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MARCA DILLETO
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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING (ESPM – SP)
GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM ÊNFASE EM
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
PEDRO HENRIQUE FERREIRA KASTELIC
ERA UMA VEZ UMA MARCA
Storytelling e ficção na construção identitária da Diletto
SÃO PAULO
2013
ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING (ESPM – SP)
PEDRO HENRIQUE FERREIRA KASTELIC
ERA UMA VEZ UMA MARCA STORYTELLING E FICÇÃO NA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DA DILETTO
Trabalho de conclusão de curso
apresentado como requisito para a
obtenção de título em Bacharel em
Comunicação Social com habilitação em
Publicidade e Propaganda pela Escola
Superior de Propaganda e Marketing.
Orientado pelo Prof. Dr. João Anzanello Carrascoza
São Paulo
2013
KASTELIC, Pedro Henrique Ferreira. Era uma vez uma marca: storytelling e ficção na
construção identitária da Diletto. São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM-SP), 2013.
RESUMO
Na medida em que a forma de consumir evolui para um caminho cada vez mais repleto de
simbologia e imaginação, a comunicação responde com novas técnicas, entre elas, o
storytelling. Baseado na arte milenar de contar histórias, o storytelling vem ganhando
relevância entre os comunicadores como um novo meio de chamar atenção e se diferenciar.
Tratando-se de narrativas, as fronteiras entre realidade e ficção se tornam ainda mais tênue no
ponto em que a própria construção de marca passa a se basear em uma história. A partir deste
cenário, estudaremos o consumo e suas práticas, a técnica do storytelling e a relação entre
realidade e ficção nas histórias contadas por marcas.
PALAVRAS-CHAVE
Consumo imaginário; Storytelling; Narrativas; Realidade e Ficção; Diletto.
ABSTRACT
As consuming habits evolve towards a way more and more full of symbols and imagination,
communication responds with new techniques and among them is the storytelling. Based on
the age old art of telling stories, storytelling has become more relevant among communicators
as a new path to win over the attention and standing out to consumers. Being about narratives,
the borders of fiction and reality become even thinner to the point of making the building of a
brand based on a story. In this scenery we will study consumption and its ways, the
storytelling technique and the relation of reality and fiction in the stories told by brands
KEY WORDS
Imaginary consumption; Storytelling; Narratives; Reality and Fiction; Diletto.
Aos meus pais.
AGRADECIMENTOS
Fosse essa parte, dos agradecimentos da monografia, uma narrativa, ela provavelmente se
dividiria em duas tramas: uma maior, que compreenderia a história em torno do protagonista
como um todo; e uma menor, relativo aos pormenores do protagonista em sua jornada. Ainda
que não seja uma narrativa (e entenderemos os motivos mais a frente, no desenrolar deste
estudo), permito-me dividir os agradecimentos desta mesma forma.
Na trama menor, agradeço àqueles personagens que foram imprescindíveis no
desenvolvimento desta história, desta monografia. Ao colega Damaso, que abriu minha
cabeça a pensar; à professora Rosilene, que sem sua ajuda talvez eu não chegasse a este dado
momento da monografia; à professora Martha, que me apresentou um dos mais fascinantes
temas que tive em curso e em vida; ao mestre Fernando, que, nada mais nada menos, me
sugeriu o enfoque desta monografia - pelo qual me fascinei; aos professores Caio, Mauro e
Walfredo, que, junto a Rosi, semanalmente me guiaram no percurso mais estrutural do meu
trabalho; ao meu orientador João, que acolheu meu trabalho prontamente até ao fim e ao cabo,
e a sua assistente Irene; e a todos professores que me fazem querer um dia ensinar como eles
hoje fazem.
Já na trama maior de meus agradecimentos, um muito obrigado a todos aliados durante toda a
minha vida até o dado momento dessa jornada. Ao meu grupo, que me aturou bravamente
junto às minhas neuroses durante o curso; ao meu dupla, que traduziu palavras como essas em
belos leiautes e anúncios; aos grandes amigos de fora, que como eu (e comigo) encararam a
selva de pedra paulistana; aos também mais que especiais amigos da minha querida
Campinas, os quais sabem quem são; à minha namorada, que, por vezes, me ouviu dialogar
(ou “monologar”) sobre os temas da monografia; aos meus familiares, os Ferreiras e o
Kastelics (e em especial à minha avó, que duvido eu chegar a sua idade, um dia, tão bem
quanto ela); aos meus pais e ao doutor Iamada que no dia 24 de março de 1992, deu início à
primeira letra capitular desta história que, como vocês poderão ver a seguir, é repleta de
ficção.
“O drama é a vida sem as partes chatas.”
- Alfred Hitchcock
LISTA DE FIGURAS
v Figura 1: Yin-yang Página 29
v Figura 2: Jeca Tatuzinho Página 41
v Figura 3: Lei do menor esforço... Página 43
v Figura 4: Primeiro sutiã, W/Brasil Página 45
v Figura 5: Perdi meu amor na balada, Nokia Página 46
v Figura 6: Pontos de venda Diletto Página 55
v Figura 7: Geladeira Diletto Página 56
v Figura 8: Telefone do Delivery Diletto Página 57
v Figura 9: Homepage Diletto Página 57
v Figura 10: Logotipo Diletto Página 59
v Figura 11: Mascote Diletto Página 60
SUMÁRIO
Introdução: Essa história de contar histórias.........................................................Página 11
Capítulo I: As histórias na sociedade de consumo.................................................Página 16
v Consumo, um conceito repleto de senso-comum Página 16
v O momento histórico do consumo contemporâneo Página 18
v As características do consumo contemporâneo Página 20
v Storytelling e o consumo de histórias Página 23
Capítulo II: Realidade, storytelling e ficção............................................................Página 28
v Realidade e ficção na contemporaneidade Página 28
v A ficção para a literatura Página 35
v Storytelling, entre o real e o ficcional Página 37
Capítulo III: Storytelling: de mídias para marcas..................................................Página 40
v Storytelling e ficção durante os anos da publicidade Página 40
v Diletto: ficção desde o posicionamento Página 48
v O processo metonímico na história do Sr. Vittorio Página 52
v O produto Página 53
v O preço Página 54
v A praça Página 54
v A promoção Página 56
v Nome, slogan e logotipo Página 58
Considerações Finais.................................................................................................Página 62
Bibliografia.................................................................................................................Página 63
11
INTRODUÇÃO ESSA HISTÓRIA DE CONTAR HISTÓRIAS
“Humanos são seres de histórias, logo as histórias nos tocam em todos
os aspectos de nossas vidas.” (GOTTSCHALL, 2012, p.25)1
Contar histórias é inerente ao ser humano. Uma de nossas lembranças mais antigas da
infância é, quase sempre, uma história que ouvimos de nossos pais, avós ou tios. Isso, ainda
porque, muito provavelmente, essa história tenha sido contada a nossos parentes em uma
mesma situação como a nossa, e assim passada de geração em geração.
Indo ainda mais fundo na história da humanidade, constatamos que as histórias
existem e são contadas desde a época do homem primata, através de figuras desenhadas nas
paredes das cavernas – as chamadas artes rupestres. Assim, defende Benjamin (1994), a figura
do ser humano como um narrador, um contador de histórias, existe desde os primórdios.
Ele ainda é hoje o primeiro conselheiro das crianças, porque foi o primeiro da humanidade, e sobrevive, secretamente, na narrativa. O primeiro narrador verdadeiro é e continua sendo o narrador de contos de fadas. Esse conto sabia dar um bom conselho, quando ele era difícil de obter, e oferecer sua ajuda, em caso de emergência. Era a emergência provocada pelo mito. (BENJAMIN, 1994, p.215)
Em suma, o que podemos afirmar é que as histórias são parte da história da
humanidade. Seja através de histórias de caçadas, mitos, contos de fada ou fábulas, em geral o
“ato de contar histórias” está presente desde o princípio da humanidade graças ao seu poder
em ensinar lições. Ainda que na língua portuguesa este “ato” não tenha para si um termo
único que o designe, é na língua inglesa que “contar histórias” ganha conotação especial.
“Storytelling” é um termo que rompeu as barreiras do inglês e transcendeu, no século
XXI, à realidade da comunicação publicitária como uma “buzzword”. Buzzword é uma
palavra “usada para impressionar, ou que está na moda”2. Desta forma, storytelling se
difundiu pela publicidade com o objetivo inicial de importar o conhecimento desenvolvido
durante anos pela humanidade em contar histórias, para aplica-lo à comunicação de marcas.
O contexto, portanto, em que o storytelling se insere na publicidade, é uma realidade
de muito avanço tecnológico, principalmente no que tange às mídias da comunicação. Se
1 Tradução livre do original: “Human are creatures of story, so story touches nearly every aspect of our lives.” 2 Wikipedia. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Buzzword> Visto em: 26/10/2013.
12
antes predominavam anúncios em televisão, rádio, jornal e revista – as chamadas mídias
tradicionais – hoje a comunicação se pluralizou através das grandes metrópoles, como define
Martín-Barbero (2004), como mais do que espaços ocupados, mas sim espaços
comunicacionais. Ou seja, na contemporaneidade lidamos com o nascimento de novas mídias,
tanto através da exploração do ambiente urbano em sua totalidade, como também do ambiente
virtual através da internet e do mobile. Tudo é passível de comunicar.
A consequência direta disso, conforme aponta Umberto Eco (2013)3, é que “o excesso
de informação provoca amnésia”. Exposto a um grande contingente de informações
diariamente, o consumidor tende a selecionar o foco de sua atenção, exigindo assim maior
cuidado com o conteúdo veiculado através da publicidade por parte do seu produtor. De
acordo com Semprini (2010):
A multiplicação e diversificação incessantes dos meios e das técnicas de comunicação correspondem precisamente, a essa necessidade cada vez mais complexa para a marca de falar com públicos diversificados, de lhes dirigir discursos específicos, de estender sua presença em suas vidas cotidianas, de interagir o mais frequentemente possível com os consumidores. (SEMPRINI, 2006, p.44)
É neste contexto em que o storytelling vem ganhando espaço na propaganda. Se,
como apontamos, o ser humano é, por característica inerente à sua existência, filiado às
histórias; por que não utilizar isso em prol da comunicação de marcas numa realidade onde a
comunicação tradicional vem carecendo de novos caminhos para captar atenção? Diante dos
diversos meios pelos quais a comunicação vem tentando se renovar, Palacios (2007) defende
um dos benefícios do storytelling na comunicação contemporânea:
Desta maneira, campanhas comunicacionais que utilizarem histórias têm grandes chances de captar a atenção dos públicos designados, com a vantagem adicional de canalizar também os 5 sentidos dos receptores. Desta forma é possível conseguir uma atenção plena e exclusiva, mas de forma orgânica, ou seja, não-impositiva e não-interruptiva. (PALACIOS, 2007, p.20)
O estudo do storytelling para o contexto mercadológico e consequentemente
acadêmico se mostrou de grande importância. Todavia, por se tratar, como dissemos
anteriormente, de uma buzzword, muito burburinho é gerado em torno de sua definição e, por 3 Umberto Eco: “O excesso de informação provoca amnésia”. Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2011/12/umberto-eco-o-excesso-de-informacao-provoca-amnesia.html> Visto em: 26/10/2013.
13
vezes, por não se acatar a um mínimo rigor científico, o termo acaba por ter sua relevância
denegrida. Assim, o valor conceitual de um estudo acerca do storytelling acresce à sua
importância como um todo para que se evite o senso comum de um tema que apresenta
alguma complexidade.
Complexidade essa que se apresenta a nós ainda mais intensa quando se aproxima da
questão da realidade e da ficção. De acordo com Baudrillard (2008) “as comunicações de
massa não nos fornecem a realidade, mas a vertigem da realidade”. Tendo isso em vista,
cremos que, como uma tendência apontada para a comunicação contemporânea, o storytelling
tem alguma influência na concepção apontada pelo autor. Tal impressão, entretanto, se
confirma ainda mais com a observação dos mais recentes fenômenos do storytelling na
comunicação. Se antes, como abordaremos nesse estudo, as histórias se limitavam ao meio
impresso, à televisão ou ao rádio, recentemente notamos a expansão desses meios para até a
construção de marcas.
É a partir dessa constatação, em meio à variedade de campos pelos quais o storytelling
poderia ser pesquisado, definimos o objeto de nosso estudo. Assim, tendo em vista o avanço
das técnicas de storytelling por entre as mais diversas mídias, optamos como objeto a
construção da identidade de uma marca a partir de uma história ficcional.
Tendo em vista que histórias já são utilizadas como artifícios da propaganda há
bastante tempo, bem como a ficção já é trabalhada na publicidade concomitantemente; a
problematização deste estudo se concretiza na evolução das mídias que a comunicação faz
uso.
Ou seja, na medida em que o avanço da comunicação não só culminou no estudo do
storytelling como técnica e consequentemente da ficção, mas também passou a fazer uso de
tais histórias ficcionais em uma “mídia” pouco antes estabelecida: a própria construção
identitária de uma marca. A partir disso é que levantamos o questionamento desta
monografia, como é construída uma marca a partir de uma história ficcional para obter
sucesso em seu mercado?
Para responder esse questionamento é que deliberamos como nosso objetivo geral
compreender as características que definem a construção de uma marca de sucesso em seu
mercado a partir de uma história ficcional. Assim, buscamos compreender os pormenores
referentes tanto à história contada pela marca, quanto a como se dá a sua comunicação com o
consumidor através de todos os elementos que compõem a sua identidade.
14
Para tanto, percorremos alguns caminhos cruciais na busca de respostas para a
situação geral. Assim, temos definidos alguns objetivos específicos que foram explorados
durante o desenvolvimento da pesquisa.
Em um primeiro momento, ao estudarmos a evolução do consumo para até como se
caracteriza hoje – e onde se insere o storytelling – objetivamos compreender em que momento
o consumo se ampliou na sociedade e o storytelling como técnica da comunicação se inseriu
neste contexto. Posteriormente, partimos a estudar as minúcias da realidade e da ficção tanto
em seu viés acadêmico, quanto literário para, assim, estabelecermos uma medida de como
devemos entender a relação entre o real e o ficcional quando se aplica a uma história contada
por uma marca.
Por fim, temos como último objetivo específico verificar a aplicação das concepções
dos capítulos anteriores na própria evolução da comunicação através de storytelling durante
os anos, estudando os mais importantes casos da propaganda brasileira. Para isso, iniciamos
através de uma pesquisa descritiva a busca por conceitos que definam a evolução do consumo
para como é tido hoje, o storytelling na comunicação e a questão da realidade e da ficção para
histórias contadas por marcas.
Em um segundo momento, onde trabalhamos alguns exemplos de storytelling na
propaganda brasileira a fim de aplicar as teorias apreendidas à prática, a monografia assumiu
uma postura mais explicativa em relação ao tema proposto.
Desta forma a coleta de dados se deu por diferentes meios. No primeiro e segundo
capítulos propostos, a pesquisa se concentrou em bibliografias, a fim de auxiliar na definição
geral de consumo, do storytelling e da presença da realidade e da ficção em tal técnica.
Porém, no momento em que o estudo possui um caráter enfocado na produção de cada caso
em específico de campanhas de comunicação, a pesquisa tendeu a, além de seguir o método
de estudo de caso, também deter características documentais no ponto em que todo o contexto
onde a marca se insere também foi analisado.
A preocupação com a escolha de autores também se refletiu durante o
desenvolvimento da pesquisa. Para determinar um quadro referencial teórico contundente à
realização de um trabalho de qualidade, entendemos que o estudo se dividiu em três sessões
temáticas centrais: o consumo e suas práticas, a técnica do storytelling e a relação entre
realidade e ficção.
Para cada uma dessas sessões que precedem o estudo de caso, selecionamos autores
específicos em seus temas. Ao estudar a história do consumo e sua definição contemporânea,
15
nos concentramos em autores-chave como Everardo Rocha (2005), Andrea Semprini (2010) e
Colin Campbell (2001). Assim, especificamente, pudemos compreender a evolução das
características do consumo para como é praticado atualmente e a posição das marcas quanto a
isso.
Inserindo o storytelling no consumo, nos baseamos na obra de Roland Barthes (2011)
a fim de reforçar o estudo estrutural das narrativas. Em Fernando Palacios (2007) e Jonathan
Gottschall (2012), para compreender a inserção das histórias na realidade humana e os
benefícios que essas trazem a marcas quando utilizadas como técnica de comunicação.
Por fim, quando tratamos da complexidade da relação entre o real e ficcional, nos
alimentamos de um amplo leque de autores para melhor concluir sua teorização. Em um
primeiro momento, julgamos indispensável autores como Jean Baudrillard (1991) e Edgar
Morin (2009), bem como Maria Aparecida Baccega (2006). Posteriormente, entendemos
como válida a compreensão de tal relação estudada no capítulo por parte de autores literários
como Mário Vargas Llosa (2004), Umberto Eco (1994) e Jorge Luis Borges (2012).
Não menos importante foi o referencial teórico escolhido para o estudo de caso da
Diletto, bem como a exposição do storytelling durante os anos da publicidade. Neste
momento, nos baseamos em autores como João Carrascoza (2004 e 2012), José Carlos
Carreira (2007) e Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo (2007). Em um segundo momento,
também fizemos uso de Philip Kotler (2007) na inserção do composto de marketing na análise
do caso.
A partir dessa organização e tendo por base tais autores é que, se, como dissemos no
início, o ser humano é intimamente ligado a histórias, buscamos entender um pouco mais da
presença das histórias na sociedade de consumo contemporânea.
16
CAPÍTULO I AS HISTÓRIAS NA SOCIEDADE DE CONSUMO
Consumo, um conceito repleto de senso-comum
Entre o horário em que acordamos até o horário em que dormimos, somos expostos a
centenas de marcas, bem como consumimos uma boa parte delas. Assim como nós, boa parte
da população mundial também vivencia a mesma situação. A consequência dessa chamada
“sociedade de consumo”, segundo Rocha (2005), é a falsa sensação de que dominamos o tema
consumo. Assim, dentre outros fatores, historicamente o estudo acerca do consumo foi
abalado por uma certa superficialidade em torno do tema.
Tudo isso indica que as visões de senso comum - emocionais e ideológicas -, ao congestionarem um tema, mais dificultam que auxiliam na construção de teorias com o rigor que se deseja para a elaboração de um pensamento consistente, ou, se quisermos, mais próximo da prática científica. (ROCHA, 2005, p.125-126, grifo do autor)
Mais do que isso, o senso comum sob a significação do consumo gerou, ainda
segundo o autor, uma série de concepções vagas sobre o conceito. Nomeadas por “marcas
ideológicas do discurso sobre o consumo”, ele sugere uma divisão entre quatro concepções:
hedonista, moralista, naturalista e utilitária.
A primeira delas, como próprio nome sugere, é a ligada à percepção e aos
sentimentos. Predominantemente presente no discurso publicitário, a visão hedonista se torna
uma das mais propagadas graças à própria publicidade em si. E, por tal característica, é
também a mais contestada e contestável. Sua fragilidade encontra-se, justamente, na forma
com que é trabalhada, somente através da mídia e da superficialidade de um anúncio
publicitário.
Como uma antítese a esta definição, está a “visão moralista”. Basicamente, é a visão
que responsabiliza o consumo pelas mazelas de sua sociedade. O consumo, nesta visão, não é
só tido como núcleo do apocalipse social, como é fator negativo numa equação em que
produzir é seu inverso. Um tanto apocalíptica, a visão moralista se fortalece também na mídia,
a qual parece ser confortável a visão alienadora do consumo. Além desta, a própria ciência
também acaba por se limitar a essa visão. Segundo Rocha (2005), a sucessão de revoluções
17
que pautou a estruturação da sociedade moderna concentrou o foco dos estudos científicos
para a produção em detrimento do consumo.
Tal qual o fogo consome uma floresta, explica-se a visão “natural” do consumo. De
acordo com Rocha, a visão entende o fenômeno como “biologicamente necessário,
naturalmente inscrito e universalmente experimentado” (Rocha, 2005, p.131). Ainda que não
aparente incoerência em seu conceito, na verdade seu erro se encontra em seu uso. O
consumo, cultural, em que um indivíduo opta por uma marca ou modelo de automóvel é
entendido da mesma forma com que este mesmo indivíduo consome oxigênio, por exemplo.
Por fim, a visão mais pragmática do consumo, é a utilitária. É a concepção do
consumo como sustentáculo de vendas e rentabilidade de uma empresa. É a visão a qual se
apropria o marketing, e assim, limita-se ao estudo mercadológico do consumo. Ao enfocar
seu estudo tão somente no entendimento de mercado do consumo, ela acaba por ignorar que
este fenômeno tem origem na sociedade, e que por isso careceria de uma compreensão
também social – além de apenas a utilitária.
Dadas essas ressalvas, é natural que nos questionemos, então, sobre qual é a
concepção de consumo mais coerente para o cenário contemporâneo. Não apenas nós, mas
também Rocha (2005) levanta este questionamento, atentando para os motivos desta espécie
de “ostracismo científico” no qual o consumo vagou durante um longo período de tempo.
Assim, gostaria de enfatizar que o consumo, como uma questão de cultura, é algo complexo e, no esforço para construir sua teoria, é preciso refazer essa indagação fundamental. Por que um fenômeno de imensa visibilidade, atuação e constância na vida social do nosso tempo só recentemente tem sido objeto de uma reflexão mais ampla? Por que tanto tempo relegado a uma espécie de anonimato acadêmico? (ROCHA, 2005. p. 135)
Antes de apresentar um conceito que melhor se adeque ao presente é importante que
caminhemos ao longo da história da sociedade a fim de encontrarmos o exato momento (se é
que existiu momento específico, mas sim o processo para tal) em que essa sociedade passou a
se pautar pelo consumo. Assim, destacaremos os principais fenômenos que de alguma forma
se relacionaram a ressignificação do consumo para o indivíduo contemporâneo.
18
O momento histórico do consumo contemporâneo
A partir da pergunta “O que explica a revolução também ocorrida no consumidor nas
origens da Revolução Industrial, ou seja, na Inglaterra do século XVIII?”, Campbell (2001)
alerta, em consonância com a visão de Rocha, de que os estudos acadêmicos da época se
concentraram nas consequências da produção, em detrimento da compreensão das mudanças
do consumo. A partir disso, segundo ele, é que se origina a concepção geral da revolução do
consumo. Como consequência da Revolução Industrial, entende-se que o consumo se
expandiu como unicamente como consequência da produção. Entretanto, conforme veremos
adiante, por si só essa ainda é uma conclusão um tanto superficial.
Sintetizando algumas das mais aceitas percepções acerca da evolução do consumo, a
primeira delas aponta que o aumento da procura de bens se originou no aumento do tamanho
do mercado – em consequência direta do crescimento populacional. Porém, tal argumento se
mostra falacioso no momento em que notamos que tal aumento não gerou maior procura, mas
sim maior miséria representada pelo chamado “Terceiro Mundo” contemporâneo.
Essa tese da ‘extensão do mercado’ suscitou, porém, certas dificuldades, das quais não foi a menor circularidade da causação que parecia sugerir. E ainda, o indício de que o Terceiro Mundo não corroborava tal raciocínio, indicando, em vez disso, a probabilidade de que os aumentos da população, se tomados em si mesmos, simplesmente levavam a maior pobreza, sem qualquer aumento da procura. (CAMPBELL, 2001, p.32)
Ainda em sequência a este primeiro pensamento, supôs-se que na verdade fora o
aumento de poder aquisitivo da população a partir da Revolução Industrial que gerou o
aumento da procura de bens. Mas percebemos a falha em tal teoria ao constatarmos que os
consumidores da época, segundo o autor, não reagiam através da busca de novos bens, mas
sim se inclinavam mais a poupar ou a usar a renda extra em seu lazer. Logo, notamos que o
aumento de poder aquisitivo não teria resultado no aumento da procura de bens, porque,
justamente, ainda inexistia a significação do consumo pela qual estamos procurando.
Outra visão que aparenta coerência na explicação da mudança do consumo no século
XVIII é a chamada “emulação social”. Definida como uma “competição estratificadora da
sociedade”, que teria feito com que os operários aumentassem a sua produção a fim de ganhar
mais, essa compreensão também cai por terra. Ainda que, segundo o autor, não seja um
entendimento incorreto, a emulação falha como explicação no momento em que existe, na
19
verdade, há muito mais tempo na sociedade do que quando se registra a revolução do
consumo.
Por outro lado, outra percepção seria a de que nessa época teria se formado uma nova
capacidade comercial, incluindo novas técnicas, entre elas, a propaganda. Fosse essa uma
concepção correta, teríamos nela indícios de um possível surgimento das histórias diretamente
inseridas no consumo.
Todavia, ainda que diversas técnicas tenham surgido nessa época, não é do século
XVIII que comerciantes tentam persuadir seus consumidores pelos diversos meios possíveis.
Assim sendo, é incabível associar o súbito aumento da procura de bens de consumo somente à
propaganda surgida no século XVIII, em detrimento do que já se praticava anteriormente por
parte dos comerciantes.
Pois também aqui há um problema na explicação do súbito aparecimento e difusão da propaganda agressiva e das campanhas de vendas. Os fabricantes não haviam procurado, há muito, controlar o mercado para seus bens? Não haviam eles sempre tentado, por quantos meios tivessem à disposição, persuadir os consumidores a comprar os seus produtos? (CAMPBELL, 2001, p.37)
Ao contrário das múltiplas explicações que tentaram desvendar a revolução do
consumo no século XVIII, Campbell (2001) aponta uma série de mudanças culturais que
teriam ocasionado a ressignificação do consumo. Primeiramente devemos compreender que,
se há essa questão perante a revolução do consumo, ela existe em grande parte pelo papel da
classe média da época. Ou seja, a grande mudança na procura de bens de consumo ocorreu
majoritariamente por parte de um mercado de renda mediana.
Contudo, o que Campbell (2001) defende como fator crucial das mudanças no
consumo é a popularização do contato desta classe social com a literatura romântica.
Espelhado em outras ressignificações da época, como o próprio casamento, o autor defende a
influência da “ética romântica” como um fenômeno perene no comportamento social da
época.
Com base nessa contextualização histórica do surgimento do consumo moderno junto
ao movimento romancista, Campbell (2001) novamente alicerça seu pensamento ao constatar
que “o consumidor moderno desejará um romance em vez de um produto habitual porque isso
o habilita a acreditar que sua aquisição, e seu uso, podem proporcionar experiências que ele,
até então, não encontrou na realidade.” (CAMPBELL, 2001, p.130).
20
Defendendo a tese de que a revolução do consumo é uma combinação de mudanças
sociais e comportamentais do indivíduo da época, esta veio a originar a prática do consumo
como é entendida atualmente. Mais do que isso, como veremos adiante, a percepção de
Campbell (2001) ganha ainda mais respaldo quando destaca o aspecto imaginário do mesmo.
As características do consumo contemporâneo
Uma das críticas feitas por Rocha (2005) acerca do estudo do consumo é o fato de só
ter sido uma preocupação recente entre o meio acadêmico. Antes disso, até pela sequência de
revoluções na produção, os estudos se focaram na produção, segundo o autor, pelos motivos
abaixo:
É como se a produção possuísse algo de nobre e valoroso, representando o mundo verdadeiro ou a vida levada a sério, e o consumo, no polo oposto, tivesse algo de fútil e superficial, representando o mundo falso e inconsequente. A cigarra canta, gasta, consome, e a formiga labora, poupa, produz, para lembrar a velha fábula, como famoso elogio da produção. (ROCHA, 2005. p. 129, grifo do autor)
Para isso, julgamos conveniente fazer uma breve exposição do passado do consumo
para, a partir de agora, podermos compreendê-lo mais integralmente. Dando sequência ao
estudo de Rocha (2005), além de apontar os diversos sensos comuns presentes na concepção
de consumo contemporâneo, ele também sugere quatro características que norteiam o
conceito de consumo para o século XXI. Para o autor, o consumo é um sistema de
significação que supre necessidades simbólicas disformes, e que, por assim ser, o consumo se
definiria como um sistema complexo de significados.
O consumo é como um código e por ele são traduzidas muitas das nossas relações sociais. Os códigos são, em certo sentido, algo por meio do qual podemos comunicar significados. São sistemas de signos - no caso do consumo de grande complexidade - ordenados e convencionados de forma a possibilitar construir e transmitir mensagens. (ROCHA, 2005. p. 136)
Como um código, ele teria a capacidade de classificar e segmentar os objetos inseridos
nessa relação. E, ao assim fazer com os indivíduos, fortemente os identifica em suas relações
sociais. Ou seja, o consumo contemporâneo age como fator socializador na cultura de massa
21
através da comunicação publicitária. Classifica o indivíduo a partir de produtos ligados a
determinadas experiências de vida.
É neste jogo mágico, envolvendo confecção de mitos e prática de rituais, que acontece o consumo, lugar privilegiado para um exercício permanente de classificação que, ao estilo de um sistema totêmico, fornece os valores e as categorias pelos quais concebemos diferenças e semelhanças entre objetos e seres humanos. (ROCHA, 2005. p. 137)
Com base nisso, onde o consumo torna-se um código que transmite anseios disformes
através de nossas relações sociais, concluímos que o que o autor sugere em sua teoria é que o
consumo pode assim ser considerado não mais que também comunicação.
Em consonância com o que argumenta Rocha (2005) está a concepção de consumo
imaginário de Campbell (2001). Segundo ele, o consumidor moderno se difere do tradicional
no ponto em que seu ciclo de satisfação e compra de um novo produto funciona de modo
diferenciado ao que se refere a fatores tangíveis e funcionais do mesmo. Assim, prevalece o
“ciclo de desejo-aquisição-desilusão-desejo renovado”, onde o que comanda o funcionamento
do ciclo é tão só o imaginário do consumidor.
Que o desfrute imaginativo de produtos e serviços é uma parte crucial do consumismo contemporâneo se revela pelo importante lugar ocupado, na nossa cultura, mais pela representação dos produtos do que pelos próprios produtos. (...) Em outras palavras, as pessoas 'desfrutam' dessas imagens em grande parte da mesma forma que desfrutam de um romance ou filme. (CAMPBELL, 2001, p.134)
Assim, Campbell (2001) sugere que a forma com que o indivíduo consome
determinado bem alterou-se em prol da criação de um imaginário em torno dele. Imaginário
que, ao ponto em que existe uma vida cotidiana que se faz entediante e desestimulante ao que
ele chama de “consumidor hedonista”, opta por selecionar as melhores partes para criar uma
fantasia, da mesma forma que acontece em romances ou filmes.
Mais que isso, o autor ainda complementa com o mesmo ponto de vista em relação ao
consumo imaginário. “Consequentemente, embora o cenário imaginado vá desdobrar-se
conforme sua própria lógica interna, não será constrangido por aqueles fatores que limitam as
possibilidades da vida comum.” (CAMPBELL, 2001, p.122)
É a partir desse imaginário, só que através da ótica da construção de uma marca, que
também se baseia a teoria de Semprini (2010) quando trata dos chamados por ele “mundos
possíveis”: A imaginação é simples e literalmente a capacidade de imaginar, criar outros
22
planos de realidade que aquele no qual se está, mundos alternativos ao mundo do aqui e
agora, logo mundos possíveis. (SEMPRINI, 2010, p.282)
Segundo o autor, para definirmos uma marca que se insere na contemporaneidade,
devemos analisar alguns fatores que ao longo dos anos vieram a se tornar intrínsecos à
caracterização da marca. São eles o individualismo, o corpo, o imaterial, a mobilidade e o
imaginário. Para o estudo em questão, merecem destaque dois deles que vem a convergir com
a linha de raciocínio proposta pelo estudo: o imaterial e o imaginário.
Por consumo imaterial, podemos entender a busca dos consumidores pela abstração
dos elementos funcionais do produto. Mais do que a simples exclusão das qualidades
funcionais, Semprini (2010) alerta que o consumo imaterial se caracteriza pelo valor
conceitual e simbólico presente além de tão só a carga material dos bens. Corroborando o
imaterial, o consumo imaginário se liga fortemente à significação gerada em torno de uma
marca ou de seu produto. Ambos colaboram para o que o autor chama e “mundos possíveis”,
contextos imaginativos onde se formam os significados da marca.
Por esta expressão designam-se todas as práticas – puramente cognitivas, midiáticas, individuais, coletivas ou de outra natureza – cujo objetivo é criar universos fictícios no interior dos quais os indivíduos possam projetar suas aspirações, seus desejos, seus projetos. Esses mundos funcionam, então, como verdadeiros relatos, que ajudam os indivíduos a dar um sentido à sua experiência e a orientar sua escolha e suas ações. (SEMPRINI, 2006, p.65)
Através de um “mundo possível” é que, atualmente, uma marca se constrói e se
caracteriza perante seus consumidores. Predominados por fatores intangíveis e, por vezes,
ficcionais, este é o campo onde a construção de uma marca se pauta – restando aos produtos o
papel de tangibilizar e corresponder de alguma forma às características de seus mundos.
Lembremos apenas que a capacidade de construir mundos, desenvolver territórios simbólicos e manipular a abstração são aspectos que definem a lógica de marca. O desenvolvimento, no seio do consumo, de dimensões imateriais e imaginárias, entra então em íntima ressonância com a própria essência da lógica de marca. (SEMPRINI, 2006, p.69)
No momento em que a identidade de uma marca se forma predominantemente em seu
mundo possível – recheado de características imaginárias e imateriais – as marcas encontram
um fértil caminho para comunicarem através de narrativas. Como o próprio Semprini (2010)
define, os mundos possíveis se constituem também por universos ficcionais – bem como as
narrativas em geral. É neste cenário que o storytelling é apresentado como uma valiosa
23
técnica de comunicação para marcas conversarem com seus consumidores a partir de
histórias.
De acordo com esse viés teórico do storytelling na comunicação, notamos também na
prática (no mercado) a atenção cada vez mais frequente à compreensão desta “nova técnica”.
Por isso, após situarmos de que forma o storytelling se insere no consumo contemporâneo, é
importante que estudemos os pormenores que definem o termo. Além disso, antes de
aprofundarmos a pesquisa em seus outros capítulos, é crucial que salientemos como o
storytelling é compreendido pelos principais autores do tema.
Storytelling e o consumo de histórias
As histórias por si só se mostram presentes na vida do ser humano desde os
primórdios de sua existência. Registradas para a eternidade nas paredes das cavernas através
dos desenhos rupestres, tais gravuras sempre buscavam eternizar momentos que refletissem
de alguma forma uma emoção do ser humano primitivo – seja ela bravura, coragem ou amor.
Sobre isso, Palacios (2007) considera as histórias como algo intrínseco à espécie humana e
que permeia até hoje com grande importância à sua vivência.
De fato, as histórias celebram a nossa coletividade humana e nossa construção de identidade. Desta forma, torna-se uma atividade vital utilizada em diversas disciplinas como design, literatura, artes, psicologia, administração, marketing, comunicação, entre outros. Isto porque o poder ancestral das histórias é inescapável e, somando-se as possibilidades das tecnologias modernas, as narrativas tornam-se uma das ferramentas mais importantes de todos os tempos. (PALACIOS, 2007, p.16)
A partir disso, podemos notar que as histórias possuem algo de diferente no ponto em
que se mostra plenamente inserido à natureza do ser humano desde o início de sua existência.
Mais que isso e também por isso, podemos dizer que as histórias foram e são fator
responsável pela chegada do ser humano até seu estágio evolutivo atual. Sobre isso, o autor
Gottschall (2012) afirma em seu livro:
E agora, dezenas de milhares de anos depois, quando nossas espécies fervilham ao redor do globo, a maioria de nós ainda talha fortemente mitos sobre a origem das coisas, e nós ainda nos emocionamos em uma impressionante multiplicidade de ficções em páginas, palcos e telas - histórias sobre assassinatos, histórias sobre sexo, históricas sobre guerras,
24
história sobre conspirações, verdadeiras e falsas histórias. Nós somos, como espécie, viciados em histórias. Até quando nosso corpo vai dormir, a mente continua a noite toda contando histórias a si mesma. (GOTTSCHALL, 2012. p. 8-9)
Com isso, já temos mais do que claro a íntima presença das histórias no contexto do
ser humano. Todavia, o que caracteriza tais narrativas? Ainda que, como alerta Barthes
(2011), as narrativas apresentem um amplo leque de possibilidades de existência, onde
“inumeráveis são as narrativas do mundo”, é possível que encontremos uma definição do que
designa uma narrativa.
Retomando a distinção dos formalistas russos, propõe trabalhar sobre dois grandes níveis, por sua vez subdivididos: a história (o argumento), compreendendo uma lógica das ações e uma “sintaxe” dos personagens, e o discurso, compreendendo os tempos, os aspectos e os modos da narrativa. (BARTHES, 2011, p.26, grifo do autor)
Por mais que a própria história da relação entre o homem e a narrativa permita
diferentes definições, o autor aponta que, inexoravelmente, uma narrativa é composta por
níveis. De forma didática, podemos então definir três níveis que compõe o cerne de qualquer
narrativa: o das funções, o das ações e o da narração.
Em funções, compreendemos tudo aquilo que ocorre em uma trama como um
acontecimento proposital e funcional para um segundo ato dentro da mesma narrativa. “A
compra de um revólver tem como correlato o momento em que será usado (e se não é usado, a
notação transforma-se em signo de veleidade, etc), tirar o telefone do gancho tem como
correlato o momento em que aí será recolocado” (BARTHES, 2011, p.32). A exceção que se
faz aos atos que não se correlacionam diretamente a um ato posterior é chamada de “índice”.
Assim, se o primeiro sempre explica um ato, o índice é metafórico e refere-se a uma
característica, à definição de um personagem, por exemplo.
Mais importante que um personagem é a ação. Segundo Barthes (2011), “na Poética
aristotélica, a noção de personagens é secundária, inteiramente submissa à noção de ação”. É
assim que, mais do que personagens, os participantes de uma história passam a ser chamados
de “agentes” – bem como acabam por se caracterizar através de seus atos.
Nenhum destes níveis existiria, segundo o autor, sem o terceiro deles. “Os
personagens, como unidades do nível acional, só encontram sua significação (sua
inteligibilidade) se são integrados ao terceiro nível da descrição, que chamamos aqui nível da
narração” (BARTHES, 2011, p.48). Neste, o autor explicita a importância em
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compreendermos a narrativa como um produto da comunicação na medida em que abrange
um emissor e um receptor. Logo, em uma narrativa, cabe ao emissor, seja ele onisciente ou
personagem com ponto de vista inserido na história, fazer o papel de contar a história de sua
ótica.
De volta a nosso contexto, compreender a estrutura básica das narrativas, e
consequentemente ao storytelling quando estas se aplicam a marcas, é essencial para que –
mais do que evitemos equívocos em um termo tão propagado na comunicação contemporânea
– assimilemos os benefícios que o storytelling é capaz de gerar à comunicação.
Segundo Palacios (2007), os “benefícios” gerados por uma campanha com base em
storytelling para uma empresa podem se dividir em dois tipos: os inerentes e os específicos.
Para isso, os primeiros são os que se fazem presentes em todas as histórias de acordo com o
modo com que a narrativa é apresentada (ou como a história é contada), e os segundos
referem-se a histórias que, em específico, apresentam uma integração mais adequada de
campanha com o posicionamento da marca e, porque não, também seu “mundo possível”.
Em relação a este estudo, alguns destes benefícios receberão destaque e deverão ser
explorados mais a fundo. Assim, primeiramente, para o autor uma história é capaz de gerar
conhecimento sobre determinada informação, no ponto em que apresenta um sentido lógico
de acontecimentos e fatos, em “um processo pedagógico é mais rápido e melhor construído
quando feito por meio de vínculos e associações.” (PALACIOS, 2007).
Também é capaz de contextualizar a comunicação partir do fato de que seu diálogo
não ocorre de forma direta com o consumidor, evitando a resistência do mesmo ao já
conhecido meio da propaganda tradicional. E mais que isso, por se tratar de um conteúdo
interpretável e de alguma forma próximo ao consumidor, pode gerar a projeção do
consumidor em tal história. Assim, ainda segundo o autor, histórias geram envolvimento e
acabam por agregar algum valor à marca que se utiliza do storytelling de forma positiva em
sua comunicação.
Vale retomar o raciocínio de que nada tem valor em si, pois somos nós que o atribuímos e isso pode acontecer por meio de histórias. A partir daí, é possível concluir que histórias podem agregar valor ou até mesmo criar relevância para praticamente qualquer marca ou produto junto às pessoas impactadas pela comunicação. (PALACIOS, 2007, p. 23)
Palacios (2007) ainda cita mais dois benefícios inerentes às histórias, a difusão
espontânea e a perenidade. Entretanto, podemos notar em todos estes citados acima uma
26
característica em comum que aqui e na atual conjectura da comunicação mercadológica é
visto como um grande desafio: a captação da atenção do consumidor. Segundo o mesmo
autor, em uma interessante analogia prática de como as histórias permitem conquistar atentos,
“hoje em dia em todo lugar as pessoas param o que estão fazendo pra se distrair, se
comunicar, twittar. Menos no cinema.” (PALACIOS, 2013)4
A partir da citação do cinema, podemos também apontar para mais uma característica
do storytelling que aparecerá novamente mais tarde neste estudo. Tendo em vista a busca pela
maior atenção e engajamento do consumidor através de técnicas narrativas, faz-se natural que
o storytelling como estratégia de comunicação mercadológica venha buscar inspiração em
áreas onde se domina o ofício da produção narrativa com relativo sucesso.
Neste quesito é que se insere o cinema, como citado por Palacios (2007), e por vezes,
inclusive, mistura o enredo de seus filmes ao storytelling em seu caráter publicitário. Para
exemplificar, são os casos de filmes como “Bonequinha de Luxo” (1961) do diretor Blake
Edwards, “Náufrago” (2000) de Robert Zemeckis e “Coco antes de Chanel” (2009) da
diretora Anne Fontaine. Contando direta ou indiretamente uma história ligada a marcas como
a das joias Tiffany, o serviço de entregas Fedex, a bola de vôlei Wilson e a marca de perfumes
Chanel, respectivamente, podemos entender tais filmes também como publicidade aplicada à
mídia do cinema.
Ainda que, na época em que foram pensados, não tenhamos dados suficientes para
afirmar que os objetivos tenham sido os mesmos que conduzem o storytelling para o interesse
da publicidade atualmente, o seu caráter ao mesmo tempo mercadológico e narrativo pode
lhes conferir a compreensão como storytelling.
Na mesma toada de filmes para o cinema, são inspirações para o storytelling a
literatura, como falaremos mais a frente, e toda e qualquer produção narrativa que seja capaz
de produzir entretenimento para um determinado público. Em outras palavras, podemos
resumir em tudo que produz uma determinada história para comunicar e cativar a atenção
serve de inspiração para quem estuda e produz storytelling absorver e reproduzir para o
público-alvo de uma marca ou um produto específico de forma relevante a seu contexto.
Entretanto, inerente a qualquer produção narrativa, seja um roteiro de um filme, um
romance ou um conto literário, uma importante questão que constantemente se apresenta para
a discussão de seus limites é a dualidade entre realidade e ficção. Da mesma forma,
4 PALACIOS, Fernando. Inovação em Storytelling: do branded content à transmídia. In: Curso intensivo de storytelling, 2013, São Paulo, SP: Centro de Inovação e Criatividade, Escola Superior de Propaganda e Marketing.
27
frequentemente engajada em determinar parâmetros para o real e ficcional em torno de si, a
comunicação e o consumo procuram compreender e refletir sobre tal relação inserida em uma
sociedade cada vez mais pautada pelo consumo.
Deste modo, parece indispensável a nós que, ao estudarmos a técnica do storytelling
na publicidade e na comunicação em geral, busquemos esclarecer medidas para o real e
ficcional através dos principais teóricos sobre o tema. Para isso, do capítulo a seguir em
diante, passaremos a aprofundar as diferentes óticas em torno da realidade e da ficção para o
contexto do consumo e da publicidade a partir de um único parâmetro: compreender como o
artifício da ficção nas narrativas aplicadas para o consumo, ou seja, a ficção para o
storytelling é produzida de forma a gerar sucesso para uma marca.
28
CAPÍTULO II REALIDADE, STORYTELLING E FICÇÃO
Realidade e ficção na contemporaneidade
Há, no estudo da realidade e da ficção, uma característica que permeia muitas outras
matérias carregadas de complexidade como essa que é a inexistência de uma linha clara que
divida um oposto do outro. Agravando isso, temos ainda que, quando o estudo do real e do
ficcional se aplica ao consumo, a frequência cotidiana com que o indivíduo lida com este, lhe
provoca a sensação de que se tem domínio acerca dele.
Diante da ideia do consumo como superficialidade, vício compulsivo ou banalidade, sua inferioridade moral em face da produção (consumo é coisa de emergente, perua, dondoca, fútil ou esnobe) também se reforça na mídia. Em razão da forte presença do consumo em nosso cotidiano, é comum que seja tema de colunistas, talk shows, artigos de jornal, reportagens de revistas ou debates em televisão, e muitas vezes o tratamento que recebe é dominado pelo viés apocalíptico. (ROCHA, 2005, p.129-130)
Tendo isso em vista, não seria então prudente da nossa parte que procurássemos, ao
nos aprofundarmos na pesquisa da realidade e da ficção para o consumo, que quiséssemos
encontrar as exatas fronteiras entre o fim de um e o início de outro. Pelo contrário, ao
destrincharmos os conceitos dos principais pensadores do tema, vamos notar, em um primeiro
momento, que a relação entre esses dois conceitos não se apresenta oposta, mas
complementar.
Para exemplificar mais didaticamente, quando estudamos a dualidade presente entre o
que se diz “real” e o que se diz “ficcional”, temos figurativamente uma analogia com o que
ocorre no símbolo taijitu do Yin-yang (Figura 1) – forma taoísta que representa toda a
dualidade existente no universo (e que nela também podemos incluir a relativa “dualidade”
entre a realidade e a ficção).
29
Figura 1: Yin-yang
Considerando, pois, a realidade como sendo a toda a área branca da imagem e a ficção
toda a área colorida em preto, temos mais do que o fato de uma envolver a outra, o fato de que
uma, sem a outra, perde seu próprio caráter, sua existência. Assim também defende Morin
(2009):
O imaginário é o além-multiforme e multidimensional de nossas vidas, no qual se banham igualmente nossas vidas. É o infinito jorro virtual que acompanha o que é atual, isto é, singular, limitado e finito no tempo e no espaço. É a estrutura antagonista e complementar daquilo que chamamos de real, e sem a qual, sem dúvida, não haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana. (MORIN, 2009, p.80)
Levando isso em consideração como primeira e fundamental premissa da
compreensão dos conceitos de realidade e ficção, temos que este estudo pretende navegar
pelas diversas vertentes do que se caracteriza real e do que se caracteriza ficcional nas
diversas facetas da existência humana para encontrarmos um meio-termo onde possamos
articular a principal temática do objeto deste estudo, o storytelling em seu viés
mercadológico.
Para isso pretendemos iniciar com o que consideramos serem os conceitos básicos de
pensadores respeitados sobre o tema em questão. Assim iremos expor o que entendem por
realidade e por ficção autores como o já citado anteriormente Morin (2009), oposto a ele e tão
importante quanto Baudrillard (1991), bem como Baccega (2006).
A seguir, por mais voltado ao mercado e ao consumo que a abordagem do storytelling
pretenda ser neste estudo, sabemos de sua proximidade, ao menos no que se refere a um lado
mais inspiracional, da literatura. Por isso em um segundo momento apontaremos como se dá a
compreensão da “dualidade” abordada nesse capítulo pelo olhar da literatura e dos romances.
30
Iremos nos basear em autores que pensaram a temática dentro do universo literário, com
nomes como Mário Vargas Llosa (2004), Jorge Luis Borges (2012) e Umberto Eco (1994).
Para, por fim, concluirmos previamente, buscando um equilíbrio dentro das posições
defendidas entre os mais importantes teóricos acadêmicos e a vertente literária sobre o
assunto, como funciona a relação entre realidade e ficção na produção de campanhas com
base em storytelling de importantes marcas na sociedade de consumo contemporânea.
Definido isto, a se iniciar pelos teóricos acadêmicos da realidade e da ficção, faz-se
imprescindível aprofundar o já citado Baudrillard (1991). Com um entendimento na mesma
medida denso e crucial, o francês detém uma visão por vezes muito pessimista e inclusive
declarada por ele como “niilista” sobre a realidade humana.
Isso se faz importante nesse estudo a fim de levarmos em conta tal característica ao
compreendermos a percepção intensamente negativa pela qual Baudrillard (1991) fundou seus
conceitos. Mais que isso, tal pessimismo se alicerça, em partes, em sua própria percepção que
resultará em seus conceitos sobre a realidade.
Para ele, os signos e símbolos que representam o real, não o fazem mais de forma a
tão só representá-los ou encená-los, mas passam a substituir o real que, por sua vez, perde sua
existência e dá lugar ao que ele chama de hiper-realidade.
Trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é, de uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório, máquina sinal ética metaestável, programática, impecável, que oferece todos os signos do real e lhes curto-circuita todas as peripécias. O real nunca mais terá a oportunidade de se produzir – tal é a função vital do modelo num sistema de morte, ou antes de ressurreição antecipada que não deixa já qualquer hipótese ao próprio acontecimento da morte. Hiper-real, doravante ao abrigo do imaginário, não deixando lugar senão a recorrência orbital dos modelos e à geração simulada das diferenças. (BAUDRILLARD, 1991, p.8-9)
A simulação, segundo o autor, expõe as dualidades entre real e imaginário no ponto
em que atribui a si algo que não possui de fato. Entretanto, da forma com que esta se apossa
de tal atributo, cabe ser tão intrínseca que tal simulação passa a ser de fato, porque detém
aquilo que define tal realidade. Acabando assim por ser um próprio simulacro.
A intensificação disso se dá, segundo o autor, através da significação dos signos. Crê-
se que os signos remetem a um sentido profundo de um fato. Entretanto, se este dá um sentido
a uma realidade distorcida, passa a ser um simulacro e a assim significar a si mesmo, e a si
mesmo novamente, e assim se perpetua. Mais do que isso, ainda agrava o cenário o fato de
31
que a busca por algo que se mostre real por parte do indivíduo e constante e só tende a
fundamentar ainda mais o conceito do hiper-real.
O que toda uma sociedade procura, ao continuar a produzir e reproduzir, é ressuscitar o real que lhe escapa. É por isso que esta produção <<material>> é hoje, ela própria, hiper-real. Ela conserva todas as características do discurso da produção tradicional, mas não é mais que a sua refracção desmultiplicada (assim, os hiper-realistas fixam uma verossimilhança alucinante um real de onde fugiu todo o sentido e todo o charme, toda a profundidade e a energia da representação). Assim, em toda a parte o hiper-realismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do real consigo próprio. (BAUDRILLARD, 1991, p. 34, grifo do autor)
Em suma, o que Baudrillard (1991) procura responder quando reflete em torno da
realidade e da ficção em sua obra, é o fato de que somente existe uma dimensão que simula o
que um dia veio a ser o real. E que por essa espécie de obsessão por permanecer da forma
mais fiel possível ao que o indivíduo entende por real (que por si só já é fonte de uma série de
simulações em cima de simulações do real), acaba tornando-se hiper-real e anulando a
possibilidade de distinguir o real do ficcional para a contemporaneidade.
Por outro lado, quando tocamos no assunto da realidade e da ficção próximos ao
consumo, outro valioso autor se faz presente para a compreensão dessa dualidade.
Apresentando de antemão o conceito de cultura de massa como importante e deveras
propagado na sociedade de consumo atual, Morin (2009) aponta para a consequência disso no
que tange o real e o ficcional.
Produzida, industrialmente, distribuída no mercado de consumo, registrando-se principalmente no lazer moderno, a cultura de massa se apresenta sob diversas formas (informações, jogos, por exemplo), mas particularmente sob a forma de espetáculo. (MORIN, 2009, p.77)
Dado este cenário introdutório no qual Morin (2009) aponta, o autor explica como
acontece a compreensão da realidade e da ficção nesse contexto. Segundo ele, as formas de
entretenimento acontecem através de uma projeção que o leitor tem no enredo, e aí se incluem
histórias e também o storytelling se considerarmos uma sociedade de consumo. A partir desse
ponto de vista, em partes, apontamos para uma cisão entre a sua compreensão e a de
Baudrillard no ponto em que Morin (2009) considera que o indivíduo é capaz de manter a
consciência do ficcional.
32
A relação estética reaplica os mesmos processos psicológicos da obra na magia ou na religião, onde o imaginário é percebido como tão real, até mesmo mais real do que o real. Mas por outro lado a relação estética destrói o fundamento da crença, porque o imaginário permanece conhecido como imaginário. (MORIN, 2009, p.77)
Ainda assim, de forma alguma devemos entender que o autor defende a total
independência entre a realidade e a ficção. Pelo contrário, Morin (2009) assume a relação que
influencia um ao outro mutuamente através do consumo de entretenimento e do conceito de
projeção e da estética que ele defende.
Todo um setor das trocas entre o real e o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no modo estético, através das artes, dos espetáculos, dos romances, das obras ditas de imaginação. A cultura de massa é, sem dúvida, a primeira cultura da história mundial a ser também plenamente estética. (MORIN, 2009, p.79)
Para Morin (2009), cada vez mais se faz a relação entre o real e o imaginário ao
indivíduo dando-se maior importância ao imaginário na mesma toada com que a cultura de
massa (e consequentemente o mercado do entretenimento) avança. Assim, mais uma vez o
autor vem defender a complementariedade dos conceitos de real e ficcional, ainda que
claramente de forma diferenciada de Baudrillard (1991).
O imaginário é o além multiforme e multidimensional de nossas vidas, no qual se banham igualmente nossas vidas. É o infinito jorro virtual que acompanha o que é atual, isto é, singular, limitado e finito no tempo e no espaço. É a estrutura antagonista e complementar daquilo que chamamos de real, e sem a qual, sem dúvida, não haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana. (MORIN, 2009, p.80)
Se levarmos em conta a “realidade humana” descrita por Morin (2009) inserindo-a
em uma sociedade de consumo repleta por marcas e em um mesmo momento retomarmos a
concepção de “mundos possíveis” de Semprini (2010), temos que o imaginário de Morin
(2009) está para a realidade como uma “estrutura antagonista e complementar” da mesma
forma com que um mundo criado por uma marca – o que incluiria possivelmente um universo
ficcional e uma história ficcional em sua comunicação – está para a realidade de marca e sua
dimensão tangível. Ainda sobre esse paralelo, um trecho do autor ratifica isso:
Diferentes fatores favorecem a identificação; o ótimo da identificação se estabelece num certo equilíbrio de realismo e de idealização; é preciso haver condições de verossimilhança e de veracidade que assegurem a comunicação
33
com a realidade vivida, que as personagens participem por algum lado da humanidade quotidiana, mas é preciso também que o imaginário se eleve alguns degraus acima da vida quotidiana, que as personagens vivam com mais intensidade, mais amor, mais riqueza afetiva do que o comum dos mortais. É preciso, também, que as situações imaginárias correspondam a interesses profundos, que os problemas tratados digam respeito intimamente a necessidades e aspirações dos leitores ou espectadores; é preciso, enfim, que os heróis sejam dotados de qualidades eminentemente simpáticas. (MORIN, 2009, p.82-83)
Tendo este trecho como base, destaca-se o momento em que o autor aponta a
necessidade de que o imaginário se eleve alguns degraus acima da vida quotidiana a fim de
cumprir sua funcionalidade. É a partir disso que conseguimos conectar o imaginário com o
consumo imaginário e com as histórias e com o storytelling utilizado pelas marcas. Quando se
tem o fator imaginário em questão, fator que cada vez mais ganha destaque no consumo
contemporâneo, misturam-se real e ficcional a fim de transmitir melhor os valores de uma
marca e captar a atenção e comoção dos consumidores para ela.
Dentre os diversos motivos que ressaltam a importância de um autor como Morin
(2009) para a compreensão dos mais diferentes assuntos – dentre eles o assunto da realidade e
da ficção – neste caso a sua importância se faz ainda maior no ponto em que o autor aproxima
sua percepção de tais temas junto à cultura de massa.
Deste modo, quando tratamos da realidade e da ficção dentro de um processo
comunicacional de uma empresa ou marca, faz-se importante que a compreensão destes leve
em conta o ofício da comunicação social em sua análise. Não só por isso, mas como também
por julgarmos válido fazer uso de uma visão mais próxima do cotidiano atual em que o estudo
se realiza, uma terceira autora apresenta-se com bastante contribuição para este complexo
estudo. Para Baccega (2006), a realidade e a ficção, em suas diversas vertentes, vão ser
refletidas através da narrativa.
São as narrativas que constituem tanto a história, “realidade”, quanto a literatura, ficção. Tal ambigüidade entre ficção e realidade que caracteriza nosso tempo, presente na mídia através dos vários discursos, é o que este trabalho se propõe trazer para discussão. (BACCEGA, 2006, p.1)
A partir dessa premissa a autora procura defender a inconsistência de uma dualidade
bem definida entre real e ficcional também no que tange a comunicação em geral.
Os meios de comunicação ocupam lugar de destaque nas sociedades contemporâneas. O discurso da comunicação, que também toma o cotidiano
34
como matéria prima, resulta tanto do “aconteceu” (discurso da história) quanto do jogo de possibilidades (discurso literário). Ele carrega tanto o “efeito do real” quanto o “outro real” (BARTHES). Nenhum discurso da comunicação está neste ou naquele polo deste pêndulo, mas ele se revestirá sempre de características predominantes a um ou outro. (BACCEGA, 2006, p.17)
Podemos a partir dessa afirmação também compreender uma correlação entre a
conceituação de Baccega (2006) junto ao que afirma Baudrillard (1991) em sua já citada
literatura. Para isso, entendemos que o discurso da comunicação não estando inserido
unicamente no polo da ficção ou da realidade, mas se embebendo de ambos (ainda que com a
predominância de um deles) aponta para o que o teórico francês chamou por hiper-realidade.
Prosseguindo, a autora destaca o fato de que a realidade compreendida por nós não passa de
uma figura de linguagem que nos gerará algum entendimento. Mais que isso, destaca o fato de
que os meios de comunicação então que se farão responsáveis pela transmissão de tais
informações aos indivíduos. Ou seja, “trata-se de um processo metonímico – a parte pelo todo –
que nos oferece pronta a edição do mundo, a única realidade à qual temos acesso. É a partir dos meios
de comunicação que o mundo passa a ter sentido.” (BACCEGA, 2006, p.18) Em complemento a isso, mais um trecho da autora nos auxilia para a completa
compreensão da sua visão, onde ela afirma que “o comunicador é criador de novas realidades.
Assim também o historiador e o escritor. Mas as novas realidades que o comunicador cria têm
público imediato.” (2006, p.19). Com isso novamente nos aproximamos da compreensão de
Baudrillard (1991) a cerca da ausência de uma realidade em fato, restando somente a busca
pela criação de diferentes realidades fidedignas ao que se tinha como “real”.
Em sua linha de raciocínio acerca da compreensão de realidade e ficção, Baccega (2006), por
diversas vezes, faz uso da literatura como meio de exemplificar e entender melhor a relação
dos conceitos. Ressaltando a importância desta e seguindo a ordem estabelecida no início do
capítulo, caminhamos agora para a compreensão dos principais escritores literários acerca de
realidade e ficção.
Deslocando os fatos, através de novas relações, e imprimindo às palavras, enquanto habitantes do romance, novos sentidos, o escritor produz uma outra verdade. E para conduzir essa trama, seu alter-ego, o autor implícito, cria o narrador – também construído – que, assumindo variadas formas, dirigirá o relato da história. (BACCEGA, 2006, p.7, grifo da autora)
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Em busca, então, do que a autora opta por chamar de “uma outra verdade” produzida
pelos literários e romancistas, nos fundamentaremos naquele, dentre estes, que mais articulou
em torno do tema – o premiado escritor Mario Vargas Llosa (2004). Complementando-o e
ilustrando-o, passaremos em alguns momentos por outros dois de importância incalculável
para a literatura e, porque não, para o desenvolvimento do storytelling em sua técnica também
no âmbito mercadológico, Umberto Eco (1994) e Jorge Luis Borges (2012).
Para iniciar tal linha de pensamento, então, evocamos um último trecho da autora
Baccega sobre o ofício do escritor literário quando tratamos de real e ficcional: “A arte é uma
forma de conhecimento da realidade com características específicas, mas não é mais possível
afirmar que o que a distingue da ciência é que ela se aproxima da realidade através de um
“pensamento por imagens”.” (BACCEGA, 2006, p.6).
A ficção para a literatura
Nada mais adequado para abordarmos o viés literário acerca da realidade e da ficção
do que com uma história de Jorge Luis Borges (2012) que aborda essa delicada dualidade. Em
“Tlön, uqbar, orbis tertius” o autor conta a história de uma região que, em um primeiro
momento, não era considerada “real” pelos personagens até o ponto em que estes passam a
buscá-la e encontrá-la em algumas enciclopédias. Citado também por Baudrillard (1991),
Borges (2012) faz uso da literatura para expressar, com ironia, sua compreensão acerca de
nosso objeto de estudo.
Eu disse que os homens desse planeta concebem o universo como uma série de processos mentais que não se desenvolvem no espaço, mas de modo sucessivo no tempo. Espinosa atribui à sua inesgotável divindade as propriedades da extensão e do pensamento; (...) Melhor dizendo: não concebem que o espaço perdure no tempo. A percepção de uma fumaça no horizonte, em seguida do campo incendiado, em seguida do cigarro mal apagado que produziu a queimada, é considerada um exemplo de associação de ideias. Este monismo ou idealismo total invalida a ciência. (...) Todo estado é irredutível: o mero fato de nomeá-lo – id est, de classifica-lo – implica um falseamento. (BORGES, p.22, 2012)
Com isso, Borges (2012) busca expressar com simplicidade o que, de uma forma ou
de outra, boa parte dos autores aqui citados procura expor e que sem dúvida virá a contribuir
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com o desenvolvimento deste estudo monográfico: a impossibilidade de existência de uma
realidade sacramentada e objetiva.
Ainda que o estudo científico e aplicado de temas tão delicados quanto realidade e
ficção sejam indispensáveis a um bom estudo, quando este se refere a uma tecnologia (o
storytelling) que tem como crucial referência a literatura romancista (da mesma forma que
sugere Campbell (2001), faz-se importante também a compreensão da visão de importantes
escritores acerca do ofício de escrever histórias ficcionais.
Desta forma, quando assim fazemos não nos defrontamos com uma visão totalmente
limitada à ótica da arte e da literatura, mas também uma visão que entra em consonância com
importantes conceitos para o estudo como o de mundos possíveis de Andrea Semprini (2010).
Apreende-se isso com base no livro do ganhador de um Nobel da Literatura, Mario Vargas
Llosa (2004), em seu livro “A verdade das mentiras”:
Os homens não estão contentes com o seu destino, e quase todos – ricos ou pobres, geniais ou medíocres, célebres ou obscuros – gostariam de ter uma vida diferente da que vivem. Para aplacar – trapaceiramente – esse apetite surgiu a ficção. (LLOSA, 2004, p.16)
Notamos aí a presença de uma linha de pensamento compartilhada por Semprini
(2010), por Morin (2009) quando este trata do conceito de projeção, e por diversos outros
autores. Ao nos referirmos a Baudrillard (1991), ainda é possível que haja a ligação com seu
importante conceito chamado por ele de “hiper-realidade”. Vargas Llosa (2004) afirma:
A ‘irrealidade’ da literatura fantástica se transforma, para o leitor, em símbolo ou alegoria, quer dizer, na representação de realidades, de experiências que se pode identificar na vida. O importante é isso: não é caráter ‘realista’ ou ‘fantástico’ de um enredo que traça a linha fronteiriça entre a verdade na ficção. (LLOSA, 2004, p.18)
Por assim dizer, o autor sugere que não haja uma fronteira definida entre o que é de
fato real ou ficcional – bem como acabamos de apontar com Baccega (2006) – e que mais que
isso, o caráter simbólico ou alegórico que este pertence faz com que não seja necessária a
divisão entre ambos. Assim se faz válido expor um trecho do autor em relação a como se
comportam conceitos de real e ficcional em situações onde o que se tem como foco é a
mensagem a ser passada, podendo assim também ser no storytelling utilizado por marcas.
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Dizer que a História da revolução francesa, de Michelet, ou a History of the conquest of Peru (História da conquista do Peru), de Prescott, são ‘novelescas’ é humilha-las, insinuar que carecem de seriedade. Por outro lado, documentar os erros históricos de Guerra e paz sobre as guerras napoleônicas seria uma perda de tempo: a verdade do romance não depende disso. Então, depende de quê? Da sua própria capacidade de persuasão, da forma comunicativa da sua fantasia, da habilidade da sua magia. Todo bom romance diz a verdade, e todo mau mente. Porque “dizer a verdade” para um romance significa fazer o leitor viver uma ilusão, e ‘mentir’, ser incapaz de conseguir esse engano, esse logro. O romance é, pois, um gênero amoral, ou ainda melhor, de uma ética sui generis, para a qual verdades ou mentiras são concepções exclusivamente estéticas. (LLOSA, 2004, p.20)
Assim conseguimos esclarecer a definida visão defendida pela vertente literária, vale
repetir, inspiração para o storytelling, em relação aos conceitos de realidade e ficção. Deste
modo, a partir do exemplo dado por Vargas Llosa (2004), tem-se em Guerra e Paz do autor
russo Liev Tolstói a “imprecisão” histórica dos acontecimentos afim da busca da transmissão
dos reais simbolismos e fantasias – termo também utilizado largamente por Colin
Campbell(2001) – da mesma forma que a “ficção” dentro do storytelling mercadológico vem
a auxiliar na transmissão de valores e de posicionamento de uma determinada marca.
Para concluirmos a visão literária do assunto, adicionamos à articulação a visão do
escritor Umberto Eco (1994) em seu livro “Seis passeios pelos bosques da ficção”. Mais uma
vez concordando com a quase premissa de que não há de fato uma separação entre real e
ficcional, o autor aponta para a mescla existente na formação e na evolução de ambos.
Na verdade, espera-se que os autores não só tomem o mundo real por pano de fundo de sua história, como ainda intervenham constantemente para informar aos leitores os vários aspectos do mundo real que eles talvez desconheçam. (ECO, 1994, p.99-100)
Storytelling, entre o real e o ficcional
Mais uma vez apoiado em todos os conceitos expostos pelos mais diversos autores
aqui abordados nesse capítulo, como uma “trama”, onde os fios são as tais teorias que se
cruzam pró ou contra, uma a outra, mas que buscam dar uma unidade firme e consistente a
um tecido; somos agora capazes de constituir um padrão para a ficção no storytelling.
Desde o início desta pesquisa, em seu primeiro capítulo, viajando pela evolução do
consumo até a contemporaneidade, compreendendo o papel imaginário e intangível deste e
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assim introduzindo a ficção na comunicação mercadológica, passando também pelas
principais compreensões da relação entre realidade e ficção nesse contexto, seja ele o
científico ou o literário, podemos notar a possibilidade de uma convergência entre todas estas
compreensões para, por fim, compreendermos melhor como a ficção pode ser trabalhada no
contexto de marcas através do storytelling.
Alertamos, entretanto, antes de propor uma conclusão que norteie nosso pensamento
daqui em diante, que da mesma forma que não se há um consenso definido sobre a relação
entre real e ficcional, que a compreensão na qual nos basearemos não é de forma alguma
única, muito menos será linear. Trata-se de um conceito difuso e disforme que não mais
retrata talvez uma premissa do que de fato é a realidade em nosso contexto humano.
Diversos motivos trouxeram o storytelling a seu patamar de importância na
comunicação mercadológica atualmente. Dentro daquilo que aqui estudamos, quando
Campbell vem defender a evolução do consumo para uma vertente mais propensa ao
imaginário, argumentando que “as pessoas 'desfrutam' dessas imagens em grande parte da
mesma forma que desfrutam de um romance ou filme." (CAMPBELL, 2001, p.134), a
construção de histórias ganha campo entre a comunicação das marcas na medida em que
também constrói um “mundo possível”, como chama Semprini (2010), para o contexto de sua
marca – traduzido através do storytelling.
Entretanto, quando a história se permite evoluir a um âmbito ficcional, alerta Rocha,
por assim ser imaginário e por tanger a dimensão do consumo, ainda rege o senso-comum e
uma conotação negativa a seu conceito oriunda de um longo processo histórico de valorização
da produção.
É como se a produção possuísse algo de nobre e valoroso, representando o mundo verdadeiro ou a vida levada a sério, e o consumo, no pólo oposto, tivesse algo de fútil e superficial, representando o mundo falso e inconseqüente. A cigarra canta, gasta, consome, e a formiga labora, poupa, produz . para lembrar a velha fábula, como famoso elogio da produção. (ROCHA, 2005. p. 129, grifo do autor)
Para isso solucionar essa questão onde o que é percebido por real ainda prevalece, a
comunicação mercadológica tende a produzir sua história ficcional da forma mais palatável
possível ao que o seu consumidor percebe como real em relação à marca. A partir desse
processo, ocorre o que Baudrillard (1991) nomeia por “hiper-realidade”, onde “em toda parte
o hiper-realismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do real consigo próprio.”
(1991, p. 34)
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Todavia, ao defender a hiper-realidade, como já articulado aqui anteriormente,
Baudrillard (1991) indica para a inexistência de uma realidade, substituída tão só por
simulacros que vão se simulando paulatinamente em busca de um real que, como dito, já não
existe. Oposto a isso, ao visitarmos a obra de Morin (2009), veremos que para ele a ficção
exerce um papel íntimo e complementar à realidade, onde ocorre a projeção dos consumidores
de determinada ficção à história. Para Morin (2009), o fator imaginário “é a estrutura
antagonista e complementar daquilo que chamamos de real, e sem a qual, sem dúvida, não
haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana.” (2009, p.80)
Em suma, podemos concluir e entender a aplicabilidade da relação entre o real e o
ficcional para a produção de histórias na comunicação mercadológica, com o conceito de
“processo metonímico” elaborado por Baccega (2006), que se explica diretamente através do
conceito de metonímia – a parte pelo todo. Ou seja, na produção do storytelling para marcas,
a ficção pode ser um artifício para o sucesso desde que respeite o processo produzindo sentido
ao consumidor. Deve ser traduzindo em uma história “que nos oferece a pronta edição do
mundo” sendo este mundo, para o nosso estudo, o composto oferecido pela marca. Como
desafio para produzir isto, Baccega (2006) alerta:
Mas, para assumir esse papel de mudança, o sujeito comunicador tem que ter o sentido da totalidade, tem que conhecer o passado, tem que saber elaborar/reelaborar essas duas realidades conjuntamente, dialeticamente. (BACCEGA, 2006, p. 19)
Por fim, concluímos ainda com um trecho de Vargas Llosa (2004), que em paralelo
com a conceituação simbólica e codificada do consumo para a contemporaneidade, temos
importante aprendizado: “De onde resulta que a irrealidade e as mentiras da literatura são
também um precioso veículo para o conhecimento de verdades profundas da realidade
humana.” (LLOSA, 2004, p.393)
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CAPÍTULO III STORYTELLING: DE MÍDIAS PARA MARCAS
Storytelling e ficção durante os anos da publicidade
Entendido que a ficção nada mais é do que um processo metonímico do real, ou seja, o
ficcional empregado como uma pequena parcela do real definida a partir de sua relevância
perante o público com que se comunica – e assim representando por si só o todo que se tem
percebido por real – temos ainda a definição presente no dicionário Houaiss da língua
portuguesa como ratificador:
Metonímia: Figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado. (HOUAISS, 2001)
Ou seja, podemos entender que a ficção como produto da comunicação de uma marca
só se mostra de fato relevante e correspondente a todos os benefícios ligado ao storytelling,
no momento em que a figura metonímica, ou seja, a parte do todo expressa na comunicação
em questão, corresponde à postura da marca enquanto posicionamento estratégico, produto ou
serviço oferecido.
Tendo isso em vista a premissa anteriormente já exposta, de que o storytelling em si
não é uma forma nova de comunicação, mas sim vem ganhando relevância tanto no mercado
quanto na academia na medida em que suas características são cada vez mais adequadas ao
perfil do consumidor contemporâneo, podemos, primeiramente, buscar nos anais da
publicidade, especialmente brasileira, dada a maior acessibilidade e proximidade ao conteúdo
das campanhas, diversos e ricos exemplos do bom uso da arte de contar histórias aplicadas
para os consumidores.
O primeiro exemplo a ser exposto aqui, seguindo a ordem cronológica da criação e
veiculação das peças, é datado de 1924. De autoria do grande escritor brasileiro Monteiro
Lobato, Jeca Tatuzinho é, antes de qualquer coisa, uma campanha publicitária encomendada
ao autor por seu amigo e dono do Laboratório Fontoura, Cândido Fontoura (Figura 2).
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Figura 2: Jeca Tatuzinho
Contando a história de um personagem caboclo de origem rural que, desinformado dos
possíveis problemas de saúde no qual se expunha a partir dos seus precários costumes e
condições de trabalho, Jeca era conhecido como preguiçoso. Entretanto, ao desenrolar dos
mais de 84 milhões de exemplares impressos5 – o que configura ao caso um dos melhores
números quando falamos de publicidade até hoje – o protagonista ia percebendo que, na
verdade, ele não tinha em si uma natural maleita e repulsa ao serviço, mas sim doenças que
poderiam ser tratadas com produtos do Laboratório Fontoura. Abaixo podemos conferir um
pequeno trecho da obra de Lobato, que podemos entender como um caso de storytelling,
ainda que de quase cem anos atrás:
Tudo o que o doutor disse aconteceu direitinho! Três meses depois ninguém mais conhecia o Jeca. A ANKILOSTOMINA curou-o do amarelão. O BIOTÔNICO deixou-o bonito, corado, forte como um touro. A preguiça desapareceu. Quando ele agarrava no machado, ás árvores tremiam de pavor. Era, pã, pã, pã... horas seguidas, e os maiores paus não tinham remédio senão cair. E Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão, para fazer roça de três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam
5 CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura, p. 159, 2004.
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para cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano. (CARRASCOZA, 2004, p.326-327)
Assim, aplicando as concepções anteriormente expostas acerca da ficção nas histórias
contadas por marcas, verificamos aqui, em um primeiro momento, que ainda que não
necessariamente existisse um ser chamado Jeca Tatu detentor de tal doença, o conhecimento e
o entendimento de quem lê a peça – em forma de revista em quadrinhos – é confirmado dada
a sua razoável verossimilhança com o real. Se ainda existem sujeitos com tal perfil até hoje –
e em parte se esse existe deve-se méritos à construção do personagem de Monteiro Lobato
que se permeia até nossos dias – podemos ainda imaginar a factualidade presente na proposta
da história para os anos 1920 do Brasil.
Além do compromisso com a realidade cotidiana da época em uma campanha que
objetiva tocar seus consumidores através da identificação com os personagens da história,
outro fator que ocorre e concede ao “processo metonímico” anteriormente concluído para a
utilização da ficção no storytelling para a comunicação é a inserção de marca. A participação
do Biotônico Fontoura ou de quaisquer outros produtos da empresa no enredo da história faz-
se natural e passível de credibilidade aos olhos do consumidor. Mais do que isso, sua
correspondência com o cotidiano ocorre no momento em que o consumidor que se
defrontasse com uma doença semelhante a do protagonista da história realmente poderia
contar com o produto para a sua cura.
Ainda no meio impresso, se há um formato de anúncio clássico para a publicidade,
este é o anúncio impresso em meio revista. Datado de 1949, o anúncio da empresa
Addressograph-Multigraph (Figura 3) usa técnicas do que hoje chamamos de storytelling
aplicada a um modelo de história em quadrinhos, como podemos ver abaixo da imagem
retirada do livro “Razão e Sensibilidade no Texto Publicitário”, de João Carrascoza (2004):
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Figura 3: A lei do menor esforço...
Conforme podemos ler no anúncio, o texto conta a história de um protagonista que
tinha preguiça de escrever todos os endereços dos destinatários centenas de vezes por dia, até
quando inventou uma máquina (o produto da empresa) que vem a ser o herói de seu
problema. Mais do que isso, o anúncio ganha destaque como caso de storytelling ao conseguir
de forma descontraída com seu público quebrar paradigmas através de uma narrativa.
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Ao contar a história de um personagem que preza pela socialmente criticada “lei do
menor esforço”, o enredo mostra que, através da máquina da empresa, é possível fazer um
bom trabalho sem um esforço tão desgastante quanto escrever à mão centenas de endereços.
De forma que, ainda que possa se tratar de uma história ficcional, onde o tal “sujeito muito
vagabundo” não tenha de fato criado nessas circunstâncias a máquina, a sua ficcionalidade é
aceita na medida em que se trata de um produto verdadeiro e que cumpre tal proposta da
história; articula através de uma linguagem de quadrinhos – a qual permite-se mais
descontração; e principalmente corresponde a uma carência presente dentro ao público com o
qual o anúncio conversa, ou seja, representa um processo metonímico válido para o contexto.
Percorrendo décadas da publicidade brasileira chegamos aos anos 1980, mais
precisamente 1987, com a campanha “Primeiro Sutiã”, criada para a marca de lingeries
Valisére pela dupla de criação Camila Franco e Rose Ferraz, pela agência de publicidade
W/Brasil e assinada pelo publicitário e então diretor de criação da campanha Washington
Olivetto. Tida como uma das melhores campanhas publicitárias até os dias de hoje, o
comercial levou o Ouro no décimo-terceiro Anuário do Clube de Criação de São Paulo.6
Através de uma história simples e curta – contada em apenas um comercial de
televisão de pouco mais de um minuto – o filme retrata uma história comum e trivial à
determinada fase da vida de uma mulher, o momento em que, na adolescência, ela alcança a
puberdade e deseja ter o seu primeiro sutiã.
Produzida com emoção e sensibilidade para com o sentimento que toda a mulher passa
nessa fase da vida, a história ganha valor a partir da identificação gerada com a personagem
que, claramente incomodada com seu corpo e com não possuir um sutiã, como as das outras
meninas ao seu redor, chega em casa e se depara com um presente em sua cama: um sutiã
Valisére. Como desfecho da história, a garota sai de casa vestindo seu sutiã e, enfim, é notada
pelos garotos e, ainda que aparentemente ainda não saiba reagir direito a isso, claramente se
faz feliz com sua ascensão à condição de mulher e não mais de criança.
Desta forma, se anteriormente o caso de Jeca Tatuzinho e Laboratório Fontoura se
mostrou um relevante exemplo de uma história ficcional contada pela publicidade por
combinar a qualidade da escrita de Monteiro Lobato com a proposta relevante para o público
do produto da história, com Valisére não é diferente. Como dito anteriormente, se há algo
para se destacar no comercial, é justamente a sensibilidade em retratar tão bem uma situação
mais do que frequente, inerente, à formação da mulher e de seu corpo. 6 Clube de Criação de São Paulo. Disponível em: <http://www.ccsp.com.br/site/classicos/23066/resultado-busca> Visto em: 26/10/2013.
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Assim, retomando o conceito de metonímia como a seleção de uma parte da realidade
para retratá-la como um todo, o anúncio obtém grande sucesso em sua campanha ao escolher
o episódio do crescimento dos seios e do início do uso do sutiã pela mulher para inserir a
marca de sutiãs Valisére como uma aliada da jovem que – como ainda se expõe ao fim, com
sua falta de reação ao rapaz que nela repara – é insegura com as mudanças que vem
acontecendo com seu corpo.
Resumindo a presença da metonímia no processo do storytelling ficcional presente na
campanha, a agência cria uma pequena história ficcional de uma garota que vive a passagem à
condição de mulher como representação de um grupo de consumidoras que, se já não
passaram, um dia irão passar pelo momento do “primeiro sutiã”. Ciente disso, o grande mérito
da criação do comercial encontra-se justamente em explorar e emocionar através desse
momento tão íntimo. Abaixo (Figura 4), um storyboard do comercial ajuda a ilustrar a
descrição do comercial.
Figura 4: Primeiro sutiã, W/Brasil
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Avançando agora ainda mais durante os anos da publicidade e da utilização de
histórias como recurso de comunicação, chegamos à atualidade, época em que é predominante
a presença do consumidor em geral no ambiente virtual, a internet, bem como também se
concentra de alguma forma a comunicação publicitária na mídia online.
Junto à publicidade na internet propagou-se também o chamado “marketing viral”.
Ainda que as razões para a “viralização” de um conteúdo possam ser levemente identificáveis,
segundo Castro:
Chama-se viralização a reticulação exponencial de um dado conteúdo nas redes sociais. A reticulação, ou capilarização, é uma característica das redes digitais de comunicação, por meio das quais um dado conteúdo pode ser rapidamente replicado e distribuído entre pares. A viralização se dá quando a velocidade e o alcance da reticulação ocorrem de modo semelhante a um ataque de vírus, quando o conteúdo se espalha aceleradamente atingindo um número sempre crescente de nós na rede. (CASTRO, 2012, p.64, grifo da autora)
Em um primeiro vídeo, o jovem que se apresenta como Daniel Alcântara conta um
aparente episódio comum para o perfil de jovens brasileiros. Em uma balada na cidade de São
Paulo ele conta ter conhecido uma garota por quem se apaixonou. Entretanto, ao anotar
somente o telefone da moça em um pedaço de papel, ele acaba perdendo o mesmo e fica sem
o contato de sua amada, que segundo ele chama Fernanda. Abaixo a imagem do vídeo no
Youtube (Figura 5).
Figura 5: Perdi meu Amor na Balada, Nokia
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Sem identificar, até então, o nome da marca Nokia, o vídeo pretende e consegue
comover muitos usuários de diferentes redes sociais que, por assim dizer, “abraçam a causa”
do jovem Daniel e compartilham o vídeo. Entretanto, tempos depois outro vídeo é subido para
a internet pelo personagem onde ele conta que conseguiu reencontrar Fernanda através de
uma foto com recursos especiais que só um determinado aparelho da Nokia possui.
Tido como um caso de insucesso em termos de storytelling, a história ficcional criada
para o lançamento do novo aparelho da Nokia é assim visto por, primeiramente, frustrar o
consumidor da história. Isso acontece, de acordo com o que anteriormente pudemos concluir
acerca da ficção nas histórias contadas por marcas como processos metonímicos de seus
contextos, ou de seus “mundos possíveis” como define Semprini (2010), dada a falta de
verossimilhança da história de Daniel com a coerência do que o consumidor entende por real.
Em suma, bem como, no início da história, não se espera que um jovem
contemporâneo prefira anotar o número de uma garota em papel ao em vez de em um celular
– fato que ainda assim poderia ser contornada com um desfecho adequado, a solução do
problema exposto na história através de um recurso de um novo lançamento da Nokia soa não
congruente com a grande realidade na qual o pedaço metonímico se refere no momento em
que não há essa percepção do produto em questão.
Não por acaso as consequências da campanha criada pela agência “Na Jaca” também a
reafirmam como um exemplo negativo, dada a repercussão que resultou, inclusive, em
investigação por parte do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária)
e do Procon por violar os direitos dos consumidores ao não se declarar como informe
publicitário.7
Por fim, a partir de uma rápida passagem por três épocas da comunicação, através de
campanhas que fizeram uso do storytelling com histórias ficcionais para comunicar seus
produtos, pudemos perceber a coerência na conclusão anteriormente apontada e fortemente
remetida à obra de Baccega sobre a relação da realidade e da ficção como um “processo
metonímico – a parte pelo todo – que nos oferece pronta a edição do mundo, a única realidade
à qual temos acesso” (BACEGGA, 2006, p.18).
Analisando quatro exemplos, pudemos tanto perceber características de diferentes
épocas, quanto comparar a comunicação através de histórias ficcionais retratadas em
diferentes mídias (revista em quadrinhos, anúncios, comercial de televisão e viral de internet),
7 Perdi meu amor na balada leva Nokia ao Procon e ao Conar. Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/perdi-meu-amor-na-balada-leva-nokia-ao-procon-e-ao-conar>. Visto em: Visto em: 15/10/2013
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observando e fundamentando ainda mais a conclusão inclusive através de um caso, por assim
dizer, negativo do uso de storytelling.
Deste modo, quando analisamos que os casos até aqui expostos se limitam às mídias
conhecidas para a comunicação publicitária, faz-se interessante partir para a exposição ainda
de um último e principal exemplo para este estudo, que ganha destaque precisamente na
pluralização de meios de comunicar uma história ficcional.
Se podemos dizer que, claramente, os três primeiros exemplos se mantiveram em
meios sabidamente publicitários e consequentemente passíveis de ficção, e se o quarto deles
justamente pecou na quebra da relação metonímica presente entre a ficção de sua campanha e
a realidade de sua marca, quando estudamos o caso da marca de sorvetes brasileira Diletto, a
comunicação de sua história se faz ainda mais interessante por ter como “mídia” a base da
empresa, a construção de sua marca na história de sua fundação – “espaço” de ainda pouca
exploração publicitária, e consequentemente ficcional.
Prosseguindo neste momento ao estudo do principal caso desta pesquisa, pretendemos
notar as peculiaridades intrínsecas tanto à história quanto aos redores da marca que garantem
à sua construção baseada em storytelling ficcional desde sua raiz, um caráter de “mídia” bem
como os quadrinhos em “Jeca Tatuzinho”, a revista em “A lei do menor esforço...”, a
televisão “O primeiro sutiã a gente nunca esquece” e a internet em “Perdi meu amor na
balada”.
Assim, acreditando na riqueza de reflexão presente na inovação em se fazer uso de
uma comunicação ficcional para a essência de uma marca – área ainda pouco explorada por
outras marcas e consequentemente ainda não compreendida pelo consumidor como
comunicação publicitária em si – seguiremos para o foco especial no estudo do caso da
Diletto.
Diletto: ficção desde o posicionamento
O filme “Storytelling” (2001) do diretor Todd Solondz, é dividido em duas partes:
ficção e não ficção. Na primeira delas, o filme conta a história de uma aluna de um dos cursos
de mestrado em roteiro mais consagrado e exigente do mundo, o “MFA” (Master of Fine
Arts), que se envolve sexualmente com seu professor, “Mr. Scott”, e escreve para uma das
aulas a sua história de envolvimento com ele. Criticada por sua vulgaridade, a aluna, de nome
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“Vi”, se defende dizendo que se tratava, acima de tudo, de uma história verdadeira. Como
resposta, ela ouve de seu professor: “Eu não sei se aconteceu ou não. Porque quando você
começa a escrever, tudo se torna ficção”. 8
Da mesma forma, no momento em que o storytelling caminha para a construção da
identidade de uma marca, seus limites entre o que é real e o que é ficcional se tornam ainda
mais inconsistentes. Ou seja, inserindo a frase do professor Scott em um contexto de
sociedade de consumo – e mais ainda, de criação de marcas pautadas em storytelling – a
noção de realidade e ficção em dimensões separadas se perde ainda mais do que já apontamos
inexistir no capítulo anterior.
Para comprovar isso, o grande exemplo que trazemos para estudo é a criação da marca
de sorvetes Diletto. Ainda que atribua a sua fundação ao ano de 1922, na Itália, a sua história
só vai de fato começar 86 anos depois, no Brasil.
A “história por trás da história”, por assim dizer, contada pela comunicação
mercadológica da Diletto só se inicia no réveillon de 2008, quando o publicitário Fábio
Meneghini se uniu ao engenheiro Leandro Scabin para lançar a marca com o objetivo de estar
presente em cerca de 40 pontos de venda até o final do ano seguinte, segundo artigo da revista
Exame.9
Mas, apesar da data, a ideia não surgiu de uma promessa de fim de ano. Segundo
Scabin para o mesmo artigo, “antes de abrir a Diletto, fiquei dois anos na Itália estudando as
melhores técnicas até conseguir entender o processo e o que queria”. Hoje, pouco mais de 4
anos após o seu lançamento, a empresa já conta com mais de 200 funcionários – sendo, em
média, um contratado a cada três dias. Com um faturamento anual que chega a 50 milhões de
reais, além de um novo sócio, Fábio Pinheiro, a marca Diletto recentemente negociou 20% de
suas participações ao fundo de Jorge Paulo Lemann, o Innova, por cerca de 100 milhões de
reais, ainda segundo a revista Exame.
Entretanto, se o sucesso da Diletto é também um dos motivos para a escolha do estudo
deste caso, esta admirável ascensão se deve a um fator especial em meio a tudo que, ao menos
para o público dos sorvetes premium da empresa, passa longe da história contada acima. Se há
um fator crucial para o sucesso dos gelatos da Diletto, esse é a história contada pela empresa
em toda a sua comunicação e que passa pelas memórias do primeiro dos sócios citados,
Leandro Scabin, e seu avô, Vittorio Scabin. 8 Tradução livre do original: “I don’t know about what happened. Because once you start writing, it all becomes fiction.” Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0250081/quotes. Visto em: 22/10/2013. 9 Com apenas três anos, Diletto mira internacionalização. Exame. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/com-apenas-tres-anos-diletto-mira-internacionalizacao. Visto em: 29/10/2013.
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Na versão de Leandro, que se encontra no site da empresa e em seus pontos de venda,
tudo começa em 1922 em Sappada, na região de Vêneto, na Itália. Seu avô, Vittorio, resumia
seu prazer em produzir sorvetes, desde a seleção dos ingredientes até a preparação da receita,
no que 86 anos depois se tornaria o slogan da Diletto: “La felicità è un gelato”. Ainda
segundo o neto de Vittorio, seu avô contava com diversos segredos em sua especial receita
que passavam até pelo uso da neve na produção.
Porém, nem tudo são flores na história contada pelo empresário e consequentemente
pela comunicação da empresa de sorvetes. Com a chegada da segunda Guerra Mundial e dos
movimentos nazistas ao território da família Scabin na Itália, o senhor Vittorio se viu
obrigado a mudar para o Brasil em busca de uma nova vida.
Com o passar do tempo, em 1998, Vittorio Scabin veio a falecer sem ver a sua
gelateria “Diletto” voltar a existir. Foi então, inspirado na história e em homenagem ao seu
avô que, 10 anos depois de sua morte, seu neto Leandro resolveu recriar a empresa de
sorvetes, seguindo à risca as receitas deixadas por seu avô, fazendo questão de obter cada
mínimo ingrediente nos mais diversos cantos do mundo.
A dedicação na escolha dos ingredientes é tanta que os faz buscar, por exemplo, o pistache verde produzido no Bronte, região do vulcão Etna, na Sicília, onde a terra confere a essa semente um sabor único. As delicadas framboesas orgânicas são colhidas na Patagônia, enquanto o cacau criollo, um dos mais cobiçados do mundo, é proveniente da Península de Paria, na Venezuela. A base e o aroma produzidos na Itália, além de perpetuarem uma tradição, garantem a textura cremosa e o sabor singular de um sorvete de baixíssima caloria, com teor de gordura até 80% menor e livre de gordura trans. Esse é o legado que o Sr. Vittorio Scabin conferiu aos seus netos e que hoje é mantido com a mesma dedicação, perfeccionismo e paixão, fundamentais para transformar o que poderiam ser s imples picolés em deliciosas porções de fel icidade. (DILETTO)10
De antemão, ao compararmos as duas histórias, a do nascimento em 1922 e do
renascimento em 2008, vemos que há nelas certa complementariedade, ou seja, que uma não
exclui a outra. Mais do que isso, ancorada no fato de que a história utilizada para a
comunicação tem origem em uma história de família – que dificilmente pode ser desmentida –
concluímos que a história do Sr. Vittorio, que se transformou no processo de storytelling para
a construção da marca, funciona como uma parte de um todo – metonímia de uma realidade
de marca.
10 Diletto. Disponível em: http://www.gelatodiletto.com/nossa-historia. Visto em: 29/10/2013.
51
Entretanto, a exemplo do que pudemos ver no caso “Perdi Meu Amor na Balada”, da
Nokia, onde bem como com a Diletto o objetivo também passava por ser verossímil, há ainda
“outra realidade”, por assim dizer, a qual a ficção de uma história contada por uma marca
deve obedecer. Quando Carrascoza (2011, p.103) afirma que “independentemente do suporte
escolhido para a sua materialização, toda arte é metonímica”, no momento em que o
storytelling se inspira nessa arte para narrar produtos e marcas, o compromisso desta
metonímia se expande ao produto, serviço e todo o composto tangível que a empresa oferece.
Para tal, é preciso que adicionemos também ao estudo do caso da Diletto, seu viés
material, seu produto: os sorvetes, e toda a proposta estratégica da marca no que se relaciona
ao cliente. Sobre isso, Carreira (2007) escreve sobre o caminho do significado nas estratégias
de comunicação e oferece uma divisão para que se compreenda o percurso entre o produto e a
empresa até a sua comunicação.
A mercadoria possui duas dimensões. A funcional e a simbólica. O público a valoriza muito mais tendo como base os atributos dessa última; assim, dar um significado a uma mercadoria, uma identidade para a sua marca por meio de um correto posicionamento de mercado, que seja coerente com o produto, coeso em todas as suas manifestações e verossímil no que tange à mensagem proposta, é fundamental para o sucesso. (CARREIRA, 2007, p.121)
Levando em conta que, ainda que no caso da Diletto a novidade em se trabalhar e
ficcionalizar a construção de sua marca a caracterize como comunicação mercadológica,
podemos também entender o uso da própria história de marca como mídia – e assim
compreendê-la também como publicidade. Para tanto, Carreira (2007, p.97) alerta que “a
comunicação, sozinha, não se vende. Por mais criativa que seja, se não houver (...) um
alinhamento coerente de significados e valores entre o produtor, o produto e o público
consumidor, provavelmente haverá apenas dispêndios.”.
Assim, se consideramos o exemplo da Diletto como excepcional no ponto em que o
storytelling surge como auxiliar em sua diferenciação para seu posicionamento, algo ainda
pouco explorado na publicidade, mas que apresenta grande potencial como tendência; o
sucesso da “teoria” só de fato se reflete na prática quando o que a marca tem a oferecer como
produto corresponde a seu posicionamento inicial – novamente um processo metonímico.
Portanto, vamos agora esmiuçar os tão importantes “detalhes da história”, como
defende Carrascoza (2011), que transcendem a comunicação para os outros elementos do
composto da marca, como seu produto, seu preço e seu ponto de venda, por exemplo. Nessa
busca em analisar a harmonia entre, por assim dizer, a “teoria” e a “prática” (o simbólico e o
52
funcional), teremos em mente a afirmação de Carreira (2007, p.107) de que “o valor
simbólico deve ser atribuído a uma marca, considerando sua total compatibilidade com o
produto, para que seja reconhecido quando de sua divulgação na prática publicitária”.
O processo metonímico na história do Sr. Vittorio
Observando a comunicação de uma empresa a partir de um ângulo mais amplo, ou
seja, percebendo os pormenores presentes na promoção de uma marca que vão além de tão só
a sua publicidade, mas o seu branding como um todo, veremos que todos os elementos de
uma marca com os quais o consumidor tem contato de alguma forma comunicam. Deste
ângulo, compreenderemos como cada um desses elementos que compõe a marca Diletto
colaboram para que a construção metonímica da história ficcional que posiciona a empresa
ocorra de forma convincente e com tamanho sucesso.
Para isso, nos baseamos no clássico composto de marketing, ou marketing mix,
proposto por Kotler (2007), analisando os também chamados “quatro pês de marketing”:
produto, preço, praça e promoção. Por produto, entendemos e exploraremos os cuidados com
a produção dos sorvetes, chamados “gelatos” pela empresa, a fim de conservar e propagar
toda a tradição que se vincula a uma história que se inicia na Itália, no ano de 1922. Por preço,
vale destacar a própria segmentação da marca como de produtos premium, e como isso auxilia
a agregar valor a história e a marca. Por praça, teremos uma rica fonte de informações através
dos pontos de venda móveis dos produtos, os chamados carretines, bem como seus quiosques
e a distribuição geográfica com o qual são pensados. Por fim, por promoção, que na tradução
do original em inglês pode-se entender como a própria comunicação do produto,
procuraremos aprofundar a compreensão da história por além do que conta, mas como conta –
bem como colabora a comunicação visual para o contexto.
Inseridos nesse composto, analisaremos ainda o logotipo, o nome e o slogan da
Diletto, a fim de concluir, segundo Chevalier e Mazzalovo (2007, p.40), como uma empresa
persegue seu objetivo comum como marca em “introduzir a diferenciação, em um
determinado setor, por meio da promoção dos valores específicos que favorecem a formação
de uma identidade” através de uma história ficcional.
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O produto
De saída, já percebemos a correspondência da história contada pela marca com o que
ela oferece de tangível a seu consumidor. Segundo matéria para o portal de notícias G111,
“Praticamente todos os ingredientes dos picolés da Diletto são importados e as compras
costumam ser consolidadas na Itália, de onde partem em contêineres para o Brasil”. Ainda
para o Portal G1, o sócio-fundador Leandro Scabin afirma sobre os ingredientes selecionados
para seus produtos: "Não é purismo. É porque utilizamos matéria prima de alta qualidade e
produtos ultrarrefinados que não têm no país".
Visto isso e somada ao próprio texto presente no website da marca, onde se detalha a
origem dos produtos dos mais diversos sabores, podemos notar uma primeira característica na
relação entre a comunicação (ficção) e o que a empresa oferece como produto (realidade),
onde há uma relação direta entre ambos quase como fossem partes de uma só campanha da
marca – respeitando assim o processo de metonímia.
Destacados por Carreira (2007) como essencial para que se confirme a dimensão
simbólica da comunicação, os produtos da empresa buscam ter ainda mais requinte ao
conservarem, por exemplo, o nome italiano “gelato” ao em vez de simplesmente “sorvete”.
Além disso, mais mística é adicionada à história da marca quando esta afirma que as
primeiras receitas criadas por Vittorio incluíam neve em seus ingredientes.
Ainda que não tenhamos conhecimento específico o suficiente para analisar o sabor
em si dos gelatos da Diletto, outro fator a ser levado em conta quando analisamos o produto é
a variedade e a peculiaridade dos sabores oferecidos pela marca. Tendo como exemplos
sabores como “Limão Siciliano”, “Vanilla e Chocolate” e “Avelã Piemonte”, notamos, de
maneira geral, que ainda que sejam sabores relativamente comuns ao contexto brasileiro, são
acompanhados de um adjetivo ou detalhe que, de modo geral, remete às suas origens e agrega
valor.
11 Empresa paulista quer exportar picolés gourmet. Portal G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2012/09/empresa-paulista-quer-exportar-picoles-gourmet.html> Visto em: 21/10/2013
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O preço
Não menos importante é o preço médio sugerido para a venda do sorvete. Com valores
que variam em torno de R$ 7 e R$ 8 por picolé de acordo com seu tipo (50 ou 65 gramas), o
preço se encontra estrategicamente acima da média do contexto nacional de sorvetes
industrializados, que segundo o jornal O Povo é de R$ 9 por litro12. É também a partir disso
que a marca consegue agregar ainda mais a si o caráter de produto premium, pautando seus
preços mais próximos, por exemplo, de marcas como sua concorrente Häagen-Dazs (R$ 10
por 100 gramas)
Como uma marca de produtos, tanto por seus ingredientes quanto pela receita original
de seu fundador, originários da Itália, conhecida por ser a terra dos melhores sorvetes do
mundo, o preço procura assim condizer com esse status de forma verossímil à forma com que
se posiciona e à história que conta acima de tudo.
A praça
Focados na venda através de quiosques móveis e fixos em grandes centros comerciais
e shoppings centers, o ponto de venda da marca ajuda também a transmitir a sensação de
tradição e de um produto artesanal que a Diletto propõe em sua história. Fatores como a
exposição dos produtos, a decoração das lojas e também o uniforme de seus funcionários
colaboram com a sinestesia da marca de uma forma que podemos definir na própria língua
italiana como “fatto a mano” (feito à mão) – conforme pode ser visto na Figura 6.
12 Campanha busca mudar hábitos de consumo. O Povo. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2013/09/06/noticiasjornaleconomia,3124534/campanha-busca-mudar-habitos-de-consumo.shtml. Visto em: 23/10/2013.
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Figura 6: Pontos de venda Diletto
Vale o destaque, por exemplo, ao cuidado com a decoração da roda do quiosque
móvel, remetendo às rodas de madeira dos antigos carros, contemporâneos a fundação da
marca, em 1922. Detalhes como as colunas dos quiosques e a tenda que cobre o chamado
carretine (pontos de venda móveis) complementam a percepção de um produto de
exclusividade em sua origem italiana.
Tudo isso, ainda que possa parecer secundário, passa a ser importante ao lembrarmos
de que forma colaboram para a história de uma receita quase centenária de sorvetes que
sobreviveu à guerra e à imigração para outro país e ressurgiu muito tempo depois com a
responsabilidade de manter cada detalhe fiel ao original. Em outras palavras, simples detalhes
como a roda, o avental para os funcionários e o design clássico das lojas se fazem expressivos
na medida em que colaboram para que nenhuma versão da história seja mais próxima à
realidade da marca do que exatamente àquela contada pela empresa.
Não obstante, essa história não se limita à sinestesia ou à percepção do consumidor a
determinados elementos, como também é reproduzida em trechos ipsis literis do que é
exposto no site da empresa. Na foto a seguir (Figura 7), podemos ler o trecho “Seguimos a
receita original do Nonno Vittorio Scabin, que em 1922 começou a fazer seus picolés à base
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de neve no pequeno vilarejo de Sappada, na região de Vêneto”, que reforça, aliado a fatores já
apontados como preço e produto, a verossimilhança da história contada pela marca.
Figura 7: Geladeira Diletto
A promoção
O fascínio da marca em perseguir comunicando sua história e tradição através de cada
minúcia persiste nos mais diversos tipos de conteúdo que ela produz. Com um olhar apurado,
mas que revela essa espécie de obsessão da promoção da marca, podemos notar até mesmo o
detalhe da escolha dos números do telefone do serviço de delivery da empresa, remetendo ao
suposto ano de fundação da Diletto, 1922, conforme impresso no cartão abaixo e distribuído
nos pontos de venda (Figura 8).
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Figura 8: Telefone do Delivery Diletto
Presente em todos os elementos que percorremos, a comunicação visual é um detalhe
relevante na comunicação dos produtos da Diletto. Relevância essa, que para Carrascoza é
parte do que ele chama de “contágio” e colabora para a maior verossimilhança da história
para com o contexto do consumidor.
A nosso ver, a ênfase dada a um detalhe único e expressivo, ou associado a outro, insignificante, no romance realista – e também nos filmes publicitários! –, para gerar um efeito de sentido, é, igualmente, uma “regra” estrutural da estética de sugestão da propaganda, um elemento a serviço do contágio. (CARRASCOZA, 2011, p.107)
Figura 9: Homepage Diletto
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Com cores variadas e a predominância do verde mais escuro (Figura 9), podemos
notar certa harmonia entre todas as cores que parece respeitar o fator “tradição”, como em
tudo que a Diletto faz. Além disso, percebemos a delicada escolha da tipografia do logotipo e
de todo o texto presente em seu site, remetendo a um desenho mais clássico com a presença,
por exemplo, de fontes serifadas.
Nome, slogan e logotipo
“Diletto”, como era de se esperar de uma marca que procura confirmar sua
procedência italiana, a fim até de aparentar um produto importado, vem da língua italiana e,
em português, quer dizer “predileto”. A partir da semelhança de grafias, de acordo com o que
escreve Maingueneau (2001), o nome se caracteriza como um nome evocativo. Além disso,
ainda segundo o autor, a grafia de Diletto, com a repetição da letra “T”, remete ainda a um
nome patronímico, já que tal repetição é comum em nomes de origem italiana.
Segundo Chevalier e Mazzalovo (2007, p.46), “um nome bem escolhido possui duas
características: é fácil de lembrar e envolve um componente emocional ou um elemento
racional”. Em “Diletto”, além do componente emocional envolvido para reafirmar a
construção da história da marca, a própria sonoridade intimamente semelhante à sonoridade
de “gelato”, por exemplo, que auxilia a designar o segmento de atuação da empresa.
É mais do que evidente a preocupação da marca em se declarar legitimamente italiana
em tudo que se faz possível. Além de seu nome, a definição de seu produto presente no
logotipo como “gelato italiano” procura duplamente apontar para isso. Entretanto, como se
não fosse o bastante, a busca da marca em se ligar à Itália e assim transmitir valores como
tradição, requinte e excelência em seus produtos, também transparece em seu slogan.
“La felicita è un gelato” conserva a língua italiana pelos mesmos motivos já citados
anteriormente. Apesar disso, ele é facilmente compreendido por um não falante da língua
(dada a semelhança das línguas italiana e portuguesa – ambas oriundas do latim) como “a
felicidade é um gelato”. Mais incrível ainda para o estudo de caso da marca, é o fato de que a
frase também compõe parte da história, o qual, segundo a marca conta, era uma espécie de
jargão repetido por Vittorio Scabin, seu fundador.
O último elemento a ser investigado, e um dos mais importantes de todos, é o logotipo
da marca. Segundo Chevalier e Mazzalovo (2007, p.52), “um bom logo deve ter o poder de
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expressar e sintetizar as características da marca, constituir força simbólica e ser facilmente
retido, por causa de sua simplicidade formal”.
Figura 10: Logotipo Diletto
Vários aspectos do logotipo da Diletto podem ser expostos e relacionados à sua
proposta de marca. A começar por seu formato (Figura 10), que remete a um clássico selo
postal, ou até mesmo a um antigo carimbo feito de cera, destacam para o caráter autoral de
sua receita. Olhando ainda de um outro modo, podemos compreender sua forma como um
sorvete, um típico “gelato italiano” – como o próprio escrito no logotipo afirma – visto de
cima.
Temos ainda a figura do urso polar, que se repete em diferentes situações não só no
logotipo, funcionando como um mascote para a marca, combinando ainda com o cristal de
neve à sua direita e remetendo mais uma vez ao mítico trecho da história da marca que conta
que as primeiras receitas de Vittorio utilizavam a neve.
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Figura 11: Mascote Diletto
Em suma, melhor do que tentar condensar a importância dessa série de elementos na
correspondência do processo metonímico com a história contada pela marca e que define sua
identidade desde a raiz, encerramos o estudo do caso da Diletto com um trecho de Chevalier e
Mazzalovo:
Sejam nomes, logos, cores, sonos ou outros elementos, os sinais de uma marca precisam ser identificáveis, expressivos e fáceis de lembrar. Precisam criar uma sensação de intimidade, de familiaridade e mesmo de humanidade. Têm de comunicar uma mensagem de pertencimento à marca (em primeiro nível) e também a seu universo e a seus valores. Este último aspecto é o que distinguirá entre uma marca que projeta significado e uma cujo sentido é vago. (CHEVALIER, 2007, p.57)
A partir dessa importante concepção aplicada ao exemplo central deste estudo, temos
uma marca que se mostra plenamente consciente da importância da história ficcional contada
por ela ao seu público corresponder ao produto que ela pretende oferecer para o sucesso da
empresa. Agindo desta forma, por mais que constem os registros da Diletto somente no ano
de 2008 e de tal informação não estar escondida a ninguém – já que como vimos é algo dito
em entrevistas e artigos; a Diletto ainda se apoia para garantir a segurança à sua história como
estratégia de comunicação e planejamento com base em algo que dificilmente pode ser
contestado por um consumidor: a memória de um neto sobre seu avô.
Mais do que isso, fica claro a quem quer que seja que a Diletto nasceu pelas mãos de
um italiano que adorava o que fazia, mas com a guerra teve de largar tudo e imigrar para o
Brasil é uma história verossímil para um contexto brasileiro, fortemente ligado à Itália em
determinada época da história. Ou seja, mais do que contar uma boa história e assim agregar
valor ao seu produto, a Diletto conta uma história que se assemelha possivelmente à história
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da família de muitos de seus consumidores, garantindo assim ao storytelling ficcional da
marca, qualidade e reconhecimento.
Enfim, podemos resumir o estudo de caso da Diletto como uma história verossímil
para o público com quem conversa e principalmente aos produtos que oferece, junto aos
cuidados com seu ponto de venda, comunicação visual e todos os dêiticos que definem a
marca em alguma instância.
62
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após traçarmos um contexto histórico para o consumo a fim de compreendê-lo
adequadamente na contemporaneidade, estudarmos o storytelling e, mais precisamente, a
relação entre o real e o ficcional nas histórias ficcionais de marcas, concluímos que – num
contexto onde a realidade é cada vez menos clara e separada da ficção – o storytelling como
comunicação deve respeitar um processo metonímico.
Ou seja, levando em conta a intangibilidade e o fator imaginário cada vez mais
presentes quando se refere a consumo, o storytelling se apresenta como um importante
caminho para a comunicação de marcas, mas no momento em que trabalha a ficção, é crucial
o cuidado com a reciprocidade entre os elementos da marca e a história.
Tudo aquilo que compõe o contexto de uma marca, todo o seu “mundo possível”, deve
ter sinergia com a história ficcional que ela conta em sua comunicação. Reciprocamente,
podemos dizer, a construção de uma história ficcional deve trabalhar como “parte de um
todo”, metonímia de uma realidade de marca maior. Isso inclui desde os tradicionais 4 pês de
marketing (o produto, o preço, a praça e a promoção), até a escolha de seu nome, seu logo e
seu slogan.
Entretanto, nada disso seria válido sem que a história, seja ficcional ou não, de uma
marca transmitisse verossimilhança para seu consumidor. Desta forma, estudamos os diversos
casos de storytelling na propaganda brasileira e, em especial, o caso da marca de sorvetes
Diletto, para entender como uma boa história ficcional é capaz de construir até uma marca
desde a sua identidade e seu posicionamento.
Por fim, o que notamos foi que para uma história ficcional ter sucesso na comunicação
de uma marca, é crucial que ela soe tanto consonante para a realidade da marca, quanto
possível para a realidade percebida por seu consumidor. Pois, se o storytelling surge para a
comunicação se inspirando naqueles que melhor trabalharam as narrativas, como os livros e
os filmes, seu referencial de qualidade na produção de histórias deve ser estes. Assim, no
momento em trabalhamos storytelling, assim como em Diletto, a ficção construída deve ser
tão fidedigna que nenhuma história se parece mais real do que a própria ficção.
“Mas vimos que todo o mundo ficcional se apóia parasiticamente no mundo
real, que toma por seu pano de fundo.” (ECO, 1994)
FIM.
63
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