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Spurgeon, Charles. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)

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LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS (Vol. 1) 

HOMILÉTICA E TEOLOGIA PASTORALC. H. SPURGEON

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS

Título original: Lectures To My StudentsTradução do original por: Odayr Olivetti

Primeira Edição em Português1980

Contracapa:

Quem já ouviu falar de Charles Haddon Spurgeon – conhecidocomo "o príncipe dos pregadores" – certamente ficou sabendo da sua

graça, inteligência e sabedoria espirituais, e da grande influência queexerceu, não somente no seu próprio ministério, como também na vida eministério de muitos outros pastores e obreiros cristãos. Comoexperiente servo de Deus ele foi uma luz que brilhou entre os seuscontemporâneos.

 Neste livro nos o encontramos na melhor expressão do seu ensino pastoral. As lições constantes nos dez capítulos foram originalmente

dirigidas aos seus alunos na Escola Bíblica que fundou para preparar  pastores. Ninguém que se sente chamado para pregar a Palavra de Deus  pode dar-se ao luxo de negligenciar a leitura de uma obra tãoreconhecida e marcante que trata do assunto da pregação.

Se quisermos um indício do sucesso deste grande servo de Deusentão nada melhor poderemos fazer que estudar esta obra!

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ÍNDICE

1. O Espírito Santo em Relação com o Nosso Ministério.......3 

2. Necessidade de Progresso Ministerial.............................32 

3. Necessidade de Decisão pela Verdade............................53 

4. Pregação ao Ar Livre: Esboço de Sua História................72 

5. Pregação ao Ar Livre: Notas Adicionais...........................98 

6. Postura, Atitude, Gestos Etc...........................................123 

7. Postura, Atitude, Gestos Etc. (Segunda Preleção).........146 

8. Fervor: Sua Deformação e Sua Preservação.................169 

9. Cego de um Olho e Surdo de um Ouvido.......................193 

10. Conversão como o Nosso Objetivo................................214 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)O ESPÍRITO SANTO EM RELAÇÃO COM O NOSSO

MINISTÉRIO

Escolhi um tópico sobre o qual seria difícil dizer algo que já nãotenha sido dito antes muitas vezes. Mas, como o tema é da mais altaimportância, é bom deter-nos nele com freqüência, e ainda que sóexponhamos velhas coisas e nada mais, talvez seja sábio fazer-voslembrar-se delas. Nosso é: O Espírito Santo em Relação com o Nosso

Ministério, ou – a obra do Espírito Santo concernente a nós comoministros do evangelho de Jesus Cristo.

"CREIO NO ESPÍRITO SANTO." Tendo pronunciado esta frasecomo conteúdo do credo, espero que possamos repeti-la também comoum solilóquio devoto impulsionado por nossa experiência pessoal aosnossos lábios. Para nós, a presença e a obra do Espírito Santo constituema base da nossa confiança quanto à sabedoria e ao elemento de esperançada obra da nossa vida. Se não crêssemos no Espírito Santo, teríamosrenunciado ao nosso ministério muito antes, pois, "quem é suficiente

 para estas coisas?" Nossa esperança de sucesso e nossa força para acontinuidade do serviço jazem em nossa crença em que o Espírito doSenhor repousa sobre nós.

Por ora dou por certo que todos nós estamos cônscios da existênciado Espírito Santo. Dissemos que cremos nEle. Na verdade avançamosalém da fé, nesta questão, e penetramos na região da consciência. Houvetempo em que a maioria de nos cria na existência dos nossos amigos

 presentes, pois tínhamos ouvido falar deles com os nossos ouvidos, mas

agora nós vemos uns aos outros, trocamos apertos de mão fraternais eexperimentamos a influência do companheirismo agradável, e portantoagora não é tanto que cremos, como conhecemos. Igualmenteexperimentamos o Espírito de Deus operando em nossos corações, temosconhecido e percebido o poder que Ele exerce sobre os espíritoshumanos, e O conhecemos por contato pessoal, freqüente e consciente.Pela sensibilidade do nosso espírito tomamos consciência da presença do

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Espírito de Deus, do mesmo modo como tomamos consciência daexistência das almas dos nossos semelhantes por sua ação sobre asnossas almas, assim como estamos certos da existência da matéria pela

sua ação sobre os nossos sentidos. Fomos elevados da obscura esferadaquilo que é apenas mente e matéria às fulgurâncias celestiais domundo espiritual. Agora, como homens espirituais, discernimos as coisasespirituais, sentimos as forças superiores dos domínios do espírito, esabemos que há um Espírito Santo, pois O sentimos operar em nossosespíritos. Não fosse assim, certamente não teríamos direito de estar noministério da igreja de Cristo. Deveríamos permanecer até comomembros da igreja? Mas, irmãos, fomos vivificados espiritualmente.Temos definida consciência de uma vida nova, com tudo o que delaresulta; somos novas criaturas em Cristo Jesus e vivemos num mundonovo. Fomos iluminados e capacitados a contemplar coisas que os olhosnão vêem. Fomos guiados para a verdade de tal natureza que a carne e osangue jamais poderiam ter revelado. Temos sido consolados peloEspírito. Muitíssimas vezes o Santo Parácleto nos tem levantado dosabismos da tristeza às alturas da alegria. Em certa medida, também

fomos santificados por Ele; e estamos cônscios de que a santificação vaisendo operada em nós por diferentes formas e meios. Portanto, dadasestas experiências pessoais todas, sabemos que o Espírito Santo existe,com a mesma certeza de que nos mesmos existimos.

Sinto-me tentado a demorar-me aqui, pois este ponto merece maior consideração. Os descrentes pedem fatos. A velha doutrina comercial deGradgrind entrou na religião, e o cético brada: "O que quero são fatos!"

Estes são os nossos fatos: Não nos esqueçamos de usá-los. Um cético medesafia com esta observação: "Não posso fixar minha fé num livro ounuma história. Quero ver fatos reais." Minha resposta é: "Você não os

 pode ver porque os seus olhos estão vendados. Mas os fatos estão aí,nem mais nem menos. Aqueles dentre nos que têm olhos vêem coisasmaravilhosas, embora você não as veja."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Se ele ridiculariza a minha afirmação, não fico espantado nem um

 pouco. Já o esperava. Ficaria espantado, e muito, se não o fizesse. Masexijo respeito por minha posição como testemunha de fatos, e dirijo ao

meu oponente a pergunta: "Que direito tem você de recusar a minha prova? Se eu fosse cego, e você me dissesse que possui uma faculdadechamada visão, eu seria irracional se o ofendesse chamando-lhe otimistaconvencido. Tudo que você tem direito de dizer é que nada sabe sobreisto mas não está autorizado a chamar-nos de mentirosos ou bobos. Você

  pode juntar-se aos ofensores do passado e declarar que o homemespiritual é louco, mas isso não desfaz as afirmações deste."

Irmãos, para mim, os fatos produzidos pelo Espírito de Deusdemonstram a veracidade da religião cristã com a mesma clareza comque a destruição de Faraó no Mar Vermelho, ou o maná caído no deserto,ou a água saltando da rocha ferida, podiam provar a Israel a presença deDeus no meio das suas tribos.

Chegamos agora ao cerne do nosso assunto. Para nós, ministros, oEspírito Santo é absolutamente essencial. Sem Ele o nosso oficio não

 passa de um nome. Não nos arrogamos sacerdócio além e acima daquele

que pertence a todos os filhos de Deus. Mas somos sucessores daquelesque, nos velhos tempos, foram movidos por Deus a proclamar a SuaPalavra, a dar testemunho contra as transgressões e a dirigir a Sua causa.A menos que o espírito dos profetas esteja repousando sobre nós, omanto que usamos não passa de um traje tosco e enganoso. Comoobjetos dignos de aversão, devíamos ser expulsos da sociedade dossinceros por ousarmos falar em nome do Senhor – se é que o Espírito de

Deus não repousa sobre nós. Cremos que somos arautos de Jesus Cristo,designados para continuar o Seu testemunho na terra. Mas, sobre Ele esobre o Seu testemunho sempre repousou o Espírito de Deus, e se Estenão repousa sobre nós, é evidente que não somos enviados ao mundocomo Cristo foi. No dia de Pentecoste, o início da grande obra deconverter o mundo foi com línguas flamejantes e com um forte eimpetuoso vento, símbolos da presença do Espírito. Portanto, se

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)  pretendemos ter bom êxito sem o Espírito, não estamos seguindo anorma pentecostal. Se não temos o Espírito que Jesus prometeu, não

 podemos cumprir a comissão que Jesus deu.

 Não seria preciso advertir algum irmão aqui sobre a ilusão de que  podemos ter o Espírito de Deus no sentido de sermos inspirados.Contudo, os membros de certa seita litigiosa moderna precisam ser advertidos sobre essa loucura. Defendem a idéia de que as suas reuniõessão realizadas sob "a presidência do Espírito Santo" – noção sobre a qualsó posso dizer que fui incapaz de descobrir na Escritura Sagrada tanto aexpressão como a idéia. Encontro, sim, no Novo Testamento, um grupode coríntios notavelmente dotados, que gostavam de falar e dados a lutas

 partidárias – verdadeiros representantes daqueles a quem me referi. Mas,como Paulo disse deles, "Dou graças porque a nenhum de vós batizei",também dou graças ao Senhor que poucos daquela escola alguma vez seacharam em nosso meio. Poderia parecer que as suas assembléias

 possuem um dom peculiar de inspiração, não chegando inteiramente àinfalibilidade, mas aproximando-se bem dela. Se vocês se meteramnessas reuniões, pergunto enfaticamente se foram mais edificados pelas

 preleções produzidas sob a presidência celestial, do que pelas preleçõesde comuns pregadores da Palavra.

Estes se consideram sob a influência do Espírito Santo somentecomo um espírito está sob a influência de outro espírito, ou como umamente sob a influência de outra. Não somos passivos transmissores deinfalibilidade. Somos sinceros instruidores de coisas que aprendemos, namedida em que as pudemos captar. Como as nossas mentes são ativas e

têm existência pessoal enquanto o Espírito age sobre elas, transparecemas nossas fraquezas bem como a Sua sabedoria. E enquanto revelamosaquilo que Ele nos fez saber, somos grandemente humilhados pelo temor de que a nossa ignorância e os nossos erros se manifestem em certo grauao mesmo tempo, porque não nos sujeitamos mais perfeitamente ao

 poder divino. Não desconfio que vocês se extraviem na direção a que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)aludi. Certamente não é provável que os resultados de experiênciasanteriores induzam sábios a essa loucura.

Eis nossa primeira pergunta: Onde havemos de buscar o auxilio do

  Espírito Santo? Quando tivermos falado sobre este ponto,consideraremos mui solenemente um segundo: Como podemos perder 

essa assistência? Oremos no sentido de que, pela bênção de Deus, aconsideração deste ponto nos ajude a retê-la.

Onde havemos de buscar o auxílio do Espírito Santo? Devoresponder: por sete ou oito meios,

1. Primeiro,  Ele é o Espírito de conhecimento. "Ele vos guiará atoda a verdade." Nisto, precisamos do Seu ensino.

Temos urgente necessidade de estudar, pois o mestre de outros  precisa instruir-se. Subir ao púlpito normalmente despreparado é presunção imperdoável. Nada poderá rebaixar-nos mais efetivamente, eao nosso oficio. Depois de um discurso que o bispo de Lichfield fez emvisita oficial, discurso sobre a necessidade de zeloso estudo da Palavra,certo clérigo disse à sua reverendíssima que não podia crer em sua

doutrina, "pois", disse ele, "muitas vezes, quando estou no gabinete pastoral, pronto para pregar, não sei sobre o que vou falar, mas vou parao púlpito, prego, e não penso em nada disso." O bispo respondeu : "Evocê está certo em não pensar nada disso, pois os oficiais da igreja medisseram que partilham da sua opinião."

Se não somos instruídos, como podemos instruir outros? Se não nosdedicamos a pensar, como podemos levar outros a pensar? É em nosso

labor de estudar, nesse bendito trabalho em que estamos a sós com oLivro diante de nós, que precisamos da ajuda do Espírito Santo. Com Eleestá a chave do tesouro celeste, e pode enriquecer-nos além da nossaimaginação. Com Ele está o guia da doutrina mais labiríntica, e podeconduzir-nos no caminho da verdade. Pode romper os portais de bronzee picar em pedaços as barras de ferro, e dar-nos os tesouros das trevas eas riquezas ocultas dos lugares secretos. Se vocês estudarem os originais,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)consultarem comentários e meditarem profundamente, mas deixarem declamar vigorosamente ao Espírito de Deus, o seu estudo não lhes trará

 proveito. Entretanto, ainda que lhes seja vedado o emprego daqueles

recursos (o que confio não lhes suceda), se esperarem do Espírito Santoem simples dependência do Seu ensino, aprenderão muito da intençãodivina.

O Espírito de Deus nos é peculiarmente precioso, porque de modomuito especial Ele nos instrui sobre a pessoa e a obra de nosso Senhor Jesus Cristo; e este é o ponto principal da nossa pregação. Ele tomacoisas de Cristo e no-las mostra. Se tomasse coisas de doutrina ou

 preceito, ficaríamos contentes por essa bondosa assistência. Mas, vistoque se deleita especialmente nas coisas de Cristo, e focaliza a Suasagrada luz na cruz, regozijamo-nos ao ver o centro do nosso testemunhoiluminado tão divinamente, e nos asseguramos de que a luz se difundirásobre todo o restante do nosso ministério. Busquemos ao Espírito deDeus com este brado: "Ó Espírito Santo, revela-nos o Filho de Deus, eassim mostra-nos o Pai."

Como Espírito de conhecimento, não só nos instrui quanto ao

evangelho, mas também nos leva a ver o Senhor em todas as outrascoisas. Não devemos fechar os nossos olhos para Deus na natureza, ouna história geral, ou nas ocorrências providenciais diárias, ou em nossaexperiência pessoal. E em todas estas coisas, o nosso Intérprete da mentede Deus é o bendito Espírito. Se clamamos: "Ensina-me o que queres quefaça"; ou, "mostra-me o motivo pelo qual contendes comigo"; ou, "dize-me qual é a Tua intenção nesta rica previdência de misericórdia"; ou,

"revela-me o Teu propósito naquela outra dispensarão mista de juízo egraça" – seremos bem instruídos em cada caso. Pois o Espírito é ocandeeiro de sete braços do santuário, e pela Sua luz todas as coisas

 podem ser vistas corretamente.Como Goodwin observa bem : "É preciso haver luz acompanhando

a verdade, se temos de conhecê-la. Prova-nos isto a experiência de todosos homens envoltos na graça de Deus. Qual a razão por que vocês vêem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)algumas coisas num capítulo numa ocasião, e não em outra; alguma

 porção da graça em seus corações numa ocasião, e não em outra; têm umvislumbre das realidades espirituais numa ocasião, e não em outra? Os

olhos são os mesmos, mas é o Espírito Santo que abre e fecha estalanterna de furta-fogo, como eu poderia chamar-lhe. Conforme Ele aabre mais, ou a aperta, ou a fecha, estreitando-a, temos maior ou menor visão. E às vezes Ele a fecha totalmente, e então a alma fica naescuridão, embora seus olhos nunca tenham estado tão bons." Amadosirmãos, Não deixem de ira Ele em busca desta luz, ou ficarão nas trevase serão guias cegos de cegos.

2. Em segundo lugar, o Espírito é chamado Espírito de sabedoria, e precisamos enormemente dEle nesta capacidade.

Sim, pois o conhecimento pode ser perigoso, se não foracompanhado pela sabedoria, que é a arte de usar acertadamente o queconhecemos. Manejar bem a Palavra de Deus é tão importante comocompreendê-la plenamente. Alguns que evidentemente compreenderamuma parte do evangelho, deram indevida proeminência a essa porção

isolada e, portanto, exibiram um cristianismo deformado, para prejuízodaqueles que o receberam, visto que, em conseqüência disso, exibiram

 por sua vez um caráter deformado. O nariz é um trapo proeminente dorosto do homem. É possível, porém, fazê-lo tão grande que os olhos, a

 boca e tudo mais sejam lançados à insignificância. Um desenho assim écaricatura, não retrato. Do mesmo modo, certas doutrinas importantes doevangelho podem ser proclamadas com tal excesso que se lança o

restante da verdade à sombra, e a pregação já não é o evangelho em sua beleza natural, mas uma caricatura do evangelho. Contudo, deixem-medizê-lo, algumas pessoas parecem fortemente apegadas a essa caricatura.O Espírito de Deus lhes ensinará o emprego da faca sacrificial paradividir as ofertas. E lhes mostrará como usar as balanças do santuário,

  para pesarem e misturarem as preciosas especiarias em quantidadescertas. Todo pregador experimentado sente que esse é o momento

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)supremo, e bom será que seja capaz de resistir à tentação de negligenciá-lo.

Que lástima, alguns dos nossos ouvintes não desejam ouvir todo o

conselho de Deus! Têm as suas doutrinas favoritas e gostariam de fazer-nos calar em tudo mais. Muitos são como a escocesa que, depois deouvir um sermão, disse: "Estaria muito bem, se não fosse aquela drogade deveres no fim." Há irmãos dessa espécie. Desfrutam da parteconsoladora – as promessas e as doutrinas – mas só de leve se deve tocar na santidade prática. A fidelidade requer que entreguemos o evangelhosob todos os ângulos, sem omitir nada e sem exagerar em nada. Para istorequer-se muita sabedoria. Com seriedade indago se algum de nós tem otanto desta sabedoria que necessitamos. Provavelmente somos afligidos

  por algumas parcialidades inescusáveis e inclinações injustificáveis.Ponhamo-las para fora e acabemos com elas. Talvez tenhamosconsciência de que passamos por alto certos textos, não porque não ocompreendemos (o que poderia justificar-se), mas porque oscompreendemos e raramente gostamos de dizer o que eles nosensinaram, ou porque talvez haja alguma imperfeição em nós, ou algum

 preconceito entre os nossos ouvintes que aqueles textos revelariam demodo demasiado claro para que nos sentíssemos bem. Esse silêncio

 pecaminoso tem que ser eliminado imediatamente. Para sermos sábiosmordomos e repartirmos as porções certas de alimento para os membrosda casa do divino Senhor, precisamos do Teu ensino, ó Espírito de Deus!

Tampouco isso é tudo, pois mesmo que saibamos manejar bem aPalavra de Deus, carecemos de sabedoria para a seleção da porção

  particular da verdade que é mais aplicável à ocasião e às pessoasreunidas. Como também de igual descrição no tom e na maneira deapresentar a doutrina. Creio de muitos irmãos que pregam sobre aresponsabilidade humana, lançam-se de modo tão legalista que causamdesgosto a todos os que amam as doutrinas da graça. Por outro lado,receio que muitos pregam a soberania de Deus de modo tal que afastaminteiramente da ala calvinista todas as pessoas que crêem na livre ação

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)do homem. Não devemos ocultar a verdade por um momento sequer,mas devemos ter sabedoria para pregá-la sem que haja choque ou ofensa,e, sim, um esclarecimento gradativo daqueles que não conseguem vê-la

de todo, e um processo pelo qual se conduzam os irmãos mais fracos ao pleno círculo da doutrina do evangelho.Irmãos, precisamos de sabedoria também no modo de colocar as

coisas para diferentes pessoas. Pode-se demolir um ser humano com amesma verdade destinada a edificá-lo. Pode-se causar enjôo a alguémcom o mel com que se pretendia adoçar-lhe a boca. Tem-se pregado agrande misericórdia de Deus sem cuidado, o que tem levado centenas álicenciosidade. Por outro lado, tem-se ocasionalmente apregoado aterribilidade do Senhor com violência tão fulminante que tem levadomuitos ao desespero, e daí a um decidido desafio ao Altíssimo. Asabedoria é proveitosa para dirigir, e aquele que a tem expõe a verdadena ocasião certa e trajada com as suas vestes mais apropriadas. Quem

 pode dar-nos esta sabedoria, senão o bendito Espírito de Deus? Irmãos,vejam que, com a mais humilde reverência, esperem a Sua direção.

3. Terceiro, precisamos do Espírito de outra maneira, a saber, comoa brasa viva tirada do altar, tocando os nossos lábios. Assim, quandotemos conhecimento e sabedoria para escolher a porção certa da verdade,

 podemos desfrutar  liberdade de expressão quando vamos entregá-la."Eis que ela tocou os teus lábios."

Quão gloriosamente fala o homem quando os seus lábios estãoempolados pela brasa viva do altar – sentindo o poder de fogo da

verdade, não apenas no recôndito da alma, mas nos próprios lábios comos quais está falando! Reparem nessas ocasiões como estremece a suafala. Não notaram agora mesmo, na reunião de oração, em dois dosirmãos que elevaram súplicas, como era trêmulo o tom da sua voz, ecomo tremiam as estruturas dos seus corpos? Porque não somente osseus corações foram tocados, como espero tenham sido todos os nossoscorações, mas os seus lábios foram tocados, e esse toque influiu em seu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)falar, irmãos, precisamos do Espírito de Deus para abrir as nossas bocas,

 para podermos proclamar os louvores do Senhor, ou então não falaremoscom poder.

 Necessitamos da influência divina para impedir que digamos muitascoisas que, caso saíssem de fato das nossas 1ínguas, estragariam a nossamensagem. Aqueles dentre nós que têm o perigoso talento para ohumorismo, às vezes precisam parar, pegar a palavra ao sair da boca,olhar bem para ela, e ver se presta bem para a edificação. E aqueles cujoviver anterior os conduziu entre os grosseiros e rudes, precisam vigiar com olhos de lince a falta de delicadeza. Longe de nós, irmãos, dizer uma sílaba que sugira um pensamento impuro ou que desperte umalembrança duvidosa. Precisamos do Espírito de Deus para pôr freio ecabresto em nós para impedir que falemos coisas que levem a mente dosouvintes para longe de Cristo e das realidades eternas, fazendo-os pensar em coisas vis da terra.

Irmãos, também precisamos do Espírito Santo para nos impulsionar,em nossa tarefa de comunicar a Palavra. Não duvido que vocês estejamtodos conscientes dos diferentes estados mentais que ocorrem na

  pregação. Alguns desses estados decorrem das diferentes condiçõesfísicas. Um resfriado não só tira a clareza da voz, mas também congela ofluxo dos pensamentos. Da minha parte, se eu não posso falar comclareza, também fico incapaz de pensar com clareza, e o conteúdo atransmitir fica rouco também, como a voz. Igualmente o estômago etodos os órgãos do corpo afetam a mente. Mas não me refiro a essascoisas. Terão vocês consciência das alterações completamente

independentes do corpo? Quando estão robustos, não se sentem um dia pesados como os carros de Faraó com as rodas retiradas, e noutra ocasiãocom tanta liberdade como "uma corça deixada solta"? Hoje o ramo brilhacom o orvalho, ontem foi crestado pela seca. Quem não sabe que oEspírito de Deus está nisso tudo?

Às vezes o Espírito divino age em nós de molde a livrar-noscompletamente de nós mesmos. Em tais ocasiões, do começo ao fim do

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)sermão podíamos dizer: "Se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus osabe". Tudo foi esquecido, menos certo absorvente assunto em mãos. Seme fosse proibido entrar no Céu, mas me fosse dado escolher a condição

em que passarei a eternidade, escolheria aquela em que às vezes me sintoquando prego o evangelho. Nesse estado prefigura-se o Céu: a mentecerrada para todas as influências perturbadoras, adorando o majestosoDeus, com plena consciência de Sua presença, todas as faculdadeselevadas e jubilosamente cheias de vigor no máximo de sua capacidade,todos os pensamentos e poderes da alma alegremente ocupados emcontemplar a glória do Senhor e exaltando com as multidões atentas oBem-amado da nossa alma; e durante todo esse intervalo, a mais pura

 benevolência concebível para com as demais criaturas a incentivar ocoração a pleitear com elas em prol do nome de Deus – que estadomental pode rivalizar-se com este? Pena é que alcançamos este ideal,

 porém, sem o podermos manter sempre, pois também sabemos o que é pregar em cadeias ou dar murros no ar.

 Não podemos atribuir santas e felizes mudanças ocorridas em nossoministério a nada menos que a ação do Espírito Santo em nossas almas.

Estou certo de que o Espírito Santo realiza esta obra. Vezes sem conta,quando me assaltam dúvidas sugeridas pelo infiel, posso arremessá-lasaos ares com total desdém, porque tenho definida consciência de um

 poder que opera em mim quando falo em nome do Senhor, poder quetranscende infinitamente a qualquer capacidade ou eloqüência pessoal, eque sobrepuja em muito qualquer energia derivada do entusiasmo quesinto quando faço uma preleção secular ou um discurso. Aquele poder é

tão diferente deste, que tenho toda a certeza de que não é da mesmaordem ou classe do entusiasmo dos políticos ou do ardor da oratória purae simples. Oxalá experimentemos com muita freqüência a energia divina,e falemos com poder.

4. Mas então, em quarto lugar, o Espírito de Deus age tambémcomo óleo que unge e isto se relaciona com todo o trabalho da pregação

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) – não simplesmente com a alocução oral, mas com toda a transmissão dodiscurso. Ele pode fazê-los sensíveis ao assunto, até ao ponto de ficaremdominados por ele, quer achatados na terra, quer elevados às alturas

como em asas de águias. Acresce que, além do assunto, Ele os fazsensíveis ao seu objeto, até anelarem pela conversão dos homens e pelodespertamento dos cristãos, para que se elevem a algo mais nobre do quetudo que já conhecem. Ao mesmo tempo, outro sentimento estará comvocês, a saber, um intenso desejo de que Deus seja glorificado mediantea verdade que estão proclamando. Vocês ficam conscientes de um

 profundo e compassivo interesse pelas pessoas a que estão falando,lamentando que alguns saibam pouco, e que outros saibam muito e,contudo, o recusam. Vocês fitam alguns semblantes e, em silêncio, o seucoração lhes diz: "Ali caí orvalho", e, voltando-se para outros, comtristeza percebem que são como as partes áridas da montanha de Gilboa.

Tudo isto se dá durante o sermão. Não podemos contar quantos pensamentos passam pela mente de uma vez. Uma vez contei oito gruposde pensamentos que ocupavam o meu cérebro simuitaneamente, ou aomenos dentro do espaço do mesmo segundo. Estava pregando o

evangelho com todas as minhas forças, mas não pude deixar desensibilizar-me por uma senhora que estava evidentemente prestes adesmaiar, e também fiquei procurando o irmão encarregado das janelas,

 para que nos desse mais ar. Estava pensando na ilustração que omitira na primeira divisão, procurando dar forma à segunda divisão, perguntando-me se este sentira o peso da minha reputação, se aquele se fortaleceracom a observação consoladora, e ao mesmo tempo estava louvando a

Deus por desfrutar eu pessoalmente da verdade que estava proclamando.Alguns intérpretes consideram os querubins de quatro rostos comoemblemas dos ministros. Eu certamente não vejo dificuldade na formaquádrupla, pois o Espírito Santo pode multiplicar os nossos estadosmentais, e fazer de nós homens muito superiores além do que somos por natureza. O quanto pode Ele fazer de nós, e quão grandiosamente pode

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)elevar-nos, não ouso conjeturar. Certamente Ele pode fazer muitíssimoacima do que pedimos ou pensamos.

Especialmente faz parte da obra do Espírito Santo manter em nós

uma disposição devocional enquanto estamos entregando a mensagem.Esta é uma condição que se deve ambicionar grandemente – continuar aorar enquanto estamos ocupados com a prédica; cumprir osmandamentos do Senhor, dando ouvidos à voz da Sua Palavra; manter osolhos postos no trono, e as asas em constante movimento. Espero quesaibamos o que isto significa. Estou certo de que sabemos o seu oposto,ou de que logo o experimentaremos, isto é, o mal de pregar sem espíritode devoção. Que pode ser pior do que falar sob a influência de umespírito arrogante ou irritado? Que é mais debilitante do que pregar numespírito incrédulo? Por outro lado, que bênção arder fervorosamenteenquanto brilhamos diante dos olhos de outros! Esta é a obra do Espíritode Deus. Adorável Consolador, opera em nós!

Em nossos púlpitos precisamos unir o espírito de dependência como de devoção, de modo que, durante a pregação toda, desde a primeira

 palavra até a última sílaba, olhemos ao alto para o Forte em busca de

força. É bom lembrar que, embora tivessem chegado até o presente ponto, se o Espírito Santo os deixasse, fariam papel de tolos antes deacabar o sermão. Elevando os olhos para os montes de onde vem osocorro durante o sermão inteiro, com absoluta dependência de Deus,vocês pregarão com espírito de bravia confiança o tempo todo. Talvez euesteja errado ao dizer "bravia", pois não é coisa bravia confiar em Deus;

 para os verdadeiros crentes é simples questão de doce necessidade –

como podem deixar de confiar nEle? Por que haveriam de duvidar doseu Amigo sempre fiel?Outro dia de manhã, pregando à minha igreja sobre o texto, "A

minha graça te basta", disse aos irmãos que pela primeira vez em minhavida tinha experimentado o que Abraão sentiu quando se inclinou sobreo seu rosto e riu. Voltava para casa depois de uma semana de trabalhointenso, quando vejo à minha mente o texto: "A minha graça te basta."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Veio, porém, com a ênfase posta em duas palavras: "A Minha graça te

 basta." Minha alma disse: "Sem dúvida é assim. Seguramente, a graça doDeus infinito é mais que suficiente para um simples inseto como eu." E

ri, e tornei a rir, ao pensar em quanto o suprimento excedia a todas asminhas necessidades. Parecia que eu era um pequeno peixe no mar, e naminha sede dizia: "Viva, vou beber o oceano inteiro." Então o Pai daságuas ergueu sublime a cabeça e disse a sorrir: "Pequenino peixe, ailimitada vastidão marinha te basta." Este pensamento fez com que adescrença parecesse supinamente ridícula, como de fato é.

Irmãos, devemos pregar cientes de que Deus pretende abençoar aPalavra proclamada, pois temos Sua promessa neste sentido. E ao termos

 pregado, devemos procurar as pessoas atingidas pela bênção. Dirãovocês: "Fico dominado pelo espanto ao ver que Deus converte almas por meio do meu pobre ministério"? Falsa humildade! O seu ministério é

 pobre de verdade. Toda gente sabe disso, e vocês devem sabê-lo maisque ninguém. Mas, ao mesmo tempo, é coisa para espantar que, o Deusque disse: "A minha palavra não voltará para mim vazia", cumpra o que

 prometeu? A refeição irá perder o seu valor nutritivo porque o prato é

 barato? A graça divina haverá de ser sobrepujada por nossa fraqueza? Não. Mas temos este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não nossa.

Precisamos ainda do Espírito Santo durante o sermão todo paramanter os nossos corações e mentes em condição apropriada. Sim,

 porque, se não tivermos o espírito certo perderemos a entonação que  persuade e prevalece, e o povo descobrirá que a força de Sansão o

deixou. Uns pregam como quem está ralhando, e assim põem à mostra oseu mau gênio. Outros se pregam a si próprios, e assim revelam o seuorgulho. Alguns discursam como se estivessem condescendendo emocupar o púlpito, enquanto outros pregam como se estivessem pedindodesculpa por existirem. Para evitar erros nas maneiras e no tom da

 prédica, precisamos ser guiados pelo Espírito Santo, posto que só Ele nosensina com proveito.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)5. Em quinto lugar, dependemos inteiramente do Espírito de Deus

  para produzir efeito concreto decorrente do evangelho, o que devesempre constituir o nosso objetivo. Não nos levantamos em nossos

 púlpitos a fim de desfraldar a nossa habilidade na esgrima esportiva daespada espiritual, mas, sim, para empreender luta de verdade. O objetoque temos em mira é fazer a espada do Espírito traspassar o coração doshomens. Se em algum sentido se pode pensar na pregação como umaexibição pública, há de ser como a exibição do jogo do cultivo, queconsiste em cultivar realmente a terra. A competição não está naaparência dos arados, mas no trabalho feito. Dessa forma sejam julgadosos ministros pelo modo como manejam o arado do evangelho, e comosulcam o solo da lavoura, de ponta a ponta.

Sempre visem ao efeito. "Ora", dirá alguém, "entendi que vocêtenha dito: "Nunca faça isso." Digo também que nunca visem ao efeito,no sentido infeliz dessa expressão. Nunca visem ao efeito segundo omodo dos artífices de clímax, dos declamadores de poesia, dosmanipuladores de lenços, e dos sopradores de palavrório bombástico.Para o homem que degrada o púlpito reduzindo-o a um palco de teatro

 para exibir-se, muito melhor que não tivesse nascido. Visem à corretaespécie de efeito: inspirar os crentes para coisas mais nobres; levá-los

 para mais perto do seu Senhor; fortalecer os que vacilam até que selivrem dos seus temores; levar os pecadores ao arrependimento e aoexercício da fé incondicional em Cristo. Sem que se sigam estes sinais,

 para que servem os nossos sermões? Seria uma lástima dizer com certoarcebispo: "Passei por muitas posições de honra e de confiança, tanto na

igreja como no estado, mais do que qualquer colega da minha ordem naInglaterra, durante os últimos setenta anos. Mas se tivesse a certeza deque, por minha pregação, ao menos uma alma tivesse sido convertida aDeus, teria nisso maior consolo do que em todos os honrosos ofícios queme deram."

Milagres da graça devem constituir os selos do nosso ministério.Quem pode dá-los, senão o Espírito de Deus? Converter uma alma sem o

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Espírito de Deus! Ora, vocês não podem nem fazer um inseto. Muitomenos criar um novo coração e um espírito reto. Tentem conduzir osfilhos de Deus a uma vida mais elevada, sem o Espírito Santo! É

indizivelmente mais provável que os levem à segurança carnal, se  procurarem elevá-los por seus próprios métodos, sejam estes quaisforem. Não poderemos alcançar os nossos fins se omitirmos acooperação do Espírito do Senhor. Portanto, com forte clamor elágrimas, ponham nEle a sua esperança, dia a dia.

A falta de reconhecimento definido do poder do Espírito Santo jazna raiz de muitos ministérios vãos. As violentas palavras de Robert Hallsão tão verdadeiras agora como quando as esparramou como lavaderretida sobre uma geração semi-sociniana. "Por um lado, mereceatenção o fato de que os mais eminentes e bem sucedidos pregadores doevangelho – um Brainerd, um Baxter, um Schwartz – foram os maisnotáveis pela simples dependência em que se colocavam do auxílioespiritual. Por outro lado, nenhum sucesso acompanhou os ministériosdaqueles que têm negligenciado ou negado esta doutrina. Estesencontraram a maior censura à sua presunção no total fracasso dos seus

esforços, em que ninguém lutara pela realidade da interferência divina,no que a eles se refere; pois, quando o braço do Senhor se revela aqueles

  pretensos mestres do cristianismo, quem acreditará que não haja tal braço? Foi preciso deixá-los trabalhar num campo a respeito do qualDeus ordenou que não caísse chuva nele. Como se conscientes disso, por último voltaram os seus esforços para um novo canal e, sem esperançade conversão de pecadores, limitaram-se à sedução dos fiéis. Nisto, é

 preciso confessar, eles têm agido de modo perfeitamente coerente comos seus princípios. Pois que, ao menos, a propagação da heresia nãorequer a assistência divina."

6. Em seguida, necessitamos do Espírito de Deus como o  Espírito

de súplicas, que faz intercessão pelos santos de acordo com a vontade deDeus.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Uma parte muito importante da nossa vida consiste em orar no

Espírito Santo, e o ministro que não pensa assim, melhor seria queabandonasse o ministério. É preciso que abundante oração acompanhe a

 pregação zelosa. Não podemos estar sempre de joelhos fisicamente, masa alma jamais deve abandonar a postura da devoção. O hábito de orar é  bom, mas o espírito de oração é melhor. Deve-se manter o retiro  periódico, mas a continua comunhão com Deus deve ser o nossoobjetivo. Em regra, nos ministros, nunca devemos ficar muitos minutossem erguer de fato os nossos corações em oração.

Alguns de nos poderíamos dizer com sinceridade que raramente passamos um quarto de hora sem falar com Deus, e isto não como dever,mas como instinto, como um hábito da nova natureza pelo qual nãoreclamamos maior crédito do que o bebê por chorar em busca da mãe.Como poderíamos agir doutro modo? Agora, se devemos estar intensamente no espírito de oração, temos necessidade de que o óleosecreto seja derramado no fogo sagrado da devoção dos nossos corações.Oxalá queiramos ser mais e mais visitados pelo Espírito de graça e desúplicas.

Quanto às nossas orações em público, queira Deus que nunca digamcom verdade que elas são oficiais, formais e frias. Contudo, é o queserão se o suprimento do Espírito for deficiente. Não julgo os que usamliturgia. Mas aos que estão acostumados a fazer oração espontânea, digo

 – vocês não podem orar em público de modo aceitável, ano após ano,sem o Espírito de Deus. As orações mortas serão ofensivas ao povomuito antes de correr um ano. Como há de ser, então? De onde virá o

nosso socorro? Certos fracotes dizem: "Tenhamos liturgia!" Em vez de procurar o auxílio divino, descem ao Egito, em busca de socorro. Em vezde colocar-se na dependência do Espírito de Deus, vão orar seguindo umlivro! De minha parte, quando não consigo orar, prefiro estar ciente dissoe ficar gemendo por causa da aridez da minha alma, até que o Senhor mevisite com a bênção de uma devoção frutífera.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Se vocês estiverem cheios do Espírito Santo, lançarão fora com

alegria todos os grilhões formais para se entregarem à corrente sagrada eserem levados até encontrarem águas profundas. As vezes desfrutarão

mais íntima comunhão com Deus pela oração no púlpito do que emqualquer outro lugar. Quanto a mim, a minha mais grandiosa horasecreta de oração muitas vezes dá-se em público. A minha mais genuínaexperiência de estar a sós com Deus tem-me ocorrido enquanto elevosúplicas em meio a milhares de pessoas. Abro os olhos no fim de umaoração e volto ao povo reunido com uma espécie de choque ao ver queme acho na terra, entre os homens. Essas ocasiões não estão sob o nossocomando. Tampouco podemos elevar-nos a essas condições mediantequaisquer adestramentos ou esforços. Nenhuma língua pode descrever quão benditas são para o ministro e para os demais irmãos essascondições! Quão repleta de poder e de bênçãos há de ser também a

 prática habitual da oração não posso deter-me aqui para proclamar. Mas para isso tudo temos que elevar os olhos para o Espírito Santo. E,louvado seja Deus, não olharemos em vão, pois dEle se dizespecificamente que Ele ajuda as nossas fraquezas na oração.

7. Além do mais, é importante estar sob a influência do EspíritoSanto, uma vez que Ele é o  Espírito de Santidade. Sim, porquanto uma

 parte muito considerável e essencial do ministério cristão consiste emservir de exemplo. Nossa gente observa com muita atenção o quedizemos do púlpito e o que fazemos na esfera social e em tudo mais.

Meus irmãos, acham fácil ser santos? – santos que outros possam

considerar como exemplos? Devemos ser maridos tais, que todos osmaridos da igreja possam ser como somos, sem risco. É assim conosco?Devemos ser os melhores pais. Lástima! Alguns ministros que conheçoestão longe disto pois, com referência às suas famílias, guardam bem asvinhas alheias, porém não guardam bem as suas. Seus filhos donegligenciados e não crescem como semente santa. É assim com osseus? Nas conversas com os nossos semelhantes, somos inculpáveis e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)inofensivos, como filhos de Deus irrepreensíveis? É o que nos cabe ser.Respeito as razões pelas quais o Sr. Whitefield mantinha sempre o ternode linho escrupulosamente limpo. "Não, Não", costumava dizer, "isto

não é ninharia. O ministro não deve ter mancha, nem mesmo em suaroupa, se possível." Não há como exagerar a pureza num ministro. Vocês conhecem

algum colega infeliz que apareceu salpicado, e afetuosamente oajudaram a remover as manchas, mas perceberam que teria sido melhor se as roupas estivessem alvas sempre. Oh, mantenham-se imaculados domundo! Como pode ser assim estando nós num cenário de tentação evivendo cercados de pecados? Somente se formos preservados por um

 poder superior. Se vocês hão de andar em toda a santidade e pureza,como convém aos ministros do evangelho, devem ser diariamenteenchidos do Espírito Santo.

8. Uma vez mais, precisamos do Espírito Santo em Sua qualidadede  Espírito de discernimento, pois Ele conhece as mentes dos homenscomo conhece a de Deus, e necessitamos muito disto quando lidamos

com personalidades difíceis.Há neste mundo alguns indivíduos que talvez pudessem receber 

  permissão para pregar, mas que nunca deveríamos tolerar que setornassem pastores. São desqualificados mental ou espiritualmente. Naigreja de São Zeno, em Verona, vi uma estátua daquele santo,representando-o sentado. O artista lhe deu pernas acima dos joelhos tãocurtas que ficou sem colo para abrigar crianças, de modo que ele não

 poderia ser um pai bom para aconchegar os filhos. Receio que hajamuitos outros que trabalham com semelhante falta de habilitação. Não podem levar a sua mente a entrar de coração nos cuidados pastorais. Sãocapazes de dogmatizar sobre uma doutrina e de polemizar sobre umaordenança, mas, entrar em compassiva empatia com uma experiênciaalheia está longe deles. Uma pessoa assim só pode prestar frio consolo àsconsciências aflitas.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Seu conselho terá o mesmo valor do conselho dado pelo montanhês

escocês que, segundo contam, viu um inglês afundando num pântano emBen Nevis. "Estou afundando!", gritou o viajante. "Você pode dizer-me

como sair daqui?" O montanhês calmamente replicou: "Acho que é  provável que você não vá conseguir sair daí nunca", e seguiu seucaminho. Conhecemos ministros dessa laia. Ficam confusos e quase

 perdem a paciência com os pecadores, lutando à beira do desânimo. Seeu e você, despreparados para a arte do pastoreio, fôssemos colocadosentre ovelhas e cordeiros no início da primavera, que haveríamos defazer com eles? Na mesma perplexidade se acham os que nunca foramensinados pelo Espírito Santo sobre a maneira de cuidar das almas.Oxalá as Suas instruções nos livrem de tão desditosa incompetência!

Sobretudo, irmãos, por mais ternura de coração ou amorosa preocupação que tenhamos, Não saberemos tratar da imensa variedadede casos, a não ser que o Espírito de Deus nos dirija, pois não existemdois indivíduos iguais. E mesmo um caso idêntico a outro requererátratamento diferente em diferentes ocasiões. Num período poderá ser melhor consolar, noutro repreender. E a pessoa de quem você se

compadeceu com empatia até às lágrimas hoje, talvez necessite que aenfrente com olhar carrancudo amanhã, por dizer tolices da consolaçãoque você lhe deu. Os que curam os quebrantados de coração e

 proclamam libertação aos cativos precisam ter sobre si o Espírito doSenhor.

 Na supervisão e direção de uma igreja é necessário o auxílio doEspírito. No fundo, o principal motivo da divido de nossa denominação

está na dificuldade proveniente do nosso governo eclesiástico. Tem-sedito que "tende à intranqüilidade do ministério." Sem dúvida, é muito penoso para quem suspira pelas dignidades oficiais e sente necessidadede ser o Excelentíssimo Senhor Oráculo, diante de quem até um cachorrofica proibido de latir. Os incapazes de dirigir algo além de bebês são

 justamente as pessoas que têm maior sede de autoridade e, vendo-se malaquinhoados dela nestas partes, procuram outras regiões. Se você não

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) pode governar-se a si próprio, se não é varonil e independente, se são ésuperior quanto ao peso moral, se não tem maior dom e graça do que osseus ouvintes comuns, poderá vestir uma toga e ter a pretensão de ser o

líder da igreja – mas, não numa igreja de governo batista ouneotestamentário. De minha parte, detestaria ser pastor de pessoas quenada têm que dizer, ou que, se chegam a dizer algo, bem podiam ter ficado caladas, pois o pastor é Sua Excelência, o Soberano, e os demaissão leigos – cada qual um João-ninguém. Preferiria antes ser líder de seishomens livres, cujo entusiástico amor fosse o meu único poder sobreeles, do que bancar ditador de uma vintena de nações escravizadas.

Que posição é mais nobre do que a do pai espiritual que não searroga autoridade e, todavia, é estimado por todos, e cuja palavra é ditaapenas como terno conselho mas é recebida como tendo força de leí? Aoconsultar os desejos de outros, vê que o primeiro desejo deles é saber oque ele recomenda e, cedendo sempre aos desejos de outros, vê que sealegram em ceder aos seus. Amorosamente firme e generosamentegentil, é o chefe de todos porque é servo de todos. Isto não requer sabedoria do Alto? Que poderia ter maior necessidade dela? Quando

Davi se estabeleceu no trono, disse: "É Ele que submete a mim o meu povo." E assim pode falar todo feliz o pastor quando vê tantos irmãos detemperamentos diversos querendo alegremente estar sob disciplina eaceitar a sua liderança na obra do Senhor. Se o Senhor não estivesseentre nos, logo haveria confusão. Ministros, diáconos e presbíteros, todos

 precisam ser sábios, mas se o pombo sagrado parte, e o espírito decontenda entra, é o fim para nós.

Irmãos, o nosso sistema não funcionará sem o Espírito de Deus, eme alegra que não funcione, pois as suas paralisações e suas rupturaschamam a nossa atenção para o fato da Sua ausência. Nunca se teve aintenção de que o nosso sistema promovesse a glória de sacerdotes e

 pastores, mas é planejado para educar cristãos varonis, que não releguema sua fé a segundo plano. Que sou eu, e que são vocês, para que devamosser senhores dominando a herança de Deus? Algum de nós se atreverá a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)dizer com o reí francês, "L'état, c'est moi" – o estado sou eu" – eu sou a

 pessoa mais importante da minha igreja? Se for assim, não é provávelque o Espírito Santo faça uso desses instrumentos inadequados. Mas se

conhecemos os nossos lugares e desejamos conservá-los com toda ahumildade, Ele nos ajudará, e as igrejas florescerão sob os nossoscuidados.

Dei-lhes um alongado catálogo de pontos nos quais o Espírito Santonos é absolutamente necessário. Contudo, a lista está muito longe de ser completa. Deixei-a intencionalmente imperfeita porque, se eu tentassecompletá-la, todo o nosso tempo expiraria antes de podermos responder a pergunta: Como Podemos Perder Esta Assistência Necessária?

Que nenhum de nós jamais faça esta experiência, mas é certo que osministros podem perder o auxilio do Espírito Santo. Cada pessoa aqui

 presente pode perdê-lo. Vocês não perecerão, uma vez que são crentes,  porque a vida eterna está em vocês. Podem, porém, perecer comoministros, de quem não se ouça mais falar que são testemunhas em proldo Senhor. Se suceder isso, não será sem motivo. O Espírito reclama

soberania semelhante à do vento que sopra onde quer. Entretanto, jamaissonhemos que soberania e capricho são a mesma coisa. O benditoEspírito age como quer, mas sempre de modo justo, sábio, e com motivoe razão. Às vezes Ele dá ou retira a Sua bênção, por razões relativas anós mesmos.

 Notem o curso de um rio como o Tâmisa – como torce e retorce aseu bel prazer. Contudo, há razão para cada volta ou curva. O geólogo,

estudando o solo e observando a forma da rocha, vê a razão pela qual oleito do rio se desvia para a direita ou para a esquerda. Assim, apesar deque o Espírito de Deus abençoa um pregador mais que outro, e a razãonão pode ser tal que algum homem possa congratular-se consigo por sua

 própria bondade, todavia há certas coisas concernentes aos ministroscristãos que Deus abençoa, e certas outras coisas que impedem o bomêxito. O Espírito de Deus caí como o orvalho, com mistério e poder.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Mas, no mundo espiritual é como no mundo natural: certas substânciasse molham com a umidade celestial, ao passo que outras estão sempresecas.

Porventura não existe uma causa? O vento sopra onde quer, mas sedesejamos sentir uma forte viração, temos que ir ao mar ou subir ascolinas. O Espírito de Deus tem lugares favoritos para a demonstraçãodo Seu poder. Ele é simbolizado por uma pomba, e a pomba tem os seusretiros preferidos. Freqüenta as correntes de águas, os lugares pacíficos ecalmos. Não a encontramos no campo de batalha, nem a vemos pousar na carniça. Há coisas congruentes com o Espírito e coisas contrárias àSua mente. O Espírito de Deus compara-se com a luz. A luz pode brilhar onde quiser, mas uns corpos são opacos, enquanto que outros sãotransparentes. Assim, há homens através dos quais nunca aparece o Seu

 brilho. Portanto, deste modo se pode demonstrar que, embora o EspíritoSanto seja o "livre Espírito" de Deus, de modo nenhum age por capricho.

Entretanto, diletos irmãos, o Espírito de Deus pode ser entristecido,contrariado, e pode mesmo sofrer resistência. Negar isto é opor-se aotestemunho freqüente da Escritura. Pior de tudo, podemos menosprezá-

Lo e insultá-Lo a tal ponto que Ele não fale mais por nosso intermédio,mas nos deixe como deixou o reí Saul antigamente. Seria lamentável seexistissem homens no ministério cristão aos quais sucedesse isto; temo,

 porém, que existam.Irmãos, quais serão os males que entristecem o Espírito? Respondo:

tudo que vos desqualifique como cristãos comuns para a comunhão comDeus também vos desqualifica para experimentarem o poder 

extraordinário do Espírito Santo como ministros. À parte disso, porém,há obstáculos especiais.Dentre os primeiros, devemos mencionar a falta de sensibilidade,

ou seja, aquele estado de frieza emocional que nasce da desobediência àsternas influências do Espírito. Devemos ser delicadamente sensíveis aoSeu mais leve movimento, e então poderemos esperar a Sua presença emnós. Mas, se somos como o cavalo e a mula que não têm entendimento,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)segundo a expressão bíblica, sentiremos o chicote, mas nãodesfrutaremos das ternas influências do Consolador.

Outro defeito entristecedor é a falta de veracidade. Quando um

grande músico pega um violão ou toca harpa e vê que as notas falseiam,detêm a mão. As almas de alguns homens não são sinceras. Eles sãosofisticados e hipócritas. O Espírito de Cristo não será cúmplice dehomens aplicados à desprezível ocupação de iludir e enganar. Será este ocaso aqui – que vocês preguem certas doutrinas, não porque crêem nelas,mas porque a sua igreja espera que as preguem? Estarão vocês dandotempo ao tempo até poderem, sem risco, renunciar ao seu credo atual eapregoar o que a sua mente covarde realmente sustenta ser verdadeiro?

 Neste caso vocês são decaídos de fato, e estão abaixo dos escravos maisindignos. Deus nos livre dos homens traiçoeiros, e se estes chegam aformar em nossas fileiras, oxalá sejam rapidamente expulsos ao som daMarcha do Velhaco ( Rogue's March). Se nos sentimos aversão por eles,quanto mais os detestará o Espírito da verdade!

Vocês poderão contristar grandemente o Espírito Santo com umageral escassez de graça. A frase é temível, mas descreve certas pessoas

melhor do que todas as outras que me ocorrem. A família Graça-Escassageralmente tem um dos seus membros no ministério. Conheço o tipo.

 Não é insincero nem imoral, Não tem mau gênio nem é auto-indulgente,mas algo lhe falta. Não seria fácil provar essa ausência por meio dealguma ofensa ostensiva de sua parte. O que lhe falta, porém, falta à sua

 personalidade toda, e essa carência arruína tudo. Falta-lhe aquilo que por excelência é necessário. Ele não é espiritual. Não há nele o aroma de

Cristo. O seu coração nunca se inflama no seu interior. Sua alma nãovive. Falta-lhe a graça. Não podemos esperar que o Espírito de Deusabençoe um ministério que jamais devia ter sido exercido, e certamenteum ministério não revestido da graça é dessa natureza.

Outro mal que expulsa o Espírito divino é o orgulho. O modo de ser  bem grande consiste em ser bem pequeno. Ser muito notável em sua  própria estima é não ser notado por Deus. Se você tem profunda

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)necessidade de viver nos lugares elevados da Terra, achará frios e áridosos pontos culminantes das montanhas. O Senhor habita com os humildes,mas de longe conhece o soberbo.

A preguiça também contraria o Espírito Santo. Não posso imaginar o Espírito esperando à porta do mandrião, e suprindo as deficiênciascriadas pela indolência. A ociosidade na causa do Redentor é um mal

  para o qual não se pode inventar desculpa. Nós mesmos sentimosarrepios ao vermos os movimentos vagarosos dos preguiçosos, eestejamos certos de que o Espírito Santo, ativo como é, fica igualmentecontrariado com os que agem levianamente na obra do Senhor.

A negligência na oração particular, como muitos outros males, produzirá o mesmo resultado infeliz. Todavia, não é preciso alongar oassunto, pois as suas próprias consciências, irmãos, lhes dirão o queentristece o Santo de Israel.

Agora lhes rogo que atentem para esta palavra: Vocês sabem o que

 poderá acontecer se o Espírito de Deus for grandemente contristado e

retirar-se de nós? Há duas suposições.

A primeira é que nunca fomos verdadeiros servos de Deus, mas

apenas usados temporariamente por Ele, como Balaão, e até a jumentacavalgada por ele. Suponhamos, irmãos, que eu e vocês continuemos

 pregando por um tempo sem que nem nós nem outros suspeitemos quefomos destituídos do Espírito de Deus. Todo o nosso ministério podeacabar-se de um golpe, e nós com ele. Talvez sejamos derribados na

  primavera, como aconteceu com Nadabe e Abiú, para não maisministrarmos perante o Senhor, ou talvez sejamos removidos nos anos do

amadurecimento, como Hofni e Finéias, não podendo continuar servindono tabernáculo da congregação. Não temos nenhum analista inspiradoque nos registre a súbita eliminação de homens que prometem muito. Seo tivéssemos, porém, talvez lêssemos aterrorizados – sobre zelosustentado por bebidas fortes, sobre farisaísmo associado a corrupçãosecreta, sobre ortodoxia declarada ocultando infidelidade absoluta, ousobre alguma outra forma de fogo estranho apresentado no altar, até que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)o Senhor não o suporte mais e elimine os ofensores com repentino golpe.Caberá a algum de nós essa terrível condenação?

É uma pena, mas vi alguns que, como Saul, foram abandonados

 pelo Espírito Santo. Está escrito que o Espírito de Deus veio sobre Saul.Entretanto, ele não foi fiel à influência divina, esta o deixou, e umespírito mau lhe tomou o lugar. Notem como o pregador de quem oEspírito se retirou banca jeitosamente o cínico, critica todos os demais,arremessa o dardo da calúnia a alguém melhor do que ele. Saul esteveuma vez entre os profetas, mas se sentia mais à vontade entre os

  perseguidores. O pregador frustrado procura destruir o verdadeiroevangelista, recorre aos encantos da filosofia, e busca o auxílio deheresias mortas, mas o seu poder se foi e logo os filisteus o encontrarãoentre os mortos. "Não o noticieis em Gate, nem o publiqueis nas ruas deAscalom... Vos, filhas de Israel, chorai por Saul ... Como caíram osvalentes no meio da peleja!"

Também alguns que foram abandonados pelo Espírito de Deus setornaram semelhantes aos filhos de Ceva, um judeu. Estes presunçosostentaram expulsar demônios em nome de Jesus, a quem Paulo pregava,

mas os demônios saltaram sobre eles e o subjugaram. Assim, enquantocertos pregadores pregavam contra o pecado, os próprio vícios quedenunciavam os derrotaram. Os filhos de Ceva têm estado entre nós. Osdemônios da bebedice prevaleceram sobre o próprio individuo quedenunciava o cálice fascinante, e o demônio da impureza saltou sobre o

 pregador que aplaudia a castidade. Se o Espírito Santo estiver ausente, detodas as posições a nossa é a mais perigosa. Cautela, pois!

É lamentável, mas alguns ministros ficaram como Balaão. Era um profeta, não era? Não falava em nome do Senhor? Não se lhe chamou"homem de olhos abertos... que tem a visão do Todo-poderoso"? Apesar disso, Balaão lutou contra Israel e com astúcia arquitetou um plano peloqual o povo escolhido poderia ser vencido. Ministros do evangelho háque se tornaram súditos do papa, infiéis, livre-pensadores, e conspiraram

 para a destruição daquilo que antes professavam pregar. Podemos ser 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)apóstolos, mas como Judas, terminar sendo filhos da perdição. Ai de nós,se for este o caso!

Irmãos, presumirei que somos realmente filhos de Deus. E então?

Ora, mesmo neste caso, se o Espírito de Deus nos deixar, poderemos ser eliminados de um golpe, como se deu com o iludido profeta que deixoude obedecer a ordem do Senhor nos dias de Jeroboão. Era sem dúvidaum homem de Deus, e a sua morte física de modo algum prova que tenha

 perdido a alma, mas rompeu aquilo que sabia ser uma ordem de Deusdada especialmente para ele. Seu ministério terminou ali e naquela exataocasião, pois um leão o encontrou no caminho e o matou. Queira oEspírito Santo proteger-nos dos enganadores e manter-nos fiéis à voz deDeus.

Pior ainda, podemos reproduzir a vida de Sansão, sobre quem veioo Espírito de Deus nos campos de Dã. Mas, no regaço de Dalila perdeu aforça, e na masmorra perdeu os olhos. Concluiu com bravura a carreira,cego como estava, mas quem de nós deseja tentar destino tal?

Ou – e este último me entristece além de toda a expressão, porquetem maior probabilidade de acontecer do que qualquer de todos os

restantes – o Espírito de Deus pode retirar-se de nós, em penoso grau, para estrago do encerramento da nossa carreira, como foi no caso deMoisés. Não perderemos as nossas almas, não, nem mesmo as nossascoroas no Céu ou ainda a nossa reputação na terra, porém ficaremos sobuma nuvem em nossos últimos dias por termos falado uma vezimprudentemente com os nossos lábios.

Recentemente estudei os últimos dias do grande profeta do Horebe,

e ainda não me recuperei da profunda tristeza de espírito que mesobreveio. Qual foi o pecado de Moisés? Não há por que inquirir. Nãofoi grosseiro como a transgressão de Davi, nem chocante como ofracasso de Pedro, nem fraco e tolo como a grave falta do seu irmãoArão. Na verdade, parece uma ofensa infinitesimal quando pesada na

 balança do julgamento usual. Mas então, vocês vêem, foi o pecado de

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Moisés, homem favorecido por Deus mais que todos os outros, o pecadode um líder do povo, de um representante do Reí divino.

O Senhor o podia ter passado por alto em qualquer outro, não

  porém em Moisés. Moisés teve que ser punido com a proibição deintroduzir o povo na terra prometida. É certo que teve gloriosa visão doalto de Pisga, e tudo mais que podia mitigar o rigor da sentença, mas foigrande desapontamento nunca entrar na terra da herança de Israel, e isso

 por ter falado uma vez impensadamente.Eu não poderia fugir ao serviço do Mestre, mas tremo em Sua

 presença. Quem pode estar sem culpa, quando até Moisés errou? É coisaterrível ser amado de Deus. "Quem dentre nós habitará com o fogoconsumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas? O queanda em justiça, e o que fala com retidão." – Somente este pode enfrentar as devoradoras chamas do amor.

Rogo-lhes, irmãos que procurem ocupar o lugar de Moisés, mastremam ao fazê-lo. Temam e tremam por todo o bem que Deus faça

 passar diante de vocês. Quando estiverem transbordando de frutos doEspírito, inclinem-se até o pó perante o trono, e sirvam ao Senhor com

temor. "O Senhor nosso Deus é Deus zeloso." Lembrem-se de que Deusveio a nós, não para exaltar-nos, mas para exaltar-Se, e temos que atentar 

 para o fato de que a gloria de Deus é o único objetivo de tudo quefazemos. "Importa que Ele cresça, e eu diminua."

Oxalá Deus nos induza a isto e nos faça andar muito cuidadosa ehumildemente diante dEle. Deus nos sondará e nos provará, pois o juízocomeça em Sua casa, e nessa casa começa com os Seus ministros.

Quererá algum de nós ser achado em falta? Retirará o abismo do infernouma parte dos seus infelizes habitantes do meio do nosso grupo de  pastores? Será terrível a sentença de um pastor decaído. A suacondenação causará espanto aos transgressores comuns. "Das

 profundezas o inferno se move por ti para encontrar-te em tua vinda."Todos eles te dirão: "Também tu te tornaste fraco, igual a nós? Ficaste

 parecido conosco?"

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Clamemos ao Espírito de Deus, que nos faça e nos mantenha vivos

 para Deus, fiéis ao nosso oficio e úteis à nossa geração – e limpos dosangue das almas.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)NECESSIDADE DE PROGRESSO MINISTERIAL

Caros soldados, companheiros meus! Somos poucos, e temos

violenta luta diante de nós. Portanto, é preciso fazer que cada homemrenda o mais possível e seja estimulado até o ponto máximo das suasenergias. É desejável que os ministros do Senhor sejam os elementos devanguarda da igreja. Na verdade, do universo todo, pois a época orequer. Portanto, quanto a vocês, em suas qualificações pessoais, dou-lhes este moto: "Sigam avante."  Avante nas conquistas pessoais, avante

nos dons e na graça, avante na capacitação para a obra, e avante no processo de amoldar-se à imagem de Jesus. Os pontos de que tratarei aseguir começam da base e seguem linha ascendente.

1. Primeiro, diletos irmãos, acho necessário dizer-me a mim e avocês que devemos ir avante em nossas aquisições intelectuais. Não nosserve de nada apresentar-nos continuamente diante de Deus em nossa

 pior forma. Não somos capazes de apresentar-nos na melhor forma aosSeus olhos. Mas, custe o que custar, não permitamos que a oferta seja

mutilada e manchada por nossa preguiça. "Amarás o Senhor teu Deus detodo o teu coração" é, talvez, mais fácil de aceitar do que amá-Lo detodo o entendimento. Contudo, precisamos dar-lhe a nossa mente, bemcomo os nossos afetos, e essa mente deve estar bem suprida, para quenão Lhe ofereçamos um cofre vazio. O nosso ministério exige a mente.

 Não insistirei sobre "o iluminismo da época." Todavia, é mais que certoque há um grande avanço entre todas as classes, e que haverá maior 

ainda. Já se foi o tempo em que os discursos destituídos de gramáticaeram satisfatórios para o pregador.

Mesmo num povoado rural onde, segundo a tradição, "ninguémsabe nada", não falta o mestre-escola, e a falta de instrução perdeutilidade mais que nunca. Pois, enquanto o orador quer que os ouvinteslembrem o evangelho, lembrarão por outro lado as suas expressõesgramaticalmente péssimas, e as repetirão como temas para gracejos,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)quando queríamos que conversassem com solene fervor sobre asdoutrinas divinas. Caros irmãos, precisamos cultivar-nos ao máximo. Edevemos fazê-lo, primeiro, reunindo o máximo de conhecimentos, para

encher o celeiro; depois adquirindo discernimento para joeirar tudo quefoi amontoado; e finalmente, exercendo a capacidade mental de firmefixação na memória, pela qual podemos armazenar no celeiro o cerealselecionado. Pode ser que estes três pontos não tenham importânciaigual, mas são todos necessários ao homem completo.

Digo-lhes que devemos fazer grandes esforços para adquirir 

informação, principalmente de natureza bíblica. Não devemos limitar-nos a um tópico do estudo, do contrário, não exercitaremos nossa

 plenitude mental. Deus fez o mundo para o homem, e dotou o homem demente destinada a ocupar e usar o mundo todo. É o locatário, e anatureza é por um pouco de tempo a sua casa. Por que haveria de privar-se de qualquer dos seus quartos? Por que negar-se a saborear alguma dasrefeições tornadas puras que o grandioso Pai colocou sobre a mesa?Contudo, a nossa principal atividade é estudar as Escrituras. A principalocupação do ferrador é ferrar cavalos. Que trate de saber fazê-lo bem,

 pois, ainda que fosse capaz de cingir um anjo com um cinto de ouro,falharia como ferrador se não soubesse forjar e fixar ferraduras. Poucovale que vocês sejam capazes de escrever poesia com o maior 

 brilhantismo, como talvez o sejam, se não puderem pregar um bomsermão, persuasivo, que produza o efeito de fortalecer os santos econvencer os pecadores. Estudem a Bíblia, diletos irmãos, de capa acapa, com toda a ajuda que possam obter. Lembrem-se de que agora os

recursos ao alcance dos cristãos comuns são muito mais amplos do queno tempo dos nossos país. Portanto, vocês têm que ser maioresespecialistas em Bíblia, se pretendem manter-se diante dos seus ouvintes,Interponham todo o conhecimento, mas, acima de todas as coisas,meditem dia e noite na lei do Senhor.

Instruam-se bem em teologia. Não reparem na zombaria daquelesque a criticam porque nessa esfera são ignorantes. Muitos pregadores

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)não são teólogos. Daí os erros que cometem. Não fará mal algum aomais galhardo evangelista se ele também for bom teólogo. Talvez sejaeste, com freqüência, o modo de livrá-lo de erros crassos.

Hoje em dia ouvimos homens que recortam uma frase da Escritura,isolando-a do seu contexto, e bradam: "Eureka! Eureka!" , como setivessem achado uma nova verdade. No entanto, não descobriram umdiamante, mas, sim, um caco de vidro. Se fossem capazes de comparar coisas espirituais com espirituais, se compreendessem a analogia da fé, ese estivessem familiarizados com o santo saber dos grandes estudiososda Bíblia que o passado conheceu, não se apressariam tanto em jactar-sedo seu conhecimento maravilhoso. Tratemos de inteirar-noscompletamente das grandes doutrinas da Palavra de Deus. Exponhamoscom poder a Escritura. Estou certo de que nenhuma forma de pregaçãodurará tanto, ou edificará tão bem uma igreja como a pregaçãoexpositiva. Renunciar totalmente o discurso exortativo pelo expositivoseria precipitar-se a um extremo absurdo. Mas, não serei capaz deexagerar ao afirmar-lhes categoricamente que, se os seus ministérios hãode ser duradouramente úteis, vocês terão que ser expositores. Para isso,

deverão compreender pessoalmente a Palavra, e deverão ser capazes decomentá-la de modo que as pessoas sejam edificadas por ela. Irmãos,manejem com domínio as suas Bíblias. Sejam quais forem as obras nãoexaminadas por vocês, sintam-se em casa com os escritos dos profetas eapóstolos. "A palavra de Cristo habite em vós ricamente." .

Uma vez dada precedência aos escritos inspirados, nãonegligenciem nenhuma esfera do conhecimento. A presença de Jesus na

terra santificou os domínios da natureza, e o que Ele purificou nãochamem de impuro. Tudo que o Pai fez lhes pertence, e vocês devemaprender disso. Podem ler o diário de um naturalista, ou da viagem dealguém, e tirar proveito dessa leitura. Sim, e mesmo de um velho livrosobre ervas ou de um manual de alquimia poderão colher mel, como ofez Sansão da carcaça de um leão. Há pérolas em conchas de ostras, efrutas em galhos espinhentos. As veredas da verdadeira ciência,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) particularmente da historia natural e da botânica, destilam gordura. Ageologia, enquanto fato, e não ficção, está repleta de tesouros. A historia

  – esplêndidas são as visões que faz passar diante de vocês – é a

eminentemente instrutiva. Na verdade, cada rincão dos domínios deDeus na natureza pulula de preciosos ensinamentos. Sigam as trilhas doconhecimento, de acordo com o tempo, a oportunidade e os dotes

 particulares de que disponham. E não hesitem em fazê-lo por causa dealguma apreensão de que se instruirão a um nível demasiado alto.Quando a graça for abundante, o saber não os inchará, nem prejudicará asua simplicidade no evangelho. Sirvam a Deus com o grau de educaçãoque tenham, e dêem graças a Ele por soprar por meio de vocês, se são

 buzinas de chifres de carneiro. Mas, se há possibilidade de se tornaremtrombetas de prata, prefiram isto.

Já disse que devemos aprender a discernir , e agora é o momentooportuno para insistir neste ponto. Muitos correm atrás de novidades,encantados com toda e qualquer invenção. Aprendam a julgar a verdadee as suas imitações, assim, não serão desencaminhados. Outros há que seapegam como certos moluscos a velhos ensinos, sendo que talvez estes

não passem de erros antigos. Submetam à prova todas as coisas eretenham o que é bom. Deve-se recomendar muito o emprego doventilador e da peneira para joeirar. Diletos irmãos, quem pede aoSenhor que lhe dê vida límpida com a qual veja a verdade e distinga osseus frutos, e, graças ao constante exercício das suas faculdades, obtevecapacidade para julgar acuradamente, está preparado para ser comandante de hostes do Senhor. Mas, nem todos são assim. É doloroso

observar quantos estão prontos para abraçar qualquer coisa, bastando quelhes seja apresentada com ardor. Engolem remédios de todo e qualquer charlatão espiritual que tenha suficiente convicção mascarada para

  parecer sincero. Não sejam crianças assim no entendimento, massubmetam tudo à prova cuidadosamente, antes de aceitá-lo. Peçam aoEspírito Santo que lhes dê o dom do discernimento, de modo que possam

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)conduzir os seus rebanhos para longe das campinas venenosas e levá-losa pastagens seguras.

Quando, no devido tempo, tenham obtido a capacidade de adquirir 

conhecimento e a aptidão para discernir, busquem em seguida acapacidade para reter , e segurem com firmeza o que aprenderam. Nestestempos certas pessoas se vangloriam de ser como cata-ventos. Nãoconservam nada. Na verdade, nada possuem que valha a pena reter.Creram ontem naquilo em que não crêem hoje, nem crerão amanhã. Eseria um profeta maior do que Isaías quem conseguisse dizer o que elescrerão quando o recôncavo da lua nova se encher, pois estão mudandoconstantemente. Parecem ter nascido sob a influência da luz, partilhandodos hábitos de sua variação. Esses homens podem ser sinceros como sedizem, mas, de que valem? Como boas árvores transplantadas muitasvezes, podem ter natureza nobre, mas nada produzem. Sua vitalidadeesvai-se no esforço por criar raízes e tornar a criá-las. Não têm seivasuficiente para produzir frutos. Estejam certos de que têm a verdade e,depois, estejam certos de que a mantêm. Estejam prontos para uma novaverdade, desde que seja verdade. Relutem, porém, em subscrever a

crença de que se encontrou uma luz melhor do que a do sol.Os que apregoam pelas ruas novas verdades, como os jornaleiros

fazem com uma segunda edição de um vespertino, geralmente não estãoem condição melhor do que deveriam. A bela jovem da verdade não

 pinta as faces, nem enfeita a cabeça como Jezabel, seguindo cada novamoda filosófica. Contenta-se com sua beleza natural, e seu aspecto éessencialmente o mesmo ontem, hoje, e para sempre. Quando os homens

mudam com freqüência, em geral precisam ser mudados no sentido maisenfático. A nossa boa gente de "pensamento moderno" está fazendoincalculável dano às almas, semelhante a Nero tocando rabeca no alto deuma torre com Roma a queimar-se aos seus pés. Almas estão sendocondenadas, e, contudo esses homens ficam traçando teorias. O infernoescancara a boca, e engole miríades, mas os que deviam estar espalhandoas boas novas da salvação "andam atrás de novas 1inhas de pensamento."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Cultíssimos assassinos espirituais, verão que a sua alardeada

"cultura" não lhes servirá de escusa no dia do Juízo. Por Deus, tratemosde saber como os homens hão de salvar-se, e ponhamos mãos à obra. É

detestável desperdício ficar sempre a discutir quanto ao modo certo defazer pão enquanto uma nação perece de fome. Já é tempo de sabermos oque ensinar, ou então de renunciar ao nosso oficio. "Aprender sempre, enunca chegar à verdade" é o lema dos piores homens, não dos melhores.Vi em Roma a estátua de um rapaz tirando um espinho do pé. Fui-meembora. Um ano depois voltei, e lá estava sentado o mesmíssimo rapaz,tirando ainda o corpo estranho. Será este o nosso modelo? "Amoldo omeu credo toda semana", confessou-me um desses teólogos. A queassemelharei esses inconstantes? Não são como aquelas aves queaparecem no Cabo de Ouro, no estreito de Bósforo, e se podem ver deConstantinopla, das quais se diz que estão sempre batendo as asas, nuncaem repouso? Ninguém jamais as viu pousar na água ou na terra. Estãosempre pairando em pleno ar. Os nativos lhes chamam "almas perdidas",sempre a buscar descanso em vão.

Com toda a certeza, homens que não acham repouso pessoal na

verdade, se não é que eles mesmos não se salvam, ao menos têm pouca probabilidade de salvar outros. Aquele que não tem nenhuma verdadesegura para transmitir, não deve admirar-se de que os seus ouvintesdepositem pouca confiança nele. Temos que conhecer a verdade,compreendê-la, e retê-la com mão firme, ou não poderemos esperar levar outros a crer nela. Irmãos, eu os responsabilizo: procurem conhecer ediscernir; depois, aplicado o discernimento, lutem para arraigar-se e

alicerçar-se na verdade. Mantenham em pleno funcionamento os processos de encher o celeiro, joeirar o cereal e armazená-lo. Assim, emsua vida mental, irão avante.

2. Precisamos ir avante nas qualificações oratórias. Estoucomeçando do fundo, mas mesmo este ponto é importante, pois é uma

 pena que até os pés desta imagem sejam de barro. Daquilo que possa ter 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)alguma utilidade ao nosso propósito, nada é fútil. Só pela perda de umcravo, o cavalo perdeu a ferradura, e deixou de servir para a batalha.Aquela ferradura era apenas uma banal tira de ferro a ferir o solo.

Entretanto, ainda que o lombo esteja cingido de raios e trovões, de nadavale se se perdeu a ferradura. Uma pessoa pode ficar irremediavelmentearruinada por inutilidade espiritual, não porque falhe no caráter ou noespírito, mas porque fraqueja no intelecto ou na oratória.

Portanto, comecei com estes pontos, e torno a observar quedevemos melhorar na alocução. Nem todos podem falar como alguns, enem mesmo estes podem atingir a sua eloqüência ideal. Se há algumirmão aqui que pensa que pode pregar tão bem como deve, advirto-o adesistir de uma vez. Fazendo-o estará agindo tão sabiamente como ogrande pintor que quebrou a sua paleta e, virando-se para a esposa, disse:"Meus dias de pintar passaram, pois já me satisfiz e, portanto, ser que omeu poder se foi." Ainda que existam outras perfeições atingíveis, tenhoa certeza de que aquele que acha que conseguiu perfeição na oratória,confunde eloqüência com volubilidade, e argumento com verbosidade.Seja qual for o seu conhecimento, Não poderão ser ministros

verdadeiramente eficientes, se não forem "aptos para ensinar."Vocês sabem de ministros que erraram a vocação e, evidentemente,

não têm dons para exercê-la. Certifiquem-se de que ninguém pense amesma coisa de vocês. Há colegas de ministério que pregam de modointolerável: ou nos provocam raiva, ou nos dão sono. Nenhum anestésico

 pode igualar-se a alguns discursos nas propriedades soníferas. Nenhumser humano que não seja dotado de infinita paciência poderia suportar 

ouvi-los, e bem faz a natureza em libertá-lo por meio do sono.Outro dia ouvi alguém dizer que certo pregador não tinha mais donsque uma ostra, para o ministério. Em minha opinião, foi um ultraje áostra, pois esse nobre bivalve demonstra grande descrição em seusintróitos, e sabe quando deve concluir. Se alguns fossem condenados aouvir os seus próprios sermões, teriam merecido julgamento, e logo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)clamariam com Caim: "É tamanho o meu castigo, que já não possosuportá-lo." Oxalá não caíamos sob a mesma condenação.

Irmãos, devemos cultivar clareza de estilo. Quando um homem não

me faz entender o que quer dizer, é porque nem ele mesmo sabe o quequer dizer. O ouvinte mediano, incapaz de seguir o curso do pensamentodo pregador, não devia ficar aborrecido consigo, mas censurar o

  pregador, cuja obrigação é apresentar o assunto com clareza. Seolharmos dentro de um poço, se estiver vazio nos parecerá muito fundo,mas se houver água nele, veremos a claridade refletida. Creio que muitos

 pregadores "profundos" são assim apenas porque são como poços secos,sem nada dentro, exceto folhas podres, algumas pedras, e talvez um oudois gatos mortos. Se houver águas vivas em sua pregação, esta pode ser muito profunda, mas a luz da verdade lhe dará clareza. Não basta falar demodo tão claro que vocês sejam compreendidos; devem falar de modoque não sejam mal compreendidos.

Além da clareza, devemos cultivar um estilo convincente. Nossodiscurso deve ser poderoso. Alguns imaginam que isto consiste em falar alto, mas posso garantir-lhes que laboram em erro. Rugir não melhora

um tolice. Deus não nos pede que gritemos como se estivéssemosfalando a dez mil pessoas, quando nos dirigimos a trezentas somente.

Sejamos convincentes em razão da excelência do assunto e daenergia de espírito que aplicamos à apresentação dele. Numa palavra,vejamos que o nosso falar seja natural e vívido. Espero que já tenhamosanatematizado os truques dos oradores profissionais – os efeitosforçados, o clímax calculado, a pausa planejada, o pavonear teatral, a

declamação artificiosa das palavras, e não sei que mais – que podem ver em certos clérigos pomposos que ainda sobrevivem na face da terra.Oxalá dentro em pouco sejam eles espécies extintas. Oxalá todos nosaprendamos um modo simples, natural e vivo de falar do evangelho,

 porque estou persuadido de que esse estilo é o que tende a ser abençoado por Deus.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Entre muitas outras coisas, precisamos cultivar a persuasão. Alguns

irmãos exercem grande influência sobre as pessoas, ao passo que outros,dotados de maiores dons, são nulos nisso. Estes parecem que não tomam

contato com as pessoas, não as cativam e não tocam sua sensibilidade.Há pregadores que, em seus sermões, parecem pegar um por um dosouvintes pela gola, e enfiar direto em suas almas a verdade. Outrosgeneralizam tanto, e além disso são tão frios, que fazem pensar que estãofalando de habitantes de algum planeta remoto, cujos assuntos não lhesinteressam muito. Aprendam a arte de pleitear com os homens. Farão

 bem isso se olharem com freqüência para o Senhor. Se bem me lembro,o velho conto clássico diz-nos que, quando um soldado estava para matar Dario, o filho deste, que era mudo desde a infância, de repente gritousurpreso: "Você não sabe que ele é o reí?" Sua língua silenciosa foi solta

 pelo amor a seu pai. Bem pode acontecer que a nossa língua encontrefala vigorosa quando virmos o Senhor crucificado por causa do pecado.Se houver alguma fala em nos, isto a levantará.

Também o conhecimento dos terrores do Senhor nos há de ativar   para persuadirmos os homens. Não podemos fazer outra coisa que

insistir com eles para que se reconciliem com Deus.Irmãos, observem aqueles que amorosamente conquistam pecadores

 para Jesus. Descubram o seu segredo, e não descansem enquanto nãoobtiverem o mesmo poder. Se vocês os acham muito simples e toscos,mas vêem que eles são realmente úteis, diga cada um a si próprio: "Éesse o meu modelo." Se, por outro lado, ouvem um pregador muitoadmirado, e, ao pesquisarem, vêem que almas não se convertem

salvadoramente, cada qual diga a si mesmo: "Isto não é para mim, poisnão estou procurando ser grande, e, sim útil de fato." .Portanto, vejam que a sua oratória melhore constantemente em

clareza, em poder de convicção, em naturalidade e em persuasão.Diletos irmãos, tentem conseguir um estilo de alocução tal que os

leve a adaptar-se aos seus ouvintes. Muita coisa depende disso. O pregador que se dirigisse a ouvintes com bom grau de instrução em

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)linguagem que usaria ao falar a um grupo de feirantes se mostraria louco.Por outro lado, aquele que se põe entre mineiros e carvoeirosempregando expressões técnicas da teologia e frases próprias das salas

de recepção, age como idiota. A confusão de línguas em Babel foi maiscompleta do que imaginamos. Não deu línguas diferentes a grandesnações apenas, mas fez com que a fala de cada classe diferisse dasoutras. Um sujeito de um mercado de peixes como Billingsgate não podeentender um figurão de Brasenose College, Oxford.

Agora, como o feirante não pode aprender o linguajar universitário,que o universitário trate de aprender o linguajar do feirante."Empregamos a linguagem do mercado", dizia Whitefield, e isto ohonrava muito. Todavia, quando se levantava no salão da condessa deHuntingdon, e a sua palavra encantava os nobres descrentes que elatrazia para ouvi-lo, adotava outro estilo. Sua linguagem era igualmenteclara em cada caso, porque era igualmente familiar aos ouvintes. Nãousava ipsissima verba, caso em que a sua linguagem perderia a clarezanum ou outro caso e, ou seria baixo calão para a nobreza, ou grego parao povo comum. Em nossa maneira de falar devemos procurar ser "tudo

 para todos." O maior mestre da oratória é aquele que é capaz de dirigir-se a qualquer classe de pessoas de maneira adequada à condição delas, ede molde a tocar-lhes o coração.

Irmãos, não deixemos que ninguém seja melhor do que nós nacapacidade de falar; Não deixemos que ninguém nos sobrepuje nodomínio da nossa língua materna. Amados companheiros de armas,nossas línguas são as espadas que Deus nos deu para que as usemos por 

Ele, tal como se disse de nosso Senhor: "Da sua boca saía uma agudaespada de dois fios." Afiem bem essas espadas. Cultivem a suacapacidade de falar, e estejam entre os maiores do território natransmissão oral. Não os exorto por achar que sejam notadamentedeficientes. Longe disso, pois toda gente me diz: "Conhecemos os seusalunos pelo falar claro e destemido deles." Isto me leva a crer que vocês

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)têm em si grandes porções do dom, e lhes rogo que dêem duro paraaperfeiçoá-lo.

3. Irmãos, temos que ser mais zelosos ainda em ir avante nasqualidades morais. Oxalá os pontos que vou mencionar se prestem aosque deles necessitam, mas eu lhes asseguro que não tenho nenhum devocês particularmente em mira. Desejamos subir ao mais elevado gênerode ministério e, sendo assim, ainda que obtenhamos qualificaçõesintelectuais e oratórias, falharemos se não possuirmos também altasqualidades morais.

Há males que devemos sacudir de nós como Paulo sacudiu da mãoa víbora, e há virtudes que devemos obter a qualquer custo.

A auto-indulgência já matou os seus milhares. Tremamos ante o perigo de perecer às mãos dessa Dalila. Tratemos de manter todas as paixões e hábito sob a devida sujeição. Se não formos senhores de nósmesmos, não estaremos aptos a ser dirigentes na igreja.

Temos que por fora toda idéia de importância pessoal nossa. Deusnão abençoará o homem que se considera grande. Gloriar-se mesmo na

obra de Deus o Espírito em você é pisar perigosamente perto da adulação própria. "Louve-te o estranho, e não a tua boca" – e fiquem contentesquando esse estranho tiver bastante bom sonso para segurar a língua.

Também precisamos dominar o nosso temperamento. Otemperamento forte não é totalmente um mal. Homens chochos comosapatos velhos geralmente são de pouco valor. Eu não lhes diria: "Carosirmãos, tenham gênio forte", mas lhes digo: "Se o têm, tratem de

dominá-lo cuidadosamente." Dou graças a Deus quando vejo umministro com temperamento suficientemente forte para indignar-se como erro, e para manter-se firme por aquilo que é reto. Contudo, otemperamento forte é uma ferramenta cortante, e muitas vezes fereaquele que o manuseia. "Gentil, sensível aos rogos" – preferindo sofrer omal antes de infligi-lo, este deve ser o nosso espírito. Se algum irmão

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)aqui ferve depressa demais, saiba que ao fazê-lo não escalda a ninguémsenão ao diabo, e então é melhor que se evapore.

Precisamos – especialmente alguns de nós – vencer nossa tendência

 para a leviandade. Existe grande distinção entre a santa jovialidade, queé uma virtude, e aquela leviandade geral, que é um defeito moral. Háuma leviandade que não tem suficiente ânimo para rir, mas que zombade tudo; é irreverente, fútil e falsa. A risada sincera não constituileviandade, mais que o choro sincero. Falo daquela capa religiosa que é

 pretensiosa, mas rala, superficial e insincera quanto às questões de peso.Piedade não é brincadeira. Nem mera formalidade. Cuidem-se para nãoserem atores. Nunca dêem a pessoas sérias a impressão de que vocês nãocrêem no que dizem, e que não passam de profissionais. Ter fogo noslábios e gelo na alma é nota de reprovação. Deus nos livre de sermossuperfinos e superficiais. Oxalá jamais sejamos as borboletas do jardimde Deus.

Ao mesmo tempos, devemos evitar tudo que lembre a ferocidade daintolerância. Conheço uma classe de pessoas religiosas que, não tenhodúvida, nasceram de mulher, mas parecem ter sido amamentadas por 

uma loba. Não lhes faço ofensa; não foram criados assim Rômulo eRemo, fundadores de Roma? Alguns homens belicosos dessa ordemtiveram bastante poder intelectual para fundar dinastias do pensamento.Mas a bondade humanitária e o amor fraternal associam-se melhor aoreino de Cristo. Não devemos sair pelo mundo à capa de heresias, comocães terrier  farejando ratos. Tampouco haveremos de confiar tanto emnossa infalibilidade, a ponto de levantarmos pelourinhos eclesiásticos

 para neles queimar todos os que diferem de nós, Não, é certo, com feixesde lenha, mas com aquele carvão de zimbro, que consiste de forte preconceito e desconfiança cruel.

Em acréscimo a isso tudo, há maneirismos, caprichos ecomportamentos que não posso descrever agora, contra os quaisdevemos lutar. Sim, porque pequeninas falhas muitas vezes podem ser acausa do fracasso, e libertar-nos delas pode ser o segredo do sucesso.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Não menoscabem aquilo que mesmo em diminuto grau estorva a suaação proveitosa. Expulsem do templo da sua alma as bancas dosvendedores de pombas, bem como dos comerciantes de ovelhas e vacas.

Além disso, diletos irmãos, precisamos adquirir certos hábitos efaculdades morais, bem como lançar fora os seus opostos. Aquele quenão tem integridade de espírito jamais fará muito pela causa de Deus. Senos orientarmos pela política, se adotarmos qualquer modo de agir quenão seja reto, em pouco tempo naufragaremos. Caros irmãos, estejamdispostos a ser pobres, a ser desprezados, a perder a vida – não, porém, aagir desonestamente. Que para vocês a única política seja a honestidade.

Oxalá possuam também a grande característica moral da coragem.Por esta não queremos dizer impertinência, atrevimento ou presunção,mas a verdadeira coragem de fazer e dizer calmamente a coisa certa, e ir em frente em todas as circunstâncias, ainda que não haja ninguém paradizer-lhe uma boa palavra. Espanta-me o número de cristãos que têmmedo de falar a verdade aos seus irmãos na fé. Graças a Deus, possodizer que não há um membro da minha igreja, nenhum oficial da igreja, enenhum homem do mundo a quem eu tema dizer na frente o que diria em

sua ausência. Abaixo de Deus, devo minha posição em minha igreja àausência de toda política, e ao hábito de dizer o que penso.

A idéia de tornar as coisas agradáveis a todos é perigosa e iníqua.Se você diz uma coisa a um homem, e outra a outro, um dia elescompararão as notas, e você será posto a descoberto e será desprezado. Ohomem de duas caras mais cedo ou mais tarde será objeto de desdém, ecom razão. Acima de tudo, evitem a covardia, pois esta torna mentirosos

os homens. Se tiverem que dizer algo acerca de uma pessoa, seja esta amedida do que digam – "Quanto ousarei dizer na presença dela?" Não sedevem permitir sequer uma palavra mais de censura a qualquer ser vivente. Se a sua regra for esta, a sua coragem os livrará de mildificuldades, e lhes granjeará respeito duradouro.

Tendo integridade e coragem, diletos irmãos, oxalá sejam dotadosde zelo indômito.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Zelo? Que é isso? Como o descreverei? Tratem de possuí-lo, e

saberão o que é. Deixem-se consumir de amor a Cristo, e vejam que achama continue a arder ininterruptamente não ardendo em chamas vivas

nas reuniões públicas, e morrendo no trabalho rotineiro de cada dia.  Necessitamos perseverança indomável, resolução infatigável, e umacombinação de piedosa obstinação, abnegação, amabilidade santa ecoragem invencível.

Aprimorem-se também numa capacidade que é ao mesmo tempomoral e intelectual, a saber, a capacidade de concentrar todas as suasforças na obra a que foram chamados. Colijam os seus pensamentos,reúnam todas as suas faculdades, juntem as suas energias, focalizem assuas capacidades. Despejem todos os mananciais da sua alma num sócanal, fazendo-o jorrar para diante numa só corrente indivisa. A algunsfalta essa qualidade. São dispersivos, e fracassam. Juntem os seus

 batalhões e lancem-nos sobre o inimigo. Não tentem ser grandes nisto enaquilo – ser "tudo em turnos, e nada duradouramente", mas consintamque toda a sua natureza seja levada cativa por Jesus Cristo, e deponhamtudo aos pés dAquele que derramou o Seu sangue e morreu por vocês.

4. Acima disso tudo, precisamos de qualificações espirituais, graçasque hão de ser desenvolvidas em nós pelo Senhor. Estou certo de queesta é a principal questão. Outras coisas são preciosas, mas esta não tem

 preço. Devemos ser ricos para com Deus.É necessário que nos conheçamos a nós mesmos. O pregador deve

ser grande na ciência do coração, na filosofia da experiência interior.

Existem duas escolas de experiência, e nenhuma tem prazer em aprender da outra. Tenhamos satisfação em aprender de ambas. Uma fala de filhode Deus como alguém que conhece a profunda depravação do seucoração, que compreende a asquerosidade da sua natureza, e diariamentesente que em sua carne não habita bem algum. "O homem que não sabe enão sente isso", dizem os dessa escola, "e que o sente mediante amargase penosos experiências do dia a dia, não tem em si, a vida de Deus." É

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)inútil falar-lhes da liberdade e da alegria no Espírito Santo. Não as têm.Aprendamos desses irmãos unilaterais. Sabem muito daquilo que se devesaber. Ai do ministro que ignora o seu conjunto de verdades. Martinho

Lutero costumava dizer que a tentação é o melhor mestre do ministro. Háverdade nesse lado da questão.Outra escola de crentes detém-se demoradamente na gloriosa obra

do Espírito de Deus. Tais irmãos fazem bem. E bem-aventurados são por isso. Crêem no Espírito de Deus como um poder purificador, que varreos estábulos imundos da alma e faz dela um templo para Deus. Masfreqüentemente falam como se não pecassem mais, ou se não fossemmais importunados por tentações. Gloriam-se como se já tivessemterminado a batalha e obtido a vitória. Aprendamos desses irmãos.Tratemos de conhecer toda a verdade que nos possam ensinar.Familiarizemo-nos com os picos culminantes e com a gloria que nelesfulge, com os montes Hermom e Tabor onde podemos transfigurar-noscom nosso Senhor. Não temam ficar demasiado santos. Não temamencher-se demais do Espírito Santo.

Gostaria que vocês fossem sábios dos dois lados, e capazes de lidar 

com as pessoas, tanto em seus conflitos como em suas alegrias,familiarizados com ambos os tipos de experiência. Saibam onde Adão osdeixou; saibam onde o Espírito de Deus os colocou. Não se limitem asaber um desses aspectos tão exclusivamente que esqueçam o outro.Creio que se há homens tendentes a clamar: "Miserável homem que eusou! Quem me livrará do corpo desta morte?" serão sempre os ministros,

  porque temos que ser tentados em todos os pontos, para podermos

consolar outros. Num vagão de trem eu vi, na semana passada, um pobre homemcom a perna estendida sobre o assento. Um funcionário, vendo-o nessa

 posição, observou-lhe: "Estes estofados não foram feitos para você pôr neles as suas botas sujas." Logo que o guarda se foi, o homem tornou aestender a perna, e me disse: "Estou certo de que ele nunca fraturou a

 perna em dois lugares, ou não seria tão duro comigo." Quando ouço

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)irmãos que vivem comodamente, com boa renda, condenarem outrosmuito provados, por não se alegrarem estes como aqueles, percebo quenada sabem dos ossos quebrados que outros têm que arrastar durante

toda a sua peregrinação.Irmãos, conheçam o homem em Cristo e fora de Cristo. Estudem-noem seu melhor e em seu pior estado. Conheçam a sua anatomia, os seussegredos e as suas paixões. Não podem fazer isso por meio de livros.Precisam ter experiência espiritual pessoal. Somente Deus lhes pode dar isso.

Dentre todas as aquisições espirituais, é necessário além de todas asoutras coisas, conhecer Aquele que é o remédio certo para todas asdoenças. Conheçam Jesus. Sentem-se a Seus pés. Considerem Suanatureza, Sua obra, Seus sofrimentos, Sua gloria. Regozijem-se em Sua

 presença – tenham comunhão com Ele, dia após dia. Conhecer a Cristo écompreender a ciência mais excelente. Vocês não podem deixar de ser sábios, se tiverem comunhão com a sabedoria. Não lhes poderá faltar força, se tiverem comunhão com o poderoso Filho de Deus.

Outro dia vi numa gruta italiana urna minúscula samambaia

crescendo num local onde as suas folhas cintilavam e dançavamcontinuamente sob os borrifos de uma fonte. Estava sempre verde. Nema sequidão do estio, nem o frio do inverno a afetavam. Assim, vivamossempre sob a doce influência do amor de Jesus. Permaneçam em Deus,irmãos. Não O visitem ocasionalmente, mas habitem nEle. Na Itália sediz que onde não entra o sol, entra o médico. Onde não brilha Jesus, aalma está doente. Aqueçam-se aos raios de Sua luz, e vocês serão

vigorosos no serviço do Senhor.Domingo passado, à noite, usei um texto que me empolgou:"Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Disse eu aos ouvintes que os

 pobres pecadores que tinham vindo a Jesus e confiaram nEle pensavamque O conheciam, mas conheciam apenas um pouco dEle. Santos comsessenta anos de experiência, que andavam todo dia com Ele, acham queO conhecem. Contudo, são apenas principiantes ainda. Os espíritos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) perfeitos perante o trono, que durante milênios O adoram perpetuamente,talvez pensem que O conhecem, mas não O conhecem plenamente."Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Cristo é tão glorioso que

somente o Deus infinito tem pleno conhecimento dEle. Portanto, nãohaverá limite para o nosso estudo, nem estreiteza em nossa linha de pensamento, se fizermos de nosso Senhor o grande objeto de todas asnossas meditações.

Irmãos, como resultado disso, se é que havemos de ser homensfortes, temos que amoldar-nos a nosso Senhor. Oh, ser como Ele!Bendita a cruz em que sofrermos, se sofrermos para tornar-nossemelhantes ao Senhor Jesus. Se nos amoldarmos a Cristo, teremos

 prodigiosa unção sobre o nosso ministério, e sem isso, de que vale umministério?

 Numa palavra, precisamos esforçar-nos pela santidade de caráter.Santidade, que é? Não é integridade de caráter? Uma condiçãoequilibrada em que não há falta nem excesso? Não é moralidade. Esta éuma estátua fria e sem vida. Santidade é vida. Vocês têm que ter santidade. E, amados irmãos, se falharem nas qualificações intelectuais

(como espero que não), e se tiverem escassa medida de poder oratório(como creio que não), todavia, confiem nisto: uma vida santa é, em simesma, um poder maravilhoso, e suprirá muitas deficiências. É, de fato,o melhor sermão que o melhor homem pode pregar. Tomemos aresolução de que toda a pureza que se possa ter, teremos, que toda asantidade que se possa alcançar, obteremos, e que toda a semelhançacom Cristo que seja possível neste mundo de pecado, por certo haverá

em nós, mediante a obra do Espírito de Deus. O Senhor nos eleve atodos, como colégio, a uma tribuna mais alta, e Ele terá a gloria!

5. Caros irmãos, ainda não terminei. Tenho que dizer-lhes: vãoavante no trabalho prático, pois, no fim das contas, seremos conhecidos

 pelo que tivermos feito. Devemos ser tão poderosos em atos como na palavra.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Há bons irmãos no mundo que não são nada práticos. A grandiosa

doutrina da segunda vinda os faz ficar de boca aberta, com os olhos noscéus, de modo que me disponho a dizer: "Varões de Plymouth, por que

estais olhando para o céu?" O fato de que Jesus está para vir não é razão para contemplação das estrelas, mas, sim, para trabalhar no poder doEspírito Santo. Não se deixem levar tanto por especulações, quecheguem a preferir ler uma obscura passagem do Apocalipse a ensinar numa escola de maltrapilhos, ou discursar aos pobres sobre Jesus. É

 preciso que acabemos com os sonhos à luz do dia, e que nos lancemos aotrabalho. Acredito em ovos, mas temos que fazer com que saiam frangosdeles. Não importa o tamanho do ovo. Pode ser ovo de avestruz, sequiserem, mas, se não houver nada nele, fora com a casca! Se sair alguma coisa dele, Deus abençoe as suas especulações, e mesmo quevocês vão um pouco além do que julgo sábio aventurar-se, ainda assim,se isso os tornar mais úteis, louvado seja Deus!

Queremos fatos – ações realizadas, almas salvas. Está bem que seescrevam ensaios. Mas, quais almas vocês impediram de ir para oinferno? A maneira excelente como dirigem a sua escola interessa-me.

Mas, quantas crianças foram trazidas para a igreja por meio dela?Alegra-nos ouvir daquelas reuniões especiais. Mas, quantos realmentenasceram de novo nelas? Os santos são edificados? Convertem-se

 pecadores? Balançar para lá e para cá num portão de cinco travas não é progresso, conquanto alguns parecem pensar que sim. Vejo-os num perpétuo Elísio, sussurrando para si mesmos e para os amigos: "Estamosmuito bem acomodados." Deus nos livre de viver confortavelmente,

enquanto os pecadores afundam no inferno.Viajando pelas estradas das montanhas da Suíça, vêem-secontinuamente marcas de perfuratrizes; e na vida de todo ministro devemexistir trapos de duro labor. Irmãos, façam alguma coisa; façam algumacoisa; façam alguma coisa. Enquanto as comissões desperdiçam tempoem deliberações, façam alguma coisa. Enquanto as sociedades e uniõeselaboram estatutos, ganhemos almas. Muitas vezes discutimos,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)discutimos, e discutimos, e Satanás ri-se à socapa. É tempo de parar de

 planejar e de procurar o que planejar. Rogo-lhes, sejam homens de ação,todos vocês. Mãos à obra, e tratem de sair-se como homens. A idéia de

guerra do velho Suvarov é também a minha: "Avançar e lutar! Nada deteorias! Ao ataque! Formar fileiras! Baionetas á carga! Afundem nocentro do inimigo!" Nosso único objetivo é salvar almas, e isto não écoisa para comentar, mas para fazer no poder de Deus.

6. Finalmente, e aqui vou entregar-lhes uma mensagem que pesasobre mim – prossigam avante na questão da escolha da sua esfera de

ação. Rogo hoje por aqueles que não podem rogar por si, a saber, asgrandes multidões do mundo pagão, em outras terras.

Os nossos púlpitos atuais estão toleravelmente bem supridos, mastemos necessidade de homens que edifiquem sobre novos alicerces.Quem o fará? Estamos nos, como uma companhia de homens fiéis, coma consciência esclarecida acerca dos pagãos? Milhões há que nuncaouviram o nome de Jesus. Centenas de milhões viram um missionário sóuma vez em suas vidas, e nada sabem do nosso Reí. Deixaremos que

 pereçam? Podemos ir para a cama e dormir enquanto a China, a Índia, oJapão e outros países estão sob condenação? Estamos limpos do sanguedeles? Não têm eles direito sobre nós? Devemos colocar a coisa neste pé:"Posso provar que não devo ir?" e Não: "Posso provar que devo ir?"Quando alguém pode provar honestamente que não deve ir, estáabsolvido; de outra forma, não.

Meus irmãos, que resposta darão? Apresento-lhes a questão pessoa

 por pessoa. Não lhes levanto uma questão que eu não tenha apresentadohonestamente a mim mesmo. Tenho pensado que, se alguns dos nossos principais ministros fossem, causaria grande efeito, dando incentivo ásigrejas, e me perguntei sinceramente se eu devia ir. Depois de pesar todos os pontos, senti-me levado a manter o meu lugar. Creio que o

 julgamento da maioria dos cristãos seria o mesmo. Mas creio que iriaalegremente se esse fosse o meu dever. Irmãos, procurem situar-se pelo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)mesmo processo. Temos que levar os pagãos a converter-se. Deus temmiríades de eleitos Seus entre eles. Compete-nos ir e procurá-los, atéencontrá-los. Muitas dificuldades foram removidas, as terras estão todas

abertas para nós, e as distâncias foram anuladas. É certo que não temos odom pentecostal de línguas, mas rapidamente se aprendem línguas,enquanto que a arte de imprimir equivale bem ao dom perdido. Os

 perigos próprios das missões não deveriam segurar nenhum homem deverdade, ainda que fossem muito grandes, mas estão agora reduzidos aomínimo. Há centenas de lugares em que a cruz de Cristo é desconhecida,lugares aos quais podemos ir sem risco. Quem irá? Devem ir os irmãos

  jovens, bem dotados, e que não tomaram ainda responsabilidades defamília.

Todo estudante, ao matricular-se nesta escola, deve considerar estamatéria, e entregar-se à obra, a menos que haja razões concludentes paranão fazer isso. É um fato que, mesmo para as colônias, é bem difícilencontrar homens, pois tive oportunidades na Austrália que fui obrigadoa declinar. Não devia ser assim. Decerto existe ainda algum sacrifício

 próprio entre nós, e alguns de nós estão dispostos a exilar-se por Jesus. A

missão desfalece por falta de homens. Se aparecessem os homens, aliberalidade da igreja supriria as necessidades deles. De fato aliberalidade da igreja já fez a provisão dos recursos, mas, apesar disso,não há homens para ir. Irmãos, jamais acharei que nós, como um grupode homens, cumprimos o nosso dever enquanto não virmoscompanheiros nossos lutando por Jesus em todas as terras, situados navanguarda do conflito. Creio que, se Deus os impulsionar a irem, estarão

entre os melhores missionários, porque farão da pregação do evangelho otraço dominante do seu trabalho, e é esse o caminho certo de Deus para o poder.

Gostaria que as nossas igrejas imitassem a do pastor Harms, daAlemanha, na qual cada membro era consagrado a Deus, de fato e deverdade. Os fazendeiros davam os produtos de suas terras, os operáriosseu trabalho. Alguém deu uma casa grande para o funcionamento de uma

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)escola da missão. O pastor Harms obteve dinheiro para um navio, queele equipou, para viagens à África. Daí, enviou missionários, e pequenosgrupos de sua igreja com eles, para formar comunidades cristãs entre os

 boximanes. Quando é que as nossas igrejas vão ser assim abnegadas edinâmicas? Vejam os morávios! Como cada homem e mulher se tornaum missionário, e quanto fazem em conseqüência! Captemos o espíritodeles. É certo esse espírito? Então é certo possuí-lo.

 Não nos basta dizer: "Esses morávios são gente extraordinária!"Devemos ser extraordinários também. Cristo não resgatou os moráviosmais do que a nós. Eles não têm maior obrigação de fazer sacrifícios doque nós. Então, por que esta negligência? Quando lemos sobre homensheróicos, que entregaram tudo por Jesus, não devemos admirá-lossimplesmente, mas imitá-los.

Quem os imitará agora? Decidamos de uma vez! Não há alguns devocês desejosos de consagrar-se ao Senhor? "Avante" é a palavra-senhahoje! Não há espíritos valentes que tomem a vanguarda? Orem todos

  para que, durante este Pentecoste, o Espírito diga: "Apartai-me aBarnabé e a Saulo para a obra."

 Avante! Em nome de Deus, AVANTE!! ___________________________________________ 

* Não se engane o leitor, pensando que a situação é melhor hoje. Naverdade, na população atual de mais de quatro bilhões, bilhões nãoconhecem Jesus Cristo! – Nota do Tradutor.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)NECESSIDADE DE DECISÃO PELA VERDADE

Algumas coisas são verdadeiras e algumas são falsas. Considero

isso um axioma. Mas há muitas pessoas que, evidentemente, Nãoacreditam nisso. Parece que o princípio vigente na era atual é este: "Ascoisas são verdadeiras ou falsas, conforme o ponto de vista do qual asolhamos. O preto é branco, e o branco é preto, segundo as circunstâncias;e não importa muito como as denominemos. É certo que a verdade éverdadeira, mas seria descortês dizer que o seu oposto é mentira. Nãodevemos ter mentalidade estreita e, sim, lembrar o moto: "Tantoshomens, tantas mentes." Os nossos antepassados eram decididos quantoa manter marcos. Tinham vigorosas noções sobre pontos fixos dadoutrina revelada, e se apegavam tenazmente àquilo que acreditavam ser escriturístico. Seus campos eram protegidos por cercas e valas, mas seusfilhos arrancaram as cercas, encheram as valas, nivelaram tudo, e

 brincaram de pular carniça com as pedras que marcavam os limites.A escola moderna de pensamento ri-se do "ridículo" caráter positivo

dos reformadores e dos puritanos. Vai avançando em "gloriosa"

liberalidade, e não vai demorar muito estarão proclamando uma grandealiança entre o céu e o inferno, ou melhor, o amálgama dos doisestabelecimentos em termos de concessão mútua, permitindo que afalsidade e a verdade se deitem lado a lado, como o leão com o cordeiro.Todavia, apesar disso, minha firme crença antiquada é que umasdoutrinas são verdadeiras, e que afirmações que sejam diametralmenteopostas a elas não são verdadeiras – que quando "Não" é o fato, "Sim"

está fora do páreo, e que quando "Sim" é justificável, "Não" tem que ser abandonado. Creio que o cavalheiro que tem deixado perplexas as nossascortes por muito tempo é, ou Roger Tichborne, ou alguma outra

 personagem (no rumoroso "Caso Tichborne", em que um réu assumiufalsamente a identidade de Tichborne). Ainda não sou capaz de conceber que ele seja ao mesmo tempo o verdadeiro herdeiro e um impostor.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Entretanto, em questões religiosas o ponto de observação está mais oumenos nessa latitude.

Meus irmãos, temos uma fé firme para pregar. Somos enviados com

uma mensagem definida procedente de Deus. Não nos compete fabricar a mensagem enquanto vamos. Não somos enviados por nosso Mestre eSenhor com uma missão elaborada deste modo: "Conforme meditem emseu coração e inventem em sua cabeça, assim preguem. Mantenham-se a

 par dos tempos. O que quer que as pessoas queiram ouvir, digam-lhes, eserão salvas." Na verdade, não é isso que lemos. Há algo definido naBíblia. Não é como um pedaço de cera que amoldamos como queremos,nem uma peça de tecido que cortamos de acordo com a moda. Osgrandes pensadores, pelo que parece, vêem as Escrituras como umacaixa de letras com as quais podem brincar, fazendo delas o que querem,ou uma garrafa de mágico, da qual podem extrair qualquer coisa queescolham, desde o ateísmo até o espiritismo. Sou obsoleto demais paracair e prestar culto a essa teoria. Há algo que me foi dito na Bíblia – ditocom certeza – não posto diante de mim com um "mas", um "talvez", um"se", um "pode ser", e cinqüenta mil suspeitas por detrás, de sorte que a

soma e a suma disso tudo é: talvez não seja assim, afinal. É-me, porém,revelado como fato infalível, no qual se deve crer, e cujo oposto é umerro mortal, proveniente do pai da mentira.

Portanto, crendo que existe tanto a verdade como a falsidade, quehá verdades na Bíblia, e que o evangelho consiste de algo definido quedeve ser crido pelos homens, cabe-nos sermos decididos quanto ao queensinamos, e ensiná-lo de maneira decidida. Temos que lidar com

homens que se perderão ou se salvarão, e certamente não serão salvos  por doutrinas erradas. Temos que tratar com Deus, de quem somosservos. E não O honraremos proclamando falsidade. Tampouco nos darárecompensa, dizendo: "Bem está, servo bom e fiel. Manejaste oevangelho tão judiciosamente, como qualquer um que viveu antes de ti."Ocupamos uma posição muito solene, e o nosso espírito deve ser o dovelho Micaías, que disse: "Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)isso falarei." Nem mais nem menos do que a Palavra de Deus somoschamados a proclamar. Mas essa Palavra somos obrigados a declarar com um espírito que convença os filhos dos homens de que, pensem o

que pensarem dela, cremos em Deus, e não ficamos abalados em nossaconfiança nEle. Irmãos, em que devemos ser positivos? Bem, existem cavalheiros

que imaginam que não há princípios fixos sobre os quais firmar-se."Talvez umas poucas doutrinas", disse-me alguém, "talvez umas poucasdoutrinas seja possível considerar firmadas. Talvez esteja estabelecidoque há um só Deus; mas não se deve dogmatizar sobre a Sua

  personalidade: muita coisa se pode dizer em favor do panteísmo."Homens assim se infiltram em nosso ministério, mas em geral do

 bastante astutos para esconder a permissividade de suas mentes sob afraseologia crista. Deste modo, agem em harmonia com os seus

  princípios, pois, a sua regra fundamental é que a verdade é poucoimportante.

Quanto a nos – ou, pelo menos, quanto a mim – tenho certeza deque há um Deus, e pretendo pregá-Lo como faz alguém absolutamente

seguro disso. Ele é o Criador dos céus e da terra, o soberano autor da providência, o Senhor da graça. Bendito seja o Seu nome, para todo osempre! Não teremos questões e debates concernentes a Ele.

Temos igualmente a certeza de que o livro chamado "Bíblia" é SuaPalavra, e é inspirado. Não no sentido em que Shakespeare, Milton eDryden podem ter sido inspirados, mas num sentido infinitamente maisalto. Assim, na medida em que temos o texto exato, consideramos as

 próprias palavras dele como infalíveis. Cremos que tudo que se afirmano livro que nos vem de Deus deve ser aceito por nós como inelutáveltestemunho dEle, e nada menos que isso. Não permita Deus que nosenredemos nas várias interpretações do modus da inspiração, as quais por 

 pouco não a eliminam. O livro é uma produção divina. É perfeito. É osuperior tribunal de recursos – "o juiz que põe termo à demanda."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Tampouco sonharia com blasfemar contra o meu Criador, como tambémquestionar a infalibilidade da Sua Palavra.

Também temos certeza quanto à doutrina da bendita Trindade. Não

 podemos explicar como cada uma das Pessoas, o Pai e o Filho e oEspírito Santo, pode ser distinta e perfeita e, contudo, serem os três umsomente, de modo que não há senão um só Deus. Todavia, devemos crer de fato nesta doutrina, e pretender pregá-la, a despeito dos erros unitário,sociniano, sabeliano e outros quaisquer. Apegaremo-nos sempre comfirmeza à doutrina da Trindade – da diversidade tríplice em unidade.

Semelhantemente, irmãos, que não haja som incerto da nossa partequanto à expiação de nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos deixar osangue fora do nosso ministério, ou a vida dele se esvairá, pois podemosdizer do evangelho: "O sangue é a vida dele." Cristo, o Substituto

 perfeito, o sacrifício vicário de Cristo em favor do Seu povo para queviva por meio dEle – isto devemos anunciar até o dia da nossa morte.

Tampouco devemos vacilar na mente por um momento sequer quanto ao grande e glorioso Espírito de Deus – quanto à veracidade daSua existência, da Sua personalidade, do poder de Suas operações, da

necessidade da Sua influência, da certeza de que ninguém se regenera,senão graças a Ele; quanto ao fato de que nascemos de novo peloEspírito de Deus, e que o Espírito habita nos crentes e é o Autor de todoo bem neles, sendo Ele que os santifica e os preserva, sem o qual elesnão podem fazer absolutamente nada que seja bom. Não hesitaremos de

 jeito nenhum quanto à proclamação destas verdades.A absoluta necessidade do novo nascimento é uma certeza também.

Desçamos a demonstrações quando tocarmos nesse ponto. Jamaisenvenenemos nosso povo com a noção de que o melhoramento moralserá suficiente. Digamos repetidamente: "Importa-vos nascer de novo."

 Não cheguemos à condição daquele ministro escocês que, depois que ovelho John Macdonald pregou à sua igreja um sermão para pecadores,observou: "Bem, Sr. Macdonald, pregou um bom sermão, mas muitofora de lugar, pois não sei de nenhuma pessoa não regenerada em minha

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)igreja". Pobre alma! Com toda a probabilidade ele mesmo não eraregenerado. Não! Não ousemos lisonjear os nossos ouvintes, mascontinuemos a dizer-lhes que nasceram pecadores e necessitam nascer 

santos, ou, se não, jamais verão a face de Deus com aceitação.Horrendo mal é o pecado! Não vacilaremos quanto a isto.Falaremos desse assunto com tristeza e de modo positivo. E conquantoalguns sábios levantem difíceis questões sobre o inferno, não deixaremosde declarar os terrores do Senhor, e o fato de que o Senhor disse: "... irãoestes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna."

Também jamais venhamos a emitir som incerto quanto à gloriosaverdade de que a salvação é totalmente pela graça. Se é que nós mesmossomos salvos, sabemos que somente a graça soberana de Deus o fez, eentendemos que deve ser a mesma coisa com os demais. Proclamemos:"Graça! Graça! Graça!", com todas as nossas forças, quer vivendo, quer morrendo.

Vamos ser muito decisivos também com respeito à justificação pelafé, pois a salvação não é "de obras, para que ninguém se glorie". "Vidanum olhar ao Crucificado" seja a nossa mensagem. Confiança no

Redentor há de ser a graça salvadora que pediremos ao Senhor queimplante no coração de todos os nossos ouvintes.

E tudo mais que cremos ser verdade bíblica, preguemosresolutamente. Se houver questões que se podem considerar discutíveisou relativamente pouco importantes, falemos delas com a medida dedecido que seja apropriada. Mas pontos que não podem ser contestados,

  porque são essenciais e básicos, declararemos sem gaguejar, sem

 perguntar aos ouvintes: "Que querem que digamos?" Sim, e sem a escusa – "Estas são minhas opiniões, mas pode ser que as opiniões de outrossejam corretas." De modo nenhum devemos pregar o evangelho comonossas opiniões, mas, sim, como a mente de Deus o testemunho doSenhor concernente a Seu Filho, e com referência à salvação dos

  perdidos. Se nos fosse confiada a tarefa de elaborar o evangelho, poderíamos alterá-lo adaptando-o ao paladar deste século "modesto."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Entretanto, jamais tendo sido empregados para dar origem às boas novas,mas simplesmente para repeti-las, não nos atrevamos a ir além daquiloque está registrado. O que Deus nos ensinou, isto ensinamos. Se não

agimos assim, não somos aptos para a posição que ocupamos.Se tenho uma criada em casa, e por ela envio um recado a alguém á porta, e ela lhe acrescenta algo por sua própria conta, agindo assim poderá eliminar a alma mesma do recado, e será responsável pelo quefez. Não ficará mais a meu serviço, pois preciso de uma empregada querepita o que digo, tão de perto quanto possível, palavra por palavra. Se ofaz, o responsável pela mensagem sou eu, não ela. Se alguém se zangar com ela pelo que disse, será muito injusto. Sua briga é comigo, não coma pessoa que empreguei para agir como o meu porta-voz. Aquele quetem a Palavra de Deus, digo que a fale fielmente, e não terá necessidadede responder aos oponentes, exceto com um "Assim diz o Senhor." Estaé, pois, a matéria a respeito da qual somos decididos.

Como devemos demonstrar essa decisão? Não precisamos preocupar-nos em responder a esta pergunta. Nossa decisão se mostrará aseu modo. Se realmente cremos numa verdade, seremos decididos no

que a ela se refere. Certamente não mostraremos a nossa decisão por meio daquele fanatismo obstinado, furioso e feroz que tira de todos osoutros a oportunidade e a esperança de salvação, e a possibilidade de ser regenerado, ou até de serem decentemente sinceros, se sucede quedivergem de nós quanto à cor de alguma escama do grande leviatã.Alguns indivíduos parecem ter sido moldados do modo contrário. Feitos

 para serem limas, rasparão mesmo. Sempre prontos para brigar com a

gente, vivem levantando questões acerca da cor da invisibilidade, ou do peso de uma substancia inexistente. Sempre empunham armas contranos, não por causa da importância do ponto em discussão, mas pelamuito maior importância de serem eles o papa da sua facção.

 Não saiam pelo mundo de punhos cerrados para brigar, carregandoum revólver teológico no bolso das calças. Não há sentido em ser umaespécie de galo de briga doutrinário, para excursionar exibindo seu brio,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ou um terrier  da ortodoxia, prontos para agarrar ratos heterodoxos àsvintenas. Procurem ser suaves quanto ao modo, como também enérgicoquanto ao conteúdo. Estejam preparados para lutar, e sempre tenham a

espada presa à cintura, mas usem uma bainha. Não pode haver sentidoem fazer ondular no ar a espada perante os olhos de toda gente para provocar conflito, à moda dos nossos bem-amados amigos da Irlanda.Deles se diz que, na Feira de Donnybrook, tiram seus casacos, arrastam-nos no chão e gritam, enquanto brandem seus cacetes: "Algumcavalheiro terá a bondade de pisar na ponta do meu casaco?" Sãoteólogos assim, de sangue quente e bravio, que nunca ficam em pazenquanto não estão totalmente metidos em guerra.

Se vocês crêem realmente no evangelho, serão resolutos por eleatravés de meios mais razoáveis. A sua própria entonação revelará a suasinceridade. Falarão como alguém que tem algo para dizer e que sabeque o que diz é verdade. Já observaram um velhaco quando está paradizer uma falsidade? Notaram a maneira como ele a articula? Leva muitotempo habilitar-se a contar bem uma mentira, pois os órgãos faciais nãoforam constituídos e ajustados originalmente para a complacente

transmissão de falsidades. Quando alguém sabe que está dizendo averdade, tudo nele corrobora a sua sinceridade. Todo advogadoconsumado e de experiência em pouco tempo sabe se uma testemunha éfiel à verdade ou se é um enganador. A verdade tem seu próprio ar emodo, seu próprio tom e ênfase.

Eis ali um caipira bronco e desajeitado, no banco das testemunhas.O advogado procura enganá-lo e confundi-lo, se possível, mas lago vê

que é uma testemunha honesta, e diz de si para si: "Gostaria de abalar a prova deste sujeito, pois vai prejudicar grandemente o meu lado dademanda." Sempre deve existir esse mesmo ar de veracidade no queconcerne ao ministro cristão. Só que, como não está apenas dandotestemunho da verdade, mas também quer que os outros se dêem contadessa verdade e do poder dela, deve ele ter tom mais decidido do queuma simples testemunha que expõe fatos que podem ser acreditados ou

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)não, sem quaisquer conseqüências sérias num ou noutro caso. Lutero foihomem de decisão. Ninguém duvidava de que ele cria no que falava.Falava com estrondo, pois havia a força do raio em sua fé. Tudo nele

 pregava, pois toda a sua natureza cria. Podia-se pensar: "Bem, ele podeser doido, ou estar completamente equivocado, mas crê seguramente noque diz. É a encarnação da fé. Seu coração transborda em seus lábios."

Se havemos de demonstrar decisão quanto à verdade, é preciso quenão o façamos somente por nosso tom e maneira, mas também por nossas ações diárias. A vida do homem sempre se impõe mais do que oseu falar. Quando os homens o avaliam, calculam seus atos comocruzeiros e suas palavras como centavos. Se há desacordo entre a suavida e as suas doutrinas, a multidão de espectadores aceita sua prática erejeita sua prédica. Uma pessoa pode saber muita coisa da verdade e,contudo, ser-lhe uma testemunha perniciosa, porque não lhe fortalece ocrédito. O curandeiro que, na história clássica, proclamava um remédioinfalível para resfriados, tossindo e espirrando no meio de cada frase doseu panegírico, pode servir de imagem e símbolo do ministro profano.

O sátiro da fábula de Esopo ficou indignado com o homem que

soprava quente e frio com a mesma boca, e fez bem indignar-se. Não posso conceber método mais seguro de predispor os homens contra averdade do que este: fazer ressoar os louvores dela através dos lábios dehomens de caráter duvidoso. Quando o diabo virou pregador nos dias donosso Senhor, o Mestre mandou-o calar-se, pois não estava interessadoem louvores satânicos. É ridículo ouvir boa verdade proveniente de umhomem mau; é como farinha de trigo em saco de carvão.

Da última vez que estive numa de nossas cidades escocesas, ouvir falar de um demente do manicômio que se julgava grande personalidadehistórica. Com muita solenidade o pobre homem assumia atitudemajestosa e exclamava: "Eu sou Sir William Wallace. Dê-me um pedaçode fumo." A descida de Sir William Wallace a um pedaço de tabaco erademasiado absurda para que se lhe atribuísse seriedade. Todavia, não étão absurda nem tão triste como ver um professo embaixador da cruz

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ganancioso, mundano, irascível ou indolente. Como seria estranho ouvir um homem dizer: "Sou servo do Deus Altíssimo, e irei para qualquer lugar onde possa receber o maior salário. Fui chamado para trabalhar 

somente pela glória de Jesus, e não irei a parte alguma, exceto à igreja decondição das mais respeitáveis. Para mim o viver é Cristo, mas não posso fazê-lo sem um salário compensador! "

Irmão, se a verdade estiver em você, fluirá de todo o teu ser como o perfume se exala de todos os ramos do sândalo; impulsioná-lo-á paradiante como os ventos alísios impelem os navios, inflando-lhes as velastodas; consumirá com sua energia toda a tua natureza como o incêndiona floresta queima todas as árvores da mata. A verdade não terá dado avocê sua amizade totalmente, enquanto todos os seus feitos nãoestiverem marcados com o seu sinete.

Devemos mostrar nosso espírito decidido em prol da verdade por meio dos sacrifícios que estamos dispostos a fazer. Este é, na verdade, ométodo mais eficiente, como também o mais penoso. Temos que estar 

 prontos para renunciar a qualquer coisa, a tudo, por amor dos princípiosque esposamos, e temas que estar dispostos a ofender os que mais

contribuem para o nosso sustento, a afastar os nossos mais calorososamigos, antes que trair nossas consciências. Temos que estar dispostos aser mendigos quanto à bolsa, e refugos quanto à reputação, antes queagir como traidores. Podemos morrer, mas não podemos negar averdade. O custo já foi calculado, e estamos resolvidos a comprar averdade por qualquer preço, e a não vendê-la a preço nenhum. Bem

 pouco deste espírito se vê hoje em dia. Os homens têm fé salvadora, no

entanto se eximem de problemas; têm grande discernimento, sabendodiscernir onde está a sua própria conveniência; têm grande coração,sendo tudo para todos se, por todos os meios, podem economizar algumaquantia. Há muitos vira-latas por aí, que seguiriam aos calcanhares dequalquer pessoa que lhes dê comida. São dos primeiros a ladrar àdecisão, chamando-lhe dogmatismo obstinado e fanatismo ignorante.Seu veredito de condenação não nos aflige; é o que deles esperávamos.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Acima de tudo, devemos demonstrar o nosso zelo pela verdade

esforçando-nos continuamente, a tempo e fora de tempo, para sustentá-lado modo mais terno e amável, mas ainda com muita seriedade e firmeza.

 Não é preciso falar aos crentes de nossas igrejas como se estivéssemosmeio dormindo. Nossa pregação não deve ser um ronco articulado. É preciso que haja poder, vida, energia, vigor. Temos que lançar-nos nissocom todo o nosso ser, e mostrar que o zelo da casa de Deus nosconsome. Como haveremos de manifestar a nossa decisão, o nossoespírito resoluto? Decerto não harpejando na mesma corda e repetindovezes sem conta as mesmas verdades, com a declaração de que cremosnelas. Esse curso de ação só poderia ocorrer ao incompetente. O tocador de realejo não é modelo de decisão. Pode ter persistência, não porémconsistência. Eu poderia indicar certos irmãos que aprenderam quatro oucinco doutrinas, e as fazem girar sem parar, com sempiterna monotonia.Sempre me alegro quando eles tocam o seu realejo em alguma rua bemdistante de onde moro. Enfadar os outros com perpétua repetição não é omodo de manifestar a nossa firmeza na fé.

Meus irmãos, vocês fortalecerão a sua decisão se se lembrarem da

importância destas verdades para as suas próprias almas. Os seus pecados foram perdoados? Vocês têm esperança do céu? Que influênciatêm sobre vocês as solenes verdades da eternidade? Por certo vocês nãoforam salvos sem essas coisas e, portanto, devem mantê-las, pois sesentirão perdidos se não forem verdadeiras. Vocês terão que morrer, e,estando cônscios de que somente essas coisas poderão sustê-los no artigofinal, tratarão de sustentá-las com todas as suas forças. Não podem

desistir delas. Como pode alguém renunciar a uma verdade que sente queé vitalmente importante para a sua alma? Diariamente pensa: "Tenho queviver dela, morrer sobre ela, sem ela fico infeliz agora, e estarei perdido

 para sempre. Portanto, com a ajuda de Deus, Não posso abandoná-la."Amados irmãos, sua experiência de todo dia os sustentará. Espero

que já tenham percebido vividamente, e que experimentem muito maisainda, o poder da verdade que apregoam. Creio na doutrina da eleição

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) porque tenho absoluta certeza que, se Deus não me escolhesse, eu jamaisO escolheria. Tenho certeza que Ele me escolheu antes de eu nascer, oudo contrário nunca me escolheria depois disso. E me escolheu por razões

que desconheço, pois eu nunca encontraria nenhum motivo em mim peloqual Ele devesse olhar-me com amor especial. Assim, sou forçado aaceitar essa doutrina. Estou ligado à doutrina da depravação do coraçãohumano, porque me vejo depravado no coração, e tenho provas diáriasde que em minha carne não habita bem algum. Não posso deixar deafirmar que é preciso haver expiação antes do perdão, porque é o que aminha consciência requer, e disso depende a minha paz. O pequenotribunal do interior do meu coração não fica satisfeito, a menos quealguma retribuição seja exigida pela afronta feita a Deus. Às vezes dizemque tais e quais afirmações não são verdadeiras; mas quando podemosresponder que as experimentamos e provamos, que contestação há paraesta forma de argumentar?

Alguém expõe a fabulosa descoberta de que o mel não é doce. "Maseu usei um pouco no meu café da manhã, e o achei dulcíssimo", dizvocê, e sua resposta é conclusiva. O outro lhe diz que o sal é venenoso,

mas você mostrará sua saúde e declarará que tem usado sal na comidanos últimos vinte anos. Diz ele que comer pão é um erro – erro vulgar,absurdo antiquado; mas em cada refeição você fará do protesto dele umassunto para alegres risadas. Se você tem experiência diária e habitual daverdade da Palavra de Deus, não temo que sua mente sofra abalo comreferência a ela. Aqueles jovens companheiros que nunca tiveramconvicção de pecado, mas obtiveram a religião deles como tomam banho

de manhã, saltando dentro da água – depressa pularão fora, como pularam dentro. Os que não sentem, nem as alegrias nem as depressõesde espírito que demonstram vida espiritual, estão entorpecidos, e suamão paralisada não segura a verdade com firmeza. Meros deslizadoresda superfície da Palavra que, como as andorinhas, tocam a água com asasas, são os primeiros a voar de um território a outro, conforme os guiemconsiderações pessoais. Crêem agora nisto, depois naquilo, pois em

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)verdade não crêem em nada intensamente. Se você já foi arrastado pelo

 barro e pela lama do desespero de alma, se foi lançado de pernas para oar, e foi enxuto como um prato quanto a toda sua força e orgulho, e

depois a alegria e a paz de Deus, mediante Jesus Cristo, encheram o seucoração, confiarei em você dentre cinqüenta mil infiéis.Sempre que escuto os surrados ataques dos céticos à Palavra de

Deus, sorrio dentro de mim e penso: "Ora, você, simplório! Como podelevantar tão tolas objeções? Nas controvérsias íntimas que enfrento coma minha própria descrença tenho sentido dificuldades dez vezesmaiores." A nós, que temos competido com cavalos, não nos cansarão osque correm a pé. Gordon Cumming e outros matadores de leões não hãode assustar-se com gatos selvagens. Tampouco os que já enfrentaramSatanás face a face irão deixar o terreno nas mãos de céticos

 pretensiosos, ou de quaisquer outros servos inferiores do maligno.Meus irmãos, se tivermos comunhão com o Senhor Jesus Cristo,

não poderemos ser levados a duvidar dos pontos fundamentais doevangelho; nem poderemos ser indecisos. Olhar a cabeça com coroa deespinhos e as mãos e pés feridos é remédio certo para curar a "dúvida

modernista" e todos os seus caprichos. Apegue-se à "Rocha eterna, partida por você", e detestará a areia movediça.

O eminente pregador americano, o seráfico Summerfield, quandoestava à morte, virou-se para um amigo no quarto e disse: "Dei umaolhada na eternidade. Oh, se eu pudesse voltar e tornar a pregar, como

 pregaria diferente do modo como o fiz!"Irmãos, dêem uma olhada na eternidade, se é que desejam ser 

resolutos. Recordem como, na alegoria de Bunyan, Ateu encontraCristão e Esperançoso no caminho para a Nova Jerusalém, e diz: "Nãoexiste um país celestial. Percorri longo caminho, e não pude encontrá-lo". Depois Cristão diz a Esperançoso: "Não o vimos do alto do MonteClaro, quando estávamos com os pastores?" Havia uma resposta! Assim,quando os homens nos dizem: "Não existe Cristo – Não há verdade nareligião", replicamos: "Não nos assentamos à Sua sombra com grande

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)satisfação? O fruto que nos ofereceu não foi doce ao nosso paladar? Vãocom o seu ceticismo aqueles que não sabem em quem têm crido. Nós

 provamos e apalpamos a boa palavra da vida. O que temos visto e

ouvido, isso testificamos. E, quer recebam os homens o nossotestemunho, quer não, não podemos senão proclamá-lo, pois falamos oque sabemos, e testificamos o que temos visto." Meus irmãos, é esse ocaminho certo para sermos decididos.

Agora, finalmente,   por que devemos ser decididos e arrojados

nesta época em particular? Devemos ser assim porque esta época émarcada pela dúvida. Pulula de gente com dúvida como o antigo Egito

 pululava de rãs. Tropeçamos nessas pessoas por toda parte. Toda genteduvida de tudo, não apenas na esfera da religião, mas também da políticae da economia social – em todas as esferas mesmo. É a era do progresso,e, daí, suponho que deve ser a época de soltar as amarras para que toda amassa política vá um pouco mais adiante. Bem, irmãos, como a época éde dúvida, seremos sábios se pisarmos e nos firmarmos onde tenhamos acerteza de ter a verdade sob nós. Talvez, se fosse uma época defanatismo, e os homens não quisessem instruir-se, poderíamos inclinar-

nos a ouvir novos mestres. Mas agora temos que estar do ladoconservador, e conservador radical, que é o lado verdadeiramenteconservador. Temos que voltar à radix – à raiz da verdade, e lutar inflexivelmente por aquilo que Deus revelou, enfrentando assim asindecisões da época.

  Nosso eloqüente amigo, o Sr. Artur Mursell, descreveuadequadamente a época atual :

"Fomos longe demais ao dizer que o pensamento modernoimpacientou-se com a Bíblia, com o evangelho e com a cruz? Vejamos. Queparte da Bíblia não foi atacada? De há muito o Pentateuco foi varrido docânon como inautêntico. O que lemos sobre a criação e o dilúvio é taxado defábula. E as leis sobre limites, que Salomão não se acanhou de citar, sãosepultadas ou largadas na estante.

"Diferentes homens atacam diferentes porções do Livro, e váriossistemas assestam as suas baterias de preconceitos contra vários pontos. A

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Escritura é até cortada em pedaços por alguns, e lançada aos quatro ventosdo céu. E mesmo pelos mais tolerantes vândalos daquilo que é denominadopensamento moderno, é condensada, reduzindo-se a um magro panfleto demoralidade, em vez de ser o tomo de ensinamentos pelos quais temos a

vida eterna. Dificilmente sobra um profeta que não tenha sido revisado pelossabichões destes dias, precisamente com o mesmo espírito com que fariamrevisão de uma obra da biblioteca de qualquer alfarrabista. O temanita e osuita jamais interpretaram mal o conturbado Jó com sequer a metade dopreconceito dos renomados intelectos do nosso tempo. Isaías, em vez deserrado ao meio, é esquartejado e picado em pedaços. O profeta daslamentações é afogado em suas lágrimas. Ezequiel é reduz ido a átomos depó entre as suas rodas. Daniel é corporalmente devorado pelos leões

eruditos. E Jonas é tragado pelos monstros do abismo com voracidademaior do que a do grande peixe, pois nunca mais o lançam fora. Os relatos eos acontecimentos da crônica grandiosa são rudemente contestados enegados porque algum mestre-escala, de lousa e giz na mão, não consegueacertar as suas somas.

"E todos os milagres que o poder de Deus realizou em favor do Seupovo, ou para a frustração dos inimigos deste, são tratados com desdémcomo absurdos, porque os catedráticos não podem fazer a mesma coisacom os seus encantamentos. Dos chamadas milagres, alguns poucos são

críveis, porque os nossos líderes acham que eles mesmos podem realizá-los. Alguns fenômenos naturais, que um doutor pode exibir a um grupo demilitares interessados numa sala escura, ou com uma mesa- repleta deaparelhos, explicarão o milagre do Mar Vermelho. Um aeronauta sobe numbalão, depois desce, e explica que não há mistério na coluna de nuvem e nade fogo – e outras ninharias desse tipo. Desta maneira, os nossos grandeshomens ficam satisfeitos quando pensam que a sua vara de brinquedoengoliu a vara de Arão. Mas quando a vara de Arão ameaça engolir a deles,

estes dizem que essa parte não é autêntica e que o milagre nunca ocorreu."O Novo Testamento não se sai melhor do que o Velho nas mãosdesses invasores. Não pagam taxa de respeito em sua homenagem quandocruzam a linha. Não reconhecem nenhuma voz de advertência no brado:"Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terrasanta." A mente que se detêm em sua carreira de rapina espiritual sobqualquer pretexto respeitável é acusada de ignorante ou servil. Hesitar empisar num lírio ou numa flor do campo é tolice sentimental de criança, e a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vanguarda do pensamento desta época só tem dó e escárnio para talsentimento, pois anda de cabeça erguida por cima da sua alardeada marchado progresso. Dizem que as lendas que se contam em nossas creches sãoobsoletas, e que idéias mais amplas estão ganhando terreno, graças a

mentes mais capazes de pensar. Não nos inclinamos a crer nisso. A verdadeé que poucos, bem poucos, homens que pensam, cujo pensamento consisteem negação do começo ao fim, e cujas mentes vivem torturadas por umacrônica contorção ou curva que as transforma em pontos de interrogaçãointelectuais, é que lançaram a base deste sistema. A esses poucos homenssinceros em suas dúvidas juntou-se um bando maior de gente simplesmenteinquieta. E a essa gente acrescentaram-se homens que são inimigos doespírito e das verdades da Escritura. Todos eles juntos formaram um

conciliábulo e deram em chamar-se líderes do pensamento contemporâneo."Têm o seu séquito, é certo. Mas, de que consiste? De meros satélitesda moda. De ricos, pedantes e ignorantes das nossas cidades populosas.Um cordão de carruagens se vê parando e saindo da entrada de um lugar onde um avançado professor fará uma preleção. E porque a propaganda domodista vai do piso ao teto da sala de conferências, dizem muitos que essasidéias estão ganhando terreno. Mas, numa época de modas como esta,quem jamais suspeitará que esses favoritos da moda sequer têm algumaidéia? É respeitável seguir certo nome por algum tempo, e assim os fúteis

seguirão o nome e exibirão a roupa. Quanto às idéias, porém, não sesuponha que essas pessoas as têm, mais do que elas mesmas sonhariamcom esperar que mais da décima parte da multidões que vão à exibição daAcademia Real de Artes entendam as leis da perspectiva. É isso que se temque fazer; assim, todo aquele que tem uma veste para mostrar e um ternopara expor, sai para exibir isso, e todos quantos pretendem andar na moda(e quem não pretende?), estão fadados a avançar com os tempos. E daívemos as modas avançando pelos sagrados limites do Novo Testamento

como se pisassem no assoalho de St. Albans, ou da sala de preleções deum professor qualquer. E as damas arrastam as caudas dos vestidos e osalmofadinhas calcam suas enfeitadas botas sobre a autenticidade deste, ousobre a autoridade daquele, ou sobre a inspiração de outro.

"Gente que nunca ouviu falar de Strauss, de Bauer ou de Tübingenestá inteiramente disposta a dizer que o nosso Salvador foi apenas umhomem bem intencionado, que cometeu muitas faltas e erros; que os Seusmilagres, como se acham registrados no Novo Testamento, são em parte

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)imaginários e em parte explicáveis pelas teorias naturais; que a ressurreiçãode Lázaro jamais ocorreu, visto que o Evangelho de João é falso de ponta aponta; que se deve rejeitar a expiação como uma doutrina sangrenta einjusta; que Paulo foi um fanático que escreveu sem refletir, e que muito

daquilo que leva seu nome nem sequer foi escrito por ele. Assim, deGênesis a Apocalipse a Bíblia é apagada pela fricção da crítica até que,segundo a fé típica da era em que vivemos, como representada pelos seuslíderes, assim chamados, sobram apenas uns poucos fragmentosinspirados."

Além disso, esta época não duvida com sinceridade; vivemos nomeio de uma raça descuidada e frívola. Se os que duvidam fossemsinceros, haveria mais lugares de reuniões de ímpios para serem

freqüentados do que existem. Mas a descrença, como comunidadeorganizada, não prospera. Em Londres, a descrença aberta e declaradafoi abaixo, não passando de uma velha cabana de ferro velho, em frenteda igreja de São Lucas. Creio ser essa a sua posição atual. "O Salão daCiência", não é como se chama? Sua literatura ficou exposta durantemuito tempo na metade de uma loja da rua Fleet. Era tudo que conseguiusustentar e não sei se mesmo essa metade de loja é usada atualmente. É

algo pobre, obsoleto e tolo. No tempo de Tom Paine bravateava comoum vigoroso blasfemo, mas falava claro e, a seu modo, era categórico esério em sua ousadia no falar. Em dias passados, no comando estavamalguns nomes que se poderiam mencionar com certa medida de respeito.

Hume, por exemplo, Bolingbroke e Voltaire eram grandes emtalento, senão em caráter. Mas onde achar agora um Hobbes ou umGibbon? Os que agora duvidam geralmente têm dúvidas porque não se

 preocupam nada com a verdade. São indiferentes de todo. O ceticismomoderno está jogando e brincando com a verdade; e usa o "pensamentomoderno" como diversão, como as damas usam o jogo de croqué ou o deflechas ao alvo. Esta época não é nada menos que uma época de modasfemininas, de bonecas e de comédia. Mesmo gente boa não crêintegralmente, como seus pais costumavam crer. Até entre os não-conformistas há alguns que estão vergonhosamente frouxos em suas

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)convicções. Têm poucas convicções dominadoras que poderiam levá-losao pelourinho, ou mesmo à prisão. Os moluscos tomaram o lugar doshomens, e os homens viraram águas vivas. Longe de nós, o desejo de

imitá-los!Ademais, é uma época muito impressionável. Portanto, gastaria devê-los bem decididos, para poderem impressioná-la. O estupendo

 progresso feito pelo movimento da Igreja Anglo-Católica na Inglaterramostra que fervor é poder. Os ritualistas crêem em algo, e esse fato deu-lhes influência. Para mim, o credo que lhes é peculiar é um disparateintolerável, e os seus procedimentos são tolices infantis. Mas elesousaram ir contra a turba, e a fizeram voltar-se e colocar-se ao ladodeles. Lutaram com bravura, digamo-lo em sua honra. Quando suasigrejas se tornaram cenários de tumuito e desordem, se ouvia o brado:"Papismo Não!", lançado pelas classes inferiores, enfrentaramvalentemente o inimigo e jamais recuaram. Foram contra toda a correntedaquilo que se julgava ser o sentimento profundamente arraigado daInglaterra em favor do protestantismo, quase não tendo um bispo para

 patrociná-los. Apenas com uns poucos pães e peixes para ampará-los,

cresceram, de um punhado que eram, até se tornarem o partidodominante e mais importante da Igreja da Inglaterra, e para nossa intensasurpresa e horror, levaram o povo a receber de novo o papismo, queconsiderávamos morto e sepultado.

Se alguém me tivesse dito há vinte anos que a feiticeira de En-Dor chegaria a ser rainha da Inglaterra, eu acreditaria tanto como poderiaacreditar que veríamos este desenvolvimento da Igreja Anglo-Católica.

O fato é, porém, que os homens foram fervorosos e resolutos,sustentaram com a maior firmeza aquilo em que criam, e não hesitaramem impulsionar para diante a sua causa. Portanto, nossa época pode ser impressionada. Receberá o que lhe for ensinado por gente zelosa, sejaverdade ou falsidade. Poder-se-á objetar que a falsidade será recebidacom maior prontidão. É bem possível. Mas os homens aceitarão qualquer coisa, se tão-somente vocês a pregarem com tremenda energia e com

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vigoroso fervor. Se não a receberem no coração, em sentido espiritual,de algum modo haverá um assentimento e adesão mental, em grande

 proporção com a energia com que vocês a proclamarem. Sim, e Deus

abençoará também o nosso espírito resoluto de modo que, quando amente for ganha por nosso fervor, e a atenção for conquistada por nossozelo, o coração será aberto pelo Espírito de Deus.

Temos que ser decididos. Que é que os dissidentes vêm fazendo emgrande medida, senão tentando ser requintados? Quantos ministrosnossos estão labutando para serem grandes oradores ou pensadoresintelectuais? Não é isto que importa. Nossos jovens ministros foramofuscados por essa idéia, e saíram a zurrar como asnos selvagens sob anoção de que então teriam fama de virem de Jerusalém, ou de teremrecebido educação na Alemanha. O mundo os descobriu. Agora creioque não há nada que os cristãos genuínos desprezem mais do que aestulta afetação de intelectualismo. Vocês ouvirão um velho e bomoficial da igreja dizer: "O Sr. Fulano, que tivemos aqui, era muitointeligente e pregava sermões esplêndidos, mas por isso a Causa foiabaixo. Mal podemos sustentar o ministro. Da próxima vez, pretendemos

ter de volta um dos ministros da moda antiga que crêem em algo e o pregam. Se não, nossa igreja não terá acréscimo algum."

Sairão vocês a dizer ao povo que crêem que podem dizer algo, masnão sabem o que é? Que não estão inteiramente seguros de que o que

 pregam é certo, mas os estatutos da igreja exigem que falem isso, e portanto o falam? Ora, talvez agradem a tolos e idiotas; e estejam certosde que propagarão a descrença, mas não poderão fazer mais que isso.

Quando um profeta vai à frente, deve falar da parte do Senhor, e se não pode agir assim deixemo-lo voltar para a cama.É absolutamente certo, caros amigos, que temos que ser decididos

agora ou nunca, porque a nossa época manifestamente vaga sem rumo. Não podemos passar doze meses observando sem ver como ela descecom a maré. As âncoras foram içadas, e o barco flutua rumo àdestruição. Vai sendo levado agora, tão próximo como posso falar-lhes,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)na direção sudeste, e vai chegando no Cabo Vaticano. E se se afastar muito mais naquela direção, dará nas rochas dos baixios romanos.Temos que abordá-lo e ligá-lo ao glorioso rebocador da verdade do

evangelho, e arrastá-lo de volta. Eu ficaria contente se pudesse trazê-lofazendo-o rodear o Cabo Calvino, diretamente para a Baía do Calvário, eancorá-lo no belo porto situado bem junto da Vera Cruz  – a cruz deCristo.

Conceda-nos Deus Sua graça para o fazermos. Temos que ter mãoforte, manter nosso vapor firme na rota e desafiar a corrente. E assim,

 pela graça de Deus, salvaremos esta geração e as gerações por vir.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)PREGAÇÃO AO AR LIVRE: ESBOÇO DE SUA HISTÓR IA

Há certos costumes para os quais não há pontos a favor, exceto que

são muito antigos. Em tais casos, a antigüídade não tem maior valor doque a ferrugem de uma moeda falsa. Contudo, é feliz a circunstância emque o uso das eras pode ser apresentado em favor de uma práticarealmente boa e escriturística, pois a reveste de um halo de reverência.Pois bem, pode-se argumentar, quase sem temor de refutação, que a

 pregação ao ar livre é tão velha como a própria pregação. Estamos em plena liberdade para crer que Enoque, o sétimo depois de Adão, quando profetizava, Não pedia melhor púlpito que um outeiro, e que Noé, como pregoeiro da justiça, dispunha-se a arrazoar com os seus contemporâneosno estaleiro em que construía a sua maravilhosa arca.

Certamente, Moisés e Josué achavam o seu lugar mais conveniente  para discursar às enormes assembléias, debaixo do arco celeste, quedispensa colunas. Samuel concluiu um sermão no campo de Gilgal, nomeio de chuva e trovões, sermão pelo qual repreendeu o povo e o levou aajoelhar-se. Elias pôs-se de pé no Carmelo e desafiou a vacilante nação,

 bradando: "Até quando coxeareis entre dois pensamentos?" Jonas, cujoespírito era um tanto parecido, elevou seu brado de advertência nas ruasde Nínive, e em todos os seus logradouros públicos fez a proclamação daadvertência: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida." Para ouvir Esdras e Neemias "todo o povo se ajuntou como um só homem, na praça,diante da Porta das Águas." Na verdade, encontramos exemplos de

 pregação ao ar livre em toda parte ao redor de nós nos registros do Velho

Testamento.Contudo, talvez nos baste retornar à origem da nossa santa fé e

ouvir ali o precursor do Salvador clamando no deserto e erguendo a vozà margem do Jordão. Mesmo o nosso Senhor que é o nosso modelo, maisque ninguém, pregou a maior parte dos Seus sermões na encosta damontanha ou na praia do mar ou nas ruas. Por todos os motivos e

 propósitos, o nosso Senhor foi pregador ao ar livre. Não ficava calado na

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)sinagoga, mas se sentia igualmente em casa no campo. Não temos emregistro nenhum discurso dEle que tenha sido pronunciado numa capelareal, mas temos o sermão do monte e o sermão da planície. Assim é que

a mais antiga e a mais divina espécie de pregação foi praticada ao ar livre por Aquele que falou como nenhum homem jamais falou.Houve reuniões dos Seus discípulos depois da Sua morte, entre

  paredes, especialmente a que se deu no cenáculo. Mas a pregaçãocontinuou sondo feita mais freqüentemente no pátio do templo, ou emquaisquer outros espaços livres disponíveis. A noção de lugares santos ede casas consagradas para reuniões não lhes havia ocorrido, comocristãos. Pregavam no templo porque era o local mais freqüentado, mascom igual fervor, "de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de pregar Jesus, o Cristo."

Os apóstolos e seus sucessores imediatos entregavam a suamensagem de misericórdia, não somente em suas casas alugadas e nassinagogas, mas também em todo lugar e sempre que a ocasião lhesfavorecia. Isto se pode deduzir facilmente da seguinte afirmação deEusébio: "Os divinos e admiráveis discípulos dos apóstolos edificaram a

super-estrutura das igrejas, cujos alicerces tinham sido lançados pelosapóstolos, em todos os lugares aonde chegaram. Em toda parte deram

  prosseguimento à pregação do evangelho, semeando as sementes dadoutrina celestial por todo o mundo. Muitos discípulos, vivos por essetempo, distribuíram suas propriedades aos pobres e, deixando o seu país,fizeram a obra de evangelistas aos que nunca tinham ouvido falar da fécristã, pregando Cristo e lhes entregando os escritos evangélicos. Logo

depois de terem plantado a fé em algum país estrangeiro, e de teremordenado guias e pastores, aos quais incumbiam do cuidado dessas novas  plantações, partiam para outras nações, assistidos pela graça e pela  poderosa obra do Espírito Santo. Tão logo começavam a pregar oevangelho, o povo se reunia em massa com eles, e com alegriacultuavam o verdadeiro Deus, o Criador do mundo, crendo piedosamentee de coração em Seu nome."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Quando desceu a idade das trevas, os melhores pregadores da igreja

que aos poucos declinava foram também pregadores de praça pública.Como o foram também aqueles freires itinerantes e grandes fundadores

das ordens religiosas que mantinham viva a piedade que ainda restava.Ouvimos falar de Berthold, de Ratisbon, e seus sessenta ou cem milouvintes num campo perto de Glatz, na Boêmia. Houve também osBernardos, os Bernardinos, os Antônios e os Tomazes de grande famacomo pregadores itinerantes, de quem não conseguimos achar tempo

  para falar particularmente. O Dr. Lavington, bispo de Exeter, nãodispondo de outros argumentos, afirmou, como prova de que osmetodistas eram idênticos aos papistas, que os primitivos frades

  pregadores eram notáveis nas reuniões realizadas em campo aberto.Citando Ribadeneira, menciona Pedro de Verona, que tinha "um talentodivino para pregar; nem igrejas, nem ruas, nem mercados podiam conter a grande concorrência que acudia para ouvir os seus sermões." O doutor 

 bispo facilmente podia ter multiplicado os seus exemplos, como nostambém poderíamos fazê-lo, mas estes nada mais provam do que isto:

 para o bem ou para o mal, a pregação ao ar livre é um grande poder.

Quando o anticristo tinha começado a exercer a sua influência maisuniversal, os reformadores antes da Reforma agiram muitíssimas vezescomo pregadores de praça pública, como, por exemplo, Arnold deBrescia, que denunciou as usurpações papais bem às portas do Vaticano.

Seria fácil provar que os avivamentos religiosos geralmente foramacompanhados, senão causados, por considerável acúmulo de pregaçõesao ar livre, ou em lugares incomuns. As primeiras pregações das

doutrinas declaradamente protestantes foram quase necessariamente aoar livre, ou em edifícios não dedicados ao culto, porquanto estes estavamnas mãos do papado. É certo que Wycliffe por algum tempo pregou oevangelho na igreja de Lutterworth; que Huss, Jerônimo e Savonarola

 por algum tempo pronunciaram discursos semi-evangélicos ligados aosarranjos eclesiásticos que os cercavam. Mas quando começaram a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)conhecer e a pregar mais plenamente o evangelho, foram levados a

 procurar outras tribunas.Quando a Reforma era ainda um bebê, era como Cristo recém-

nascido, e não tinha onde reclinar a cabeça. Mas uma companhia dehomens comparável à hoste celestial proclamou-o sob os céus abertos,onde pastores e gente comum a ouviam alegremente. Por toda aInglaterra sobram ainda diversas árvores chamadas "carvalhos doevangelho." Há um local do outro lado do Tamisa conhecido pelo nomede "Carvalho do evangelho", e eu mesmo já preguei em Addlestone, emSurrey, sob os longos e copados ramos de um antigo carvalho, debaixodo qual se diz que John Knox proclamou o evangelho durante a suaestada na Inglaterra. Quantos terrenos baldios, selvagens e espinhosos, equantas solitárias encostas de colinas e pontos secretos nas florestasforam consagrados da mesma maneira! E tradições há que aindasobrevivem em cavernas, rincões, topos de montes, onde nos velhostempos multidões de fiéis se reuniam para ouvir a Palavra do Senhor.Tampouco foi somente em lugares solitários que se ouviu antigamente avoz do pregador, pois dificilmente há um cruzamento de praça de

mercado que não tenha servido de púlpito para os evangelistasitinerantes.

Durante o ministério de Wycliffe os seus missionários atravessavamo país, pregando a Palavra em todo o lugar. Um ato de Parlamento, deRicardo II (1382), expõe como queixa do clero que certo número de

  pessoas, todas vestidas com o mesmo tipo rústico de roupa de lágrosseira, iam de cidade em cidade, sem licença das autoridades

eclesiásticas, e pregavam não só nas igrejas, mas também nos cemitériose nos mercados, bem como nas feiras. Para ouvir esses arautos da cruz o povo da região reunia-se em grande número, e os soldados se mesclavamcom a multidão, prontos para defender os pregadores com suas espadas,se alguém surgisse para molestá-los. Depois da morte de Wycliffe, seusseguidores não hesitaram em usar os mesmos métodos. Há um registronotável sobre William Swinderby narrando que, "sendo excomungado e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) proibido de pregar em qualquer igreja ou cemitério, usou duas pedras demoinho como púlpito na High-street de Leicester, e ali pregou "emdesobediência ao bispo." "Ali", diz Knighton, "podiam-se ver multidões

de gente de toda parte, tanto da cidade como do campo, dobrando onúmero dos que costumavam comparecer quando podiam ouvi-lolegalmente."

 Na Alemanha e noutros países do continente a Reforma recebeugrande auxilio dos sermões pregados às multidões ao ar livre. Lemossobre pregadores luteranos que percorriam o país proclamando a novadoutrina ao povo nos mercados, nos cemitérios e também nos montes enos prados. Em Goslar um estudante de Wittenberg pregou num pomar de limeiras, que deu aos seus ouvintes a designação de "os Irmãos daLimeira." D'Aubigné nos relata que em Appenzel, como as multidõesnão cabiam nas igrejas, as pregações eram feitas nos campos e nas praças

 públicas e, não obstante a fogosa oposição, os morros, as campinas e asmontanhas ecoavam as alegres novas da salvação.

 Na vida de Farel encontramos incidentes ligados ao ministério ao ar livre. Por exemplo, quando Metz pregou o seu primeiro sermão no

cemitério dos dominicanos, seus inimigos fizeram tocar todos os sinos,mas a sua voz de trovão sobrepujou o som. Somos informados de que em

 Neuchâtel "a cidade inteira se tornou sua igreja. Ele pregava no mercado,nas ruas, junto às portas, em frente das casas e nas praças, e o fazia comtal poder de persuasão e com tal efeito que conquistou muitíssimos parao evangelho. Multidões se juntavam para ouvir os seus sermões, e nemameaças nem tentativas de persuasão as detinham."

Da History of Protestantism, do Dr. Wylie, transcrevo o seguinte:"Dizem que a primeira pregação campal feita na Holanda deu-se em 14de junho de 1566, e foi nas vizinhanças de Ghent. O pregador foi HermanModet, ex-monge que veio a ser o pastor reformado de Oudenard. "Estehomem", diz um cronista papista, "foi o primeiro a aventurar-se a pregar empúblico, e 7000 pessoas ouviram o seu primeiro sermão. ...

"A segunda grande pregação campal foi no dia 23 de julho seguinte,com o povo reunido num vasto prado das proximidades de Ghent. A

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)"Palavra" era preciosa naqueles dias, e o povo, avidamente sedento de ouvi-la, preparou-se para ficar dois dias consecutivos sobre o solo. Seus arranjosmais pareciam os de um exército armando o seu acampamento do que osde uma pacífica multidão reunida para prestar culto. Em torno dos

adoradores havia uma muralha de barricadas em forma de carretas ecarroças. Postaram-se sentinelas em todas as entradas. Fizeram às pressasem rústico púlpito de grossas pranchas e o puseram em cima de umacarreta. Modet foi o pregador, e em volta dele estavam milhares que oouviam, com suas lanças, machadinhas e espingardas a seu lado, prontaspara serem apanhadas a um sinal das sentinelas que mantinham compactavigilância ao redor da assembléia. Em frente das entradas instalarambalcões onde vendedores ofereciam livros proibidos a todos quantos

queriam comprá-los. Ao longo das estradas que levavam ao campo, certaspessoas ficavam paradas com a incumbência de persuadir o viajante casuala dobrar para lá e ouvir o evangelho. ... Terminadas as pregações, amultidão se dispôs a ir a outros distritos, onde acampou do mesmo jeito eficou o mesmo espaço de tempo, e assim percorreu toda a FlandresOcidental.

"Nesses conventículos se cantavam sempre os Salmos de Davi,traduzidos para o holandês popular, da versão de Clemente Marot e Teodorode Beza. As odes do rei hebreu ressoavam, cantadas por cinco a dez mil

vozes e, levadas pela brisa sobre matas e campinas, podiam-se ouvir agrandes distancias, cativando o lavrador de volta dos sulcos do seu arado,ou o viajante em seu percurso, fazendo-o deter-se e indagar de onde viria ocanto desses menestréis."

É deveras interessante observar que é certo que o cantocongregacional se aviva no mesmo instante em que se aviva a pregaçãodo evangelho. Em todas as épocas um Moody é assistido por Sankey. Ahistória se repete porquanto causas semelhantes com toda a segurança

 produzem efeitos semelhantes.Seria uma tarefa interessante preparar um volume de fatos notáveis

relacionados com a pregação ao ar livre, ou, melhor ainda, uma históriaconsecutiva dela. Não tenho tempo nem sequer para um esboçocompleto, mas simplesmente pergunto: Onde estaria a Reforma, se osseus grandes pregadores se tivessem limitado às igrejas e catedrais?

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Como o povo comum teria sido doutrinado com o evangelho, se nãofosse aqueles evangelistas que iam longe em suas andanças, oscolportores e aqueles ousados inovadores que achavam um púlpito em

cada pilha de pedras, e um auditório em cada espaço aberto nas proximidades das habitações dos homens?Entre os exemplos de dentro da nossa ilha altamente favorecida,

não posso deixar de mencionar o notável caso do piedoso Wishart. Daobra Historical Collections, de Gillie, cito o seguinte:

"George Wishart foi um dos primeiros pregadores das doutrinas dosreformadores, e sofreu martírio nos dias de Knox. Principalmente a suaexposição da Epístola aos Romanos excitou os temores e o ódio doseclesiásticos romanistas, que o fizeram silenciar em Dundee. Ele foi aAyr e começou a pregar o evangelho com grande liberdade e fidelidade.Mas Dunbar, o então arcebispo de Glasgow, informado da grandeconcorrência do povo que se reunia em multidão para ouvir os seussermões, e instigado pelo cardeal Beaton, foi até Ayr resolvido a prendê-lo. Antes, porém, tomou posse da igreja para impedi-lo de pregar nela.As noticias disto levaram Alexandre, conde de Glencair, e alguns

cavalheiros das cercanias, imediatamente à cidade. Eles desejaram e seofereceram para introduzir Wishart na igreja, mas ele não consentiu,dizendo que "o sermão do bispo não ia fazer muito dano, e que, se lhesagradasse, gostaria de ir à praça do mercado", o que conseguintementefez. E pregou com tanto sucesso, que vários ouvintes, antes inimigos daverdade, converteram-se nessa ocasião.

"Wishart continuou com os cavalheiros de Kyle, depois da partida

do arcebispo. Havendo o desejo de que pregasse no próximo dia doSenhor na igreja de Mauchline, foi para lá com esse propósito, mas oxerife de Ayr tinha posto de norte uma guarnição de soldados no interior da igreja para mantê-lo fora. Hugh Campbell, de Kinzeancleugh, comoutros paroquianos, sentiram-se excessivamente ofendidos, e teriamentrado à força na igreja, mas Wishart não o permitiu, dizendo: "Irmãos,é a palavra de paz que lhes prego. O sangue de ninguém será derramado

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) por ela hoje. Jesus Cristo é tão poderoso nos campos como na igreja, eEle próprio, quando vivia na carne, pregou mais vezes no deserto e à

 berra-mar do que no templo de Jerusalém."

Com isto o povo se apaziguou e foi com ele até a berra do pântanoque fica a sudoeste de Mauchline onde, tendo-se postado sobre o diquede um canal, pregou à grande multidão. Falou mais de três horas, agindoDeus extraordinariamente através dele; tanto que Laurence Ranken,detentor do título de propriedade de Shield, pessoa muito profana,converteu-se por meio dele. Cerca de um mês após a circunstanciarecém-descrita, foi informado de que irrompera uma praga em Dundeequatro dias depois de ter saído de lá, e ainda grassava de tal forma queeliminava numerosas pessoas diariamente. Isto o afetou tanto, queresolveu voltar, e em seguida despediu-se dos amigos no oeste, os quaisse encheram de tristeza com sua partida. No dia seguinte ao da suachegada em Dundee, fez correr a notícia de que ia pregar. Para esse fim,escolheu um ponto perto da porta oriental, com as pessoas contaminadasdo lado de fora, e as sadias do lado de dentro. O texto que usou nessaocasião foi o de Salmos 107.20: "Enviou-lhes a sua palavra e os sarou, e

os livrou do que lhes era mortal." Com esse discurso consolou tanto osouvintes, que estes se sentiram felizes tendo tal pregador, e lheimploraram que permanecesse com eles enquanto durasse a praga."

Que cena deve ter sido aquela! Raramente um pregador contou comouvintes assim e, devo acrescentar, raramente um grupo de ouvintescontou com um pregador assim. Então, para empregar as palavras de umvelho escritor: "O velho tempo ficou ao lado do pregador com sua foice,

dizendo com voz roufenha: Trabalha durante o que se chama hoje, pois ànorte eu te ceifarei. Ali se pós também, perto do púlpito, a medonhamorte, com suas flechas agudas, dizendo: Atira tuas flechas de Deus, eeu atirarei as minhas." Este é, de fato, um notável exemplo de pregaçãoao ar livre.

Gostaria de ser capaz de oferecer mais dados particulares daquelefamoso discurso feito por John Livingstone no pátio da igreja de Shotts,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)quando nada menos que quinhentos dos seus ouvintes encontraramCristo, embora chovesse torrencialmente durante considerável parte dotempo. Continua sendo um dos grandes sermões ao ar livre da história,

não sobrepujado por nenhum dos sermões pregados entre paredes. Eisaqui a substância do que sabemos dele:"Ao que parece, não era comum, naqueles dias, ter-se algum sermão

na segunda-feira, depois da ministração da Ceia do senhor. Mas Deus haviadado tanto da Sua presença cheia de graça, e servido a Seu povo tanto daSua comunhão com Ele, nos dias anteriores ao daquela solenidade, que opovo não sabia como partir sem ação de graças e louvor. Houvera grandeafluência de seletos cristãos, com vários ministros eminentes, vindos dequase todos os cantos da terra. Muitos deles estiveram reunidos ali durantediversos dias antes da Ceia, ouvindo sermões, juntando-se em menores oumaiores grupos para oração, louvor e conversações espirituais. Ao passoque os corações se aqueciam com o amor de Deus, tendo algunsexpressado o seu desejo de um sermão na segunda-feira, receberam apoiode outros, e em pouco o desejo se tornou amplamente generalizado. O Sr.John Livingstone, capelão da condessa de Wigtown (naquele temposomente pregador, não ministro ordenado, e com vinte sete anos de idade),com muito trabalho foi convencido a pensar em pregar um sermão.

"Passara a noite em oração e em reunião, mas quando ficou sozinhono campo, por volta das oito ou nove horas da manhã, sobreveio-lhe taltemor no coração, sob o sentimento de indignidade e incapacidade para falar na presença de tantos ministros idosos e respeitáveis, e de tantos cristãoseminentes e experimentados – que pensou em escapar sorrateiramente efugir de uma vez dali. E foi o que de fato começou a fazer, chegando a certadistância. Mas justamente quando estava a ponto de perder de vista a igrejade Shotts, estas palavras: 'Porventura tenho eu sido para Israel um deserto?Ou uma terra da mais espessa escuridão?', foram introduzidas no seucoração com força tão dominadora, que o constrangeram a achar que o seudever era voltar e cumprir com a obrigação de pregar. Foi o que por conseguinte fez, e bem assistido, discorrendo durante cerca de uma hora emera sobre os pontos em que tinha meditado, com base em Ez. 36:25-26:'Então espargirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas asvossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)coração novo, e porei dentro em vos espírito novo; tirarei de vos o coraçãode pedra e vos darei coração de carne.'

"Quando faltava pouco para terminar, caindo de repente pesada chuvaque fez o povo recorrer ás pressas ás suas capas e mantas, ele se pôs a

falar o seguinte: 'Se umas poucas gotas de chuva das nuvens osdecompuseram tanto, como ficariam cheios de horror e desespero, se Deusos tratasse como merecem. E é como tratará a todos os que foremimpenitentes até o fim. Que Deus faça com justiça chover fogo e enxofresobre eles, como fez com Sodoma, Gomorra e as outras cidades da planície.Que o Filho de Deus, tabernaculando em nossa natureza, e nelaobedecendo e sofrendo, seja para nós o único refúgio e abrigo datempestade da ira divina que merecemos por causa do pecado. Que os

Seus méritos e a Sua mediação nos sejam o único amparo a proteger-nosdaquela tempestade, da qual ninguém senão os crentes arrependidos serãobeneficiados com aquela proteção.' Com estas ou semelhantes expressõescom a mesma intenção, e com muitas outras, foi levado por quase uma hora(depois de ter feito o que tinha premeditado) numa torrente de exortações eadvertências, com grande expando e ternura de coração."

É preciso não esquecer o ministério regular ao ar livre junto da Cruzde Paulo, sob as goteiras da velha catedral. Era uma famosa instituição, e

dava aos pregadores notáveis da época a possibilidade de serem ouvidos  por cidadãos em grande número. Reis e príncipes não desdenhavamsentar-se na galeria construída sobre o muro da catedral e ouvir o

 pregador no decorrer do dia. Latimer conta-nos que o cemitério daliestava em condições tão insalubres que muitos morriam enquantoouviam os sermões; e, apesar disso, nunca houve falta de ouvintes.Agora que a abominação dos sepultamentos no seu interior foieliminada, aqueles males não ocorreriam, e a Cruz de Paulo poderia ser reedificada. Talvez uma mudança para o espaço aberto pudesse destruir algo do papismo que se vai ligando gradativamente aos serviços dacatedral. A restauração do sistema de pregação pública, do qual a Cruzde Paulo era o ponto central, é grandemente desejável. Eu gostariaardentemente que alguma pessoa, dona de suficiente riqueza, comprasseum espaço central em nossa grande metrópole, erigisse um púlpito, com

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)um certo número de bancos, e então o dedicasse para uso dos ministrosdo evangelho credenciados, que ali expusessem livremente o evangelhoa todos os que para ali viessem, sem favor ou distinção. Seria da mais

real utilidade à nossa sempre crescente cidade do que todas as suascatedrais, abadias e grandes edifícios góticos. Antes que todos osespaços livres sejam totalmente tomados pela maré cada vez mais alta detijolo e reboco, seria uma sabia política garantir Campos do Evangelho,ou Acres-de-Deus-para-os-Seus-Servos – ou qualquer outro nome quelhes agrade dar aos espaços abertos dedicados à livre pregação doevangelho.

Durante toda a época dos puritanos, havia reuniões em todas asespécies de locais fora dos caminhos, por receio dos perseguidores.

"Tomamos", diz o arcebispo Laud numa carta datada, Fulham,  junho de 1632, "outro conventículo de separatistas em NewingtonWoods, no mesmo matagal em que um veado deveria ser posto para ser capado pelo rei no dia seguinte."

Uma cova ou poço de areia em Hounslow Heath às vezes servia deconventículo, e há uma caverna peno de Hitchin onde John Bunyan

estava acostumado a pregar nos tempos perigosos. Por toda a Escócia asvárzeas, as cavernas, os estreitos vales e as encostas dos morros estãocheios de lembranças dos pactuários até o dia de hoje. Vocês nãodeixarão de encontrar púlpitos de pedra de onde os austeros pais daIgreja Presbiteriana vociferavam as suas denúncias do cristianismo edefendiam as reivindicações do Rei dos reis. Gargil, Cameron e seuscompanheiros encontraram locais como esses para os seus bravos

ministérios, no meio das fendas e barrancos das montanhas solitárias."Muito antes da aurora, por sendas tortuosas, por montes e matas etristes desertos, procuravam rincões nas terras altas onde os rios, ali simplesribeiros, repartem-se para mares diferentes. Depressa esses ribeirosdespejam-se num vale estreito. Um terreno com relvado vivaz e flores deaparência estranha, em meio a urzes selvagens que tudo rodeiam, fatigamos olhos. Em solidões como estas, teus perseguidos filhos, Escócia,frustraram uma leí sanguinária de um tirano e de um fanático. Sobre sua

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)lança inclinado... o grisalho veterano ouviu a Palavra de Deus pela voz detrovão de Cameron, ou derramada por Renwick em suave corrente. Depoisergueu-se a canção, as altas aclamações de louvor; a cotovia cessou o seulamento; o lugar solitário alegrou-se, e nas acumuladas pedras distantes, o

ouvido do vigia captou, vacilante ás vezes, as notas levadas pelo vento."Anos mais sombrios seguiram-se, porém; e o povo reunido não mais

ousava, à luz do dia, cultuar a Deus, e mesmo nas horas mortas da noite;salvo quando os temporais de inverno bramavam e o estrondo dos travõescompelia os homens de sangue a recostar-se em seus covis. Então,intrépidos, os poucos dispersos se reuniam em algum fosso profundo, tendorochas por dossel, para ouvir a voz, sim, a voz do seu fiel pastor. Ele, aoclarão dos relâmpagos amortalhados, abria o sacro livro e dizia palavras de

consolo. Sobre suas almas o seu falar descia suavemente, como a seuspintinhos descem as penas da galinha do mato quando, ao fim da tarde, elareúne tristemente sua ninhada dispersa por um esporte assassino; e sobreos restantes abre as suas asas com amor. Apertadamente aninhados sob oseu coração, gostam de abrigar-se ao calor da purpúrea plumagem."

Arriscando-me a tornar-me prolixo, creio que devo acrescentar aseguinte tocante descrição de uma dessas cenas. O retrato em prosasobrepuja em excelência o quadro pintado pelo poeta.

"Entramos na administração da santa ordenança, encomendando-a e anós mesmos à proteção do Senhor dos exércitos, em cujo nome noshavíamos reunido. Nossa confiança estava no braço de Jeová – melhor doque as armas de guerra ou do que a força dos montes. O lugar onde nos juntamos era cômodo em todos os aspectos, e parecia ter sido formado paraesse fim. Era uma verdejante elevação, perto da margem das águas (oWhittader). Num e noutro lado havia um espaçoso aclive, na forma de merocírculo, coberto de aprazível pastagem e elevando-se em suave inclinaçãoaté uma considerável altura. Acima de nós estava o céu de límpido azul, pois

era uma doce e tranqüila manhã de domingo, prometendo que de fato seria"um dos dias do Filho do homem." Houve uma solenidade no local, própriapara a ocasião, elevando a alma toda a uma condição pura e santa. Asmesas de comunhão foram espalhadas sobre a relva próxima da água, e opovo ajeitou-se com decência e ordem em volta delas. Mas a multidão muitomaior sentou-se na superfície do aclive, que ficou apinhado de gente, dotopo ao fundo, tão repleto que formava agradável vista, que nunca tiveraigual dessa espécie. Cada dia, ao despedir-se o povo congregado, os

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ministros e suas guardas, e tantas pessoas quantas possível, retiravam-se aseus alojamentos localizados em três diferentes povoações rurais, ondepodiam prover-se do necessário. Os cavalarianos moviam-se num só grupo,enquanto as pessoas deixavam o local. Depois marchavam ordenadamente

atrás, à pequena distância, até que todos estivessem seguramenteabrigados em seus alojamentos. De manhã, quando o povo voltava àreunião, os cavalarianos o acompanhavam. As três divisões encontravam-sea uma milha do ponto e marchavam, num só corpo, para o terrenoconsagrado. Bem acomodada a congregação nos respectivos lugares, osguardas tomavam as suas posições, como antes.

"Estes voluntários acidentais pareciam verdadeiro dom da Previdência,e garantiam a paz e a tranqüilidade dos ouvintes. Pois desde sábado de

manhã, quando começou o trabalho, até segunda-feira de tarde, Nãosofremos a mínima afronta ou perturbação dos inimigos, o que nos pareceumaravilhoso. A princípio houve alguma apreensão, mas o povo ficou sentadosem se perturbar, e tudo terminou com tanta ordem como se fosse nos diasdo apogeu da Escócia. E realmente o espetáculo de tantos rostos sérios,calmos e devotos deve ter causado temor aos adversários, e deve ter sidomais formidável do que qualquer poder externo de aparência feroz e dedisposição guerreira. Não desejávamos o patrocínio dos reis da terra.Refulgia na obra certa majestade espiritual e divina, bem como a palpável

evidência de que o grande Senhor dos povos estava ali presente. Era de fatoDeus agindo, pondo-nos uma mesa no deserto, na presença dos nossosadversários, e erguendo uma coluna de glória entre nós e o inimigo, como aantiga coluna de fogo que separava os acampamentos de Israel e dosegípcios – encorajando a um, mas com escuridão e terror para o outro.Conquanto os nossos votos não tenham sido oferecidos dentro dos átrios dacasa de Deus, não lhes faltava sinceridade de coração, que é melhor do quea reverência dos santuários. No meio das montanhas solitárias, lembramos

as palavras de nosso Senhor, de que o verdadeiro culto não era peculiar aJerusalém ou Samaria – de que a beleza da santidade não consistia emedifícios sagrados ou templos materiais. Lembramo-nos da arca dosisraelitas, que esteve no deserto, sem lugar para ficar exceto o tabernáculoda planície. Pensamos em Abraão e nos patriarcas antigos, que usavampedras como altar para nelas porem as suas vítimas, e queimavam o suaveincenso á sombra de uma árvore.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)"A ordenança da Última Ceia, aquele memorial do sacrificial amor de

Cristo até á Sua segunda vinda, foi administrado com grande significação,comunicando poder e renovadora influência do Alto. Bendito seja Deus, poisvisitou a Sua herança quando a fadiga a dominava. Naquele dia Sião

revestiu-se da beleza de Sarom e do Carmelo; as montanhas romperam emcânticos, e o ermo veio a germinar e a florescer como um roseiral. Poucosdias como aqueles se viram na desolada Igreja da Escócia; poucos virão atestemunhar semelhante coisa no futuro. Houve abundante efusão doEspírito, derramado amplamente em muitos corações. Suas almas,repassadas de celestial transporte, pareciam respirar um elemento maisdivino e chamejar para o alto com o fogo de uma devoção pura e santa. Osministros foram visivelmente assistidos para falar à vontade à consciência

dos ouvintes. Era como se Deus lhes tivesse tocado os lábios com umabrasa viva do Seu altar. Sim, pois, os que testemunharam o trabalho delesdeclararam que eles se comportavam mais como embaixadores da cortecelestial, do que como homens formados em molde terreno.

"As mesas foram servidas por alguns cavalheiros e algumas outraspessoas do mais sério comportamento. Não se admitia ninguém que nãotivesse as insígnias de costume, as quais foram distribuídas no sábado, massomente aos que eram conhecidos dos ministros e de outras pessoas deconfiança como isentos de escândalos públicos. Seguiram-se

completamente os regulamentos. Os comungantes entravam por uma portae saíam pela outra, mantendo-se um caminho aberto para que pudessemretomar os seus lugares na encosta. O Sr. Welsh pregou o sermãopertinente ao ato e serviu as duas primeiras mesas, como normalmente eraencarregado de fazer em tais ocasiões.

"Os outros quatro ministros, Sr. Blackader, Dickson, Riddel e Rae,exortaram os restantes, cada um em sua vez. A ministração das mesas foiencerrada pelo Sr. Welsh com solene ação de graças. E solene foi, como

também foi agradável e edificante ver a seriedade e compostura de todos ospresentes, bem como de todas as partes do culto. A comunhão foi concluídaserenamente, todo o povo elevando a Deus sua gratidão e cantando com jubilosas vozes hinos à Rocha da sua salvação. Foi agradável, ao cair danoite, ouvir sua melodia avolumar-se em uníssono pela colina, com todo opovo unido em harmonia e louvando a Deus com a linguagem dos salmos.

"Havia duas mesas compridas e uma curta, na parte da frente, comassentos em cada lado. Em cada mesa cabiam sentadas cerca de cem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)pessoas. Havia dezesseis mesas ao todo, de sorte que cerca de três milpessoas participaram da comunhão aquele dia."

Talvez o mais notável lugar já escolhido para um discurso seja ocentro do rio Tweed, onde o Sr. Welsh pregou muitas vezes duranteduras geadas, para escapar das autoridades, quer da Escócia quer daInglaterra, dependendo daquela que interferisse. Os lutadores muitasvezes escolhiam a fronteira dos dois condados para suas exibições, mas

 parece que a prudência destes foi antecipada pelos filhos da luz.Também é divertido ler que o arcebispo Sharp deu ordem para que

a milícia fosse enviada para dispersar a multidão reunida na encosta domorro para ouvir o Sr. Blackader, e a informação ao prelado de que

todos os milicianos tinham saído uma hora antes, para ouvir o sermão.Estou certo de que não posso adivinhar o que seria deste mundo,

não fossem as pregações feitas fora dos muros e debaixo do teto maisglorioso do que o destas vigas de pinho. Foi um dia de bravura para aInglaterra aquele em que Whitefield começou a pregação ao ar livre.Quando Wesley levantou-se e pregou um sermão no túmulo do seu pai,em Epworth, porque o clérigo da paróquia não quis admiti-lo no interior 

do edifício sagrado (assim chamado). Sobre isto escreve o Sr. Wesley:"Tenho a certeza de que fiz mais bem aos meus paroquianos deLincoInshire pregando três dias na tumba de meu pai, do que pregando trêsanos em seu púlpito."

A mesma coisa se poderia dizer de toda a pregação ao ar livresubseqüente, comparada com os discursos regulares feitos em recintosfechados.

"O pensamento de fazer prédicas ao ar livre foi sugerido a Whitefield

por uma multidão de mil pessoas que não conseguiram entrar na igreja deBermondsey, onde ele pregou num domingo à tarde. Não recebeu incentivoalgum quando o mencionou a alguns amigos. Acharam que era uma "idéiamaluca." Contudo, teria sido posta em prática no domingo seguinte no Asilode Ironmonger, se o pregador não tivesse ficado desapontado com seusouvintes, que eram tão poucos que podiam ouvi-lo pregar do púlpito. Levavaconsigo dois sermões, um para o recinto fechado, outro para fora."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)A idéia que amadurecera tornando-se assim uma resolução, não

esperaria muito tempo para ser levada à execução. Colocando ochanceler da diocese impedimentos no caminho de Whitefield em seu

 propósito de pregar nas igrejas de Bristol em benefício do seu orfanato,foi pregar aos operários das minas de carvão de Kingswood,"pela primeira vez num sábado à tarde, colocando-se para isso no

Monte Hannan. Falou sobre Mt. 5:1-3 a todos os que foram ouvi-lo. Mais deduzentas pessoas compareceram. Sua única nota em seu diário foi: "Benditoseja Deus, que o gelo agora está quebrado, e conquistei o campo! Talvezalguns me censurem. Mas, não há uma causa? Os púlpitos são negados; eos pobres carvoeiros estão prestes a perecer por falta de conhecimento."

Agora possuía um púlpito que ninguém poderia tomar-lhe, e seucoração se regozijava por essa grandiosa dádiva. No dia seguinte o diáriorelata:

"Estando fechadas as portas de todas as igrejas e, se abertas, sendoincapazes de conter sequer metade dos que queriam ouvir, às três da tardefui para Kingswood, para o meio dos mineiros de carvão. Deus nosfavoreceu altamente dando-nos um belo dia, e quase duas mil pessoas sereuniram naquela ocasião. Preguei, e me alonguei, sobre João 3:3, falandoquase uma hora e, espero, para consolo e edificação dos que me ouviram."

Dois dias depois, postou-se no mesmo ponto e pregou com grandeliberdade a uma reunião de quatro ou cinco mil pessoas. O sol fulgenteem cima, e a imensa multidão em volta dele, em extremo silêncio,formavam um quadro que o encheu de "santa admiração." No domingosubseqüente, Bassleton, povoação a duas milhas de Bristol, franqueou-lhe sua igreja. Havendo-se reunido numerosa congregação, primeiro leuorações no templo, e depois pregou no cemitério da igreja. Ás quatro,

correu para Kingswood. Embora o mês fosse fevereiro, o tempo estavaincomumente brando e sem neve. O sol poente brilhava com sua maiscompleta força. As árvores e as cercas estavam apinhadas de ouvintesque queriam ver o pregador bem como ouvi-lo. Falou durante uma horacom voz suficientemente alta para ser ouvida por todos, e seu coraçãonão deixou de alegrar-se por sua própria mensagem. Escreve em seu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)diário: "Bendito soja Deus, o fogo está aceso; que as portas do inferno

 jamais possam prevalecer contra ele!" É importante saber quais foram osseus sentimentos quando deu com aqueles imensos ajuntamentos de

 povo no campo, cujo número crescera de duzentos para vinte mil, e quaisforam os efeitos da sua pregação sobre os seus ouvintes. Suas palavrassão:

"Não tendo justiça própria a que renunciar, os mineiros de carvãoalegraram-se ao saber que Jesus era amigo de publicanos, e que não veiopara chamar os justos, mas pecadores ao arrependimento. A primeiradescoberta de que tinham sido afetados foi por ver os brancos sulcos feitospor suas lágrimas correndo copiosamente em suas faces negras, pois

tinham saído dos poços de carvão. Centenas e centenas deles foram logolevados a profundas convicções que (como os fatos resultantes o provam)tiveram um feliz sim, em conversão firme e completa. A mudança foi visível atodos, embora muitos preferissem imputá-la a qualquer outra coisa que nãoo dedo de Deus. Como a cena era inteiramente nova e eu mal começara aser um pregador extemporâneo, isto freqüentemente ocasionava muitosconflitos íntimos. Às vezes, quando vinte mil pessoas estavam diante demim, eu, em minha apreendo, não tinha uma palavra para dizer a Deus ou aeles. Mas nunca fui totalmente abandonado. Muitas vezes soube por feliz

experiência o sentido das palavras do Senhor quando disse: "Do seu interior correrão rios de água viva." O amplo firmamento acima de mim, o panoramados campos adjacentes, com a visão de milhares e milhares, uns emcarruagens, outros em lombos de cavalos, outros em árvores e, por vezes,todos juntamente emocionados e molhados de lágrimas, havendo ás vezes,como acréscimo a isso tudo, a solenidade da aproximação da noite eraquase demais para mim, e me dominava."

Wesley escreve em seu diário:

"Sábado, 31 (março de 1731). Cheguei de noite a Bristol e encontrei oSr. Whitefield lá. Eu relutava de início em reconciliar-me com esse estranhomodo de pregar nos campos, de que ele me deu um exemplo no domingo,tendo sido toda a minha vida (até muito recentemente) muito obstinado emtodos os pontos relativos à decência e à ordem, a ponto de considerar quaseum pecado salvar almas, a não ser numa igreja."

Tais eram os sentimentos de um homem que mais tarde se tornouum dos maiores pregadores de praça pública que já existiram!

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)  Não me demorarei a descrever o Sr. Whitefield em nosso

logradouro de Kennington entre dezenas de milhares de pessoas, ou emMoorfields bem de manhã, quando os lampiões piscavam como outros

tantos vaga-lumes sobre uma ribanceira relvosa numa noite de verão. Nem mencionarei o número imenso de cenas gloriosas com Wesley eseus mais renomados pregadores. Mas um quadro que mais se aproximadaquilo que alguns de vocês poderão copiar com facilidade, fixou-sefortemente em minha memória. E o exponho diante de vocês afim deque, nos dias vindouros, jamais desprezem o dia das coisas pequenas:

"Wesley chegou a Newcastle na sexta-feira, 28 de maio. Saindo apasseio depois do chá, ficou surpreso e chocado com a grande extensão da

iniqüidade reinante. O alcoolismo e o hábito de praguejar pareciamgeneralizados, e mesmo as bocas das criancinhas estavam cheias deimprecações. De como passou o sábado, não estamos informados. Mas, nodomingo de manhã, às sete, ele e John Taylor se postaram perto da bombad'água, em Sandgate, "a mais pobre e mais vil parte da cidade", ecomeçaram a cantar em dueto o conhecido Salmo 100. Três ou quatropessoas se aproximaram para ver de que se tratava. Logo o número cresceue, antes de Wesley terminar a pregação, seus ouvintes eram de mil e

duzentos a mil e quinhentos. Quando terminou o culto, o povo ficou de bocaaberta, com profundo espanto pelo que dissera Wesley: "Se querem saber quem sou, meu nome é John Wesley. Às cinco da tarde, com a ajuda deDeus, pretendo pregar aqui de novo."

Gloriosas foram aquelas reuniões nos campos e nos terrenos baldios, que duraram todo o longo período em que Wesley e Whitefieldforam bênçãos para a nossa nação. A pregação em campo aberto foi aagreste nota dos pássaros cantando nas árvores em testemunho de que a

verdadeira primavera da religião chegara. As aves em cativeiro podemcantar mais docemente, quem sabe, mas sua música não é tão natural,nem tão seguro sinal da chegada do verão. Abençoado dia aquele em queos metodistas e outros começaram a proclamar Jesus ao ar livre. As

 portas do inferno tremeram, e os cativos do diabo foram libertados àscentenas e aos milhares.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Uma vez recomeçada, a frutífera agência de pregação em campo

aberto não teve permissão para cessar. No meio de multidõesescarnecedoras e de chuvas de ovos podres e de coisas imundas, os

seguidores imediatos dos dois grandes metodistas continuaram atacandovila após vila e cidade após cidade. Suas aventuras foram bem variadas,mas o seu sucesso geralmente foi grande. Quem lê os incidentesocorridos em seus trabalhos, por vezes dá risada. Uma fila de animais decarga é levada a dispersar gente congregada, e uma máquina de

 bombeiros é posta em funcionamento e lançada sobre a multidão com omesmo propósito. Sinetas, chaleiras velhas, longos ossos, machadinhas,cornetas, tambores e bandas de música inteiras foram empregados paraabafar a voz dos pregadores. Num caso, o touro de propriedade coletivafoi solto, e em outros casos cães foram incitados a brigar. Os pregadores

 precisavam ter rostos rijos como pedras, e é o que tinham. John Furz diz:"Logo que comecei a pregar, um homem vejo direto para a frente e

apontou uma arma de fogo ao meu rosto, jurando que estouraria os meusmiolos se eu falasse mais uma palavra. Contudo, continuei falando, e elecontinuou jurando, ás vezes metendo a boca da arma em minha boca, àsvezes contra a minha orelha. Enquanto cantávamos o último hino, ele se pôsatrás de mim, disparou a arma e queimou parte de meu cabelo."

Depois disto, meus irmãos, jamais deveríamos falar de pequenasinterrupções ou aborrecimento. A proximidade de um bacamarte nasmãos de um filho de Belial não favorece muito a reflexão serena e aelocução clara, mas a experiência de Furz certamente não foi pior do quea de John Nelson, que calmamente diz:

"Mas quando eu estava no meio do meu discurso, alguém de fora da

congregação atirou uma pedra, que me feriu a cabeça. Todavia, aquilo fez opovo prestar-me maior atenção, principalmente quando viram o sanguecorrer pelo meu rosto. Assim, tudo ficou tranqüilo até eu terminar e pôr-me acantar um hino."

A vida de Gideon Ouseley, narrada pelo Dr. Arthur, é um dos mais poderosos testemunhos do valor da pregação ao ar livre. Na primeira parte do corrente século, de 1800 a 1830, ele estava na plenitude do seu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vigor, cavalgando através da Irlanda inteira, pregando o evangelho deJesus em todas as cidades. Seu púlpito geralmente era o lombo do seucavalo, e ele e seus coadjutores eram conhecidos como os homens de

gorros pretos, por causa do seu costume de usar barretes. Este ministériocavalariano foi em sua época a causa de um grande avivamento naIrlanda, e incutiu a esperança de mexer com a maldição profundamentearraigada entre os irlandeses – o poder do sacerdócio e a superstição do

 povo. Ouseley mostrou em todas as ocasiões muita sagacidade e umtoque de humorismo com bom senso. Daí, geralmente pregava em frenteda vitrina do farmacêutico, porque a turba seria o menos liberal possívelcom suas pedras, ou, em segundo lugar, procurava ter atrás de si aresidência de um respeitável católico romano, pela mesma razão.

Seu sermão pregado na escadaria de pedra do edifício do mercadode Enniscorthy foi um belo espécime do seu habilidoso método deenfrentar uma excitada chusma de irlandeses. Darei boa extensão deleaqui, para que vocês saibam como agir se alguma vez forem colocadosem circunstâncias semelhantes:

"Ele tomou posição, tirou o chapéu, pôs o seu gorro de veludo preto e,

depois de alguns momentos passados em oração silenciosa, começou acantar. O povo começou a reunir-se ao redor dele e, durante o cântico dealgumas estrofes, esteve quieto e aparentemente atento, mas logo começoua ficar inquieto e barulhento. Então ele começou a orar, e por breve temposeguiu-se a calma. Mas logo, conforme aumentava a multidão, esta foificando intranqüila, turbulenta mesmo. Ele concluiu a oração e começou apregar. Mas evidentemente os presentes não estavam dispostos a ouvi-lo.Antes de pronunciar muitas sentenças, mísseis começaram a voar – aprincípio não de tipo muito destrutivo; eram refugos legumes, batatas, nabos,etc. Pouco depois, porém, foram atirados materiais mais duros – cacos detijolos e pedras alguns dos quais o atingiram e lhe infligiram ferimentosleves. Ele parou e, depois de uma pausa, bradou: "Caros rapazes, que hácom vocês hoje? Não querem deixar um velho falar-lhes um pouco?" "Nãoqueremos ouvir nem uma palavra saída da sua cabeça velha", foi a prontaresposta de alguém da multidão. "Mas o que quero dizer-lhes, acho quegostariam de escutar." "Não; não vamos gostar de nada que você possa

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)falar-nos." "Como sabem? Quero contar-lhes uma história sobre alguém quevocês dizem que respeitam e amam." "Quem é?" "A bendita virgem." "Oh, eque você sabe sobre a bendita virgem?" "Mais do que vocês pensam. Estoucerto de que o que vou dizer-lhes lhes agradará, se tão-somente me

escutarem." "Vamos lá, então, disse outra voz, ouçamos o que ele tem paradizer acerca da santa mãe.

"Aí houve calma, e o missionário começou: Era um vez um jovem par de noivos de uma cidadezinha chamada Caná. Ficava naquela região ondeo nosso bendito Salvador passou grande parte de Sua vida entre nós. Eaquelas pessoas decentes cujos filhos iam casar-se acharam de bom alvitreconvidar a bendita virgem para a festa de núpcias, e também a seu benditoFilho e alguns dos Seus discípulos. E todos eles acharam que ficava bem

comparecer. Quando estavam à mesa, a virgem mãe julgou notar que ovinho providenciado para o banquete começava a escassear, e a preocupoua idéia de que o bom casal de jovens ia passar vergonha diante dos seusamigos. Por isso ela sussurrou ao seu bendito Filho: "Eles não têm vinho.""Não se preocupe com isso, madame", disse Ele. E um ou dois minutosdepois, ela, sabendo bem o que estava no bom coração dEle, disse a umdos criados que estava passando por trás deles: "Faça tudo o que ele lhedisser." Conseguintemente, logo depois, o nosso bendito Senhor disse aoutro deles – suponho que fizeram passar a palavra entre eles: "Encham

d'água as talhas." (Havia seis destas num canto da sala, e cada uma delaslevava quase três galões, pois o povo daquela região usava muita águadiariamente.) E, lembrando-se das palavras da virgem santa, fizeram o queEle mandou, voltaram, e disseram: "Cavalheiro, as talhas estão cheias atéas bordas." "Agora, levem um pouco ao mestre-sala, que está à cabeceirada mesa", disse Ele. Eles o fizeram. O mestre-sala o provou, e eis aí, vejamsó! Era vinho, e ainda o melhor vinho. Havia bastante dele para a festa; sim,e talvez algum tenha sido deixado para o jovem casal que estava montando

casa."Em tudo isso, vocês vêem, os criados acataram o conselho da benditavirgem, e fizeram o que ela lhes ordenou. Ora, se ela estivesse entre noshoje, daria o mesmo conselho a cada um de nós: "Faça tudo o que Ele lhedisser", e com boa razão o diria, pois ela bem sabe que não há nada senãoamor por nós em Seu coração, e nada senão sabedoria provém dos Seuslábios. E agora lhes direi algumas coisas que Ele nos fala. Diz Ele: "Esforçai-

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarãoentrar e não poderão."

"E de imediato o pregador, abreviadamente, mas com clareza eenergia, expôs a natureza da porta da vida, sua estreiteza, e a tremenda

necessidade do homem esforçar-se para passar por ela, concluindo com oconselho da virgem: "Faça tudo o que Ele lhe disser." De semelhante modoele explicou e incutiu em seus ouvintes algumas outras contundentespalavras do nosso divino Senhor: "Quem não nascer da água e do Espírito,não pode entrar no reino de Deus"; e: "Se alguém quer vir após mim, a simesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" – reforçando a suaexortação, em cada exemplo, com o conselho dado pela virgem aos criadosde Caná. "Mas não, rompeu ele afinal, não; com todo o amor e reverência

que vocês pretendem ter pela bendita virgem, não querem seguir o seuconselho, mas estão muito dispostos a dar ouvidos a qualquer mestre-escolabeberrão que os seduzirá e os levará a um bar, e meterá males einiqüidades em suas cabeças." Aqui ele foi interrompido por uma voz queparecia ser de um ancião, exclamando: "Você está certo; está certo. Sepassou a vida toda falando mentiras, o que está dizendo agora é a verdade."E assim o pregador conseguiu chegar ao fim do seu discurso com muito bomefeito."

A historia do   Primitivo Metodismo podia ser incorporadasubstancialmente aqui, como parte do nosso esboço da pregação ao ar livre, pois aquele maravilhoso movimento missionário deveu o seusurgimento e o seu progresso a esse instrumento de ação. É, todavia, umasingular reprodução dos acontecimentos dados no primeiro período dometodismo de oitenta ou noventa anos atrás. Os wesleyanos tornaram-serespeitáveis, e foi a época em que o fogo antigo precisou arder no meiode outra classe de homens. Se Wesley estivesse vivo, ter-se-ia gloriado

nos pobres mas bravos pregadores que arriscavam a vida para proclamar a mensagem do amor eterno entre os depravados, e os teria chefiado nacruzada que empreenderam. Fosse como fosse, outros líderes seapresentaram, e em pouco tempo o zelo deles impeliu uma hoste defervorosas testemunhas que não podiam ser intimidadas por turmasdesordeiras, nem pelos magistrados, nem pelo clero. Tampouco podiamter o seu ânimo esfriado pelos "gentis" irmãos cujo senhorio eles

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)atacavam tão terrivelmente. Então apareceram em abundancia as velhasarmas. Produtos agrícolas em todos os estágios de decomposição

  premiavam os zelosos apóstolos nabos e batatas foram os primeiros

  pratos, logo seguidos de ovos podres, em quantidade extraordinária,sendo que temos notado que freqüentemente estes últimos eram ovos de

 ganso, escolhidos, supomos, por seu tamanho. Um balde de alcatrão dehulha estava geralmente de prontidão; sujeira tirada dos bebedouros doscavalos vinha também, e isso tudo ao som de assobios agudos, cornetas etambores de sentinelas. Barris de cerveja eram providenciados pelosdefensores de "igreja e reí", para refrigério dos atacantes ortodoxos,enquanto que tanto os pregadores como os seus discípulos eram tratadoscom tal brutalidade que despertavam compaixão até no coração deadversários.

Tudo isso era, felizmente, uma violação da leí, mas os poderosos,descompromissados, fingiam que não viam os transgressores, e seesforçavam para intimidar o pregador e silenciá-lo. Por amor a Cristo,alegravam-se por serem tratados como vadios e vagabundos, e o Senhor os revestiu de grande honra. Conseguiam-se discípulos, e os

  perturbadores se multiplicavam, Até um período bem recente, essesdevotados irmãos foram combatidos com violência, mas a sua jubilosaexperiência os levou a perseverarem em seus hábitos de cantar pelasruas, de reunir-se ao ar livre, e de outras irregularidades. Benditasirregularidades, pelas quais centenas de extraviados foram encontrados econduzidos ao aprisco de Jesus.

 Não me dá o tempo para ilustrar o assunto com descrições da obra

de Christmas Evans e de outros em Gales, ou dos Haldanes na Escócia,ou ainda de Rowland Hill e seus irmãos espirituais na Inglaterra. Sequiserem desenvolver o tema, esses nomes poderão servir de sugestões

 para o descobrimento de materiais abundantes. E posso acrescentar àlista The Life of Dr. Guthrie, em que ele registra notáveis reuniões ao ar livre, na época do rompimento, quando a Igreja Livre ainda não tinhalocais de culto construídos por mãos humanas.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Devo deter-me um momento quanto a Roberto Flockhart de

Edimburgo. Embora luz menor, foi uma luz constante, e bom exemplode toda a massa de testemunhas de Cristo nas ruas. Todas as noites, com

qualquer tempo e no meio de muitas perseguições, este bravo  permaneceu falando nas ruas durante quarenta e três anos. Pensemnisso, e jamais ficarão desalentados. Quando estava prestes a tombar nasepultura, o velho soldado ainda estava no seu posto. "A paixão pelasalmas", disse ele, "levou-me às ruas e vielas da minha cidade natal, paraargumentar com os pecadores e persuadi-los a virem a Jesus. O amor deCristo me constrangeu." Nem a hostilidade da polícia, nem os insultosdos papistas, dos unitários e de outros que tais, puderam demovê-lo. Elecensurava o erro com os mais claros termos, e pregava com todo o seu

  poder a salvação pela graça. Seu pensamento é tão recente queEdimburgo ainda se lembra dele. Há lugar para tal coisa em todas ascidades e povoações; há necessidade de centenas de obreiros de suanobre estirpe nesta enorme nação de Londres – posso dar-lhe títulomenor?

 Na América, homens como Peter Cartwright, Lorenzo Dow, Jacob

Gluber e outros da geração passada, mantiveram uma gloriosa guerra acéu aberto à sua maneira original. E em época mais recente, o amadoTaylor deu-nos outra prova do imensurável poder deste modo deempreender cruzadas, em sua obra Seven Years of Street Preaching in

San Francisco, California (Sete Anos de Pregação nas Ruas de SãoFrancisco). Conquanto duramente tentado a fazê-lo, vou abster-me destavez de fazer extratos daquela obra deveras notável.

As reuniões em acampamentos são uma espécie de pregaçãocampal associada, e se institucionalizaram nos Estados Unidos, ondetudo tem que ser feito em grande escala. Isto me levaria a outro assunto.Portanto, simplesmente lhes propiciarei um vislumbre desse meio útil, edepois pararei. A seguinte descrição das primeiras reuniões emacampamentos na América é da pena do autor de uma   Narrative of

Mission to Nova Scotia (Narrativa de uma Missão na Nova Escócia):

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)"As barracas geralmente são armadas em forma de crescente, em cujo

centro está uma plataforma para os pregadores. À volta desta, em todas asdireções, são colocadas fileiras de pranchas de madeira para as pessoas sesentarem e ouvirem a Palavra. Entre as árvores, que estendem suas copas

sobre esta igreja no bosque, foram pendurados lampiões, que ardem a noiteinteira e fornecem luz para os vários exercícios religiosos que ocupam assolenes horas da noite alta.

"Eram quase vinte três horas quando cheguei pela primeira vez ámargem do acampamento. Deixei meu barco na beira da mata, a uma milhada cena. E quando dei com o terreno do acampamento, minha curiosidadeconverteu-se em espanto, ao contemplar os lampiões pendentes por entreas árvores; as barracas ocupando em semi-círculo um amplo espaço; quatro

mil pessoas no centro deste, ouvindo com profunda atenção o pregador, cujaaltíssima voz e animada maneira levavam a vibração de cada palavra àgrande distância, através da floresta profundamente umbrosa onde, salvo astremeluzentes luzes do acampamento, as trevas cobriam tudo e espalhavamsombras decuplicadas. Tudo incitava a minha admiração e forçosamente mefazia lembrar os hebreus no deserto. As reuniões em geral começavamsegunda-feira de manhã, encerrando-se na manhã da sexta-feira seguinte.Os trabalhos diários do efetuados da seguinte maneira: de manhã, às cincohoras, soa no acampamento a corneta chamando para a pregação ou para a

oração. Isto, com exercícios similares, ou com um breve intervalo, leva até àhora do desjejum, às oito horas. Às dez soa a corneta para a pregaçãopública, depois da qual, até o meio-dia preenche-se o intervalo compequenos grupos de oração, que se espalham por todo o acampamento,para um lado e outro, nas barracas e debaixo das árvores. Depois doalmoço, toca a corneta às catorze horas; é para pregação.

"Eu devia ter anotado que, geralmente, uma ou duas mulheres ficamem cada barraca, encarregadas de preparar as coisas para as refeições.

Mantêm-se fogo aceso em diferentes partes do acampamento, onde se ferveágua para o chá, sendo proibido o uso de bebidas alcoólicas. Depois dapregação da tarde, as coisas seguem quase o mesmo curso seguido demanhã, só que os grupos de oração são em maior escala, e se dá maior amplitude às exortações vigorosas e às orações em voz alta. Alguns querealizam os trabalhos nestas ocasiões, logo perdem a voz e, no fim dareunião no acampamento, muitos dos pregadores e dos demais participantessó conseguem falar cochichando. Às dezoito horas, a corneta convoca para

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)a pregação, após o que, embora não de modo regular, todos os passosacima descritos continuam até adentrar a noite. Sim; e durante qualquer parte da noite em que você se desperte, vozes de louvor ressoam no ermo."

Se reuniões como essas poderiam ser feitas em nosso país, sob  prudente administração, não posso decidir. É questão que me toca, porém, como digna de consideração se, em alguns terrenos espaçososnão se poderiam realizar serviços espirituais no verão, digamos por umasemana cada vez, dirigidos por ministros que se sucedessem uns aosoutros na proclamação do evangelho sob as árvores. Sermões e reuniõesde oração, discursos e hinos, podiam seguir-se uns aos outros em sábia

sucessão. Talvez milhares pudessem ser induzidos a reunir-se para prestar culto a Deus, entre os quais poderiam estar vintenas e centenas de pessoas que nunca entram em nossos santuários regulares. Não somentealgo precisa ser feito para evangelizar os milhões, mas tudo precisa ser feito, e talvez, em meio à variedade de esforços, a coisa melhor venha aser descoberta. "Com o fim de, por todos os modos, salvar alguns", deveser o nosso moto. E isto deve estimular-nos a irmos adiante, pelas

estradas e encruzilhadas, e a compeli-los a entrar.Irmãos, falo como a sábios. Ponderem o que digo.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)PREGAÇÃO AO AR LIVRE – NOTAS ADICIONAIS

Temo que em algumas das nossas igrejas rurais menos esclarecidas

haja alguns indivíduos conservadores que quase crêem que pregar emqualquer lugar que não seja templo ou capela seria uma inovaçãochocante, traço seguro de tendências heréticas, e sinal de zelo semconhecimento. Qualquer jovem colega que cuide da sua comodidadeentre eles não deve sugerir nada tão irregular como um sermão fora dasmuralhas da sua Sião. Dos velhos tempos se nos diz: "Grita na rua asabedoria, nas praças levanta a sua voz; do alto dos muros clama, àentrada das portas e nas cidades profere as suas palavras"; mas os sábiosda ortodoxia manteriam a sabedoria amordaçada, exceto sob o teto deum edifício licenciado. Essas pessoas crêem num Novo Testamento quediz: "Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as

 bodas a quantos encontrardes", e, contudo, não apreciam a obediêncialiteral a essa ordem. Imaginariam eles que uma bênção especial resultade sentar-se num certo banco de madeira, como que em dura sela – umainvenção de desconforto que de há muito devia ter feito o povo preferir 

cultuar a Deus fora, sobre os verdes gramados? Suporiam que a graça pode ser obtida por boa acústica ou pode ser conseguida das almofadasdos púlpitos como a poesia? Estariam enamorados do mau ar e daatmosfera sufocante de alguns dos nossos locais de reunião que ostornam quase repugnantes ao nariz e aos pulmões, como os locais emque os papistas fazem as suas missas, impregnados de incenso barato egrosseiro?

Replicar a esses oponentes é tarefa que não nos anima. Preferimosadversários dignos do aço que usamos neles, mas esses aí mal merecemuma ligeira observação. O preconceito deles dá vontade de rir. Mastalvez tenhamos que chorar por causa disso, se permitirmos que selevante no caminho dos bons meios empregados.

A pregação ao ar livre não precisa de defesa de nenhuma espécie.Mas seriam necessários argumentos muito poderosos para provar que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)aquele que nunca pregou fora das paredes do seu local de reuniõescumpriu o seu dever. Requer-se maior defesa dos serviços religiososrealizados no interior de edifícios, do que dos cultos feitos fora deles.

Certamente precisariam de escusas os arquitetos que empilham pedra etijolo até os céus quando há tanta necessidade de salões para a pregaçãoentre os pobres pecadores cá embaixo. O que necessita enormemente dedefesa são as florestas de colunas de pedra, que impedem ver o pregador e ouvir-lhe a voz; os tetos góticos, altíssimos, nos quais todo o som se

 perde, e os homens se matam, forçados a gritar até rebentarem seusvasos sanguíneos; e também requer defesa a produção de ecos pelaexposição de superfícies duras e refratárias, que repelem o som, parasatisfazer as exigências da arte em detrimento da conveniência dosouvintes e do orador.

Certamente se exige também, mal e mal, alguma desculpa decente para aquela gente infantil que sente necessidade de desperdiçar dinheirocom a colocação de assombrações e monstros nas partes externas dassuas casas de culto, e precisa ter outras ridículas peças do papado nelasfixadas, por dentro e por fora, para desfigurar em vez de adornar as suas

igrejas e capelas. Não há, porém, necessidade de nenhum tipo de defesa para o vastíssimo auditório do Pai celeste, em todos os aspectos muito  bem apropriado para a proclamação do evangelho – tão livre, tãocompleto, tão expansivo, tão sublime! A realização habitual de reuniõesreligiosas em recintos cobertos pode-se desculpar na Inglaterra porque onosso clima é execravelmente mau. Mas bem que esse hábito pode ser interrompido quando o tempo está bom e firme, e se podem obter espaço

e tranqüilidade. Não somos como o povo da Palestina que pode fazer   previsão do tempo e não está correndo toda hora o risco de umachuvarada. Mas se nos encontramos   sub Jove – sob Júpiter – comodizem os latinos, devemos esperar que o Jove da hora seja o  Jupiter 

 pluvius – Júpiter chuvoso. Sempre podemos ter um dilúvio quandomenos o desejamos, mas se marcarmos um culto ao ar livre no domingo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)que vem, de manhã, não temos nenhuma garantia de que não ficaremosmolhados até os ossos.

É verdade que alguns sermões notáveis foram pregados na chuva,

mas como regra geral o ardor dos ouvintes raramente é bastante grande  para suportar aguaceiros. Além disso, o frio dos nossos invernos éintenso demais para permitir serviços religiosos a campo aberto duranteo ano todo, embora na Escócia tenham-me falado de sermões pregadosem plena chuva e neve; e John Nelson escreve que falou a "umamultidão demasiado grande para ficar dentro de casa, embora estivesseescuro e nevasse."

Essas coisas podem ser feitas de vez em quando, mas as exceçõessomente confirmam a regra. Convém reconhecer também que, quando as

 pessoas se reúnem entre paredes, se a casa for tão conveniente que nãose poderia conseguir prontamente mais pessoas como ouvintes, e seestiver sempre repleta, não há por que ir para fora e pregar a menor número de pessoas do que as que estariam dentro. Pois, consideradastodas as coisas, um assento confortável e protegido do tempo, bem comodo barulho e da interferência alheia, é útil para a pessoa ouvir o

evangelho com solenidade e tranqüila reflexão. Um edifício bemventilado e bem administrado é vantajoso, se as multidões podem ficar 

 bem acomodadas e ser induzidas a comparecer. Mas estas condiçõesraramente se encontram, pelo que meu voto é a favor dos camposabertos.

O grande beneficio da pregação ao ar livre é que consegue muitos

novos freqüentadores para ouvir o evangelho – que doutro modo jamais

o ouviriam. A ordem do evangelho é: "Ide por todo o mundo e pregai oevangelho a toda criatura", mas é tão pouco obedecida, que se podeimaginar que seus termos do: "Ide ao vosso próprio local de culto e

 pregai o evangelho às poucas criaturas que entrarão ali.""Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as

  bodas a quantas encontrardes." Embora isto constitua parte de uma  parábola, merece ser tomado literalmente e, fazendo assim, o seu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)significado será captado melhor. Devemos de fato ir às ruas, vielas eestradas, pois existem elementos furtivos nas valetas, vagabundos nasestradas, gente da rua e das vielas, que jamais atingiremos se não os

 procurarmos em seus próprios domínios. Os caçadores não devem ficar   parados em casa esperando que as aves venham, e então alvejá-las.Tampouco devem os pescadores atirar as redes dentro dos seus barcos eesperar apanhar assim muitos peixes. Os negociantes vão aos mercados,vão atrás dos seus fregueses e saem à procura de negócios, se estes nãovêm a eles. Assim deve ser conosco.

Alguns dos nossos irmãos ficam palrando sem parar a bancosvazios e a genuflexórios mofados, quando poderiam estar transmitindoduradouro beneficio a centenas, se deixassem por um pouco as velhas

 paredes e procurassem pedras vivas para Jesus. Oxalá saiam de Reobotee achem lugar na esquina da rua. Oxalá deixem Salém e procurem paz

 para as almas negligenciadas. Oxalá deixem de sonhar em Betel, masfaçam com que um espaço aberto não seja outra coisa que a casa deDeus. Oxalá desçam do Monte Sião, subam de Enom, e até mesmo seretirem das igrejas da Trindade, de Santo Agnes, de São Miguel e Todos

os Anjos, de Santa Margarida das Patenas, de São Vedasto, de SantaEtelburga e de todo o restante delas, e tratem de encontrar novos santosentre os pecadores que estão perecendo por falta de conhecimento.

Sei de pregações nas ruas de Londres notavelmente abençoadas  para pessoas cujo caráter e condição impediriam totalmente que seachassem num local de culto. Sei, por exemplo, de um amigo judeu que,ao vir da Polônia, não entendia nada do idioma inglês. Caminhando pelas

ruas no domingo, notou numerosos grupos que ouviam a zelosos pregadores. Ele nunca tinha visto coisa igual em seu país, onde a políciarussa ficaria alarmada se se vissem grupos conversando. Portanto, ficouinteressadíssimo. Conforme foi aprendendo um pouco de inglês, foi-setornando mais e mais constante em seu comparecimento para ouvir osoradores de rua. Na verdade, de inicio fazia isso em grande parte movido

 pelo interesse em aprender a língua. Receio que o inglês que aprendeu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)não foi do melhor, juízo que formo tanto do que tenho ouvido da oratóriaao ar livre, como do que ouvi do nosso amigo judeu, cuja teologia ésuperior ao seu inglês. Contudo, aquele "verdadeiro israelita" sempre

tem razão ao recomendar os pregadores de rua.Somos incapazes de calcular quantos outros estrangeiros eforasteiros podem ter-se tornado concidadãos dos santos e membros dafamília de Deus, pela mesma instrumentalidade. Os romanistas tambémsão atingidos por este método com mais freqüência do que algunssuporiam. Poucas vezes é sensato publicar casos de conversão de

 papistas, mas a minha observação pessoal leva-me a crer que são muitomais comuns do que há dez anos, e a obra da graça geralmente começacom o que se ouve do evangelho nas esquinas de nossas ruas. Os infleisconstantemente se rendem à Palavra do Senhor, assim recuperada paraeles. Demais, o evangelista de rua atrai a atenção daquelas pessoasexcêntricas cuja religião não se pode descrever nem imaginar. Essas

 pessoas odeiam até olhar as nossas igrejas e os nossos locais de reunião,mas ficam no meio de uma multidão para ouvir o que se fala e, muitasvezes, os que mais dão a aparência de que são hostis são os que ficam

mais impressionados com a mensagem.Além disso, há numerosas pessoas nas grandes cidades que não

 possuem roupas próprias para o culto, de acordo com a idéia corrente deque roupas deveriam ser. E não poucas pessoas há que, elas mesmas,como também suas vestimentas, são tão sujas, tão mal-cheirosas, tãorepelentes, que o maior filantropo e o democrata mais igualitáriodesejariam ter algum espaço entre si e aquelas "airosas" personalidades.

Há outros que, seja qual for o tipo de vestes que usam, não entrariamnuma capela por nenhuma consideração, pois acham que é uma espéciede castigo assistir a um culto. Possivelmente recordam os aborrecidosdomingos da sua infância e os áridos sermões que ouviram nas poucasvezes que entraram numa igreja. Mas o certo é que olham para as

 pessoas que freqüentam locais de culto como se vissem nelas gente quese livra da punição que deveria sofrer no mundo por vir, padecendo-a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)neste mundo em lugar daquele. O jornal de domingo, o cachimbo e a

 panela os encantam mais do que todas as arengas de bispos e outrosclérigos, quer da igreja estabelecida, quer dos dissidentes.

O evangelista de praça pública muitas vezes cativa esses membrosdo partido do "Nada de Igreja" e, ao fazê-lo, freqüentemente achaalgumas das mais ricas gemas que no final adornarão a coroa doRedentor; jóias que, em razão de sua rusticidade, podem passar sem ser notadas por uma classe mais enfadonha de conquistadores de almas. Nasruas de Nínive, Jonas foi ouvido por multidões que jamais teriam sabidoda sua existência, se ele tivesse alugado um salão. João Batista, junto aoJordão, despertou um interesse que nunca teria surgido, se ele se tivesserestringido à sinagoga. E aqueles que foram de cidade em cidade

 proclamando por toda parte a Palavra do Senhor Jesus, nunca teriamtranstornado o mundo se tivessem achado necessário limitar-se a salasférreas adornadas com o aviso ortodoxo: "O evangelho da graça de Deusserá pregado aqui, no próximo domingo à norte, se Deus quiser."

Estou inteiramente seguro também de que, se pudéssemos persuadir os nossos amigos da zona rural a saírem um bom número de vezes por 

ano para fazer culto numa campina, ou à sombra de um bosque, ou naencosta de uma colina, ou num jardim, ou num lugar público qualquer,

 seria a melhor coisa para os ouvintes habituais. A simples novidade dolugar renovaria o seu interesse e os despertaria. A ligeira mudança decenário exerceria maravilhoso efeito sobre o mais sonolento. Observemquão mecanicamente eles se dirigem ao seu lugar de culto costumeiro, equão mecanicamente se retiram de lá. Caem nos seus bancos como se

tivessem achado afinal um lugar de repouso. Levantam-se comespantoso esforço, para cantar, e se deixam cair antes que você tenhatempo para uma doxologia no final do hino, porque nem notaram que elavinha a caminho. Como são molengas alguns ouvintes habituais! Muitosdormem de olhos abertos. Depois de sentar-se certo número de anos nolugar de sempre, onde os bancos, o púlpito, as galerias e todas as demaiscoisas são sempre as mesmas, exceto que ficam um pouco mais sujas e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)manchadas cada semana, onde toda gente ocupa a mesma posiçãosempre e para sempre, e o rosto, a voz e a entonação do ministro são asmesmíssimas de janeiro a dezembro você se põe a sentir a santa quietude

da cena e a ouvir a que ela conduz, como se isso tudo se dirigisse ao"embotado e frio ouvido da morte." Como o moleiro ouve as rodas doseu moinho como se não as ouvisse; ou como o foguista mal nota o

 barulho da sua máquina depois de suportá-lo por algum tempo; ou comoum habitante de Londres nunca repara no incessante barulho do tráfego,assim, muitos membros de nossas igrejas tornam-se insensíveis aos maisfervorosos sermões e os aceitam como uma coisa natural. A pregação etudo mais chegam a ser tão habituais que bem podiam deixar de existir de uma vez.

Daí, uma mudança de lugar poderia ser útil; poderia impedir amonotonia, sacudir a indiferença, sugerir reflexões, e de mil modos

 poderia chamar a atenção e dar nova esperança de boas realizações. Umgrande incêndio que consumisse totalmente algumas das nossas capelasnão seria a maior calamidade ocorrida, se tão-somente fizesse levantar alguns dos rivais dos sete dorminhocos de Éfeso, que nunca se moverão

enquanto o velho templo e os velhos bancos estiverem juntos. Ademais,o ar fresco, e este com fartura, é uma grande coisa para todo mortal – homem, mulher e criança.

Preguei na Escócia duas vezes num domingo em Blairmore, numa pequena elevação na costa marítima. Depois de discursar com todas asminhas forças a multidões de ouvintes que somavam milhares, não sentinem a metade do cansaço que muitas vezes sinto quando me dirijo a

algumas centenas de pessoas num buraco escuro e horrível de Calcutá, aque dão o nome de capela. Relaciono o meu vigor e a ausência de fadigaem Blairmore ao fato de não haver ali janelas que pudessem ser fechadas

 por pessoas que têm medo de correntes de ar, e ao fato de o teto ser daaltura dos céus. Minha convicção é que um homem pode pregar três ouquatro vezes ao ar livre no domingo com menor fadiga do que aocasionada por um discurso feito numa atmosfera impura, aquecida e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)envenenada pela respiração humana, em que se veda cuidadosamentetoda infusão renovadora de ar natural.

As tendas são ruins – indescritivelmente ruins. Muito piores do que

os piores edifícios. Acho que a tenda é a mais objetável cobertura paraum local de culto que já se inventou. Alegra-me ver tendas empregadasem Londres, pois o pior lugar é melhor do que nenhum, e porque elas

 podem ser transferidas facilmente de um lugar para outro, e não sa muitocaras. Mas, ainda assim, se me fosse dado escolher entre não ter nada eter uma tenda, preferiria muitíssimo o ar livre. Sob a lona a voz éamortecida, e o esforço para falar aumenta grandemente. O material agequal manta molhada para a voz, mata a sua ressonância e impede a suatrajetória. Com temerário esforço, no opressivo ar gerado numa tenda, émais provável que o pregador seja morto do que ouvido.

Vocês devem ten notado mesmo em nossas reuniões na EscolaBíblica, quando somos apenas uns duzentos, como é difícil ouvir doextremo de uma tenda, ainda quando os lados são abertos e o ar é puro.Talvez possam nessas ocasiões atribuir o fato em certa medida à falta deatenção e de silêncio da parte dessa congregação um tanto eufórica.

Entretanto, mesmo quando se eleva oração e todos estão calados, tenhoobservado grande falta de poder de alcance na melhor voz debaixo deuma grande tenda.

Se forem pregar ao ar livre no campo, talvez possam escolher o

melhor ponto em que pregar . Se não, naturalmente, usarão o queconseguirem, e deverão com fé aceitá-lo como o melhor. A escolha deHobson* – este ou nenhum – simplifica a questão e evita muita contenda.

 Não sejam exigentes demais. Se for o caso de existir um bosque perto dotemplo da sua igreja, escolham-no, porque será muito conveniente paravoltar para dentro do salão de reuniões se o tempo não for favorável, ouse quiserem fazer uma reunião de oração depois do sermão. É bom

 pregar antes dos trabalhos regulares num ponto qualquer perto do local

* Um certo Hobson, de Cambridge, alugava cavalos, mas o freguês tinha que utilizar-se do cavalomais próximo da porta na ocasião – ou não levava nenhum. Nota do tradutor.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de culto, de modo que se possa fazer o povo ir direto para dentro doedifício antes de saber o que vai acontecer. Meia hora de pregação e decânticos ao ar livre antes da hora regular de reunião, com freqüência

servirá para encher uma casa vazia. Ao mesmo tempo, nem sempre seapeguem a pontos próximos e acessíveis, mas escolham uma localização por uma razão exatamente oposta, justamente por estar longe de qualquer local de culto e negligenciada por completo. Pendurem lampiões ondequer que haja um recanto obscuro; quanto mais escuro, mais luz énecessária. Paradise Row (Passeio do Paraíso) e Pleasant Place (LocalAprazível) são geralmente os lugares menos paradisíacos e menosaprazíveis. Para lá volvam os seus passos. Vejam que os habitantes dovale da sombra da morte percebam que surgiu a luz para eles.

Algures encontrei a recomendação para que se pregue sempre comum muro atrás. Contra isso, porém, dou meu aparte. Tenham cuidadocom o que possa haver do outro lado do muro. Um evangelista recebeuuma lata de água fervendo do alto de um muro, acompanhada destaamável observação: "Aí vai sopa para os protestantes!" Outro foifavorecido com sujeiras as mais detestáveis despejadas de uma vasilha,

de cima. Gideon Ouseley começou a pregar em Roscommon de costas para uma parede triangular de uma indústria beneficiadora de tabaco.Havia ali uma janela com uma porta de madeira, pela qual a mercadoriaera içada para o balcão interior. É para espantar, mas a janela abriu-se derepente, e dela baixou um balde cheio de água de tabaco – um líquido

 pegajoso, dolorosíssimo nos olhos! Nos anos posteriores, o pregadorsoube fazer melhor do que postar-se em tão tentadora posição. Que a

experiência dele nos instrua.Se me coubesse escolher um declive para pregar, preferiria ficar emfrente de um terreno em aclive, ou num espaço aberto circundado aalguma distância por um muro. Claro que é preciso espaço suficiente

 para permitir que os ouvintes se reúnam entre o púlpito e aquilo quecerca o terreno em frente, mas eu gosto de ver um limite, e não de atirar no espaço ilimitado. Não conheço mais belo lugar para um sermão do

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)que os terrenos do meu amigo Duncan, em Benmore. Era um extenso e

 plano prado à frente de terraços em elevação, cobertos de abetos. As pessoas podiam ocupar os assentos embaixo, ou acomodar-se nos bancos

de relva, comportando-se melhor por estarem bem acomodadas. E assimeu tinha parte dos meus ouvintes nas galerias em aclive acima de mim, eos restantes na área que me circundava. Minha voz subia semdificuldade, e imagino que, se o povo estivesse sentado colina acima atéuma distância de meia milha, poderia ouvir-me facilmente. Suponho queo local favorito de Wesley em Gwennap Pit deve ter sido algo da mesmaordem. Os anfiteatros e as encostas de morros são sempre os pontosfavoritos dos pregadores nos campos, e vocês verão na ocasião as suasvantagens.

Uma vez o meu amigo Abraão construiu uma grande catedral emOxfordshire. O que resta dela ainda é chamado "Tabernáculo deSpurgeon", e pode ser visto nas proximidades de Minster Lovell, naforma de um quadrilátero de carvalhos. Originalmente era o beau ideal – a excelência ideal – de um local de pregação, pois era uma clareira naespessa floresta de Witchwood, e era alcançada por estradas abertas

através do mato secundário. Jamais esquecerei aquelas "verdes aléias" eas verdejantes cercas vivas que as encerravam. Chegando à parte internado templo, via-se que ela consistia de uma grande quadra, da qual a mata

 baixa e as árvores menores tinham sido cortadas, ao passo que deixaramum número suficiente de carvalhos novos crescerem até considerávelaltura, os quais faziam sombra sobre nós com os seus ramos. Ali estavauma catedral verdadeiramente magnífica, com arcos e colunas. Um

templo não feito por mãos, do qual realmente se poderia dizer:"Pai, Tua mão ergueu estas colunas veneráveis, e deste verdeteto foste o Tecelão."

Jamais vi, tanto em meu país como no continente, uma arquiteturaque rivalizasse com a minha catedral. "Eis que o ouvimos em Efrata: nóso encontramos nas clareiras do bosque." O firmamento azul era visívelatravés da nossa clarabóia, e da grande janela da extremidade o sol nos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)sorria na chegada da noite. Senhores, era de fato grandioso prestar cultoassim, sob a abóbada celeste, distante dos sons do matraquear da cidade,e onde tudo em derredor favorecia a silente comunhão com Deus.

Aquele local foi desfeito, e agora o local de nossas reuniões foiescolhido à pequena distância dali. Suas características são quaseidênticas, só que os meus muros de vegetação florestal para delimitaçãodesapareceram para dar lugar a uma extensão aberta de camposcultivados. Somente permanecem as colunas e o teto do meu templo,mas ainda estou alegre como os druidas, por cultuar entre carvalhais.Este ano uma pomba construiu o seu ninho justamente acima da minhacabeça, e continuou voando para lá e para cá a fim de alimentar osfilhotes, enquanto prosseguia o sermão. Por que não? Onde ela haveriade sentir-se mais à vontade do que no lugar em que o Deus de amor ePríncipe da Paz é adorado? É verdade que a minha catedral, provida dearcos, não é à prova d'água, e outras chuvas, além das chuvas de bênçãosda graça divina, descerão sobre o povo congregado. Mas isso tem suasvantagens, pois nos torna mais agradecidos quando o dia é propicio, e a

 própria precariedade do tempo provoca grande quantidade de orações

fervorosas.Certa vez preguei um sermão ao ar livre no tempo da colheita,

durante uma violenta tempestade de chuva. O texto era: "Ele descerásobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra", e o certoé que tivemos a bênção, juntamente com a inconveniência. Eu fiquei

  bastante molhado e os meus ouvintes ficaram ensopados, mas permaneceram ali. Nunca ouvi dizer que algum deles ficasse pior de

saúde, embora, graças a Deus, tenha ouvido contar que almas foramtrazidas a Jesus sob aquele discurso. Uma vez ou outra, e quando hágrande entusiasmo, tais coisas não fazem dano a ninguém. Mas nãodevemos esperar milagres, nem aventurar-nos desenfreadamente a umcurso de procedimento que possa matar os enfermos e lançar osfundamentos da doença nos fortes.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Recordo bem a pregação feita entre os penhascos de Cheddar. Que

nobre localização! Que beleza e sublimidade! Mas havia perigo decaírem pedras, soltas pelas pessoas sentadas nas partes mais altas do

 penhasco. Por isso, não tornaria a escolher aquele local. Devemos evitar   judiciosamente localizações que possibilitem graves acidentes. Umacabeça machucada não qualifica ninguém para desfrutar as belezas danatureza, ou as consolações da graça. Concluindo um discurso no localacima referido, invoquei aquelas poderosas rochas a darem testemunhode que tinha pregado o evangelho ao povo, e a serem testemunhas contraos meus ouvintes no grande dia final, se rejeitassem a mensagem. Sóoutro dia fiquei sabendo de uma pessoa a quem aquele apelo foi tornadoútil pelo Espírito Santo.

Olhem bem o terreno que escolherem, que não seja barrento. Jamaisgosto de ver um homem escorregar e cair de joelhos na lama quandoestou pregando. Zonas de junco são com freqüência tão macias e verdes,que as escolhemos sem notar que tendem a ficar lodosas, e causar pésencharcados aos nossos ouvintes. Sempre dêem inconveniências a vocêsmesmos, antes que aos seus ouvintes. É como Jesus faria. Mesmo nas

ruas de Londres, a preocupação com a conveniência dos ouvintes é algoque concilia uma multidão mais que qualquer outra coisa.

Evitem como seu pior inimigo a proximidade de álamos da Normandia. Estas árvores fazem perpétuo ruído de silvo e rangido, quasecomo o barulho do mar. Cada uma das folhas de certas espécies deálamo está em permanente movimento, como a língua do tagarela. Podeser que o ruído não pareça muito alto, mas apaga a melhor voz. "O som

de movimento nas copas dos pés de amora" está bem, mas, tratem delivrar-se do barulho dos álamos e de algumas outras árvores, ou sofrerão.Tive penosa experiência com essa coisa irritante. Padecia-me que a velhaserpente silvava para mim daqueles galhos.

Pregadores experimentados cuidam para que o sol não dêdiretamente nos seus rostos. Tampouco desejam que os seus ouvintessejam molestados de igual modo. Portanto, eles tomam este item em

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)consideração quando planejam um culto. Em Londres não vemos esseluzeiro bastantes vezes para ficarmos muito preocupados com este ponto.

  Não tentem pregar contra o vento, pois será uma vá tentativa.

Poderão lançar a voz a uma curta distância com um esforço espantoso,mas não poderão ser bem ouvidos nem sequer por poucas pessoas. Não éfreqüente eu adverti-los a considerarem o lado para o qual o vento sopra,mas nesta ocasião os exorto a fazê-lo, caso contrário trabalharãoinutilmente. Preguem de modo que o vento leve sua voz em direção ao

 povo, em vez de soprá-la de volta à sua garganta, ou terão que engolir suas próprias palavras. Não há como medir quão longe um homem podeser ouvido com o vento a seu favor. Em certas atmosferas e climas, como

 por exemplo nos da Palestina, as pessoas podem ser ouvidas a algumasmilhas de distância. Frases isoladas de um linguajar bem conhecido naInglaterra podem ser reconhecidas bem longe, mas eu tenho sériasdúvidas sobre alguém que diga que compreendeu uma frase nova a maisde uma milha de distância. Consta que Whitefield foi ouvido a umamilha, e me afirmaram que eu mesmo fui ouvido àquela distância, masquanto a isso eu sou um tanto cético. Certamente meia milha basta,

mesmo com a ajuda do vento, mas é preciso de que se assegurem de queserão ouvidos.

 No campo deve ser fácil achar um lugar apropriado para pregar.Uma das primeiras coisas que o ministro deve fazer quando sai da EscolaBíblica, e se estabelece numa cidade ou vila campestre, é começar a falar ao ar livre. Geralmente Não terá dificuldade quanto á localização. A terraestá diante dele, e pode escolher segundo o seu desejo. A praça do

mercado será um bom começo. Depois, a parte da frente de um pátioapinhado de pobres. Em seguida, a esquina favorita dos ociosos da paróquia. Cheap Jack's Stand – O Ponto do Joãozinho Barateiro dará umexcelente púlpito no domingo à noite, durante a feira do povoado, e umacarroça servirá bem, no gramado, ou num campo próximo, nas noites dosdias úteis durante as festas dos camponeses. Ótimo lugar para umdiscurso al fresco é o prado onde os velhos olmos, há muito tempo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)caídos, jazem ainda ali em reserva, como se destinados a servir deassentos para os nossos ouvintes. Assim também é o cemitério das casasde reunião onde "dormem os rudes antepassados da aldeia." Consagrem-

nos aos vivos e deixem que o povo desfrute "Meditações entre osTúmulos." Depois, nada de escusas, e tratem de trabalhar imediatamente.Em Londres, ou em qualquer cidade grande, é uma grande coisa

encontrar um lugar vago onde possam obter o direito de fazer trabalhosreligiosos a seu bel prazer. Se puderem descobrir um lote de terreno livrede construção, e se puderem conseguir do proprietário autorização parausá-lo enquanto ele não o ocupar, será uma grande aquisição, e vale a

 pena fazer o pequeno gasto para cercá-lo, pois o pregador será o reí docastelo e os perturbadores serão invasores. Suponho que não é fácil obter um lugar assim, principalmente para quem não tem dinheiro; mas vale a

 pena pensar nisso. É grande vantagem quando o local de culto tem aindaum pequeno espaço externo, como na capela de Surrey, ou nos degrausdo Tabernáculo; pois ali se está fora da interferência da polícia e dosébrios. Se não contamos com nenhum desses, temos que achar esquinasde ruas, logradouros em triângulo, recantos silenciosos, e amplos

espaços onde proclamar o evangelho. Anos atrás preguei a enormesreuniões na Estrada do Reí Edward, Hackney, que consistia então decampos abertos, mas agora não resta sequer uma jarda disponível.

  Naquelas ocasiões o movimento era perigoso para a vida e para aintegridade física, e inumeráveis eram as multidões. Metade do númerogarantiria maior segurança. Aquele espaço livre desapareceu,acontecendo o mesmo com os campos de Brixton onde, em anos recém-

 passados, era deleitável ver as multidões reunidas ouvindo a Palavra.Sobrecarregado com o extraordinário problema de dirigir tanta gente  junta, fui compelido a abster-me desses trabalhos em Londres, não porém por ter diminuído para mim o senso da sua importância. Com oTabernáculo sempre cheio, tenho em casa tanta gente como desejo e,

 portanto, não prego ao ar livre, exceto na zona rural. Mas para aquelesministros cuja área coberta é pequena, e cujas reuniões de ouvintes são

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) pouco numerosas, o ar livre é o remédio, quer em Londres, quer nas províncias.

 Na promoção de um novo interesse, e nas operações missionárias,

os trabalhos ao ar livre são um dos principais instrumentos. Tratem deconseguir que as pessoas ouçam lá fora para que, mais dia menos dia, prestem culto lá dentro. Púlpito não falta. Uma cadeira pode servir, ou acalçada das vias públicas. Quanto menos formalidade, melhor, e se vocêscomeçarem conversando simplesmente com os dois ou três que osrodeiem, sem pretender sermonar, farão bem. Mais benefícios pode ser feito pela conversação pessoal com um individuo, do que por umdiscurso retórico a cinqüenta.

 Não queiram interferir nas ocupações de toda gente, mas se seacumular a multidão, não se apressem a concluir, de puro medo. Logo a

 polícia lhes fará saber quando devem terminar. Todavia, vocês são muitomais necessários onde não corram o perigo de impedir os passos dostranseuntes, mas vocês mesmos é que estão sujeitos a perigos, Refiro-meàqueles pátios de cortiços e aos becos de nossas grandes cidades que

  jazem fora da rota da decência, e são desconhecidos de toda gente,

menos da polícia; e desta principalmente, devido a desordens eferimentos.

Falam da descoberta do interior da África; precisamos deexploradores para os becos e redutos londrinos. As regiões árticas doquase tão acessíveis como Dobenson's Rents e Jack Ketch's Warren.Heróis da cruz – eis aqui para vocês um campo mais glorioso do que osque El Cid contemplou quando, com sua valorosa destra, bateu os

exércitos de Paynim. "Quem me conduzirá à cidade fortificada? Quemme guiará até Edom?" Quem nos capacitará a ganhar estes antros efavelas para Jesus? Quem o fará, senão o Senhor? Os soldados de Cristoque se aventurarem nessas regiões deverão esperar o avivamento das

 práticas dos bons tempos antigos, no que se refere aos cacos de tijolo.Experimentei certa vez a queda acidental de um vaso de flores de umaalta janela numa direção notavelmente oblíqua. Contudo, se nascemos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) para sermos silenciados, vasos de flores não nos matarão. Sob essaespécie de tratamento, pode ser reanimador o que Christopher Hopper escreveu sob condições semelhantes, há mais de cem anos.

"Eu não ligava muito para um pouco de sujeira, alguns ovos podres, osom de uma corneta de chifre de vaca, o barulho de sinos ou algumas bolasde neve na estação própria. Mas às vezes eu era saudado com estouros,pedras, cacos de tijolo e cacetes. Desses eu não gostava muito. Não eramagradáveis, nem à carne, nem ao sangue. Às vezes eu perdia um pouco depele, e uma vez perdi um pouco de sangue, arrancado da minha testa comuma pedra pontuda. Usei uma bandagem durante alguns dias, e não fiqueienvergonhado. Gloriei-me na cruz. E quando os meus pequenos sofrimentosse tornavam abundantes por amor a Cristo, o meu consolo se tornava muito

mais abundante. Nunca me senti mais feliz na alma, e mais abençoado nostrabalhos."

Fico um tanto contente quando ocasionalmente ouço contar que umirmão foi trancafiado pela polícia, pois isto lhe faz bem, e também ao

 povo. É bonito ver o ministro do evangelho levado pelo servo da leí!Desperta simpatia por ele e, em seguida, simpatia por sua mensagem.Muitos que não se interessavam nem um pouco por ele antes, ficam

ansiosos por ouvi-lo, quando lhe ordenam que parta, e mais aindaquando é levado ao posto policial. Os mais vis membros da humanidaderespeitam o homem que se mete em problemas a fim de fazer-lhes bem,e se notam que surge uma oposição injusta, tornam-se mais que zelososna defesa desse homem.

Estou persuadido de que quanto mais pregação ao ar livre houver em Londres, melhor. Se pode vir a ser causa de aborrecimento paraalguns, será uma bênção para outros, desde que dirigida adequadamente.Se o que se prega é o evangelho, e se o espírito do pregador é de amor ede veracidade, não pode haver dúvida quanto aos resultados: o pãolançado sobre as águas será encontrado de novo, após muitos dias.Contudo, o evangelho deve ser pregado de modo digno de ser ouvido,

 pois fazer barulho apenas, faz mais mal que bem. Conheço uma famíliaque quase ficou fora de si pelo horrível lançamento de exortações

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)monótonas, e o rugido de "Salvo nos braços de Jesus" perto de sua porta,todas as tardes de domingo, o ano inteiro.

São cristãos zelosos, e estariam dispostos a ajudar os seus

atormentadores, se vissem a mais ligeira possibilidade de qualquer proveito dos violentos berros. Mas, como raramente vêem um ouvinte, enão acham que o que é proclamado faria qualquer beneficio se fosseouvido, lamentam ser forçados a perder suas poucas horas de sossego

 porque dois bons homens crêem que têm o dever de fazer um trabalhoruidoso, mas perfeitamente inútil.

Uma vez vi um homem pregando para nenhum ouvinte, exceto umcão, que estava sentado sobre a cauda e olhava para cima com muitareverência enquanto o seu dono discursava. Não havia ninguém nas

 janelas, nem transeuntes, mas aquele irmão e o seu cachorro continuaramno posto, quer o povo ouvisse, quer não. Outra vez passei por umardoroso declamador cujo chapéu estava no chão, diante dele, cheio de

 papéis, e não havia sequer um cão para ouvi-lo, e ninguém ao alcance dasua voz. Apesar disso, ele "desperdiçava a sua maviosidade no ar deserto." Espero que ele tenha recuperado a razão. Realmente deve ser 

considerado como parte essencial do sermão que alguém o ouça. Omundo não pode receber grande beneficio com sermões pregados novácuo.

Quanto ao estilo da prédica ao ar livre, certamente deve ser muitodiverso daquilo que prevalece nos recintos fechados e, talvez, se umorador devesse adquirir um estilo plenamente adaptado a ouvintes na rua,seria sábio levá-los consigo portas adentro. Grande parte da prática de

fazer sermões pode definir-se como não dizer nada no máximo deextensão. Mas, portas fora a verbosidade não é admirada. Você tem quedizer alguma coisa e acabá-la bem, e prosseguir dizendo alguma coisamais, se não os ouvintes o farão saber. "E então", grita um crítico de rua,"desembuche logo, velho companheiro." Ou se faz esta observação:"Agora, pois, jogue isso fora! É melhor que você vá para casa e aprendaa sua lição." "Encurte isso, meu velho!", é uma admoestação muito

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)comum, e eu gostaria que os presenteadores deste conselho gratuitofizessem com que ele fosse ouvido no interior de Ebenézer, Zoar ealguns outros lugares consagrados aos discursos longos. Onde essas

críticas não são empregadas, os ouvintes censuram a prolixidade indoembora silenciosamente. Coisa muito desagradável esta, ver dispersar-seo seu grupo de ouvintes; mas é uma clara notificação de que as suasidéias andam muito dispersas também.

  Na rua, a pessoa deve manter-se animada, empregar muitasilustrações e casos, e respingar uma observação curiosa aqui e ali.Demorar muito num ponto nunca funciona. A argumentação deve ser 

 breve, clara, e concluída logo. O discurso não deve ser elaborado oucomplicado, nem é preciso que a segunda divisão dependa da primeira,

 pois os ouvintes variam, e cada ponto deve ser completo em si mesmo. Acadeia de pensamentos deve ser desmontada, e cada elo deve ser fundidoe transformado em bala. Você não precisa tanto do sabre de Saladino

  para picar um lenço de musselina, como o machado de guerra deCoração de Leão para quebrar uma barra de ferro. Vá ao ponto de umavez, e vá com todo o vigor.

Ao ar livre é preciso usar curtas frases de palavras e breves passagens de pensamento. Longos parágrafos e grandes argumentos émelhor reservar para outras ocasiões. Nas grandes reuniões feitas nosossego do campo, há muito poder no silêncio eloqüente introduzido devez em quando. Dá ao povo tempo para tomar fôlego, e também pararefletir. Todavia, não tente fazer isso numa rua de Londres. Trate de ir adiante ou, se não, alguém levará embora os seus ouvintes. Num sermão

 pregado normalmente no campo, as pausas são muito eficientes, e úteisde várias maneiras, tanto para o orador como para os ouvintes. Mas a umgrupo de pessoas que passam e que não estão inclinadas a nada que se

 pareça a um culto, é mais adequado um discurso rápido, curto e incisivo. Nas ruas o pregador deve agir e falar com intensidade, do princípio

ao fim. Por essa mesma razão, deve ser conciso e deve concentrar-se no pensamento e na alocução. Não dá certo começar dizendo: "Diletos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)amigos, o meu texto é uma passagem da Palavra inspirada, que contêmdoutrinas da máxima importância e nos expõe, da maneira mais clara amais valiosa instrução prática. Chamo a vossa cuidadosa atenção e o

exercício do vosso mais cândido julgamento enquanto o considerarmossob vários aspectos e o colocamos sob diferentes luzes, para podermos perceber sua posição na analogia da fé. Em sua exegese encontraremosuma arena para os intelectos cultos e para as sensibilidades refinadas.Como o sussurrante arroio percorre sinuosamente os prados e fertiliza os

  pastos, assim a corrente da verdade sagrada fluí através dasextraordinárias palavras que agora estão diante de nós. Ser-nos-á bomcanalizar a cristalina corrente para o reservatório da nossa meditação, afim de sorvermos o cálice da sabedoria com os lábios da satisfação."

Cavalheiros, não é esse o tipo mais comumente usado para tecer o palavreado? E esta arte não está em voga hoje em dia? Se você for aoobelisco da estrada de Blackfriars e falar desse jeito, será saudado com :"Vai-te, velho pára-choque!" ou "Não é que ele é uma beleza? Ai DOSMEUS OLH OS!" Um jovem bem vulgar gritará: "Que boca para umtrapeiro!" E outro bradará em tom de solenidade zombeteira: "AMÉM!"

Se você lhes der ninharia, alegremente lha lançarão de volta ao peito.Boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vosdarão. As fraudes e as representações teatrais não receberão misericórdiade gente reunida nas ruas. Mas, tenha alguma coisa para comunicar, olheno rosto dos ouvintes, diga o que pretende coloque-o com clareza,ousadia, ardor e cortesia – e eles o ouvirão. Nunca fale só para preencher o tempo ou só para escutar a própria voz; caso contrário, receberá

alguma informação sobre a sua aparência pessoal ou quanto ao seu modode falar, informação que provavelmente será mais verdadeira do queagradável.

"Caracóis!" diz alguém. "Ele seria um ótimo dono de funerária! Eleos faria chorar!" Este foi o cumprimento dado a um melancólico irmãocujo tom é peculiarmente fúnebre. "Aí, meu velho", disse um críticonoutra ocasião, "vá molhar a goela. Você deve sentir-se terrivelmente

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)seco depois de tagarelar desse jeito a respeito de coisa nenhuma." Issotambém foi muito apropriado a um irmão demasiado duro de agüentar,de quem eu já tinha dito que daria um bom mártir, pois sem dúvida

queimaria bem, tão seco era. É triste, muito triste, que seja necessáriofazer estas observações, mas há em alguns de nós um veio travesso quenos faz notar que as observações do vulgo muitas vezes são verdadeiras,e "valem como se fossem o espelho da natureza." Como uma caricaturafreqüentemente dá uma idéia mais vívida de uma pessoa do que umafotografia, assim estes rudes críticos do populacho acertam o orador nos

  pontos vitais com as censuras exageradas que fazem. O orador maisexcelente deve estar preparado para partilhar deste espírito da rua, e adevolvê-lo, se necessário.

Mas, a ostentação, o ar austero, o formalismo, os rodeios infindosdo santarrão, e a ostensiva pretensão de superioridade, realmenteconvidam os gracejos ofensivos, e em considerável medida os merecem.Chadband e Stiggins, vestidos de preto rançoso, com os cabelosemplastados, com um colarinho enorme – são objetos de irrisão, como o

 próprio Sr. Guido Fawkes (conspirador romanista fanático). O homem

que se considere muito grande provocará imediata oposição, e a pretensaostentação de santidade sobrenatural terá o mesmo efeito. Quanto menosvocê se pareça com um cura de almas, mais probabilidade terá de ser ouvido. E se sabem que você é ministro, quanto mais você mostrar que éum ser humano, melhor. "O que você recebe por isso, governador?", é oque certamente lhe perguntarão se você parecer um clérigo. Neste caso, é

 bom dizer-lhes logo que isso é extra, que você está fazendo horas extras,

e que não haverá coleta. Constantemente dizem: "Você faria maior  beneficio se nos desse um pouco de pão ou de cerveja, em lugar defolhetos." Mas, uma atitude varonil e a declaração franca de que vocênão está procurando salário, mas, sim, o bem deles, silenciarão aquelaantiquada objeção.

Os movimentos do pregador de rua devem ser do melhor tipo.Devem ser puramente naturais e espontâneos. Nenhum orador deve

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) postar-se na rua de modo grotesco, pois assim se enfraquecerá e estará pedindo um ataque. O pregador de rua não deve imitar o seu pastor, poisos ouvintes logo descobrirão a imitação, se o irmão estiver em algum

 ponto próximo de casa. Nem deve assumir atitude como a de menininhosque dizem: "Meu nome é Norval." A postura rígida e formal, commovimentos regulares dos braços é mãos para cima e para baixo, écomumente adotada. E condeno mais ainda a atitude de maníacosselvagens e desvairados que alguns apreciam, atitude que parece ocruzamento da de Whitefield com ambos os braços no ar, com a de SãoJorge com ambos os pés violentamente empenhados em pisar no dragão.Alguns são naturalmente prosaicos, e outros labutam arduamente paraficar assim. Os londrinos maldosos dizem: "Que cura! " Eu só gostariade conhecer uma cura para esse mal.

Evitem-se todos os maneirismos. Agora mesmo observo que não sefaz nada sem uma enorme Bíblia de Bagster, de capa mole. Parece haver um encanto especial no tamanho grande, conquanto quase seja precisoum carrinho no qual empurrá-la. Com tal Bíblia cheia de fitas, escolhauma localização no largo Seven Dials, segundo o modelo de um teólogo

graficamente descrito pelo Sr. McCree. Tire o chapéu, ponha nele a suaBíblia e ponha-o no chão. Deixe que o bondoso amigo que se aproximade você pela direita segure o seu guarda-chuva. Veja como o caro sujeitose presta para fazê-lo! Não é agradável isso? Ele lhe garante que nuncasente tanta felicidade como quando está ajudando homens de bem afazerem o bem. Agora, feche os olhos para orar. – Quando suas devoçõesterminarem, alguém ter-se-á aproveitado da ocasião. Onde está o seu

afeiçoado amigo que segurava o seu guarda-chuva e o seu hinário? Ondeestá aquele bem escovado chapéu, e aquela ortodoxa Bagster? Onde?Mas, onde? O eco responde: "Onde?"

A catástrofe que desse modo descrevi sugere que um irmão faria bem em acompanhá-lo nos seus primeiros trabalhos como pregador, paraque um vigie enquanto o outro ora. Se alguns amigos forem com você efizerem uma roda em redor, será uma grande aquisição; e se eles

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)souberem cantar, a ajuda será maior ainda. O grupo de amigos atrairáoutros, ajudará a manter a ordem, e prestará bom serviço fazendo ressoar sermões por meio de cânticos.

Será muito desejável falar de modo que seja ouvido, mas não hávantagem em berrar incessantemente. A melhor prédica de rua não é aque é feita no ponto mais agudo da sua voz, pois será impossível dar aênfase própria às passagens mais convincentes quando no percurso todovocê está gritando com todas as suas forças. Quando não há ouvintes por 

 perto e, todavia, há pessoas paradas e ouvindo do outro lado da rua, nãoseria melhor atravessá-la e economizar um pouco da energia que agoraestá sendo gasta? A impressão que se tem é que um estilo sereno,

 penetrante, coloquial, é dos mais persuasivos. Os homens não berramnem gritam quando estão pleiteando algo com a mais profundaseriedade. Em geral eles têm nessas ocasiões menos vendavais e um

 pouco mais de chuva; menos declamação e mais lágrimas. Continue sem parar com o grito monótono, e desgastará a toda gente, e você mesmo sedesgastará. Portanto, sejam sábios desde já, ó vocês que hão de sair-se

 bem na proclamação da mensagem do Senhor entre as multidões, e usem

a voz segundo os ditames do bom senso. Num folheto publicado por aquela excelente sociedade, "The Open

Air Mission" (Missão ao Ar Livre), noto o seguinte:

QUALIFICAÇÕES DOS QUE PREGAM AO AR LIVRE

1. Boa voz.

2. Naturalidade nos modos.3. Domínio próprio.4. Bom conhecimento da Escritura e das coisas comuns.5. Capacidade de adaptar-se a qualquer grupo de ouvintes.6. Boa capacidade para ilustrar.7. Zelo, prudência e bom senso.8. Coração grande e amoroso.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)9. Crença sincera em tudo que diz.

10. Inteira dependência do Espírito Santo para sucesso.11. Andar em íntima comunhão com Deus pela oração.

12. Comportamento coerente diante dos homens, por um santo viver.Se alguém tiver todas estas qualificações, seria melhor que a rainhao fizesse bispo de uma vez, se bem que nenhuma destas qualidades édispensável.

É mais que certa a ocorrência de interrupções nas ruas de Londres.Em certos lugares tudo corre bem durante meses, mas em outros pontos aluta começa tão logo o orador abre a boca. Há estações de oposição:diferentes escolas de adversários surgem e caem, e subseqüentemente hádesordem ou tranqüilidade. O melhor tato nem sempre serve paraimpedir distúrbios. Quando os homens estão bêbados, não adiantaargumentar com eles, e dos furiosos papistas irlandeses podemos dizer 

 praticamente a mesma coisa. Com tais pessoas pouco se pode fazer, amenos que a multidão em torno coopere, como muitas vezes acontece,removendo o obstrutor. Certos tipos, se percebem que a pregação vai

 prosseguir, interrompem-na de qualquer maneira. Vão resolutos e, se são

contestados uma e outra vez, perseveram ainda. Uma regra constante éser sempre cortês e manter a calma, pois se você ficar mal humorado ezangado, estará tudo perdido para você. Outra regra é manter-se no seuassunto, e nunca desviar-se para questões partidárias.

Pregue a Cristo, ou não pregue nada. Não dispute nem discuta, anão ser com os olhos postos na cruz. Se se desviar por um momento,esteja sempre em guarda para retornar ao seu único tópico. Conte-lhes a

velha história e, se não a ouvirem, vá em frente. Todavia, seja esperto, e pegue-os com algum estratagema. Persiga o mesmo objeto por muitoscaminhos. Um pouco de habilidade materna é por vezes o melhor recurso e opera maravilhas com uma multidão. Depois da graça, abonomia é a melhor coisa em tais ocasiões. Um irmão das minhasrelações silenciou um violento romanista oferecendo-lhe seu lugar e

 pedindo-lhe que pregasse. Os companheiros dele, animados pelo aspecto

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)divertido da coisa, insistiram com ele que o fizesse, mas, comodeclinasse, a fábula do invejoso foi narrada e o perturbador desapareceu.Se for um verdadeiro cético que o atacar, será prudente evitar o debate

quanto possível, ou devolver-lhe perguntas, pois a sua ocupação não édiscutir, mas proclamar o evangelho.Diz o Sr. John McGregor: "Os céticos são de muitas espécies. Uns

levantam questões para obter respostas, e outros antepõem dificuldades para confundir as pessoas. Um cético sincero disse-me numa reunião  pública no Hyde-Park: "Venho tentando crer durante os últimos dezanos, mas há uma contradição que eu não posso deixar de lado, e é esta:dizem que a imprensa foi inventada há menos de quinhentos anos e,contudo, dizem que a Bíblia existe há cinco mil anos e, por minha vida,não consigo entender como pode ser isto." Não pode ser! – mas amultidão não riu daquele homem.  Bem poucas pessoas numa multidão

 sabem muito mais do que ele sobre a Bíblia. Mas quão profundamente osouvintes beberam do relato que em meia hora fiz dos manuscritos daEscritura, sua preservação, suas traduções e versões, sua dispersão ecolheita, seu exame comparativo e sua transmissão, e a dominadora

 prova da sua genuína veracidade!Lembro-me de como um incrédulo de Kennington Common foi

eficazmente sustado. Ele não parava de apregoar as belezas da natureza eas obras da natureza, até que o pregador perguntou-lhe se ele

 bondosamente gostaria de dizer o que era a natureza. Replicou que "todomundo sabia o que era a natureza." O pregador respondeu, "bem entãoserá muito fácil você explicar-nos." "Bem, natureza, - natureza,

engasgou, "natureza é natureza." Naturalmente a multidão deu risada e osábio se aquietou.A ignorância, quando aliada a uma língua grosseira e loquaz, deve

ser enfrentada com o recurso de dar-lhe bastante corda. Um sujeito quissaber "como Jacó  soube que Esaú o odiava." Dessa vez ficou semresposta, pois o pregador não lhe deu esclarecimento; do contrário, lheteria dado munição para encontros futuros.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Nossa tarefa não é suprir os homens de argumentos, informando-os

sobre as dificuldades. No processo de responder-lhes os ministros têm posto à mostra os sentimentos dos incrédulos mais amplamente do que

os próprios incrédulos poderiam tê-lo feito. Os incrédulos somente"recolhem suas lanças sem ponta e as atiram de novo no escudo daverdade." Nosso objetivo não é vencê-los nas confrontações lógicas, massalvar as suas almas. As dificuldades reais devemos esforçar-nos paraenfrentar. Daí é muito desejável ter-se competente conhecimento dosargumentos comprobatórios. Mas é melhor conversar com os oponentessinceros a sós, quando não ficam com vergonha de admitir que estãoerrados, e isto não podemos esperar que suceda no meio da multidão.Cristo deve ser pregado, quer os homens creiam nEle, quer não. A nossaexperiência do Seu poder para salvar é o nosso melhor argumento, e ofervor, nossa melhor retórica. Freqüentemente a ocasião sugerirá a coisamais pertinente para dizer, e também podemos recorrer ao EspíritoSanto, que nos instruirá no momento exato em que tivermos que falar.

A vocação do orador de praça pública é tão honrosa quanto árdua,tão útil quanto trabalhosa. Somente Deus pode sustentá-lo nela, mas com

Ele ao seu lado não terá nada a temer. Se dez mil rebeldes se pusessemdiante de você, e uma legião de demônios em cada um deles, você não

 precisaria tremer. Aquele que está por você é mais do que todos os queestão contra.

"Por toda a hoste do inferno sendo combatidos,a toda a hoste do inferno derrotamos.Vencendo-a pelo sangue de Jesus, vertido,à conquista final ainda vamos."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC.

Os assuntos desta preleção serão: "Postura, Gestos e Atitude na

 Elocução de Um Sermão." Não tentarei traçar uma rígida e definida linhadivisória entre uns e outros. Seria necessário ter mente com altacapacidade de discriminação para mantê-los separados. A verdade é quenão é possível fazê-lo, pois eles se fundem naturalmente, uns nos outros.Como achei impossível, depois de grande esforço, manter sequer"postura" e "gestos" num estado absolutamente sem mistura em minhamente, deixei-os andar juntos. Mas espero que não haja confusãonenhuma no resultado.

O principal é o sermão propriamente dito; seu conteúdo, seuobjetivo e o espírito com o qual é apresentado ao povo, a sagrada unçãodo pregador e o poder divino aplicando a verdade ao ouvinte – sãoinfinitamente mais importantes do que quaisquer pormenores quanto àmaneira de pregar. A postura e a ação são questões relativamente

 pequenas e insignificantes. Entretanto, mesmo o sândalo da estátua deMinerva precisou ser esculpido corretamente e, no serviço de Deus,

mesmo as menores coisas devem ser levadas em consideração com santoesmero. A vida é feita de pequenos incidentes, e o sucesso muitas vezesdepende da atenção dada aos mínimos pormenores. Pequenas moscasdão mau cheiro ao ungüento do boticário, e pequenas raposas arruínamas vinhas. Portanto, as pequenas moscas e raposas devem ser mantidasfora do nosso ministério. É fora de dúvida que erros, mesmo numaquestão secundária como a da postura, têm prejudicado a mente de

muitos, estragando o sucesso de coisas que, doutro modo, teriam sidoministérios dos mais aceitáveis. Um homem de talentos acima da média

 pode, por atitudes ridículas, ser lançado à última fileira, e ser conservadolá. Isso é uma grande lástima, mesmo que houvesse somente um casodesses; mas é de temer que muitos são prejudicados pela mesma causa.

Pequenas excentricidades e disparates na atitude e nos gestos, queos sensatos se esforçam para não notar, não são deixados de lado pelo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) público em geral. De fato, a maior parte dos ouvintes fixa os olhos principalmente nessas coisas, enquanto que aqueles que comparecemsomente para zombar Não vêem outra coisa. As pessoas ou se desgostam

ou se divertem com as singularidades estranhas de certos pregadores; ouentão buscam escusa para a sua falta de atenção, e saltam para esta,muito conveniente: Não pode haver razão para que devamos ajudar oshomens a resistir aos nossos esforços em beneficio deles. Nenhumministro cultiva voluntariamente um hábito que inutilizaria as suas setas,ou as desviaria do alvo. Portanto, desde que as questões menores, demovimentos, postura e gestos, podem ter aquele efeito, vocês devem dar-lhes imediata atenção.

Prontamente admitimos que os movimentos na pregação são umacoisa de menor conseqüência; pois alguns que obtiveram êxito no maiselevado sentido foram excessivamente falhos do ponto de vista doretórico. No presente momento há em Boston, Estados Unidos daAmérica, um pregador da mais alta classe de poder, de quem escreve umcrítico: "Nas sentenças introdutórias, um braço ou o outro balança ao seulado em desamparo, como se fosse feito de vértebras caudais interligadas

frouxamente. Logo passa a exibir comprometedora falta de jeito, bamboleando para cá e para lá de um modo que faz pensar que uma perna é mais curta que a outra, e sacudindo a cabeça e os ombros, dandoênfase que não convence, Levanta uma sobrancelha de maneiracompletamente impossível. Mais ninguém consegue entortar o olhodaquele jeito."

Este é um exemplo da vitória da mente sobre a matéria, e da

excelência do ensino desculpando os defeitos da elocução. Mas seriamelhor que não existissem tais desvantagens. As maçãs de ouro nãoficam mais fascinantes quando colocadas em salvas de prata? Por que o

  poderoso ensino deveria estar associado a bamboleios e trejeitos?Contudo, é evidente que a atitude ao pregar não é essencial ao sucesso,

 para dizer o mínimo. Parece que Homero achava que a total ausência degestos não prejudica o eminente poder da alocução, pois retrata um dos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)maiores heróis repudiando aqueles, embora não sem alguma percepçãode censura da parte dos ouvintes, como se pode notar:

"Mas, erguendo-se Ulisses, todo reflexão,os seus olhos modestos fixou sobre o solo.Parecia sem jeito ou mudo, ali de pé.A fronte não ergueu, nem estendeu o cetro.Mas quando fala, como fluí a elocução!Suaves como os flocos da neve ao cair,os tons copiosos caem com arte serena.Caindo, eles se fundem, e a alma penetram!Com espanto o escutamos, e pasmos, surpresos;nosso ouvido refuta a censura dos olhos."

 Nem é preciso retornar aos antigos em busca da prova de que umaatitude excessivamente calma pode estar ligada ao mais alto poder daeloqüência, pois nos ocorrem diversos exemplos entre os modernos.Talvez baste um: o nosso Robert Hall, supremamente dotado, não tinhamovimentos oratórios, movendo-se raramente no púlpito, exceto numocasional levantar ou ondular da mão direita e, nos seus momentos demaior calor emotivo, um alternado recuo e avanço.

 Não lhes compete tanto adquirir a atitude certa no púlpito, quanto1ivrar-se das atitudes errôneas. Se vocês pudessem reduzir-se amanequins imóveis, melhor seria do que serem ativas e mesmo vigorosasencarnações do grotesco, como alguns dos nossos irmãos têm sido.Alguns homens gradativamente caem num estilo suicida de pregação, e éuma coisa muito rara de se ver, um homem escapar depois de ter-seemaranhado nas malhas de um péssimo maneirismo. Ninguém gosta de

falar-lhes dos seus estranhos tiques. Assim, não têm consciência deles.Mas é surpreendente que suas esposas não façam mímica deles e nãoriam de sua estupidez.

Ouvi falar de um irmão que, em seus primeiros dias, era maisaceitável, mas, que, mais tarde, ficou muito atrás na carreira porque aos

 poucos foi caindo em maus hábitos. Falava com gemidos dissonantes,assumia as atitudes mais esquisitas e fazia tão extraordinárias caretas,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)que o povo não tinha prazer em ouvi-lo. Chegou a ser merecedor deestima e honra, mas não de ser ouvido. Excelentes cristãos dizem quenão sabiam se deviam rir ou chorar quando o ouviam pregar. Sentiam

que pela inclinação da natureza deviam rir, mas que pelos impulsos dagraça deviam chorar quando viam um pregador tão bom completamentearruinado por atitudes absurdamente artificiais. Se você não se preocupacom o cultivo de atitudes apropriadas, pelo menos tenha sabedoriasuficiente para evitar ridicularias e simulações. Há uma grande distânciaentre o almofadinha, que ondula e perfuma os cabelos, e aquele quedeixa os cabelos penderem como massas de feixes de forro, como a jubade um animal selvagem.

Jamais os aconselharemos a praticarem posturas diante do espelho,nem a imitar grandes teólogos, nem a macaquear finos cavalheiros. Por outro lado, não é preciso ser vulgar ou absurdo. As posturas e atitudessão simplesmente uma pequena parte da vestimenta de um discurso, enão é nas vestes que jaz a substância da matéria. Um homem vestido defustão é "homem apesar de tudo"; assim, um sermão pregado de modoestranho pode ser um bom sermão apesar de tudo. Todavia, como

nenhum de vocês usaria roupa de indigente se pudesse obter melhor vestuário, assim não devem ser desmazelados a ponto de vestir a verdadecomo a um mendigo, quando podem ataviá-la como a uma filha de um

 príncipe. Alguns são por natureza muito desajeitados em suas pessoas e em

 seus movimentos. Acho que devemos censurar aquilo a que o camponêschamava seu "jeitão". O passo do rústico é pesado, e seu andar é

relaxado. Pode-se ver que o habitat natural dele é a roça. No pavimentoou no tapete, ele desconfia dos seus passos, mas na planície lamacenta,com uma carga de mula de barro em cada bota, avança com facilidade,senão com elegância. Há um "que" informe e rústico nos elementoscomponentes da constituição de alguns homens. Você não os tornariaelegantes, mesmo que os moesse junto com o trigo num triturador. Otreinador militar voluntário é da maior utilidade em nossas escolas, e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)aqueles país que acham que o exercício militar é perda de tempo, estãomuito enganados. Há uma aparência, uma agilidade, uma propriedadegeral de conformação, que o corpo humano adquire com o adequado

exercício militar, que raramente vem por qualquer outro meio. Esseexercício corrige a posição dos ombros do sujeito, evita o excessivo balanceio dos braços, expande o peito, mostra-lhe o que fazer com asmãos e, numa palavra, ensina o homem a andar direito, e a adequar-se àuma espécie de posição modelar, sem qualquer esforço consciente paraconseguí-lo – esforço que seria segura revelação da sua rusticidade.Gente muito espiritual pensa que estou brincando, mas não estou. Esperoo dia em que se considerará parte essencial da educação ensinar o jovema se locomover e a fazer movimentos sem se mostrar desajeitado.

 Pode acontecer que os gestos desajeitados decorram de uma fraca

elocução, e da nervosa consciência da falta de poder naquela direção.Certos homens esplêndidos do nosso conhecimento são tão modestos quechegam a ser tímidos, e daí se tornam hesitantes no falar e desajeitadosnos modos. Talvez não se possa mencionar exemplo mais notável distodo que o do finado Dr. James Hamilton, tão caro a nós. Era o mais

amável e virtuoso dos pregadores, mas a sua atitude no púlpito era penosa em grau extremo. Seu biógrafo diz:

"Em recursos e aquisições mentais, ele possuía grande riqueza; masna capacidade de expor os seus pensamentos, com todas as variações detons e claves requeridas pela natureza deles, e ainda de molde a seremouvidos por todos num grande edifício, era muitíssimo menos dotado. Nesteaspecto, por conseguinte, ele sempre se sentia angustiado por ter consciência de estar longe do seu próprio ideal. O certo é que a falta de

força vocal e de pronto controle da entonação, prejudicaram grandemente opoder e a popularidade da sua pregação. Na delicadeza dos conceitos, nafeliz escolha das expressões, no domínio de figuras contundentes eoriginais, e no calor do fervor evangélico que pervagava tudo, poucos seigualavam a ele. Todavia, estas raras qualidades eram tosadas em metadeda sua força, no que concerne à sua pregação pública, pela necessidadesob a qual constantemente estava de esforçar-se extremamente para fazer-se audível, ficando nas pontas dos pés e atirando as palavras a mancheias,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)para ver se alcançavam as fileiras mais distantes. Se os músculos do seupeito fossem tais que o capacitassem a ficar solidamente firme emdescanso, enquanto os lábios realizassem a tarefa de articulação sem aajuda de sopros auxiliares dos pulmões exageradamente inflados, James

Hamilton por certo teria sido seguido por multidões maiores e teria tornado asua mensagem acessível a um círculo mais amplo e mais variado. Mas nãosabemos que outro mal ter-se-ia intrometido de contra-peso no curso desseêxito externo. Conquanto – com todas as suas orações e sofrimentos – esteespinho tenha sido deixado em sua carne, permaneceu a grandecompensação: "A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa nafraqueza." Os talentos todos que ao Senhor aprouve dar-lhe, eledesenvolveu a serviço de Quem lhos deu, e se alguns talentos (he foram

negados, Aquele que lhos recusou sabe por que. Ele tudo faz bem."Partilhamos de coração este sentimento, mas lamentaríamos por um jovem que se submetesse por seu desiderato a um defeito semelhante, e oatribuísse à mão do Senhor. O Dr. Hamilton não agiu assim. Fez sériosesforços para vencer as suas desvantagens naturais e, quanto sabemos,tomou lições de mais de um professor de oratória. Não se refugiou nadesculpa do preguiçoso, mas trabalhou arduamente para dominar adificuldade, e só fracassou nisso porque era um defeito físico semremédio. Onde quer que vejamos atitudes desajeitadas evidentementeinevitáveis, demos-lhes pouca ou nenhuma atenção, cuidando derecomendar ao irmão que faça o melhor que puder nessas circunstâncias,avaliando como realização de não pequena monta um mestre de doutrinacobrir com a riqueza do pensamento e a propriedade da linguagem ascondições toscas do homem exterior, fazendo, assim, a alma triunfar sobre o corpo. Se havemos, porém, de afligir-nos por qualquer falha na

maneira de pregar, decidamo-nos a dominá-la, pois não é tarefaimpossível. Edward Irving é um extraordinário exemplo do poder demelhorar neste sentido. De inicio, seus modos eram desajeitados,constrangidos e forçados. Com diligente cultivo, porém, as suas atitudese os seus movimentos tornaram-se notáveis auxílios à sua eloqüência.

Os púlpitos têm muito que responder pelas maneiras desajeitadas

dos pregadores. Que horríveis invenções são eles! Se pudéssemos aboli-

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)los, poderíamos dizer deles o que Josué disse de Jericó: "Maldito... seja ohomem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó", pois os

 púlpitos tradicionais têm sido maior maldição para as igrejas do que à

  primeira vista parece. Nenhum advogado usaria um púlpito paradefender uma causa no tribunal. Como poderia esperar sucesso,enterrado quase até os ombros? O cliente seria arruinado se o causídicoficasse aprisionado dessa forma. Quão varonil, quão dominadora é aatitude com a qual Crisóstomo é geralmente representado! Esquecendo

 por ora a sua toga, não se pode senão achar que aquela postura natural émuito mais digna da verdade sublime, do que a de uma pessoa abaixadasobre uma folha de papel, olhando muito ocasionalmente para cima, eentão mostrando nada mais que a cabeça e os ombros. Em sua obraChironomia, Austin diz com muita propriedade: "A liberdade também énecessária à elegância da ação. Nenhum gesto poderá ser elegante seestiver limitado por circunstâncias externas ou se for restringido pelamente. Se um homem fosse obrigado a dirigir-se a uma assembléia

 postado numa janela estreita, através da qual não pudesse estender os  braços e a cabeça, ser-lhe--ia vão tentar gestos elegantes. O

confinamento no menor grau sem dúvida será proporcionalmente prejudicial à elegância. Assim, o tribunal apinhado de gente será nocivoà ação do advogado, e o púlpito fechado e fixo que muitas vezes eliminamais da metade do vulto do pregador, é-lhe igualmente nocivo."

O finado Thomas Binney era incapaz de suportar plataformas.Sabe-se que ele levava becas e outros materiais para pendurar nos gradisde uma tribuna aberta, se se achasse metido numa delas. Isto só deve ter 

  brotado da força do hábito, pois não pode haver vantagem real emencerrar-se num cárcere de madeira. Sem dúvida, este modo de sentir reterá o púlpito fechado por mais algum tempo, mas futuramenteencontrarão um argumento em prol da divindade da nossa fé pois elasobreviveu aos púlpitos.

Os ministros não devem ser censurados por suas posturas e atitudesdesengonçadas quando se pode ver apenas uma pequena parte do seu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)corpo durante o discurso. Se fosse costume pregar como Paulo pregouem Atenas, os oradores públicos se tornariam modelos de propriedade. A

 propósito, é interessante notar que Rafael, em sua representação de Paulo

em Atenas, sem dúvida tinha em mente a declaração do apóstolo:"Deus... não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem éservido por mãos humanas"; daí o delineia erguendo as mãos. Devo estaalusão a G.W. Hervey, M.A., que escreveu um "System of Rhetoric"(Sistema de Retórica) muito eficiente e compreensivo.

 Notáveis são as formas que os púlpitos têm assumido de acordocom os caprichos da fantasia e da tolice humanas. Há vinte anosalcançaram provavelmente a sua pior forma. Quais poderiam ter sido oseu propósito e a sua finalidade, seria difícil conjeturar. Um alto púlpitode madeira, no velho estilo, podia bem lembrar ao ministro a suamortalidade, pois não passa de um caixão de defunto posto em pé. Mas,com que base racional havemos de sepultar vivos os nossos pastores?Muitas dessas construções assemelham-se a barris; outras são da formade tapas para ovos, e copos. Uma terceira categoria evidentementeseguia o modelo de um paiol sobre quatro pernas. E uma quarta

variedade pode comparar-se a ninhos de andorinha cravados na parede.Alguns deles são tão altos que fazem rodar as cabeças dos ocupantes,quando estes se atrevem a olhar para as temíveis profundidades abaixodeles, e dão torcicolo naqueles que olham durante qualquer espaço detempo para o pregador lá no alto. Sinto-me como se estivesse no topo deum mastro, quando estou empoleirado no alto dessas "torres dorebanho." Estas abominações são males em si mesmas, e produzem

males.Falando sobre púlpitos, faço uma digressão e observo, em beneficiodos diáconos e dos zeladores, que freqüentemente sinto nos púlpitos umabominável cheiro de gás, que por certo provém de vazamentos noscanos de gás, e que tende a intoxicar o pregador, ou a fazê-lo adoecer.Devíamos ser poupados dessa opressão. Também com freqüênciacolocam dois grandes lampiões em cada lado da cabeça do ministro, bem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) perto. Assim, comprimem os seus movimentos e o colocam entre doisfogos. Se há queixas da cabeça quente nos ministros impetuosos, pode-seexplicar prontamente, uma vez que o aparelhamento para produzir

aquele efeito é preparado com grande esmero.Ainda a outra noite tive o privilégio, quando me sentei ao púlpito,de sentir como se me tivessem golpeado no cocuruto e, ao olhar paracima, vi um enorme bico de gás aceso, marca de fabricação Argand, comum refletor colocado logo acima da minha cabeça, a fim de lançar umfoco de luz sobre a minha Bíblia. Uma invenção atenciosa, sem dúvida,só que o inventor se esquecera de que os seus queimadores estariamdespejando um calor terrível sobre um cérebro sensível. O pregador nãodeseja experimentar uma insolação artificial enquanto prega. Se temosque padecer tal calamidade, que nos venha durante os nossos feriados, eque nos venha do sol mesmo. Parece que ninguém, ao construir um

 púlpito, considera o pregador como homem de sentimentos e sentidosiguais aos das outras pessoas. O assento no qual você deve repousar aintervalos, freqüentemente não passa de uma simples beirada. O puxador da porta dá em suas costas, enquanto que, quando você se levanta para ir 

à frente, geralmente há uma bolsa de guta-percha entre você e o púlpito propriamente dito. Esta geringonça de borracha visa caridosamente àassistência de certas pessoas surdas que, espero, são beneficiadas. Edevem ser, pois todo mal há de ter uma influência compensadora. Vocênão pode inclinar-se para a frente sem forçar o fechamento dessainvenção. De minha parte, normalmente deposito sobre ela o meu lençode bolso. Isso faz com que os surdos tirem dos ouvidos as pontas do tubo

 – e descubram que me ouvem suficientemente bem sem aquilo. Ninguém conhece o desconforto dos púlpitos, exceto o homem queesteve em muitos, e viu que cada um é pior do que o anterior.Geralmente são tão altos, que uma pessoa de baixa estatura como eu mal

 pode ver por cima deles, e quando peço algo para subir em cima, trazem-me um genuflexório. Pensem num ministro do evangelho equilibrando-se num genuflexório enquanto prega: um Boanerges e um Blondin (o

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)equilibrista) numa só pessoa. É esperar demais, que mantenhamos oequilíbrio das nossas mentes e o dos nossos corpos ao mesmo tempo. Osesforços para pôr-me nas pontas dos pés, as reviravoltas de tamboretes e

genuflexórios que tenho tido que sofrer nas pregações, perpassam por minha memória agora, e reavivam as mais penosas sensações.Seguramente devemos ser poupados dessas pequenas amolações,

 porquanto o mal que causam não se limita ao nosso desconforto pessoal.Se fosse assim, isso não teria importância. Mas, que lástima! Essas

 pequenas coisas muitas vezes fazem a nossa mente saltar da engrenagem,embaralham os nossos pensamentos e perturbam o nosso espírito.Deveríamos colocar-nos acima dessas bagatelas, mas, embora o espíritona verdade esteja pronto, a carne é fraca. É espantoso como a mente éafetada pelas coisas mais insignificantes. Não há por que perpetuar desnecessárias causas de desconforto.

A historia de Sydney Smith (clérigo inglês, gênio deintelectualidade, autor de Plymley Letters) mostra que não estamos sosem nossa tribulação. "Não posso suportar", disse ele, "ficar aprisionado,à maneira da mais clássica tradição, no meu púlpito, com a cabeça mal

despontando por cima dele. Gosto de olhar para baixo, para os meusouvintes – para fazer fogo neles. As pessoas comuns dizem que sou um

 pregador valentão, pois gosto de ter os braços livres, e de dar murros no púlpito. Um singular contratempo aconteceu-me uma vez, quando, paraconseguir isso, mandei o ajudante empilhar alguns genuflexórios para eusubir neles. O texto do meu sermão era: "Em tudo somos atribulados,

 porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos,

  porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos." Mal pronunciara estas palavras, e me preparava para ilustrá-las, quando asilustrei praticamente, e de um modo que absolutamente não previra. Aminha estrutura armada com genuflexórios desmoronou-se. Eu caí, ecom dificuldade impedi que fosse precipitado aos braços dos ouvintesque, é preciso dizer, portaram-se muito bem, recobrando a seriedademais depressa do que eu podia esperar."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Mas devo voltar ao nosso assunto, e o farei repetindo a crença em

que púlpitos que parecem caixotes são grandemente responsáveis pelas posturas estranhas que alguns dos nossos pregadores assumem quando

estão fora das suas jaulas e estão soltos sobre um estrado. Não sabem oque fazer com as pernas e os braços, sentem-se desajeitados e expostos, edaí caem em atitudes ridículas. Quando um homem está acostumado aconsiderar-se como um "busto animado", sente-se como se tivesse ficadocomprido demais quando o fazem aparecer de corpo inteiro.

 Não se pode duvidar de que muitos ficam desajeitados de medo. Não é sua natureza, nem seu púlpito, mas seu nervosismo que faz deleum sujeito ridículo. Para alguns é demonstração de grande coragem o sóficar de pé diante de pessoas reunidas, e falar é na verdade uma penosa

 prova. Não admira que a sua atitude seja constrangida, pois se encolheme tremem sem parar. Cada nervo está em estado de excitação, e o corpotodo está trêmulo de medo. Principalmente ficam perplexos sobre o quefazer com as mãos, e as movem de um lado para outro, de maneirairrequieta, irregular e sem sentido. Se fossem amarradas pendentes aoslados do corpo, eles ficariam alegres com essa libertação.

Um clérigo da Igreja Anglicana, defendendo o uso do manuscritono púlpito, utiliza o notável argumento de que um homem nervoso, tendoque virar as folhas do seu discurso, mantêm com isso as mãos ocupadas,ao passo que, se não tivesse os papéis diante dele, não saberia o quefazer com elas. É um vento mau que sopra sem trazer benefício aninguém; é uma prática má deveras, que não tem nem remotas eocasionais vantagens. Porém, para o nervosismo é preciso um tratamento

mais eficiente. O pregador deve tentar vencer o mal, em vez de procurar um meio de esconder as suas manifestações externas. A prática é umgrande remédio, e um tratamento mais poderoso ainda é a fé em Deus.Quando o ministro se acostuma com o povo, fica à vontade porque está àvontade, sente-se em casa, e quanto às suas mãos e pernas ou quaisquer outras partes do seu corpo, nem pensa. Lança-se ao trabalho de todo ocoração, e assume as posições que num homem fervoroso são as mais

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)naturais, e estas são as mais apropriadas. Gestos não estudados, aos quaisvocê nunca voltou o pensamento nem por um instante, são os melhores.O mais alto resultado da arte é banir a arte, e deixar o homem tão livre

como o antílope nas montanhas.Ocasionais excentricidades de postura e gestos podem decorrer da

dificuldade em encontrar a próxima palavra. Há alguns anos, umobservador americano disse: "As vezes é interessante ver os diferentesmodos pelos quais diferentes indivíduos se saem do mesmo dilema. Nemsempre o Sr. Calhoun se perde por uma palavra mas, ocasionalmente,uma fica enroscada na garganta dele, na pronunciarão, como o 'Amen' deMacbeth. Em tal caso, ele dá um ou dois petulantes puxões no colarinhoda camisa, e passa os ossudos dedos pelos cabelos longos e grisalhos, atéendireitar tudo de novo.

Webster, quando descontente com uma palavra, ou enredado numasentença, quase invariavelmente esfrega. com cuidado o canto interno doolho esquerdo, com o dedo médio da mão direita. Falhando isso, coçaferozmente o nariz. com o nó do polegar dobrado. Como último recursocurva os joelhos, separando-os, até suas pernas ficarem parecendo uma

elipse. Depois, enfiando as mãos nos bolsos até o fundo, lança comvivacidade a seção superior do corpo para a frente, e a palavra está

 pronta para vir." O homem deve ser perdoado pelo que faz quando estáem agonia, mas seria grande lucro se nunca padecesse desses embaraços,e assim escapasse das contorções conseqüentes.

 Freqüentemente, o hábito também leva os oradores a movimentos

 singulares, e a estes ficam tão apegados que não podem falar sem eles.

Mexer num botão do paletó, ou brincar com os dedos, são coisas que sevêem com freqüência, não como parte da oratória do pregador, mascomo uma espécie de livre acompanhamento dela. Addison, noSpectator, narra um divertido incidente desse tipo.

"Lembro-me de que quando era jovem, e costumava freqüentar oWestminster Hall (famosa sala de recepções, banquetes e solenidades, emLondres) havia um conselheiro que nunca pleiteava uma causa sem levar na

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)mão um pedaço de barbante, que costumava ficar enrolando no polegar ounoutro dedo durante o tempo todo em que falava. Os gaiatos daqueles diaschamavam-lhe o fio do discurso dele, pois não era capaz de dizer umapalavra sem o cordão. Um dos seus clientes, mais brincalhão do que sábio,

roubou dele o barbante em pleno discurso, mas seria melhor que o tivessedeixado lá, pois perdeu a causa por causa da brincadeira."

Os que ainda estão livres dessas pequenas peculiaridades, estejamvigilantes para que não se rendam gradualmente a elas. Mas, enquantonão passam de insignificâncias que poucos notam e que não prejudicamos esforços do pregador, não há necessidade de atribuir-lhes muitaimportância.

A postura do ministro deve ser natural, mas sua natureza não deveser de tipo grosseiro; deve ser uma natureza bem educada e elegante.Deve evitar especialmente aquelas posições nada naturais num orador,

  por obstruírem os órgãos de comunicação e por comprimirem os  pulmões. Deve usar o senso comum e não dificultar o seu falarinclinando-se para a frente sobre a Bíblia ou sobre o púlpito. Inclinar-secomo se você fosse falar confidencialmente com as pessoas que estãoimediatamente embaixo, pode-se tolerar uma vez ou outra, mas como

 posição costumeira é tão prejudicial como deselegante. Quem pensa emdebruçar-se quando fala numa sala de visitas? Que tarefa mortal seriaconduzir uma longa conversação com o aparelho respiratório

  pressionado contra a quina de uma mesa! Mantenha-se reto, tome posição firme, e fale como homem.

Alguns poucos oradores erram na outra direção, e atiram a cabeça  para trás, como se estivessem discursando aos anjos, ou como se

estivessem olhando um manuscrito no teto. Isso também vem do mal e, amenos que uma ocasional e sublime apóstrofe o requeira, de modonenhum deve ser praticado. Bem diz John Wesley: "A cabeça não deveser mantida muito para cima, nem comicamente lançada muito para afrente, nem deve descair e ficar pendendo, por assim dizer, sobre o peito;nem deve ficar inclinada para um lado ou para o outro; mas deve ser mantida modesta e decentemente ereta, em seu estado e posição natural.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Demais, não deve permanecer imóvel, como estátua, nem estarcontinuamente em movimento e lançando-se para todos os lados. Paraevitar ambos os extremos, deve voltar-se gentilmente, conforme a

ocasião, ora para um lado, ora para outro; noutras ocasiões deve permanecer, fixa, olhando direto para a frente, para o meio do auditório."Muitos assumem uma atitude relaxada, refestelando-se e

espreguiçando-se, como se estivessem recostados no parapeito de uma ponte e tagarelando com alguém embaixo, num barco ou no rio. Nãovamos ao púlpito para relaxar e para parecer que somos livres edescontraídos; vamos para um serviço muito solene, e a nossa posturadeve combinar com a nossa missão. Não é recostando-se indolentementee relaxando descuidadamente que o pregador vai demonstrar um espíritoreverente e zeloso. Dizem que entre os gregos mesmo os lavradores evaqueiros tomam atitudes elegantes, sem pensar que estão fazendo isso.Creio que o mesmo fato se dá com os italianos, pois, onde quer que euvisse um romano, homem ou mulher – não importa se estavam dormindosobre os degraus do Spagna, ou sentados num fragmento dos banheirosde Caracalla, ou carregando um fardo na cabeça, ou cavalgando uma

mula – pareciam sempre modelos para um artista. No entanto, esta é aúltima coisa que poderia passar pela cabeça deles. Aqueles pitorescoscamponeses nunca receberam aulas de calistenia, nem esquentaram acabeça sobre como deviam aparecer ao estrangeiro. A natureza pura esimples, livre de maneirismo, de enfeites artificiais e de ostentação,molda os seus hábitos dando-lhes elegância. Seríamos tolos sequiséssemos imitar os gregos e os italianos, a não ser na sua liberdade de

toda imitação, mas seria bom copiar-lhes os movimentos espontâneos enaturais. Não há uma só razão pela qual o cristão deva ser palhaço, e hámuitíssimas razões pelas quais o ministro não deve ser grosseiro. ComoRowland Hill disse que não podia entender porque Satanás deveria ter asmelhores melodias, assim eu também não posso entender por que ele háde ter os mais elegantes oradores!

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Agora, deixando a questão da postura, vamos tratar mais

definidamente dos movimentos na pregação. Também é um pontosecundário e, contudo, importante. Nossa primeira observação será:

nunca devem ser excessivos. Nesta questão os exercícios físicos são de  pouco proveito. Não podemos julgar prontamente quando amovimentação é excessiva, pois o que seria excessivo numa pessoa,

 pode ser bem pertinente e apropriado noutra. Diferentes raças empregamdiferentes movimentações no falar. Dois ingleses conversam com muitacalma e sobriedade um com o outro, comparados com um par defranceses. Observem os nossos vizinhos gauleses. Falam o tempo todo,encolhem os ombros e gesticulam com a maior veemência.

Muito bem, pois; podemos permitir que um pregador francês sejamais demonstrativo do que um inglês ao pregar, porque é como ele é naconversação comum. Não estou certo de que um teólogo francês sejanormalmente assim, mas, se for, isso pode ser explicado pelo hábitonacional. Se eu e vocês puséssemos a conversar à moda parisiense nosexporíamos ao ridículo e, da mesma forma, se nos tornarmos violentos eveementes no púlpito, poderemos correr o mesmo risco. Sim, pois, se

Addison for uma autoridade, os oradores ingleses empregam menosgestos do que os de outros países. Como se dá com as raças, assim comos indivíduos. Alguns gesticulam naturalmente mais que outros, e se for de fato natural, vemos pouco erro. Por exemplo, não podemos censurar amaravilhosa gesticulação e idas e vindas de John Gough, pois ele nãoseria Gough sem isso. Pergunto-me quantas milhas não anda ele notranscurso de uma de suas preleções! Não o vemos escalar as encostas de

um vulcão à procura de uma bolha em erupção? Como ficamos com dódele quando o vemos afundar os tornozelos nas cinzas quentes! Depoisele vai embora, lá para o outro extremo do palco do Exeter Hall,apostrofando um copo d'água. Mas pára ali só um momento e, em pouco,

 já fez outra carreira pisando nos calos dos irmãos da liga da temperança,sentados na fila da frente. Ora, isso fica bem para John Gough. Mas sevocê, John Smith ou John Brown, começar a fazer dessas

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) perambulações, logo ficará parecido com o judeu errante, ou com o urso polar, dos jardins zoológicos, que vai o tempo todo para cá e para lá emsua cela.

Martinho Lutero costumava dar golpes com o punho de tal forma,que se exibe em Eisenach uma tampa de mesa creio que de três polegadas – que ele quebrou quando martelava um texto. A veracidadeda lenda tem sido posta em dúvida, pois se afirma que aquelas delicadasmãos, que podiam tocar guitarra de maneira tão fascinante, dificilmente

 poderiam ter-se dado tão rude tratamento. Mas se a mão for um índice docaráter do dono, bem podemos acreditar na história, porquanto a força ea ternura combinavam maravilhosamente em Lutero. A mente dele erarepassada de delicadeza e sensibilidade. Entretanto, estas nuncadiminuíam, antes aumentavam a sua tremenda energia. De modo nenhumé difícil crer que ele podia despedaçar uma prancha, com o estilo em queatacava o Papa. E, contudo, podemos imaginar bem que ele podia tocar as cordas da sua guitarra com mão de donzela. Também Davi podia tocar harpa habilmente e, no entanto, quebrou com seus braços um arco demetal.

Conta-se que John Knox uma vez estava tão fraco que, antes dechegar ao púlpito se esperava que ele caísse desmaiado de fraqueza, mas,

 já perante os ouvintes parecia que ia fazer o púlpito em pedaços. Esse eraevidentemente o estilo do período em que os protestantes lutavam por sua existência, e o papa e os seus sacerdotes, e o diabo e seus anjos mauseram movidos por extraordinária fúria. Todavia, não creio queMelancthon achava necessário ser assim tão tremendo, e Calvino não

martelava nem dava golpes daquela maneira. De qualquer forma, vocênão precisa estar rebentando tábuas de três polegadas, pois poderia haver um prego numa delas, nem precisa fazer um púlpito em pedaços, pois,fazendo-o, poderia ficar sem púlpito nenhum. Dê trancos nasconsciências e procure romper os corações duros pelo poder do Espírito

 – mas isso requer poder espiritual. A energia física não é o poder deDeus para a salvação.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)É muito fácil exagerar a coisa a ponto de você parecer ridículo.

Talvez fosse a perspicaz percepção desse perigo que levou o Dr. Johnsona proibir totalmente movimentos no púlpito, e a recomendar

enfaticamente o exemplo do Dr. Watts, porque "ele não se esforçava paraassessorar a eloqüência com qualquer gesticulação; pois, como nenhumaação corporal tem qualquer correspondência com a verdade teológica,ele não via como esta poderia ser fortalecida por aquela."

A observação do grande lexicógrafo é uma tolice, mas, se houver   pensamento com peso suficiente para reduzir o pregador à inaçãoabsoluta, será melhor do que assumir pospões exageradas. Quando Natãfalou com Davi, suponho que contou a parábola com muita serenidade, eque quando chegou a hora de dizer: "Tu és o homem", dirigiu-lhe umolhar profundamente severo. Mas jovens ministros há que imaginam queo profeta correu a largos passos para o meio da sala e, avançando o pédireito, apontou o dedo como um revólver entre os olhos reais e, batendofortemente o pé no chão, gritou: "TU ÉS O HOMEM." Tivesseacontecido isso, é de temer que o real véu voltasse os pensamentos de si

 para o profeta insano, e chamasse a guarda para limpar a sala.

 Natã estava com seriedade muito solene para agir com violênciaindecente. E como regra geral podemos anotar aqui que a tendência dosentimento profundo é suavizar os modos, em vez de torná-losdemasiado enérgicos. Quem golpeia o ar, e berra, e ruge, e bate o pé, nãodiz nada. E quanto mais a pessoa comunica o que quer dizer, menosveemência vulgar haverá. João Wesley, em sua obra,  Directions

Concerning Pronunciation and Gesture (Orientações sobre Pronúncia e

Gestos), aperta demais o pregador quando diz: "Nunca deve bater  palmas, nem esmurrar o púlpito. Raramente as mãos devem elevar-seacima dos olhos"; mas, provavelmente ele tinha em mira algumdeslumbrante caso de extravagância. Todavia, tem razão quando adverteos seus pregadores no sentido de que "as mãos não devem estar em

 perpétuo movimento, pois a isto os antigos chamavam tagarelice dasmãos."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Russell diz com muita sabedoria: "A verdadeira veemência nunca

se degenera transformando-se em violência e vociferação. É a força dainspiração – não do furor. Não se manifesta nos guinchos, no espumar 

frenético, no bater dos pés e nas contorções do excesso vulgar. Em seumais intenso entusiasmo, é varonil e nobre; eleva – não degrada. Nuncase rebaixa ao tom dos gritos, à vulgaridade dos sons guturais, à ênfasedos berros esganiçados, ao histérico êxtase da entonação, às atitudes devalentão, e aos punhos cerrados da paixão extravagante."

Quando o seu sermão parecer exigir de você um pouco de açãoimitativa, seja particularmente vigilante para Não ir longe demais, poisisto poderá acontecer antes que o perceba. Ouvi falar de um jovemteólogo que, repreendendo os inconversos, exclamou: "Aí vocês fechamos olhos para a luz (aí fechou os olhos); vocês tapam os ouvidos para averdade (aí pós um dedo em cada ouvido); e vocês voltam as costas paraa salvação" (aí virou as costas para o povo). Acaso lhes causa espantoque, quando os ouvintes viram um homem de pé, com as costas voltadas

 para eles e com os dedos nos ouvidos, caíram na risada? Os movimentosforam pertinentes, mas foram feitos com exagero, e melhor seria que não

fossem feitos. A gesticulação violenta, mesmo quando recomendada por alguns, irá certamente impressionar a outros por seu lado cômico.

Quando Burke, na Câmara dos Comuns, arremessou a adaga paramostrar que os ingleses estavam fabricando armas para serem usadascontra os próprios concidadãos, sua atitude me parece notável e muitoadequada ao fim em vista. Todavia, disse Sheridan: "O cavalheiro nostrouxe a faca; onde está o garfo?", e Gilray fez uma caricatura maldosa

dele. Os riscos de movimentos demasiado pequenos de modo algum sãograndes, mas você pode ver claramente que há grandes perigos na outradireção. Portanto, não leve a ação para muito longe, e se você perceber que há naturalmente muita energia na sua apresentação da mensagem,reprima um pouco as suas energias. Agite um pouco menos as mãos,golpeie a Bíblia com um pouco mais de misericórdia e, de modo geral,tome as coisas com mais calma.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Talvez o homem esteja mais perto do meio termo feliz quando os

seus modos não provocam observações, quer de louvor, quer de censura,  porque estão integrados tão completamente no discurso que

absolutamente não são notados como um item à parte. A movimentaçãoque recebe atenção exagerada, provavelmente é desproporcional eexcessiva. O Sr. Hall, numa recepção, esteve com a Sra. Hannah More, eseu julgamento das maneiras daquela senhora bem poderia servir decrítica aos maneirismos dos ministros. "Nada de extraordinário, senhor,certamente que não. Suas maneiras são demasiados perfeitamente

 próprias para serem extraordinárias. Maneiras extraordinárias são más, asenhora sabe. Ela é uma perfeita dama, e diligentemente evita aquelasexcentricidades que constituem as maneiras extraordinárias."

Em segundo lugar, os movimentos no púlpito devem ser expressivos

e apropriados. A movimentação expressa menos coisas do que alinguagem, mas, é possível expressar essas poucas coisas com maior força ainda. Abrir com indignação uma porta e apontar para ela é umaação quase tão enfática como dizer: "Saia da sala!" Negar a mão quandooutro estende a sua é marcante declaração de má vontade, e

 provavelmente produzirá amargor mais duradouro do que as palavrasmais severas. Um pedido para fazer silêncio sobre certo assunto pode ser transmitido muito bem cruzando os lábios com o dedo. Um meneio dacabeça indica desaprovação de modo marcante. Sobrancelhas erguidasexpressam surpresa em estilo categórico. E cada parte do rosto tem suaeloqüência, exprimindo prazer ou pesar. Que volumes podem ser condensados num encolher de ombros, e que lamentáveis danos esse

mesmo encolher tem produzido!Daí, visto que a gesticulação e a postura podem falar poderosamente, devemos ter o cuidado de fazê-las falar de modo correto.Jamais teremos que imitar o famoso grego que gritava, "O céu!", com odedo apontando para a terra; nem descrever uma fraqueza mortal commurros no púlpito. Os oradores nervosos parecem atirar ao acaso com osseus gestos. Você os vê torcer as mãos enquanto se estendem falando das

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)alegrias da fé, ou agarrar-se convulsivamente às bordas do púlpitoquando estão ordenando que, com relação aos bens da terra, tenham mãoaberta. Mesmo quando já não estão mais temerosos, nem sempre os

irmãos manobram os seus gestos fazendo-os ir paralelamente às suas palavras. Podem-se ver homens denunciando com punhos ameaçadoresas próprias pessoas que eles estão se esforçando para consolar efortalecer.

Espero que nenhum irmão dentre vocês seja estúpido a ponto decruzar os dedos das mãos enquanto diz: "Não é propósito do evangelholimitar-se a poucos. Seu espírito é generoso, tendendo a expandir-seamplamente. Abre os braços para os homens de todas as classes enações." Seria igual erro se você abrisse os braços com largueza eclamasse: "Irmãos, concentrem as suas energias! Reúnam-nas como ocomandante reúne suas tropas junto ao estandarte real no dia da batalha."Portanto, ponha os gestos no devido lugar e veja como a difusão pode ser expressa pelas mãos separadas, e a concentração pelas mãos unidas.

Os movimentos e a entonação juntos podem contradizer absolutamente o significado das palavras. O abade Mullois fala-nos de

um gaiato malicioso que, ao ouvir o pregador pronunciar as terríveis palavras, "Apartai-vos, malditos", da maneira mais branda, voltou-se para o companheiro e disse: "Venha cá, meu rapaz, e deixe-me abraçá-lo;é o que o clérigo acaba de expressar." É uma coisa triste, mas de modonenhum rara. Quanta força a linguagem da Escritura pode perder pelatransmissão mal feita pelo pregador! Aquelas palavras que o pregador francês pronunciou de modo tão ruim são terríveis, e foi como as senti

quando, há pouco tempo, eu as ouvi lançadas entre dentes, com temívelseriedade, por um insano que se julgava profeta enviado para lançar maldição sobre mim e minha igreja. As palavras, "Apartai-vos, malditos"vieram dos seus lábios como o ribombar do trovão, e a última palavra

 pareceu corroer-me o âmago da alma, quando com olhos flamejantes emão estendida o fanático a fez relampejar sobre a assembléia.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Numerosos pregadores parecem ter recebido aulas de Bendigo, ou

de algum outro mestre da nobre arte da auto-defesa, pois usam os punhoscomo se estivessem prontos para um turno de luta. Não é agradável ver 

irmãos pregarem o evangelho da paz nesse estilo belicoso. Contudo, demodo nenhum é raro ouvir um evangelista pregar com os punhoscerrados um Cristo livre. É divertido ver tais pregadores assumindo certaatitude, e dizendo: "Vinde a mim" e, depois, com movimentos giratóriosde ambos o punhos, acrescentarem: "e eu vos darei – descanso." Seria

  bom que essas idéias ridículas não fossem sugeridas, mas têm sidosugeridas mais de uma vez por homens que fervorosamente desejam,acima de todas as coisas, levar os seus ouvintes a pensarem nas melhorescoisas.

Cavalheiros, não me surpreende que riam, mas é infinitamentemelhor que dêem bastante risada desses absurdos aqui, do que o povodas suas igrejas rir-se de vocês no futuro. Não lhes estou dando umquadro imaginário, mas um quadro que já vi, e receio que verei de novo.Aquelas mãos desajeitadas, uma vez trazidas à sujeição, tornam-se osnossos melhores aliados. Podemos falar com elas quase tão bem como

com a língua, e fazer uma espécie de música silente com elas, queaumentará o encanto das nossas palavras.

Se ainda não leram Charles Bell sobre The Hand  (A Mão),comprometam-se a fazê-lo, e notem bem o seguinte passo:

"Não podemos deixar de falar da mão como instrumento da expressão.Escreveram-se dissertações formais sobre isso, mas, se fôssemosconstrangidos a procurar autoridades, poderíamos tomar os grandespintores em evidência, desde que pela posição das mãos, conforme a figura,eles expressam toda sorte de sentimentos. Quem, por exemplo, pode negar a eloqüência das mãos nas Madalenas de Guido, e sua expressividade nosdesenhos de Rafael ou na "Última Ceia", de Leonardo Da Vinci? Vemos aliexpresso tudo que Quintiliano afirma que a mão é capaz de expressar."Quanto a outras partes do corpo", diz ele, "competem ao orador, mas estas,podemos dizer, falam por si mesmas. Por meio delas pedimos, prometemos,invocamos, despedimos, ameaçamos, rogamos, abjuramos, expressamos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)medo, alegria, pesar, nossas dúvidas, nosso assentimento, nossoarrependimento; demonstramos moderação ou prodigalidade; indicamosnúmero e tempo."

O rosto, e principalmente os olhos, desempenham um papel muito

importante em toda movimentação apropriada. É uma verdadeirainfelicidade os ministros não poderem olhar para as pessoas da suaigreja. É estranho ouvi-los argumentar com pessoas que eles não vêem.Eles imploram que olhem para Jesus sobre a cruz! Você fica a perguntar onde estão os pecadores. Os olhos do pregador voltam-se para o seulivro, ou para o teto, ou para o espaço vazio. Parece-me que você precisafixar os olhos nos ouvintes quando exorta. Há partes do sermão em que a

sublimidade da doutrina talvez requeira a elevação do olhar, e há outras partes que permitem que os olhos vagueiem como você quiser. Masquando chega a hora de exortar, é impróprio olhar para qualquer lugar,senão às pessoas às quais está falando. Irmãos que nunca fazem isso

 perdem grande poder.Quando o Dr. Wayland esteve doente, escreveu: "Se hei de

recuperar a saúde, não sei. Todavia, se me for dado voltar a pregar,

certamente farei tudo que puder para aprender a dirigir-me diretamenteaos ouvintes, olhando-os nos rostos, e não no papel sobre o púlpito."O homem que quiser aperfeiçoar-se na postura e na gesticulação,

deve regular toda a sua estrutura, pois, num caso, o movimento maisadequado será o da cabeça, noutro, o das mãos e, num terceiro caso, o dotronco apenas. Diz Quintiliano: "Os lados devem ter sua parte nagesticulação. O movimento do corpo todo também contribui muito parao efeito de comunicação; tanto que Cícero é de opinião que se pode fazer mais com a gesticulação do corpo do que mesmo com as mãos. Assimdiz ele em sua obra,  De Oratore (Do Orador): "Não haverá movimentosartificiais dos dedos, nem cascatear dos dedos para ajustar-se à cadênciacalculada da linguagem; mas ele fará gestos com movimentos de todo oseu corpo e com varonil inflexão do seu lado."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Poderia multiplicar ilustrações sobre o sentido de ação apropriada,

mas estas devem bastar. Faça a gesticulação condizer com as palavras efuncionar como uma espécie de consecutivo comentário e exegese de

natureza prática do que você está dizendo.Aqui devo fazer uma pausa, esperando continuar o assunto emminha próxima preleção. Mas estou tão consciente de que muitos achamo meu assunto tão secundário que não tem nenhuma importância, queencerro dando um exemplo da maneira cuidadosa como os grandes

  pintores atentam para as minúcias mínimas, apenas extraindo estainferência que, se eles são assim atentos quanto a coisas pequenas, muitomais o devemos ser. Diz Vigneul Marville:

"Quando estive em Roma, muitas vezes vi Claude, que era entãopatrocinado pelas pessoas mais eminentes daquela cidade. Com freqüênciao encontrava às margens do Tibre, ou vagando pelas cercanias de Roma,em meio às veneráveis relíquias da antigüidade. Já era idoso, e, contudo, vi-o voltar de um passeio com o lenço cheio de musgo, flores, pedras etc., quepoderia examinar em casa com aquela infatigável atenção que fez dele tãoexato retratista da natureza. Perguntei-lhe um dia por que meios chegara atão excelente categoria entre os pintores, mesmo da Itália. "Não poupo

esforços, seja no que for, mesmo nas mínimas insignificâncias", foi amodesta resposta desse venerável gênio."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)

POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC. (Segunda Preleção)

Esta preleção começa com o terceiro ponto. Lembram-se de quefalamos que a movimentação não deve ser excessiva e, em segundolugar, que ela deve ser apropriada. Agora vem a terceira regra: a

movimentação e os gestos nunca devem ser grotescos. Isso é bastanteevidente, e não insistirei no ponto, exceto dando alguns espécimes dogrotesco para que vocês não somente evitem as situações idênticas, mastambém as que tenham características semelhantes. Parece que em todasas épocas os gestos absurdos têm sido muito numerosos, pois num velhoautor encontro uma longa lista de excentricidades, algumas das quais éde esperar que tenham abandonado este mundo, enquanto que outras sãodescritas em termos tão violentos que provavelmente não passam decaricaturas dos fatos reais. O referido escritor diz:

"Alguns mantêm a cabeça imóvel e virada para um lado, como se fossefeita de chifre; outros fitam os olhos de modo horrível, como se tivessem a

intenção de assustar toda gente; alguns estão sempre torcendo a boca emexendo o queixo enquanto falam, como se estivessem mascando nozes otempo todo; alguns, como o apóstata Juliano, respiram insultos, e exprimemdesdém e insolência em seus semblantes. Outros, como se personalizassemos heróis fictícios das tragédias, escancaram tremendamente a boca eesticam os maxilares tão amplamente como se fosse engolir a todos; acimade tudo, quando rugem furiosos, espalham espuma para todo lado eameaçam com a testa enrugada e com olhos que parecem Saturno. Estes,como se estivessem praticando algum jogo, estão continuamente fazendomovimentos com os dedos e, pelo extraordinário trabalho das mãos,esforçam-se para formar no ar, quase posso dizê-lo, todas as figuras usadaspelos matemáticos; aqueles, ao contrario, têm mãos tão pesadas e tãopresas em baixo pelo terror, que poderiam mover mais facilmente vigas demadeira. Muitos labutam tanto com os cotovelos que é evidente que, ouforam outrora sapateiros, ou não viveram em outra sociedade que a dosremendões. Alguns são tão instáveis nos movimentos do corpo que parecem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)estar falando numa canoa; outros ainda são tão pesados e grosseiros emseus movimentos, que você poderia pensar que são sacos de estopapintados para parecerem homens. Vi alguns que davam saltos na plataformae pulavam até quase caírem fora; homens que exibiam a dança do forrador,

e, como diz o velho poeta, expressavam com os pés a sua aptidão. Masquem é capaz de, num curto espaço, enumerar todos os defeitos degesticulação, e todos os absurdos da má elocução?"

Certamente esse catálogo poderia contentar o mais vorazcolecionador a serviço da câmara de horrores, mas não incluí a metadedo que pode ser visto em nossos tempos por alguém capaz de vaguear deuma igreja a outra. Como as crianças parecem não esgotar nunca as suastravessuras maldosas, assim os pregadores parecem nunca chegar ao fimdos seus gestos estranhos. Mesmo os melhores caem nelesocasionalmente.

A primeira espécie de ação grotesca pode ser denominada, a ação

rígida; e é muito comum. A impressão que se tem é que os homens queexibem este horror Não têm dobras no corpo e têm as juntas enrijecidas.Os braços e as pernas se movem como se estivessem presas a gonzos deferro, e como se fossem feitos de metal excessivamente duro. Um

 boneco anatômico de madeira, como os usados pelos artistas, poderiarepresentar bem os seus braços e pernas, tão retos e rígidos, mas isto nãomostraria os puxões com que esses braços e pernas são atirados paracima e para baixo. Não há nada que seja circular nos movimentos dessesirmãos; tudo é angular, agudo, mecânico. Se eu tivesse que expor o que

 pretendo colocando-me nas atitudes retangulares deles, poderiam pensar que eu estava fazendo caricatura de mais um teólogo da região

setentrional, tremendamente hábil, e, tendo o temor disto diante dosmeus olhos, e, ainda mais, tendo o máximo respeito por aqueles irmãos,não ouso entrar em pormenores muito insignificantes. Contudo, é desupor que esses bons homens têm ciência de que suas pernas não deviamapresentar-se como se pertencessem a um cavalo de cânhamo, ou a umaenorme tenaz, e de que os seus braços não deviam ser absolutamenterígidos como atiradores.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Já se sugeriu óleo para as juntas, mas parece que falta óleo nos

 próprios braços e pernas, que se movem para cima e para baixo como se pertencessem a uma máquina, e não a um organismo vivo. O certo é que

nenhum exercício poderia curar esse defeito que, em alguns pregadores,quase chega a ser uma deformidade. No palco do Exeter Hall,cavalheiros afligidos por rigidez natural não somente fornecem material

 para o habilidoso caricaturista, mas também, infelizmente, desviam aatenção dos seus ouvintes, dos seus admiráveis discursos para os seusexecráveis movimentos.

Em certa ocasião, ouvimos cinco ou seis observações feitas sobre agrosseria da postura do mestre, e apenas um ou dois elogios ao seuexcelente discurso. "O povo não nota semelhantes insignificâncias",observa o nosso amigo Philo. Mas o povo nota sim essasinsignificâncias, devessem fazê-lo ou não, e, portanto, é melhor nãoexibi-las.

É provável que algumas pessoas excelentes considerem toda esta preleção como indigna de sua atenção e como tendo humor questionável.Mas, não posso deixar de fazê-la, pois, embora eu não atribua tanto valor 

à movimentação como Demóstenes ao desenvolver o primeiro, osegundo e o terceiro ponto da oratória, é certo que muito bom discursocarece de poder por causa do comportamento desajeitado do orador.Portanto, se eu puder em alguma medida reparar o mal, alegrementeagüentarei a crítica dos meus irmãos mais melancólicos.

Por mais jocosas que as minhas observações pareçam, ajo com profunda seriedade. A melhor maneira de atacar essas loucuras é com as

leves setas do ridículo, pelo que as emprego, não tendo a mesma opiniãodaqueles"Que acham toda a virtude no ar de gravidade,e nos sorrisos vêem sintomas de maldade."

A segunda forma do grotesco não difere propriamente da primeira,e pode distinguir-se melhor como o tipo mecânico metódico. Neste caso,os homens se movem como se não fossem seres vivos possuídos de

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vontade e intelecto, mas como autômatos formados para seguirem aintervalos precisos, movimentos prescritos. Nos fundos do Tabernáculoum sitiante instalou sobre sua casa uma espécie de cata-vento com forma

de soldadinho, que levanta um braço e depois o outro à menor brisa.Muitas vezes isso me fez sorrir porque irresistivelmente me recordaFulano que alternadamente sacode os braços, ou, se deixa parado um

 braço, movimenta o outro para cima e para baixo tão persistentementecomo se o homem fosse acionado pelo vento ou por um maquinismo derelógio. Para cima e para baixo, para cima e para baixo vai a mão, semvirar nem para a direita, nem para a esquerda, todo movimento sendorepudiado, exceto este monótono subir e descer.

Pouco importa quão inquestionável um movimento seja em simesmo, virá a ser intolerável se for feito continuadamente, sem variação.Ludovicus Cresollius, da Bretanha (1620) em seu tratado sobre osmovimentos e a pronúncia do orador, fala um tanto fortemente de umculto e polido pregador parisiense que o irritara com a enfadonhamonotonia da sua movimentação. "Quando ele se voltava para aesquerda, falava algumas palavras acompanhadas por um moderado

gesto da mão. Depois, inclinando-se para a direita, desempenhava aquelemesmo papel. Depois virava para a esquerda, e logo para a direita denovo. A intervalos medidos e quase iguais, executava o gesto usual e

  prosseguia em sua única espécie de movimento. Somente podiacomparar-se aos bois da Babilônia que, com os olhos vendados,avançavam e retornavam pelo mesmo caminho. Isso me desgostou tanto,que fechei os olhos, mas mesmo assim não pude eliminar a desagradável

impressão causada pela atitude do orador."O estilo predominante na Câmara dos Comuns, na medida em que otenho visto nas sessões públicas, consiste de um movimento das costas eda mão para cima e para baixo. O ouvinte parece ver o parlamentar inclinar-se perante o Presidente e a honorável câmara como um garçom ofaz no restaurante ao receber o pedido de um prato primoroso. "Simsenhor", "Sim senhor", "Sim senhor", sacudindo o corpo a cada

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)exclamação. A divertida trova seguinte, com seus versos curtos, trazmuitos oradores parlamentares à minha memória:

"Sr. Parlapatão,Não alise o chapelão;a sua argumentaçãoamassa o chapéu doutro varão."

Isto tem bastante afinidade com o que foi descrito com precisãocomo estilo de manejo de bomba. É testemunhado com freqüência, econsiste de uma longa série de movimentos de braço, visando, talvez, aaumentar a ênfase, nada conseguindo, porém. Oradores desse tipolembram-nos o enigma de Moore: "Por que uma bomba é parecida com o

lorde Castlereagh?""Porque é coisa de tábua, e bem delgada,que alteia e abaixa o seu braço grosseiroe frio fala, fala, o tempo inteiro,numa eterna torrente, fraca e aguada."

Ocasionalmente se vê um movimento tipo serrote, em que o braçose estira e se contrai alternadamente. Este movimento é levado à

 perfeição quando o orador se inclina sobre o gradil ou sobre a parte dafrente do púlpito, e se dobra para baixo, para o povo, como o serrador emandaimes, trabalhando em vigamentos. É admirável, quantas vigas ohomem serraria se estivesse de fato trabalhando na madeira, em vez deestar serrando o ar. Damos graças pela conversão de serradores, masconfiamos em que se sintam livres para deixar para trás os seus serrotes.

Coisa bem parecida se pode dizer dos numerosos malhadores quetrabalham entre nós, que golpeiam e batem com grande rapidez,

arruinando as Bíblias e espanando os forros dos púlpitos. Os precursoresdesses cavalheiros foram celebrados pelas linhas freqüentemente citadasde Hudibras:

"E o púlpito é batido – bombo eclesiástico,Não com baqueta, mas, com o punho do bombástico."

Seu único movimento é malhar, malhar, malhar, sem sentido e semmotivo, quer o tema seja alegre ou dramático. Pregam com a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)apresentação de provas e com poder, mas a manifestação é sempre amesma. Não ousamos afirmar que eles batem com o punho daimpiedade, mas o certo é que batem, e com o maior vigor. Exibem as

doces influências da poesia das Plêiades*

e os gentis galanteios do amor com golpes dos punhos; e se esforçam para fazer com que você sinta a beleza e a ternura do tema deles por meio de pancadas do seu malho quenão pára nunca.

Alguns deles são tolos, realmente, e nem sequer martelam com real boa vontade – e então a coisa fica intolerável. A gente gosta de ouvir um bom ruído, e de ver um homem malhar com veemência, se é que issotem que ser feito afinal. Mas o cavalheiro que temos em mente raramenteou nunca é ardoroso em seu trabalho, e bate simplesmente porque esse éseu modo de agir.

"O malho enorme escuta-se vibrar em cadenciado e lento golpear."

Se o individuo tem que golpear , que o faça com ardor. Mas não é  preciso ficar batendo perpetuamente. Há melhores meios de tornar-se pregador contundente do que imitar o teólogo a respeito de quem o seu

assessor litúrgico disse que tinha despedaçado as partes internas de umaBíblia e já ia indo longe com outra. Em certos sermões latinos queconstam de manuscritos antigos, com notas marginais, recomenda-se ao

 pregador que sacuda o crucifixo e malhe o púlpito com ele, como se

malhasse o próprio Satanás!  Deste modo poderia reunir os seus pensamentos. Mas não deve se dar muito valor a pensamentos coligidosassim. Terão alguns desses nossos amigos visto esses manuscritos,

apaixonando-se por sua orientação? É o que parece.Agora, os puxões, os movimentos de serrote, de manejo de bomba,e de bater poderiam ser suportáveis e até apropriados, se fossemcombinados. Mas a repetição de um deles é cansativa e sem sentido. As

*   Plêiades. Mitologia: sete filhas de Atlas, foram transformadas em estrelas. Daí o nome daconstelação das Plêiades ou do Sete-estrelo, mencionada em Jó 38:31. Deu-se também o titulo dePlêiades a sete poetas da antigüidade. Nota do Tradutor.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)figuras dos mandarins numa casa de chá, continuamente meneando acabeça, e das damas de cera que giram com movimentos uniformes navitrina do cabeleireiro, não são bons modelos para homens que têm

diante de si a importante obra de conquistar pecadores para viverem naesfera da graça e da virtude. Vocês devem ser tão fiéis, tão verdadeiros,tão profundamente ardorosos, que lhes sejam impossíveis os movimentosmeramente mecânicos, e tudo que lhes diz respeito significará vida,energia, aptidão concentrada e zelo intenso.

Outro método de grotesco pode ser corretamente denominado,

método dos laboriosos. Certos irmãos nunca falharão no ministério por falta de esforço. Quando sobem à tribuna sacra tencionam dar duro, edentro de pouco tempo estão bufando e resfolegando, como se fossemoperários trabalhando por peça. Entram num sermão com a resolução deromper caminho através dele, empurrando tudo à sua frente. O reino doscéus sofre violência da parte deles num sentido diverso daquele que évisado pela Escritura.

"Como vai indo o seu novo pastor?", perguntou um amigo curioso aum ouvinte simples. "Ora", respondeu o outro, "claro que vai para a

frente, pois toca o pecado como se estivesse abatendo um boi." Excelentecoisa para se fazer espiritualmente, não porém literalmente.

Quando ocasionalmente ouço contar que um rude irmão tirou ocolarinho e a gravata num dia muito quente, e que chegou a tirar o

  paletó, acho que ele estava simplesmente se pondo em condiçõesfavoráveis ao orador de físico vigoroso, pois é evidente que esse tipo deirmão considera o sermão como uma batalha ou como uma luta de

competição. Um furacão irlandês que conheço quebrou uma cadeiradurante uma declamação contra o papado, e fiquei a tremer pela mesatambém. Um distinguido ator que se converteu e se fez pregador emavançada idade, costumava golpear a mesa ou o assoalho com a bengalaquando se acalorava no discurso. Fez-me desejar tapar os ouvidosquando as violentas pancadas do seu cajado se repetiam com rapidez eforça crescente. Qual a utilidade peculiar do barulho não sei dizer, pois

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)estávamos todos despertos, e a voz dele era bastante forte. Contudo, nãohá porque importar-nos com essa atitude do grande ancião, pois ele se

 prestava ao "belo frenesi" do seu dedicado entusiasmo, mas não seria

desejável tal barulho partindo de algum de nós.A ação laboriosa é freqüentemente uma relíquia herdada daatividade exercida pelo pregador no passado. Como o velho caçador não

 pode esquecer inteiramente os cães de caça, assim o bom homem não  pode livrar-se dos hábitos do estabelecimento em que trabalhava. Oirmão que foi especialista na fabricação de rodas, prega sempre como seestivesse fazendo rodas. Se você entende da arte de fabricar carros erodas, pode perceber a maior parte dos processos ilustrada durante umdos discursos mais vigorosos dele. Poderá detectar o engenheiro noutroirmão, o tanoeiro num terceiro, e o merceeiro com sua balança numquarto irmão. O colega que trabalhou no matadouro certamente nosmostrará como se abate um boi de corte, quando chegar ao auge daargumentação. Quando vejo o discurso ir de força em força, e o pregador acalorar-se em seu trabalho, penso comigo mesmo: "Aí vem oaçougueiro com a sua machadinha, ali vai a gorda vaca, e caí por terra o

 boi cativo."Ora, essas reminiscências das ocupações anteriores nunca são muito

censuráveis e sempre são menos detestáveis do que a falta de jeito por completo indesculpável dos cavalheiros que viveram nas câmaras dosaber desde a juventude. Às vezes estes labutam muitíssimo, mas commuito menor semelhança a ocupações úteis. Esmurram o ar e dão durono trabalho de não fazer nada. Cavalheiros procedentes das

universidades são, com freqüência, mais abomináveis em suas atitudesdo que as pessoas comuns. Talvez a instrução recebida os tenha privadoda confiança em si, tornando-os nervosos e desajeitados.

Ocorre-me que alguns oradores imaginam que estão batendotapetes, ou cortando varetas, ou picando carne para lingüiça, ou passandomanteiga, ou enfiando os dedos nos olhos das pessoas. Ah, se eles

 pudessem ver-se a si próprios como os outros os vêem, poderiam parar 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de representar diante do público, economizando os seus exercíciosfísicos para outras ocasiões. Afinal, prefiro as demonstrações vigorosas elaboriosas aos ares mais calmos e pomposos de certos oradores cheios de

si. Um esfrega as mãos muito satisfeito consigo mesmo,"Lavando suas mãos com sabão invisível,em água imperceptível",

e, enquanto isso, proclama as mais típicas trivialidades com ares dequem sobrepuja Robert Hall ou Chalmers (famosos pregadores). Outrofaz pausa e olha em volta com nobre semblante, como se tivessecomunicado inestimável informação a um grupo de indivíduos altamentefavorecidos, dos quais razoavelmente se poderia esperar que atingissem

um estado de intenso entusiasmo e expressassem o seu irresistível sensode obrigação. Nada do que foi dito, foi além da mais simples conversa decolegiais. Mas o ar de dignidade, a atitude de autoridade, e mesmo aentonação dada pelo homem – tudo mostra quão completamentesatisfeito está. Esta pregação não é do tipo laborioso, mas me ocorreumencioná-la por ser o inverso dela, merecendo muito maior condenação.Alguns simplórios se iludem, sem dúvida, e imaginam que quando

alguém fala de maneira pomposa, só pode estar dizendo algo grandioso.Mas os sensatos primeiro se divertem, e depois se aborrecem com omodo grandiloqüente, "a la grand seigneur " – à grande senhor.

Uma das grandes vantagens do treinamento da nossa Escola Bíblicaé a certeza de que o maneirismo inflado será por certo, destruído pelaamável violência com que todos os nossos estudantes se deleitam emlivrar o irmão desse perigo. Muitas pessoas cheias de vento foram

derrubadas nesta sala, pelo toque gracioso de vocês, para nunca maisinflar-se retomando as dimensões antigas – espero eu. No ministério detodas as igrejas há alguns que seriam beneficiados maravilhosamente por um pouco da franca, senão rude, crítica suportada por florescentesoradores que caíram em suas mãos. Gostaria que qualquer ministro aquem tenha faltado esse martírio deveras instrutivo, encontrasse um

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)amigo suficientemente sincero para apontar-lhe quaisquerexcentricidades nos modos, em que possa ter caído sem perceber.

Mas aqui é preciso não passar por alto outro orador do tipo

laborioso que temos em mente. Vamos denominá-lo, o pregador moto-contínuo, que é todo ação, e levanta o dedo, ou agita a mão, ou bate palmas a cada palavra. Nunca está em repouso, nem por um momento. Étão ansioso por ser enfático, que na verdade anula o seu objetivo, pois,quando cada palavra do discurso recebe ênfase mediante um gesto, nadaé enfático. Esse irmão desvia a atenção dos ouvintes, das suas palavras

 para os seus movimentos. Os olhos realmente levam os pensamentos para longe do ouvido e, assim, pela segunda vez, o pregador perde o fimem vista. Essa movimentação contínua agita alguns ouvintes e irrita osnervos. E não é de admirar, pois quem agüenta ver esse incessanteafagar, e apontar, e sacudir? Na movimentação, como em tudo mais,"seja a vossa moderação conhecida de todos os homens."

Mencionei, pois, três espécies do grotesco – o rígido, o mecânico eo laborioso – dando uma vista de olhos ao indolentemente engrandecido.Encerrarei a lista mencionando outras duas. Existe o tipo marcial , que

também faz limites com o grotesco a ponto de merecer ser incluído nestacategoria. Alguns pregadores parecem estar combatendo o bom combateda fé toda vez que se levantam diante de um grupo de ouvintes.Assumem atitude belicosa e, ou ficam em guarda contra um inimigoimaginário, ou então atacam o adversário invisível com inflexíveldeterminação. Não poderiam ter aparência mais feroz se estivessem àfrente de um regimento de cavalaria, nem pareceriam mais satisfeitos no

fim de cada divisão do discurso, se tivessem combatido numa série deWaterloos (vencendo outros tantos Napoleões). Curvam a cabeça paraum lado, com ar triunfante, como se prestes a dizer: Derrotei aqueleinimigo, e nunca mais ouviremos falar dele."

A última singularidade de movimentos que colocarei sob este pontoé a do tipo descompassado. Neste caso, as mãos não estão no mesmocompasso dos lábios. O bom irmão é um pouco tardio em seus

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)movimentos e, daí, toda a operação fica desordenada. No princípio vocênão consegue decifrar o homem. Parece socar e tocar sem pé nemcabeça, mas, por fim, você percebe que os movimentos que ele faz – 

agora são próprios para o que ele disse segundos antes. O efeito éestranho ao extremo. É um enigma incompreensível para os que não têma chave para decifrá-lo e, quando plenamente compreendido, não perdenada da sua esquisitice.

Além destas excentricidades, há um tipo de movimentação que,  para usar a expressão mais branda, deve ser descrita comocompletamente  feia. Para os deste caso, uma plataforma é "geralmentenecessária", pois ninguém consegue fazer-se tão inteiramente ridículoquando oculto por um púlpito. Agarrar-se a um gradil e curvar-se cadavez mais para baixo até quase tocar o piso é o cúmulo do absurdo.Talvez seja uma posição apropriada como prelúdio de uma proeza deginástica de agilidade, mas como acompanhamento da eloqüência, émonstruosa. Entretanto, eu já vi isso mais de uma vez. Acho difícildescrever com palavras essa posição fora do comum, mas um retratomostraria como é ridícula e tornaria obsoleta a atitude. Um ou dois

irmãos se divertiram na minha tribuna dessa maneira extravagante, e são bem-vindos para repetirem o ato, para ver se, ao ver-se traçados destemodo rude, considerem aquela postura imponente e impressionante.Seria muito melhor para tais atores que se relatasse deles o que seregistrou sobre o grande wesleyano Richard Watson: "Ele ficava

 perfeitamente ereto, e quase toda a movimentação que empregava era umligeiro movimento da mão direita e um significativo meneio ocasional da

cabeça."O hábito de encolher os ombros chega a dominar alguns pregadores. Certo número de homens tem ombros largos por natureza, emuitos outros mais parecem determinados a dar essa impressão, poisquando não têm algo de peso para transmitir, apóiam-se, elevando ascostas. Um excelente pregador de Bristol, recentemente falecido, faziaressaltar a corcova, primeiro de um ombro e depois do outro, enquanto

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)os seus grandiosos pensamentos lutavam para sair e, quando conseguiaexpressá-los, parecia um corcunda, até o esforço esvair-se. Que lástimaum hábito desses tornar-se inveterado! Quão desejável evitar a sua

formação!Diz Quintiliano: "Algumas pessoas levantam os ombros quandofalam, mas isso é um erro na gesticulação. Para curar-se disso,Demóstenes costumava ficar numa tribuna estreita e praticar a oratóriacom uma lança pendurada sobre o ombro de modo que, se no calor daalocução ele deixasse de evitar aquele defeito, seria corrigido ferindo-secontra a ponta." Este é um remédio agudo, mas valeria a pena uma feridaocasional, se os que destorcem a forma humana fossem curados desseerro.

  Numa reunião pública certa ocasião, um cavalheiro que pareciamuito em casa, falando com elevada dose de superioridade familiar, pôsas mãos para trás, debaixo da dupla cauda do fraque, e o resultado foiuma figura muito singular, especialmente para os que o viam de perfil,estando ao lado da tribuna. À medida que o orador ficava mais animado,movia as pontas do fraque com maior freqüência, lembrando ao

espectador a rabeta-ferreira (ave de cauda inquieta). É preciso ver paraapreciá-lo, mas uma só exibição será suficiente para convencer qualquer 

 pessoa sensata de que, por mais gracioso que um fraque seja, de modonenhum contribuí para a solenidade da ocasião ver as pontas da caudadesse traje projetando-se por trás do orador.

Vocês também devem ter visto nas reuniões o cavalheiro que põe asmãos nos quadris e, ou olha como se desafiasse o mundo, ou como se

estivesse suportando considerável dor. Esta posição lembra muito mais aBillingsgate e as mulheres que ali gritam anunciado a venda de peixes,do que a eloqüência sacra. Os braços "akimbo", creio que é como dizem(descrevendo o movimento de colocação das mãos nas cadeiras, com oscotovelos voltados para fora), e o próprio som da palavra sugerem oridículo, não o sublime. Podemos ceder a isso no momento próprio, masfazer um discurso com aquela postura é absurdo. Pior ainda é meter as

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)mãos nas calças, como as pessoas que se vêem nas estações ferroviáriasfrancesas que, provavelmente, enfiam as mãos nos bolsos porque nNãohá nada neles, e a natureza detesta o vácuo. Ninguém será criticado por 

colocar um dedo no colete por um instante, mas enfiar as mãos nascalças é ultrajante. Haverá a sensação de completo desprezo pelosouvintes e pelo tema, diante de um homem que chegue a fazer isso.

Cavalheiros, porque vocês são cavalheiros, nunca precisarão ser advertidos contra essa prática, pois não se rebaixarão a ela. Uma vez ououtra, perante ouvintes excessivamente delicados e emproados, umhomem pode ser tentado a causar choque à estulta afabilidade delesadotando liberdade e certo relaxamento, visando ao protesto de uma rudevaronilidade. Ver, porém, um homem pregar com as mãos nos bolsosnão nos lembrará nem um profeta, nem um apóstolo. Há irmãos queestão sempre fazendo isso, e o fazem confiados no poder da sua

  personalidade. Pois são estes mesmos que não deveriam fazer coisaalguma dessa espécie, porque o seu exemplo é poderoso e eles são umtanto responsáveis pelos fracotes que os imitam.

Outro estilo indecente é quase ligado ao precedente, embora não

seja tão condenável. Pode-se ver nos jantares públicos da classe comum,onde os alvos coletes precisam de uma pequena exibição extra, e nasreuniões de operários, em que um empregador oferece um banquete aosseus homens, e está respondendo ao brinde da "firma". Ocasionalmentese exibe em reuniões religiosas, onde o orador é homem de importâncialocal e se sente monarca sobre todos os que estão sob suas vistas. Nestecaso, os polegares são inseridos nas cavas do colete, e o orador atira para

trás o casaco, pondo a descoberto a parte inferior da camisa. A isto dei onome de estilo de pingüim, e não consigo achar comparação melhor.Para um lacaio ou cocheiro num  soirée (sarau), ou para um membro daOrdem dos Sujeitos Estrambóticos, essa atitude pode ser adequada edigna; e um venerando senhor numa reunião familiar pode falar aos seusmeninos e meninas naquela posição. Mas, para um orador público, e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)muito mais para um ministro, como hábito usual, está tão fora das boasqualidades requeridas quanto uma postura pode estar.

Companheiro desse modo de agir é o costume de segurar o paletó

 perto da gola, como se o orador considerasse necessário manter-se bemseguro pelas mãos. Alguns agarram firmemente o vestuário nessa parte,e depois esfregam as mãos para cima e para baixo como se pretendessemdobrar o paletó em algum ponto, ou alongar a gola. Parecem pender da

 parte dianteira do paletó, como um homem agarrado em duas cordas. Éde admirar que a roupa não se rasgue por trás, à altura do pescoço. Esta

 prática não acrescenta nada à força ou à clareza do estilo do orador, e sua provável significação é: "Estou tranqüilo à bessa, e ouvir a minha voz medeleita grandemente."

Supondo que seria bom eliminar tantas feiúras quantas for possível,mencionarei mesmo aquelas que são um tanto raras. Lembro-me de umministro competente, que estava acostumado a fitar a palma da sua mãoesquerda enquanto, com a direita, parecia ir tirando dali as suas idéias.Divisões, ilustrações, pontos de exposição, pareciam brotar em sua

  palma como outras tantas flores, que ele parecia arrancar

cuidadosamente pela raiz, uma por uma, exibindo-as ao público. Issotinha pouca importância, pois o pensamento daquele pregador era damais alta ordem de excelência, mas o certo é que aqueles movimentosnão tinham graça nenhuma.

Um pregador de classe nada inferior costumava levantar o punhoaté à própria testa e tocar de leve na fronte, como se precisasse bater à

 porta da mente para despertar os seus pensamentos. Isso também era

mais peculiar do que eficaz.Fincar na mão esquerda o indicador da direita, como que abrindo pequenos buracos na palma, ou usar dito dedo em riste, como se vocêestivesse apunhalando o ar, é outra atitude extravagante que não deixa deter o seu lado cômico.

Passar a mão pela testa quando o pensamento é profundo e não estáfácil encontrar a palavra exata, é um movimento muito natural, mas

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)copar a cabeça não é igualmente aconselhável embora talvez

  perfeitamente natural. Vi esta última cena levada a consideráveisextensões, mas nunca me enamorei dela.

  Não posso deixar de mencionar uma ridicularia acidental que édemasiadamente comum. Alguns irmãos sempre dão ordens com a mãoespalmada, que continuam movendo para cima e para baixo ao ritmo decada sentença. Ora, este movimento é excelente a seu modo, se não for executado de maneira muito monótona, mas infelizmente está sujeito aacidentes. Se o ardoroso orador continua a mover a mão para cima e para

  baixo, corre o grande perigo de apresentar uma aparência comimplicações deploráveis. O objetivo da ação é o simbólico, mas,infelizmente, o símbolo está um tanto vulgarizado, e tem sido descritocomo "pôr o dedão do despeito no nariz da desfeita." Alguns há quetolamente cometem esse erro uma série de vezes durante um discurso.

Vocês deram risada destes retratos que procurei esboçar para suaedificação. Cuidado, que ninguém venha a rir-se de vocês por caíremnestas atitudes absurdas ou noutras semelhantes.

Devo confessar, porém, que não penso tão mal de qualquer delas,

ou de todas juntas, como penso do estilo superfino, inteiramentedesprezível e abominável. É pior do que o vulgar comum, pois é a

 própria essência da vulgaridade, aromatizada com ostentações e ares defidalguia. Rowland Hill esboçou a coisa que estou condenando no retratoque fez do Sr. Taplash. É certo que é uma representação mais correta decaracterísticas de cinqüenta anos atrás, do que de agora, mas nos traços

 principais ainda é suficientemente exata.

"O orador, em sua primeira apresentação, vinha empertigado e vestidocom a mais consumada elegância. Nem um fio de cabelo se achava fora delugar em seu crânio vazio, no qual o barbeiro estivera exercendo o seu oficiotoda a manhã de domingo; e empoado até ficar alvo como a neve. Assimelegantemente decorado, e cheirando como um gato almiscarado, pelaabundância de perfume, impregnava o ar de aroma quando passava. Então,com o mais vaidoso saltitar, subiu ao púlpito como se estivesse saindo deuma chapelaria. E ali tinha de exibir Não somente a sua elegante produção

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)como também a sua elegância pessoal, sua mão alva e delicada exibindoum anel de diamante, enquanto o seu lenço branco, recendendo a finosaromas, era desdobrado e manuseado com admirável destreza e arte. Seufrasco de sais aromáticos era levado ocasionalmente ao nariz, dando ao

dono diversas oportunidades para exibir o cintilante anel. Tendo desse modoajustado a importante questão do lenço e do frasco de sois, em seguidatirava os óculos, para poder reconhecer a nata do seu auditório, pessoascom as quais talvez tivesse agido galantemente, entretendo-as com suaconversa barata no dia anterior. A estas, tão logo lhes encontrava os olhos,favorecia com um olhar sorridente e com um aceno gentil."

Esta é uma pungente versão de uma resenha publicada por Cooper sobre certos "mensageiros da graça" que "voltavam a si" quando acabava

o sermão. Pequeninas personalidades, devem ter sido."Sai o espelho de bolso, e primeiro riscamosa sobrancelha; logo o cabelo aprumamos.Em seguida, com ar graciosamente armado,na poltrona caímos e o braço estendemose o pousamos gentis no braço da poltronacom o lenço estirado e pendendo da mão.Mais ocupada, a destra oferece ao nariz

seu perfume, ou ajuda presta aos olhos gratoscom binóculos para ver moventes cenase olhar a exposição que devagar se esvai.Ora, isto é repugnante, e a mim me ofende maisdo que, no homem da igreja, a ociosa negligênciae a grosseria rústica."

"Grosseria rústica" é algo reanimador, depois de se estar cansado da

vaidade fútil. Bem fazia Cícero, exortando os oradores a adotarem antesos gestos do quartel ou da arena, do que os dos dançarinos com suasfinuras efeminadas. Nunca se deve sacrificar a varonilidade à elegância.Os operários nunca serão levados sequer a pensar na verdade doevangelho por mestres que são finos almofadinhas. O trabalhador

 britânico admira a virilidade e prefere dar ouvidos a alguém que falanum estilo natural e sincero. Na verdade, os operários de todas as nações

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)tendem mais a ser tocados por uma negligência bravia do que por uma

 presunçosa atenção à aparência pessoal. A história contada pelo abadeMullois é – suspeitamos – apenas uma dentre uma série numerosa.

Um operário parisiense convertido, homem de boa disposição masfranco, cheio de energia e de espírito, que tinha falado muitas vezes comgrande sucesso em agremiações compostas de homens da sua classe, foiabordado pelo pregador que o levara a Deus. Pediu-lhe que lheinformasse por qual instrumentalidade ele, que antes fora tão alienado dareligião, chegara a ser restaurado à fé. "Dai-me a informação", disse ointerrogador, "pode ser-me útil nos esforços que faço para recuperar outros." "Acho que não", replicou o homem, "pois devo dizer-lhefrancamente que o senhor não figura de modo notável no caso." "Nãoimporta", disse o outro, "Não será a primeira vez que ouço a mesmaobservação." "Bem, se quer ouvir, posso contar-lhe em poucas palavrascomo se deu o fato. Uma boa senhora me havia importunado, insistindoque lesse o seu livrinho – perdoe-me a expressão; eu costumava falar nesse estilo naqueles tempos. Ao ler umas poucas páginas, fiquei tãoimpressionado que tive grande desejo de vê-lo.

"Disseram-me que o senhor pregava em certa igreja, e fui ouvi-lo.Seu sermão acrescentou algum efeito em mim, mas, para falar comfranqueza, muito pouco. Na verdade, comparativamente, nada. O que fezmuito mais por mim foi a sua maneira aberta, simples e descontraída.Acima de tudo, o seu cabelo mal penteado; pois sempre detestei aqueles

clérigos cujas cabeças lembram a de um cabeleireiro; e disse a mimmesmo: 'Visto que esse homem se esquece de si próprio em nosso

  benefício, devemos, portanto, fazer alguma coisa a favor dele.' Daíresolvi visitá-lo, e o senhor me embolsou. Foi assim que a coisa começoue acabou."

Existem tolas senhoritas arrebatadas por algum jovem cujo principal pensamento é a sua preciosa pessoa. É de esperar que estasestejam escasseando cada dia que passa. Mas, os homens sensatos, eespecialmente os robustos trabalhadores das nossas grandes cidades,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)detestam completamente qualquer sinal de vaidade num ministro. Ondequer que você encontre ostentação presunçosa, encontrará ao mesmotempo uma barreira entre aquele homem e a multidão dotada de bom

senso. Poucos ouvidos se deleitam com a voz do pavão.É uma lástima não podermos persuadir todos os ministros a seremhomens, pois é difícil ver como doutro modo serão verdadeiros homensde Deus. É igualmente deplorável que não possamos induzir os

 pregadores a falarem e gesticularem como outras pessoas sensatas, poislhes será impossível cativar as massas enquanto não o fizerem. Todas asestranhas questões de atitude, entonação e vestuário do barricadas entrenós e o povo. Temos que falar como homens, se queremos ganhar homens. A recente volta ao uso de chapéu na Igreja Anglicana é, por estarazão, bem como por razões mais graves, um passo na direção errada. Hácem anos, o vestuário dos clérigos era quase tão distinto como agora,mas não tinha sentido doutrinário, e não passava de vaidade no vestir, sese deve crer em Lloyd, quanto ao que diz em sua Súplica Métrica em

 Favor dos Eclesiásticos.Ele ataca os párocos com muita franqueza e, dentre os restantes,

descreve um janota canônico:"Veja o Nugavã, seus enredos e meneios,um fantoche de igreja, nada mais que autômatoordenado. Olhe o seu andar miúdo e tênue.A religião é creme e capa no seu rosto!É todo religião, desde a cabeça aos pés!Os chapeleiros e os barbeiros fazem isto.Emprega a religião imitando o modista;

é ortodoxa somente em coisas exteriores:faixas, luvas, anéis, chapéus, batinas, túnicas.Sinal do seu saber é a touca de doutor,e prova a sua bondade – porque a roupa é boa."

Este apego às vestes garbosas levou a uma empertigada nobreza no púlpito. Chamavam-lhe "dignidade", e se orgulhavam dela. Distinção edecoro eram sua principal preocupação, e estas se mesclavam com

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) pompa ou com ostentação tola e risonha, conforme as peculiaridades decada criatura, até que os sinceros se cansaram das suas representaçõesocas, e partiram para longe daquelas ministrações bombásticas. Os

 pregadores também estavam preocupados demais com sua apresentaçãoà altura para terem qualquer interesse por serem úteis. Não iriamcondescender em utilizar os gestos que tornariam as suas palavras um

  pouco mais inteligíveis, pois, que lhes interessava o vulgar? Se as pessoas de bom gosto ficavam satisfeitas, eles tinham toda a recompensaque desejavam, e enquanto isso as multidões pereciam por falta deconhecimento. Deus nos livre do comportamento fino e das maneirasdistintas e gentis, se isto mantém o povo alienado do culto público que aDeus prestamos.

Em nossos dias essa ostentação doentia é muito mais rara,esperamos, mas sobrevive ainda. Tivemos a honra de conhecer umministro que não podia pregar sem suas luvas de pelica preta. Certa vez,vendo-se sem elas num certo púlpito, desceu e foi à procura delas nogabinete pastoral. Infelizmente, um dos oficiais tinha ido acomodar-senos bancos levando não só o seu chapéu, como tencionava, mas também

o chapéu e as luvas do pregador, e enquanto se descobria isto, o teólogoestava em terrível agitação, exclamando: "Nunca prego sem luvas. Não

 posso fazê-lo. Não poderei ir ao púlpito enquanto não as achar." Gostariaque não as tivesse encontrado nunca, pois se daria melhor atrás do balcãode uma loja de confecções do que numa tribuna sacra. Toda sorte dedesalinho deve ser evitada por um ministro, mas os dotados devaronilidade caem mais freqüentemente neste erro do que no outro

defeito de tipo efeminado. Portanto, façam o máximo para fugir desteerro pior.Cowper diz: "Aborreço de alma toda afetação."Assim deve ser com todos os homens sensatos. Todos os

estratagemas e efeitos teatrais são insuportáveis quando se devetransmitir a mensagem do Senhor. É melhor ter vestes rotas e fala tosca,de modo sincero e sem arte, do que o pedantismo clerical. É melhor 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)violar todas as regras da elegância do que ser apenas um intérpreteteatral, um ator consumado, um artista num palco. O caricaturista devinte anos atrás favoreceu-me com o título de  Enxofre, e colocou lado a

lado comigo um declamador pedante a quem chamou Melado. Fiqueiinteiramente satisfeito com a sorte que me tocou, mas não poderia dizer tanto se fosse representado com o retrato do meu companheiro. Melaçose outras substâncias açucaradas me fazem adoecer. Um janota no púlpitofaz-me sentir como Jeú quando viu a cabeça enfeitada e o rosto pintadode Jezabel, e gritou indignado: "Lançai-a daí abaixo."

Eu ficaria muito aborrecido se alguma das minhas observaçõessobre as atitudes grotescas levasse um de vocês a ensaiar posturas erepresentações. Isto seria fugir do ruim para o pior. Dissemos que o Dr.Hamilton recebeu aulas de um mestre a fim de livrar-se de sua falta defirmeza, mas ficou evidenciado que o resultado não foi muito animador,e temo seriamente que os mestres profissionais produzem mais males doque curas. Talvez o mesmo resultado decorra da minha tentativa deamador, mas, pelo menos, quero impedir quanto possível aqueladesventura com minhas severas advertências. Não pensem em como vão

gesticular quando pregarem, mas aprendam a arte de fazer a coisa certasem dedicar-lhe um pensamento sequer.

 Nossa última regra resume todas as outras: sejam naturais em suas

atitudes. Fujam até da aparência de gestos estudados. A arte é fria;somente a natureza tem calor. Que a graça os livre de toda falsaaparência e, em todos os movimentos e em todos os lugares sejamautênticos, ainda que tenham que ser considerados rudes e incultos. Que

o seu maneirismo seja seu mesmo. Que nunca seja uma polida mentira,ou o arremedo da amabilidade, o fingimento da paixão, a simulação dasensibilidade emotiva, ou a imitação do modo alheio de pregar – o que éna prática uma mentira.

"Foge, pois, de qualquer atitude ou olhar,e teatral movimento ante o espelho ensaiados."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Nosso objetivo é remover as excrescências da natureza tosca, não

 produzir artificialismo e afetação. Queremos podar a árvore; de modonenhum tencionamos aparelhá-la, dando-lhe forma fixa. Queremos que

os nossos estudantes pensem na questão das atitudes no púlpito enquantoestão conosco na escola, para que nunca mais tenham necessidade de  pensar nisso posteriormente. A matéria é imponderável demais parafazer parte do seu programa semanal de estudos quando entrarem de fatona luta da vida ministerial. É preciso que atentem para o assunto agora, ede modo cabal.

Vocês não são enviados por Deus para pedir sorrisos, mas paraganhar almas. Seu mestre não é o professor de dança, mas o EspíritoSanto, e a maneira de se conduzirem no púlpito só requer um

 pensamento momentâneo, porque pode estorvar o seu bom êxito levandoos ouvintes a fazerem observações sobre o pregador quando o que vocêsquerem é que todo o pensamento deles esteja centralizado no assunto da

  pregação. Se a melhor atitude tivesse aquele efeito negativo, eu osexortaria a renegá-la, e se a pior gesticulação impedisse aquele resultado,eu os aconselharia a praticá-la. Tudo que pretendo é recomendar

movimentos serenos, delicados, espontâneos, porque têm maior  probabilidade de não desviar a atenção.

Toda a questão da entrega da mensagem deve ser una. Tudo deveestar em harmonia. O pensamento, o espírito, a linguagem, a entonação eos movimentos devem constituir uma peça só, visando tudo, não àconquista de honra para nós, mas à glória de Deus e ao bem dos homens.Se for assim, não há por que temer que vocês violem a norma quanto a

serem naturais, pois não lhes ocorrerá ser doutro modo. Tenho porém umtemor, que é o seguinte: vocês podem cair numa estulta imitação dealgum ministro admirado, e isto em alguma extensão os tirará da trilhacerta. Cada movimento de um homem deve corresponder a ele e brotar da sua personalidade. O estilo do Dr. Golias, de mais de dois metros dealtura, não se adapta à estatura e à personalidade do nosso amigoBaixote, que é um Zaqueu entre os pregadores: Tampouco o maneirismo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de um idoso e venerando teólogo serve para o jovem Apolo, mal saídoda adolescência.

Ouvi dizer que durante bom tempo muitos jovens ministros

congregacionais imitaram o pastor que pregava na Capela de WeighHouse, em Londres, e assim havia pequenos Binney por toda partecopiando o grande Thomas em tudo, menos em sua pregação impregnadade pensamento. Corre o boato de que há por aí um ou dois jovensSpurgeon. Se é assim, espero que a referência seja aos meus dois filhos,que têm direito ao nome por nascimento. Se alguns de vocês vierem a ser copistas de mim, vou considerá-los espinhos na carne, e os classificareientre aqueles que, como Paulo diz, "suportamos alegremente."

Contudo, tem-se dito com sabedoria que todo principiante devenecessariamente ser imitador por algum tempo. O artista segue o seumestre enquanto adquire com simplicidade os rudimentos da arte, etalvez continue sendo a vida toda um pintor da escola à qual se ligara no

 princípio. Mas, conforme vai ganhando proficiência, desenvolve a suaindividualidade, chega a ser um pintor com seu próprio estilo – e lhe foimelhor, e nem um pouco ruim, que nos seus primeiros dias se

contentasse em sentar-se aos pés de um mestre.Acontece necessariamente a mesma coisa na oratória. Portanto,

  pode ser demasiado dizer: nunca imitem ninguém; mas talvez sejamelhor exortá-los a imitarem a melhor atitude que possam encontrar, afim de que o estilo de cada um de vocês, durante a sua formação, sejamodelado corretamente. Corrijam a influência de qualquer pessoa comaquilo que vejam de excelente em outras. Todavia, tratem de criar o seu

 próprio modo de se conduzir. Imitação servil é prática de macaco, masseguir outro por onde ele conduz direito, e somente ali, é sabedoria dohomem prudente. Nunca, porém, deixem que a originalidade natural sejamalograda por sua imitação dos melhores modelos da antigüidade ou dosmais apreciados dentre os modernos.

Em conclusão, não permitam que as minhas críticas a várias  posturas e movimentações grotescas os persigam no púlpito. Seria

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)melhor praticá-las todas do que ficar com medo, pois isto os fariaacanhados mentais e desajustados. Lancem-se a isso, quer seja asneira,quer não. Nesta matéria, poucos erros conterão a metade do mal que

existe no erro do nervosismo. Pode acontecer que, o que seria excêntricoem outrem, seja muitíssimo apropriado em você. Daí, não tome o dito dequalquer pessoa como aplicável a todos os casos, nem ao seu mesmo.Você vê como John Knox é retratado na bem conhecida gravura. Sua

 postura é elegante? Talvez não. Todavia, não é exatamente o que deviaser? Poderá achar algum defeito nela? Não é parecida com Knox, erepleta de poder? Não se enquadraria bem num homem dentre cadacinqüenta. Na maioria dos pregadores pareceria forçada, mas no grandereformador é característica, e combina com a obra que lhe absorveu avida. Você deve recordar a pessoa, os tempos e as circunstâncias, e entãoo maneirismo passa a ser visto transformado num pregador e heróienviado para realizar a obra de um Elias e a proclamar as suasadmoestações na presença de uma corte papista que odiava as reformasque ele exigia.

Seja você mesmo, como Knox foi ele próprio. Ainda que tenha que

ser rude e desajeitado, seja você mesmo. Suas roupas, embora deconfecção caseira, servem-lhe melhor do que as de outro homem, mesmoque estas sejam feitas da melhor fazenda. Se quiser, poderá seguir amoda do vestuário do seu preceptor, mas não tome emprestado o casacodele. Contente-se com um que seja seu mesmo.

Acima de tudo, seja tão cheio de interesse, fervoroso e gentil, queos ouvintes liguem pouco para o modo como você veicula a palavra,

 pois, se perceberem que ela é recém-chegada do Céu, e a acharemagradável e abundante, terão em pequena monta o cesto em que lhes étrazida. Deixe que digam, se lhes aprouver, que a sua presença física éfraca, mas ore no sentido de que confessem que o seu testemunho tem

 peso e poder. Encomende-se à consciência de cada pessoa, à vista deDeus, e então a simples questão das essências da postura raramente serálevada em conta.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)

FERVOR: SUA DEFORMAÇÃO E SUA PRESERVAÇÃO

Se me perguntassem: Qual a qualidade deveras essencial de umministro cristão que assegura êxito na conquista de almas para Cristo?Eu responderia: "fervor". E se me fizessem a mesma pergunta umasegunda e uma terceira vez, não mudaria a minha resposta, pois aobservação pessoal me leva a concluir que, em regra, o verdadeirosucesso é proporcional ao grau em que o pregador é ardoroso. Tanto osgrandes homens como os de menor vulto obtêm bom êxito se viveminteiramente para Deus, e, se não, falham. Conhecemos homenseminentes que alcançaram alta reputação, atraem multidões de ouvintes esão muito admirados, mas, não obstante, estão em baixo grau na escalados conquistadores de almas. Isso porque tudo o que fazem naqueladireção poderiam aplicar sendo preletores de anatomia ou oradores

 políticos.Ao mesmo tempo, temos visto seus companheiros de habilidades

sendo tão benéficos à atividade ligada à conversão dos pecadores que,evidentemente, as suas capacidades adquiridas e os seus dons não lhesconstituem obstáculos, e, sim, o inverso. Sim, porquanto, pelo intenso edevotado uso das suas capacidades, e pela unção do Espírito Santo,levaram muitos a volver-se para a justiça. Temos visto irmãos dehabilidades muito limitadas, terríveis carretões na igreja, que se mostramtão ineficientes em suas esferas de ação como os cegos num

observatório. Por outro lado, porém, homens dotados de potencialigualmente pequeno, são-nos conhecidos como poderosos caçadoresdiante do Senhor, mediante cuja santa energia muitos corações foramcapturados para o Salvador.

Delicia-me a observação de McCheyne: "O que Deus abençoa não étanto o grande talento, como a grande semelhança com Cristo."

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Em muitos casos se rastreia e se encontra a explicação quase total

do sucesso ministerial num zelo intenso, numa consumidora paixão pelasalmas e num ardente entusiasmo pela causa de Deus; e cremos que em

cada caso, estando as outras coisas presentes em igual medida, oshomens prosperam no serviço divino na proporção em que os seuscorações estejam inflamados de santo amor: "O deus que responder por fogo esse será Deus"; e o homem que tiver língua de fogo, esse seráministro de Deus.

  Irmãos, como pregadores, vocês e eu devemos ser sempre

 fervorosos com referência ao nosso trabalho de púlpito. Nisto devemoslabutar para atingir de fato o supremo grau de excelência.Freqüentemente digo a meus irmãos que o púlpito do as Termópilas dacristandade; ali a batalha será ganha ou perdida. Para nos ministros, a

  preservação do nosso poder no púlpito deve ser a nossa grande preocupação. Temos que ocupar aquela torre de vigia com os nossoscorações e mentes alertados e em pleno vigor. Não nos adiantará sermoslaboriosos pastores se não formos pregadores fervorosos. Receberemos o

 perdão de muitos pecados na questão das visitas pastorais, se as almas

forem realmente alimentadas no dia de santo repouso. Mas, alimentadasé o que devem ser, e nenhuma outra coisa compensará isso. Os fracassosde muitos ministros que vão água abaixo podem ser explicados pelaineficácia no púlpito. A principal atividade de um capitão do mar é saber dirigir o seu navio; nada pode ressarcir a deficiência nisso. Assim osnossos púlpitos devem receber o nosso maior cuidado, ou tudo andarátorto. Os cães brigam com freqüência porque o suprimento de ossos é

escasso, e freqüentemente os membros das igrejas brigam porque nãorecebem alimento espiritual suficiente para mantê-los felizes e pacíficos.A razão aparente da insatisfação pode parecer alguma outra coisa, mas,nove vezes em dez a deficiência nas rações é a causa das dissensões queocorrem em nossas igrejas. Como todos os outros animais, os homenssabem quando estão bem alimentados, e geralmente se sentem bemdispostos depois de uma refeição. Assim, quando os ouvintes vêm à casa

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de Deus e obtêm "alimento conveniente para eles", esquecem muitasofensas na alegria da festa, mas se forem mandados embora com fome,estarão irritadiços como uma ursa cujas crias lhe foram roubadas.

Agora, para sermos aceitáveis,  precisamos ser fervorosos quandoaplicados à pregação propriamente dita. Bem disse Cecil que o espíritoe os modos do pregador muitas vezes produzem mais efeito do que oconteúdo da mensagem. Ir para o púlpito com o ar negligente daquelescavalheiros que se refestelam aqui e acolá, e se recostam na almofadacomo se tivessem encontrado afinal um tranqüilo lugar de repouso, é,creio eu, extremamente censurável. Levantar-se diante do povo paradistribuir lugares comuns que não custaram nada ao pregador, como sequalquer coisa servisse para um sermão, não apenas deprecia a dignidadedo nosso oficio, mas é ofensivo à vista de Deus.

Temos que ser fervorosamente zelosos no púlpito por amor de nósmesmos, pois não conseguiremos manter por muito tempo a nossa

 posição de líderes da igreja de Deus se formos insípidos. Além disso,temos que ser dinâmicos por amor dos membros da igreja e dosconversos, pois, se não formos zelosos, nem eles o serão tampouco. Não

é da ordem da natureza que os rios corram morro acima, e não acontececom freqüência que o zelo suba dos bancos dos ouvintes ao púlpito. Onatural é que flua de nós para os nossos ouvintes. Portanto, o púlpitodeve estar em nível mais alto de ardor, se é que havemos de, sob Deus,tornar os crentes mais fervorosos, e conservá-los assim. Aqueles queacompanham o nosso ministério têm muito que fazer durante a semana.Muitos deles têm provações na família e pesadas cargas pessoais para

transportar, e freqüentemente entram na reunião frios e desligados, comos pensamentos perambulando para lá e para cá. Compete-nos apanhar aqueles pensamentos e lançá-los ao formo do nosso zelo fervoroso,fundi-los mediante contemplação santa e apelos intensos, despejando-osdepois no molde da verdade.

O ferreiro não pode fazer nada depois que se apaga o fogo, e, nesteaspecto, é o tipo do ministro. Se todas as luzes do mundo exterior se

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)extinguem, a lâmpada que arde no santuário deve permanecerchamejante; por este fogo jamais deve repicar o toque de recolher.Devemos considerar os freqüentadores como a madeira e o sacrifício,

  bem embebidos duas ou três vezes pelas preocupações da semana, esobre os quais devemos, como o profeta, rogar fogo dos céus. Umministro molenga cria um auditório de molengas. Você não pode esperar que os oficiais e os membros da igreja viajem a vapor se o próprio pastor que elegeram ainda dirige a velha carroça de rodas grandes. Cada um denós devia ser como aquele reformador descrito como, "Vividus vultus,

vividi occuli, vividae manus, denique omnia vivida", que prefiro traduzir livremente assim: "Figura irradiando vida, olhos e mãos cheios de vida;em suma, um pregador vívido, totalmente vivo."

"A tua alma precisa transbordar,se alcançar a alma de outrem é o que quer.A fim de dar aos lábios bem falar,coração transbordante se requer."

Como a igreja, o mundo também sofrerá, se não formos fervorosos. Não podemos esperar que um evangelho vazio de fervor exerça poderoso

efeito sobre os inconversos ao nosso redor. Uma das desculpas maissoporíferas para a consciência de uma gerarão iníqua é a indiferença do  pregador. Se o pecador nota que o pregador está meio dormindoenquanto fala do juízo vindouro, concluí que esse juízo é algo sobre oque o pregador está sonhando, e resolve considerar isso tudo comosimples ficção. Todo o mundo exterior é objeto de sério perigo a que osubmete o pregador de coração frio, pois ele deduz a mesma conclusão aque chega o pecador individual: persevera em sua negligência, dedicasuas energias aos seus bens transitórios, e se considera sábio por agir assim. Como poderia ser de outro modo? Se o profeta deixa para trás ocoração quando professa falar em nome de Deus, que poderá esperar,senão que os ímpios ao seu redor fiquem persuadidos de que não há nadana mensagem dele, e que sua comissão evangélica é uma farsa?

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Ouçam como Whitefield pregava, e nunca mais ousem ser

letárgicos. Winter diz dele que "às vezes chorava copiosamente, efreqüentemente ficava tão dominado que, por alguns segundos, você

suspeitaria que ele nunca mais se recuperaria; e ao recuperar-se, anatureza exigia um pouco de tempo para recompor-se. Mal sei se houvealguma ocasião em que ele foi até o fim do sermão sem chorar pouco oumuito. Sua voz muitas vezes era interrompida por seus impulsos deafeto. Eu lhe ouvi dizer no púlpito: "Vocês me censuram por chorar.Mas, como posso deixar de fazê-lo, quando vocês não choram por simesmos, apesar de que as suas almas estão à beira da destruição, e algome diz que vocês estão ouvindo um sermão pela última vez e pode ser que nunca mais tenham oportunidade de receber o oferecimento deCristo?"

O fervor no púlpito deve ser real . Não deve ser um arremedo. Nós ovimos falsificado, mas qualquer pessoa com um pingo de discernimento

 podia detectar o embuste. Bater os pés, golpear o púlpito, suar, gritar,vociferar, citar trechos patéticos de sermões alheios, ou derramarvoluntárias lágrimas de olhos aguacentos, nunca substituirão a

verdadeira agonia de alma e real ternura de espírito. A melhor peça derepresentação não passa de representação. Os que só olham as aparências

 podem agradar-se dela, mas os que amam a realidade terão desgosto.Que presunção! Que hipocrisia é, com habilidoso controle da voz, imitar a paixão que é a obra genuína do Espírito Santo! Tenham cuidado osmeros atores, para não serem achados pecando contra o Espírito Santocom as suas representações teatrais.

Devemos ser fervorosos no púlpito porque somos fervorosos emtoda parte. Precisamos flamejar em nossos discursos porque estamoscontinuadamente inflamados. O zelo que fica armazenado para ser postoem ação somente nas ocasiões grandiosas é um gás que um dia destruiráo seu proprietário. Nada senão a verdade pode aparecer na casa doSenhor. Toda afetação é fogo estranho e provoca a indignação do Deusda verdade. Seja fervoroso, e  parecerá fervoroso. Um coração ardente

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)logo achará para si uma língua flamejante. Fingir fervor é um dos maisdesprezíveis artifícios empregados para cortejar a popularidade;detestemos até o pensar nisso. Pode ir, e seja negligente no púlpito, se é

o que você é no coração. Seja lerdo no falar, arrastado na entonação emonótono na voz, se é assim que expressa melhor a sua alma. Mesmoisso seria infinitamente melhor do que fazer do seu ministério umamascarada, e de você mesmo um ator.

 Entretanto, o nosso zelo durante o ato de pregar deve ser seguido

 por intensa solicitude quanto aos resultados posteriores. Se não for assim, teremos razão para questionar a nossa sinceridade. Deus nãoenviará uma colheita de almas aos que nunca vigiam nem regam oscampos que semearam.

Concluído o sermão, só temos que lançar a rede que depoisarrastaremos para a praia mediante a oração e a vigilância. Aqui pensoque não posso fazer melhor do que deixar que um advogado mais hábilargumente com vocês, e cito as palavras do dr. Watts: "Seja muitosolícito acerca do sucesso dos seus trabalhos no púlpito. Regue asemente semeada, não somente com oração pública, mas também com

oração em secreto. Rogue a Deus importunamente que Ele não permitaque você trabalhe em vão. Não seja como a estulta avestruz que põe osovos na terra e ali os deixa, sem considerar se chegarão à vida ou não (Jó39:14-17). Deus não deu entendimento àquela ave, mas não permita queessa insensatez seja o seu caráter ou sua prática. Trabalhe, vigie e ore,

 para que os seus sermões e o fruto dos seus estudos se transformem em palavras de vida divina para as almas.

Uma observação do piedoso Sr. Baxter (que li algures em suasobras) é que ele jamais conheceu qualquer sucesso considerável dostalentos mais brilhantes e mais nobres, nem da mais excelente espécie de

  pregação, nem mesmo quando os pregadores eram verdadeiramentereligiosos, se não tinham solícito interesse pelo êxito das suasministrações. Que o terrível e importante pensamento nas almas salvasmediante a nossa pregação, ou deixadas a perecer condenadas ao inferno

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) por nossa negligência – digo, que esse temível e tremendo pensamentohabite para sempre os nossos espíritos. Fomos feitos atalaias sobre a casade Israel, como Ezequiel; e, se não dermos aviso da aproximação do

 perigo, as almas de multidões podem perecer devido à nossa negligência;mas o sangue das almas será terrivelmente requerido das nossas mãos(Ezequiel 3:17 etc.).

Tais considerações deveriam fazer-nos insistentes a tempo e fora detempo, e levar-nos a manter-nos vestidos de zelo o tempo todo, como deum manto. Devemos estar todos com o ânimo desperto e sempre estar assim. Uma coluna de luz e de fogo deve ser o emblema próprio do

 pregador. O nosso ministério tem que ser enfático, ou nunca influiránestes tempos caracterizados pela irreflexão. E para esse fim os nossoscorações precisam estar habitualmente ardendo, e toda a nossa natureza

 precisa estar inflamada de consumidora paixão pela glória de Deus e pelo bem dos homens.

Agora, irmãos, é tristemente certo que, uma vez obtido, o santofervor pode ser facilmente levado ao desânimo. E como questão de fatoesfria-se com maior freqüência na solidão de um pastorado de aldeia do

que no meio de uma sociedade composta de cristãos ardorosos decoração. Adam, autor de   Private Thoughts (Pensamentos Privados)observou uma vez que "um pobre pároco rural, lutando com o diabo emsua paróquia, tem idéias mais nobres do que as de Alexandre, o Grande,em toda a sua vida." E acrescentarei que ele precisa de algo mais que oardor de Alexandre para capacitar-se a prosseguir vitorioso em suaguerra santa. Sleepy Hollow e Dormer's Land (A Cova do Dorminhoco e

A Terra do Dormitório) serão demasiadas para nós, a menos que oremosrogando que Deus nos anime diariamente.Contudo, a vida da cidade também tem os seus perigos, e o zelo

está sujeito a arder com fogo brando devido a numerosos envolvimentos,como fogo espalhado, em vez de concentrado numa pilha. Aquelasincessantes batidas à porta, e as perpétuas visitas de gente ociosa, sãooutros tantos baldes de água fria atirados sobre o nosso devotado zelo.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)De algum modo precisamos garantir a meditação não interrompida, ou

 perderemos poder. Londres é um campo de ação peculiarmente tentador neste sentido.

O zelo também se restringe mais depressa depois de longos anos de permanência no mesmo serviço, do que quando a novidade dá encantoao trabalho. João Wesley diz, no décimo quinto volume dos seus Diários

e Cartas (Journals and Letters): "Sei que, se eu tivesse que pregar umano inteiro num lugar só, tanto o pregador como a maioria dos ouvintesacabaria adormecido." Que será, então, se se tem que ocupar o mesmo

 púlpito durante muitos anos?! Neste caso, não é o passo que mata, mas aextensão da corrida. Nosso Deus é sempre o mesmo, existindo

 perpetuamente, e somente Ele pode capacitar-nos a resistir até o fim.Aquele que ao final de vinte anos de ministério exercido entre asmesmas pessoas está mais animado que nunca, é grande devedor aoEspírito vivificante.

O fervor pode ser diminuído pela negligência nos estudos, efreqüentemente o é. Se não nos exercitamos na Palavra de Deus, Não

 pregaremos com o fervor e o garbo espiritual daquele que se alimenta da

verdade que prega e, portanto, é forte e ardoroso. Segundo algumasautoridades, o ânimo de um inglês em combate depende de estar ele bemalimentado; não terá estômago para a batalha, se estiver faminto. Seformos bem nutridos pelo saudável alimento do evangelho, seremosvigorosos e cheios de ardor.

Um velho e obtuso comandante em Cadiz é descrito por Seldencomo tendo-se dirigido aos seus soldados da seguinte maneira: "Que

vergonha será, vocês ingleses, que se alimentam de boa carne e decerveja, deixar-se bater por esses desprezíveis espanhóis que não comemnada mais que laranjas e limões!" A filosofia dele e a minha concordam:ele esperava entusiasmo e coragem daqueles que estavam bemalimentados. Irmãos, nunca negligenciem as suas refeições espirituais,ou terão falta de vigor e os seus espíritos afundarão. Alimentem-se dassubstanciais doutrinas da graça, e sobreviverão e suplantarão em

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) produtividade aqueles que se deleitam com os bolos e com as beberagensde vinho e leite do "pensamento moderno."

Por outro lado, o zelo pode ser amortecido por nossos estudos.

Existe, sem dúvida, algo como alimentar o cérebro às custas do coração,e muitos, em suas aspirações a serem literatos, qualificam-se mais paraescrever revistas do que para pregar sermões. Um fantástico evangelistacostumava dizer que Cristo foi crucificado embaixo do grego, do latim edo hebraico. Não devia ser assim, mas acontece muitas vezes que oestudante juntou lenha na escola, mas perdeu o fogo para fazê-lainflamar-se. Será para a nossa eterna desgraça, se enterrarmos as nossaschamas debaixo da lenha reunida para sustentá-las. Se degenerarmos,transformando-nos em escravos dos livros, será para a satisfação daantiga serpente, e para a nossa desgraça.

O verdadeiro fervor pode ser grandemente enfraquecido pelasconversas levianas, e principalmente pelas piadas partilhadas comcolegas de ministério, em cuja companhia freqüentemente tomamos maisliberdade do que gostaríamos de fazer quando reunidos com outroscristãos. Há excelentes motivos para sentir-nos em casa quando estamos

com colegas, mas se esta liberdade for levada longe demais, logo perceberemos que nos sobreveio dano por meio do nosso linguajar fútil.Jovialidade é uma coisa, frivolidade é outra. É sábio quem, medianteséria felicidade na conversação, navega entre as negras rochas dacarranca e as areias movediças da leviandade.

Muitas vezes nos vemos em perigo de deteriorar-nos quanto ao zelodevido aos cristãos frios com quem entramos em contato. Que terríveis

desmancha-prazeres alguns crentes professos são! Suas observaçõesdepois de um sermão bastam para deixar você tonto. Você pensa quecertamente comoveu os corações de pedra mas dolorosamente vê queaqueles ouvintes não foram influenciados de modo nenhum. Vocêsferviam, e eles se congelavam. Vocês vinham lutando por uma questãode vida ou morte, e eles calculavam quantos segundos o sermão iademorar, resmungando pelos cinco minutos que acaso foram além da

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)hora usual – tempo adicional que o seu fervor os impeliu a ocupar 

 pelejando em favor das almas humanas.Se acontecer que esses indivíduos enregelados forem oficiais da

igreja, de quem vocês naturalmente esperam a mais calorosa simpatia, oresultado será esfriamento ao máximo grau, quanto mais se vocês forem  jovens e inexperientes. É como se um anjo ficasse confinado numageleira flutuante. "Não porás o boi e o jumento sob o mesmo jugo", eraum preceito misericordioso. Mas quando um ministro que dá duro comoum boi fica no mesmo jugo com um oficial que não é outro boi, otrabalho de arar fica difícil. Alguns doutores impertinentes terão muitoque responder a Deus nesta matéria. Um desses, não faz muito tempo, foia um jovem e zeloso evangelista que estava fazendo o melhor que podia,e lhe disse: "Jovem, você chama isso de pregação?" Considerava-se fiel,mas foi cruel e descortês e, embora o bom irmão tenha sobrevivido aogolpe, este não foi menos brutal por isso. Tais ofensas contra os

 pequeninos do Senhor são muito raras, espero, mas são mortificantes, etendem a afastar os nossos jovens esperançosos.

Muitas vezes os ouvintes como um todo tenderão a enfraquecer o

seu zelo. Você pode ver pelo olhar e pela atitude deles, que não estãoapreciando os seus sinceros e calorosos esforços, e ficará desanimado.Aqueles bancos vazios do uma grave provação também, e se o recintofor grande e pequeno o número de freqüentadores, a influência serámuito deprimente. Não é todo homem que pode agüentar ser "uma vozque clama no deserto." Desordem entre os ouvintes também afligedolorosamente os oradores sensíveis. O caminhar de uma mulher com

ruidosos saltos de sapatos, o ranger de um par de botas novas, a quedafreqüente de guarda-chuvas e bengalas, o choro de crianças, eespecialmente o atraso da metade dos componentes da reunião – issotudo tende a irritar a mente, a desviá-la do seu objetivo e a diminuir oardor.

Dificilmente gostamos de confessar que os nossos corações sãologo prejudicados por essas bagatelas, mas é assim, e não há motivo para

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)admirar-nos disso. Como os frascos do mais precioso ungüento são maisfreqüentemente corrompidos por moscas mortas do que por camelosmortos, assim coisas insignificantes destroem o fervor mais depressa do

que as maiores contrariedades. Quando se vê em grande desalento, ohomem impulsiona-se a si próprio sem interrupção, e então se atira a seuDeus, e recebe força divina; mas quando sofre depressões menores é

 possível que ele se aflija, e a picuinha causará irritação e se inflamará,até acontecerem conseqüências mais graves.

Perdoem-me dizer que vocês devem atentar para as condições dosseus corpos, especialmente na questão de comer, pois qualquer medidade excesso pode prejudicar a sua digestão e deixá-los aturdidos quandodeviam estar ardendo de fervor. Das memórias de Duncan Mathesonrecolho uma historieta muito pertinente:

"Em certo lugar onde se estavam fazendo reuniões evangelísticas, ospregadores leigos, entre os quais estava o Sr. Matheson, foram tratadossuntuosamente na casa de um cavalheiro cristão. Depois do jantar, forampara a reunião, não sem alguma diferença de opinião quanto ao melhor método de dirigir os trabalhos da norte. 'O Espírito foi entristecido; Ele nãoestá aqui, de modo algum; é o que sinto', disse um dos mais jovens, com um

gemido que de alguma forma contrastava com o imenso prazer anterior,quando desfrutava as luxúrias da mesa. 'Tolice', replicou Matheson, quedetestava toda espiritualidade chorosa e mórbida. 'Não é nada desse tipo.Vocês simplesmente comeram muito na janta, e agora sentem o peso daindigestão.' "

Duncan Matheson estava certo, e um pouco mais do seu bom sensoseria grande ganho para alguns que são ultra-espirituais e atribuem todasas suas modalidades de disposição de ânimo e de sentimento a algumacausa sobrenatural, quando a verdadeira razão está muito mais perto, àmão. Não tem acontecido muitas vezes que a dispepsia é confundidacom apostasia, e a má digestão é repreendida como dureza de coração?

 Não digo mais nada; para bom entendedor uma palavra basta.Muitas causas físicas e mentais podem agir para criar letargia

aparente onde há intenso fervor no coração. Em alguns de nós uma noite

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)mal dormida, uma alteração no tempo, ou uma observação indelicada

 produzirão o mais lamentável efeito. Mas geralmente aqueles que sequeixam de falta de zelo são os mais zelosos do mundo, e a confissão de

falta de vida é em si mesma um argumento de que a vida existe, e nãosem vigor. Não se poupem, nem se deixem levar pela auto-satisfação;mas, por outro lado, não se difamem a si próprios, nem se afundem nodesânimo. Sua opinião a respeito de si mesmos não tem muito valor;

 peçam ao Senhor que os sonde.Trabalho realizado continuamente por muito tempo sem sucesso

visível é outro freqüente estrago para o zelo fervoroso, conquanto,retamente compreendido, devesse constituir incentivo para diligênciasete vezes maior. O original Thomas Fuller observa que "nisto Deus temhumilhado muitos pastores laboriosos fazendo deles nuvens de chuva,não sobre a Arábia feliz, mas sobre a Arábia deserta e pedregosa." Se oinsucesso nos humilha, está bem, mas se nos desanima, e especialmentenos leva a pensamentos amargos sobre os colegas mais prósperos,devemos olhar em torno de nós com grave preocupação. É possível quetenhamos sido fiéis, e que tenhamos adotado métodos sábios, e que

estejamos no lugar certo, sem contudo atingir o alvo; provavelmente noscurvaremos e nos sentiremos incapazes de continuar a obra. Mas, setratarmos de arrancar coragem e de aumentar o nosso fervor, teremos umdia abundante colheita, que nos recompensará além da expectativa por nossa espera. "O lavrador espera pelos preciosos frutos da terra." E coma santa paciência gerada pelo zelo devemos esperar, sem jamais duvidar de que o tempo de Sião ser favorecida ainda chegará.

Também é preciso não esquecer nunca que a carne é fraca enaturalmente inclinada à sonolência. Necessitamos de constanterenovação do impulso divino que nos iniciou na carreira do serviçocristão. Não somos como flechas, que acham caminho para o alvosomente graças à instrumentalidade da força com que partiram do arco.

 Nem como os pássaros, que levam dentro de si a sua energia motora.Temos que ser impelidos para a frente como caravelas no mar, pelo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)constante poder dos ventos celestiais, ou não avançaremos. Os

 pregadores enviados por Deus não são como caixas de música que, umavez acionadas, tocam as melodias programadas; são, porém, como

trombetas, completamente mudas até que o sopro vigoroso os faz emitir certo som. Lemos sobre alguns que não passam de cães broncos, dados acochilar, e seria esse o caráter de todos nós, se não o impedisse a graçade Deus. Temos necessidade de lutar contra o espírito descuidado eindiferente. Se não o fizermos, logo seremos mornos como Laodicéia.

Lembrando, pois, diletos irmãos, que devemos ter fervor, que não podemos usar imitações dele nem achar-lhe substituto, e que é muitofácil perdê-lo, consideremos por um pouco os modos e meios deconservar todo o nosso fervor e obter mais. Se havemos de prosseguir, o

nosso fervor deve ser inflamado por uma chama eterna, e só conheçouma – a chama do amor de Cristo, que mesmo muitas águas nãoconseguem apagar. Uma centelha do sol celestial será imorredoura comoa fonte da qual provém. Se a pudermos obter, sim, se a tivermos,continuaremos cheios de entusiasmo, por mais tempo que vivamos, por mais que sejamos provados e por mais numerosas sejam as razões para

ficarmos desanimados. Para continuarmos fervorosos no transcurso destavida, temos que possuir o fervor da vida celeste com que começar.Temos esse fogo? É preciso que a verdade arda em nossas almas, ou nãoarderá em nossos lábios. Entendemos isto? As doutrinas da graça devemser parte integrante de nós, entretecidas com a urdidura e a trama donosso ser, e isto somente pode ser efetuado pela mão que originalmentefez o tecido.

Jamais perderemos o nosso amor a Cristo e o nosso amor às almas,se foi o Senhor que no-los deu. O Espírito Santo faz que o zelo por Deusseja um permanente princípio de vida, em vez de uma paixão; será que oEspírito Santo repousa em nós, ou o nosso presente fervor é um simplessentimento humano? Sobre este ponto devemos fazer sério exame dosnossos corações, fazendo-nos a nós mesmos a pergunta: Temos nós ofogo santo oriundo da verdadeira vocação para o ministério? Se não, por 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)que estamos aqui? Se alguém  pode viver sem pregar, que viva sem

 pregar. Se alguém pode estar satisfeito sem ser um conquistador dealmas – quase ia dizer que seria melhor não tentar fazer esse trabalho,

mas, em vez disso digo – procure ver que a pedra seja tirada do seucoração, para que possa ter sensibilidade quanto aos que perecem. Antesdisto, na qualidade de ministro, ele pode cometer um engano total,ocupando o lugar de alguém que poderia ter tido êxito na bendita obraem que aquele será por certo um fracasso.

O fogo do nosso fervor deve arder no centro vital da fé  nasverdades que pregamos, e da fé no poder que elas têm de abençoar ahumanidade quando o Espírito as aplica ao coração. Aquele que

 proclama uma coisa que pode ser verdade ou não, e aquilo que, no todo,considera bom como qualquer outro tipo de ensino, necessariamente daráum pregador muito fraco. Como poderá ser zeloso sobre aquilo de quenão está seguro? Se não conhece nada do poder interior da verdade emseu coração, se nunca provou nem tocou a Palavra da vida, como podeser entusiasta? Mas, se o Espírito Santo nos ensinou nos lugares secretos,e fez a nossa alma compreender no seu íntimo a doutrina que nos cabe

 proclamar, então falaremos sempre com língua de fogo.Irmão, não comece a ensinar outros enquanto o Senhor não o tenha

ensinado. Deve ser um trabalho enfadonho papaguear dogmas que nãointeressam ao seu coração nem levam convicção ao seu entendimento.Eu preferiria catar estopa ou girar manivelas para conseguir o meu caféda manhã, como fazem os mendigos aqui e ali, a ser escravo de umgrupo de freqüentadores de igreja e levar-lhes alimento espiritual que eu

mesmo nunca provei. E depois, que terrível há de ser o fim dessacarreira! Que temíveis contas deve prestar no final aquele que ensina publicamente aquilo em que não crê de coração, praticando em nome deDeus esta detestável hipocrisia!

Irmãos, se o fogo vem do lugar certo para o lugar certo, temos bomcomeço; e temos os principais elementos de um final glorioso.Inflamados por uma brasa viva, trazida do altar aos nossos lábios pelo

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)querubim alado, o fogo começou a ser mantido no íntimo do nossoespírito, e ali manterá vivas as chamas, ainda que o próprio Satanáslabute para apagá-las com os pés.

Mesmo a melhor chama na palavra precisa ser renovada. Ignoro seos espíritos imortais, como os anjos, bebem do vento e se alimentam dealgum maná superior preparado no céu para eles. Mas o provável é quenenhum ser criado, embora imortal, esteja completamente livre danecessidade de receber de fonte externa o sustento de suas forças.Certamente a chama de zelo no coração renovado, conquanto divina,

 precisa ser constantemente alimentada de novo combustível. Mesmo aslâmpadas do santuário precisavam de azeite.  Alimente a chama, meu

irmão, alimente-a freqüentemente. Alimente-a com pensamento santo esanta contemplação, especialmente com o pensamento sobre a sua obra,os motivos que o levam a procurar realizá-la, e os grandes resultadosdela, se o Senhor estiver com você. Firme-se no amor de Deus aos

 pecadores, na morte de Cristo em favor deles e na obra do Espírito noscorações humanos. Pense no que tem que ser efetuado no coração doshomens antes de estes poderem ser salvos. Lembre-se, você não é

enviado para caiar túmulos, mas para abri-los, e esta é uma obra quehomem nenhum pode realizar, a menos que, como fez o Senhor Jesus

 junto ao sepulcro de Lázaro, se agite no espírito; e mesmo assim vocênão tem poder, sem o Espírito Santo.

Irmãos, meditem com profunda solenidade no destino do pecador  perdido e, como Abraão, quando se levantarem de manhã para ir ao localde sua comunhão com Deus, dêem uma olhada para os lados de Sodoma

e vejam a fumaça que sobe de lá, como a fumarada de uma fornalha.Evitem todas as idéias sobre a punição vindoura que a faça parecer menos terrível e assim embotem a sua ansiedade por salvar seresimortais do fogo inextinguível. Se os homens são apenas uma espéciemais nobre de macaco e expiram como os animais irracionais, você podemuito bem deixá-los perecer sem dó. Se, porém, sua criação à imagemde Deus incluí a imortalidade, e há algum temor de que por sua

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)incredulidade trarão infelicidade sobre si, ponham-se à altura das agoniasdesse acontecimento, e envergonhem-se da simples suspeita dedesinteresse. Pensem muito também na bem-aventurança do pecador 

salvo, e em como o piedoso Baxter apresenta valiosos argumentos emfavor do zelo fervoroso, derivando-os do "sempiterno repouso dossantos." Subam aos montes celestiais e recolham lenha lá. Empilhem asgloriosas achas de madeira do Líbano, e o fogo arderá livremente e daráum suave perfume quando cada pedaço de cedro seleto rebrilhar naschamas. Não haverá por que temer que caiam na letargia, se mantiverem

 permanente intimidade com as realidades eternas.Acima de tudo, alimentem a chama com íntima comunhão com

Cristo. Ninguém que tenha vivido com Jesus nos termos em que viveramJoão e Maria jamais foi frio de coração, pois  Ele faz arder o coração.

  Nunca encontrei um pregador desanimado que estivesse em muitacomunhão com o Senhor Jesus. O zelo da casa de Deus consumia anosso Senhor, e quando entramos em contato com Ele, o mesmo zelocomeça a consumir-nos também – e vemos que não podemos senão falar das coisas que temos visto e ouvido em Sua companhia. Nem podemos

deixar de falar dessas coisas com o fervor que provém da realfamiliaridade com elas. Aqueles de nós que têm estado pregando duranteestes vinte cinco anos, às vezes sentem que a mesma obra, o mesmoassunto, o mesmo povo e o mesmo púlpito, juntos, são capazes de gerar um sentimento de monotonia, e a monotonia logo pode levar à fadiga.

Mas aí trazemos à memória outra mesmice, que vem a ser a nossacompleta libertação – o Salvador é o mesmo, e podemos ir a Ele do

mesmo modo como o fizemos da primeira vez, visto que "Jesus Cristo éo mesmo ontem, e hoje, e eternamente." Em Sua presença bebemosvinho novo e renovamos a nossa mocidade. Ele é a fonte que mana parasempre a refrescante e restauradora água da vida. Em comunhão com Eleteremos nossas almas vivificadas para o usufruto de energia perpétua.Sob o seu sorriso o trabalho de há muito costumeiro é sempre agradável,e mostra mais encanto do que aquele que a novidade poderia conferir.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Colhemos novo maná para o nosso povo cada manhã, e quando

vamos distribuí-lo, sentimos a unção de novo óleo destilando sobre nós."... os que esperam no Senhor renovarão as suas forças, subirão com asas

como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não sefatigarão." Recém-vindos da presença dAquele que anda entre oscandeeiros de ouro, estamos prontos para escrever ou falar no poder quesomente Ele pode dar. Soldados de Cristo, vocês somente poderão ser dignos do Capitão que os comanda, permanecendo em comunhão comEle e ouvindo a Sua voz, como fez Josué quando se pós junto ao Jordãoe indagou : "Que diz meu Senhor a Seu servo?"

  Abanem o fogo, além de alimentá-lo. Abanem-no com muitassúplicas. Não há como sermos demasiado insistentes uns com os outrosneste ponto; nenhuma linguagem pode ser veemente demais quando setrata de implorar aos ministros que orem. Para nós e para os nossoscolegas há necessidade absoluta de oração. Necessidade! – Não gostomuito de falar desse modo; prefiro falar da delícia da oração – omaravilhoso dulçor e a divina felicidade advinda à alma que vive naatmosfera da oração. John Fox dizia: "O tempo que passamos com Deus

em secreto é o mais ameno e o mais bem aproveitado. Portanto se amastua vida, enamora-te da oração." O devoto Sr. Herve, tomou a seguinteresolução no leito de enfermidade: "Se Deus poupar a minha vida, lereimenos e orarei mais." John Cooke, de Maidenhead, escreveu: "Oexercício, o prazer, a honra e o beneficio da oração premem meu espíritocom força crescente, todo dia." Um finado pastor, ao se aproximar dofim, exclamou: "Desejaria ter orado mais." Este desejo muitos de nós

 poderíamos exprimir.Deve haver períodos especiais de devoção, e é bom mantê-los comregularidade. Mas o espírito de oração é ainda melhor do que o hábito deorar. Orar sem cessar é melhor do que orar a intervalos. Será uma felizcircunstância se nos pudermos com freqüência dobrar os joelhos juntocom irmãos consagrados, e creio que deveria ser uma regra para nósministros, nunca separar-nos sem uma palavra de oração. Muita

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)intercessão mais subiria ao Céu se fizéssemos disso um ponto paracumprir particularmente quanto àqueles dentre nos que foram colegas deestudos. Se possível, que a oração e o louvor santifiquem cada encontro

de amigo e amigo.Uma prática revigorante é ter um minuto ou dois de súplicas aoSenhor no gabinete pastoral antes da pregação, se vocês puderem reunir ali três ou quatro diáconos de coração ardente, ou outros irmãos. Istosempre me anima para a luta. Mas, com tudo isso, para abanar o seufervor até torná-lo uma chama vigorosa vocês devem buscar o espírito decontinua oração, de modo que estejam orando no Espírito Santo, em todolugar e sempre: no estudo, no gabinete pastoral e no púlpito. É bom estar 

 pleiteando o tempo todo com Deus – sentados ao púlpito, de pé paraanunciar um hino, lendo a passagem bíblica, pregando o sermão;erguendo uma das mãos vazia para Deus a fim de receber, e com a outrarepartindo ao povo o que Deus dá. Na pregação sejam como um tubo detransmissão entre os eternos e infinitos suprimentos do Céu e asnecessidades humanas, quase ilimitadas. Para fazer isso, vocês precisamalcançar o Céu e manter a comunicação, sem interrupção. Orem  pelas

 pessoas enquanto lhes pregam. Falem com Deus a favor delas enquantolhes falam a favor de Deus. Só assim poderão esperar, manter-se emcontínuo fervor. Poucas vezes uma pessoa se levantará sem fervor depoisde pôr-se de joelhos; ou, se acontecer isso, o melhor que faz é voltar aorar até que a chama sagrada desça sobre a sua alma.

Adam Clarke disse uma vez: "Morra de estudar, e então ore paratornar a viver." É uma sabia sentença. Não tentem a primeira realização

sem a segunda; e não pensem que a segunda pode ser levada a efeitohonestamente sem a primeira. Trabalhem e orem, como também vigieme orem. Mas orem sempre.

 Agitem o fogo também, mediante freqüentes tentativas para realizar novos serviços. Sacudam-se para livrar-se da rotina, saindo doscostumeiros campos de trabalho e exigindo solo virgem. Sugiro-lhes,como um meio subordinado mas muito útil para manter o coração

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)robusto, o freqüente acréscimo de novas obras aos seus compromissoshabituais. Gostaria de dizer aos irmãos que estão prestes a deixar aescola para estabelecer-se em ambientes onde terão contato com apenas

umas poucas mentes superiores, e talvez estejam quase sozinhos nasmais altas alamedas da espiritualidade: olhem bem por vocês mesmos,  para que não se tornem rasos, insípidos e inúteis; conservem suacapacidade de cativar as almas mantendo espírito empreendedor. Terão

 boa parte do trabalho para fazer, poucos os ajudarão, e os anos vãorolando e rolando pesadamente. Estejam vigilantes contra isso, eempreguem todos os meios possíveis para impedir que se tornemfastidiosos e sonolentos, e entre os meios usem aquele que a experiênciame induz a impor-lhes.

Acho bom ter sempre à mão algum trabalho novo. Os velhos ehabituais empreendimentos têm que ser mantidos, mas algo deve ser-lhesacrescentado. Deve dar-se conosco o que se dá com os intrusos queusurpam terreno público. A cerca do nosso jardim deve avançar meiometro ou mais, abrangendo um pouco mais do terreno comum cada ano.

 Nunca digam: "Já basta", nem aceitem a política de "Repousem e sejam

agradecidos." Façam tudo que puderem, e depois façam um pouco mais. Não ser por qual processo o cavalheiro que anuncia que pode tornar baixotes mais altos procura fazer isso, mas imagino que, se se há deobter algum resultado no sentido de acrescentar um côvado à estatura dealguém, seria a pessoa erguer-se todas as manhãs o mais alto que

 pudesse na ponta dos pés e, tendo feito isso, tentar dia após dia atingir um ponto um pouco mais alto. Certamente é esta a maneira de crescer 

mental e espiritualmente – "avançando para as (coisas) que estão diantede mim."Se o antigo vai ficando um tanto gasto, irmão, junte-lhes novos

esforços, e a massa toda será elevada de novo. Prove-o, e logo descobriráa virtude de abrir novos terrenos invadindo novas províncias do inimigoe escalando alturas antes não atingidas para ali hastear o estandarte doSenhor. Com relação aos expedientes de que temos tratado, este é por 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)certo secundário. Contudo, é muito útil e pode beneficiá-lo grandemente.

 Numa cidade campestre, digamos de dois mil habitantes, você, depois dealgum tempo, irá pensar: "Bem, agora, fiz quase tudo que podia neste

lugar." Que fazer então? Há um lugarejo a alguns quilômetros. Planejeabrir ali uma sala. Encontrando-se ocupado um vilarejo, excursione aoutro, espie a terra, e faça do socorro à indigência espiritual expostadiante de você uma ambição sua. Suprida a primeira localidade, pensenuma segunda. É o seu dever, e será também a sua salvaguarda. Todagente sabe do interesse que há por uma obra nova. O jardineiro secansará do seu labor, a menos que lhe permitam introduzir novas floresna estufa de plantas, ou dar nova forma aos canteiros do jardim. Todotrabalho monótono é antinatural e cansativo para a mente. Portanto, ésábio dar variedade ao seu labor.

De muito maior peso é este conselho:   fiquem perto de Deus, e

 fiquem perto dos seus semelhantes aos quais vocês querem comunicar 

bênçãos. Habitem à sombra do Onipotente, habitem onde Jesus semanifesta, e vivam no poder do Espírito Santo. Sua própria vida dependedisso. Whitefield menciona um rapaz que tinha tão vívida consciência da

 presença de Deus, que geralmente andava sem chapéu pelas estradas.Como eu gostaria que sempre fosse essa a nossa maneira de sentir! Nestecaso, não haveria dificuldade nenhuma em manter o fervor.

Cuidem também. para manter-se nos mais amistosos termos comaqueles de cujas almas vocês têm a responsabilidade de zelar. Fiquem nacorrente e pesquem. Muitos pregadores ignoram completamente comovive a grande maioria das pessoas. Estão em casa entre os livros, mas em

alto mar entre os homens. Que pensariam vocês de um botânico queraramente viu flores de verdade, ou de um astrônomo que nunca passouuma noite observando os astros? Seriam dignos do nome de homens deciência? Assim também o ministro do evangelho não passará de umcharlatão, a menos que se misture com os homens e estude pessoalmenteo caráter deles. "Estudos a partir da vida" – cavalheiros; precisamos ter muitos destes, se havemos de fazer fiel pintura da vida em nossos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)sermões. Leiam os homens como lêem os livros, e amem as pessoasantes que as opiniões, ou, do contrário, serão pregadores inanimados.

Fiquem perto dos que se encontram em estado de ansiedade.

Observem as suas dificuldades, as suas angústias e as suas dores deconsciência. Ajudará a fazê-los fervorosos ver-lhes a avidez com que buscam paz. Por outro lado, ver quão pouco fervorosos os homens são,na maioria, pode ajudá-los a ter maior zelo para o despertamento deles.Regozijem-se com aqueles que estão se encontrando com o Salvador;este é um importante meio de avivar-lhes a alma. Quando puderem levar a Jesus uma pessoa que chora a perda de um ente querido, sentir-se-ão

 jovens de novo. Será como óleo nos ossos ouvir um pecador arrependidochorar e exclamar: "Agora vejo tudo! Creio, e minha carga se foi. Estousalvo!"

Às vezes o arrebatamento das almas recém-nascidas de novo oseletrizarão levando-os a terem ardor apostólico. Quem não se sentiriacapaz de pregar depois de ver pecadores convertidos? Estejam a postosquando finalmente a graça prende a ovelha perdida, a fim de que, pela

 participação no regozijo do grandioso Pastor, vocês possam renovar a

sua mocidade. Morram de trabalhar em favor dos pecadores, e serãorecompensados por ir após eles em fatigante busca, talvez depois deseguí-los durante meses e anos. Segurem-nos com os firmes laços doamor, e digam : "Sim, pela graça de Deus, ganhei realmente estas almas"

 – e o seu entusiasmo se inflamará.Se você tiver que trabalhar numa grande cidade, recomendo-lhe

que, seja onde for o local de culto, procure familiarizar-se com a

 pobreza, a ignorância e as condições de alcoolismo do lugar. Se puder,vá junto com um obreiro que já conheça a parte mais pobre da cidade, eo que vai ver enchê-lo-á de espanto, e a própria visão da doença irátorná-lo ansioso para revelar o remédio. Há muitos males para se verem,mesmo nas melhores ruas das nossas grandes cidades, mas háindescritível profundidade de horror nas condições dos cortiços efavelas. Assim como o médico percorre os hospitais, você deve percorrer 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)os becos e pátios dos cortiços para ver os danos causados pelo pecado.Será suficiente para fazer um homem derramar lágrimas de sanguecontemplar as desolações que o pecado tem feito na terra. Um dia junto

com um consagrado missionário seria uma bela maneira de concluir oseu curso acadêmico, e uma adequada preparação para a obra que teráque realizar em seu próprio campo.

Observe as massas vivendo em seus pecados, envilecidas pela  bebida e pela quebra do dia do Senhor, entregues aos vícios e  blasfemando. Veja-as morrendo curtidas e empedernidas, ouaterrorizadas e cheias de desespero. Certamente isto reacenderá o zeloque fenece, se nada mais puder fazê-lo. O mundo está repleto de pobrezaque oprime e de aflição que esmaga. A vergonha e a morte são a porçãode milhares, e é necessário um grande evangelho para satisfazer asmedonhas necessidades das almas humanas. Verdadeiramente assim é.Você duvida? Vá e veja com os seus próprio olhos. Assim aprenderá a

 pregar uma grandiosa salvação, e a engrandecer o grandioso Salvador, Não com a boca somente, mas de todo o coração. Deste modo se casarácom o seu trabalho além de toda a possibilidade de abandoná-lo.

Os leitos de morte do grandes escolas para nós. Estão determinadosa agir como tônicos para fazer-nos apegados ao nosso labor. Tenhovoltado dos quartos dos moribundos achando que toda gente é doida, eeu mais que todos. Tenho lamentado o empenho que os homens dedicamàs coisas terrenas, quase dizendo a mim mesmo: Por que esse homemcorria tanto? Por que aquela mulher se enfeitava daquele jeito? Visto quetodos haveriam de morrer logo, eu achava que nada valia a pena, senão

 preparar-se para encontrar-se com o seu Deus. Estar com freqüênciaonde os homens morrem ajuda-nos a ensiná-los a morrer e a viver.McCheyne costumava visitar os seus ouvintes enfermos ou moribundossábado à tarde, pois, como contou ao Dr. James Hamilton: "Antes de

 pregar, ele gostava de olhar por cima do limite final."Rogo-lhes, além disso, que meçam o seu trabalho à luz de Deus,

Você é servo de Deus ou Não? Se é, como pode ter coração frio? Você

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)foi ou não foi enviado pelo Salvador crucificado, para proclamar o Seuamor e receber a recompensa das Suas feridas? Se foi, como podeafrouxar-se? O Espírito de Deus está sobre você? Ungiu-o o Senhor para

 pregar boas novas aos pobres? Se não o ungiu, não pretenda fazê-lo. Se oungiu, "vai nessa tua força, e o Senhor será a tua força." Sua ocupaçãonão é comércio ou profissão. Seguramente, se você a avaliar pela medidado comerciante, é o negocio mais pobre sobre a face da terra. Considere-a como profissão: quem não preferiria qualquer outra, no que concerne alucros monetários ou a honras terrestres? Mas se se trata de vocaçãodivina, sendo você um operador de milagres, habitando no sobrenatural etrabalhando, não para o tempo mas para a eternidade, você pertence aoutra associação mais nobre – a uma fraternidade mais elevada do quequalquer outra que proceda da terra e lide com o tempo.

Olhe bem, e reconhecerá que é grande coisa ser pobre como seuSenhor, se, como Ele, você puder enriquecer a muitos; verá que églorioso ser ignorado e desprezado como o foram os primeirosseguidores do seu Senhor, porque você está tornando conhecido Aqueleque é a vida eterna. Você ficará satisfeito sendo qualquer coisa, ou nada,

e o pensamento acerca de si próprio não entrará em sua mente, ousomente a cruzará para ser reconhecido como uma coisa mesquinha queo homem consagrado não deve tolerar. Este é o ponto. Avalie o seutrabalho como deve, e não temerei que o seu zelo diminua. Contemple-oà luz do dia do juízo e tendo em vista as eternas recompensas dafidelidade. Ah, irmãos, a presente alegria de ter conduzido uma alma àsalvação é sobremodo agradável. Vocês a sentiram, creio, e a conhecem

agora.Salvar uma alma de cair na perdição traz-nos um pouco do céu,mas, como há de ser no dia do juízo, encontrar os espíritos redimidos por Cristo, os quais ouviram dos nossos lábios as novas da sua redenção!

 Nosso olhar fita adiante um bem-aventurado céu em comunhão com onosso Mestre e Senhor, mas também conheceremos a alegria adicionalde encontrar aqueles amados que levamos a Jesus mediante o nosso

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ministério. Suportemos todas as cruzes, e desprezemos toda a vergonha

 pela alegria que Jesus coloca diante de nós – a alegria de ganhar osnossos semelhantes para Ele.

Mais um pensamento que pode ajudar-nos a manter o nosso zelofervoroso: considerem o grande mal que por certo virá sobre nós enossos ouvintes se formos negligentes em nosso labor. "Eles perecerão"

 – não é esta uma sentença terrível? Para mim é tão terrível como a que selhe segue – "mas o seu sangue da tua mão o requererei." Comodescreveremos o destino ruinoso do ministro infiel? E todo ministrodestituído de zelo é infiel. Eu preferiria infinitamente ser entregue aTofete como assassino de corpos humanos, a ser condenado comodestruidor de almas humanas. Também não sei de nenhuma condiçãoque leve o homem a perecer de modo tão fatal e infinito como a dohomem que prega um evangelho em que não crê, e assume o ofício de

 pastor sobre um povo cujo bem não deseja intensamente.Oremos no sentido de que sejamos achados fiéis sempre e para

sempre. Permita Deus que o Espírito Santo nos torne e nos mantenhaassim fiéis.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)CEGO DE UM OLHO E SURDO DE UM OUVI DO

Tendo dito muitas vezes nesta sala que o ministro deve ter um olho

cego e um ouvido surdo, provoquei a curiosidade de vários irmãos, que  pediram explicação porque lhes parece, como também a mim, quequanto mais vivos forem os nossos olhos e quanto mais finos forem osnossos ouvidos, melhor. Bem, cavalheiros, desde que o texto é um tantomisterioso, terão uma exegese dele.

Parte do significado foi expresso em linguagem simples por Salomão no livro de Eclesiastes (7:21): "Não apliques o coração a todasas palavras que se dizem, para que não venhas a ouvir o teu servo aamaldiçoar-te." Outra versão diz: "Não dês o coração a todas as palavrasditas" Não as leves ao coração ou não lhes dê importância, não atentes

 para elas, nem procedas como se as tivesse ouvido.Você não pode deter a língua das pessoas; portanto, a melhor coisa

é deter os seus ouvidos, e não ligar para o que digam. Há um mundo defalatório ocioso por aí, e aquele que lhe dá atenção tem bastante trabalho.Verá que mesmo aqueles que convivem com ele não estão sempre a

cantar-lhe loas e que, ao causar desagrado aos seus criados mais fiéis,eles, num acaloramento momentâneo dos ânimos, dizem palavras cruéisque lhe seria melhor não escutar. Quem é que, sob irritação passageira,não diz coisas como essas de alguém, das quais se arrepende mais tarde?Faz parte da generosidade tratar as palavras ditas com exaltada paixãocomo se nunca tivessem sido pronunciadas.

Quando uma pessoa está zangada, é sábio andar longe dela e evitar 

  briga, em vez de se envolver nela. Se formos compelidos a ouvirlinguajar precipitado, devemos esforçar-nos para apagá-lo da memória,dizendo com Davi: "Mas eu, como surdo, não ouvia, e como mudo, nãoabri a boca. Assim eu sou como homem que não ouve, e em cuja bocanão há reprovação." Tácito descreve o sábio como dizendo a alguém queo criticou: "Você é senhor da sua língua, mas eu também sou senhor dosmeus ouvidos" – você pode dizer o que lhe agradar, mas ouvirei só o que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)eu escolher. Não podemos fechar os ouvidos como fechamos os olhos,

 pois Não temos pálpebras de ouvidos, e, todavia, como lemos daqueleque "cerra os seus ouvidos para não ouvir de sangue", sem dúvida é

 possível fechar os portais dos ouvidos de modo que nenhum contrabandoentre.Diríamos dos mexericos comuns da aldeia e das inadvertidas

 palavras de amigos irritados – não as ouçam, ou, se tiverem que ouvi-las,não se impressionem com elas, pois vocês também falavam comfrivolidade e com raiva em seus dias, e se poriam ainda em posiçãodifícil, se fossem chamados para explicar cada palavra que tenham dito,mesmo do seu mais caro amigo. Assim Salomão argumentou ao concluir a passagem que citamos: "Porque o teu coração também já confessoumuitas vezes que tu amaldiçoaste a outros."

Alargando-me sobre o texto da minha preleção, permitam-me dizer  primeiro – quando iniciarem o seu ministério, façam sua mente começar com uma folha em branco:   sejam surdos e cegos para as velhas

divergências que sobrevivam na igreja. Irmão, tão logo entre no seu pastorado talvez tenha acolhida por pessoas ansiosas por assegurar a sua

adesão ao lado delas numa rixa de família ou numa controvérsiaeclesiástica. Seja surdo e cego para essa gente, e dê-lhes a certeza de queo que passou, passou, e de que, como você não herdou o guarda-louça doseu antecessor, não pretende comer a sua comida fria. Se foi praticadaalguma flagrante injustiça, seja diligente em corrigi-la, mas se for apenasuma contenda, mande o partido briguento parar com ela, e diga-lhe umavez por todas que você não tem nada que ver com isso.

A resposta de Gálio quase lhe serve: "Se houvesse, ó judeus, algumagravo ou crime enorme, com razão vos sofreria. Mas, se a questão é de palavras e de nomes, e da leí que entre vós há, vede-o vós mesmos: porque eu não quero ser juiz dessas coisas." Quando vim para a Capelada rua New Park como pastor eleito, sendo eu então um jovem

 procedente do campo, logo tive entrevista com um bom homem quetinha abandonado a igreja porque, disse ele, fora "tratado

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)vergonhosamente." Mencionou os nomes de meia dúzia de pessoas,todas elas proeminentes membros da igreja, que tinha agido de maneiramuito anticristã para com ele – com ele, pobre sofredor inocente, modelo

de paciência e santidade.Fiquei sabendo logo como era o seu caráter pelo que falou dosoutros (modo de julgar que nunca me enganou), e me prepareimentalmente sobre como agir. Disse-lhe que a igreja estivera num tristeestado de agitação e que o único modo de sair da confusão era cada umesquecer o passado e ter novo começo. Ele disse que o transcurso deanos não alteraria os fatos, e eu repliquei que alteraria a maneira comouma pessoa os encara, se nesse período tivesse ficado mais sábia emelhor. Contudo, acrescentei, todo o passado se fora com os meus

 predecessores, e ele teria que ir atrás deles nos seus novos campos detrabalho e resolver os problemas com eles, pois, nem usando tenazes eutocaria na questão. Ele ficou um tanto acalorado, mas eu deixei queirradiasse o calor até esfriar-se de novo, e apertamos as mãos e nosdespedimos. Era um bom homem, mas edificado sobre um princípiomolesto, de sorte que, às vezes, atravessava o caminho de outros de

modo grosseiro. Se eu tivesse penetrado a fundo a narrativa dele etivesse examinado o caso, a luta não terminaria nunca.

Estou absolutamente certo de que, para o meu sucesso pessoal e para a prosperidade da igreja, segui o curso mais sábio ao aplicar o meuolho cego a todas as contendas anteriores á minha chegada. É o cúmuloda imprudência um jovem recém-formado, ou recém-chegado de outrocampo de trabalho, deixar-se envolver em intrigas por uma facção, e ser 

subornado por tratamento amável e por lisonja, para tornar-se partidáriodessa facção, e assim arruinar-se com a metade do povo da sua igreja. Não queira nada com partidos e facções, mas, seja o pastor do rebanhotodo, cuidando de todos por igual. Bem-aventurados os pacificadores, eum modo seguro de pacificar é isolar o fogo da contenda. Não o sopre,nem o agite, nem lhe ponha lenha, mas deixe que se apague sozinho.Comece o seu ministério, cego de um olho e surdo de um ouvido.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Devo recomendar-lhes o uso da mesma faculdade, ou falta dela,

com relação às finanças, na questão do seu salário. Há algumasocasiões, principalmente quando se está formando uma nova igreja, em

que talvez não haja um oficial capaz de dirigir esse departamento, e, portanto, você pode sentir-se chamado a fazê-lo. Neste caso, não deveser censurado; deve até ser elogiado. Muita vez também a obra chegariaao fim total se o pregador não agisse como seu próprio oficial, eencontrasse suprimentos temporais e espirituais por seus própriosesforços. Quanto a estes casos excepcionais nada tenho que dizer, senãoque admiro o obreiro lutador e tenho profunda simpatia por ele, pois estásobrecarregado e sujeito a ter menos sucesso como soldado do Senhor 

 porque está enredado nos negócios desta vida. Nas igrejas bem estabelecidas que oferecem sustento decente, o

ministro fará bem em supervisionar todas as coisas, mas, nãointerferindo em nada. Se os oficiais não merecem fé, não deviam ser oficiais, mas se são dignos do seu ofício, são dignos da nossa confiança.Sei que ocorrem casos em que são lamentavelmente incompetentes e,apesar disso, devem ser mantidos. Num tal estado de coisas, o pastor 

deve manter aberto o olho que, doutro modo, deveria ficar fechado.Antes que a administração dos fundos da igreja se torne um escândalo,

  precisamos intervir resolutamente, mas, se não houver necessidadeurgente da nossa interferência, será melhor acreditarmos na divisão dotrabalho e deixar que os oficiais executem o seu serviço. Temos omesmo direito dos outros oficiais de lidar com as questões financeiras, senos agradar, mas, se outros o fizerem por nos, teremos sabedoria em

deixá-los sós, quanto possível. Quando a carteira está vazia, a esposaestá doente, e os filhos são numerosos, o pregador tem que falar, se aigreja não o provê adequadamente do necessário; mas, levarconstantemente à igreja pedidos de aumento dos honorários não é sábio.

Quando o ministro é remunerado pobremente, e acha que merecemais, e que a igreja poderia dar-lhe mais, deve falar primeiro com osoficiais, com delicadeza, coragem e firmeza. Se eles não derem a devida

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)atenção, ele o mencionará aos demais irmãos em termos práticos, comoquem trata de um negocio; não como quem suplica uma caridade, mas

 procurando despertar o senso de honra deles com o fato de que "o

trabalhador é digno do seu salário." Que diga diretamente o que pensa, pois não há de que se envergonhar. Haveria, porém, muito mais motivo para vergonha se ele se desonrasse, e à causa de Deus, enterrando-se emdividas. Fale ele, pois, tocando no ponto com espírito apropriado ás

 pessoas apropriadas, e ali encerre a questão, sem recorrer a queixassecretas. A fé em Deus concilia-se com os nossos interesses temporais, enos capacita a praticarmos o que pregamos, a saber: "Não andeis poisinquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nosvestiremos?... De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais detodas estas coisas."

Alguns que fingem viver pela fé têm empregado meios astutos paraarrancar donativos, girando um saca-rolhas indireto, mas vocês, ou

 pedirão simplesmente, como homens, ou deixarão o caso entregue aosentimento cristão dos membros de sua igreja, voltando para os itens emétodos financeiros da igreja um olho cego e um ouvido surdo.

O olho cego e o ouvido surdo serão extremamente próprios para osmexericos locais. Toda igreja, e, nesse sentido, toda vila e toda famíliaestão praguejadas de certas senhoras que bebem chá e despejam ácidosulfúrico pela conversação. Nunca se aquietam, mas cochicham por todolado, para contrariedade dos que são consagrados e práticos. Ninguém

 precisa mover-se muito; basta observar-lhes as línguas. Nas reuniões dechá, nas reuniões de costura e em outros encontros, elas praticam a

vivisseção no caráter dos seus vizinhos, e é claro que ficam ansiosas por  provar o gume das suas facas no ministro, na esposa dele, nos seusfilhos, no chapéu da mulher do ministro, no vestido da filha dele, e emquantas fitas novas ela usou nos últimos seis meses, e assim por diante,ad infinitum.

Também há certas pessoas que nunca estão tão felizes como quando"se angustiam de coração" por terem que contar ao ministro que o Sr. A.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)é uma serpente no gramado, que erra muito em ter boa opinião sobre osSrs. B. e C., e que elas ouviram de muitas bocas que o Sr. D. e suaesposa estão em péssimas relações. Seguem-se depois fileiras de

observações sobre a Sra. E., que diz que ela e a Sra. F, ouviramcasualmente a Sra. G. dizer à Sra. H. que a Sra. I. devia dizer que o Sr. J.e a Srta. K. iam sair da capela e ouvir o Sr. L. – e tudo por causa do quedisse o velho M. ao jovem N. a respeito daquela Srta. O.

Jamais dê ouvidos a essa gente. Faça como Nelson fez quandocolocou o seu olho cego no telescópio e declarou que não via o sinal e,

  portanto, continuaria a batalha. Os que quiserem murmurar, quemurmurem, mas não os escute, a não ser que murmurem tanto acerca deuma pessoa que haja a ameaça de que a questão é séria. Neste caso, é

  bom fazê-los registrar tudo e falar-lhes com prudente austeridade.Afirme-lhes que você é obrigado a ter os fatos colocados de forma bemdefinida, que a sua memória não é das melhores, que você tem muitascoisas em que pensar, que você sempre receia cometer enganos nessasquestões, e que, se tivessem a bondade de escrever o que tinham paradizer, você poderia ter uma visão mais completa do caso e dedicar mais

tempo à sua consideração. A dona Maroca Difama não fará isso; opõe-sefortemente a fazer afirmações claras e definidas. Prefere falar ao acaso.

Eu gostaria imensamente que, por algum processo, puséssemos fimaos mexericos, mas suponho que jamais se conseguirá isso, enquanto araça humana for o que é, pois Tiago nos diz que "toda natureza, tanto de

 bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, seamansa e foi domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode

domar a língua, é um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonhamortal." O que não se pode curar, temos que suportar, e a melhor maneira de suportá-lo é não lhe dar ouvidos. No alto de um dos nossosvelhos castelos, um antigo proprietário inscreveu estas linhas:

Eles falam.Falam o quê?Deixe que falem.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Pessoas muito sensíveis deveriam aprender de cor esse lema. Não

vale a pena dar atenção às prosas da aldeia, e você nunca deve interessar-se por elas, exceto quanto a lamentar a malícia e dureza de coração de

que elas muitas vezes são indicadoras.Em sua obra,  Plain Preaching (Pregação Direta), Mayow diz comgrande energía: "Se você visse uma mulher matar patos e gansos só paraobter uma de suas penas, estaria vendo uma pessoa agir como nósquando falamos mal de alguém só pelo prazer que sentimos ao falar mal.Pois o prazer que sentimos não vale nem uma pena, e o pesar quecausamos é maior do que o que sente um homem ao perder os bens que

 possui." Encaixe uma observação dessa natureza aqui e ali num sermão,quando não há no ar nenhum mexerico específico, e talvez seja de algum

 beneficio aos mais sensatos; quanto aos demais, não tenho esperançaalguma.

Sobretudo, nunca se junte ao mexeriqueiro, e rogue à sua esposaque se abstenha disso também. Alguns são tagarelas demais, e me fazemlembrar o moço que foi enviado a Sócrates para aprender oratória.Quando foi apresentado ao filósofo, ficou falando sem parar, e tanto que

Sócrates lhe cobrou taxa dupla. "Por que me cobras o dobro?", perguntouo jovem. "Porque", disse o orador, "preciso ensinar-lhe duas ciências:uma, como segurar a língua; a outra, como falar." A primeira ciência é amais difícil, mas procure alcançar proficiência nela, ou sofrerá muito, ecriará problemas sem fim.

Evite com toda a sua alma aquele espírito de suspeita que azeda avida de algumas pessoas, e,  para todas as coisas das quais você pode

inferir algo intratável, volte um olho cego e um ouvido surdo. A suspeitafaz do homem um tormento para si próprio e um espião dos demais.Uma vez que você comece a suspeitar, as causas da desconfiança semultiplicarão ao seu redor, e o seu próprio espírito de suspeita criará amaior parte delas. Muitos amigos foram transformados em inimigos por terem sido objeto de suspeita. Portanto, não fique olhando em volta comos olhos da desconfiança, nem se ponha à escuta como um abelhudo com

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)o apressado ouvido do medo. Ir pelo meio do rebanho cavoucando paraarrancar deslealdade, como um caçador em busca de coelhos, é umaatividade sórdida, geralmente recompensada do modo mais triste.

O lorde Bacon sabiamente aconselha: "O previdente deixa deinvestigar aquilo que detestaria descobrir." Quando não há nada paradescobrir que nos ajude a amar o próximo, é melhor deixar de investigar,

  pois poderíamos trazer à luz algo que talvez desse início a anos decontenda. Não me refiro, é claro, aos casos que requerem disciplina, osquais precisam ser averiguados completamente e tratados com coragem,mas tenho em mente apenas as questões pessoais em que o principalsofredor é você mesmo. Aqui, é sempre melhor não saber, não querer saber, o que dizem de você, amigos e inimigos. Os que nos elogiam

 provavelmente estão tão enganados como os que nos ofendem, e aqueles podem ser considerados como contrapeso destes, se é que vale a penalevar em conta o julgamento feito pelos homens. Se temos a aprovaçãodo nosso Deus, atestada pela consciência em paz, podemos permitir-nosser indiferentes às opiniões dos nossos semelhantes, quer nosrecomendem, quer nos condenem. Se não conseguimos atingir este

 ponto, somos bebês, e não homens.Alguns têm o desejo infantil de saber a opinião que seus amigos

têm deles, e, se esta contêm o menor elemento de dissentimento oucensura, passam logo a considerá-los inimigos. Decerto não somos

 papas, e não queremos que os nossos ouvintes nos considerem infalíveis!Conhecemos homens que ficaram com raiva quando lhes fizeram umaobservação perfeitamente válida e razoável, e que consideram um amigo

sincero como um opositor que tem prazer em achar falha neles. Estaerrônea representação de um lado, logo produziu cólera no outro, e oresultado foi briga. Quanto melhor é o espírito indulgente! Você deve ser capaz de agüentar críticas, ou não está apto para estar á frente de umaigreja. E deve deixar partir o crítico sem incluí-lo entre os seus inimigosmortais, ou provará que não passa de um fraco. É mais sábio mostrar dobrada bondade quando você foi severamente sacudido por alguém que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)achava que tinha o dever de fazer isso, pois ele provavelmente é uma

 pessoa sincera que vale a pena cativar. Aquele que nos primeiros dias doseu pastorado duvida que você sirva para ser pastor ali, poderá tornar-se

o seu mais firme defensor, se notar que você cresce na graça e progridena qualificação para a obra. Portanto, não o considere inimigo por expressar sinceramente as suas dúvidas. Seu coração não confessa que ostemores dele não eram completamente sem base? Volva o seu ouvidosurdo para aquilo que você julga ser uma áspera crítica feita por ele, etrate de esforçar-se para pregar melhor.

O gosto por mudanças, o melindre, os gostos avançados, e outrascausas, podem levar as pessoas a ficarem inquietas sob o nossoministério, e será bom para nós ignorar isso tudo. Percebendo o perigo, é

  preciso não revelar a nossa descoberta, mas, movimentar-nos paramelhorar os nossos sermões, na esperança de que a boa gente seja mais

 bem alimentada e esqueça a sua insatisfação. Se forem pessoas realmente bondosas, o mal incipiente logo passará, e nenhum descontentamentoverdadeiro surgirá – ou, se surgir, não há por que provocá-lo pelasuspeita.

Onde eu soube que havia alguma medida de desafeto para comigo,não tomei conhecimento, a não ser quando isso me foi imposto à força;mas, ao contrário, agi para com a pessoa antagônica com o máximo decortesia, e de forma a mais amigável – e nunca mais ouvi falar daquestão. Se eu tivesse tratado o bom homem como um opositor, ele teriafeito o melhor que pudesse para interpretar o papel que lhe foraatribuído, e o executaria para seu próprio prestígio. Mas eu achei que ele

era cristão e tinha direito de não me apreciar, se o julgava justo, e que, seagiu assim, eu não devia pensar mal dele. Portanto, tratei-o como a umamigo do meu Senhor, se não meu, incubi-o de fazer algum trabalho queimplicava em confiança nele, coloquei-o à vontade, e aos poucos ganheinele um amigo do peito e um companheiro no trabalho.

As melhores pessoas às vezes perdem as estribeiras; nós ficaríamoscontentes se os nossos amigos pudessem esquecer por completo o que

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)dissemos quando estávamos mal humorados e raivosos, e seria cristãoagir para com os outros neste assunto como gostaríamos que elesagissem para conosco. Nunca faça um irmão lembrar que uma vez disse

uma palavra pesada em referência a você. Se o vê com melhor disposição, não mencione a ocasião mais penosa de antes; se ele for umhomem de espírito reto, no futuro não quererá irritar um pastor que otratou tão generosamente, e se for apenas um tipo grosseiro, será umalástima sequer argumentar com ele, e, portanto, será melhor deixar o

 passado ir à revelia.Seria melhor ser enganado cem vezes do que viver uma vida de

suspeição. É intolerável. O avarento que passa a noite em claro e ouveum assaltante em cada folha que caí, não é mais infeliz do que o ministroque crê que andam armando conspirações contra ele, e que andamesparramando boatos para prejudicá-lo. Lembro-me de um irmão queacreditava que o estavam envenenando, e estava persuadido de que até oassento em que se sentava e as roupas que usava tinham ficado saturadosde morte, graças a alguma química sutil; sua vida era um perpétuosobressalto – e é desse jeito a existência – de um pastor quando

desconfia de tudo e de todos que o cercam.E a suspeita não é apenas fonte de inquietação; é um mal moral, e

 prejudica o caráter do homem que a alberga. Nos reis a suspeita produztirania, nos maridos ciúme, e nos ministros amargor; e esse amargor dealma dissolve todos os laços da relação pastoral, comendo como ácidocorrosivo o âmago da própria alma do ofício e fazendo deste umamaldição em vez de uma bênção. Quando este mal terrível coalha o leite

da bondade humana no coração de um homem, este fica mais apto paraformar nas fileiras dos investigadores da polícia do que para oministério. Como uma aranha, põe-se a lançar suas linhas, e forma umateia de fios trêmulos, que o envolvem e o advertem do menor toque damais diminuta mosca.

Ali está ele sentado ao centro, massa de sensações, todos nervos eferidas em carne viva, sensível e sensibilizado, um mártir auto-imolado,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)arrastando ao redor de si achas de lenha inflamadas, e aparentementeansioso para ser queimado. O mais fiel amigo não está seguro em taiscondições, o maior cuidado em evitar causar ofensa não assegurará

imunidade à desconfiança, mas provavelmente será transformado emastúcia e covardia. A sociedade corre quase tanto perigo com um homemdesconfiado, como com um cachorro louco, pois morde por todos oslados sem razão, e espalha a torto e a direito a espuma de sua loucura. Éinútil arrazoar com a vítima dessa loucura, pois, com perversaengenhosidade, desvia todos os argumentos, levando-os por caminhoserrados, e faz do seu pedido de confiança outro motivo para suspeita. Étriste que não possa ver a iniqüidade da censura sem base que faz aoutros, especialmente àqueles que foram os seus melhores amigos e osmais firmes sustentáculos da causa de Cristo.

"Eu não censurariavirtude assim julgada por sombras de dúvida.A indevida suspeita é abjeção mais vilque a culpa suspeitada."

 Ninguém deveria ser transformado em ofensor por causa de uma

  palavra. Mas, quando a suspeita impera, até o silêncio vira crime.Irmãos, evitem esse erro renunciando ao amor próprio. Julguem coisa de pequena importância o que os homens pensem ou digam de vocês, ecuidem somente do tratamento que dão ao Senhor. Se vocês foremsensíveis por natureza, não sejam indulgentes para com essa fraqueza,nem permitam que outros joguem com ela. Não seria grande degradaçãodo seu ministério se vocês mantivessem por sua conta um exército deespiões para coligir informações sobre tudo que o povo da sua igreja dizde vocês? Contudo, quase chega a isso, permitir que certos intrometidoslhes tragam todos os mexericos do lugar. Mandem embora essascriaturas. Detestem esses elementos nocivos, que manipulammurmurações produzindo brigas. Quem traz, leva, e, sem dúvida, osmexeriqueiros saem da sua casa e divulgam cada observação saída dosseus lábios, com abundância de enfeites acrescentados por conta deles.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Lembrem-se de que, assim como o receptador é tão mau como o

ladrão, quem dá ouvidos ao escândalo participa da sua culpa. Se nãoexistissem ouvidos que escutam, não existiriam línguas portadoras de

  boatos. Enquanto vocês forem compradores de mercadorias de máqualidade, a demanda produzirá o suprimento, e as fábricas de falsidadetrabalharão com tempo integral. Ninguém quer ser criador de mentiras, e,todavia, quem ouve com prazer os maledicentes e prontamente acreditaneles, chocará muita ninhada levando-a à vida ativa.

Salomão diz: "o difamador separa os maiores amigos" (Pv. 16:28).Lançam-se insinuações, provocam-se invejas, até que "o resultado é afrieza recíproca, sem que se possa entender o porquê; cada um quer saber qual teria sido a possível causa. Assim, as ligações mais sólidas, longas,calorosas e confiantes, as fontes das mais doces alegrias da vida,rompem-se talvez para sempre", (diz o Dr. Wardlaw comentandoProvérbios.) Esta é obra digna do chefe dos demônios, mas nunca

 poderia ser levada a cabo se os homens vivessem fora da atmosfera dasuspeita. Sendo como é, o mundo está cheio de tristeza por essa causa,tristeza tão aguda quão supérflua a sua causa. Isto é deveras doloroso!

Campbell observa eloqüentemente: "As ruínas de velhas amizades, paramim são um espetáculo mais melancólico do que as de velhos palácios.Mostram um coração outrora iluminado pela alegria, já amortecido edeserto, freqüentado por aquelas aves de mau agouro que fazem os seusninhos nas ruínas." Ó suspeita, que desolações tens feito na terra!

Aprendam a descrer dos que não confiam nos seus irmãos emCristo. Desconfiem daqueles que querem levá-los a desconfiar dos

outros. Uma resoluta descrença em todos os traficantes de escândalosfará muito para reprimir as suas energias malévolas.Em sua Cripplegate Lecture, diz Matthew Poole:"A fama comum perdeu sua reputação há muito tempo, e não sei de

nada que tenha feito em nossos dias para recuperá-la; portanto, não devemerecer crédito. Quão poucos relatos de qualquer espécie há que, bemexaminados, vemos que não são falsos! De minha parte, confesso que, se

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de vinte relatos acredito num, faço uma concessão muito liberal. Desconfieparticularmente das informações ruins, porque estas se espalham maisdepressa, sendo agradáveis a muitas pessoas que supõem que a suaprópria reputação nunca estará bem alicerçada como quando construída

sobre as ruínas da reputação de outros homens."Porque as pessoas que gostariam de levá-los a desconfiar dos seus

amigos formam um triste grupo, e porque a suspeita em si mesma é umvício vil e atormentador, decidam-se a voltar para todo esse negocio oseu olho cego e o seu ouvido surdo.

Preciso dizer uma ou duas palavras sobre a sabedoria de nunca

ouvir o que não lhes foi destinado. O xereta é um individuo medíocre,

 pouco melhor, se tanto, do que o informante comum; e se pode pensarque aquele que ouviu algo por acaso, ouviu o caso mais do que devia.Jeremias Taylor observa com sabedoria e justiça: "Nunca fique

escutando atrás da porta ou da janela, pois, além do perigo e daarmadilha que há nisso, é também uma invasão da vida particular do meu

 próximo, e uma abertura forçada daquilo que ele fecha para que não seabra." É pertinente o provérbio que diz que os que vivem à escutararamente ouvem falar bem deles, ouvir assim é uma espécie de furto,mas os bens roubados nunca dão vero prazer ao gatuno. A informaçãoobtida por meios clandestinos, em todos os casos menos nas situaçõesextremas, fará mais dano que benefício a uma causa. O magistrado pode

 julgá-lo um recurso expedito obter provas por tais meios, mas não possoimaginar um caso em que o ministro deva proceder assim. A nossamissão é de graça e paz. Não somos promotores em busca de provascondenatórias, mas amigos cujo amor pode cobrir multidão de ofensas,

os olhos curiosos de Cão, pai de Canaã, nunca se metam em nossotrabalho. Preferimos a piedosa delicadeza de Sem e Jafé, que andaram decostas e cobriram a vergonha que o filho do mal publicara com regozijo.

Como regra geral, volte igualmente o olho cego e o ouvido surdo

 para as opiniões e observações a seu respeito. Os homens públicos têmque esperar crítica pública, e, como não se pode considerar infalível o

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) público, os homens públicos podem esperar que os critiquem de modonem nobre, nem agradável. Somos obrigados a dar atenção em algumamedida às observações sinceras e justas, mas, para o cruel veredito do

 preconceito, para as críticas frívolas feitas por homens subservientes àmoda, para as tolas afirmações dos ignorantes e para a feroz denúnciafeita pelos adversários, podemos sem risco voltar o ouvido surdo. Não

  podemos esperar que nos aprovem aqueles que nós condenamosmediante o nosso testemunho contra os seus pecados favoritos. Se nosrecomendassem isto mostraria que erramos o nosso alvo.

  Naturalmente, esperamos ser aprovados por nosso povo, pelosmembros das nossas igrejas e pelos interessados no evangelho quefreqüentam a igreja. Quando eles fazem observações reveladoras de quenão são grandes admiradores nossos, somos tentados a desanimar-nos,senão a irritar-nos. Aí jaz uma armadilha. Quando eu estava prestes adeixar meu cargo no interior para servir em Londres, um dos idososvarões orou no sentido de que eu ficasse "livre do balido das ovelhas".Durante a minha vida não pude imaginar o sentido dessa expressão, masagora o enigma está claro, e aprendi a fazer eu mesmo aquela oração.

Demasiada consideração dada ao que o nosso povo diz, em louvor oudepreciação, não nos faz bem. Se habitamos nas alturas com "o grandePastor das ovelhas", ligaremos pouco para todos os balidos confusos aoredor de nós, mas se somos "carnais" e andamos "segundo o homem",teremos pouco sossego se dermos ouvidos a isto, àquilo e a tudo maisque cada pobre ovelha possa lançar-nos balindo em volta de nós.

Talvez seja verdade que você estava incomumente cansativo

domingo passado de manhã, mas não havia necessidade alguma de que aSra. Sirena fosse contar-lhe que o diácono Jones pensava assim. É maisque provável que, tendo percorrido a zona rural durante toda a semanaanterior, a sua pregação tenha sido um pouco água com açúcar, mas vocênão precisa girar daqui e dali entre as pessoas para verificar se elasnotaram isso ou não. Já não basta que a sua consciência fique intranqüilasobre esse ponto? Esforce-se para melhorar no futuro, mas não queira

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ouvir tudo o que cada João, José e Maria tenha para dizer sobre isso. Por outro lado, você cavalgou brioso corcel em seu último sermão, e oconcluiu com floreados de trombetas. Sente-se agora consideravelmente

ansioso para saber que impressão causou. Reprima a sua curiosidade. Não lhe fará bem inquirir. Se acontecer que os ouvintes concordam como seu próprio veredito, servirá somente para alimentar a sua lamentávelvaidade, e se pensarem diferente, a sua pesca de elogios o prejudicará noconceito deles a seu respeito. Em qualquer caso, tudo girará em torno devocê, e este é um pobre tema para se ficar ansioso por causa dele.Banque homem, e não se rebaixe procurando cumprimentos comocrianças com roupa nova, que dizem: "Veja só que bonito o meu vestidonovo!" Você não descobriu ainda que a adulação é tão prejudicial comoagradável? Afrouxa a mente e o torna mais sensível à calúnia. Na

 proporção em que o elogio o agrada, a censura o faz sofrer.Além disso, é crime afastar-se do seu grande objetivo de glorificar o

Senhor Jesus por mesquinhas considerações quanto ao seu pequeno ser,e, se não houvesse outra razão, isto deveria pesar muito para você. Oorgulho é um pecado mortal, e crescerá sem que tome emprestado o

carro de irrigação da paróquia para cultivá-lo. Esqueça as expressões quefomentem a sua vaidade. Se você se surpreender saboreando manjaresmalsãos, confesse o pecado com profunda humildade. Payson mostrouque era poderoso no Senhor quando escreveu à mãe:

"Minha querida mãe, certamente a senhora não deve dizer uma palavraque sequer pareça uma insinuação de que pensa que estou progredindo nagraça. Não posso tolerar isso. Todos daqui, amigos e inimigos, conspirampara arruinar-me. Satanás e o meu próprio coração não deixam de dar suaajuda. Se a senhora se juntar a eles, temo que toda a água fria que Cristopossa atirar sobre o meu orgulho não impedirá que este irrompa em chamasdestruidoras. Na medida em que me adulem e me agradem, meu Paicelestial tem que me apoiar; e por uma indescritível misericórdia é quecondescende em fazê-lo. Posso reunir cem razões por que não devo ser orgulhoso, mas o orgulho não atende à razão, nem a nada mais, exceto a

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)uma boa sova. Mesmo neste momento sinto-o formigar na ponta dos meusdedos, procurando guiar a minha caneta."

Conhecendo por experiência própria aquelas surras secretas que onosso bondoso Pai aplica a Seus servos quando os vê indevidamenteexaltados, cordialmente acrescento as minhas advertências solenescontra os afagos à carnalidade, afagos que consistem em dar ouvidos aoselogios dos seus mui gentis amigos. São insensatos, e você precisa ter cuidado com eles.

Um amigo sensato que não lhe poupe crítica semana após semana,ser-lhe-á bênção maior do que mil admiradores sem discernimento, sevocê tiver suficiente bom senso para agüentar aquele tratamento, e

suficiente graça para ser-lhe agradecido. Quando eu pregava nos Jardinsde Surrey (Surrey Gardens), um censor anônimo dotado de grandehabilidade costumava mandar-me uma lista semanal de meus erros de

 pronúncia e outros deslizes na elocução. Nunca apôs o seu nome àslistas, o que foi o único motivo de queixa que tive contra ele, pois medeixava com uma dívida pela qual eu não podia mostrar o meureconhecimento. Aproveito esta oportunidade para confessar as

obrigações que lhe devo, pois, com humor genial, e com evidente desejode me beneficiar, anotava implacavelmente tudo que supunha que eudissera de modo incorreto. Quanto a algumas dessas correções, eleestava errado, mas na maior parte estava certo, e suas observações mecapacitaram a perceber e evitar muitos erros. Eu buscava o seumemorando com muito interesse, e tinha o cuidado de melhorar quantoàs observações que vinham. Se eu tivesse repetido uma sentença dita

dois ou três domingos antes, ele dizia: "Ver a mesma expressão em talsermão", mencionando número e página.Certa ocasião anotou que eu repetia vezes demais o verso: "Nada

trago em minhas mãos", e, acrescentou, "estamos suficientementeinformados da vacuidade das suas mãos." Exigia-me que mostrasse comque autoridade chamava um homem de "ambicioso" e assim por diante.É possível que alguns jovens ficassem desanimados, senão zangados,

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)com tão severas críticas, mas seriam muito tolos reagindo assim, pois,ofendendo-se com essa correção estariam jogando fora um valiosoauxilio ao progresso. Nenhum dinheiro pode comprar um julgamento

sincero e franco, e quando o podemos ter por nada, vamos utilizá-lo emsua máxima extensão. O pior é que dos que oferecem os seus  julgamentos, poucos estão qualificados para formá-los, e seremosimportunados por observações tolas e impertinentes, a menos que lhesvoltemos o olho cego e o ouvido surdo.

 No caso das informações falsas a seus respeito, na maior parte use

o ouvido surdo. Infelizmente os mentirosos ainda não são espécimesextintos, e, como Richard Baxter e John Bunyan, você poderá ser acusado de crimes que a sua alma aborrece. Não vacile por isso, poisessa provação sobreveio aos melhores homens, e mesmo o seu Senhor 

 Não escapou à venenosa língua da falsidade. Em quase todos os casos ocaminho mais sábio a seguir é deixar que essas coisas morram de mortenatural. Uma grande mentira, se despercebida, é como um grande peixefora d'água – pula, enterra-se e se esbate, e morre em pouco tempo.Responder-lhe é supri-la do seu próprio elemento e ajudá-la a ter vida

mais longa. As falsidades geralmente levam consigo a sua própriarefutação e se atormentam a si mesmas até morrer.

Algumas mentiras, em especial, têm um cheiro peculiar, que revelaa sua podridão a todo nariz honesto. Se você fica perturbado com elas, oobjetivo da sua invenção é parcialmente atendido, mas se você agüentar em silêncio, isto desapontará a malicia e dará a você uma vitória parcial,e Deus, que o tem sob Seus cuidados, a transformará numa libertação

completa. Sua vida inculpável será sua melhor defesa, e aqueles que atêm observado não permitirão que você seja condenado tão depressacomo os seus caluniadores esperam. Somente se abstenha de disputar assuas lutas pessoais e, em nove de dez casos, os seus acusadores nãolucrarão nada com a maledicência deles, a não ser desgosto próprio edesprezo alheio. Processar o caluniador raramente é sábio.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Lembro-me de um amado servo de Cristo que em sua juventude era

muito sensível e, sendo acusado falsamente, processou a pessoa. Houve pedido de desculpa em que se retiraram todos os itens da acusação de

forma a mais ampla, mas o bom homem insistiu em que a escusa fosse publicada nos jornais, e o resultado o convenceu da sua insensatez.Multidões que de outro modo nunca teriam ficado sabendo da difamação

 perguntavam de que se tratava e faziam comentários, concluindo emgeral com a atilada observação de que ele só tinha que ter feito algumacoisa imprudente para provocar tal acusação. Dizem que lhe ouviramdizer que nunca mais voltaria a recorrer a esse método, pois viu que aescusa pública lhe causou mais mal do que a própria calúnia.

Ocupando como ocupamos uma posição que faz de nós excelentesalvos para o diabo e seus aliados, o melhor curso a seguir é defender anossa inocência com o nosso silêncio e deixar com Deus a nossareputação. Todavia, há exceções a esta regra geral. Quando se fazemacusações públicas, definidas e marcantes a um homem, é sua obrigaçãodar-lhes resposta, e da maneira mais clara e mais franca. Declinar a todainvestigação num caso desses é praticamente declarar-se culpado, e seja

qual for o modo de colocar a coisa, o grande público normalmenteconsidera uma recusa a responder como prova de culpa. Quando se tratade simples importunação e contrariedade, a melhor coisa é a passividadetotal, mas quando a questão assume proporções mais serias, e o nossoacusador nos desafia a defender-nos, somos obrigados a enfrentar as suasacusações com honesta exposição dos fatos. Em cada caso deve-se

 procurar o conselho do Senhor quanto à maneira de lidar com as línguas

difamadoras e no desfecho a inocência será vindicada e a falsidade serálevada à convicção da sua culpa.Alguns ministros foram quebrantados em seu espírito, expulsos de

sua posição, e até prejudicados em seu caráter por terem dado atenção aalgum escândalo provinciano.

Conheço um fino jovem, para quem eu previra uma carreira benéfica, que caiu em grande dificuldade porque ele de início admitiu

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)que era uma dificuldade, e depois teve que dar duro para fazer com queassim fosse. Procurou-me queixando-se de que tinha recebido umagrande ofensa; e era, mas tudo se resumia a algo que meia-dúzia de

mulheres diziam do seu comportamento depois da morte da sua esposa,originalmente era uma coisa pequena demais para merecer atenção – uma Sra. Q, tinha dito que não se espantaria se o ministro se casasse coma empregada que morava na casa dele; outra a representou como tendodito que ele devia desposá-la, e uma terceira, com maliciosa habilidade,encontrou nas palavras um sentido mais profundo, e as elaboroutransformando-as numa acusação, o pior de tudo foi que o caro e sensível

 pregador teve que pôr a boca no mundo e acusar uma ou duas vintenasde pessoas de espalharem calúnias contra ele, chegando a ameaçar algumas delas com demandas judiciais. Se tivesse orado sobre aquilo emsecreto, ou se tivesse feito ouvidos moucos, nenhum prejuízo teriaresultado daquele palavrório. Mas esse caro irmão não era capaz de tratar uma calúnia com sabedoria, pois não possuía o que com empenhorecomendo, isto é, um olho cego e um ouvido surdo.

Ainda, meus irmãos, o olho cego e o ouvido surdo ser-lhes-á útilcom relação a outras igrejas e seus pastores. Delicia-me sempre que um

 pastor queima os dedos ao meter-se nas atividades de outras pessoas. Por que não atende a seus próprios interesses, deixando de bancar bispo nadiocese de outro? Muitas vezes membros de outras igrejas me pedem queme intrometa em suas contendas; mas, a menos que me procurem com adevida autorização, nomeando-me oficialmente árbitro, recuso-me.Alexander Cruden deu-se a si próprio o nome de "o Corregedor", e

nunca lhe invejei o título. Uma inspiração peculiar seria necessária paracapacitar um homem a resolver todas as controvérsias; contudo os menosqualificados são os mais ávidos para tentar fazê-lo. Na maior parte, ainterferência é um fracasso, por mais bem intencionada que seja. Asdissensões internas em nossas igrejas são muito semelhantes às brigas demarido e mulher; quando o caso chega a um ponto em que eles têm queir a vias de fato, quem interferir será vítima da fúria comum dos dois.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) Ninguém senão o Sr. Ingênuo Verde interferirá numa batalha doméstica, pois é claro que o marido não vai gostar disso, e a mulher, ainda quesofrendo por causa de muitos golpes recebidos, dirá: "Deixe em paz o

meu marido; ele tem direito de me bater, se quiser." Por maior que seja aanimosidade dos cônjuges briguentos, parece que fica esquecida noressentimento contra os intrusos.

Assim, entre os muito independentes membros da denominação batista, a pessoa de fora da igreja que interfira de algum modo, podeestar certa de que receberá o pior. Irmão, não se considere bispo de todasas igrejas da vizinhança, mas contente-se em olhar por Listra, Derbe,Tessalônica, ou qualquer que seja a igreja confiada aos seus cuidados, edeixe Filipos e Éfeso nas mãos do seus próprios pastores. Não anime as

 pessoas desleais que acham defeitos nos seus pastores, ou que lhe trazemnotícias dos males que ocorrem noutras igrejas. Quando se encontrar com colegas de ministério, não se apresse a dar-lhes conselhos. Elessabem qual é o dever deles tanto como você, e o seu juízo do programade trabalho deles provavelmente se fundamenta em informação parcialfornecida por fontes maculadas pelo preconceito. Não ofenda o seu

 próximo com alguma intromissão. Temos bastante que fazer em casa, e é prudente ficar fora de todas as contendas que não nos pertencem.

Um dos provérbios do mundo recomenda-nos que lavemos a nossaroupa suja em casa, e eu lhe acrescentarei uma linha, advertindo a quenão chamemos os nossos vizinhos enquanto a roupa deles estáensaboada. Devemos isto aos nossos amigos, e será melhor para

 promover a paz. "Quem se mete em questão alheia é como aquele que

toma pelas orelhas um cão que passa" – está sujeito a ser mordido, e  poucos terão pena dele. Bridges sabiamente observa que "o nosso  bendito Senhor transmitiu-nos uma lição de piedosa sabedoria. Elesanava as contendas ocorridas em sua família, mas, quando chamado ainterferir numa briga que não Lhe pertencia, respondeu "Quem me fez

 juiz ou partidor entre vós?" Os juízes que se constituem tais, ganham pouco respeito; se fossem mais aptos para censurar estariam menos

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)inclinados a fazê-lo. Muita diferença insignificante numa igreja tem sidosoprada até virar um fogaréu por ministros de fora que não tinham idéiado mal que estavam causando; deram os seus veredictos baseados em

declarações ex parte (de um lado), instigando assim adversários que sesentiam seguros quando podiam dizer que os pastores das igrejas próximas concordavam inteiramente com eles.

Meu conselho é que nos juntemos aos "João-Não-Sei-Nada", e quenunca digamos uma palavra sobre uma questão qualquer enquanto nãoouvirmos ambos os lados; e, além disso, que façamos tudo para evitar um lado e outro, se a questão não for da nossa conta.

 Não basta isto para explicar a minha declaração de que tenho umolho cego e um ouvido surdo, e de que são eles o melhor olho e o melhor ouvido que tenho?

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)

CONVERSÃO COMO O NOSSO OBJETIVOO fim principal do ministério cristão é a glória de Deus. Quer se

convertam as almas, quer não, se Jesus Cristo é fielmente pregado oministro não trabalha em vão, pois é o bom cheiro para Deus, nos que se

 perdem e nos que se salvam. Contudo, em regra, Deus nos enviou para pregar a fim de que, mediante o evangelho, os filhos dos homens sereconciliem com Ele. Aqui e ali pode acontecer que um pregador da

 justiça, como Noé, trabalhe sem conseguir levar ninguém para dentro daarca da salvação, salvo as pessoas que pertençam ao círculo da suafamília; e que outro, como Jeremias, chore em vão por uma naçãoimpenitente; mas, na maior parte, a obra de pregação visa a salvar osouvintes. Compete-nos semear mesmo em lugares pedregosos, ondenenhum fruto recompense o nosso labor; mas devemos sempre ter emvista uma colheita e lamentar se ela não aparecer no tempo devido.

Sendo a glória de Deus o nosso objetivo principal, nós oalcançaremos procurando a edificação dos santos e a conversão dos

 pecadores, É nobre tarefa instruir o povo de Deus e edificá-lo em suamui santa fé; de modo nenhum podemos negligenciar este dever. Comeste fim, precisamos fazer claras exposições da doutrina do evangelho,de experiências vitais, e dos deveres cristãos, jamais deixando dedeclarar todo o conselho de Deus. Em muitos casos se mantêm em

recesso sublimes verdades com o pretexto de que não são práticas,quando o simples fato de que foram reveladas prova que o Senhor asconsidera valiosas, e ai de nós se pretendemos ser mais sábios que Ele!Podemos dizer de toda e qualquer doutrina da Escritura: "É sábio dar-lheuma língua o homem."

Se se perder uma nota da harmonia divina da verdade, a músicaficará tristemente desfigurada. O povo da sua igreja poderá enfermar 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)com graves moléstias espirituais pela falta de alguma modalidade denutrição espiritual, falta que só pode ser suprida pelas doutrinas que vocêomitiu. No alimento que comemos há ingredientes que de início não

  parecem necessários à vida, mas a experiência mostra que sãoindispensáveis para a saúde e para as energias. O fósforo não cria carne,mas faz falta aos ossos. A mesma descrição cabe a muitas substâncias econdimentos na devida proporção, a economia humana necessita deles.Exatamente assim, certas verdades que parecem pouco adequadas ànutrição espiritual, são, todavia, muito benéficas, suprindo os crentes deespinha dorsal e de musculatura, e reparando os órgãos avariados daconstituição humana do cristão. Temos que pregar "toda a verdade" paraque o homem de Deus esteja perfeitamente habilitado para todas as boasobras.

Contudo, o nosso grande objetivo de glorificar a Deus deve ser atingido principalmente pela conquista de almas. Precisamos ver almasnascidas para Deus. Se não as virmos, o nosso clamor será o de Raquel :"Dá-me filhos, ou se não morro." Se não ganharmos almas para Cristo,lamentaremos como o chefe da família que não vê colheita, como o

 pescador que volta para a sua cabana com a rede vazia, ou como ocaçador que andou em vão por vales e montes. O nosso falar seria o deIsaías, com muitos suspiros e gemidos: "Quem deu crédito à nossa

 pregação? e a quem se manifestou o braço do Senhor?" Os embaixadoresda paz não devem parar de chorar amargamente, enquanto os pecadoresnão chorarem por seus pecados.

Se temos intenso desejo de ver os nossos ouvintes crerem no

Senhor Jesus, como agir para sermos usados por Deus para a produçãodesse resultado? Este é o tema da presente preleção.Desde que a conversão é obra divina, precisamos ter o cuidado de

depender inteiramente do Espírito de Deus e de buscar dEle poder sobrea mente dos homens. Como esta observação é repetida com freqüência,temo que bem poucos sintam a sua força, pois, se fôssemos maisverdadeiramente sensíveis à nossa necessidade do Espírito de Deus, não

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)estudaríamos com maior dependência do Seu ensino? Não oraríamosimportunando-O mais para receber dEle a Sua santa unção? Em nossa

 pregação, não daríamos mais ampla liberdade para a Sua operação? Não

fracassamos em muitos dos nossos esforços porque praticamente,conquanto não doutrinariamente, ignoramos o Espírito Santo? Seu lugar como Deus é o trono, e em todos os nossos empreendimentos Ele deveocupar o principio, o meio e o fim; somos instrumentos nas Suas mãos, enada mais.

Admitido isso plenamente, que mais se deve fazer para que sevejam conversões?  Por certo devemos ter o cuidado de pregar com

maior proeminência as verdades que têm mais probabilidade de levar 

àquele fim. Que verdades são essas? Respondo que primeiro e acima detudo devemos pregar a Cristo, e Este crucificado. Onde Jesus é exaltado,almas são atraídas. "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei amim." A pregação da cruz é para os que se salvam sabedoria de Deus e

 poder de Deus. O ministro cristão deve pregar todas as verdades que seagrupam em torno da pessoa e obra do Senhor Jesus, e, a partir daí, deve

 pôr às claras com muito ardor e de modo bem definido o mal do pecado,

de que resulta a necessidade de um Salvador.Que trate de mostrar que o pecado é quebra da leí, que precisa ser 

castigado, e que a ira de Deus se manifesta contra ele. Que nunca trate o  pecado como se fosse coisa de somenos importância, ou umcontratempo, mas que o exponha como extremamente ofensivo a Deus.Que desça aos pontos particulares, não se restringindo a um superficialrelancear de olhos a grosso modo, mas mencionando pormenorizadamente

vários pecados, mormente os mais comuns na ocasião, como adevoradora e insaciável hidra do alcoolismo, que devasta a nossa terra; amentira que, na forma de difamação, é farta por todo lado; e alicenciosidade, que deve ser mencionada com santa delicadeza e,contudo, precisa ser denunciada implacavelmente. Devemos reprovar especialmente aqueles males em que os nossos ouvintes caíram, ou estão

 prestes a cair.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Explique os Dez Mandamentos e obedeça à injunção divina:

"declara a meu povo as suas transgressões, e à casa de Jacó os seus pecados." Desvende a espiritualidade da leí, como fez o nosso Senhor, e

mostre como ela é transgredida por pensamentos, intenções eimaginações. Deste modo, muitos pecadores serão aguilhoados nocoração.

O velho Robbie Flochart costumava dizer: "De nada valerá querer costurar com o fio de seda do evangelho, se não perfurarmos um orifício

 para ele com a aguda agulha da leí." A leí vai primeiro, como a agulha, e puxa o fio do evangelho após si; portanto, pregue sobre o pecado, a justiça e o juízo por vir. Explique freqüentemente linguagens como a doSalmo 51; mostre que Deus requer a verdade no íntimo, e que a

 purificação com sangue sacrificial é absolutamente necessária. Vise ocoração. Sonde a ferida e toque as veras da alma. Não evite os temasseveros, pois primeiro os homens precisam ser feridos para depois

 poderem ser curados, e mortos antes de poderem receber vida. Ninguémse vestirá com o manto da justiça enquanto não se despir das folhas defigueira, nem se lavará na fonte da misericórdia enquanto não perceber a

sua imundície. Portanto, meus irmãos, é preciso que não cessemos dedeclarar a leí, suas exigências, suas ameaças, e as múltiplas transgressõesque o pecador comete contra a leí.

Ensinem a doutrina da depravação total da natureza humana.Mostrem aos homens que o pecado não é um acidente, mas o genuíno

 produto dos seus corações corruptos. Preguem a doutrina da depravaçãonatural do homem. É doutrina que está fora de moda, pois hoje em dia

  podem-se achar ministros ótimos para falar sobre "a dignidade danatureza humana." O "lapso estado do homem" – esta é a frase – recebealusão às vezes, mas a corrupção da nossa natureza e temas afins sãocuidadosamente evitados. Os etíopes são informados de que podemembranquecer a sua pele, e se espera que os leopardos removerão as suasmanchas. Irmãos, não caiam nessa ilusão ou, se caírem, podem esperar 

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) poucas conversões. Vaticinar coisas brandas e atenuar o mal do nossoestado de perdidos não é o modo de levar homens a Jesus.

Irmãos, a necessidade das operações do divino Espírito Santo

segue-se naturalmente ao ensinamento anterior, pois, necessidade terrívelrequer interposição divina. É preciso dizer aos homens que eles estãomortos, e que somente o Espírito Santo pode vivificá-los; que o Espíritotrabalha de acordo com o Seu bom prazer, e que homem nenhum podereivindicar as Suas visitações ou merecer o Seu auxilio. Pensa-se queeste ensino é muito desanimador, e assim é, mas os homens precisam ser desencorajados quando estão procurando a salvação de maneira errônea.Livrá-los da presunção de que têm capacidades próprias é um grandeauxilio com vistas a levá-los a olhar para fora de si, para outro – 

 precisamente para o Senhor Jesus. A doutrina da eleição e outras grandesverdades que declaram que a salvação decorre totalmente da graça,sendo, não direito da criatura, mas dádiva do Soberano Senhor, visamtodas a expulsar do homem o orgulho e, assim, a prepará-lo para receber a misericórdia de Deus.

Também devemos apresentar aos nossos ouvintes a justiça de Deus

e a certeza de que toda transgressão será punida."Ponha diante deles com ornato terrívela pompa daquele tão tremendo diaem que Jesus Cristo com as nuvens virá."

Façam ressoar nos ouvidos deles a doutrina da segunda vinda deCristo, não como curiosidade despertada pela profecia, mas como umfato solene e prático. É ocioso apresentar o nosso Senhor em termos de

uma ruidosa valentia de um reino terrestre, à moda dos irmãos que crêemnum judaísmo restaurado. Precisamos pregar o Senhor como Aquele quevem para julgar o mundo com justiça, para convocar as nações à barra doSeu tribunal, e para separá-las como o pastor aparta as ovelhas doscabritos. Paulo pregou sobre a justiça, a temperança e o juízo vindouro, efez tremer a Félix; estes temas continuam sendo igualmente poderosos.Furtaremos do evangelho o seu poder se deixarmos de lado as suas

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ameaças de castigo. É de temer que as opiniões modernas sobre aaniquilação e a restauração que têm afligido a igreja nestes últimostempos levaram muitos ministros a serem indolentes quanto a falar a

respeito do juízo e seus resultados, e, conseqüentemente, os terrores doSenhor têm exercido pequena influência sobre pregadores e ouvintes. Sefor assim, por mais pesar que sintamos não será suficiente, pois destemodo é posto de lado o uso de um dos principais meios de conversão.

Diletos irmãos, acima de tudo temos que ser claros sobre a grandedoutrina da salvação das almas – a doutrina da expiação. Precisamos

 pregar um real sacrifício substitutivo de bona fide (boa fé), e proclamar o perdão como seu resultado. Idéias obscuras sobre o sangue expiatóriosão em extremo perniciosas. As almas são retidas numa escravidãodesnecessária e se privam os santos da serena confiança da fé porque nãose lhes diz definidamente que "Aquele que não conheceu pecado, (Deus)o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus."Temos que pregar a doutrina da substituição honesta e inequivocamente,

 pois, se há uma doutrina ensinada com clareza na Escritura é esta – "Ocastigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras

fomos.sarados.""Ele próprio, Sua pessoa, levou os nossos pecados no madeira."

Esta verdade dá repouso à consciência mostrando como Deus pode ser  justo e o justificador daquele que crê. Esta é a principal rede do pescador de homens do evangelho. Os peixes são arrastados ou levados na direçãocerta por outras verdades, mas esta é a própria rede.

Se os homens hão de ser salvos, temos que pregar nos mais claros

termos a justificação pela fé como método pelo qual a expiação se tornaefetiva na experiência da alma. Se somos salvos pela obra substitutiva deCristo, não se requer de nós mérito nenhum, e tudo que os homens têmque fazer é aceitar com fé singela o que Cristo já fez. É agradáveldescansar na grande verdade de que "este, havendo oferecido um únicosacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus"Oh visão gloriosa! – Cristo assentado no lugar de honra porque Sua obra

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)foi realizada. A alma pode muito bem repousar numa obra tãoevidentemente completa.

A justificação pela fé jamais deve ser obscurecida e, todavia, nem

todos são claros sobre ela. Uma vez ouvi um sermão sobre "Os quesemeiam em lágrimas segarão com alegria", cuja transposição para overnáculo foi: "Seja bom, muito bom, e, embora tenha que sofrer emconseqüência disso, Deus o recompensará no final." O pregador, semdúvida, cria na justificação pela fé, mas, com toda a nitidez pregou adoutrina oposta. Muitos fazem isso quando se dirigem a crianças, e notoque geralmente falam aos pequeninos sobre amar  a Jesus, e não sobrecrer nEle. Isto só pode imprimir uma idéia prejudicial na mente dos

 jovens e afastá-los do verdadeiro caminho da paz.Preguem fervorosamente o amor de Deus em Cristo Jesus, e

engrandeçam a abundante misericórdia do Senhor; preguem-no, porém,sempre em conexão com a Sua justiça. Não enalteçam isoladamente oatributo do amor segundo o método geralmente seguido, mas consideremo amor no elevado sentido teológico em que, como um círculo de ouro,mantêm no seu interior todos os atributos divinos, pois Deus não seria

amor se não fosse justo, e se não odiasse tudo o que não é santo. Nuncaexaltem um atributo às expensas de outro. Façam com que a misericórdiainfinita se veja em calma coerência com a austera justiça e a soberaniailimitada. O verdadeiro caráter de Deus presta-se para intimidar,impressionar e humilhar o pecador; tomem cuidado para não falsificar oseu Senhor.

Todas estas e outras verdades que completam o sistema evangélico

têm em conta levar os homens à fé. Portanto, façam delas a matéria- prima do seu ensino.Em segundo lugar, se anelamos intensamente que almas sejam

salvas, devemos não somente pregar as doutrinas que mais provavelmente levam a esse fim, mas precisamos empregar modos de

manejar aquelas verdades, modos que tenham probabilidade de

conduzir àquele fim. Perguntam quais serão? Primeiro, devem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)empenhar-se muito no emprego da instrução. Os pecadores não sãosalvos nas trevas, mas das trevas; "não é bom que a alma fique semconhecimento." É preciso ensinar os homens sobre si próprios, seu

 pecado, sua queda; sobre o seu Salvador, a redenção, a regeneração etc.Muitas almas despertas aceitariam alegremente o plano divino desalvação se tão somente o conhecessem; lembram aqueles de quem oapóstolo disse: "Agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância." Sevocês as instruírem, Deus as salvará. Não está escrito: "A exposição dastuas palavras dá luz"?

Se o Espírito Santo abençoar o seu ensino, elas verão como estavamerradas e serão levadas ao arrependimento e à fé. Não acredito na

 pregação que consiste principalmente em gritar: "Crede! Crede! Crede!"Por uma questão de justiça comum, vocês têm a obrigação de dizer à

 pobre gente aquilo em que deve crer. É necessário haver instrução, ou,do contrário, a exortação a crer será ridícula e, na prática, frustrará afrutificação. Receio que alguns irmãos ortodoxos ficaram com

 preconceito contra os vivos apelos do evangelho por terem ouvido asimaturas e indigestas arengas de oradores avivalistas de cabeças mal

ajustadas. A melhor maneira de levar os pecadores a Cristo é anunciar Cristo aos pecadores. Exortações, rogos, súplicas, não acompanhadas deinstrução sadia, são como tiros de pólvora seca. Podem gritar, chorar eapelar, mas não conseguirão levar os homens a crerem naquilo de quenão ouviram, nem a receberem a verdade que nunca lhes apresentaram."E, quanto mais sábio foi o pregador, tanto mais sabedoria ao povoensinou."

Ao darmos instruções é sábio apelar para o entendimento. Averdadeira religião é tão lógica que, por assim dizer, não é emocional. Não sou admirador das idéias singulares do Sr. Finney mas não tenhodúvida de que ele beneficiou a muitos, e seu poder jazia no emprego deargumentos claros. Muitos que sabiam da fama dele ficavamdecepcionados, a principio, ao ouvi-lo, porque empregava poucosrecursos da arte de falar e era seco e calmo como um livro de Euclides.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Mas, ajustava-se exatamente a certa ordem de intelectos, e estes ficavamconvencidos e convictos com a sua poderosa argumentação. Não se deve

 procurar atender às pessoas dotadas de tipo mental lógico? Devemos ser 

tudo para todos, e, para esses homens precisamos fazer-nosargumentativos e apertá-los num canto com deduções claras e inferênciasnecessárias. Dos argumentos carnais não queremos nenhum, mas, dosargumentos bons, honestos, que requerem ponderação e consideração,

 judiciosos, e que desafiam a mente, quanto mais, melhor.A classe que exige argumentos lógicos é pequena, comparada com

o número daqueles pelos quais devemos lutar por meio da  persuasão

emocional . Requerem não tanto raciocínio, como argumento do coração – que é a lógica ardendo em chamas. Temos que pleitear com eles comoa mãe o faz com o filho, rogando-lhe que não a magoe, ou como aamorosa irmã implora ao irmão que volte ao lar paterno e busquereconciliação; a argumentação tem que ser vitalizada, transformando-seem persuasão, pelo vivo valor do amor. A lógica fria tem a sua força,mas, quando a afeição a faz ficar rubra de calor, o poder do argumentoda ternura é inconcebível. O poder que uma mente pode conseguir sobre

outra é enorme, mas, muitas vezes se desenvolve melhor quando a mentecondutora deixou de ter poder sobre si mesma. Quando o zeloapaixonado arrebata o homem, o seu falar transforma-se numa torrenteirresistível, varrendo tudo diante de si. O homem reconhecidamente

 piedoso e devoto, e que é generoso e se sacrifica, tem poder em sua própria pessoa, e seu conselho e recomendação leva peso por causa doseu caráter; mas quando se põe a rogar e a persuadir até às lágrimas, sua

influência é maravilhosa, e Deus o Espírito Santo o emparelha sob Seu jugo para o Seu serviço.Irmãos, precisamos empenhar-nos com rogos. Súplicas e rogos

devem mesclar-se com as nossas instruções. Todo e qualquer apelo queatinja a consciência e mova os homens a se lançarem a Jesus temos queempregar perpetuamente, se por todos os meios havemos de salvar alguns. Às vezes ouço críticas a ministros que falam de si quando

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)apelam, mas a censura não deve ser levada muito a sério, visto que temosalto precedente no exemplo de Paulo. A uma igreja que o ama é

 perfeitamente admissível mencionar o seu pesar pelo fato de que muitos

freqüentadores não são salvos, e o seu veemente desejo e incessanteoração é pela conversão deles. Você age bem quando menciona a suaexperiência pessoal da bondade de Deus em Cristo Jesus e insiste com oshomens que venham e provem o mesmo. Não devemos ser abstrações ousimples oficiais para a nossa gente, mas devemos empenhar-nos com oshomens como carne e sangue de verdade, se queremos vê-losconvertidos. Quando você pode citar a sua própria pessoa como umexemplo vivo do que a graça realizou, o apelo é bastante poderoso paraque seja omitido por temor da acusação de egotismo.

Às vezes, também, devemos mudar de tom. Em vez de instruir,argumentar e persuadir, devemos passar a ameaçar , e a declarar a ira deDeus sobre as almas impenitentes. Devemos levantar a cortina e fazê-lasver o futuro. Mostremos o perigo que correm e tratemos de exortá-las aescapar da ira vindoura. Isto feito, devemos retornar ao convite, e expor diante da mente despertada as ricas provisões da graça infinita, provisões

oferecidas de graça aos filhos dos homens. Em nome do nosso Senhor devemos fazer o convite, bradando: "Quem quiser tome de graça a águada vida." Não se deixem dissuadir disso, meus irmãos, por aquelesteólogos hiper-calvinistas que dizem: "Vocês podem instruir e exortar osímpios, mas não devem convidá-los ou ameaçá-los." E por que Não?"Por que são pecadores mortos e, portanto, é absurdo convidá-los, vistoque não podem vir." Por que motivo então podemos exortá-los ou

instruí-los?O argumento é tão forte, se é que tem de fato alguma forca, queelimina todas as formas de apelo dirigido aos pecadores, de modo quesomente agem com lógica aqueles que, tendo pregado aos santos,sentam-se, dizendo: "A eleição obteve este resultado; os demais foramdeixados cegos." Com que base devemos afinal dirigir-nos aos ímpios?Se só devemos ordenar-lhes coisas que do capazes de fazer sem o

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Espírito de Deus, ficamos reduzidos a simples moralistas. Se é absurdoordenar ao pecador morto que creia e viva, é igualmente vão ordenar-lheque considere o seu estado e reflita sobre o seu destino futuro. Na

verdade seria completamente ocioso, se a verdadeira pregação não fosseum ato de fé adotado pelo Espírito Santo como meio de operar milagresespirituais. Se contássemos conosco mesmos e não esperássemosinterferências divinas, deveríamos ter a prudência de manter-nos dentrodos limites da razão, e de persuadir os homens a fazerem somente aquiloque vissem que eram capazes de realizar. Deveríamos, então, ordenar aosvivos que vivam, exortar aos dotados de visão a que vejam, e persuadir os que querem a querer. A tarefa seria tão fácil, chegando mesmo a ser supérflua. Certamente não seria necessária nenhuma vocação especial doEspírito Santo para um empreendimento assim tão simples.

Mas, irmãos, onde está o magnífico poder e a vitória da fé se onosso ministério é isso e nada mais? Quem dentre os filhos dos homensacharia que é uma grande vocação ser enviado a uma sinagoga para dizer a um homem perfeitamente vigoroso: "Levanta-te e anda", ou a alguémque tem sadios os membros: "Estende a tua mão"? É um pobre Ezequiel

aquele cujo maior feito é gritar: "Vós, almas que vivem, vivei!"Coloquem-se lado a lado os dois métodos, quanto a resultados

  práticos, e se verá que aqueles que nunca exortam os pecadoresraramente são conquistadores de almas em grande medida, mas mantêmas suas igrejas com conversos oriundos de outros sistemas. Até já osouvir dizer: "Oh, os metodistas e os avivalistas estão sendo batedoresirreprimíveis, mas nós pegamos muitas das aves." Se eu abrigasse um

 pensamento baixo assim, teria vergonha de expressá-lo. Um sistema quenão pode tocar no mundo exterior, mas tem que deixar a outros o labor de despertar e converter, labor que julga errôneo, lavra a sua própriacondenação.

Ainda, irmãos, se queremos ver almas salvas, temos que ser sábiosquanto às ocasiões em que nos dirigimos aos inconversos. Gasta-semuito pouco bom senso nesta questão. Em certos ministérios, há um

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)tempo estabelecido para falar aos pecadores, e este vem tão regularmentecomo a chegada da hora do meio-dia. Umas poucas migalhas sãolançadas aos cachorrinhos debaixo da mesa no fim do discurso, e eles

tratam essas migalhas como vocês as tratam, isto é, com indiferençacortês. Por que a palavra de exortação há de estar sempre no extremoderradeiro do discurso, quando o mais provável é que os ouvintesestejam cansados? Por que avisar os homens que se curvem sobre oarreio, preparando-se para repelir o nosso ataque? Quando o interessedeles é despertado e eles estão menos na defensiva, façam voar uma setaaos relapsos, e freqüentemente essa seta única terá mais eficácia do quetoda uma revoada de flechas lançadas de uma vez contra eles quandoestão completamente encaixados em armaduras blindadas. A surpresa éum grande elemento para obter a atenção e fixar uma observação namemória, e as ocasiões para dirigir-nos aos indiferentes devem ser escolhidas tendo-se em mira esse fato. Talvez seja boa a regra de visar àedificação dos santos no sermão matutino, mas é prudente variar isso, edeixar que os inconversos às vezes recebam o seu principal trabalho de

 preparação e o melhor serviço do dia.

 Não concluam um só sermão sem dirigir-se aos descrentes, mas, aomesmo tempo, estabeleçam ocasiões para um determinado e contínuoataque a eles, e partam com toda a alma para o combate. Nessas ocasiõestenham como objetivo definido e imediato a conversão de pecadores.Lutem para remover preconceitos, para esclarecer dúvidas, parasobrepujar objeções, e para fazer com que o pecador saia de uma vez dosseus esconderijos. Convoquem os membros da igreja para orações

especiais, roguem-lhes que falem pessoalmente com interessados e comindiferentes, e vocês mesmos estejam duplamente atentos para falar comas pessoas individualmente. Vimos que as nossas reuniões de fevereiro,no Tabernáculo, deram resultados notáveis, sendo que o mês todo foidedicado a esforços especiais. Geralmente o inverno é o tempo decolheita do pregador, porque o povo pode reunir-se melhor nas noites

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)longas e fica impedido dos exercícios e diversões ao ar livre. Preparem-se bem para a estação apropriada em que "os reis saem para a batalha."

 Entre os fatores importantes conducentes à conversão há a sua

entonação, o seu temperamento e o seu estilo na pregação. Se você pregar a verdade num estilo opaco e monótono, Deus poderá abençoá-la,mas com toda a probabilidade não o fará. De qualquer forma, a tendênciade um estilo assim é, não suscitar a atenção, mas impedi-la. Não muitasvezes acontece que os pecadores são despertados por ministros queestão, eles mesmos, dormindo. Deve-se também evitar o modo apático e

 pesado de falar; a falta de terno sentimento é lamentável, e repele em vezde atrair. O espírito de Elias pode fazer tremer, e quando é extremamenteintenso, pode ir longe como preparativo para a recepção do evangelho;mas, para a verdadeira conversão necessita-se mais de João – o amor é aforça que vence. Devemos amar os pecadores por Jesus. Grande coraçãoé a principal qualidade do grande pregador, e devemos cultivar os nossosafetos com esse fim.

Ao mesmo tempo, a nossa maneira de pregar não deve degenerar,transformando-se no calão macio e açucarado adotado por alguns que

sempre simulam gostar de toda gente, e adulam as pessoas como queesperando engambelá-las suavemente, atraindo-as assim para a vidareligiosa. Indivíduos varonis sentem-se mal e desconfiam de hipocrisiaquando ouvem um pregador falando melaços. Sejamos ousados efrancos, e nunca falemos aos ouvintes como se lhes estivéssemos

 pedindo um favor, ou como se eles estivessem condescendendo com oRedentor, permitindo-lhe que os salvasse. Temos a obrigação de ser 

humildes, mas o nosso oficio de embaixadores deve impedir que sejamosservis.Felizes seremos se pregarmos confiantemente, sempre na esperança

de que Deus abençoe a Sua Palavra pregada. Isto nos comunicará serenaconfiança que impedirá a petulância, a irreflexão temerária e o desalento.Se nós mesmos duvidarmos do poder do evangelho, como poderemos

 pregá-lo com autoridade? Alimente o sentimento de que é um homem

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)favorecido por ter a permissão de proclamar as boas novas, e regozije-secom o fato de que a sua missão está carregada de benefícios para os quese acham diante de você. Faça com que as pessoas vejam quão alegre e

confiante o evangelho o tornou, e isto contribuirá em muito para fazê-lasansiosas para participar das suas benditas influências.Pregue com muita solenidade, pois esta ocupação é deveras

importante, mas faça com que a matéria de que trata seja vívida eagradável, pois isto impedirá que a solenidade se corrompatransformando-se em monotonia. Seja tão completamente solene quetodas as suas faculdades se despertem e se empenhem, e depois, um jatode bom humor somente acrescentará mais intensa seriedade ao discurso,exatamente como a centelha de um relâmpago torna a escuridão da meia-noite muitíssimo mais impressionante. Pregue fixando um ponto,concentrando todas as energias no objeto visado. É preciso que não hajarodeios com passatempos, nem introdução de elegâncias oratórias, nemsuspeita de exibição pessoal, do contrário, você fracassará. Os pecadoressão vivos e logo detectam o menor esforço de auto-glorificação.Renuncie a tudo por amor daqueles que você anela salvar. Seja louco em

 prol de Cristo, se isto os conquistar, ou seja um douto erudito, se istotiver maior possibilidade de impressioná-los. Não poupe nem labor nogabinete, nem oração no quarto, nem zelo no púlpito. Se os homens nãoacharem que as suas almas valem um pensamento, leve-os a verem que oministro deles é de opinião bem diversa.

Tenha em vista conversões, espere por elas e prepare-se para elas.Resolva que, ou os seus ouvintes se renderão ao seu Senhor, ou ficarão

sem desculpa, e que uma coisa ou outra há de ser o resultado imediato dosermão que você acaba de começar. Não deixe que os cristãos ao seuredor fiquem a indagar quando se salvarão almas, mas inste com eles quecreiam no poder não enfraquecido das boas novas, e ensine-os a seespantarem se nenhum resultado salvador se seguir à transmissão dotestemunho de Jesus. Não permita que os pecadores ouçam sermõescomo coisa natural, nem lhes permita jogarem com as afiadas

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)ferramentas da Escritura como se fossem simples brinquedos. Mas, umae outra vez faça-os lembrar-se de que todo verdadeiro sermão evangélicoos fará piores, se não os fizer melhores. A incredulidade deles é um

 pecado repetido todo dia, toda hora. Nunca permita que deduzam do seuensino que merecem dó por continuarem fazendo de Deus um mentiroso,rejeitando o Seu Filho.

Uma vez impressionados pelo senso do perigo que correm, não dêaos ímpios nenhum descanso em seus pecados. Bata repetidamente à

 porta dos seus corações, e bata para a vida ou para a morte. A suasolicitude, o seu fervor, a sua ansiedade, o seu trabalho de parto por eles,Deus abençoará com vistas ao despertamento deles. Deus age

 poderosamente mediante esta instrumentalidade. Mas a nossa agonia pelas almas deve ser real, não fingida, e, portanto, os nossos coraçõesdevem ser forjados de molde a terem o mesmo sentimento que Deus tem.Religiosidade de baixo nível significa pouco poder espiritual. Discursosextremamente penetrantes podem ser pronunciados por homens cujoscorações não estão em ordem para com o Senhor, mas o resultado delessó terá que ser pequeno. Há algo no próprio tom do homem que tem

estado com Jesus que tem mais poder de tocar o coração do que aoratória mais perfeita. Lembre-se disto e mantenha ininterrupto andar com Deus.

Você precisará de muito trabalho feito em secreto, a desoras, se éque há de reunir muitas das ovelhas perdidas do seu Senhor. Somente

 pela oração e jejum você poderá obter poder para expulsar os pioresdemônios. Digam os homens o que quiserem da soberania, Deus liga o

sucesso especial a especiais estados de coração, e se estes faltam, Elenão realizará muitas obras poderosas.  Em acréscimo à pregação fervorosa, será prudente empregar

outros meios. Se você quer ver resultados dos seus sermões, deve ser acessível aos interessados em fazer perguntas. Uma entrevista após cadaserviço talvez não seja desejável, mas freqüentes oportunidades paraentrar em contato com as pessoas da sua igreja devem ser procuradas, e

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)de algum modo devem ser criadas. É chocante pensar que há ministrosdestituídos de método para encontrar-se com os ansiosos, e seentrevistam um aqui, outro ali, deve-se à coragem de quem anda à busca

disso, e não ao zelo do pastor.Desde o inicio você deve marcar ocasiões freqüentes e regulares para ver todos os que estão em busca de Cristo, e você deve convidá-losconstantemente a virem falar-lhe. Demais disso, mantenha numerosasreuniões com os interessados, reuniões em que as alocuções visem todasa ajudar os que têm problemas e guiar os perplexos, interpondo-lhesfervorosas orações pelos indivíduos presentes e breves testemunhos de

  pessoas recém-convertidas e outras. Como a confissão pública écontinuamente mencionada em conexão com a fé salvadora, você serásábio se facilitar aos crentes que ainda seguem Jesus de noite quevenham para a frente e votem sua adesão a Ele.

 Não se deve persuadir outros a se decidirem, mas devem ser dadastodas as oportunidades para que o façam, e não se deve colocar nenhuma

 pedra de tropeço no caminho das pessoas esperançosas. Quanto aos quenão estão adiantados o bastante para garantir qualquer idéia de batismo,

você poderá ser-lhes em extremo benéfico mediante trato pessoal, e,  portanto, deve procurar conseguí-lo. Uns poucos momentos deconversação podem bastar para esclarecer dúvidas, corrigir erros eeliminar pavores. Conheço casos em que foi dado fim a um infortúnioque durou a vida inteira, com uma simples explicação que poderia ter sido dada anos antes. Procure as ovelhas extraviadas, uma por uma, equando vir que todos os seus pensamentos são necessários para um único

indivíduo, não reclame do seu trabalho, pois o seu Senhor, em Sua parábola, retrata o bom pastor trazendo de volta para casa as ovelhas perdidas, não num bando, mas uma por vez, sobre os Seus ombros, eregozijando-se ao fazê-lo.

Com tudo o que possa fazer, os seus desejos não se cumprirão, poisa conquista de almas é uma carreira que toma conta do homem. Quantomais recompensado por conversões, mais ávido fica por ver gente em

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)maior número nascendo para Deus. Daí, logo você descobrirá que

 precisa de auxílio, se é que pretende persuadir a muitos. A rede fica pesada demais para ser arrastada até a praia por um par de mãos, quando

está repleta de peixes, e você deve fazer sinais aos seus companheiros detrabalho, chamando-os para lhe prestarem ajuda. Grandes coisas sãorealizadas pelo Espírito Santo quando uma igreja inteira se ergue comsanta energia. Neste caso, há centenas de testemunhos, em vez de um só,e estes se fortalecem uns aos outros; os advogados da causa de Cristo sesucedem uns aos outros e trabalham ombro a ombro, enquanto assúplicas ascendem ao céu com a força da importunação unida; assim os

 pecadores são cercados por um cordão de severas ameaças, e o própriocéu é chamado ao campo de batalha.

Parece difícil salvar-se um pecador em certas igrejas, pois seja qualfor o bem que receba do púlpito, fora deste fica enregelado pelaatmosfera ártica circundante. Por outro lado, algumas igrejas tornamdifícil aos homens permanecerem sem converter-se, pois com santo zeloacossam os indiferentes, levando-os à ansiedade espiritual. Deveconstituir nossa ambição, no poder do Espírito Santo, trabalhar a igreja

toda, dando-lhe excelente condição missionária, fazendo dela um vasoacumulador tipo Leyden, totalmente carregada de eletricidade divina, demodo que tudo que entre em contato com ela se encha do seu poder.

Que pode fazer um homem só? Que não pode fazer, com umexército de entusiastas em torno dele? Medite logo no início na

  possibilidade de ter uma igreja de conquistadores de almas. Nãosucumba à idéia generalizada de que só podemos reunir alguns obreiros

  prestativos, e que os elementos restantes da comunidade serãoinevitavelmente um peso morto. Possivelmente acontecerá isso, mas nãocomece dominado por essa noção, ou do contrário ela se concretizará. Ogeral não tem necessidade de ser universal. É possível conseguir coisasmelhores do que qualquer coisa já alcançada. Ponha bem alto o seuobjetivo, e não poupe esforços para atingi-lo. Lute para formar umaigreja cheia de vida para Jesus, cada membro da igreja com o máximo de

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)energia, e todo o conjunto em atividade incessante pela salvação doshomens. Para atingir-se este fim, é mister haver o melhor tipo de

 pregação para alimentar e fortalecer a tropa, constante oração para fazer 

descer poder do alto, e o mais heróico exemplo da sua parte para ativar ofogo ao zelo dos demais. Então, sob a bênção divina, um comando de bom senso dirigindo o grosso das tropas não poderá deixar de produzir os mais desejáveis resultados. Qual de vocês pode captar esta idéia efazê-la encarnar-se num fato real?

Convidar um colega de vez em quanto para dirigir trabalhos deevangelização ver-se-á que é prática muito sábia e útil, pois há alguns

 peixes que nunca serão apanhados por sua rede, mas que certamentecaberão por sorte a outro pescador. Vozes novas penetram onde o somcostumeiro perdeu o efeito, e tendem a gerar interesse mais profundonaqueles que já são atentos. Evangelistas firmes e prudentes podem

 prestar ajuda até ao pastor mais eficiente, apanhando frutos que aquelenão tem podido alcançar. Seja como for, isto rompe a continuidade dosserviços regulares e lhes dá menor probabilidade de ficarem monótonos.

 Nunca permita que a inveja o estorve nisso. Suponha que o brilho

de outra lâmpada ofusque o da sua. Que importa, desde que traga luz para aqueles cujo bem-estar você está procurando? Diga com Moisés:"Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta!" Quem estiver livre dainveja egoística verá que não haverá ocasião para sugeri-la. Sua gente

 bem pode ter ciência de que o seu pastor é sobrepujado por outros quantoao talento, mas estará pronta para afirmar que ele não é superado por ninguém quanto ao amor que vota às suas almas. Um filho amoroso não

tem necessidade de acreditar que seu pai é o homem mais culto dacomunidade. Ama-o pelo que ele é, não porque é superior a outros.Convide uma vez ou outra um irmão cheio de entusiasmo que more por 

 perto; utilize os talentos da sua própria igreja; e procure os serviços dealgum eminente conquistador de almas, e isto, nas mãos de Deus, poderomper para você o chão duro, e trazer-lhe dias de maior esplendor.

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Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)Terminando, amados irmãos, por quaisquer meios, por todos os

meios, esforcem-se para glorificar a Deus mediante conversões, e nãodescansem enquanto não for cumprido o desejo do seu coração.

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