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Susan Sontag — Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Heroísmo da Visão 1/17 Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia Lisboa, Publicações Dom Quixote (Colecção: Arte e Sociedade, nº5, 1986, 178 pp. Título original: “On Photograhy” (Penguin Books) O HEROÍSMO DA VISÃO Nunca ninguém, através de fotografias, descobriu a fealdade. Mas houve muito quem, através de fotografias, tenha descoberto a beleza. O que leva as pessoas a fotografar, com excepção das situações em que a câmara é utilizada para documentar ou para registar ritos sociais, é a procura da beleza. Fox Talbot, em 1841, patenteou a fotografia com a designação de calotipo: de Kalos, belo. Não há ninguém que diga: «Que coisa feia! Tenho que lhe tirar uma fotografia.» E mesmo que alguém o dissesse tudo o que isso significava era: «Acho aquela coisa feia [...] bonita.» Quando alguém vislumbra uma coisa bela é frequente exprimir o seu desgosto por não ter podido fotografá-la. Tem sido tal o sucesso do papel desempenhado pela câmara no embelezamento do mundo que a fotografia acabou por se tornar, mais do que o mundo, o padrão da beleza. E provável que um anfitrião, orgulhoso da sua casa, exiba fotografias às visitas para lhes mostrar como ela é, de facto, esplêndida. E através das fotografias que aprendemos a ver-nos: considerar uma pessoa atraente é, precisamente, supor que fica bem nas fotografias. A fotografia, embora crie a beleza acaba, ao longo de gerações de fotógrafos, por a desgastar. Por exemplo, algumas maravilhas da natureza têm estado exaustivamente entregues à incansável atenção de entusiásticos amadores fotográficos. Um pôr do Sol é banal para quem está cansado de ver imagens; hoje em dia, lamentavelmente, parece-se demasiado com uma fotografia. Há pessoas que ficam ansiosas quando vão ser fotografadas: não porque receiem, como os primitivos, ser violadas, mas porque temem a desaprovação da câmara. Pretendem uma imagem idealizada: uma fotografia de si mesmas com melhor aspecto possível. Sentem-se rejeitadas quando a câmara lhes não devolve uma imagem que as faça parecer mais atraentes do que na realidade são. Mas poucas pessoas têm a felicidade de serem «fotogénicas», ou seja, de ficarem melhor nas fotografias (mesmo sem maquilhagem ou iluminação favoráveis) do que realmente são. O facto de as ÍNDICE GERAL: • Introdução (p.11) • Na Caverna de Platão (p.13-32) • A América Vista Através de Fotografias, Sombriamente • Objectos Melancólicos (p.53-80) • O Heroísmo da Visão (p.81-104) • Os Evangelhos Fotográficos • O Mundo das Imagens (p.135-158) • Breve Antologia de Citações (Homenagem A W . B.) (p.159-178)

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    Susan SontagEnsaios Sobre Fotografia

    Lisboa, Publicaes Dom Quixote (Coleco: Arte e Sociedade, n5, 1986, 178 pp.Ttulo original: On Photograhy (Penguin Books)

    O HEROSMO DA VISONunca ningum, atravs de fotografias, descobriu a fealdade. Mas houve muito

    quem, atravs de fotografias, tenha descoberto a beleza. O que leva as pessoas afotografar, com excepo das situaes em que a cmara utilizada para documentarou para registar ritos sociais, a procura da beleza. Fox Talbot, em 1841, patenteou afotografia com a designao de calotipo: de Kalos, belo. No h ningum que diga:Que coisa feia! Tenho que lhe tirar uma fotografia. E mesmo que algum o dissessetudo o que isso significava era: Acho aquela coisa feia [...] bonita.

    Quando algum vislumbra uma coisa bela frequente exprimir o seu desgosto porno ter podido fotograf-la. Tem sido tal o sucesso do papel desempenhado pelacmara no embelezamento do mundo que a fotografia acabou por se tornar, mais doque o mundo, o padro da beleza. E provvel que um anfitrio, orgulhoso da sua casa,exiba fotografias s visitas para lhes mostrar como ela , de facto, esplndida. Eatravs das fotografias que aprendemos a ver-nos: considerar uma pessoa atraente ,precisamente, supor que fica bem nas fotografias. A fotografia, embora crie a belezaacaba, ao longo de geraes de fotgrafos, por a desgastar. Por exemplo, algumasmaravilhas da natureza tm estado exaustivamente entregues incansvel ateno deentusisticos amadores fotogrficos. Um pr do Sol banal para quem est cansadode ver imagens; hoje em dia, lamentavelmente, parece-se demasiado com umafotografia.

    H pessoas que ficam ansiosas quando vo ser fotografadas: no porque receiem,como os primitivos, ser violadas, mas porque temem a desaprovao da cmara.Pretendem uma imagem idealizada: uma fotografia de si mesmas com melhor aspectopossvel. Sentem-se rejeitadas quando a cmara lhes no devolve uma imagem que asfaa parecer mais atraentes do que na realidade so. Mas poucas pessoas tm afelicidade de serem fotognicas, ou seja, de ficarem melhor nas fotografias (mesmosem maquilhagem ou iluminao favorveis) do que realmente so. O facto de as

    NDICE GERAL: Introduo (p.11) Na Caverna de Plato (p.13-32) A Amrica Vista Atravs de Fotografias, Sombriamente Objectos Melanclicos (p.53-80) O Herosmo da Viso (p.81-104) Os Evangelhos Fotogrficos O Mundo das Imagens (p.135-158) Breve Antologia de Citaes (Homenagem A W . B.) (p.159-178)

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    fotografias serem frequentemente elogiadas pela sua franqueza e honestidade mostraque, na sua maior parte, no so, obviamente, inocentes. Dez anos depois de oprocesso negativo-positivo de Fox Talbot ter comeado a substituir o daguerretipo (oprimeiro processo fotogrfico exequvel), em meados dos anos 40 do sculo passado,um fotgrafo alemo inventou a primeira tcnica para retocar o negativo. As suas duasverses do mesmo retrato sendo um deles retocado provocaram o espanto demultides na Exposio Universal de Paris em 1855 (a segunda feira mundial e aprimeira a apresentar .uma exposio de fotografias). O conhecimento de que acmara podia mentir tornou o retrato muito mais popular.

    As consequncias dessa mentira foram necessariamente muito mais importantespara a fotografia do que para a pintura, pois as fotografias, imagens planas enormalmente rectangulares, reivindicam uma veracidade a que a pintura no pode teracesso. Uma pintura falsificada (cuja atribuio falsa), falsifica a histria da arte.Uma fotografia falsificada (que foi retocada ou adulterada, ou que tem uma legendafalsa), falsifica a realidade. A histria da fotografia podia ser revista como a luta entredois imperativos diferenciados: o embelezamento, que tem origem nas .belas-artes, e averacidade, que no s corresponde a uma noo de verdade margem dos valores,que uma herana das cincias, como tambm, um ideal moralizante da veracidade,adaptado dos modelos literrios do sculo XIX e da (ento) nova profisso dojornalismo independente. O fotgrafo, tal como o romancista pr-romntico e oreprter, devia desmascarar a hipocrisia e combater a ignorncia. Era uma tarefa quea pintura, um processo demasiado lento e incmodo, no podia assumir, apesar dogrande nmero de pintores do sculo XIX que compartilhou a crena de Millet de quele beau c'est le vrai. Observadores atentos consideraram que havia uma certadesnudez na verdade que a fotografia transmitia, ainda que o fotgrafo no tivesse ainteno de andar espreita. Em The House of the Seven Gables (1851), Hawthorne1)faz Holgrave, o jovem fotgrafo, observar, a propsito do retrato daguerreotpico, queenquanto ns o utilizamos para reproduzir apenas a simples superfcie, ele,realmente, revela o carcter secreto, com uma verdade a que nenhum pintor seatreveria, mesmo que o tivesse aprendido.

    Os fotgrafos, libertos da necessidade de tomarem decises difceis (como sucediacom os pintores) sobre as imagens que valia a pena contemplar, graas rapidez comque as cmaras tudo registavam, fizeram da viso uma nova espcie de projecto:como se a prpria viso, prosseguida com suficiente avidez e sinceridade, fosse capazde reconciliar as exigncias da verdade com a necessidade de achar o mundo belo.Tendo comeado por ser admirada pela sua capacidade de representar a realidadecom fidelidade, e tambm desprezada pela sua grosseira exactido, a cmara acaboupor fazer uma tremenda promoo do valor das aparncias. Das aparncias tal como a

    Traduo portuguesa: A Casa das Sete Empenas, Portuglia Editora, Lisboa, 1967. A traduo, que a1)seguir utilizamos, de Francisco Bugalho. (N do T)

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    cmara as regista. As fotografias no se limitam a representar a realidade de um modorealstico. A realidade que examinada e avaliada segundo a sua fidelidade sfotografias. Na minha opinio, afirmou Zola, o maior idelogo do realismo literrio,em 1901, aps quinze anos de prtica amadora da fotografia, no se pode dizer querealmente se viu alguma coisa antes de a ter fotografado. Em vez de se limitar aregistar a realidade, as fotografias tornaram-se na norma para o modo como as coisasnos aparecem, transformando assim as prprias noes de realidade e de realismo.

    Os primeiros fotgrafos falavam como se a cmara fosse uma mquina copiadora;como se, apesar de serem manipuladas por pessoas, fossem as cmaras que vissem.A inveno da fotografia foi acolhida como um meio para aliviar a sobrecarga dasempre crescente acumulao de informaes e impresses sensoriais. Fox Talbot, noseu livro de fotografias The Pencil of Nature (1844-1846) refere que a ideia dafotografia lhe surgiu em 1833, numa viagem a Itlia, viagem que se tinha tornadoobrigatria em Inglaterra para os herdeiros ricos, quando fazia alguns esboos dapaisagem no Lago Como. Ao desenhar com a ajuda da cmara escura, um dispositivoque projectava a imagem sem a fixar, foi levado a reflectir, diz ele, sobre a inimitvelbeleza dos quadros que a natureza pinta e que a lente da cmara faz incidir no papele a perguntar-se se seria possvel que estas imagens naturais pudessem serimpressas de um modo duradouro. A cmara insinuou-se a Fox Talbot como um novomodo de registo cujo encanto derivava precisamente da sua impessoalidade, poisregistava uma imagem natural, ou seja, uma imagem que se formava pela acoexclusiva da luz, sem qualquer auxlio do lpis do artista.

    O fotgrafo era considerado um observador arguto mas imparcial: um escritor e noum poeta. Mas, como rapidamente se descobriu que ningum tira a mesma fotografiada mesma coisa, a suposio de que as cmaras proporcionavam uma ima- gemimpessoal e objectiva deu lugar verificao de que as fotografias so uma evidncia,no s do que ali est mas do que algum v, no s um registo mas uma avaliaodo mundo .2)

    Tornou-se claro que no havia apenas uma actividade simples e unitria chamadaviso (registada e suportada pela cmara), mas tambm a viso fotogrfica, que era

    A reduo da fotografia a uma viso impessoal continuou, como evidente, a ter os seus defensores.2)Entre os surrealistas pensava-se que a fotografia era libertadora ao ponto de transcender a meraexpresso pessoal: Breton inicia o seu ensaio sobre Max Ernst, em 1920, chamado prtica da escritaautomtica uma verdadeira fotografia do pensamento, e considerando a cmara um instrumentocego cuja superioridade na imitao das aparncias tinha desferido um golpe mortal nos velhosmodos de expresso, tanto na pintura como na poesia. No campo esttico oposto, os tericos daBauhaus adoptaram um ponto de vista no muito diferente, tratando a fotografia como um ramo dodesign, ao mesmo ttulo que a arquitectura: criativa mas impessoal, liberta de vaidades como asuperfcie pictrica e o toque pessoal. No livro publicado em ingls com o ttulo Painting, Photography,Film (1925), Moholy-Nagy elogia a cmara por impor a higiene do ptico, que vir eventualmente aabolir o padro de associao pictrica e imaginativa [...] que foi gravado na nossa viso pelos grandespintores.

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    simultaneamente uma nova maneira das pessoas verem e uma nova forma deactividade.

    Em 1841, j um francs com uma cmara daguerreotpica cruzava o Pacfico, omesmo ano em que se publicou em Paris o primeiro volume de Excursionsdaguerriennes: Vues et monuments les plus remarquables du globe. A dcada que seiniciou em 1850 foi o perodo forte do orientalismo fotogrfico. Maxime du Camp, aopercorrer com Flaubert o Mdio Oriente entre 1849 e 1851, centrou a sua actividadefotogrfica em atraces do tipo do Colosso de Abu Simbel e do Templo de Baalbek, eno na vida quotidiana dos fels. Porm, rapidamente os viajantes com as suascmaras assimilaram um leque de assuntos mais vasto do que os lugares famosos eas obras de arte. A viso fotogrfica significava uma aptido para descobrir beleza noque toda a gente v mas menospreza por demasiado vulgar. Supunha-se que osfotgrafos no se deviam limitar a ver o mundo tal como ele , incluindo as suas jaclamadas maravilhas; deviam criar interesse, atravs de novas decises visuais.

    Desde a inveno das cmaras que h um herosmo peculiar que se espalha pelomundo: o herosmo da viso. A fotografia inaugurou um novo modelo de actividadeindependente que permite a cada pessoa exibir uma determinada sensibilidade, nicae vida. Os fotgrafos partiram para os seus safaris culturais, sociais e cientficos procura de imagens surpreendentes. Iriam apresar o mundo, por maior que fosse apacincia e desconforto exigidos por essa modalidade de viso activa, avaliativa,aquisitiva, gratuita. Afred Stieglitz relata orgulhosamente que aguentou trs horasdurante uma tempestade de neve, em 22 de Fevereiro de 1893, espera domomento exacto para tirar a sua clebre fotografia Fifth Avenue, Winter, omomento exacto aquele em que se podem ver as coisas (especialmente as que todaa gente j viu) de uma maneira nova. Para a imaginao popular, essa buscatransformou-se na imagem de marca do fotgrafo. Nos anos 20, o fotgrafo tinha-setornado um heri moderno, tal como o aviador e o antroplogo, sem ternecessariamente de deixar a sua terra. Os leitores da imprensa popular eramconvidados a juntarem-se ao nosso fotgrafo numa viagem de descoberta,visitando novos domnios como o mundo visto de cima, o mundo visto atravs dalente ampliadora, as belezas do quotidiano, o universo invisvel, o milagre daluz, a beleza das mquinas, a imagem que pode ser encontrada nas ruas.

    A apoteose da vida quotidiana e o gnero de beleza que s as cmaras revelam um ngulo da realidade material que o olhar no pode ver ou no pode normalmenteisolar, ou uma panormica tirada, por exemplo, a partir de um avio so asprincipais metas da campanha do fotgrafo. Por momentos, o grande plano pareceuser o mtodo visual mais original da fotografia. Os fotgrafos verificaram que, quantomais de perto captavam a realidade, mais magnficas eram as formas que surgiam.Nos princpios da dcada de 40 do sculo passado, o verstil e engenhoso Fox Talbotno se limitou a compor fotografias a partir dos gneros da pintura retrato, cenasdomsticas, paisagens urbanas, paisagens rurais, naturezas mortas , mas utilizou

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    tambm a sua cmara para fotografar uma concha, as asas de uma borboleta(ampliadas com a ajuda de um microscpio solar), duas prateleiras de livros do seuescritrio. Mas essas imagens so ainda reconhecveis como umas concha, asas deborboleta e livros. Quando a viso vulgar foi ainda mais desrespeitada e o objecto,isolado dos seus contextos, se tornou abstracto, surgiram novas convenes sobre abeleza. O belo passou a ser justamente aquilo que os olhos no vem ou no podemver: essa viso fragmentada, desorganizada que s. a cmara proporciona.

    Paul Strand, em 1915, tirou uma fotografia que intitulou Abstract Patterns Made byBowls. Em 1917 passou a dedicar-se a fotografar grandes planos de mquinas e,durante os anos 20, fez estudos de natureza ainda em grandes planos. O novoprocesso, que teve o seu apogeu entre 1920 e 1935, parecia prometer ilimitadosdeleites visuais. Permitia resultados igualmente espantosos com objectos familiares,com nus (um tema que os pintores aparentemente tinham esgotado por completo), oucom as minsculas cosmologias da natureza. A fotografia parecia ter encontrado o seupapel grandioso como elo de ligao entre a arte e a cincia, e os pintores eramaconselhados a aprender com a beleza das microfotografias e vistas reas deMoholy-Nagy no livro Von Material zur Architektur, publicado pela Bauhaus em 1928 etraduzido para ingls com o ttulo The New Vision . Foi nesse mesmo ano que se ditou3)um dos primeiros best-sellers fotogrficos, um livro de Albert Renger-Patzsch, Die Weltist Schon , que inclua cem fotografias, na maioria grandes planos, em que os temas4)iam desde uma folha de colocsia at s mos de um ceramista. A pintura nunca setinha comprometido to despudoradamente a provar que o mundo era belo.

    O olhar abstractizante, representado com particular brilho no perodo entre as duasguerras por alguns dos trabalhos de Strand, Edward Weston e Minor White, parece ster sido possvel depois das descobertas dos escultores e pintores modernistas. Strande Weston, que reconheceram a semelhana entre o seu modo de ver e o de Kandinskie Brancusi, podem ter sido atrados pelas arestas duras do estilo cubista comoreaco suavidade das imagens de Stieglitz. Mas tambm verdade que a influnciafoi mtua. Em 1909, na revista Camera Work, Stieglitz assinala a inegvel influnciada fotografia na pintura, embora refira apenas os impressionistas, cujo estilo dedefinio imprecisa o inspirou . E Moholy-Nagy em A Nova Viso assinala5)

    Traduo portuguesa: A Nova Viso. (N do T)3)

    Traduo portuguesa: O Mundo Belo. (N do T.)4)

    A larga influncia que a fotografia exerceu sobre os impressionistas um lugar comum da histria da5)arte. Na verdade, no exagero dizer, como faz Stieglitz, que os pintores impressionistas aderem aum estilo de composio estritamente fotogrfico. O modo como a cmara traduz a realidade emzonas altamente polarizadas de luz e sombra, o corte livre ou arbitrrio da imagem nas fotografias, odesinteresse dos fotgrafos por tornarem os espaos, particularmente o fundo, inteligveis, foram asprincipais fontes de inspirao para o confessado interesse cientfico dos pintores impressionistas pelaspropriedades da luz, para as suas experincias com perspectivas planas, ngulos inslitos e formas

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    apropriadamente que a tcnica e o esprito da fotografia influenciaram, directa ouindirectamente, o cubismo. No entanto, apesar de, a partir da dcada de 40 do sculopassado, os pintores e os fotgrafos se terem influenciado e saqueadoreciprocamente, os seus procedimentos so fundamentalmente opostos. O pintorconstri, o fotgrafo revela. Ou seja, a identificao do tema de uma fotografia dominasempre a nossa percepo, o que no acontece, necessariamente, na pintura. O temada Cabbage Leaf , de Weston, uma fotografia de 1931, parece uma cascata de6)tecido drapeado; necessrio um ttulo para a identificar. Assim, a imagem provocaum duplo efeito. A forma agradvel e (surpresa!) a forma de uma folha de couve.Se fosse tecido drapeado no seria to bela. J conhecemos essa forma de belezaatravs das belas-artes. Por isso as qualidades formais do estilo questo central dapintura so, quando muito, de importncia secundria na fotografia, enquanto o que fotografado sempre de primordial importncia. O pressuposto subjacente a todasas utilizaes da fotografia, pressuposto segundo o qual cada fotografia umfragmento do mundo, significa que no sabemos como reagir quando a imagem visualmente ambgua, ou seja, vista de muito perto ou de muito longe, at sabermosqual esse fragmento do mundo. Aquilo que parece um vulgar diadema a famosafotografia de 1936 de Harold Edgerton torna-se muito mais interessante quandodescobrimos que se trata de leite derramado.

    A fotografia vulgarmente considerada como um instrumento que permite conheceras coisas. Quando Thoreau declarou que no se pode dizer mais do que o que sev, tomou como certo que a viso tinha, entre os sentidos, um lugar privilegiado. Masquando, algumas geraes mais tarde, Paul Strand cita mxima de Thoreau paraexaltar a fotografia, atribui-lhe um significado diferente. As cmaras no tornaramapenas possvel que, pela viso, aumentssemos a nossa percepo (atravs damicrofotografia e da teledeteco). Modificaram a prpria viso, encorajando a ideia daviso pela viso. Thoreau vivia ainda num mundo polissensorial onde, no entanto, aobservao tinha j comeado a adquirir a estatura de um dever moral. Referia-se auma viso no desligada dos outros sentidos e a uma viso em contexto (contexto aque chamava Natureza), ou seja, a uma viso ligada a certos pressupostos sobre oque ele julgava digno de ser visto. Quando Strand cita Thoreau, a sua atitude emrelao ao sensrio outra: o desenvolvimento didctico da percepo, independentede noes sobre o que merece ser percebido, que animou todos os movimentosmodernistas nas artes.

    A verso mais influente desta atitude encontra-se na pintura, a arte que a fotografia

    descentradas que so cerceadas pelos limites da imagem. (Pintam a vida em pedaos, emfragmentos, como observou Stieglitz, em 1909.) Um detalhe histrico: a primeira exposioimpressionista, em Abril de 1874, realizou-se no estdio fotogrfico de Nadar, em Paris, no Boulevarddes Capucines.

    Traduo portuguesa: Folha de couve. (N. do T.)6)

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    invadiu desapiedadamente e plagiou entusiasticamente desde o seu incio, e com aqual coexiste ainda numa febril rivalidade. De acordo com as explicaes habituais, afotografia usurpou aos pintores a tarefa de produzirem imagens que transcrevem comexactido a realidade. Por esse motivo, insiste Weston, os pintores deviam estar-lheprofundamente gratos, encarando essa usurpao, como fizeram muitos fotgrafosantes e depois dele, como uma libertao de facto. A fotografia, assumindo essa tarefade retratar realisticamente, at ai monopolizada pela pintura, libertou-a para a suagrande vocao modernista: a abstraco. Mas o impacto da fotografia na pintura nofoi assim to evidente. De facto, quando a fotografia entrava em cena, a pintura jiniciava por si prpria o seu longo afastamento da representao realista Turnernasceu em 1775 e Fox Talbot em 1800 e o territrio que a fotografia veio ocuparcom to rpido e completo sucesso talvez viesse, de qualquer modo, a ficardespovoado (a instabilidade das obras estritamente representativas na pintura dosculo )(ix claramente demonstrada pelo destino do retrato, que se tornou cada vezmais o retrato da prpria pintura e no das pessoas, e que acabou por deixar deinteressar os pintores mais ambiciosos, com as notveis e recentes excepes deFrancis Bacon e Warhol, que recorreram abundantemente s imagens fotogrficas).

    O outro aspecto importante da relao entre a pintura e a fotografia, geralmenteomitido, o facto de as fronteira do novo territrio conquistado pela fotografia teremimediatamente comeado a expandir-se, j que alguns fotgrafos se recusaram a ficarconfinados aos triunfos ultra-realistas com que os pintores no podiam competir.Assim, dos dois famosos inventores da fotografia, Daguerre nunca concebeu a ideia deultrapassar o nvel de representao dos pintores realistas, enquanto que Fox Talbotimediatamente entendeu as capacidades da cmara para isolar formas normalmenteimperceptveis a olho nu e que a pintura nunca tinha registado. Os fotgrafos foram-segradualmente juntando procura de imagens mais abstractas, alegando escrpulosque fazem lembrar os argumentos dos pintores modernistas quando rejeitavam omimtico como mera representao. E, se quiserem, a vingana da pintura. Apretenso de muitos fotgrafos profissionais em no se limitarem a registar a realidade o ndice mais claro da imensa influncia que, por sua vez, a pintura exerceu sobre afotografia. Mas, ainda que muitos fotgrafos tenham acabado por partilhar certasatitudes sobre o valor inerente da percepo pela percepo e a (relativa) irrelevnciado tema, anlogas s que dominaram a pintura de vanguarda durante mais de umsculo, as suas aplicaes dessas atitudes no podem imitar as da pintura. Comefeito, ao contrrio do que se passa com a pintura, essa incapacidade de transcendercompletamente o seu tema faz parte da natureza da fotografia. E uma fotografiatambm nunca pode transcender o visual em si, o que, de alguma forma, o objectivoltimo da pintura modernista.

    A verso da atitude modernista mais relevante para a fotografia no se encontra napintura, nem como era na altura (na poca da sua conquista ou libertao pelafotografia) e muito menos agora. Excepto no que se refere a fenmenos to marginaiscomo o hiper-realismo, um revivalismo do foto-realismo que no se contentou com a

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    mera imitao das fotografias mas que pretendeu mostrar que a pintura pode atingiruma ainda maior iluso de verosimilhana, a pintura ainda em grande partedominada pela suspeita daquilo a que Duchamp chamou o meramente retiniano. Oethos da fotografia ensinar-nos a viso intensiva (parafraseando Moholy-Nagy) parece mais prximo da poesia moderna do que da pintura. Enquanto a pintura sefoi tornando cada vez mais conceptual, a poesia (desde Apollinaire, Eliot, Pound eWilliam Carlos Williams) foi-se progressivamente definido pelo seu interesse pelovisual (a verdade s existe nas coisas, como afirmou Williams). O compromisso dapoesia com o concreto e com a autonomia da linguagem paralelo ao compromisso dafotografia com a viso pura. Ambos implicam descontinuidade, formas desarticuladas eunidades compensatrias: arrancar as coisas ao seu contexto (para que possam servistas de um modo novo), reuni-las elipticamente de acordo com as exignciasimperiosas e por vezes arbitrrias da subjectividade.

    Embora a maior parte das pessoas que tiram fotografias se limitem a repetir asnoes de beleza aceites, os profissionais com ambies geralmente pensam queesto a desafi-las. De acordo com hericos modernistas como Weston, a aventurados fotgrafos elitista, proftica, subversiva e reveladora. Os fotgrafos proclamaramque estavam a realizar a tarefa blakeana de purificao dos sentidos, revelando spessoas o mundo vivo que as rodeia, como Weston descreveu o seu prprio trabalho,mostrando-lhe o que os seus prprios olhos eram incapazes de ver.

    Embora Weston (tal como Strand) tambm tivesse expresso a sua indiferenaperante a questo de a fotografia ser ou no. uma arte, as suas exigncias continhamainda todos os pressupostos romnticos sobre o fotgrafo como artista. Pela segundadcada do sculo, alguns fotgrafos tinham-se apropriado confiadamente da retricade uma arte de vanguarda: armados com as suas cmaras, travam uma rude batalhacontra as sensibilidades conformistas, preocupados em concretizar os apelos dePound Renovao. A fotografia, e no a pintura suave e sem determinao, dizWeston com um desdm viril, est mais bem equipada para penetrar no esprito dehoje. Entre 1930 e 1932, os dirios de Weston, ou Daybooks, esto cheios deefusivas premonies de eminentes modificaes e de declaraes sobre aimportncia da terapia de choque visual que os fotgrafos vinham a administrar. Osvelhos ideais esto em derrocada, e a viso precisa e descomprometida da cmara ,e ser cada vez mais, uma fora mundial na reavaliao da vida.

    Muitos dos temas da noo westoniana do combate do fotgrafo tm a ver com ovitalismo herico dos anos 20 que D. H. Lawrence popularizou: afirmao da vidasensual, crtica hipocrisia sexual burguesa, defesa do egotismo ao servio davocao espiritual de cada um, apelos viris unio com a natureza. (Weston chama fotografia um modo de autodesenvolvimento, um meio para cada um se descobrir eidentificar com todas as manifestaes de formas bsicas: com a natureza, a fonte.)Mas, enquanto Lawrence queria restaurar a totalidade da apreciao sensorial, ofotgrafo mesmo quando as suas paixes tanto fazem lembrar as de Lawrence

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    insiste necessariamente na preeminncia de um dos sentidos: a vista. E, ao contrriodo que afirma Weston, o hbito da viso fotogrfica olhar para a realidade como umconjunto de potenciais fotografias afasta-nos da natureza em vez de nos unir a ela.

    A viso fotogrfica, quando se examinam as suas pretenses, consiste antes demais na prtica de uma espcie de viso dissociativa, um hbito subjectivo reforadopelas discrepncias objectivas entre o modo como a cmara e o olho humano focam eavaliam a perspectiva. Estas discrepncias foram muito notadas pelo pblico nosprimeiros dias da fotografia. A partir do momento em que comearam a pensarfotograficamente, as pessoas deixaram de se referir distoro fotogrfica, comoento era designada. (Agora, como assinalou William Ivins Jr., procura-se essadistoro.) Assim, um dos sucessos perenes da fotografia foi a sua estratgia detransformar os seres vivos em coisas e coisas em seres vivos. Os pimentos queWeston fotografou em 1929 e 1930 tm uma voluptuosidade que rara nos seus nusfemininos. Tanto os nus como os pimentos so fotografados pelo jogo das formas, maso corpo caracteristicamente mostrado dobrado sobre si mesmo, com as extremidadesrecolhidas, com a carne to opaca quanto o permitem o foco e a iluminao normal,reduzindo assim a sua sensualidade e enfatizando a abstraco das formas do corpo;o pimento visto em grande plano mas na sua totalidade, com a pele brilhante eoleada, e o resultado a descoberta da sugestividade ertica numa formapretensamente neutra, uma exaltao da sua aparente palpabilidade.

    Foi a beleza de formas na fotografia industrial e cientfica que deslumbrou osdesigners da Bauhaus e, na verdade, a cmara registou poucas imagens de maiorinteresse formal do que as tiradas por metalrgicos e cristalgrafos. Mas a atitude daBauhaus em relao fotografia no prevaleceu. Ningum hoje considera que amicrofotografia cientfica tipifique a beleza que as fotografias podem revelar. Naprincipal tradio do belo em fotografia, a beleza requer a marca de uma decisohumana: que isto dava uma boa fotografia e que essa boa fotografia sirva decomentrio. Acabou por ser mais importante revelar a forma elegante de uma sanita,tema de uma srie de fotografias que Weston tirou, em 1925, no Mxico, do que amagnitude potica de um floco de neve ou de um fssil vegetal.

    Para Weston, a prpria beleza era subversiva, o que parecia ser confirmado peloescndalo provocado pelos seus ambiciosos nus. (De facto, foi Weston seguido porAndr Kertsz e Bill Brandt quem tornou respeitvel a fotografia de nus.) Agora osfotgrafos esto mais predispostos a dar nfase humanidade simples das suasrevelaes. Embora tenham continuado a procurar a beleza, j no pensam que afotografia propicia, a sob a gide da beleza, uma ruptura psquica. Os modernistasambiciosos, como Weston e Cartier-Bresson, que entendem a fotografia como ummodo genuinamente novo de ver (preciso, inteligente e mesmo cientfico), foramdesafiados por fotgrafos de uma gerao posterior, como Robert Frank, que noquerem uma cmara penetrante democrtica, e que no proclamam que esto a lanaros critrios de uma nova viso. A afirmao de Weston que a fotografia permitiu aos

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 10/17

    cegos uma nova viso do mundo, parece tpica das esperanas eufricas de todas asartes do modernismo durante o primeiro tero do sculo, esperanas a que j serenunciou. Embora a cmara tenha provocado uma revoluo psquica, no o fezprecisamente no sentido positivo e romntico que Weston preconizava.

    A fotografia, medida que arranca os antolhos da viso habitual, cria outros hbitosde viso: simultaneamente intensa e fria, solicita e desprendida, atrada pelo detalheinsignificante e viciada pela incongruncia. Mas a viso fotogrfica tem de serconstantemente renovada por novos choques, quer nos seus temas, quer nas suastcnicas, para dar a impresso de infringir a viso habitual.

    Porque a viso, posta em causa pelas revelaes dos fotgrafos, tende aadequar-se s fotografias. As vises vanguardistas de Strand nos anos 20 e deWeston no final dos anos 20 e comeo dos anos 30, foram rapidamente assimiladas.Os seus primeiros planos rigorosos de plantas, conchas, folhas, rvores carcomidaspelo tempo, algas, madeira deriva, rochas corrodas, asas de pelicano, razesrugosas dos ciprestes, mos rugosas de trabalhadores tornaram-se clichs de umaforma de viso meramente fotogrfica. Aquilo que antes s podia ser visto por olhosinteligentes pode agora ser visto por todos. Instruda pelas fotografias, qualquerpessoa capaz de visualizar esse conceito que era puramente literrio, a geografia docorpo: por exemplo, fotografando uma mulher grvida de modo a que parea ummonte, ou um monte de forma a parecer uma mulher grvida.

    Uma maior familiaridade no explica completamente porque que certasconvenes de beleza vo desaparecendo enquanto outras permanecem. O desgasteno s moral, tambm perceptivo. Strand e Weston dificilmente podiam imaginarat que ponto estas noes de beleza se iriam banalizar, o que no entanto pareciainevitvel quando se insistia como faz Weston num ideal de beleza to malevelcomo a perfeio. Enquanto que o pintor, segundo Weston, sempre procurouaperfeioar a natureza impondo-se a si mesmo, o fotgrafo demonstrou que anatureza oferece um nmero infinito de `composies perfeitas', e ordem por toda aparte. Por detrs da beligerante atitude de purismo esttico dos modernistas sub- jazuma aceitao do mundo surpreendentemente generosa. Para Weston, que passou amaior parte da sua vida de fotgrafo na Costa da Califrnia, em Carmel, a Walden dosanos 20, era relativamente fcil encontrar beleza e ordem, enquanto que para AaronSiskind, um fotgrafo nova-iorquino da gerao posterior a Strand, que comeou a suacarreira tirando fotografias de arquitectura e fotografias convencionais da gente dacidade, o problema criar ordem Quando fao uma fotografia, escreve Siskind,quero que seja um objecto novo, completo e auto-suficiente, cuja condio bsica aordem. Para Cartier-Bresson, tirar fotografias encontrar a estrutura do mundo,deleitar-se com o prazer puro da forma, revelar que em todo este caos, h ordem.(Talvez seja impossvel falar da perfeio do mundo sem parecer melfluo.) Mas arevelao da perfeio do mundo implicava uma noo de beleza demasiadosentimental, demasiado histrica para poder servir de alicerce fotografia. Parece

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 11/17

    inevitvel que Weston, muito mais comprometido que Strand com a abstraco, com aexplorao de formas, acabasse por produzir uma obra mais limitada. Assim, Westonnunca se sentiu motivado por uma fotografia de conscincia social e, com excepo doperodo entre 1923 e 1927 em que esteve no Mxico, evitava as cidades. Strand, talcomo Cartier-Bresson, foi atrado pela pitoresca desolao e deteriorao da vidaurbana. Mas, ainda que distantes da natureza, tanto Strand como Cartier-Bresson(poderamos tambm mencionar Walker Evans) fotografam ainda com o mesmo olharminucioso que descobre ordem em toda a parte.

    A perspectiva de Stieglitz, Strand e Weston, para quem as fotografias deveriam ser,antes de mais, belas (ou seja, ter uma bela composio), parece agora limitada,demasiado obtusa perante a verdade da desordem; assim como o optimismo cientficoe tecnolgico que est na base da perspectiva da Bauhaus sobre a fotografia parecequase pernicioso. As imagens de Weston, por mais admirveis, por mais belas quesejam, perderam interesse, enquanto as dos primitivos fotgrafos ingleses e francesesde meados do sculo XIX e as de Atget, por exemplo, so cada vez mais cativantes. Aopinio de Weston sobre Atget, referida em Daybooks, que ele considerava no serum bom tcnico, reflecte perfeitamente a coerncia da sua perspectiva e o seuafastamento do gosto contemporneo. O halo causou bastante destruio e acorreco cromtica no boa, observa Weston, o seu instinto para os temas eraapurado, mas o seu registo deficiente, a sua construo indesculpvel [...] dada afrequncia com que sentimos que lhe escapou o mais importante. O gostocontemporneo condena Weston, com a sua devoo impresso perfeita, muito maisdo que Atget e outros mestres da tradio popular da fotografia. A imperfeio tcnicaveio a ser apreciada precisamente por quebrar essa tranquila equao entre Naturezae Beleza. A natureza veio a tornar-se antes um motivo de nostalgia e indignao emvez de um objecto de contemplao, como comprova a diferena de gostos que separaas majestosas paisagens de Ansel Adams (o discpulo mais conhecido de Weston) e oltimo conjunto importante de fotografias na tradio Bauhaus, The Anatomy of Nature(1965), de Andreas Feininger, do actual imaginrio fotogrfico da natureza profanada.

    Assim como estes ideais formalistas de beleza parecem, retrospectivamente,ligados a um determinado clima histrico, o optimismo da idade moderna (a novaviso, a nova era), tambm o declnio dos padres de pureza fotogrficarepresentados por Weston e pela escola da Bauhaus acompanhou a desiluso moraldas ltimas dcadas. No presente clima histrico de desencanto, a noo formalista debeleza intemporal cada vez menos convincente. Por maior importncia foramadquirindo modelos de beleza mais sombrios, marcados pelo tempo, inspirando umareavaliao da fotografia do passado; e, numa aparente revolta contra o Belo, asrecentes geraes de fotgrafos preferem mostrar a desordem, insinuar uma anedotafrequentemente inquietante, do que isolar uma forma simplificada (a expresso deWeston) que, em ltima instncia, tranquilizadora. Mas, apesar dos objectivosmanifestos de uma fotografia indiscreta, improvisada e muitas vezes cruel, em revelara verdade e no a beleza, a fotografia ainda embeleza. De facto, o triunfo mais

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 12/17

    duradouro da fotografia tem sido a sua capacidade para descobrir beleza no humilde,no inepto, no decrpito. Na pior das hipteses o real tem um pathos. Esse pathos beleza. (A beleza dos pobres, por exemplo.)

    A clebre fotografia de Weston de um dos seus adorados filhos, Torso of Neil, de1925, parece bela pela desarmonia de formas do modelo, pela sua composioaudaciosa e iluminao subtil: uma beleza que resulta do talento e do gosto. Asfotografias de Jacob Riis tiradas entre 1887 e 1890, com a crueza da iluminao doflash, parecem belas por causa da fora do tema, os habitantes dos bairros pobres deNova Iorque, sujos, difusos e de idade incerta, e pela exactido do seu enquadramentoerrado e violentos contrastes produzidos pela ausncia de controle dos valorestonais uma beleza que resulta ou do amadorismo ou da inadvertncia. A avaliaodas fotografias oscila sempre entre estes duplos padres estticos. Inicialmenteavaliada pelas normas da pintura, que pressupe uma inteno deliberada e aeliminao do suprfluo, a viso fotogrfica, nas suas diferentes possibilidades, foi atmuito recentemente equiparada ao trabalho de um nmero relativamente pequeno defotgrafos que, atravs da reflexo e do esforo, conseguiram transcender a naturezamecnica da cmara para alcanarem os padres da arte. Mas hoje claro que noexiste um conflito inerente entre o uso mecnico ou ingnuo da cmara e um elevadograu de beleza formal, nem nenhum gnero de fotografias em que essa beleza nopossa surgir: um instantneo despretensioso e funcional pode ser visualmente tointeressante, eloquente e belo como as mais famosas fotografias artsticas. Estademocratizao dos padres formais a contrapartida lgica da democratizao danoo de beleza imposta pela fotografia. As fotografias revelaram que a beleza,tradicionalmente associada a modelos exemplares (a arte figurativa da Grcia clssicas mostrava a juventude, o corpo em toda a sua perfeio), existia em toda a parte. Domesmo modo que as pessoas que se embelezam para a cmara, tudo o que menosatraente e desagradvel tambm tem direito sua parte de beleza.

    Para os fotgrafos no existe, em ltima instncia, nenhuma diferena, nenhumbenefcio esttico significativo, entre o esforo de embelezar o mundo e o esforocontrrio de lhe arrancar a mscara. At os fotgrafos que se recusavam a retocar osseus retratos um ponto de honra para os retratistas com ambies que se seguirama Nadar tinham tendncia para proteger o modelo do olhar indiscreto da cmara. Eum dos esforos mais caractersticos dos retratistas predispostos, por razesprofissionais, a defenderem os rastos famosos (como o de Garbo), realmente ideais, a procura de rostos reais, geralmente encontrados entre a gente annima, entre ospobres, os indefesos, os idosos, os loucos, pessoas indiferentes (ou impotentes)perante as agresses da cmara. Entre os primeiros resultados dessa busca, realizadaatravs de grandes planos, contam-se dois retratos de Strand de vitimados urbanos,Blind Woman e Men, obtidos em 1916. Nos piores anos da depresso alem,Helman Lerski fez um compndio completo de rostos angustiados, publicado com o

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 13/17

    ttulo Kopfe des Alltags , em 1931. Os modelos pagos para o que Lerski chamou os7)seus estudos objectivos de carcter com a crueza das suas revelaes de poros,rugas e deformaes de pele muito ampliadas eram criadas sem trabalhocontratadas em agncias de emprego, mendigos, varredores de rua, vendedorese-lavadeiras.

    A cmara pode ser indulgente; mas tambm perita em ser cruel. A sua crueldade,em tudo mais no faz do que produzir outra espcie de beleza, conforme com aspreferncias surrealistas que orientam o gosto fotogrfico. Por isso, apesar dafotografia de moda se basear no facto de uma coisa poder ser mais bela numafotografia do que na vida real, no surpreende que alguns fotgrafos de moda tambmse sintam atrados pelo no fotognico. H uma complementariedade perfeita entre asaduladoras fotografias de moda de Avedon e o trabalho em que ele se apresenta comoO Que Se Recusa a Adular, por exemplo, os retratos elegantes e impiedosos quetirou em 1972 ao seu pai moribundo. A funo tradicional do retrato em pintura,embelezar ou idealizar o modelo, continua a ser o objectivo da fotografia comercial oude amadores, mas teve uma carreira muito mais limitada na fotografia consideradacomo arte. Em termos gerais pode dizer-se que as honras ficaram para as Cordlias.

    Como veculo de uma certa reaco contra a beleza convencional, a fotografiaserviu para alargar em muito a noo do esteticamente agradvel. Por vezes, estareaco fez-se em nome da verdade. Por vezes, em nome da sofisticao ou dementiras ainda mais atraentes: assim, a fotografia de moda tem vindo a desenvolver,ao longo de uma dcada, um repertrio de gestos paroxsticos que mostra aindesmentvel influncia do surrealismo. (A beleza ser convulsiva ou no ser,escreveu Breton.) Mesmo o fotojornalismo mais compassivo sofre presses parasatisfazer simultaneamente duas ordens de expectativas, as que provm da nossamaneira largamente surrealista de olhar para todas as fotografias, e as que sooriginadas pela nossa crena de que algumas fotografias do uma informao real eimportante sobre o mundo. As fotografias de W. Eugene Smith do final dos anos 60 naaldeia piscatria de Minamata, no Japo, onde a maioria dos habitantes so aleijadose morrem lentamente de envenenamento pelo mercrio, comovem-nos porquedocumentam um sofrimento que provoca a nossa indignao, mas tambm criamdistncia porque so magnficas fotografias da Agonia, conformes com as normassurrealistas de beleza. A fotografia de Smith em que uma jovem moribunda se contorceno colo da sua me uma Piet do mundo das vtimas da peste que Artaud invocacomo o verdadeiro tema da dramaturgia moderna; de facto, todas as fotografias dessasrie so imagens possveis do Teatro da Crueldade, de Artaud.

    Como cada fotografia apenas um fragmento, o seu peso moral e emocionaldepende do conjunto em que se insere. Uma fotografia muda em funo do contextoem que vista: por isso, as fotografias de Smith sobre Minamata parecero diferentes

    Traduo portuguesa: Rostos de Todos os Dias. (N. do T)7)

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 14/17

    numa prova de contacto, numa galeria, numa demonstrao poltica, num arquivopolicial, numa revista de fotografia, numa revista de actualidades, num livro, numaparede da sala de estar. Cada uma destas situaes sugere um uso diferente para asfotografias, mas nenhuma pode fixar o seu significado. Ocorre em relao a cadafotografia o que Wittgenstein afirmava sobre as palavras: o significado o uso. E porisso mesmo que a presena e a proliferao de todas as fotografias contribui para aeroso da prpria noo de significado, para estilhaar a verdade em verdadesrelativas, o que hoje aceite sem reservas pela conscincia liberal moderna.

    Os fotgrafos com preocupaes sociais partem do princpio que o seu trabalhopode transmitir uma espcie de significado estvel, pode revelar a verdade. Mas, emparte porque a fotografia sempre um objecto num contexto, este significado estcondenado a desvanecer-se; ou seja, o contexto que molda os usos imediatos dafotografia especialmente os politicos sucedido inevitavelmente por outroscontextos em que esses usos so menos fortes e se tornam progressivamente menosrelevantes. Uma das caractersticas centrais da fotografia esse processo pelo qualos usos originais so modificados e eventualmente suplantados por usossubsequentes, em particular pelo discurso da arte, capaz de absorver qualquerfotografia. E algumas fotografias, como so imagens, remetem-nos tanto para a vidacomo para outras imagens. A fotografia que as autoridades bolivianas veicularam paraa imprensa mundial em Outubro de 1967, onde o cadver de Che Guevara aparecianum estbulo estendido numa padiola em cima de uma cuba de cimento, rodeado porum coronel boliviano, por um agente norte-americano e por vrios jornalistas esoldados, no s resumia as amargas realidades da histria contempornea daAmrica Latina como tinha tambm uma semelhana involuntria com O CristoMorto, de Mantegna, e com A Lio de Anatomia do Professor Tulp, de Rembrandt,como assinalou John Berger. A fora desta fotografia deriva em parte do que tem emcomum, em termos de composio, com essas pinturas. Na verdade, o prprio facto deesta fotografia ser inesquecvel indicia a sua potencial despolitizao, a suatransformao numa imagem intemporal.

    Os melhores textos sobre fotografia so de moralistas marxistas oupseudomarxistas fascinados pela fotografia mas perturbados pelo modo como elainexoravelmente embeleza. Como observou Walter Benjamin em 1934, numa alocuoproferida em Paris no Instituto de Estudos do Fascismo, a cmara

    agora incapaz de fotografar um casebre ou um monte de lixo sem ostransfigurar. Para j no falar numa barragem ou numa fbrica de caboselctricos: perante essas coisas a fotografia s pode dizer: Que bonito [...].Mesmo a pobreza mais abjecta, ao ser tratada de uma maneira actual etecnicamente perfeita, transformada num objecto de fruio.

    Os moralistas que gostam de fotografias tm sempre a esperana que as palavrassalvem as imagens (posio contrria do conservador do museu que, paratransformar em arte o trabalho de um fotojornalista, mostra as fotografias sem as suas

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 15/17

    legendas originais). Assim, Benjamin pensava que a legenda certa debaixo de umaimagem podia resgat-la dos estragos das modas e conferir-lhe um valor de usorevolucionrio. E incitava os escritores a comearem a tirar fotografias, paramostrarem o caminho.

    Os escritores com preocupaes sociais no pegaram nas cmaras mas ou foramfrequentemente solicitados, ou ofereceram-se voluntariamente para esclarecer averdade, de que a fotografia era testemunho: foi o que fez James Agee com os textosque escreveu para acompanhar as fotografias de Walker Evans em Let Us Now PraiseFamous Men, ou John Berger com o seu ensaio sobre a fotografia do cadver de CheGuevara, ensaio que no mais do que uma legenda alargada, que pretendeconsolidar as associaes polticas e o significado moral da fotografia que lhe pareciademasiado agradvel do ponto de vista esttico e demasiado sugestiva do ponto devista iconogrfico. A curta metragem de Godard e Gorin, A Letter to Jane (1972), uma espcie de contralegenda, uma crtica mordaz de uma fotografia de Jane Fondatirada durante uma visita ao Vietname do Norte. (Este filme tambm uma lioexemplar sobre o modo de ler uma fotografia, sobre como decifrar a natureza nadainocente de um enquadramento, do ngulo e focagem de uma fotografia.) A fotografia,que mostra Jane Fonda a ouvir com uma expresso de angstia e compaixo adescrio que um vietnamita annimo ia fazendo das devastaes dobombardeamento americano, ao ser publicada na revista francesa L'Express, adquiriuum significado que de algum modo inverte o que tinha para os Norte-Vietnamitas que aderam a conhecer. Mas mais decisivo ainda do que o modo como o novo contextomodificou a fotografia o modo como o seu valor de uso revolucionrio para osNorte-Vietnamitas foi sabotado pelas legendas de L'Express. Esta fotografia, comoqualquer fotografia, observaram Godard e Gorin, fisicamente muda. Fala atravsdo texto escrito por baixo. De facto, as palavras falam mais alto que as imagens. Aslegendas tendem a sobrepor-se a evidncia do nosso olhar; mas no h legenda quepossa de modo permanente restringir ou fixar o significado de uma imagem.

    O que os moralistas exigem a uma fotografia aquilo que ela nunca poder fazer:falar. A legenda a voz ausente e de que se espera a verdade. Mas mesmo umalegenda absolutamente rigorosa apenas uma interpretao, necessariamentelimitada da fotografia a que se refere. A legenda uma luva que se pe com facilidade.No pode impedir que qualquer argumento ou alegao moral baseado numafotografia (ou conjunto de fotografias) seja minado pela pluralidade de significados quequalquer fotografia supe, ou seja qualificado pela mentalidade aquisitiva implcitasempre que se tiram ou coleccionam fotografias ou ainda pela relao estticaque uma fotografia inevitavelmente prope. Mesmo aquelas fotografias que falamdilaceradamente de um momento histrico especfico tambm nos do uma possevicariante dos seus temas sob a forma de uma certa eternidade: o belo. A fotografia deChe Guevara afinal... bela, tal como era o homem e tal como o so as pessoas deMinamata; ou ainda o mido do judeu fotografado em 1943, com os braos erguidos,aterrorizado e solene, durante uma incurso no gueto de Varsvia, imagem que a

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 16/17

    protagonista muda de Persona, de Bergman, leva para o hospital psiquitrico, comoobjecto de meditao, recordao fotogrfica da essncia da tragdia.

    Numa sociedade de consumo, mesmo as fotografias mais bem intencionadas edevidamente legendadas acabam sempre por revelar beleza. A importncia do temadas fotografias de Lewis Hine, crianas que no virar do sculo eram exploradas nosmoinhos e nas minas americanas, facilmente secundarizada pela sua magnficacomposio e elegncia da perspectiva. As protegidas classes mdias das regies demaior abundncia, onde so tiradas e consumidas a maior parte das fotografias,conhecem os horrores do mundo sobretudo atravs da cmara: as fotografias podemcausar e causam angstia. Mas a tendncia esteticizante da fotografia tal que o meioque comunica a angstia acaba por a neutralizar. As cmaras reduzem. a experinciaa miniaturas, transformam a histria em espectculo. As fotografias embora provoquemsimpatia, tambm a eliminam, tambm afastam as emoes. O realismo da fotografiacria uma confuso sobre o real que (a longo prazo) moralmente analgsica e, almdisso (a curto e a longo prazos) sensorialmente estimulante. Portanto, limpa o nossoolhar. E esta a renovada viso de que tanto se tem falado.

    Sejam quais forem os argumentos morais a favor da fotografia, o seu principal efeito converter o mundo num grande armazm ou museu sem paredes, em que todos ostemas so reduzidos a artigos de consumo, promovidos a objectos de apreciaoesttica. Atravs da cmara as pessoas tornam-se consumidores ou turistas darealidade ou Ralits, como sugere o ttulo da revista de fotografias francesa, umavez que a realidade entendida como plural, fascinante e pronta a ser capturada. Aoaproximar o que extico, ao tornar extico, o que familiar e domstico, asfotografias possibilitam um olhar apreciativo sobre o mundo inteiro. Para os fotgrafosque no esto limitados projeco das suas prprias obsesses, h momentosarrebatadores e temas belos em todo o lado. Os mais heterogneos temas so entoagregados na unidade fictcia da ideologia do humanismo. Assim, de acordo com umcrtico, a grandiosidade das imagens do ltimo perodo da vida de Paul Strand quando passou das brilhantes descobertas do olhar abstractizante para a tarefaturstica de antologiar o mundo consiste em as suas pessoas, sejam osabandonados de Bowery, pons mexicanos, agricultores da Nova Inglaterra, artesosfranceses, pescadores bretes ou das Hbridas, felahins egpcios, o idiota da aldeiaou o grande Picasso, terem todas a mesma qualidade herica: a humanidade. O que esta humanidade? a qualidade que as coisas tm em comum quando so vistascomo fotografias.

    A necessidade de tirar fotografias em princpio indiscriminada, pois a prtica dafotografia identifica-se agora com a ideia de que tudo no mundo pode adquiririnteresse graas cmara. Mas esta qualidade de ser interessante, tal como a demanifestar humanidade, vazia. A captura do mundo pela fotografia, com a suailimitada produo de referncias sobre a realidade, torna as coisas homlogas. Afotografia no menos redutora por ser informativa do que quando revela formas

  • Susan Sontag Ensaios Sobre Fotografia: 4.O Herosmo da Viso 17/17

    belas. Desvendando a curiosidade dos seres humanos e a humanidade das coisas, afotografia transforma a realidade numa taulogia. Quando Cartier-Bresson vai China,mostra-nos que na China h pessoas, e que essas pessoas so chineses.

    As fotografias so muitas vezes invocadas como apoio para a compreenso e paraa tolerncia. No jargo humanista, a vocao mais nobre da fotografia explicar ohomem ao homem. Mas as fotografias no explicam; aceitam. Robert Frank erahonesto quando dizia que para produzir um documento contemporneo autntico, oimpacto visual deveria ser to forte que anulasse qualquer explicao. Se asfotografias so mensagens, a mensagem simultaneamente transparente emisteriosa. Uma fotografia um segredo acerca de um segredo, como observouArbus. Quanto mais diz menos se sabe. Mau grado a iluso de que ver atravs defotografias propicia compreenso, na verdade incita a uma relao aquisitiva com omundo, que alimenta as percepes estticas e favorece o distanciamento emocional.

    A fora de uma fotografia consiste em conservar disponveis instantes que o fluxonormal do tempo imediatamente substitui. Este congelamento do tempo a insolentecomovedora extse de cada fotografia produziu cnones de beleza novos e maisabrangentes. Mas as verdades que podem ser reportadas a um momento isolado, pormais significativas ou decisivas, tm uma relao muito limitada com as exigncias dacompreenso. Contrariamente ao que sugerem os argumentos humanistas a favor dafotografia, a capacidade da cmara para transformar a realidade em beleza deriva dasua relativa insuficincia como meio para veicular a verdade. Se o humanismo setornou a ideologia reinante entre os fotgrafos profissionais com ambies afastando as justificaes formalistas da sua procura de beleza foi por camuflar asconfuses entre verdade e beleza que estas subjacente actividade fotogrfica.

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