resistente e os polissacardeos sem amidos fornecem substratos

    para a fermentao bacteriana no intestino grosso e o butirato resultante e outras pequenas cadeias de

    cidos gordos fornecem energia para os entercitos intestinais.

    A hidrlise do amido catalisada pelas amilases salivar e pancreticas na cavidade oral e no intestino

    delgado, que actuam aleatoriamente nas ligaes glicosdicas (1->4) estabelecidas (sendo necessrias

    outras enzimas para quebrar as ligaes 1->6), resultando como produtos finais, maltotriose (trmero

    com 3 resduos glicose ligados por ligaes glicosdicas -1,4), maltose, glicose e dextrina limite da

    amilopectina (oligossacardeo formado por vrios resduos glicose sendo que dois deles esto ligados

    por uma ligao ->1,6).

    Na cavidade oral, a amilase salivar transforma o amido em maltose e dextrina, aps sucessivas quebras

    de ligao. Esta enzima funciona a um pH ptimo situado entre os 5.6 e os 6.9, sendo que o baixo pH

    existente no estmago inactiva a sua actividade.

    No duodeno, os sucos pancreticos libertados so ricos em amilase pancretica, que catalisam a

    hidrlise aleatria das ligaes glicosdicas (1->4) da amilina, resultando em maltose, maltotriose e

    dextrina. No lmen do intestino, tambm o pH ptimo para as enzimas prximo de 7. No intestino

    encontramos duas enzimas - maltase (->1,4 glicosdase) e a isomaltase (->1,6 glicosdase), que

    catalisam a hidrlise da maltose, maltotriose e dextrina limite. J no lmen intestinal, mais

    propriamente, prximo dos entercitos, encontramos vrias enzimas, nomeadamente a lactase (-1,4

    galactosdase, sendo que deficincia nesta enzima leva ocorrncia de intolerncia lactose, algo

    relativamente comum na populao portuguesa) e a sacarase, que catalisam a hidrlise da lactose e da

    sacarose. Estas ltimas enzimas so designadas ecto-enzimas, por actuarem fora dos entercitos, apesar

    de serem enzimas da sua membrana citoplasmtica.

    Alguns glicdeos complexos que so componentes de plantas no so digeridos pelas enzimas presentes

    na saliva, no estmago ou no intestino delgado e no so absorvidos. Passam para o intestino grosso

    (clon) onde podem ser parcialmente digeridos pelas bactrias do intestino e so importantes

    componentes das fezes. Estes glicdeos so colectivamente designados por fibras.

    Absoro de glicdeos ao nvel dos entercitos

    Os entercitos so as clulas que ao nvel do intestino delgado realizam a absoro dos

    monossacardeos. Como estes so substncias muito hidroflicas e de dimenses considerveis, no

    atravessam a membrana celular por transporte simples, sendo necessrio o recurso a transportadores,

    neste caso por transporte activo. A glicose e a galactose so absorvidas graas a um processo de

    transporte activo secundrio, dependente de sdio, sendo transportadas pela mesma protena

    transportadora presente no plo basal dos entercitos (SGLT 1 - Sodium dependent GLucose

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    Transporter 1) e

    competindo pela

    absoro intestinal.

    Assim, a glicose e a

    galactose podem entrar

    para o meio intracelular

    contra o gradiente de

    concentrao pelo

    transportador SGLT1

    (este um simporter,

    porque s funciona se

    transportar duas

    substncias diferentes

    na mesma direco mas

    o transporte s

    possvel se, pelo

    menos, o transporte de

    uma das substncias ocorrer a favor de gradiente, o que neste caso acontece com o sdio).

    Este simporter est ento dependente da presena de um gradiente de sdio, algo que gerado pela

    bomba de sdio e potssio, que expulsa sdio para o meio extracelular, permitindo que o sdio depois

    entre para o meio intracelular a favor do gradiente. Como o transporte de glicose s ocorre conta da

    bomba de sdio e potssio, diz-se que estamos na presena de transporte secundrio. Por seu turno, o

    transporte ocorrido ao nvel da bomba de sdio e potssio transporte primrio. Relativamente

    frutose, este monossacardeo entra a favor do gradiente de concentrao por difuso facilitada, atravs

    de uma protena, o GLUT5.

    Estes monossacardeos (a glicose, a galactose e a frutose) vo ser expulsos do entercito, do seu plo

    basal, mas desta vez para os capilares sanguneos, atravs de um processo de difuso facilitada operada

    pelo transportador GLUT2 (os GLUTs so transportadores uniporters).

    A transcrio do gene que codifica o SGLT1 aumenta quando a concentrao de glicose elevada no

    lmen intestinal. Ou seja, a sntese de SGLT1 aumenta (lentamente) aps uma refeio que contenha

    glicose ou glicdeos que a possam gerar, mas no afectada pela glicemia. O mesmo acontece no caso

    do GLUT5, aquando da ingesto de frutose. Dessa forma, aquando de uma menor ingesto de glicdeos,

    est presente uma menor quantidade de SGLT1. Ora, a no-entrada de sdio e glicose para os

    entercitos, leva a que no ocorra, consequentemente, a entrada de gua por osmose, para estas

    clulas, atravs de aquaporinas. Isto leva a que grandes quantidades de gua sejam expulsas, por

    diarreias agudas, um importante factor de mortalidade infantil nos pases sub-desenvolvidos.

    Importncia da flora microbiana

    Alguns glicdeos complexos que so componentes de plantas no

    so digeridos pelas enzimas presentes na saliva ou no intestino

    delgado e no so absorvidos. Passam para o intestino grosso

    (clon) onde podem ser parcialmente digeridos pelas bactrias do

    intestino e so importantes componentes das fezes. Essas bactrias,

    genericamente designadas por flora intestinal, estabelecem com os

    seres humanos uma relao simbitica, permitindo a fermentao

    parcial de substratos para os quais no temos enzimas,

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    transformando esses complexos em cadeias curtas de cidos gordos, de extrema importncia para as

    clulas (estas cadeias incluem cido actico, propinico, isobtrico, isovalrico e valrico), facilitam a

    distino, pelo sistema imunitrio, de bactrias patognicas e produzem biotina e vitamina K. Podemos

    designar as bactrias da flora intestinal, na sua generalidade, como probiticas, por apresentarem

    frequentemente efeitos positivos para o hospedeiro. Para estimular o desenvolvimento da flora

    microbiana, ingerem-se frequentemente substncias no digerveis que se designam por pr-biticas.

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    Gliclise e oxidao do piruvato

    Processos de metabolismo

    Os seres vivos obtm energia, atravs da oxidao de

    nutrientes, sendo esta armazenada sob a forma de ATP,

    visto que as ligaes fosfato l envolvidas so

    altamente energticas. Estes processos so

    genericamente designados por catablicos. De entre os

    processos catablicos para a obteno de energia,

    destacam-se os processos aerbios, que ocorrem na

    presena de oxignio. A gliclise uma etapa comum

    aos processos catablicos de fermentao (realizada

    em condies anaerbias) e de respirao aerbia. J os

    processos que envolvem quebra das ligaes fosfato no

    ATP e, como tal, consumo de energia, geralmente associado sntese de novas substncias, so

    anablicos. De referir que numa clula do organismo a concentrao de ATP praticamente no varia,

    mesmo quando a sua velocidade de hidrlise aumenta porque, quando isto acontece (por exemplo, nas

    fibras musculares, durante o esforo fsico), aumenta igualmente a sua velocidade de sntese (formao

    de ATP a partir de ADP e Pi).

    Gliclise

    A gliclise ocorre no citoplasma das clulas e consiste na converso da glicose em piruvato (processo

    exergnico), acompanhada pela sntese de ATP (processo endergnico), a partir da energia libertada. A

    gliclise a forma de obteno de energia dos eritrcitos e dos neurnios, que no tm mitocndrias,

    bem como dos procariontes, que tambm no as possuem. Tambm as clulas musculares

    (especialmente dos msculos brancos), aquando de falta de oxignio (por exemplo quando levado a

    cabo um maior esforo fsico), realizam fermentao lctica, obtendo energia a partir, unicamente, da

    gliclise.

    As enzimas que participam no processo de gliclise so, portanto, essenciais ao nosso organismo (sem

    estas o processo de gliclise no ocorreria), sendo que deficincias nestas podem levar a anemias

    hemolticas, ou, no caso dos msculos esquelticos, fadiga. Por outro lado, nas clulas tumorais, a

    gliclise ocorre a um ritmo muito rpido, formando grande quantidade de piruvato, que depois

    reduzido e convertido em cido lctico, o que pode levar inclusive a uma acidose lctica.

    A reaco geral da produo de lactato por via da glicose traduz-se por:

    Glicose + 2 ADP + 2Pi -> 2Lactato + 2ATP + 2 H2O

    O incio da gliclise relaciona-se com a enzima hexocinase, que catalisa a sua fosforilao, originando-se

    glicose 6-fosfato. Esta reaco ocorre com consumo de energia, proveniente da doao de um fosfato

    por parte do ATP e , em condies normais, irreversvel. Posteriormente, por aco da enzima

    fosfohexose isomerase, a glicose-6-fosfato convertida em frutose 6-fosfato, algo que envolve uma

    isomerizao aldose-cetose. Essa reaco sucedida por outra fosforilao, catalisada, desta vez, pela

    enzima fosfofrutocinase-1, levando formao de frutose 1,6-difosfato. Mais uma vez, esta reaco

    considerada, em condies fisiolgicas, irreversvel, desempenhando um importante papel na regulao

    da taxa da gliclise.

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    De seguida, a enzima aldolase catalisa, a clivagem da frutose 1,6-difosfato, formando-se duas trioses

    fosfatos: O gliceraldedo 3-fosfato e a dihidroxiacetona fosfato, que so convertidos uns nos outros

    pela enzima fosfotriose isomerase. Segue-se a oxidao do gliceraldedo 3-fosfato, reaco catalisada

    pela enzima (dependente de NAD) gliceraldedo 3-fosfato desidrogenase e que tem, como

    consequncia, o composto 1,3-difosfoglicerado. Esta enzima um tetrmero, cujas subunidades so

    todas iguais, contendo todas um grupo SH, o que leva a que os grupo SH se encontrem no centro

    activo da enzima. Como tal, o substrato liga-se aos grupos SH formando um tiosemiacetal, que

    oxidado, originando um tioster (os hidrognios removidos so transferidos para o NAD+), que sofre

    fosforlise (adio de um grupo fosfato inorgnico, originando-se 1,3-difosfoglicerato).

    O fosfato do 1,3-difosfoglicerato ento transferido para a molcula de ADP, originando-se ATP e 3-

    fosfoglicerato. Esta reaco catalisada pela enzima cnase do fosfoglicerato. Como as trioses formadas

    so duas, vo se formar duas molculas de ATP de facto, at este ponto (dois ATP per molcula de

    glicose, como tal, sendo o saldo de ATP, desde o incio da glicose at esta etapa nulo).

    O 3-fosfoglicerato ento isomerado para 2-fosfoglicerato, pela enzima mtase do fosfoglicerato.

    Posteriormente, a enzima enolase catalisa uma desidratao, originando fosfoenolpiruvato. Esta

    enzima inibida, pelo flor, razo pela qual, se acrescenta flor a anlises do sangue para medio dos

    nveis de glicose. A enolase est tambm dependente da presena de magnsio ou mangans.

    Deficincias de magnsio levam ento a fadiga, por impossibilidade de gnese de ATP.

    O fosfato do fosfoenolpiruvato ento transferido para o ADP, gerando ATP, por aco da enzima

    cinase do piruvato, formando-se (enol)piruvato. Temos agora um saldo positivo de duas molculas de

    ATP, per molcula de glicose, pois cada triose derivada da glicose produz uma molcula de ATP.

    O (enol)piruvato sofre uma reaco espontnea, sendo transformado em (ceto)piruvato, sendo ambas

    variantes de piruvato. Terminada a gliclise, o (ceto)piruvato pode seguir duas vias em condies

    anaerbias, por aco da desidrognase do lactato, transformada em lactato, aps sofrer reduo.

    Em condies aerbias, o piruvato levado at s mitocndrias, onde ser oxidado no ciclo do cido

    ctrico, convertendo-se, inicialmente, em acetil-CoA, atravs de uma reaco irreversvel que envolve o

    piruvato e a CoA. Nesta ltima reaco, catalisada pela desidrognase do piruvato, ocorre uma

    descarboxilao e a adio de CoA.

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    Regulao da gliclise

    A maioria das reaces ocorridas no processo da gliclise so reversveis, contudo, so

    termodinamicamente muito mais favorecidas, no sentido descrito no tpico anterior, podendo ser,

    como tal, consideradas de grosso modo, irreversveis. As reaces catalisadas pela hexocinase,

    fosfofructocinase e cnase do piruvato so onde se do os principais momentos de regulao de

    gliclise. Nomeadamente, a fosfofructocinase-1 significantemente inibida, aquando de concentraes

    normais intracelulares de ATP (mecanismo que podemos associar ao feedback negativo). De referir que,

    a concentrao de ATP nas clulas praticamente invarivel, no sofrendo oscilaes apreciveis (p.e.,

    quando h um maior consumo de ATP, a clula no fica com dfice desta molcula).

    O complexo de desidrognase do piruvato apresenta cinco actividades, mas apenas trs delas so

    enzmicas. A sua forma fosforilada a forma inactiva e, como tal, a sua desfosforilao activa o processo

    de converso do piruvato em acetil-CoA, sendo esta reaco irreversvel e ocorrendo nas mitocndrias.

    Um excesso de acetil-CoA faz com que esta possa ser convertida em cidos gordos. Este complexo est

    dependente da vitamina B e uma carncia extrema desta pode levar a neuropatias, dado que os

    neurnios esto completamente dependentes da obteno de ATP por via da gliclise.

    A fosftase da desidrognase do piruvato o componente do complexo desidrognase do piruvato que

    catalisa a sua desfosforilao e a consequente activao do processo de converso do piruvato em

    acetil-CoA. A fosftase da desidrognase do piruvato activada pelo Ca2+ e, consequentemente, quando

    a concentrao de Ca2+ aumenta em resposta ao estmulo nervoso aumenta tambm a velocidade de

    oxidao do piruvato a acetil-CoA.

    Produo de lactato: Consideraes biolgicas

    Num corao normal cada molcula de cido pirvico formada durante a oxidao da glicose

    imediatamente oxidada formando-se CO2: a gliclise do miocrdio normal aerbia. Contudo, em

    situaes em que o fluxo sanguneo est perturbado (situaes de isquemia como o enfarte ou angina

    de peito) o fornecimento de O2 no suficiente para oxidar todas as molculas de NADH formadas (o

    oxignio na maioria das clulas o regenerador das concentraes de NAD+, pois ao reduzir-se a gua,

    leva oxidao do NADH a NAD+). Assim, ocorre aumento da concentrao intracelular de NADH (e

    diminuio na de NAD+), o que leva a que, de modo a serem asseguradas as concentraes normais de

    NAD+ (que so superiores s de NADH), o piruvato seja reduzido a lactato. Isto similar ao que ocorre

    em tumores mal irrigados. Tambm o crebro, o tracto gastrointestinal, a medula renal a retina e a pele

    tm capacidade de produzir lactato. O fgado e os rins so rgos que, semelhana do corao,

    normalmente oxidam o lactato, mas que em condies hipxicas, o produzem.

    Mesmo em repouso, os msculos, sobretudo as fibras musculares brancas, produzem, normalmente,

    algum lactato mas o exerccio fsico intensifica marcadamente o processo. Durante o exerccio que

    costume designar-se de anaerbio a concentrao de lactato nas fibras musculares pode aumentar

    cerca de 30 vezes, ocorrendo por isso uma descida do pH nas fibras musculares (o pKa do cido lctico,

    que ronda os 4, mais baixo que o pH do citoplasma das fibras musculares, que similar a 7.4 e, por

    isso, a maioria das molculas de cido lctico dissocia-se formando o io lactato), o que conduz ao

    processo de fadiga. No caso do corao isqumico, a descida do pH intracelular, tem como efeito a

    reduo da capacidade de bombeamento.

    Gliclise nos eritrcitos

    Os eritrcitos so clulas que no possuem mitocndrias e, desse modo, obtm todo o seu ATP por via

    da gliclise, sendo o lactato o composto final deste processo. Nestas clulas, a glicose entra por via do

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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    12

    transportador GLUT1 e a reaco catalisada pela cnase do

    fosfoglicerato, frequentemente ultrapassada, pela reaco da mtase

    do fosfoglicerato, que catalisa a converso do 1,3-difosfoglicerato a 2,3-

    bifosfoglicerato, seguida de hidrlise deste composto pela fosftase do

    2,3-bifosfoglicerato, algo que tem por consequncia a formao de 3-

    fosfoglicerato. Esta via alternativa no permite obter ATP extra, mas

    permite a gnese de um composto, que se liga hemoglobina,

    impedindo que esta tenha afinidade com o oxignio e permitindo que

    este esteja mais facilmente disponvel para outros tecidos. Em elevadas

    altitudes, a produo de 2,3-bifosfoglicerato ento maior, visto haver maior necessidade de

    oxigenao dos tecidos.

    A concentrao de NAD+ (e NADH) dentro dos eritrcitos (como em todas as clulas) muito baixa

    (estimada em cerca de 78 mM) e, na ausncia de um mecanismo que permitisse reoxidar o NADH a

    NAD+, todo o NAD+ do eritrcito se esgotaria em pouco tempo (nas restantes clulas o O2 que oxida o

    NADH). De facto, a concentrao de NAD+ (e NADH) estacionria porque cada molcula de NADH que

    se forma na gliclise imediatamente oxidada a NAD+ por aco cataltica da desidrognase do lactato,

    tal como acontece no corao isquimico.

    Assim, os eritrcitos consomem glicose e libertam continuamente cido lctico que vai ser

    metabolizado por outras clulas do organismo. Contrariamente gliclise que termina com a formao

    de piruvato, em que h variao do nmero de oxidao mdio dos carbonos da glicose e do piruvato,

    na gliclise que termina com a formao de cido lctico, h manuteno do nmero de oxidao mdio

    dos carbonos da glicose e do cido lctico (em ambos os casos, 0). Logo, este processo no pode ser

    considerado oxidativo.

    Gliclise nos hepatcitos

    A glicose entra para os hepatcitos atravs do transportador GLUT2. A sua grande actividade permite

    que quase ocorra uma situao de equilbrio entre a concentrao de glicose no sangue e dentro dos

    hepatcitos, o que permite que variaes da glicemia do sangue sejam acompanhadas por variaes ao

    nvel dos hepatcitos.

    Nos hepatcitos, dada a elevada concentrao de

    glicose, a hexocnase predominante vai ser a

    hexocinase de tipo IV, tambm designada por

    glicocinase. Esta tem menor afinidade com o

    substrato, o que leva a que no haja saturao

    enzimtica to precoce, como nos mostra o grfico

    seguinte. Isto permite uma maior sequestrao da

    glicose dentro dos hepatcitos. Aquando de baixos

    nveis glicmicos a glicocnase encontra-se sobretudo

    no ncleo dos hepatcitos, ligada a uma protena

    inibidora. Quando os valores de glicemia aumentam,

    a glicose liga-se ao complexo glicocnase-protena

    inibidora, levando sua dissociao. A glicocnase fica

    ento activa e desloca-se para o citoplasma, iniciando a gliclise.

    A gliclise e a aco da desidrognase do piruvato so reguladas no fgado, por aco da insulina e da

    glicagina, que actuam mediante os valores de glicemia. A insulina sintetizada nas clulas dos ilhus

    de Langerhans, enquanto a glicagina, tambm designada por glucagon, sintetizada nas clulas . Um

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    13

    aumento da concentrao de glicose no sangue,

    nomeadamente na veia que irriga o fgado (a veia porta,

    onde a concentrao de glicose pode subir de 4 mM para

    14 mM. A imagem da esquerda mostra a veia porta

    rodeada por hepatcitos) leva a uma aumento de da

    sntese e secreo de insulina e a uma diminuio da

    concentrao de glicagina, ou pelo menos a uma diferena

    maior entre as concentraes destas duas hormonas. O

    aumento da glicemia, atravs de uma maior quantidade de

    insulina, que activadora da oxidao da glicose, vai ento

    levar a uma maior velocidade de oxidao de glicose no fgado (quando a glicemia baixa o fgado deixa

    de oxidar glicose e passa a oxidar cidos gordos). A insulina activa tambm a sntese das principais

    enzimas da gliclise, como a cnase da frutose-6-fosfato, a fosfofrutocnase-1. Por ltimo, a insulina

    activa as fosfatases para que estas desfosforilem a desidrognase do piruvato, activando esta enzima.

    A glicagina, pelo contrrio, uma hormona que exerce os seus efeitos, apenas no fgado, porque apenas

    na membrana celular dos hepatcitos encontramos receptores para esta hormona. O aumento da

    secreo pancretica de glicagina, quando esta desce permite a diminuio, no fgado, da concentrao

    de frutose-2,6-bisfosfato, um activador alostrico da fosfofrutocnase-1. Desta forma, a glicagina,

    diminuindo a actividade desta enzima da gliclise vai, no fgado, diminuir a velocidade de consumo de

    glicose. A glicagina tambm induz a inibio da cnase do piruvato heptica, atravs da sua fosforilao.

    Gliclise nas clulas musculares

    Nas clulas musculares o transportador de glicose o GLUT 4. A glicose que entra nos msculos de

    imediato fosforilada (pela hexocnase II1) e convertida a glicose-6-fosfato e, como tal, a concentrao de

    glicose sempre maior no meio extracelular que no meio intracelular, o que leva entrada de glicose

    para as clulas musculares.

    O nmero de transportadores GLUT4 na membrana sacroplasmtica varivel, estando dependente da

    actividade contrctil da fibra muscular e das concentraes de insulina. Deste modo, aquando de um

    maior esforo fsico, ou aquando de um aumento do nvel de glicemia favorecido um aumento de

    velocidade de entrada de glicose para a clula muscular.

    A velocidade de hidrlise de ATP sofre oscilaes muito acentuadas no msculo esqueltico (no estado

    de esforo pode ser mais de 100 vezes superior do estado de repouso). Contudo, esse aumento da

    velocidade de hidrlise acompanhado por um aumento da velocidade de sntese desta molcula, algo

    que consequncia do aumento da velocidade de consumo de nutrientes, incluindo o de glicose na

    gliclise (e subsequente oxidao do piruvato pelo O2). Uma maior hidrlise de ATP leva a aumentos de

    concentrao de ADP e AMP (produtos resultantes da sua hidrlise), apesar de no ocorrerem

    praticamente variaes na concentrao de ATP, isto porque a concentrao de ATP cerca de 100

    vezes superior de ADP e cerca de 10000 vezes superior de AMP e, portanto, ligeiras oscilaes da

    concentrao de ATP repercutem-se em grandes alteraes da concentrao de ADP e AMP. Este

    mecanismo assemelha-se transferncia de um aluno de uma turma de 50 alunos para uma turma de 5

    alunos, enquanto na primeira turma a mudana no significativa, na segunda turma, a entrada de um

    novo aluno altera muito o panorama desta.

    O AMP e o ADP so activadores alostricos da fosfofrutocnase-1. O ATP, um dos substratos desta

    enzima, pode tambm se ligar ao centro alostrico desta, inibindo a sua actividade. Dessa forma

    aquando de maiores concentraes de AMP e/ou ADP, ocorre concomitantemente um aumento da

    actividade de fosforutocnase-1 e da taxa de gliclise

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    Ciclo de Krebs

    O ciclo de Krebs, tambm conhecido pelos norte-americanos como ciclo do cido ctrico, ou ciclo dos

    cidos trcarboxlicos, uma sequncia de reaces que ocorrem nas mitocndrias, permitindo a

    oxidao da acetil-CoA e a reduo de molculas transportadoras, que sero de novo reoxidadas,

    aquando da cadeia transportadora de electres. Esta a ltima via comum oxidao de glicdeos,

    lipdeos e protenas, porque tanto a glicose, como os cidos gordos e grande parte dos aminocidos so

    metabolizados a acetil-CoA, ou a qualquer intermedirio do ciclo. As enzimas necessrias para que este

    processo ocorra, encontram-se na matriz mitocondrial.

    Reaces do ciclo de Krebs

    O ciclo de Krebs inicia-se aquando da reaco entre o oxalacetato, um composto com quatro carbonos e

    o grupo funcional do acetilo, da acetil-CoA. Esta reaco inicial catalisada pela sntase do citrato, que

    leva formao de citril-CoA, cuja ligao tioster hidrolisada, originando-se citrato e libertando-se

    CoASH. Esta reaco exotrmica. O oxalacetato desempenha um papel cataltico, visto que uma

    pequena quantidade deste composto suficiente para metabolizar oxidar uma grande quantidade de

    acetil-CoA. O citrato ento isomerado para isocitrato, atravs da enzima aconitase (uma isomerase). A

    aco da enzima aconitase inibida pela presena de fluorocitrato, um composto formado por aco do

    fluoroacetato, um veneno que forma este composto, a partir de oxaloacetato.

    O isocitrato sofre ento uma desidrogenao catalisada pela desidrognase do isocitrato. Isto forma

    inicialmente oxalosuccinato, que sofre uma descarboxilao, originando -cetoglutarato, um processo

    que requer a presena de Mg2+, ou Mn2+. Por consequncia da desidrogenao do isocitrato, verifica-se

    uma reduo do transportador NAD+, que origina NADH.

    O -cetoglutarato sofre ento descarboxilao, por aco do complexo da desidrognase do -

    cetoglutarato, analogamente ao que ocorre aquando da descarboxilao do oxidativa do piruvato. So

    necessrios vrios cofactores para este complexo, nomeadamente CoA e NAD+ (que ser reduzido a

    NADH), resultando a reaco na formao de succinil-CoA. De referir que esta reaco pode ser

    considerada fisiologicamente irreversvel, dado que todas as condies favorecem sempre a formao

    de succinil-CoA. O arsenito funciona como um inibidor desta reaco, tal como acontecia com a de

    oxidao do piruvato. Isto leva, obivamente, acumulao de -ceoglutarato.

    A succinil-CoA ento convertida em succinato pela tiocinase do succinato, tambm designada por

    sinttase da succinil Co-A, que ocorre com a sntese de GTP (guanosina tri-fosfato) a partir de GDP + Pi

    e com a libertao de CoA. O fosfato do GTP ento transferido para o ADP, originando-se ATP, por

    aco da cnase dos nucleotdeos difosfato.

    O succinato origina fumarato, ao sofrer oxidao. Esta reaco catalisada pela enzima desidrognase

    do succinato e tem por consequncia a reduo do transportador FAD, levando formao de FADH2. A

    desidrognase do succinato est ligada membrana interna da mitocndria, integrando o complexo II

    da cadeia transportadora de electres. A presena de um grupo Fe-S nesta enzima vital para que esta

    possa transferir os electres para a ubiquinona, reduzindo-a.

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    A enzima fumarase catalisa, posteriormente, a converso do fumarato em malato, algo que feito

    atravs da adio de uma molcula de gua dupla ligao do fumarato. O malato convertido em

    oxalacetato pela desidrognase do malato, que mais uma vez, leva formao de NADH, a partir de

    NAD+. O equilbrio desta reaco favorece a formao de malato, porm, o oxalacetato est

    constantemente a ser removido (nomeadamente para a formao de citrato) e, como tal, verifica-se que

    a reaco evolui, de facto, no sentido da formao de oxalacetato.

    Importncia das vitaminas no ciclo de Krebs

    Quatro vitaminas da classe das vitaminas B desempenham um papel vital no ciclo de Krebs. A

    riboflavina, na forma de FAD (dinucleotdeo de flavina e adenina) um co-factor para a desidrognase

    do succinato. A niacina (sob a forma de NAD - dinucleotdeo de nicotinamida e adenina) um

    importante aceitador de electres, como passvel de ser constatado. A tiamina (vitamina B1), enquanto

    tiamina difosfato uma coenzima envolvida na descarboxilao da reaco em que intervm a

    desidrognase do -cetoglutarato. Por fim, o cido pantotnico parte da CoA.

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    Regulao do Ciclo de Krebs

    A actividade do ciclo de Krebs regulada pela cadeia transportadora de electres e pela fosforilao,

    designando-se essa regulao por controlo respiratrio. Por outro lado, a actividade ao nvel do ciclo

    de Krebs influenciada pela disponibilidade de NAD+ que, por sua vez, depende da disponibilidade de

    ADP (devido ntima acoplao entre os processos de oxidao e fosforilao) e que, em ltima

    instncia, depende do ritmo de consumo de ATP. Desse modo, nos msculos, quando realizamos

    exerccio fsico e aumentamos a despesa energtica (e por consequncia, a velocidade de hidrlise de

    ATP), aumentamos a velocidade das reaces catalisadas por enzimas do ciclo de Krebs.

    Por outro lado, a actividade das enzimas que participam no ciclo de Krebs tambm regulada. As

    desidrognases do isocitrato e do -ceto-glutarato so activadas pela presena do io Ca2+, cuja

    concentrao aumenta, aquando de uma maior contraco muscular, o que significa que, aquando de

    um maior esforo fsico, maior a actividade dessas enzimas.

    O complexo da desidrognase do -cetoglutarato regulado da mesma maneira que a desidrognase

    do piruvato. A desidrognase do succinato inibida pelo oxalacetato, cuja disponibilidade, ao ser

    controlada pela desidrognase do malato, depende do rcio [NADH]/[NAD+].

    Balano do Ciclo de Krebs

    Como ocorrem dois ciclos de Krebs, por molcula de glicose, o saldo de ATP produzido no ciclo de Krebs

    vai ser de 2 molculas produzidas (uma por cada ciclo). Multiplicando por dois, o saldo de

    transportadores reduzidos formados, constatamos que, ao nvel dos ciclos de Krebs obtemos no total 6

    NADH e 2 FADH2, algo que ter depois influncia ao nvel da produo de ATP em termos de fosforilao

    oxidativa.

    Importncia do Ciclo de Krebs na sntese de aminocidos e de cidos gordos

    O ciclo de Krebs no s importante em termos de metabolismo dos glicdeos. Esta via extremamente

    importante em processos de transaminao e desaminao de aminocidos, bem como na sntese de

    cidos gordos, sendo um processo anfiblico, pelo facto de participar em processos de oxidao de

    sntese. Os processos nos quais um intermedirio do ciclo de Krebs convertido num composto que no

    o denominam-se cataplerticos, enquanto os processos inversos (em que um composto que no

    intermedirio do ciclo de Krebs origina um que o ) designam-se por anaplerticos. Todas as substncias

    que so substratos em processos anaplerticos so simultaneamente substratos da gliconeognese

    (processo de sntese de glicose ou glicognio a partir de precursores no glicdicos).

    As reaces de transaminase (transferncia de grupos amina de aminocidos) permitem a formao de

    piruvato a partir de alanina, oxaloacetato a partir de aspartato e -cetoglutarato a partir de glutamato.

    Dado estas reaces serem reversveis, o ciclo de Krebs serve como fonte de esqueletos de carbono

    para a sntese de estes aminocidos.

    Em termos de sntese de cidos gordos, podemos referir que a acetil-CoA, formada a partir do piruvato

    por aco da desidrognase do piruvato, o principal substrato para a sntese de cadeias longas de

    cidos gordos. Como a sntese de acetil-CoA ocorre no citosol e a membrana mitocondrial

    impermevel acetil-CoA, ocorre a exportao de citrato para o citosol, que depois origina acetil-CoA

    por aco da enzima liase do ATP-citrato. De referir que o citrato apenas se encontra disponvel para ser

    transportado para fora da mitocndria, quando a enzima aconitase j se encontra saturada com

    substrato, algo que assegura que o citrato apenas utilizado para a sntese de cidos gordos, quando

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    existe excesso deste composto. Apesar disso, os cidos gordos de cadeia par no conseguem originar

    glicose, pois a sua -oxidao origina apenas acetil-CoA que no um substrato da gliconeognese.

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    Fosforilao oxidativa

    A fosforilao oxidativa permite a sntese de uma quantidade elevada de molculas de ATP, a partir de

    ADP + Pi, sendo por isso um processo aerbio vital. Na verdade, patologias associadas a defeitos nas

    mitocndrias, que interfiram com a fosforilao oxidativa esto descritas e so extremamente graves,

    de entre estas so de referir as miopatias e encefalopatias, geralmente associadas a acidoses lcticas.

    Mitocndria

    A fosforilao oxidativa, tal como o ciclo de Krebs, ocorre na

    mitocndria. Este organelo celular apresenta uma matriz e duas

    membranas uma externa, permevel maioria dos metabolitos,

    devido presena da protena porina e onde esto presentes vrias

    enzimas, e uma interna, selectivamente permevel e onde esto

    contidas as enzimas da cadeia respiratria, a sntase do ATP e vrios

    transportadores membranares que, precisamente, lhe conferem essa

    selectividade.

    Passagem dos transportadores para a membrana interna da mitocndria

    Os sistemas de difuso na membrana interna da mitocndria envolvem protenas transportadoras, que

    atravessam essa membrana, trocando anies por ies HO- e caties por ies H+. A membrana

    mitocondrial interna apenas livremente permevel a pequenas molculas sem carga, tais como a gua,

    o oxignio, o dixido de carbono, o amonaco e cidos monocarboxlicos, como o cido actico. O

    fosfato inorgnico entra na membrana interna, como o io H2PO4-, em troca de OH-, por um simporter.

    O transportador do nucleotdeo de adenina um antiporter e permite, por sua vez, trocar ATP por ADP,

    mas no por AMP. Isto vital para permitir a sada de ATP das mitocndrias para locais onde este

    necessrio, permitindo simultaneamente a entrada de ADP, para a produo de ATP nas mitocndrias.

    Como por cada quatro cargas negativas removidas da matriz, so trs repostas, o gradiente

    electroqumico na membrana favorece a exportao de ATP.

    O NADH no consegue penetrar na membrana mitocondrial. Contudo, em condies aerbias, o NADH

    mitocondrial no se acumula e oxidado pela cadeia respiratria na mitocndria. A transferncia requer

    a mediao por parte de lanadeiras, ou shuttles, de entre as quais referimos a lanadeira do glicerol-3-

    P e a lanadeira do malato, que tem mais expresso no fgado, rim e corao e envolve a reduo do

    oxalacetato a malato pelo NADH, o transporte do malato (por um antiporte o transportador do

    cetoglutarato) para a matriz da mitocndria e a re-oxidao do malato (a oxalacetato) pelo NAD+ da

    matriz. Desta maneira os equivalentes redutores do NADH formado no citoplasma so transferidos (via

    malato) para a matriz e o NADH formado na matriz pode ser oxidado por aco cataltica dos complexos

    I, III e IV. Esta shuttle est dependente da converso de glutamato a aspartato para que possa ocorrer

    converso do oxalacetato em -cetoglutarato, na mitocndria, sendo este ltimo posteriormente

    exportado para o citosol, onde convertido de novo em oxalacetato.

    A lanadeira do glicerol-3-P, mais importante no crebro e tecido muscular, implica a reduo pelo

    NADH da dihidroxiacetona-P do citoplasma e consequente formao de glicerol-3-P; a enzima que

    catalisa esta reaco uma desidrognase do glicerol-3-P presente no citoplasma. O glicerol-3-P

    formado transfere os electres para a coenzima Q atravs da aco cataltica doutra desidrognase do

    glicerol-3-P presente na face externa da membrana interna da mitocndria. As desidrognases do

    glicerol-3-P do citoplasma (dependente do NADH) e a da face externa da membrana interna da

    mitocndria (que tem como grupo prosttico o FAD) so isoenzimas.

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    A lanadeira da creatina fosfato permite o transporte de

    ATP da membrana interna da mitocndria para o citosol,

    envolvendo a enzima cinase da creatina, que transfere

    um fosfato do ATP para a creatina, originando-se creatina

    fosfato, que passa para o citosol, A, o fosfato da creatina

    fosfato de novo transferido para o ADP, sendo originado

    ATP.

    Reaces de oxirreduo ao nvel da

    mitocndria

    Os electres so transmitidos na cadeia respiratria

    atravs de um potencial redox de diferena de potencial

    1,13 V, do NAD+/NADH para o par O2/H2O. O O2 um

    potente oxidante e tem um valor positivo e elevado do

    potencial redox padro do par O2/H2O, E = +0,815,

    tendo, por isso, tendncia para aceitar electres de outros

    compostos. J o par NAD+/NADH apresenta um baixo

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    potencial redox padro, E = -0,315, o que significa que o NADH tem uma grande tendncia a ceder

    electres oxidando-se a NAD+. medida que nos vamos aproximando do O2/H2O nesta sequncia de

    reaces, vamos tendo valores de potenciais redox cada vez maiores. Contudo, esta transferncia no

    imediata. Os electres passam inicialmente do NADH para a ubiquinona, por aco da oxirredtase do

    NADH-Q (ou complexo I). Depois, passam da ubiquinona (tambm denominada por coenzima Q) para a

    o citocromo c, por aco da oxirredtase do Q-citocromo c (tambm designada por complexo III) e,

    finalmente, por aco da oxidase do citocromo c (complexo IV), os electres so finalmente

    transportados para o O2. Por vezes, alguns substratos com potenciais redox mais positivos que o

    NAD+/NADH, como por exemplo, o succinato, transmitem electres para a ubiquinona, atravs de um

    quarto complexo a redtase do succinato-Q/ desidrognase do succinato (complexo II). A transmisso

    de electres pelos complexos I, III e IV, resulta no bombear de protes de matriz existente na membrana

    interna mitocondrial, para o espao intermembranal.

    As flavoprotenas, entendidas como protenas que contm um cido nucleico derivado da riboflavina,

    incluindo-se nessa categoria o FAD e o FMN (mononuleotdeo de flavina), so importantes componentes

    dos complexos I e II. A sua forma oxidada pode aceitar dois electres e formar FADH2 ou FMNH2, ou,

    simplesmente, aceitar um e formar semiquinona. Protenas de ferro-enxofre (Fe-S) tambm so

    encontradas nos complexos I, II e III, podendo conter um, dois ou quatro tomos de ferro, ligados a

    tomos de enxofre inorgnico. As protenas Fe-S participam nas reaces de transferncia de um

    electro, em que um tomo de Ferro sofre oxirreduo, passando de Fe2+ (io ferroso, com grande

    afinidade para o oxignio) a Fe3+ (io frrico, com grande afinidade para o citocromo).

    A oxirredutase NADH-Q (complexo I) uma protena em forma de L, com vrias subunidades, que

    catalisa a transferncia de electres do NADH para a ubiquinona (Q), acoplada com a transferncia de

    quatro H+ pela membrana, segundo a equao:

    Na verdade, os electres so transferidos inicialmente do NADH para o FMN, depois para uma srie de

    centros Fe-S e, finalmente para a ubiquinona. Na desidrognase do succinato (complexo II, nica enzima

    do ciclo de Krebs que no se encontram na matriz mitocondrial, mas na membrana interna), formado

    FADH2, durante a converso do succinato a fumarato no ciclo do cido ctrico e os electres so

    transmitidos at ubiquinona, aps passarem por vrios centros Fe-S, nos quais o ferro no est sob a

    forma heme.

    Os electres so ento transmitidos do QH2 para o citocromo c, atravs do complexo III (oxirredtase do

    Q-citocromo c), reaco que pode ser traduzida pela seguinte equao:

    Este processo envolve no s o citocromo c1, mas tambm, o citocromo bL e um grupo no usual de Fe-

    S, sendo este processo designado por ciclo da ubiquinona (ciclo-Q).

    O citocromo c reduzido oxidado pelo complexo IV (oxidase do citocromo c), sendo por isso formada

    gua, por consequncia da reduo do oxignio, segundo a equao (podendo a quantidade das

    espcies qumicas envolvidas nesta reaco ser divididas por dois, libertando-se de facto dois protes

    para o espao intermembranar, por molcula de gua):

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    A transferncia de quatro electres do citocromo c para o oxignio envolve dois grupos heme, a e a3 e

    dois grupos Cu. Os electres so transferidos inicialmente para um centro Cu (CuA), que contm dois

    tomos de cobre ligados a dois grupos cistena. Os electres so ento transferidos para o heme a,

    heme a3, centro CuB (segundo centro Cu) e, finalmente, para o O2. Dos oito protes removidos da

    matriz, quatro so utilizados para formar duas molculas de gua e quatro so bombeados para o

    espao intermembranal. O oxignio mantm-se ligado ao complexo IV at se encontrar totalmente

    reduzido. Desse modo, minimizada a libertao de compostos como os anies superxido ou perxido,

    que so nocivos para as clulas.

    Os Complexos I, III e IV como bombas de protes sntese de ATP

    A passagem de electres atravs da cadeia respiratria gera ATP atravs da fosforilao oxidativa. Os

    complexos I, III e IV actuam como bombas de protes (pois fazem a acoplagem de processos

    exergnicos os processos de oxidao com processo endergnicos - o transporte de protes da matriz

    da mitocndria para o espao inter-membranar, contra o gradiente electroqumico, pois o espao inter-

    membranar um meio mais electricamente positivo e mais cido) que se vo acumular no espao

    intermembranar, pois a membrana mitocondrial interna impermevel a ies em geral e a protes em

    particular. Isto cria um motivo de fora de protes que conduz a sintase de ATP a formar ATP, a partir

    de ADP + Pi (o processo endergnico a sntese de ATP e o processo exergnico que lhe est acoplado

    a passagem de protes do espao intermembranal para a matriz mitocondrial). Esta protena est

    presente na membrana interna da mitocndria, juntamente com os complexos da cadeia respiratria.

    Esta enzima constituda por dois complexos F1, com diversas subunidades arranjadas em forma de

    esfera e F0, que tambm consiste em vrias subunidades e forma um canal de protes. Estes, ao

    deslocarem-se por F0, levam rotao deste composto, originando a sntese de ATP, no complexo F1,

    por um mecanismo de binding change, onde a conformao das subunidades de F1 mudada,

    permitindo que, aps se formar um ATP, haja ligao ao ADP + Pi.

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    22

    Balano da sntese de ATP e sua regulao ao nvel da fosforilao oxidativa

    Por cada mol de substrato oxidado pela sequncia de complexos I, III e IV na cadeia respiratria (atravs

    do NADH), 2.5 mol de ATP so formados per mol de O2 consumido, ou seja, o rcio P.O. igual a 2,5. Por

    outro lado, quando um mol de substrato oxidado pela sequncia de complexos II, III e IV (ou seja, no

    oxidado inicialmente pelo complexo I), o rcio P.O. de simplesmente 1,5, o que significa que existe

    uma menor produo de ATP, per mol de O2. Estes valores apresentados so valores mximos, sendo os

    valores de facto mais baixos. Estas reaces so entendidas como fosforilao oxidativa ao nvel da

    cadeia respiratria.

    Admitindo que, de facto, os valores para o rcio P:O so os apresentados inicialmente e que a

    lanadeira do glicerol-3-P que funciona predominantemente, a oxidao completa de uma molcula de

    glicose geraria 30 ligaes de ATP. Caso seja a lanadeira do malato, o composto predominante,

    teramos a gnese, em condies ideais de 32 molculas de ATP, a partir de ADP + Pi.

    A taxa de respirao aerbia ao nvel das mitocndrias pode ser controlada pela disponibilidade de ADP,

    dada a oxidao e a fosforilao estarem intrinsecamente acopladas (a oxidao no consegue

    prosseguir, sem que haja concomitantemente fosforilao do ADP). Dessa forma, medida que o ATP

    convertido em ADP, ocorre mais respirao, de forma a repor a concentrao de ATP, que se mantm

    estacionria (O aumento da concentrao de ADP e Pi estimularia a velocidade de troca ADP/ATP na

    membrana da mitocndria e a entrada de Pi que estimularia a velocidade de sntese de ATP e de

    entrada de protes para a matriz, o que estimularia a velocidade de consumo de O2 e a velocidade de

    sada dos protes para o citoplasma). Por vezes, a concentrao de fosfato inorgnico tambm pode

    afectar a taxa do funcionamento da cadeia respiratria. A energia restante que no capturada

    libertada sob a forma de calor, o que contribui para a manuteno da temperatura corporal e para se

    assegurar que o sistema respiratrio seja suficientemente exergnico para ser removido da situao de

    equilbrio. Um outro factor envolvido na regulao da actividade da cadeia respiratria poder ser o io

    Ca2+ cuja concentrao aumenta dentro da mitocndria quando as clulas so estimuladas (por

    exemplo, estimulao do msculo pelo nervo motor). o aumento da concentrao de Ca2+ que induz o

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    23

    msculo a contrair-se e a hidrolisar ATP mas o Ca2+ tambm activa os complexos I e IV e a sntase do

    ATP, promovendo paralelamente a sntese de ATP.

    Inibidores e desacopladores da fosforilao oxidativa

    Existem vrios inbidores da fosforilao oxidativa, que actuam ao nvel da inibio da actividade dos

    complexos, da transferncia de electres e da sntase do ATP. Os desacopladores, como o seu nome

    indica, desacoplam os processos de oxirreduo e sntese de ATP, criando um fosso entre estes dois

    processos, o que impede que ocorra sntese de ATP, apesar de ocorrerem os restantes processos. A

    exposio a desacopladores leva a aumentos de temperatura corporal (e por vezes febre), pelo aumento

    da velocidade de oxidao dos nutrientes, e morte, devido falta de ATP que da advm. Associada

    actividade dos desacopladores, temos a passagem de protes para entro das mitocndrias (leak). Pois

    caso contrrio, os protes no conseguiriam passar para a matriz mitocondrial, a no ser pela sntase de

    ATP.

    A tabela seguinte sintetiza os principais inibidores e desacopladores existentes, bem como o modo de

    actuao.

    Inibidor/desacoplador Forma de actuao Notas

    Rotenona Impede a transferncia de electres do complexo I

    para o complexo III Pesticida biolgico

    Amobarbitol Impede a transferncia de electres do complexo I

    para o complexo III

    BAL Inibidor do complexo III Gs utilizado na II Guerra Mundial

    Cianeto Inibidor do complexo IV

    Monxido de carbono Inibidor do complexo IV

    Oligoamicina Inibidora da sntase de ATP

    Ionferos Desacopladores Aumentam a permeabilidade da

    membrana aos protes

    Termogenina (UCP1) Desacoplador Expressa naturalmente

    no tecido adiposo castanho

    2,4 - dinitrofenol Desacoplador Muito utilizado em

    laboratrio

    Atractilosdeo Impede o antiporter ADP/ATP

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    24

    Gliconeognese

    A gliconeognese corresponde ao processo de sintetizar glicose ou glicognio a partir de precursores

    no-glicdicos. Os substratos mais representativos para esse efeito so os aminocidos (com excepo

    da lisina e da leucina), o lactato, o glicerol e o propionato. Os tecidos onde a gliconeognese tem mais

    expresso so o fgado e o rim (em menor extenso), embora este processo tambm possa ocorrer no

    intestino delgado, ao nvel dos entercitos.

    O processo de gliconeognese suprime assim as necessidades de glicose, aquando da falta de glicdeos

    disponveis. Isto, porque a glicose vital, nomeadamente, para os eritrcitos e para o sistema nervoso

    (e da a hipoglicemia causar disfuno cerebral, que pode levar ao coma e morte). A gliconeognese

    permite tambm eliminar o lactato produzido pelos msculos e eritrcitos e o glicerol produzido no

    tecido adiposo. A gliconeognese, apesar de vital, um processo feito conta de gastos energticos,

    sendo que para convertermos piruvato em glicose so quebradas seis ligaes ricas em energia, para

    que este processo possa ocorrer, por molcula de glicose. Quatro dessas ligaes provm da hidrlise

    do ATP e as restantes duas da do GTP. A maior parte da energia gasta utilizada para assegurar que este

    processo irreversvel.

    Reaces e enzimas da gliconeognese

    As reaces de transaminao ou desaminao convertem os

    aminocidos glicognicos em compostos intermdios do ciclo de

    Krebs ou em piruvato (como demonstra a tabela do lado). Estas so

    catalisadas pelas transamnases. No caso da alanina, por exemplo,

    a transaminase envolvida a transamnase da alanina, que a converte em piruvato.

    Depois, todo o processo de gliclise ocorre ao contrrio. Contudo, as reaces catalisadas pelas

    enzimas hexocinase, fosfofructocinase e cinase do piruvato so irreversveis, impedindo que se reverta

    totalmente a gliclise, com o fim de produzir glicose.

    Dessa forma, reverter a reaco

    catalisada pela cnase do pirivato

    envolve duas reaces

    endotrmicas. A carboxilase do

    piruvato, uma enzima mitocondrial,

    catalisa a carboxilao do piruvato,

    formando-se oxalacetato, numa

    reaco feita com consumo de ATP e

    em que a biotina a coenzima (pois

    liga-se ao dixido de carbono, antes

    da ligao deste gs ao piruvato).

    Uma segunda enzima, a

    carboxicinase do fosfoenolpiruvato

    catalisa a descarboxilao e a

    fosforilao do oxalacetato a

    fosfoenolpiruvato, utilizando para

    isso o GTP como dador de fosfato

    (esta molcula sintetizada ao nvel

    do ciclo de Krebs).

    Aminocido -cetocido

    Alanina Piruvato

    Glutamato -cetoglutarato

    Aspartato Oxaloacetato

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    25

    A converso do 1,3-bifosfoglicerato em gliceraldedo-3-fosfato catalisada pela mesma enzima da

    gliclise, j que a reaco reversvel. Contudo, o NADH necessrio para a reduo do primeiro

    composto fornecido pela desidrognase do malato.

    J a passagem da frutose 1,6-difosfato em frutose 6-fosfato catalisada pela frutose 1,6-difosfatase,

    sendo que a sua presena determina se um tecido capaz de sintetizar glicose (ou glicognio) no

    apenas do piruvato, mas tambm de trioses fosfato. Como tal, est presente no fgado, rim e no

    msculo esqueltico.

    A converso da glicose 6-fosfato em glicose catalisada pela glicose 6-fosftase, enzima presente no

    fgado e no rim. Por ltimo, a sntese de glicognio a partir da glicose 1-fosfato envolve a sntase do

    glicognio e recorre ao UDP.

    A liplise de triglicerdeos pode dar origem a glicose o glicerol produzido um substrato da

    gliconeognese no fgado. O glicerol convertido em glicerol-3-fosfato pela cnase do glicerol, algo que

    ocorre com hidrlise de ATP, sendo o glicerol-3-fosfato transformado em dihidroxiacetona-fosfato (por

    aco da desidrognese citoplasmtica do glicerol-3-fosfato), que depois origina glicose, atravs das

    etapas j mencionadas.

    J os cidos gordos no tm expresso no ser humano, como substrato gliconeognico. A -oxidao de

    cadeias de cidos gordos, de nmero de carbonos mpares, existentes nos lpidos de ruminantes, origina

    propionato (que por sua vez convertido em succinil-CoA, atravs da enzima metilmalonil-CoA

    mutase), tem, importncia em termos de gliconeognese, ao nvel, unicamente, dos ruminantes. Por

    outro lado, os cidos gordos com nmero par de carbonos so metabolizados, gerando energia sob a

    forma de ATP (a sua -oxidao origina acetil-CoA que no consegue ser convertida em glicose).

    Ciclo de Cori e ciclo da glicose-alanina

    O lactato produzido aquando de exerccio fsico intenso no msculo esqueltico, ou nos eritrcitos

    exportado para o fgado, onde convertido em glicose, voltando ao msculo, sendo depois convertido

    em glicognio, num ciclo designado por ciclo de Cori ou ciclo do cido lctico. De referir que a

    converso do piruvato em oxalacetato ocorre na matriz mitocondrial, por onde entra por

    transportadores de cidos monocarboxlicos. O fosfoenolpiruvato produzido abandona a matriz,

    ocorrendo as restantes reaces no citosol.

    O ciclo da glicose-alanina tambm uma interaco registada entre os msculos e o fgado. Quando

    existe falta de glicose, o piruvato formado durante a gliclise transaminado, originando alanina, que

    exportada para o fgado. A, por transaminao gera de novo piruvato, que utilizado para a sntese de

    glicose, que exportada para o msculo. O grupo amina libertado utilizado no fgado para a formao

    de ureia. De resto, o azoto libertado nas reaces, em geral, excretado sob a forma de amnia no rim

    e de aminocidos nas restantes clulas. Isto porque, caso contrrio produzir-se-ia nessas clulas amnia

    que txica para estas. Como a glutamina transporta dois tomos de azoto por molculas, este

    aminocido tido como um bom transportador de azoto e da as suas elevadas concentraes.

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    26

    Regulao da gliconeognese

    A gliconeognese e a gliclise so reciprocamente reguladas e o aumento da concentrao de glicose

    leva a uma menor taxa de gliconeognse e vice-versa.

    As variaes da disponibilidade dos substratos so responsveis pela maior parte das mudanas no

    metabolismo, quer directa, quer indirectamente. Existem trs mecanismos responsveis pela regulao

    da actividade das

    enzimas relacionadas

    com o metabolismo dos

    glicdeos o primeiro

    prende-se com

    mudanas na taxa de

    sntese de enzimas, o

    segundo com a

    modificao covalente

    destas, por fosforilao

    reversvel e o terceiro

    com efeitos alostricos.

    Mudanas na taxa de

    sntese de enzimas so

    lentas e envolvem a

    presena de inductores,

    repressores, activadores

    e inibidores. A tabela do

    lado sintetiza as enzimas

    regulatrias e

    adaptativas associadas

    ao metabolismo de glcidos.

    A modificao covalente das enzimas por fosforilao reversvel um processo rpido, que da

    responsabilidade da glucagina e da adrenalina. Estas hormonas respondem a diminuies da glicose no

    sangue, inibindo a gliclise e estimulando a gliconeognese. Essa estimulao provocada por um

    aumento da concentrao de cAMP (adenosina monofosfato cclica), o que, por sua vez, leva activao

    de uma cnase dependente de cAMP e fosforilao e inactivao da cnase do piruvato. Esta

    modificao covalente essencial ao nvel da regulao pela frutose 2,6-difsfato.

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    27

    O activador alostrico

    da fosfofructocinase-1

    mais potente a

    frutose 2,6-difosfato,

    que funciona

    simultaneamente

    como inibidor da

    frutose 1,6-

    difosfatase. Este

    regulador inibe a

    frutose 1,6-difosfatase

    ao aumentar o seu Km

    e activa a

    fosfofructocinase-1,

    ao aumentar a sua

    afinidade para a

    frutose 6-fosfato e

    diminui a inibio exercida pelo ATP nesta enzima. A frutose 2,6-difosfato formada pela fosforilao da

    frutose 6-fosfato pela fosfofrutocinase-2, tambm responsvel pela sua desfosforilao, pois tem

    actividade de difosfatase. Esta enzima est sob controlo alostrico da frutose 6-fosfato, que activa a

    cnase e inibe a fosftase.

    Por ltimo, a modificao alostrica instantnea. A acetil-CoA um activador alostrico, que converte

    a sntese de oxaloacetato a partir de piruvato e a fosfofrutocnase-1 inibida pelo citrato e por

    concentraes normais de ATP, sendo activada pelo 5 AMP.

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    Metabolismo da galactose, frutose, cido glicurnico e aminoacares

    Conceito de UDP e UTP

    A UDP e a UTP so dois ribonucleotdeos, sendo a UDP, difosfato de uridina, um ster de cido

    pirofosfrico e a UTP, trifosfato de uridina. Estas molculas vo ter um papel muito importante no

    metabolismo do cido glicurnico, nomeadamente como substratos dadores deste composto, e no

    metabolismo dos aminoacares.

    Metabolismo da galactose

    A galactose pode ser produzida pelo

    organismo ou obtida atravs da

    ingesto de leite e seus derivados,

    visto ser um monossacardeo

    constituinte da lactose.

    Quando ingerimos lactose, a galactose

    obtida metabolizada sobretudo no

    fgado, sendo frequentemente

    convertida em glicose. A enzima

    galactocinase (ou cnase da galactose)

    catalisa a fosforilao da galactose,

    utilizando o ATP como um dador de

    fosfato. A galactose 1-fosfato formada

    reage ento com a uridina difosfato

    glicose (UDPGlc) para formar uridina

    difosfato galactose (UDPGal) e glicose

    1-fosfato, numa reaco catalisada pela uridil-transferase da galactose 1-fosfato (que vai ento

    catalisar a transferncia de um resduo de uridilato, UMP, entre a UDP-glicose e a galactose-1-P). J a

    converso da UDPGal para UDPGlc catalisada pela UDPGal 4-epimerase. Esta reaco envolve a

    oxidao e a reduo no carbono 4, com o NAD+ como coenzima. A UDPGlc depois incorporada no

    glicognio.

    A glicose-1-fosfato pode ser convertida em glicose-6-fosfato por aco da fosfoglicomutase e por isso os

    nveis de glicemia aumentam, aquando da ingesto de galactose.

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    29

    Muitos indivduos tm intolerncia lactose, contudo, a obteno de galactose pode ser levada a cabo

    pela converso da glicose em galactose. As reaces referidas so reversveis e a produo de galactose

    tem interesse, no sentido em que a galactose necessria como constituinte de glicolpidos

    (cerebrosdeos), proteoglicanos e glicoprotenas. A galactose ainda requerida na sntese de lactose,

    que constitui o leite materno, algo que ocorre na glndula mamria, por aco da sntase da lactose.

    Este o nome dado ao complexo galactosil-transferaselactalbumina, gerado pela ligao da

    lactalbumina (protena que s comea a ser sintetizada aps o parto) galactosil-transferase.

    Metabolismo da frutose

    A frutose cada vez mais ingerida nos pases ocidentais, por consequncia da elevada quantidade de

    alimentos ricos em sacarose ingeridos e do uso de xaropes ricos em frutose em comida processada e em

    refrigerantes. Grandes quantidades de frutose entram ento na veia porta, que vasculariza o fgado,

    com consequncias dramticas em termos de sade. De referir que a frutose, contrariamente

    galactose no produzida nos seres humanos, salvo durante a produo de esperma, que muito rico

    nesta hexose.

    A frutose sofre gliclise no fgado mais rapidamente que a glicose, visto que uma das etapas saltada

    o passo regulador catalisado pela fosfofrutocinase. Isto leva a que a frutose seja utilizada em muitas vias

    metablicas no fgado ( neste rgo que temos uma maior quantidade de enzimas que metabolizam a

    frutose), levando a uma maior sntese de cidos gordos e maior esterificao destes, bem como uma

    maior secreo de lipoprotenas de muito baixa densidade, o que traz como consequncias um aumento

    das concentraes de colesterol LDL (entendido como o mau colesterol) e os nveis de triglicerdeos.

    O processo de metabolizao da frutose inicia-se com a sua converso a frutose 1-fosfato, por aco da

    enzima frutocnase, presente no fgado, rim e intestino (nos entercitos). Esta enzima no actua na

    glicose, nem a sua actividade afectada pela insulina. De seguida a aldolase B, uma enzima existente no

    fgado, catalisa a clivagem da frutose em D-gliceraldedo e dihidroxiacetona fosfato. No fgado, a

    aldolase B tambm catalisa a clivagem

    da frutose 1,6-difosfato, na via de

    metabolismo da glicose.

    O D-gliceraldedo fosforilado e origina

    gliceraldedo 3-fosfato, por aco da

    triocinase. As duas trioses formadas,

    gliceraldedo 3-fosfato e

    dihidroxiacetona fosfato, so

    interconvertveis e podem ser

    degradadas na gliclise, ou podem se

    tornar substratos da aldolase, entrando

    no processo de gliconeognese.

    Em tecidos extrahepticos, a hexocinase catalisa a fosforilao da maior parte das hexoses, incluindo a

    frutose. Contudo, a glicose inibe a fosforilao de frutose, visto ser um melhor substrato para a

    hexocinase (processo de inibio competitiva). Apesar de tudo, alguma frutose pode ser metabolizada

    no tecido adiposo e no msculo. A frutose igualmente encontrada no plasma seminal.

    De referir que aps a ingesto da frutose, temos um aumento da concentrao deste monossacardeo

    no plasma sanguneo, de forma acentuada (podendo chegar aos 0,5 mM). Todavia, devido aos processos

    de metabolizao da frutose j referidos, a sua concentrao desce rapidamente para valores que so

    mais de 100 vezes inferiores aos da glicemia.

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    A sntese de frutose ocorre ento unicamente, nos seres humanos, aquando da produo de smen.

    Este processo inicia-se com a reduo de glicose a sorbitol por aco da redtase das aldolases e que

    ocorre concomitantemente oxidao do NADPH. O sorbitol depois oxidado por aco da

    desidrognase do sorbitol, formando-se frutose, ao mesmo tempo que o NAD+ reduzido,

    convertendo-se em NADH.

    Este monossacardeo,

    produzido nas vesculas

    seminais, confere uma

    vantagem evolutiva aos

    espermatozides, visto que

    as bactrias e os fungos no

    metabolizam a frutose.

    Metabolismo do cido glicurnico

    A via do cido urnico,

    que ocorre no fgado,

    catalisa a converso de

    glicose em cido

    glicurnico e em

    pentoses. Este um

    processo de oxidao

    alternativo para a glicose

    mas que, contudo, no

    leva produo de ATP.

    A glicose 6-fosfato

    ento isomerada pela

    fosfoglicomutase em

    glicose 1-fosfato, que

    reage com o trifosfato de uridina (UTP), formando uridina difosfato glicose (UDPGlc), numa reaco

    catalisada pela UDPGlc piorfosforilase, algo que tambm ocorre na sntese de glicognio. A UDPGlc

    oxidada por uma enzima dependente de NAD, a desidrognase do UDPGlc, no seu carbono 6. Esta

    reaco, de dois passos, culmina com a formao de UDP-glicurnico.

    O UDP-glicurnico a fonte de cido glicornico atravs de reaces que envolvem a sua incorporao

    em proteoglicanos ou de reaces com substratos, tais como hormonas esterides, bilirrubina (antes da

    sua excreo pela blis) e uma srie de medicamentos excretados na urina ou na blis, como conjugados

    de glicuronido. As enzimas envolvidas nestas reaces so transferases, formando-se, ento, UDP e um

    resduo cido glicurnico conjugado, como o demonstra a seguinte equao:

    Prosseguindo a via do cido urnico, o glicuronato depois convertido em L-gulonato, ocorrendo

    simultaneamente a oxidao do NADPH + H+ para NADP+. O L-gulonato ento convertido em 3-ceto-L-

    gulonato, algo que ocorre concomitantemente reduo do NAD+ para NADH + H+. O 3-ceto-L-gulonato

    convertido em L-xilulose, ao sofrer uma descarboxilao e a L-xilulose, ao ser reduzida (e oxidando o

    NADPH + H+ para NADP+), origina xilitol. O xilitol ento reconvertido em xilulose, mas desta vez em D-

    xilulose, algo feito atravs da reduo do NAD+. Por fim, a D-xilulose pode ser metabolizada na via das

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    31

    pentoses fosfato, ou ento originar oxalato, que em excesso pode formar oxalato de clcio, um

    precipitado encontrado na urina.

    Nas plantas e em alguns animais, como o gato, possvel a sntese de cido ascrbico (vitamina C) a

    partir de L-gulonato. Contudo, isto no acontece nos seres humanos, onde o ascorbato tem de ser

    obtido atravs da alimentao e da esta substncia ser considerada uma vitamina na espcie humana.

    Metabolismo de aminoacares

    Os aminoacares so componentes importantes de glicoprotenas e de glicosaminoglicanos (polmeros

    lineares onde se repete um dissacardeo e que existem sobretudo no espao extracelular). Os

    aminoacares (ou hexosaminas) mais importantes so a glicosamina, a galactosamina e a manosamina.

    O cido silico tambm um importante composto deste grupo, tendo nove carbonos. Este cido tem

    como funo a sinalizao de protenas, para a sua glicao. O cido silico mais importante no corpo

    humano o cido N-acetilneuramnico (NeuAc).

    As hexosaminas formam-se a partir da frutose-6- fosfato que, por aco de uma transferase, aceita um

    grupo amina da glutamina, gerando glicosamina-6-fosfato. Ocorre depois isomerizao a glicosamina-1-

    fosfato e aceitao de um resduo uridilato do UTP, sendo formada UDP-glicosamina, que pode ser

    depois convertida em UDP-galactosamina.

    A sntese da UDP-N-acetil-galactosamina, que utilizada para a sntese do cido N-acetilneuramnico,

    processa-se de modo similar da produo de UDP-galactosamina. Contudo, a glicosamina-6-fosfato

    sofre previamente uma acetilao. As reaces relacionadas com a sntese de aminoacares esto

    associadas a transferases, que vo fazer a transferncia da hexosamina do UDP-aminoacar para o

    substrato.

    Doenas do metabolismo da frutose e da galactose

    Existem indivduos intolerantes frutose, sendo essa patologia provocada por uma alterao gentica,

    no gene da aldolase B, que a impede de operar a clivagem da frutose-1-fosfato (embora participe em

    todas as outras suas reaces activamente). Os indivduos em causa devem evitar a ingesto de frutose

    ou, obviamente, sacarose, visto que quando ingerem frutose, manifestam-se casos de dores

    abdominais, hipoglicemia e vmitos.

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    J a intolerncia galactose uma patologia mais sria, no sentido em que esta doena pode ser

    descrita como sendo neurodegenerativa. A galactosemia ocorre, sobretudo e neste sentido, devido a

    uma deficincia da uridil-transferase (galactosemia do tipo A), provocada por uma mutao gnica. Isto

    porque, embora se possa restringir a galactose na dieta, impossvel controlar a sntese de galactose no

    organismo. Uma verso mais soft da intolerncia galactose (galactosemia do tipo B) ocorre quando a

    alterao d-se na 4-epimerase da UDP galactose, tendo apenas como consequncia mais grave o

    desenvolvimento de cataratas (algo que tambm ocorre na variante anterior).

    As cataratas, aquando de intolerncia galactose, formam-se devido acumulao de galactose nas

    clulas do cristalino. A redtase das aldoses converte a galactose num polilcool, o galactitol. Este,

    como tem um forte poder osmtico, arrasta consigo a entrada de gua, o que leva gnese de

    cataratas.

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    Metabolismo do glicognio

    O glicognio o principal polmero de reserva de glicdeos nos animais, sendo um polmero de -D-

    glicose, cujos resduos esto unidos por ligaes (1 4) e, nos locais de ramificao, por ligaes

    (1 6). Est presente, em todas as clulas, mas sobretudo, no fgado e no msculo, embora as suas

    reservas no fgado sejam mais considerveis que as de qualquer msculo, 3/4 do glicognio totais do

    organismo encontram-se nos msculos, devido ao facto de, no organismo, a massa muscular ser maior

    que a do fgado.

    O glicognio presente nos msculos representa uma fonte de glicose imediata, dentro do prprio

    msculo, contudo, como este no apresenta a enzima glicose 6-fosftase, procede apenas converso

    do glicognio em piruvato, que transaminado, levando formao de alanina, que exportada para o

    fgado, onde um substrato da gliconeognese (ciclo da glicose-alanina). J o glicognio do fgado tem

    como funes o armazenamento e a exportao da glicose, de forma a manter estveis os nveis de

    glicemia, aps as refeies. Dessa forma, as reservas de glicognio no fgado esgotam-se rapidamente

    aps uma refeio temos uma concentrao de 450 mM de glicognio neste rgo, baixando para 200

    mM aps uma noite de jejum e aps 12-18h de jejum, as reservas de glicognio no fgado esto

    totalmente esgotadas.

    A estrutura altamente ramificada do glicognio permite que a glicogenlise possa ocorrer em vrios

    locais, levando libertao rpida de glicose 1-fosfato para a actividade muscular. Os atletas de

    resistncia, dado precisarem de uma libertao mais lenta de glicose 1-fosfato, antes das suas provas

    praticam exerccio at exausto, para esgotarem todas as reservas musculares de glicognio, seguida

    de uma refeio rica em glicdeos, o que resulta numa rpida e mais tosca sntese de glicognio que,

    como tal, ter menos pontos de ligao para a glicogenlise e levar a que este processo ocorra mais

    lentamente.

    Glicognese

    O processo de glicognese inicia-se de modo similar ao do metabolismo do cido glicurnico, sendo a

    glicose primeiramente fosforilada a glicose-6-fosfato, numa reaco catalisada pela hexocinase no

    msculo e pela glicocnase no fgado. De seguida, a glicose 6-fosfato isomerada a glicose 1-fosfato

    pela fosfoglicomutase (numa reaco em que a prpria enzima fosforilada e o grupo fosfato participa

    numa reaco reversvel, em que a glicose 1,6-bifosfato um intermedirio). A glicose 1-fosfato reage

    ento com o UTP, de modo a formar UDPGlc (uridina difosfato glicose) e pirofosfato. Esta reaco

    catalisada pela pirofosforilase do UDPGlc. Esta reaco ocorre no sentido da formao do UDPGlc, uma

    vez que a pirofosftase remove um dos produtos da reaco ao catalisar a hidrlise do pirofosfato em

    duas molculas de fosfato.

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    Todas as reaces da glicognese so irreversveis, com excepo da reaco catalisada pela

    fosfoglicomtase. O UDP que produzido convertido de novo em UTP, atravs da cnase de

    nucleosdeos-difosfato.

    A sntase do glicognio catalisa a formao de uma ligao glicosdica entre o primeiro carbono da

    glicose UDPGlc e o quarto carbono de um resduo terminal da glicose do glicognio, libertando UDP.

    Contudo, para que esta reaco se inicie necessria a presena de uma molcula de glicognio pr-

    existente, a qual designada por primer de glicognio, formado num primer proteico, designado por

    glicogenina. Esta glicosilada num resduo especfico de tirosina pela UDPGlc, formando-se uma cadeia

    curta que serve de substrato para a sntase do glicognio.

    A adio de um resduo de glicose a uma molcula pr-existente de glicognio ocorre com a formao

    de sucessivas ligaes (1 4). Quando a cadeia tem pelo menos 11 resduos de glicose, a enzima

    ramificante transfere parte da cadeia 1 4 (pelo menos 6 resduos de glicose) para uma cadeia vizinha,

    de modo a formar uma ligao (1 6).

    Glicogenlise

    O processo de glicogenlise no deve ser entendido

    como o inverso da glicognese, mas como um

    processo separado.

    A fosforilase do glicognio catalisa a clivagem das

    ligaes (1 4) do glicognio, atravs de um

    processo de fosforlise, permitindo a formao de

    glicose 1-fosfato. Este o passo mais importante na

    glicogenlise, visto ser a sua etapa reguladora. Esta

    enzima requer a presena de fosfato piridoxal

    (forma activa da vitamina B6) como co-factor, sendo

    o grupo fosfato, o grupo cataliticamente activo

    desta enzima.

    Os resduos terminais de glicose so ento

    removidos at restarem cerca de quatro resduos

    de glicose de cada lado da cadeia 1 6. A, a transferase do glucano transfere um trissacardeo dos

    ramos da cadeia 1 6, para a cadeia principal 1 4. A hidrlise das restantes ligaes (1 6)

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    catalisada pela enzima desramificante. Estas duas ltimas enzimas referidas esto relacionadas com a

    mesma protena, mas com dois stios catalticos diferentes nesta. A anlise total do glicognio prossegue

    com a aco combinada da fosforilase. A reaco catalisada pela fosfoglicomtase reversvel, de forma

    a que a glicose 6-fosfato possa ser formada a partir de glicose 1-fosfato. A glicose 6-fosfato pode ser

    convertida em glicose no fgado e no rim, mas no nos msculos.

    Regulao da glicogenlise e da glicognese

    As principais enzimas que controlam o mecanismo do glicognio so a sntase do glicognio e a

    fosforilase do glicognio e so reguladas por mecanismos alostricos e por modificao covalente por

    fosforilaes e desfosforilaes reversveis. A fosforilao ocorre como resposta ao cAMP formado a

    partir do ATP a partir da adenilil ciclase a partir de hormonas, tais como a adrenalina (epinefrina), a

    noradrenalina (norepinefrina) e a glucagina. O cAMP hidrolisado pela fosfodiesterase, cuja aco

    activada, no fgado, pela insulina.

    Como os inbidores da fosforilase do glicognio activam a sntase do glicognio e vice-versa, podemos

    dizer que a estas duas enzimas so reguladas reciprocamente.

    Regulao da fosforilase do glicognio

    Tanto no fgado como nos msculos, a enzima fosforilase do glicognio activada por fosforilao,

    catalisada pela cnase da fosforilase e inactivada por desfosforilao, numa reaco catalisada pela

    fosfatase das fosfoprotenas. No fgado a fosforilase a (activa) inibida alostericamente pelo ATP, pela

    glicose 6-fosfato e pela glicose livre. Pelo contrrio, nos msculos o 5AMP actua como um activador

    alostrico da forma desfosforilada da fosforilase do glicognio (fosforilase b).

    A cnase da fosforilase, por seu turno, activada em resposta ao cAMP. O aumento da concentrao de

    cAMP activa a cnase das protenas dependentes de cAMP (PKA). Esta catalisa a fosforilao da cnase

    da fosforilase b (inactiva), para se converter em cnase da fosforilase a (activa), algo que feito custa

    de ATP. O cAMP produzido, no fgado, como resposta glicagina, aquando de baixa concentrao de

    glicose e no msculo essa produo ocorre como resposta noradrenalina, dado o msculo ser

    insensvel glucagina. A noradrenalina segregada como resposta ao medo ou a um susto, pois nesses

    momentos existe necessidade de aumentar o processo de glicogenlise, de modo a permitir uma rpida

    actividade muscular.

    No tecido muscular, o io Ca2+ funciona como um activador da glicogenlise, pois a cnase da fosforilase

    apresenta quatro subunidades diferentes. Uma delas, a subunidade , similar a uma Ca2+-binding

    protein, a calmodulina. Isto activa o local cataltico de outra subunidade, a . Isto permite a activao da

    cnase da fosforilase se faa sincronizadamente com a contraco muscular (que da responsabilidade

    do io Ca2+). Tambm no fgado, este io pode activar o processo de glicogenlise a estimulao de

    receptores adrenrgicos 1 pela adrenalina e pela noradrenalina leva entrada de clcio no citosol, o

    que vai activar a cnase da fosforilase.

    Por outro lado, a fosfatase-1 das protenas inactiva, por desfosforilao, a fosforilase a e a cnase da

    fosforilase a. A fosfatase-1 das protenas inibida pelo inibidor-1, uma protena, que apenas fica activa

    aps ter sido fosforilada pelo cAMP. Dessa forma, o cAMP tem controla, quer a activao e a inactivao

    da fosforilase do glicognio. Tambm a insulina inibe a activao da fosforilase b, ao ter um efeito

    hipoglicemiante e levar a uma maior formao de glicose 6-fosfato, que, como referido, um inibidor da

    cnase da fosforilase.

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    Regulao da sntase do glicognio

    Tal como a fosforilase, a