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IC Fapesp Athos Bulcão Título: Athos Bulcão: Brasília e a síntese das artes 0. Introdução 0.1. Introduzir a questão historiográfica da síntese das artes tendo a obra de Athos Bulcão seu objeto. Apontar os eixos de problematização dos capítulos. 0.2. Algumas questões acerca da relação entre arte e arquitetura modernas. Apontamentos sobre o tópico da síntese das artes na agenda das vanguardas europeias, sobretudo no meio francês do pós-guerra. - DAMAZ, European - Bittermann - Vanguardas europeias e a síntese das artes - Destacar Le Corbusier - A’A especial sobre a síntese das artes - DAMAZ, Latin America - América Latina e a síntese das artes - Rede de profissionais e sistema da arquitetura - Finalizar com ausência de Bulcão no prefácio de Oscar em DAMAZ. Prefácio de Niemeyer como ponta do iceberg? 1. Rio-Paris: Formação, redes e prática profissional. - Athos Bulcão: período de formação, - Artistas entre arquitetos: artistas muralistas - MEC / Pampulha: Costa, Niemeyer, Burle Marx, Portinari -Primeira exposição Bulcão IAB Rio. -Período em Paris - Lugares de artistas entre arquitetos: obras de integração, imprensa, gabinete público. - A volta de Paris e o início da carreira profissional - Trabalho com figurinos e cenários / Fotomontagem / Artes gráficas

Sumario Com Roteiro e Cap 3

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IC Fapesp Athos BulcoTtulo: Athos Bulco: Braslia e a sntese das artes

0. Introduo0.1. Introduzir a questo historiogrfica da sntese das artes tendo a obra de Athos Bulco seu objeto. Apontar os eixos de problematizao dos captulos.0.2. Algumas questes acerca da relao entre arte e arquitetura modernas.Apontamentos sobre o tpico da sntese das artes na agenda das vanguardas europeias, sobretudo no meio francs do ps-guerra. - DAMAZ, European- Bittermann- Vanguardas europeias e a sntese das artes- Destacar Le Corbusier- AA especial sobre a sntese das artes - DAMAZ, Latin America- Amrica Latina e a sntese das artes- Rede de profissionais e sistema da arquitetura - Finalizar com ausncia de Bulco no prefcio de Oscar em DAMAZ. Prefcio de Niemeyer como ponta do iceberg?

1. Rio-Paris: Formao, redes e prtica profissional. - Athos Bulco: perodo de formao, - Artistas entre arquitetos: artistas muralistas- MEC / Pampulha: Costa, Niemeyer, Burle Marx, Portinari-Primeira exposio Bulco IAB Rio.-Perodo em Paris- Lugares de artistas entre arquitetos: obras de integrao, imprensa, gabinete pblico.- A volta de Paris e o incio da carreira profissional- Trabalho com figurinos e cenrios / Fotomontagem / Artes grficas- Athos Bulco, decorador.- Transferncia para Braslia

2. Braslia e a construo de uma linguagem.- Braslia- Anlise da construo da linguagem de Bulco nas obras de integrao

3. Sntese [ e tenses] das artes. - Athos Bulco sobre seu prprio trabalho- Lucio Costa- Le Corbusier- Lger- Outros artistas e outros arquitetos sobre as parcerias, Clark, Rino Levi.- Reunioes sobre a sntese das artes, CIAM e AICA Braslia.- Braslia e a sntese das artes - E os artistas na sntese das artes de Braslia?

4. Consideraes finais: fora das galerias, longe da crtica e perto de Braslia.- A questo historiogrfica: Fora das galeiras, longe da historiografia- Relao e legado de Bulco em Braslia, a memria da urbes.

1. x2. BRASILIA E A CONTRUCAO DE UMA LINGUAGEM. A cidade como obra de arte, hoje, em Braslia, um problema prtico, um problema experimental, e no mais um problema terico.[footnoteRef:1] [1: PEDROSA, 1981, p. 356.]

Em 55, eu j tava fazendo trabalho pro Oscar. Quando chegou 57, quando era ocasio dos projetos iniciais daqui [Braslia], j havia o escritrio da Novacap no Rio, o Oscar me disse: "Voc no quer colaborar nos prdios l de Braslia? S que no se pode fazer contrato. Vai ser um salrio, o salrio no alto." Eu disse: "Mas claro que eu quero." Ento, eu comecei a trabalhar na Novacap, em 57. Nessa data, como diz o registro aqui de trabalho, eu posso citar os azulejos do Braslia Palace Hotel, os azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Ftima, que ainda foram projetados no Rio. Tambm a porta da capela do Palcio da Alvorada foi projetado no Rio. Ns viemos pra c. Eu vim junto com a equipe toda do Oscar. Cheguei no dia 15 de agosto de 58. Da, ento, eu moro em Braslia esse tempo todo.[footnoteRef:2] [2: BULCO, 1988, p.03.]

Aps o perodo de formao, nos atelis de Cndido Portinari e Burle Marx e em temporada de estudos em Paris, e alguns trabalhos no Rio de Janeiro, como ilustraes, artes grficas, cenrios e figurinos, mas tambm a decorao de interiores e de eventos, Athos Bulco passa a residir em Braslia em 1958, aps ser transferido no ano anterior, a pedido de Niemeyer, do Ministrio da Educao e Cultura (MEC), onde trabalhava no Setor de Documentao, para a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). A partir disso, inicia a sua grande parceria principalmente com os projetos de Oscar Niemeyer, tendo uma vastssima presena na cidade, produo essa que pela sua extenso encontra-se em todas as quatro escalas[footnoteRef:3] do Plano Piloto de Lcio Costa: escala simblica, no eixo leste-oeste; a escala coloquial, no eixo residencial, norte-sul; a escala gregria, coletiva, na interseco dos dois eixos; e uma escala buclica, do cerrado perifrico. [3: Cada escala do Plano Piloto organiza o espao urbano em relao aos eixos virios e aos usos do solo, como as super-quadras e as reas residenciais, comerciais e servios, alm do eixo monumental. Cada escala tambm conforma, alm das atividades urbanas, os ritmos do espao, os gabaritos dos edifcios e os fluxos de circulao. ]

IMAGEM DO PROJETO DO PLANO PILOTO LUCIO COSTACada escala organiza o espao urbano em relao aos eixos virios e aos usos do solo, como as super quadras e as reas residenciais, comerciais e de servios, alm do eixo monumental. Elas tambm organizam, alm das atividades urbanas, os ritmos do espao, os gabaritos dos edifcios e os fluxos da circulao. O espao pblico em Braslia definido, principalmente, pelo desenho urbano das super-quadras e pela tipologia desenvolvida nelas, com uso de uso do trreo livre com pilotis. Como destaca Lcio Costa, sobre a rea residencial, essa organizao tambm representa o desejo de transformao embutido no ideal do projeto de Braslia.Uma das caractersticas do plano era, precisamente, a de reunir em cada um dstes espaos de vizinhana, as diferentes classes sociais, que seriam assim integradas em todo conjunto urbano e no estratificadas em bairros ricos e bairros pobres. Por uma falta de viso e por inpcia administrativa, este aspecto fundamental da concepo urbanstica de Brasilia ainda no foi realizado.[footnoteRef:4] [4: COSTA, Lucio. O urbanista defende sua capital. Revista Acrpole, no. 375/376, julho/agosto 1970, p. 07.]

O ideal de transformao social na nova capital, presente durante os anos da construo, se dilue aps a inaugurao em 1960. Com o golpe militar de 1964, as diretrizes para a continuidade das inmeras obras encontram entraves polticos, mas tambm as disparidades sociais ficam cada vez mais evidentes, como as precrias condies dos candangos e a sua no insero dentro do Plano Piloto, como apontam o prprio Niemeyer e Claudio Gomes na Revista Acrpole, em 1970:Mas lembrarei, tambm, como depois Brasilia nos decepcionou, mostrando com suas misrias e contrastes nada de nvo ter acrescentado s outras cidades deste pas; que nosso irmos operrios, que para ela acorreram como se a terra da promisso os convocasse, continuavam pobres, pobres e desesperanados.[footnoteRef:5] [5: NIEMEYER, Oscar. Braslia 70. Revista Acrpole, no. 375/376, julho/agosto 1970, p. 10.]

A contradio fundamental de Braslia a contradio da prpria sociedade brasileira: a apropriao do espao nacional que impedida pela organizao arcaica das formas de produo[footnoteRef:6] [6: GOMES, Cludio. Braslia 1960-1970. Revista Acrpole, no. 375/376, julho/agosto 1970, p. 15.]

Braslia ser para Bulco tambm a rede de relaes profissionais com os quais tambm realizar obras na cidade e em projetos futuros, como os arquitetos Glauco Campello, Hlio Duarte e talo Campofiorito. Alm disso, como parte dos profissionais do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Novacap, far parte do corpo docente da Universidade de Braslia.

2.1. Sobre o Inventrio e outras fontes primriasEm 2009, um ano aps a morte do artista, foi realizado pelo Iphan-DF, em colaborao com a Fundao Athos Bulco, o Inventrio Nacional dos Bens Mveis e Integrados do conjunto de obras de Athos Bulco em Braslia: 1957-2007. Nele h um extenso e preciso levantamento das obras de integrao arquitetnica do artista em Braslia.O Inventrio de Bulco est no rol de aes sobre o patrimnio da capital federal, cujo tombamento do Conjunto Urbanstico ocorre pelo Governo do Distrito Federal em 14 de outubro de 1987, pelo Decreto no. 10.829, e pela UNESCO a inscrio de Braslia na sua Lista do Patrimnio Mundial no dia 07 de dezembro desse mesmo ano. Aps trs anos, em 1990, o Conjunto inscrito no Livro do Tombo Histrico do IPHAN, no. 532, sendo regulamentado em 08 de outubro de 1992 pela Portaria no. 314 desse rgo.[footnoteRef:7] [7: OLIVEIRA, 2011, p. 57. Oliveira tambm destaca que nos anos 1980, aps o tombamento distrital e a inscrio de Braslia na UNESCO, resultou por Lucio Costa da reviso do Relatrio do Plano Piloto de Braslia, em documento denominado Braslia Revisitada 1985/1987, sendo nele apresentado complementaes e revises do Relatrio, visando a preservao do conjunto urbano tombado, sendo este anexo Portaria no. 314/1992 que normatiza o tombamento federal. (Op. cit., p. 58) ]

Segundo Oliveira, A preservao urbanstica de Braslia se d, sobretudo, pela manuteno da ambincia de seus espaos, onde gabaritos, usos e normas de construo devem ser respeitados. Entretanto, tal preservao realizada por escalas no garante a efetiva preservao das edificaes localizadas dentro do permetro de tombamento do conjunto urbanstico, permitindo que construes representativas da cidade pudessem ser descaracterizadas, demolidas e/ou substitudas por edificaes de caractersticas e visualidades outras. Nesse contexto surgiram as aes das instituies de preservao de Braslia, voltadas para a proteo e manuteno de tais edifcios selecionados como parte integrante e importante para a preservao das caractersticas modernistas de Braslia, que conferem a ela seu carter nico.[footnoteRef:8] [8: Id. ibidem. cit, p. 61. ]

Sobre os tombamentos individuais, o marco ser o ano de 2007, com o pedido de tombamento do Conjunto Arquitetnico de Oscar Niemeyer, em comemorao ao centenrio do arquiteto. O processo est em andamento, tendo seu conjunto tombamento provisrio, sendo entre eles os edifcios de instituies governamentais e representativos: Palcio da Alvorada, Congresso Nacional, Palcio da Justia, Blocos Ministeriais e Teatro Nacional Claudio Santoro.[footnoteRef:9] [9: Processo no. 1550-T-07 Dossi de tombamento do Conjunto Arquitetnico de Oscar Niemeyer em Braslia. Arquivo IPHAN, 2007, Srie Histrica COPEDOC. Arquivo da Superintendncia do IPHAN no Distrito Federal. Apud. OLIVEIRA, id. ibidem, p. 61. ]

Antecede o tombamento de Niemeyer apenas trs bens tombados individualmente, pelo IPHAN: o Catetinho, primeira residncia e sede do Governo Federal em Braslia, tombado antes da inaugurao da capital; a catedral Metropolitana, em 1967; e a placa de ouro oferecida a Rui Barbosa pelo Senado Federal por sua participao em 1907 na Conferncia de Haia, tombada em 1986. Esses so todos Inventrios de Bens Arquitetnicos, IBA. Os Inventrios de Bens Mveis e Integrados, IBMI, como o caso de Bulco, recente no Brasil, entretanto o Decreto-Lei no. 25, de novembro de 1937, j mencionava o valor dos bens mveis para a constituio do patrimnio cultural nacional, instituindo o tombamento como instrumento legal de proteo no apenas para os bens imveis, mas tambm para os bens de natureza mvel[footnoteRef:10], como as categorias de obras de arte, mobilirios e utenslios domsticos. [10: Id. Ibidem, p. 70. ]

J foram elaborados pela Superintendncia do IPHAN do Distrito Federal os INBMI do Palcio do Itamaraty, do Palcio da Alvorada e do Palcio do Planalto, alm do documento do artista em questo. O Inventrio de Bulco consiste em um caderno, que alm de textos sobre a trajetria e a importncia de sua obra em Braslia, h tabelas das obras organizadas por dez tipologias de edificaes: Instituies Governamentais / Representativos, Estabelecimentos Educacionais, Culturais, Religiosos e Comerciais, Aeroportos, Edifcios Residenciais, Residncias Unifamiliares e Outros. Somam-se a ele as fichas catalogrficas de cada obra, com detalhes inclusive de seu histrico, sua conservao e seu estado atual.Para compreender tal unicidade e pluralidade da obra do artista na capital federal as fichas do inventrio, sob numerao sequencial e crescente, contemplaram informaes tanto tcnicas e formais, quanto histricas e artsticas dos 261 trabalhos levantados e catalogados sob a metodologia do Inventrio Nacional de Bens Mveis e Integrados INBMI, visando leitura de cada obra isoladamente, como tambm em seu contexto. Como forma de identificao dos trabalhos, foram apresentados dados acerca da localizao de cada bem endereo onde se encontra, acervo ao qual pertence, proprietrio e responsvel imediato como tambm informaes acerca do ttulo, data, autoria, material/tcnica, linguagem, dimenso, classe/subclasse da obra, cujas classificaes seguiram o sistema e o vocabulrio controlado de denominaes estabelecidos pelo Tesauro de Bens Mveis e Integrados.[footnoteRef:11] [11: OLIVEIRA, id. Ibidem, p. 75. ]

IMAGEM MAPA DO INVENTRIO IMAGEM EXEMPLOS DE TABELAS DO INVENTRIOAo lado do Inventrio, dos desenhos tcnicos das obras[footnoteRef:12], h outras fontes primrias tambm frteis para a compreenso, em seu conjunto, das obras de integrao arquitetnica do artista: os depoimentos e as entrevistas de Bulco. Essas fontes em texto so cinco: quatro depoimentos do artista, um em 1972 e os outros trs nos anos 1980; e uma entrevista de Carmem Moretzsohn ao Jornal de Braslia em 1998. Somam-se a essas as fontes quatro vdeos: dois documentrios, Athos de Srgio Maricone, Sinfonia Athos Bulco, no finalizado, de Vanderlei Schelbauer; alm duas entrevistas em vdeo, uma produzida pela NBR Galeria e outra em funo da exposio em 1998 no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. [12: H um bom nmero de desenhos tcnicos publicados no catlogo da exposio retrospectiva realizada em 2009 no Museu Nacional de Braslia: FARIAS, Agnaldo; VISCONTI, Jacopo Crivelli (org.). Athos Bulco: compositor de espaos. Braslia: Fundao Athos Bulco, 2009. Tambm h uma publicao em caderno da Cmara dos Deputados com os desenhos tcnicos das obras de sua coleo: CMARA DOS DEPUTADOS. Athos Bulco na Cmara dos Deputados. Braslia: Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, 2010. ]

Esses materiais acima citados bem como o cotejamento de estudos e artigos sobre sua obra[footnoteRef:13] so insumos para entendimento mais preciso desse vasto conjunto de integrao arquitetnica e para anlises de seus processos e seus percursos compositivos, cuja obras tem o legado de ser uma das principais identidades de nossa capital federal. [13: Ver Levantamento Bibliogrfico, deste trabalho. ]

2.2. Trs perodos das obras de integrao arquitetnicaNo Inventrio, esto mapeadas as 261 obras de Bulco em Braslia, desde os conhecidos murais nos edifcios do eixo monumental at os seus projetos de mobilirios, mas tambm os seus 16 estudos cromticos realizados para espaos como salas, halls e auditrios:

Pra ter uma idia de trabalho, aquela cortina verde-escura da reforma do Planalto e do Supremo Tribunal, aquilo foi uma sugesto minha. Porque o Oscar queria que o vidro botasse neve. Que a beleza do prdio a leveza. E o Planalto, chegaram a botar umas cortinas brancas por dentro, branco somado com vidro ficava parede. Ento pra criar uma sensao de espao, assim, de vazio, a cor encontrada foi aquele verde-garrafa, que t l e que usado nesses tempos, essa cortina. Isso, por exemplo, um trabalho meu, de artista plstico. A escolha da determinao da cor so coisas que a gente vai fazendo, mas que no dia a dia t no escritrio desses, no trabalho aparece esse tipo de coisas.[footnoteRef:14] [14: BULCO, 1991, p.13]

Dos seus trabalhos de integrao arquitetnica, destacam-se, a partir da materialidade, dois eixos principais: os murais[footnoteRef:15] em azulejo, de carter bidimensional, e os murais e os painis, principalmente em altos e baixos relevos, realizados em mrmore, concreto e madeira, em sua maioria. Ao se analisar a relao entre esses dois conjuntos, a partir de uma organizao cronolgica das obras, constata-se um dilogo entre as obras volumtricas e as composies bidimensionais dos azulejos, relaes essas que sero descritas ao longo desse captulo, focando algumas obras chaves de sua produo. [15: Neste trabalho ser utilizada a definio de painel e de mural de Maria Ceclia Frana Loureno, sendo esse a conotao imediata de que se trata de obra feita diretamente no muro, englobando suas diversas modalidades, como afresco, tmpera e tinta a leo. [...] Usualmente a definio de painel para obras de grandes propores feita em suporte mvel, podendo ser deslocada para outra parede. No caso dos painis vale destacar como o seu deslocamento prejudica a obra, no apenas por fragilizar o material, como no caso dos azulejos, mas por toda a compreenso espacial do qual a obra conjuga com seu local de origem. Assim, a definio aqui adotada no se alinha quando Loureno finaliza a definio de painel como no concebida em funo de uma determinada arquitetura e destina-se a qualquer espao. (LOURENO, 1995, p. 250, nota 1.). A Fundao Athos Bulco utiliza tambm o termo painel para a designao dos trabalhos de integrao arquitetnica, ratificando, assim, a escolha da terminologia. ]

Se a partir de sua transferncia para construo de Braslia Bulco ter em seu trabalho a parceria fundamental com Oscar Niemeyer, seus trabalhos de integrao, a partir da segunda metade dos anos 1970, ocorrem principalmente com Joo Filgueiras Lima, o Lel. O trabalho e o processo de parceria nos projetos de Lel, sobretudo na rede de Hospitais Sarah, representam o pice da relao arquiteto-artista e da produo de Athos Bulco ligada aos componentes da edificao, como portas, biombos, mobilirios e divisrias.Ao se mapear suas obras tanto por seu conjunto e extenso quanto por suas publicaes, prope-se a organizao em trs perodos[footnoteRef:16]: [16: A bibliografia corrente do artista, principalmente os catlogos organizados pela Fundao Athos Bulco, prope uma diviso entre obras de integrao arquitetnica e obras de ateli, sendo essas ltimas relativas a desenhos, fotomontagens e mscaras, por exemplo. Este trabalho tem como foco as obras de integrao; sendo assim, esta organizao proposta se vale para elas, destacando-se que as obras de ateli ocorrem durante toda sua trajetria.]

1) Anos de formao: Rio de Janeiro; 2) Braslia e a parceria com Oscar Niemeyer; 3) O trabalho com Lel no Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS). Essa diviso, no entanto, no como perodos estanques. Uma simples visada na cronologia de suas obras mostra, por exemplo, que a parceria com Niemeyer, mesmo dos projetos iniciais de Braslia, se inicia no Rio de Janeiro, mas tambm ocorre em outros projetos, como em Belo Horizonte, estendendo-se inclusive para projetos internacionais, como na Itlia, em 1971 nos projetos para a sede da Editora Mondadori e na residncia dessa famlia em Saint-Jean-Cap-Ferrat, na Frana. A parceria com Joo Filgueiras, por sua vez, ocorre ainda nos primeiros anos de Braslia e se acentua a partir de 1975, com a Rede Sarah. Vale destacar ainda que com Oscar Niemeyer iria realizar, ainda nos anos 1980 e 1990 outros trabalhos, sendo um deles o Memorial da Amrica Latina, nica obra de Bulco em So Paulo.A diviso proposta para as obras de integrao tem como objetivo demarcar trs principais perodos da produo bulcaniana, expondo principalmente como se d a utilizao de um vocabulrio corrente entre os muralistas cariocas e a construo de procedimentos e elementos prprios.

2.3. Rio-Braslia: primeiras obras Antes de mudar para a nova capital, em 1957, Bulco realiza o seu primeiro trabalho em Braslia, na Igrejinha Nossa Senhora de Ftima. Este alm de marcar o seu incio na cidade um dos nicos, nessa relao com a arquitetura, no qual utilizar elementos figurativos, mesmo que de forma geometrizada e modular. Diferentemente do mestre Portinari, no qual o elemento figurativo ainda bastante presente.Bulco desenvolve seu trabalho de integrao a partir da construo de elementos abstratos, [...] faz-se num rigoroso estudo de formas abstratas e cores que em muitos casos se aproximam mais do trao do desenho do que de um evento pictrico, o jogo de linhas predomina sobre o acontecimento cromtico, s vezes neutralizado pelos tons de azuis escuros.[footnoteRef:17] [17: Duarte, Sentido e Urbanidade, p. 17]

Na Igrejinha, Bulco utiliza dois elementos simblicos para a composio do mural, a pomba, na cor branca, e a estrela em preto, cada uma em um azulejo, mas ambas em uma mesma tonalidade de fundo azul. Assim, o ritmo da obra marcado pela alternncia rtmica e uniforme entre o preto e branco, sendo este elemento o destaque no conjunto. O uso de dois desenhos de azulejos ir percorrer a maioria das suas composies, mesmo com carter abstrato como nas obras da Torre de TV (1966), projeto de Lucio Costa, e no Posto Disbrave (1975), de Joo Filgueiras Lima.Na obra da Igrejinha, tambm vale destacar um dos papeis da integrao com a arquitetura que permeia a obra de Bulco em praticamente todos os seus trabalhos, o destaque do elemento estrutural do projeto: A caracterstica do trabalho de azulejo que o Athos to soube bem explorar na arquitetura moderna era justamente estabelecer esse contraste com a estrutura. Voc tem o elemento estrutural forte e depois aquela coisa delicada que solta completamente a estrutura. Ento a parede ali desaparece, uma parede que ali no conta.[footnoteRef:18] [18: Lima, Joo Filgueiras. Apud: Farias, Construtor de espaos, p. 396]

No Braslia Palace Hotel, em 1958, tambm a composio se d a partir de dois desenhos de azulejos. No entanto, a construo abstrata e ambos os azulejos constituem-se do mesmo desenho, alternado as cores azul e branca em uma relao entre figura e fundo. Esse se constitui em dois arcos de circunferncia localizados nas bordas do azulejo, de forma que no acoplamento, formam-se figuras quase elpticas. Assim como na Igrejinha o ritmo no Hotel uniforme, visto que a sequncia entre as duas peas a mesma. No entanto, uma das caractersticas principais do trabalho de Bulco ser a configurao de um ritmo no uniforme, de um plano ativado, e da participao do operrio nessa constituio.Entre os trabalhos dos primeiros anos aps a mudana para Braslia est o conjunto de trabalhos realizados no Palcio do Planalto, entre 1958 e 1959, sobretudo na sua Capela, em que alm da pintura no teto, Bulco desenhou os candelabros, porta e vitral. No Braslia Palace Hotel realizou, alm do painel que envolve as fachadas, acima mencionado, fez uma pintura mural, que se relaciona com o teto da Capela, por ambas serem de carter figurativo geometrizado. IMAGENS DAS OBRAS DO ALVORADA

2.4. Obras seminais e obras de inflexoAps dois anos na capital em obras, ser em 1960 que marca o incio do desenvolvimento de uma linguagem que ir desenvolver e articular em inmeros de seus trabalhos, no apenas nessa cidade, mas no decorrer de sua atividade profissional. A obra que marca o incio dessa trajetria o painel para o Salo Negro em 1960, hall de entrada da Cmara dos Deputados. Para a anlise e entendimento da construo da linguagem bulcaniana, so assim destacadas quatro obras seminais: o mural no Salo Negro da Cmara dos Deputados (1960), o mural da fachada da Fundao Getlio Vargas, FGV, (1962), o relevo no Hall principal do Palcio do Itamaraty (1966), e o relevo na fachada Teatro Nacional Claudio Santoro (1966), todas em Braslia, exceto a FGV, no Rio de Janeiro. Nos anos entre a construo dessas obras seminais destacam-se outras trs obras de inflexo: o mural no Edifcio Niemeyer (1960) em Belo Horizonte, o relevo na agncia de carros Disbrave (1965) e a trelia da Sala dos Tratados do Palcio Itamaraty (1967), essas duas ltimas em Braslia. Essas so colocadas como obras de inflexo por tangenciarem aspectos j realizados em outras, mas tambm por anunciarem obras futuras, seja pelo processo compositivo, seja pela materialidade. Vale destacar ainda que, dessas sete obras, todas acontecem em parceria com Niemeyer, a exceo da Disbrave, primeira obra de Bulco com Joo Filgueiras.Essa seleo justifica-se no fato de que so essas as obras chaves para a construo dos procedimentos e das composies prprias de Bulco, responsveis por desdobramentos em futuros trabalhos. Situadas entre os anos 1960 e 1967, elas correspondem, portanto, aos anos de seu trabalho em Braslia. Este conjunto de obras mostra a investigao do artista em diversos materiais: mrmore, azulejo, concreto, madeira e chapa metlica. Como composio, cada obra parte de um diferente procedimento, nos quais h uma convergncia para discusses de escala e de espacialidade. Ocorre nesse perodo a construo de uma linguagem particular, de um vocabulrio e de uma gramtica compositiva que ele ir articular e reelaborar de diversas maneiras nos seus trabalhos futuros, em uma sua particular linguagem de integrao arquitetnica. Outro dado comum a essas obras que, para a articulao entre a escala e a percepo espacial, ser utilizado o contraste de luminosidade, ou seja, a relao claro e escuro, seja elam elas ou em cores pintadas sobre o azulejo, como o branco e preto ou azul cobalto escuro, ou em cores naturais do material, como mrmore e granito preto, ou at mesmo o claro e o escuro das sombras formadas pelos volumes dos altos e baixos relevos, mas tambm dos elementos de carter tridimensional.[footnoteRef:19] [19: Ver no vdeo Sinfonia Athos Bulco, de Vanderlei Schelbauer, a questo das sombras como elementos compositivos e o seu carter cintico em murais de Bulco.]

2.4.1. Escala, corpo e olharO Salo Negro tem como ponto de partida a quebra da excessiva verticalidade do espao, acentuadas pelos dois grandes pilares, conforme cita Oscar Niemeyer no prefcio para o livro Art in Latin America, de Paul Damaz: In connection with the entrance hall of the Palace of Congress in Brasilia, a monumental hall of about 20,000 square feet, a large mural was to be installed.[footnoteRef:20] [20: NIEMEYER, Oscar. Prefcio In: DAMAZ, 1963, p. 13]

A quebra da verticalidade promove outra relao de escala entre o corpo e o espao, diminuindo a excessiva diferena entre p-direito e indivduo. O mural instiga o percurso do olhar com sua composio de quebras em retngulos de espessuras variadas, que se relaciona tambm com o caminhar, com os passos[footnoteRef:21]. Como referncia para o projeto, Bulco explicita um recurso prprio do cinema: [21: Ver: FARIAS, 2008, p. 19.]

Porque quando eu fui fazer o Congresso, foi a primeira vez que eu tive um problema desses, com grande espao interno, eu fiquei pensando o que era aquilo que seria como funcionamento. Em arquitetura existe uma coisa, que os arquitetos falam mais em francs, pas perdus, passos perdidos, que caracterizam esses grandes hall de entrada e que a pessoa passa l no balco pra se dirigir a outro lugar. Fazia... aquilo era no tempo do Cinema Novo. [...] De modo que a nica expresso que eu tinha era o seguinte: falava-se em "cmara na mo". "Cmara na mo" aquela coisa que vai mexendo um pouco, [...]a coisa da cmara na mo isso: o olho da gente fica andando assim, porque por mais rduo que seja "cmara na mo", aquilo acompanha um pouco, ento ela vai. Se tem uma coisa aqui ou aqui ou ali, que a gente percebe, tem um ritmo parecido com o andar. E, da, saiu essa idia de movimento, essa coisa de se deslocar ritmadamente com o andar. Ento tem um andar ali, que tem no Itamaraty tambm. Isso como idia, vamos dizer, bsica, assim, porque seno fica montono. (BULCO, 1988, p. 16. Grifo meu)

Essa apropriao do procedimento cinematogrfico da cmera na mo uma aproximao dos passos, da percepo e do ritmo do espectador/usurio ao plano do mural. Esto em jogo no apenas a quebra da excessiva verticalidade, mas a ativao de um percorrer com o corpo e com os olhos no espao. Segundo Raquel Tibol, o muralista mexicano David Alfaro Siqueiros declara em 1953, enquanto trabalhava na sua obra Por uma previdncia social completa a todos os mexicanos (1952-54) no Hospital de La Raza, Mxico, DF:No meu conceito, h muitas [...] vantagens no contato entre a pintura e a fotografia dinmica, isto , a cinematografia. O cinema coaduna com a pintura na captao do movimento de imagens, na distoro do espao e dos volumes que atuam sobre si. Em vista do que se conseguiu at hoje, cabe perguntar: Existe alguma perspectiva de unio entre a pintura mural, particularmente aquela que foi produzido em superfcies ativas de acordo com um plano de unidade espacial, e a cinematografia, produzindo assim um fenmeno novo que no seria nem a cinematografia como fato autnomo nm a pintura como expresso particular, mas como algo completamente novo e inusitado?[footnoteRef:22] [22: SIQUEIROS, David Alfaro. Citado em: TIBOL, Raquel. Artes no Mxico, no. 5, Mxico, DF, vero de 1984, pgina 5. Apud. ALFARO, 2006, p. 162. ]

IMAGEM SALO NEGRONa composio do mural do Salo Negro h duas espessuras de trao moduladas: alm do mdulo branco em mrmore h outros dois com ou um tero ou dois teros pretos em granito, sendo que este ltimo obtido tambm com a justaposio de duas peas espelhadas de um tero. a primeira vez que Bulco utiliza a articulao modular para a constituio de variveis a partir de mesmos elementos. Essa lgica de procedimento compositivo ser intensificada ao longo de suas obras, constituindo-se como uma das suas principais gramticas. Sobre o material empregado, Niemeyer comenta que a escolha do material tambm levou em conta os disponveis e j selecionados para o detalhamento dos interiores da edificao, relacionando, assim, tambm com a materialidade j definida no conjunto do projeto. Vale destacar um dos efeitos deste painel, que estar presente em muitas outras obras, sobretudo as localizadas nos espaos interiores, como o mural de azulejo do Instituto Rio Branco, de 1998: o espraimento do mural para outras superfcies vizinhas, seja no reflexo dos caixilhos, seja no reflexo do piso, como no caso do Salo Negro, onde o cho brilhante e preto se funde materialidade das linhas verticais dos painis, e cujas sombras deixam um desenho ainda com mais ritmo, e por isso mais prximas da relao entre os olhos e o corpo ao caminhar.

2.4.2. Deslocamento e ritmoAssim como o ritmo foi decisivo para se pensar o Salo Negro, no Edifcio Niemeyer ele ser tambm um articulador para a composio da obra. Coloca-se essa obra, tambm de 1960, como uma obra de inflexo, pois sua composio uniforme em azulejo, ao mesmo tempo faz aluso aos murais anteriores do Hospital da Lagoa, da Igreja Nossa Senhora de Ftima, e do Braslia Palace Hotel, mas tambm um prenncio de obras futuras.Mesmo com essa correspondncia do material, h nesse mural uma lgica compositiva diferente dos outros. Naqueles trs anteriores o ritmo uniforme se d por duas peas diferentes e sequenciadas: no Hospital e no Braslia Palace h uma alternncia de cor entre branco e azul entre figura e fundo nas duas peas dos desenhos.IMAGEM EDIFCIO NIEMEYERJ o procedimento da fachada do edifcio residencial situado na Praa Liberdade outro: usa-se uma nica pea em trs diferentes sequncias que se organizam por eixos verticais, pois, h a reduo de um nico elemento e a potencializao de seu posicionamento. O mote desse mural, que est entre o caixilho e brises do edifcio, a composio do azulejo a partir do deslocamento do quadrado em azul cobato escuro[footnoteRef:23] da centralidade do azulejo, ou seja, a sua excentricidade. Essa caracterstica, a excentricidade juntamente com uma composio sinttica, cujo protagonista o deslocamento de um nico elemento, nos remete diretamente a duas obras-primas do construtivista csovitivo Kasimir Malevitch: Crculo preto (1913) e Composio suprematista: quadrado vermelho e quadrado preto (1914-16). [23: A maioria dos trabalhos similares a esse utiliza azul cobalto escuro a fim de se contrastar com o branco do azulejo, como os painis da FGV e da Escola-classe 407 Norte em Braslia. Nas fotografias, os registros desses trs murais aparecem como pretos, mas a visita in loco prova ser mesmo azul. Alm da distoro das cores na fotografia, por estarem em lugares externos, as intempries do tempo e do clima provocam o desgaste do material, como visvel por exemplo estado atual desses dois citados acima. Consequentemente, h a alterao da cor, que no caso dessa tonalidade de azul, tende a ficar prximo ao preto. ]

IMAGEM ED. NIEMEYER DETALHESIMAGENS MALEVITCHEsse deslocamento casa-se com a repetio em que a regra da sequencia : em uma fileira todos os quadrados pretos esto deslocados para baixo; na seguinte h alternncia com quadrados direita e esquerda; e na outra eles todos esto deslocados para cima[footnoteRef:24]. [24: Essa excentricidade da composio do quadrado no azulejo faz lembrar obras como as do construtivismo sovitico, principalmente as telas Crculo preto sobre fundo branco, de 1913, e Quadrado preto e quadrado vermelho, de 1915 de Kazimir Malevich. ]

H nessa articulao um jogo de foras que aumenta o ritmo do mural, distanciando-se da cadncia nica dos murais anteriores em azulejo. Mesmo essa composio apresentando sequencia regular, nela h um efeito de pulso, onde possvel ver o anncio de futuros painis, em que a exploso e a irregularidade sero a tnica compositiva.

2.4.3. Plano ativado, obra abertaEm 1962, em branco e azul cobalto escuro serigrafado no azulejo, o mural do projeto de Niemeyer para a Fundao Getlio Vargas no Rio de Janeiro mais uma obra seminal, na qual h um desdobramento do Salo Negro e uma continuidade e um aprofundamento da experincia de arranjos em movimento do edifcio de Belo Horizonte. Athos Bulco ir utilizar, pela primeira vez em suas obras, o procedimento de obra aberta e aleatria, com a participao do operrio para a composio final do mural. Nessa composio, pelo processo de assentamento no uniforme, a simples parede torna-se um plano ativado, estilhaa-se aos olhos como um caleidoscpio cuja velocidade varia do vagar ao vertiginoso.[footnoteRef:25]. [25: FARIAS, 2001, p. 45. Grifo meu]

Ser usado nele o vocabulrio das fraes em claro e escuro como jogo compositivo, e a partir desse vocabulrio h a constituio de mltiplas possibilidades de arranjo. Convergem, assim, procedimentos do Salo Negro e do Edifcio Niemeyer, contudo, potencializados de trs maneiras: maior o nmero de elementos modulares; sofisticada geomtrica no formato do mdulo e de seus desenhos a partir das possibilidades de permutao; e assentamento atravs do uso das poticas abertas.O Salo Negro composto por mdulos retangulares claros, em mrmore, e peas com um tero e outras com dois teros escuros, em granito preto, sendo essas usadas para os desenhos dos elementos verticais do mural. J na FGV h uma reelaborao desse vocabulrio.O formato do azulejo retangular, mdulo desse mural, possui na menor dimenso a metade da maior, de forma que a justaposio de duas peas forma um quadrado. Soma-se a isso a ampliao da variedade de peas, que so ao todo 4 mdulos: um inteiramente branco; outro inteiramente azul; uma com um tero de azul, sendo esse um tero correspondente ao menor lado, de forma a se ter um desenho que tende a uma linha; e um que possui uma metade branca e a outra azul, formando nesse mdulo um quadrado azul e outro branco.A ampliao dos elementos no mural e suas elaboraes geomtricas so somadas a um novo procedimento: a experincia do assentamento do azulejo a cargo dos operrios, o uso das poticas abertas na obra de arte, com a participao de outro, que no o artista, para a conformao da obra. Do espelhamento do mdulo e do aumento de ritmo avana-se para esse procedimento da FGV para o que ir se tornar uma das gramticas mais correntes de Athos Bulco: a permutao entre os mdulos. Esse procedimento ser constante no decorrer de sua obra para a formulao de murais e painis no somente em azulejo, mas em outros materiais como mrmore, concreto e madeira. Ao mesmo tempo em que h uma liberdade e uma abertura participao do operrio, h cada vez mais um rigor na concepo intelectual do mdulo, com uma alta composio geomtrica de cada pea.Partindo sempre de formas geomtricas simples, de linhas retas e curvas, dispostas de vrias maneiras, Athos alcana uma notvel riqueza vocabular. Some-se ainda o ritmo musical de arranjos, a movimentao contnua que no permite ao olho descansar, pois que este est sempre a descobrir novos desenhos, compondo, decompondo e recompondo o edifcio visual num processo ativo de participao.[footnoteRef:26] [26: MORAES, 1988, p.117]

Essa obra ter algumas obras irms, como seus desdobramentos diretos, sendo uma delas o mural realizado para Milton Ramos, em 1965, na Escola-classe 407/408, em Braslia. Ela possui composio de trs tipos de azulejos quadrados: um branco, um preto e outro branco com um tero preto. Assim, como na sua matriz, essa tambm assume carter explosivo pelo conjunto atravs do tipo de composio somado ao assentamento no uniforme e aberto aos operrios.Esse procedimento remonta s outras duas obras, pois est no Congresso e no Edifcio Niemeyer, conforme j discorrido acima, o incio das composies pelo exerccio das possibilidades de posicionamento dos mdulos e pela cadncia de ritmo entre o contrate claro-escuro, configurando um mural que dialoga com o ritmo dos transitar pelo espao, com o movimento do corpo e com o estmulo do olhar.Essa relao acima discorrida tambm est do procedimento de Bulco conhecido como 3x1. Em murais de azulejo, em muitos casos com 2 desenhos de mdulos com a adio de um mdulo em branco, h a diretriz para o operrio: que se assente o azulejo em uma proporo de 3x1. [...] quando, a cada quatro peas, apenas uma admite variaes. E a, na combinao do que fixo e do que flexvel, que os trabalhos de Bulco podem ser lidos em correspondncia com a prpria base do Plano Piloto de Lucio Costa.[footnoteRef:27] [27: NOBRE, 1998, p. 39.]

A participao do operrio acontece em vrios de seus projetos com azulejo, sendo esses o conjunto mais expressivo da sua produo, visto que o procedimento em Bulco, como destaca Farias, se d alguns anos antes do trabalho do artista norte-americano Sol LeWitt, em seu Pargrafos sobre arte conceitual, em 1967, no qual h o mesmo princpio nos seus os wall drawings [footnoteRef:28]. [28: FARIAS, Athos Bulco, op. cit., p. 84.]

Esse procedimento alm de estar relacionado com as poticas abertas o gerador de uma das caractersticas principais do trabalho de Bulco, o tempo. Ele est sempre presente nessas obras pela exausto e embutido na sua espacialidade. Melhor: diversos tempos sempre reinventados para cada espao como instantneos de passos de dana, de uma coreografia abstrata que nenhum humano capaz de imitar.[footnoteRef:29] [29: DUARTE, Sentido e Urbanidade, p. 19.]

2.4.4. O sol e a sombra fazem a festa Se no percurso entre o Salo Negro e a FGV h a construo dessa gramtica, em 1965, mesmo ano da Escola-classe, h um dos primeiros trabalhos explorados a partir de sua volumetria: o relevo em concreto na agncia de carros Disbrave, primeira parceria de Bulco com Joo Filgueiras Lima.Nele h uma correspondncia com o mural do Salo Negro: o relevo est instalado em uma parede com p-direito duplo e h como composio do mural a quebra da escala vertical a partir da mesma relao entre escala e o movimento de transitar com o corpo e de se percorrer com o olhar o espao. Considera-se a Disbrave como uma obra de inflexo, justamente por se referenciar a uma obra anterior, mas tambm por sinalizar materiais e procedimentos que desencadeariam em outras obras seminais de Bulco.Se no Salo Negro foi utilizado o mrmore branco e o granito preto para a composio, na Disbrave a obra construda atravs de mdulos brancos em concreto, em um jogo de sombras de alto e de baixo relevo, no qual o jogo compositivo est em duas formas de trapzios: nelas h uma lateral ortogonal e outra lateral inclinada, e justamente h nessa inclinao uma leve variao de uma pea para a outra. Est anunciado nessa obra o uso de materiais a partir de sua potencialidade volumtrica, de saltar aos olhos no espao. Alm disso, como procedimento h uma pequena diferena entre formas como exerccio compositivo, recurso que ser usado em outras obras, como no relevo interno do Teatro Nacional Claudio Santoro e no relevo da Cmera Morturia no Memorial Juscelino Kubitscheck, em 1976 e 1891, respectivamente, ambos em Braslia. IMAGEM CMARA MORTURIA JKOutra questo de escala ser o ponto de partida a seminal obra do Hall principal do Palcio do Itamaraty. Ao contrrio do Salo Negro, aqui o problema de escala a relao entre o pequeno p-direito e a grande rea do espao, a sensao que se tem de achatamento do indivduo. Nesse espao, em que a protagonista a escada curvilnea de Niemeyer, h o desenho de um relevo em mrmore branco com trapzios que apontam para cima e para baixo. De um dos mesmos materiais do Salo Negro, a proposta aqui, no entanto, o inverso: produzida uma tenso vertical, a fim de se impulsionar os olhos para as extremidades do plano da parede. O uso do baixo-relevo em mrmore aparece com uma dupla qualidade: no conflita com a escada e cria, ao mesmo tempo, um movimento no espao, um percurso para os olhos nas paredes que contornam o ambiente ao se percorrer o ambiente e ao se subir a escada[footnoteRef:30]. Sero inmeras as obras, como os murais do Supremo Tribunal Federal em 1964, e do Palcio do Jaburu, em 1975, que sero desdobramentos diretos do Itamaraty. [30: FARIAS, 2001, p. 47.]

IMAGEM HALL ITAMARATYIMAGEM Palcio do JaburuIMAGEM Supremo Tribunal FederalNo ano seguinte, em 1966, no Teatro Nacional Claudio Santoro[footnoteRef:31] ao serem adicionados volumes sobre o plano, promove-se outra relao entre paisagem e edifico na enorme fachada plana e inclinada no eixo monumental de Braslia. O jogo ritmado de cinco padres de volumes, cubos e paraleleppedos brancos em concreto, todos de mesma altura e dispostos de formas alternadas, alm de quebrar a inrcia bidimensional da fachada, constri desenhos pela variao da luz do sol ao longo do dia[footnoteRef:32] em uma relao cintica. [31: Mais conhecida sob o nome de O sol faz a festa. ] [32: ]

Sobre o processo de elaborao do mural, Bulco comenta que a princpio seria em azulejo:A eu tive pensando, esse azulejo [para o Teatro Nacional] me levou a usar um processo que, depois, eu uso quase sempre. Eu digo: "Eu vou botar uma parte de branco, porque essa parte de branco e sem decorao, porque isso vai economizar tempo e custos, tempo de fabricao." Ento voc tem uma superfcie, vamos dizer, de 120 metros quadrados voc usa 30 metros ento s tem que decorar... 90... a outra parte. E o que aconteceu foi que eu fiz isso e tambm imaginei um desenho aleatrio porque era impossvel levar um desenho daquele tamanho, ficar olhando e reproduzindo. Por causa disso foi bom, porque eu sa depois com esse tipo de trabalho.[footnoteRef:33] [33: BULCO, 1988, p. 13.]

No entanto, em conversa com Oscar Niemeyer, decide-se por uma materialidade em que houvesse, ao mesmo tempo, peso e leveza: Pesado e leve s se voc tiver luz e sombra. A sombra cria volume, mas, ao mesmo tempo, faz uma modificao do desenho.[footnoteRef:34] [34: BULCO, 1988, p. 13]

IMAGEM TEATRO NACIONALSeus volumes brancos sobre a pirmide de Niemeyer nos fazem lembrar o Primeiro lembrete aos arquitetos, de Le Corbusier: A arquitetura jogo sbio, correto e magnfico dos volumes reunidos sobre a luz. [footnoteRef:35]. O jogo ritmado de um mesmo padro de cubos e paraleleppedos dispostos de formas alternadas, alm de quebrar a inrcia da lateral do projeto, constri uma nova leitura espacial do projeto, ensinando-nos como pode ser complexa a noo de espao, que ela no se aplica exclusivamente a espaos interiores, e que qualquer interveno cor, textura, matria ou volume obtm alter-lo [footnoteRef:36]. [35: LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. So Paulo: Perspectiva, 1973, p. 13] [36: FARIAS, 2003, p.]

Sobre essa mesma obra, Paulo Srgio Duarte analisa no somente a relao entre a arte e arquitetura, mas todo o discurso do modernismo, da urbanidade e da relao entre a obra e o coletivo: Pensar esse acontecimento plstico pblico , sobretudo, refletir sobre uma arte possuda intensamente pelo sentido da urbanidade. o trao maior do percurso que ali se evidencia. A urbanidade que marca este trabalho, num dos mais felizes encontros da arquitetura e arte no Brasil, torna visvel a vertente utpica moderna que compreendia essas realizaes estticas como gesto civilizatrio, como um projeto de respeito aos cidados, no qual a elegncia no apenas o resultado postio da aquisio de um conjunto e regras de boas maneiras, mas, tornando-se arte tanto contaminaria a sociedade pelas idias que materializavam quanto traduziria plasticamente uma sociedade plenamente realizada no futuro [footnoteRef:37]. [37: DUARTE, Paulo Sergio Sentido e Urbanidade. In CABRAL, Valria Maria Lopez (org.). Athos Bulco. Braslia: Fundao Athos Bulco, 2009. p. 17]

Em seguida, conclui:

A possibilidade da individualizao na existncia coletiva pelo vis da materialidade das formas geomtricas abstratas o segredo do relevo de Athos Bulco nas fachadas do Teatro Nacional em Braslia; esta a sua grande lio, antes de qualquer metfora de uma cidade. a grande sntese do sentido de urbanidade que atravessa toda sua obra quando est em contato com a arquitetura [footnoteRef:38]. [38: Id. ibidem, p. 18.]

Assim, com outros elementos h a ampliao em grande escala do trabalho explorado em concreto iniciado na agncia Disbrave. Vale destacar ainda, como percurso de elaborao da obra, Bulco explicita a consolidao do procedimento de inserir elementos brancos junto com outros desenhos de mdulos em azulejo, de forma a criar ritmos e ao mesmo tempo economia de tempo e material. Essa experincia de mdulos em branco j acontecido em projetos anteriores, visto a FGV e na Escola-classe.

2.4.5. Solto ao muro ou o painel como balizador do espaoA ltima obra desse conjunto de obras seminais e de inflexo a trelia da Sala dos Tratados no Palcio do Itamaraty, de 1967. Ela sintetiza alguns pontos do vocabulrio bulcaniano e aponta para lgicas estruturais de obras futuras, inclusive quando ir intensificar a parceria com Lel, no Bulco ir se debruar principalmente sobre os componentes do projeto de edificao, como portas, biombos, mobilirios e divisrias. IMAGEM TRELIA ITAMARATYNa trelia h um sistema de encaixe que estrutura os pares de ripas de madeira no cho e no teto e que, ao mesmo tempo, prende ao longo da obra as placas metlicas de diversos quadrilteros em vermelho, preto e branco. Essas chapas possuem uma de suas laterais balizadas pelo tamanho regular do intervalo entre as peas de madeira e a outra lateral varia em diferentes tamanhos, sendo essa ora a maior ora a menor dimenso das placas metlicas. Est nessa obra o arranjo irregular, dos diferentes quadrilteros, como potencializador da relao entre obra e espao, e entre escala, corpo e olhar. Se nas obras anteriormente analisadas h a o contrate de iluminao ou entre as cores claras e escuras ou pelas sombras dos altos e baixos relevos e dos volumes, aqui o vazio a transparncia, o ver e no ver entre as placas dispostas na estrutura do madeiramento. A trelia filtra a luz abundante que passa pelos caixilhos, criando dois espaos que se conformam inclusive por diferenas de iluminao. Se em outras obras o efeito do plano ativo executado atravs da relao de uma estrutura modular, ora em azulejo ora em mrmore ou em concreto, com o assentamento no uniforme; na trelia essa relao est na estrutura uniforme das ripas em madeira e a irregularidade da insero e das formas das chapas, constituindo assim a tenso entre mdulo e liberdade como intitula Frederico Moraes em seu artigo[footnoteRef:39] sobre essa constante no trabalho de Athos Bulco. [39: MORAES, 1988, op. cit. ]

Athos Bulco ter como pressuposto em suas obras o movimento em uma relao espacial entre obra, corpo e olhar, em diferentes suportes, procedimentos e composies, mas que resultam em o que Farias denominou como plano ativo, que

Para um olhar em trnsito de imediato impe-se a apreenso do todo, em seguida da parte, at num exame mais atento se manifestam as relaes estabelecidas entre eles, resultantes do exerccio da lgica combinatria que rege a composio.[footnoteRef:40] [40: NOBRE, 1998, p. 39.]

Ao contrrio da bibliografia corrente sobre o artista que trabalha em sua maioria com a chave de ruptura, tomando principalmente o mural para a Fundao Getlio Vargas como ponto inicial, entende-se o processo no qual Bulco ir constituir seus particulares procedimentos, que sero utilizados e reelaborados em outras obras, mesmo nos projetos de carter pr-fabricado com Lel. Ser um delineador de seu vocabulrio e sua gramtica a relao do enfraquecimento da esttica do plano bidimensional, seja ele o plano da fachada ou um plano interno, para a intensificao do percurso do andar e do olhar no espao. IMAGENS REDE SARAH

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