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sustentabilidade interesse publico e judicializacao de acoes politicas - o caso de belo

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sustentabilidade interesse publico e judicializacao de acoes politicas - o caso de belo

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  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Conselho Editorial:

    Claudinei Coletti

    Cludio Antonio Soares Levada

    Ivone Silva Barros

    Joo Carlos Jos Martinelli

    Lucia Helena de Andrade Gomes

    Mauro Alves de Arajo

    Paulo Eduardo Vieira de Oliveira

    Simone Zanotello

    Tereza Cristina Nascimento Mazzotini

    Organizao:

    Claudinei Coletti

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos o apoio do Centro Universitrio Padre Anchieta, em nome do

    Presidente Dr. Norbeto Mohor Fornari. Agradecemos ainda, em especial, a Glaucia

    Satsala, pela forma solcita e competente para a publicao desta edio.

    Aos estimados professores e alunos, que coletivamente contriburam com a

    construo da nossa Revista.

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    APRESENTAO

    Apresentamos ao leitor o nmero 19 da Revista do Curso de Direito do Centro

    Universitrio Padre Anchieta.

    Os temas apresentados neste nmero, alm de atuais e relevantes, abordam as

    mais diferentes questes, todas ligadas, de uma forma ou de outra, reflexo do Direito

    como fenmeno jurdico inserido num determinado contexto histrico-social.

    Claudemir Battalini, em seu artigo intitulado A rea de Proteo Ambiental

    (APA) de Jundia, analisa a transformao do territrio do Municpio de Jundia em

    rea de Proteo Ambiental, por meio da Lei Estadual n. 4.095, de 12 de junho de

    1984 (regulamentada pelo Decreto Estadual n 43.284, de 03 de julho de 1998) e a

    necessidade, a partir da, de que o desenvolvimento do Municpio atenda a padres mais

    rigorosos que procurem aliar desenvolvimento com proteo ambiental. Simone

    Zanotello de Oliveira, em Estudos sobre o surgimento do governo eletrnico no

    Brasil, apresenta uma discusso importante sobre a Administrao Pblica no contexto

    do surgimento do governo eletrnico no Brasil, caracterizada pela tentativa de mudana,

    sobretudo a partir da Emenda Constitucional 19/98, do modelo burocrtico de

    administrao para o modelo gerencial, focado no cidado e nos conceitos de eficincia

    e de eficcia. Claudinei Coletti, em Estruturalismo e dialtica marxista: os impasses

    tericos do estruturalismo diante da diacronia e do sujeito histrico, analisa as

    dificuldades tericas do estrutural-marxismo em pensar a diacronia ou seja, a

    transformao social , e reflete sobre o anti-humanismo terico presente no interior

    dessa corrente. A abordagem estruturalista conduz, irremediavelmente, dissoluo do

    sujeito histrico, pois estes no passam de meros fantoches das estruturas dominantes --

    os indivduos vivenciam as determinaes estruturais como bvias, e as praticam o

    tempo todo de forma inconsciente. Neste sentido, para o estrutural-marxismo, o sujeito

    no pode ser considerado responsvel pelas transformaes polticas e sociais. Joo

    Carlos Jos Martinelli, em Televiso e cidadania, reflete sobre o papel

    desempenhado pela TV na sociedade atual, sobre a qualidade de sua programao e

    sobre o seu poder em manipular nossos hbitos e ideias, observando que, se por um lado

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    nosso ordenamento jurdico garante a liberdade de expresso aos veculos de

    comunicao, por outro afirma que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a

    honra e a imagem das pessoas . Como conciliar a vigncia desses dois direitos nos

    casos em que forem conflitantes? -- pergunta-se o autor. Luiz Gustavo Fernandes, no

    artigo Direito penal do inimigo, discorre sobre a proposta de adoo de um direito

    penal destinado exclusivamente quelas pessoas que representam um perigo concreto

    para a sociedade, paralelo ao direito penal tradicional, destinado aos criminosos

    comuns. Mauro Alves Arajo, no artigo O direito de propriedade perante as

    associaes de moradores e o projeto de lei n 2725/2011, analisa a questo da

    (i)legalidade dos loteamentos fechados e a (in)constitucionalidade da cobrana de taxas

    pelas associaes de moradores desses pseudo-condomnios. Tarcsio Germano de

    Lemos Filho e Roberto Epifanio Tomaz, em Sustentabilidade, interesse pblico e

    judicializao de aes polticas: o caso Usina de Belo Monte, analisam o papel do

    interesse pblico na argumentao jurdica sobre polticas pblicas, a partir do

    exemplo das disputas jurdicas em torno da construo da Usina Hidreltrica de Belo

    Monte. Wanderley Todai Jnior, no artigo Estudo sobre o trabalho, desenvolvimento

    e liberdade (notas para uma ontologia da liberdade em Marx II), continua a

    discusso, iniciada em artigo anterior, sobre a relao existente entre a construo

    terica do conhecimento social e a construo da teoria da liberdade presente nos

    trabalhos de Karl Marx. O objetivo no presente texto analisar a relao entre o reino

    da necessidade (entendido como necessidade inicial, imprescindvel e posta como

    determinao da existncia do ser social) e o reino da liberdade (superao da

    necessidade inicial e construo de novas capacidades e possibilidades, para alm das

    necessidades iniciais), movimento denominado por Marx de desenvolvimento

    humano. Marcus Vincius Ribeiro, no artigo Relaes entre os princpios da

    liberdade, igualdade e justia: direito constitucional liberdade e suas restries,

    discorre sobre as relaes ente os princpios da liberdade, igualdade e justia e, aps

    analisar o direito constitucional liberdade e suas restries, questiona a possibilidade

    de conciliao entre liberdade e igualdade. Csar Reinaldo Offa Basile, em A anlise

    comparativa do desenvolvimento do direito do trabalho na Amrica Latina, discute as

    experincias do Mxico, do Peru e da Argentina. Mrcia Caceres Dias Yokoyama,

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    analisa O direito ao silncio como garantia constitucional, relacionando-o questo

    da dignidade da pessoa humana. Cllia Gianna Ferrari, em Breves apontamentos

    sobre os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, defende a ideia de que se

    deve conceber a dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos,

    e que o respeito liberdade, igualdade e solidariedade so elementos que lhe so

    inerentes. Alexandre Barros Castro, em Processo e procedimento, estabelece uma

    distino entre esses dois conceitos para depois questionar se o correto seria tratar de

    um eventual processo administrativo tributrio ou de um procedimento

    administrativo tributrio. Joo Jampaulo Jnior, no breve artigo intitulado O carter

    incompleto e inacabado da Constituio observa, a partir de Konrad Hesse, que a

    Constituio deve permanecer incompleta e inacabada para poder se adequar s

    mudanas da histria e da sociedade. Por fim, Srgio Igor Lattanzi, em A substancial

    carga tributria no Brasil, analisa a excessiva centralizao da carga tributria nas

    mos do governo federal, e observa que a carga tributria brasileira encontra-se acima

    das maiores economias do mundo, no obstante a baixa qualidade dos servios

    prestados pelo Estado aos cidados brasileiros.

    Convm ressaltar que a preocupao fundamental da nossa Revista a discusso

    terica e doutrinria de temas de importncia jurdica e social.

    Acreditamos que tais discusses sejam fundamentais para a formao e

    atualizao de professores, alunos e demais profissionais do Direito preocupados em

    refletir sobre as transformaes recentes da realidade social e do fenmeno jurdico.

    Prof. Dr. Claudinei Coletti

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    SUMRIO

    A REA DE PROTEO AMBIENTAL - APA DE JUNDIA ...................................................... 9

    Claudemir Battalini

    ESTUDOS SOBRE O SURGIMENTO DO GOVERNO ELETRNICO NO BRASIL ............. 18

    Simone Zanotello de Oliveira

    ESTRUTURALISMO E DIALTICA MARXISTA: OS IMPASSES TERICOS DO

    ESTRUTURALISMO DIANTE DA DIACRONIA E DO SUJEITO HISTRICO .................... 48

    Claudinei Coletti

    TELEVISO E CIDADANIA............................................................................................................ 59

    Joo Carlos Jos Martinelli

    DIREITO PENAL DO INIMIGO: BASES HISTRICAS, FILOSFICAS,

    SOCIOLGICAS E BREVES NOES TERICAS ................................................................... 86

    Luiz Gustavo Fernandes

    O DIREITO DE PROPRIEDADE PERANTE S ASSOCIAES DE MORADORES E

    O PROJETO DE LEI n 2725/2011 ................................................................................................... 97

    Mauro Alves Arajo

    SUSTENTABILIDADE, INTERESSE PBLICO E JUDICIALIZAO DE AES

    POLTICAS: O CASO USINA DE BELO MONTE ..................................................................... 111

    Tarcsio Germano de Lemos Filho

    Roberto Epifanio Tomaz

    ESTUDO SOBRE TRABALHO, DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE (NOTAS PARA UMA ONTOLOGIA DA LIBERDADE EM MARX - II) ................................................. 132

    Wanderley Todai Jnior

    RELAES ENTRE OS PRINCPIOS DA LIBERDADE, IGUALDADE E JUSTIA:

    DIREITO CONSTITUCIONAL LIBERDADE E SUAS RESTRIES ................................ 165

    Marcus Vinicius Ribeiro

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    A ANLISE COMPARATIVA DO DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO

    TRABALHO NA AMRICA LATINA .......................................................................................... 183

    Csar Reinaldo Offa Basile

    O DIREITO AO SILNCIO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL .................................. 196

    Marcia Caceres Dias Yokoyama

    BREVES APONTAMENTOS SOBRE DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DA

    PESSOA HUMANA .......................................................................................................................... 223

    Clelia Gianna Ferrari

    PROCESSO E PROCEDIMENTO ................................................................................................. 229

    Alexandre Barros Castro

    O CARTER INCOMPLETO E INACABADO DA CONSTITUIO: o que pretende

    Hesse quando refere o carter incompleto e inacabado da constituio, considerando a diferena com a constituio como sistema aberto. ........................................................................ 233

    Joo Jampaulo Jnior

    A SUBSTANCIAL CARGA TRIBUTRIA NO BRASIL ............................................................ 235

    Srgio Igor Lattanzi

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    A REA DE PROTEO AMBIENTAL - APA DE JUNDIA

    Claudemir Battalini 1

    Cresce a conscincia de que temos s esse planeta para habitar, pequeno e

    com recursos limitados. Importa trat-lo com cuidado para que possa abrigar

    a todos os humanos, a cadeia inteira da vida e todos os seres. Queremos que

    tenha ainda uma longa histria pela frente. (Leonardo Boff) 2

    1. Introduo

    Jundia uma cidade singular: sofre um crescimento acelerado, possui muitas

    empresas, comrcio e servios fortes, sede de microrregio, est muito prxima da

    metrpole e capital paulista, rodeada de algumas das melhores rodovias do Pas, tem um PIB

    que a coloca entre os principais municpios brasileiros, sendo que por outro lado possui um

    importante remanescente de mata atlntica preservado, o qual em maior parte integra a Serra

    do Japi, patrimnio tombado e que estimulou a criao e instituio da rea de Proteo

    Ambiental de Jundia APA (que limtrofe tambm com a APA de Cabreva).

    O desenvolvimento sustentvel, preconizado pela Constituio Federal e Direito

    Ambiental um desafio ainda maior para Jundia, que deve ser enfrentado pelos operadores

    do Direito, classe poltica, empresrios e populao em geral.

    2. Consideraes iniciais

    Associado ao crescimento e desenvolvimento urbano, Jundia, assim como a Capital

    que nos prxima, sofre com a falta de gua nos reservatrios, tambm com risco de

    racionamento, sendo que na atualidade o problema tem sido mais perceptvel como reflexo de

    longa estiagem.

    1 Possui graduao em Direito e especializao em Direito Ambiental, ambos pelo Centro Universitrio Padre

    Anchieta (UniAnchieta). professor do UniAnchieta nas disciplinas de Direito Ambiental e Direito do

    Consumidor e Promotor de Justia do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo. 2 BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro Mundo Possvel. Volume I - Hospitalidade: Direitos & Deveres de

    todos. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, p. 17.

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  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Alm da estiagem, todos tm percebido alteraes climticas, com temperaturas acima

    da mdia, oscilaes constantes da temperatura, chuvas insuficientes, alm de constantes

    notcias sobre aquecimento global, efeito estufa, aumento do nvel dos oceanos com o

    derretimento das calotas polares, etc.

    Em razo disso o meio ambiente tem sido preocupao constante nos dias atuais, pois

    o desequilbrio atinge o prprio ser humano, em relao aos interesses maiores e

    indisponveis: vida, sade, dignidade, entre outros.

    A legislao ambiental, a comear pela Constituio Federal, tem por objetivo manter

    o equilbrio ecolgico, mas necessria efetiva aplicao e conscincia da parte de todos, sem

    o que a espcie humana sofrer prejuzos irreversveis.

    Vale lembrar que o ser humano parte integrante de nosso planeta Terra. Depende

    para sobreviver do equilbrio ambiental planetrio.

    Como temos repetido, assim como inmeros autores, h estreita ligao do homem

    com o prprio planeta:

    Essa calibragem no apenas interna ao sistema-Gaia, como se fora um

    sistema fechado. Ela se verifica no prprio ser humano, que em seu corpo

    possui mais ou menos a mesma proporo de gua que o planeta Terra

    (71%) e a mesma taxa de salinizao do sangue que o mar apresenta (3,4%).

    Esta dosagem fina se encontra no universo, pois se trata de uma sistema

    aberto que inclui a harmonia da Terra.3

    Essa percepo fundamental para que o ser humano passe a respeitar, como deveria,

    o meio que o circunda e de onde retira todos os elementos necessrios sua vida com

    qualidade e dignidade.

    Em relao gua afirma-se que a interligao existente entre a histria do homem e

    da gua, certamente originou-se no tero materno, indo at as necessidades mais banais dos

    seres humanos4, o que nos faz lembrar da sua importncia e exige providncias para que

    continue existindo em quantidade e qualidade suficientes para todos.

    3 BOFF, Leonardo. Ecologia Grito da Terra, Grito dos Pobres. 2. ed. So Paulo: tica, 1996, p. 38.

    4 SOUZA, Luciana Cordeiro de. guas e sua proteo. Curitiba: Juru, 2004, p. 13.

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  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    3. Tutela constitucional

    O art. 225 de nossa Constituio Federal garante o direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, tratado como bem de uso comum do povo, j que essencial

    sadia qualidade de vida. Ainda dispe da obrigao do poder pblico, mas tambm da

    coletividade, de defender e preservar o meio ambiente, no s para a nossa, mas tambm para

    as futuras geraes.

    Alm do caput, os pargrafos do art. 225 e outras disposies constitucionais,

    procuram assegurar esse direito, que est ligado ao princpio da dignidade da pessoa humana

    e ao piso vital mnimo, constitudo pelos direitos sociais do art. 6 de nossa Constituio

    Federal.

    Tambm o art. 170 do Texto Maior, ao tratar da ordem econmica, procura enfatizar

    que a propriedade no se concebe mais como outrora, mas deve respeito funo ambiental e

    social, sendo fundamento para o desenvolvimento sustentvel, alm de preconizar tambm

    a preocupao de assegurar a todos existncia digna.

    Portanto, a ordem econmica importante, mas deve estar sempre associada defesa

    do meio ambiente e funo social da propriedade, sem o que perde sua razo de ser e

    compromete a vida com dignidade e qualidade.

    Na mesma linha tambm o art. 182 da Constituio, entre outras normas correlatas.

    Voltando ao art. 225 da Carta Magna, temos que para garantir o meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Pblico, entre outras providncias:

    definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus

    componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a

    supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que

    comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo. (art.

    225, 1, III, da CF)

    4. Unidades de conservao e a categoria de rea de proteo ambiental - APA

    Jos Afonso da Silva, analisando o art. 225, 1, III, da CF, utiliza a expresso

    espaos ambientais, dividida em espaos territoriais especialmente protegidos e o

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  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    zoneamento ambiental, estando entre os primeiros as Unidades de Conservao, Espaos

    Particulares de Proteo Integral, Espaos de manejo Provisrio e Espaos de Manejo

    Sustentvel. O mesmo autor define Unidades de Conservao como sendo:

    espaos ou pores do territrio nacional, incluindo as guas jurisdicionais,

    de domnio pblico, institudos pelo Poder Pblico com objetivo e limites

    definidos, geralmente fechados, sujeitos administrao especial, a que se

    aplicam garantias de proteo total dos atributos naturais que tenham

    justificado sua criao, efetuando-se a preservao dos ecossistemas em

    estado natural com um mnimo de alteraes e admitido apenas o uso

    indireto de seus recursos, excetuados os casos previstos em lei. 5

    J para Paulo de Bessa Antunes, que trata em um mesmo captulo das reas de

    Preservao Permanente e Unidades de Conservao, destacando que as definies no

    encontram unanimidade e que vrios diplomas legais tratam da matria, aponta as reas

    protegidas diretamente pela Constituio Federal (art. 225, 4), constituindo o patrimnio

    nacional, bem como aquelas protegidas pelo Cdigo Florestal e as Unidades de Conservao,

    que, segundo ele, so espaos territoriais que, por fora de ato do Poder Pblico, esto

    destinados ao estudo e preservao de exemplares da flora e da fauna, podendo ser pblicas

    ou privadas6.

    As Unidades de Conservao esto disciplinadas pela Lei 9985/00, dividas em dois

    grupos: Unidades de Proteo Integral e Unidades de Uso Sustentvel. Cada um desses

    grupos possui diferentes categorias.

    A rea de Proteo Ambiental APA est entre as Unidades de Uso Sustentvel, e

    assim definida:

    Art. 15. A rea de Proteo Ambiental uma rea em geral extensa, com

    um certo grau de ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos,

    estticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o

    bem-estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger a

    diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a

    sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

    5 SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 163.

    6 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 218.

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  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    1o A rea de Proteo Ambiental constituda por terras pblicas ou

    privadas. 2

    o Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas

    e restries para a utilizao de uma propriedade privada localizada em uma

    rea de Proteo Ambiental.

    3o As condies para a realizao de pesquisa cientfica e visitao pblica

    nas reas sob domnio pblico sero estabelecidas pelo rgo gestor da

    unidade.

    4o Nas reas sob propriedade privada, cabe ao proprietrio estabelecer as

    condies para pesquisa e visitao pelo pblico, observadas as exigncias e

    restries legais.

    5o A rea de Proteo Ambiental dispor de um Conselho presidido pelo

    rgo responsvel por sua administrao e constitudo por representantes dos

    rgos pblicos, de organizaes da sociedade civil e da populao

    residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.

    Alm das Unidades de Conservao, bom que se diga, h outras reas de proteo,

    decorrentes do texto constitucional e legislao infraconstitucional: reas de Preservao

    Permanente - APP e Reserva Legal (institudas pelo Cdigo Florestal), Patrimnio Nacional

    (art. 225, 4 da CF, podendo ser citada a Mata Atlntica, regulamentada pela Lei 11428/06),

    reas de tombamento pelo valor paisagstico ou ecolgico, zoneamento ambiental, etc.

    5. A rea de proteo ambiental APA de Jundia

    O territrio do Municpio de Jundia foi erigido em rea de Proteo Ambiental -

    APA pela Lei Estadual n. 4.095, de 12 de junho de 1984, e regulamentada pelo Decreto

    Estadual n 43.284, de 03 de julho de 1998, dada a sua importncia para as regies

    metropolitana e central do Estado, por possuir remanescentes importantes de Mata Atlntica

    que compe em maior parte a Serra do Japi.

    Dispe esta Lei Estadual, dando diretrizes que devem ser respeitadas, buscando-se um

    equilbrio entre desenvolvimento e proteo ambiental:

    Art. 1 - Fica declarada rea de Proteo Ambiental a regio urbana e rural

    do Municpio de Jundia, respeitada a legislao municipal.

    Art. 2 - A implantao da rea de proteo ambiental ser coordenada pelo

    Conselho Estadual do Meio Ambiente, em colaborao com os rgos e

    entidades da Administrao Estadual Centralizada e Descentralizadas

    ligados preservao ambiental, com o Executivo e Legislativo do

    13

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Municpio e com a comunidade local.

    Art. 3 - Na implantao da rea de Proteo Ambiental sero aplicadas as

    medidas previstas na legislao e podero ser celebrados convnios visando

    a evitar ou a impedir o exerccio de atividades causadoras de degradao da

    qualidade ambiental.

    Pargrafo nico - Tais medidas procuraro impedir, especialmente:

    I - a implantao de atividades potencialmente poluidoras, capazes de afetar

    mananciais de guas, o solo e o ar;

    II - a realizao de obras e terraplenagem e abertura de canais que importem

    em sensvel alterao das condies ecolgicas locais, principalmente na

    zona de vida silvestre;

    III - o exerccio de atividades capazes de provocar acelerada eroso das

    terras ou acentuado assoreamento nas colees hdricas; e

    IV - o exerccio de atividades que ameacem extinguir as espcies raras da

    flora e da fauna locais.

    Art. 4 - Fica estabelecida uma zona de vida silvestre, abrangendo todos os

    remanescentes da flora original existente nesta rea de Proteo Ambiental

    e as reas definidas como de preservao permanente pelo Cdigo Florestal.

    Art. 5 - Na zona de vida silvestre no ser permitida nenhuma atividade

    degradadora ou potencialmente causadora de degradao ambiental,

    inclusive porte de armas de fogo, armadilhas, gaiolas, artefatos ou de

    instrumentos de destruio da natureza.

    E o Decreto Estadual n 43.284, de 03.07.98, regulamentou a rea de Proteo

    Ambiental de Jundia, com exigncias ambientais compatveis, estabelecendo uma espcie de

    zoneamento ambiental, a saber: I zona de vida silvestre; II zona de conservao da vida

    silvestre; III zona de conservao hdrica e IV zona de restrio moderada (art. 15),

    visando especial proteo Serra do Japi (patrimnio tombado), remanescentes de vegetao

    nativa (Mata Atlntica), reas de Preservao Permanente e rea de proteo aos mananciais.

    Em casa uma dessas zonas regulamentadas h disposies especficas para fins de

    proteo ambiental, valendo lembrar que todo o Municpio faz parte da APA, incluindo a

    zona urbana, mas onde as restries so menores (zona de restrio moderada).

    Vale lembrar que o Municpio, por fora das competncias legislativas constitucionais

    e interpretao doutrinria e jurisprudencial, no pode estabelecer normas menos restritivas

    em relao regulamentao da APA, nem alterar o zoneamento proposto, como, por

    exemplo, aumentar a zona de restrio moderada em detrimento do que estabelecido no

    Decreto Estadual 43.284/98, que regulamentou a Lei Estadual 4095/84. Assim, o Plano

    Diretor do Municpio, tambm exigncia constitucional para fins de adequado ordenamento

    14

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    do territrio, deve contemplar normas que respeitem a APA Jundia. Compete ao Municpio,

    se o caso, estabelecer normas ainda mais restritivas em relao ao previsto para a APA, o que

    sempre admissvel em face de normas e princpios ambientais.

    6. Crescimento urbano e APA de Jundia

    Assim, em face do nosso ordenamento jurdico, voltado garantia do direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado e essencial para uma vida com dignidade, o

    desenvolvimento do Municpio de Jundia, ainda mais por se tratar de uma APA, deve atender

    padres mais rigorosos que procurem aliar desenvolvimento com proteo ambiental.

    A questo hdrica tambm uma preocupao atual e que j vem sendo anunciada h

    um bom tempo.

    Nosso Municpio abastecido pelo Rio Jundia Mirim, proveniente da vizinha Jarinu,

    bem como seus afluentes. em realidade um rio com pouca vazo hdrica. O Municpio

    depende em alguns perodos de escassez hdrica de gua de outra bacia hidrogrfica, ou seja,

    que passa por outras cidades. Trata-se do Rio Atibaia, onde instalados equipamentos que

    fazem, por meio de bombas, a captao de gua que lanada at um determinado ponto do

    Rio Jundia Mirim, para da seguir pelo seu leito at as represas existentes de acumulao.

    No se pode desprezar que na atualidade a Capital sobre uma crise hdrica intensa e

    que um dos complexos utilizados do Cantareira, composto por diversas represas e

    barragens, de onde a gua segue para tratamento e abastecimento de milhes de paulistanos.

    Pois bem, o complexo de represas da Cantareira composto tambm em parte pelo

    Rio Atibaia, que alm de servir Jundia em perodos de escassez hdrica, tambm abastece

    vrios outros Municpios, inclusive na regio de Campinas.

    Em resumo, Jundia, ainda que APA, no possui recursos hdricos ilimitados, ao

    contrrio, deve-se atentar que o crescimento acelerado do Municpio, com o aumento da

    populao, poder levar em breve a racionamentos ou falta de gua. Deve-se ponderar, ainda,

    que muitas indstrias utilizam gua proveniente do sistema de captao e acumulao em

    quantidades significativas.

    15

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    7. Concluso

    O Direito Ambiental visa garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado,

    associado dignidade do ser humano.

    A rea de Proteo Ambiental de Jundia surgiu e foi regulamentada tendo como um

    dos objetivos impedir a implantao de atividades potencialmente poluidoras, capazes de

    afetar mananciais de guas, o solo e o ar (art. 3, I, da Lei Estadual 4095/84).

    Assim, h que se atentar para o crescimento sustentvel, organizado, planejado,

    atentando-se que o crescimento desenfreado atividade altamente poluidora, estando a

    populao prestes a sofrer os reflexos das investidas do ser humano contra o ambiente

    (poluio atmosfrica, trnsito catico, falta de infraestrutura bsica para atendimento da

    populao nas reas de sade, educao, transporte coletivo, entre outras, como ocupaes de

    reas ambientais para atender demanda por moradias, etc.)

    H que se pensar na proteo ambiental como verdadeiro fator de qualidade de vida,

    em converter a proteo ambiental em atividades menos impactantes, como turismo rural,

    ambiental, de aventura, diverso, gastronmico, gerando renda e empregos, mas sem um

    crescimento desenfreado da populao e por consequncia do atendimento de suas

    necessidades.

    tempo de aprender, estudar, refletir, cuidar, respeitar, mas tambm de agir na

    proteo do meio ambiente, exigindo-se maior respeito s normas que em ltima anlise

    visam a proteo do prprio homem.

    Referncias:

    ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

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    17

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    ESTUDOS SOBRE O SURGIMENTO DO GOVERNO ELETRNICO NO BRASIL

    Simone Zanotello de Oliveira 1

    Resumo

    Este artigo tem como objetivo apresentar o panorama da Administrao Pblica no

    surgimento do governo eletrnico no Brasil, caracterizada pela tentativa de mudana do

    modelo burocrtico para o modelo gerencial. Nesse aspecto, ser necessrio destacar que o

    perodo dessas mudanas coincide com o surgimento da Sociedade da Informao.

    Analisaremos, tambm, a importncia da Constituio Federal de 1988, que por meio da

    disposio de direitos fundamentais de segunda gerao, tidos como positivos, passou a

    exigir uma atividade prestacional do Estado. Ser analisada, ainda, a Emenda Constitucional

    19/98, que tratou da reforma do aparelho estatal, e materializou a eficincia como princpio

    da Administrao Pblica, no obstante sua existncia implcita. Por fim, tambm sero

    trazidas, a ttulo de conhecimento, as caractersticas e exigncias contidas numa administrao

    pblica pautada por um modelo gerencial.

    Palavras-chaves: Administrao pblica. Sociedade da informao. Eficincia.

    Governo eletrnico.

    Abstract

    This article aims to present the views of the public administration in the emergence of

    e-Government in Brazil, characterized by the attempt to change the bureaucratic model to the

    management model. In this respect, it is necessary to point out that the period of these

    changes coincide with the emergence of the information society. We, also, the importance of

    1 Advogada e consultora jurdica na rea de licitaes, contratos administrativos e concursos pblicos. Mestre

    em Direito da Sociedade da Informao e Especialista em Administrao Pblica e em Direito Administrativo.

    Autora de diversas obras tcnicas e literrias. Professora do Curso de Direito do Centro Universitrio Padre

    Anchieta (UniAnchieta). Presidente da Academia Jundiaiense de Letras Jurdicas e Integrante da Academia

    Jundiaiense de Letras.

    18

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    the Federal Constitution of 1988, which through the provision of fundamental rights,

    considered as "positive", went on to require an instalment activity in the State. Will be

    examined further, the Constitutional Amendment 19/98, which dealt with the reform of the

    State apparatus, and materialized the "efficiency" as principle of public administration,

    notwithstanding their existence implied. Finally, will also be brought, by way of knowledge,

    characteristics and requirements contained in a Government guided by a management model.

    Key-words: Public administration. Information society. Efficiency. Electronic

    government.

    1. O panorama da administrao pblica no surgimento do governo eletrnico no

    brasil

    A Administrao Pblica no Brasil apresentou, durante muitos anos, notadamente a

    partir de 1930, no governo de Getlio Vargas, um modelo burocrtico.

    Esse modelo surgiu como uma reao administrao patrimonialista at ento

    vigente na poca, que predominava nas monarquias absolutas e cuja caracterstica principal

    era a indefinio entre o patrimnio pblico e o patrimnio privado, os quais se confundiam.

    Outra caracterstica do modelo burocrtico, definida por Max Weber em 1922, que

    quela poca o considerava como uma maneira ideal de organizar o governo, a centralizao

    de decises numa estrutura hierrquica de unidade de comando. Apresenta a subordinao

    com forte predominncia, havendo a superviso dos nveis inferiores pelos nveis superiores

    (de cima para baixo), bem como diviso de trabalho e especializao de funes vinculadas a

    regras oficiais, de forma bem impessoal.

    Anbal Teixeira traou algumas crticas a essa forma de organizao, dentre as quais

    destacamos:

    a) duplicidade de rgos e de funes, tanto horizontal quanto verticalmente, fazendo

    com que municpios, estados e Unio tratem do mesmo assunto de forma concorrente

    e dispendiosa;

    b) excesso de funcionrios nos nveis governamentais, atuando sem o devido

    treinamento;

    c) compartimentalizao de servios, formando nichos burocrticos estanques;

    19

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    d) ideias fixas de carreiras e funes detalhadas e estticas, impedindo o dinamismo

    e a flexibilizao;

    e) regulamentos, normas e procedimentos rgidos, fazendo com que o aspecto formal

    sobreponha-se ao funcional;

    f) ausncia de tempo para a resoluo dos problemas;

    g) organizao (ministrio, secretaria, departamento, entre outros.) sobrepondo-se

    misso (educar, cuidar da sade, combater as drogas, entre outras)

    h) inexistncia de preocupao com o custo, numa tendncia de se dispensar o custo

    fixo no pressuposto de que eles, especialmente a mo-de-obra, tm custo zero;

    i) ausncia de delegao de funes.2

    Mais uma caracterstica que a burocracia tende a valorizar os meios, em detrimento

    dos fins. Com isso, deixa-se de lado a viso finalstica do Estado.

    Esses aspectos parecem ter imprimido um autoritarismo prtica administrativa, no

    condizente com a ideia de democracia trazida pela Constituio Federal de 1988. Alm disso,

    esse modelo exigiu controles rigorosos, embasados em procedimentos, passo a passo, o que

    promoveu, de certa forma, o engessamento da mquina pblica.

    No restam dvidas de que a burocracia, por meio da concentrao do poder em

    determinados segmentos, acaba por criar dificuldades e entraves, que se constituem em portas

    para a corrupo, a intermediao e o trfico de influncia.

    Nos anos de 1990, o pas passou por uma grande crise econmica, com um panorama

    de elevada inflao e de estagnao da renda per capita, fazendo com que a reforma estatal se

    tornasse um tema central e uma necessidade iminente.

    A globalizao tambm foi um fator que veio a impulsionar essa reforma, visto que o

    Estado necessitava exercer um novo papel, que era o de facilitar para que a economia nacional

    pudesse apresentar competitividade em mbito internacional. Nas palavras de Luiz Carlos

    Bresser Pereira:

    2 TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron Books, 1996, p. 48-50.

    20

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    A regulao e a interveno continuam necessrias, na educao, na sade,

    na cultura, no desenvolvimento tecnolgico, nos investimentos em infra-

    estrutura uma interveno que no apenas compense os desequilbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que

    capacite os agentes econmicos a competir em nvel mundial.3

    David Osborne tambm discorre sobre a questo global como influncia sobre os

    governos:

    O surgimento de uma economia global ps-industrial, baseada no

    conhecimento, abalou velhas realidades em todo o mundo, criando

    oportunidades maravilhosas e problemas espantosos. Os governos grandes e pequenos, federais, estaduais e locais, nos Estados Unidos e no resto do

    mundo j comearam a reagir.4

    Destacamos, ainda, que essas mudanas mais significativas no aparelho do Estado

    ocorrem na mesma poca do advento da sociedade informacional, exercendo influncia sobre

    ele. Como exposto em Sociedade da Informao no Brasil Livro Verde, produzido pelo

    Ministrio da Cincia e Tecnologia do Governo Federal:

    A sociedade da informao no um modismo. Representa uma profunda

    mudana na organizao da sociedade e da economia, havendo quem a

    considere um novo paradigma tcnico-econmico. um fenmeno global,

    com elevado potencial transformador das atividades sociais e econmicas,

    uma vez que a estrutura e a dinmica dessas atividades inevitavelmente

    sero, em alguma medida, afetadas pela infra-estrutura de informaes

    disponvel. 5

    Adalberto Simo Filho descreve a Sociedade da Informao como realidade e parte do

    projeto de governo das mais diversas naes desenvolvidas e em via de desenvolvimento, a

    qual deve redundar num maior acesso, melhorando a qualidade de vida do cidado, na medida

    3 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em

    www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em 10 jul. 2009. 4 OSBORNE, David. Reinventando o governo. Trad. de Srgio Bath e Ewandro Magalhes Jnior. Braslia: MH

    Comunicaes, 1994, p. XIII. 5 BRASIL. MINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA. Sociedade da informao no Brasil livro verde.

    Organizado por Tadao Takahashi. Braslia : Ministrio da Cincia e Tecnologia, 2000, p. 5.

    21

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    em que ele pode, pela conectividade, obter um sem-nmero de servios pblicos e privados,

    com o fomento da atividade empresarial. Alm disso, o autor destaca a necessidade de uma

    adequada formao de competncias e o desenvolvimento de polticas pblicas6 que

    possibilitem o acesso a todos, para a consecuo da incluso digital no ambiente da sociedade

    informacional. Por fim, uma boa infraestrutura e regras de segurana so elementos que

    possibilitaro a modernizao da administrao pblica e dos servios colocados no mbito

    do sistema informacional proposto. 7

    O autor tambm destaca que nesse novo panorama da Sociedade da Informao, com

    o uso da tecnologia da informao, imprescindvel que o cidado seja o foco das atenes:

    Este exatamente o cerne de nossa proposta. Um retorno tica clssica e

    aos princpios gerais do direito para a formao de um costume prprio para

    a Sociedade da Informao em cuja base encontram-se os preceitos da boa-f

    e da responsabilidade social. A Interntica, neste sentido proposto, seria resultante da iniciativa privada, com o beneplcito das polticas

    governamentais, adotadas pela empresas (privadas e pblicas) que possuem

    interesses nas atividades do espao virtual, tomadas dentro das exigncias de

    ordem pblica e do bem comum, observando-se padres ticos e da boa-f

    em todos os seus ditames e aes virtuais, sem nunca perder de vista o

    cidado como o maior destinatrio dos avanos tecnolgicos. (grifo nosso) 8

    Por outro lado, no podemos nos esquecer que a Sociedade da Informao tambm faz

    com que o cidado acabe por assumir um papel de passividade diante das inovaes que lhe

    so apresentadas. Nessa esteira, trazemos as lies de Marco Antonio Barbosa:

    Como j acontecera antes, na evoluo do rdio e da televiso, os usurios

    da rede no so estimulados a gerar os seus prprios contedos, mas a

    apenas reagir aos contedos previamente produzidos pelos portais. A atitude

    desses usurios de portais no pode ser meramente passiva, como a dos

    rdio-ouvintes ou a dos telespectadores, em razo da prpria natureza

    interativa da rede. So estimulados a participar e sutilmente orientados a

    permanecerem nos limites de uma certa cultura que sirva, direta ou

    6 Polticas Pblicas um conceito da Poltica e da Administrao, embora atualmente esteja presente em

    diversas reas, inclusive no Direito. Trata-se de um conjunto de aes coletivas que tem como fundamento promover a garantia dos direitos sociais, representando um compromisso pblico por parte dos agentes polticos.

    In: http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 22 dez. 2009. 7 SIMO FILHO, Adalberto. Sociedade da informao e seu lineamento jurdico. In: PAESANI, Liliana Minardi

    (coord.). Direito na sociedade da informao. So Paulo: Atlas, 2007. p. 27. 8 Ibidem. p. 26-27.

    22

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    indiretamente, valorizao e acumulao do capital-informao e, no

    mesmo tempo, enquanto navegam atravs de banners e links, os seus gostos, interesses, valores e gastos mdios a cada compra so analisados. A

    Internet permite ao capital individualizar o consumidor e de extrair toda a

    informao-valor que puder, levando a um limite nuclear a fragmentao

    social e a concomitante excluso.9

    Por essa razo, preciso bom senso e cautela para compreender e aplicar os desgnios

    da Sociedade da Informao, notadamente nas atividades governamentais, a fim de que o

    cidado realmente tenha um papel ativo na sociedade, e no seja dominado por aqueles que

    detm o poder. E para que isso acontea, necessrio que se viabilizem aes que promovam

    condies para que haja uma aproximao entre cidado e Estado.

    Em suma, esse era o quadro da Administrao Pblica no Brasil por ocasio do

    surgimento de novas formas de gesto pblica, inclusive com o uso da tecnologia da

    informao para auxiliar nessa tarefa.

    1.1. A constituio federal de 1988 e a atividade prestacional do estado

    A Constituio Federal de 1988 trouxe uma srie de dispositivos que tratam dos

    direitos fundamentais do cidado e da coletividade, especialmente voltados para a proteo de

    sua dignidade e para a satisfao de suas necessidades mnimas. Esses direitos fundamentais,

    definidos na doutrina10

    como sendo de segunda gerao, abrangem direitos sociais,

    econmicos e culturais, quer em sua perspectiva individual, quer em sua perspectiva coletiva.

    Sendo assim, conforme nos ensinam Luiz Aberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes

    Jnior, esses direitos apresentam-se como direitos positivos, pois exigem uma atividade

    prestacional do Estado, no sentido de buscar a superao de carncias individuais e sociais:

    [...] os direitos fundamentais de segunda gerao costumam ser denominados

    direitos positivos, pois, como se disse, reclamam no a absteno, mas a

    presena do Estado em aes voltadas minorao dos problemas sociais.

    9 BARBOSA, Marco Antonio. Poder na sociedade da informao. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.).

    Direito na sociedade da informao. So Paulo: Atlas, 2007. p. 55. 10

    ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.

    e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 117.

    23

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Tambm chamados direitos de crena, pois trazem a esperana de uma participao ativa do Estado.

    11

    Diante de tal assertiva, notamos que o texto constitucional quis imprimir outra forma

    de participao do cidado na sociedade, por meio de novos direitos, havendo a necessidade

    de se pensar em polticas pblicas para atingir esse objetivo. Segundo Rejane Esther Vieira:

    Como resultado da democratizao do Estado, a administrao pblica

    ganhou novas e complexas atuaes nas reas da sade, educao, lazer,

    previdncia social, relaes de trabalho; criou-se uma quantidade infinita de

    setores que exigem ampla fiscalizao, interveno e regulao.12

    Trata-se de uma atuao da Administrao, independentemente das questes polticas,

    de maneira profissional, autnoma e imparcial, com o objetivo de atender s demandas dos

    cidados. Segundo definio de Juan-Cruz Alli Aranguren:

    A este fim se concede autonomia orgnica para a Administrao e se

    perseguem sua profissionalizao e independncia das contingncias

    polticas, a fim de garantir o cumprimento de seus prprios fins e prestar os

    servios que o Estado proporciona aos cidados, distintos da funo

    legislativa e judicial. Esta concepo de uma Administrao neutra,

    imparcial no jogo poltico, profissionalizada e estvel, objetivo comum nos

    sistemas polticos democrticos. (traduo livre)13

    Porm, a Constituio, por ocasio de sua promulgao, no obstante seus novos

    objetivos, no permitiu que a atividade administrativa tomasse rumos mais condizentes com a

    viso democrtica e participativa que se buscava. Em seu texto verificou-se a solidificao de

    alguns institutos, tais como o regime jurdico nico, a estabilidade rgida de servidores e

    11

    ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.

    e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 117. 12

    VIEIRA, Rejane Esther. Administrao pblica democrtica no Estado de Direito : o novo servio pblico no

    cenrio brasileiro. Disponvel em http://www.artigonal.com. Acesso em: 02 abr. 2009. 13

    Texto original: A este fin se concede autonoma orgnica a la Administracin y se persigue su profesionalizacin e independencia de las contingencias polticas, a fin de garantizar el cumplimiento de sus

    propios fines y preste los servicios que el Estado proporciona a los ciudadanos, distintos de la funcin

    legislativa y judicial. Esta concepcin de una Administracin neutra, imparcial en el juego poltico,

    profesionalizada y estable, es objetivo comn en los sistemas polticos democrticos. (ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. Derecho administrativo y globalizacin. Madri-Espanha : Civitas Ediciones, 2004, p. 178.)

    24

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    aposentadoria especial deles. Estabeleceram-se, tambm, vrios sistemas de controle,

    promovendo, at certo ponto, o engessamento da mquina, tendo como justificativa a

    desconfiana em relao atuao dos altos administradores. Em razo disso, vislumbrou-se a

    necessidade de mudanas.

    Na viso de Paulo Miron e Joo Lins, a partir da dcada de 90, o pas iniciou uma

    caminhada rumo modernizao da gesto pblica, em busca de um aparelho de Estado

    eficiente, o que se tornou um processo sem volta. algo que vem avanando fortemente e tem

    se beneficiado da troca de experincias e do acesso a informaes de melhores prticas, tanto

    em nvel nacional quanto global.14

    No entanto, somente a partir de 1995 surgiram os primeiros movimentos visando a

    uma reforma da mquina estatal, no incio do primeiro governo de Fernando Henrique

    Cardoso. Nessa poca, o objetivo era buscar novos mecanismos de gesto, que propiciassem

    a efetiva prestao dos servios pblicos. Entendemos que a ineficincia e a ineficcia do

    Estado podem se constituir em barreiras para que o cidado exera seus direitos. De acordo

    com Win Oosterom:

    O setor pblico o maior provedor de servios em todo o mundo. Agregar

    valor ao servio pblico gera um impacto positivo em milhes de pessoas.

    Conhecer o cidado e suas necessidades representa a primeira etapa do

    atendimento de suas expectativas.15

    Por outro lado, o autor afirma que as reformas nos rgos do setor pblico, com o

    objetivo de melhorar a eficcia da prestao de servios, no surgem do nada, e so

    geralmente movidas por fatores externos a esses rgos, destacando, dentre eles, as mudanas

    em requisitos legais e as restries de oramento.16

    Um documento importante dentro desse contexto de mudana foi o Plano Diretor da

    Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministrio da Administrao Federal e

    14 MIRON, Paulo; LINS, Joo. Excelncia na gesto pblica. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 28. 15

    OOSTEROM, Win. O futuro da prestao de servios pblicos : atendendo s expectativas do cidado. In:

    LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 45. 16

    Ibidem. p. 78.

    25

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Reforma do Estado - MARE17

    , em 1995. Esse plano, que expressava a viso estratgica do

    governo poca, com foco na reforma do aparelho estatal, abrangia a questo da mudana em

    trs dimenses18

    :

    a) institucional-legal por meio da necessidade de remover os obstculos do

    ordenamento constitucional e tambm infraconstitucional;

    b) cultural por meio da necessidade de se promover a substituio da cultura

    burocrtica dominante pela nova cultura gerencial;

    c) gesto por meio da implementao da reforma com a adoo de novas formas

    institucionais, novas competncias e instrumentos gerenciais mais adequados realidade

    buscada.

    Essa proposta de reforma do aparelho estatal brasileiro na poca tambm foi embasada

    em quatro vertentes19

    :

    a) o ncleo estratgico do Estado, no qual se definem as leis e as polticas pblicas, e

    que se constitui num setor relativamente pequeno;

    b) as atividades exclusivas do Estado, que identificam o chamado poder do Estado,

    como legislar e tributar, por exemplo;

    c) os servios no-exclusivos ou competitivos do Estado, os quais, embora no

    envolvam o poder de Estado, fazem com que este ltimo realize-os ou subsidie-os, tendo em

    vista sua relevncia para os cidados, o que inclui os servios sociais e cientficos;

    d) a produo de bens e servios para o mercado, que realizada pelo Estado, por

    meio da Administrao Indireta (Sociedades de Economia Mista), operando servios pblicos

    em setores considerados estratgicos.

    De acordo com Slvia Regina Pacheco, a reforma administrativa requer aes de

    governana, para atingir seu real objetivo:

    17 Destaca-se que o MARE foi extinto em 1999, sendo que suas funes foram absorvidas pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. 18

    MARINI, Caio. Aspectos contemporneos do debate sobre reforma da administrao pblica no Brasil : a

    agenda herdada e as novas perspectivas. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 1 mar./abr./maio de 2005. Disponvel em http://www.direitodoestado.com/revista. Acesso em: 28 nov. 2009. 19

    PEREIRA, Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em

    www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em: 10 jul. 2009.

    26

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Na reforma administrativa, toda uma srie de medidas devem contribuir para

    diminuir o chamado entulho burocrtico disposies normativas excessivamente detalhadas, que s contribuem ao engessamento da mquina

    e muitas vezes sua intransparncia. A maior contribuio da reforma

    administrativa est voltada governana, entendida como o aumento da

    capacidade de governo, atravs da adoo dos princpios de administrao

    gerencial.20

    Nesse foco, a reforma teve como dimenso delimitar a rea de atuao do Estado,

    propor mudanas no quadro constitucional e legal, promovendo a chamada

    desregulamentao, aumentar a capacidade de ao do governo na mesma proporo da sua

    atuao democrtica e, principalmente, inserir os ideais de governabilidade baseados no

    accountability, ou seja, na responsabilidade dos administradores no trato com a coisa pblica.

    1.2. A emenda constitucional 19/98 e o princpio da eficincia

    A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, publicada no Dirio Oficial

    da Unio em 5 de junho de 1998, teve como foco modificar o regime e dispor sobre os

    princpios e normas da Administrao Pblica, servidores e agentes polticos, controle de

    despesas e finanas pblicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, alm de

    outras providncias. Dentre as principais modificaes inseridas na Constituio, por meio

    dessa Emenda, podemos destacar:

    a) competncias administrativas da Unio e segurana pblica arts. 21 e 144;

    b) competncias legislativas da Unio art. 22;

    c) fixao de subsdios nas esferas municipal, estadual e federal arts. 27, 28 e 29;

    d) atuao da Administrao Pblica com a insero do princpio da eficincia (que

    ser visto mais adiante), a acessibilidade aos cargos, empregos e funes pblicas (concursos

    pblicos e cargos em comisso e funes de confiana), o direito de greve, a fixao e

    alterao de remunerao e subsdio, o teto salarial, a extino do regime jurdico nico, a

    criao de paraestatais, os contratos de gesto, dentre outros art. 37, 38, 39, 41 e 169;

    20

    PACHECO, Regina Silvia. Reformando a administrao pblica no Brasil : eficincia e accountability

    democrtica. Disponvel em http://www.fundaj.gov.br. Acesso em: 18 out. 2009.

    27

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    e) organizao dos poderes pblicos, do Ministrio Pblico e da advocacia pblica

    arts. 48, 49, 51, 52, 57, 70, 93, 95, 96, 127, 128, 132 e 135;

    f) oramento - art. 167;

    g) ordem econmica e financeira art. 173;

    h) ordem social art. 206.

    Os anos de 1998 e 1999 foram marcados por uma atuao bem pontual em alguns

    aspectos da atividade estatal para a implementao da reforma. Dentre eles destacamos a

    prpria reviso constitucional e das normas decorrentes; a utilizao de novos instrumentos

    gerenciais, com destaque aos contratos de gesto e aos programas de qualidade na

    administrao pblica; uma nova proposta de poltica de recursos humanos, visando

    valorizao do servidor e alterando seu foco de atuao do plano operacional para o plano

    gerencial; e a mudana da estrutura organizacional, por meio da implementao de agncias

    reguladoras, agncias executivas e organizaes sociais.

    No que tange ao princpio da eficincia, trazido por essa Emenda, esse foi acrescido

    aos demais princpios da Administrao Pblica, previstos no art. 37, caput, da Constituio,

    quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

    Essa incluso acabou por findar com discusses doutrinrias e jurisprudncias sobre a

    existncia implcita de tal princpio no texto constitucional, que j era reconhecido pelo

    Superior Tribunal de Justia:

    [...] a Administrao Pblica regida por vrios princpios: legalidade,

    impessoalidade, moralidade e publicidade (Const. art. 37). Outros tambm se

    evidenciam na Carta Poltica. Dentre eles, o princpio da eficincia. A

    atividade administrativa deve orientar-se para alcanar resultado de interesse

    pblico.21

    Nas palavras de Jess Torres Pereira Jnior:

    No que tange ao arrolamento da eficincia entre os princpios reitores da

    atividade administrativa estatal, s se pode compreender como uma figura de

    21

    Acrdo STJ RMS 5.590/95-DF, 6. turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ, 10 jun. 1996, Seo I, p. 20.395.

    28

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    estilo, um reforo de linguagem para enfatizar o que inerente

    Administrao Pblica e dela reclamado pelos administrados,

    justificadamente. A Sociedade no organiza e mantm o Estado para que ele

    seja ineficiente, embora ineficincias podem ser, e so, encontradias em

    vrios setores da Administrao Pblica, como podem ser, e so,

    encontrveis em setores de qualquer empreendimento privado.22

    Luiz Alberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes Filho tambm sustentam a

    existncia implcita do princpio da eficincia em nosso sistema constitucional, e que a

    Emenda no trouxe alteraes no regime constitucional da Administrao Pblica. 23

    Portanto, defendemos a ideia de que o princpio da eficincia, independentemente de

    estar escrito ou no na Constituio, apresenta-se como um dever elementar da atividade

    estatal. Conforme preceitua Celso Antonio Bandeira de Mello, o princpio da eficincia

    representa uma faceta do princpio italiano da boa administrao.24 E segundo Luiz Aberto

    David Arajo e Vidal Serrano Nunes Jnior, padres de boa administrao e de zelo na

    atividade administrativa conduzem a um paradigma de administrador tico.25

    De acordo com Alexandre de Moraes, estudando a eficincia em direito comparado,

    esse princpio fazia parte da constituio de pases como Repblica de Cuba (1976), Espanha

    (1978), Repblica das Filipinas (1986) e Repblica do Suriname (1987), de forma explcita, e

    da Constituio de Portugal, de forma implcita.26

    O princpio da eficincia, ainda trazendo as lies de Alexandre de Moraes:

    [...] o que impe administrao pblica direta e indireta e a seus agentes a

    persecuo do bem comum, por meio do exerccio de suas competncias de

    forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e

    sempre em busca da qualidade, primando pela adoo dos critrios legais e

    morais necessrios para a melhor utilizao possvel dos recursos pblicos,

    22

    PEREIRA JNIOR, Jess Torres. Da reforma administrativa constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,

    p. 41-42. 23

    ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.

    e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 340. 24

    MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. rev. e atual. at a Emenda

    Constitucional 52, de 8.3.2006. So Paulo: Malheiros, 2006, p. 118. 25

    ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Op. cit. p. 334. 26

    MORAES, Alexandre. Reforma administrativa: emenda constitucional n 19/98. 4. ed. So Paulo : Atlas,

    2001, p. 30-31 (Srie Fundamentos Jurdicos).

    29

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    de maneira a evitarem-se desperdcios e garantir-se maior rentabilidade

    social.27

    A Emenda, alm de introduzir o princpio da eficincia ao texto constitucional,

    tambm trouxe alguns mecanismos para a verificao de sua aplicabilidade e efetividade.

    Com isso, por meio de legislao, possvel disciplinar as formas de participao do cidado

    (usurio e cliente do Estado28

    ) na atividade da administrao pblica direta e indireta. Nesse

    diapaso, ficam assegurados ao cidado a reclamao relativa aos servios pblicos prestados,

    a manuteno dos servios para atendimento ao usurio, a avaliao peridica da qualidade

    dos servios, o acesso dos usurios a registros administrativos e informaes sobre as aes

    do governo (transparncia) e a representao em casos de negligncia ou abuso de agentes no

    exerccio de suas funes (art. 37, 3., da Constituio Federal).

    Alm disso, esse princpio assinalou a possibilidade de perda de cargo pelo servidor

    pblico, pelo no cumprimento de suas funes, verificado em procedimentos de avaliao

    peridica e de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa. Para

    auxiliar na tarefa de aperfeioamento dos servidores, o art. 39, 2. da Constituio Federal

    passou a estabelecer que a Unio, os Estados e o Distrito Federal devero manter escolas de

    governo para esse fim.

    Diante do que foi exposto, verifica-se que o princpio da eficincia passou a ser

    exigido como um dever do administrador, com o objetivo de propiciar a implementao de

    polticas pblicas de forma satisfatria, atendendo s necessidades da populao, visto que

    por meio de uma administrao desse tipo, denominada de eficiente, entende-se haver uma

    possibilidade de salvaguardar os direitos e garantias dos indivduos e da coletividade,

    abarcados constitucionalmente. De acordo com Emerson Gabardo, agora, o aparelho do

    Estado pode desvincular-se das amarras burocrticas, pois a prpria Constituio contm o

    permissivo jurdico para a mudana almejada.29

    27

    Ibidem. p. 32. 28

    Cliente do Estado: expresso utilizada por TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron

    Books, 1996., p. 72-4. 29

    GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.

    16.

    30

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Nas palavras de Maria Silvia Zanella Di Pietro, o princpio da eficincia deve estar

    presente no s nas aes dos agentes pblicos, mas tambm no modo de estruturao da

    mquina administrativa:

    O princpio da eficincia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser

    considerado em relao ao modo de atuao do agente pblico, do qual se

    espera o melhor desempenho possvel de suas atribuies, para lograr os

    melhores resultados; e em relao ao modo de organizar, estruturar,

    disciplinar a Administrao Pblica, tambm com o mesmo objetivo de

    alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico.30

    O aumento da eficincia tambm est ligado questo de otimizao dos gastos, ou

    seja, o fazer mais e melhor com menos recursos, em respeito ao cidado contribuinte. E por

    essa razo que podemos associar a eficincia tambm com o princpio da economicidade,

    visto que a relao custo-benefcio tambm deve nortear as aes pblicas.

    A celeridade tambm representa um dos aspectos que devem estar presentes no

    princpio da eficincia, trabalhando com o fator tempo nas atividades administrativas.

    Portanto, temos o princpio da eficincia como um dos responsveis pelas mudanas

    na forma de se gerir a Administrao Pblica, salientando que nenhuma reforma do aparelho

    estatal ser bem sucedida se no houver uma atuao intensa do cidado na cobrana de

    resultados, fato esse ainda muito mitigado na realidade brasileira, visto que se percebe que

    apenas uma minoria tem demonstrado preocupao com as aes governamentais. Para

    Florencia Ferrer, o controle popular muito importante para uma boa gesto pblica,

    salientando que o voto ainda insuficiente para punir ou premiar o bom gestor, havendo a

    necessidade de criar mecanismos mais geis e eficientes.31

    E a prpria Administrao Pblica pode dispor de mecanismos simples para que o

    cidado exera seus direitos e cobre resultados, como as Ouvidorias, os telefones 156 e as

    pesquisas de satisfao do cidado. Segundo Win Oosterom:

    O feedback do cidado uma poderosa ferramenta que no se presta apenas para o entendimento da experincia e satisfao do cidado com os

    30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. So Paulo: Altas, 2002, 84. 31

    Opinio exposta por BORGES, Thiago. Acelera, governo. B2B Magazine. So Paulo, Ano 8, ago. 2009, p. 23.

    31

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    servios pblicos, mas tambm para o desenvolvimento de estratgias para a

    melhoria desses servios.32

    A eficincia tambm est ligada ideia de eficcia. Muitas vezes, esses vocbulos so

    at considerados como sinnimos. No entanto, entendemos que o conceito de eficincia est

    ligado utilizao de meios adequados para a consecuo de um objetivo, ao passo que a

    eficcia est mais voltada para os resultados positivos que esses meios podem proporcionar.

    Isso porque, nem tudo que eficiente eficaz. Como exemplo, podemos citar a

    disponibilizao de matrculas escolares por meio da internet, para facilitar o acesso dos

    usurios. Entretanto, findo esse processo, a grande maioria dos pais recebe um e-mail

    informando sobre a no existncia de vagas. Nesse caso, verificamos que o processo foi

    eficiente, mas no eficaz, pois no houve a concretizao dos resultados.

    A eficincia, como j dissemos, tambm necessita da atuao efetiva dos agentes, que

    devero possuir conhecimento tcnico suficiente, para demonstrarem desempenho compatvel

    com o que se busca com esse princpio. Para tanto, preciso que a Administrao atue em

    polticas de recursos humanos, voltadas para o treinamento e o aperfeioamento dos

    servidores, bem como que tenha uma ateno especial e contnua (e no em momentos

    isolados, como vemos atualmente) ao aspecto remuneratrio desses mesmos servidores.

    Conforme assevera Emerson Gabardo:

    Preliminarmente, deve ser ponderado que a prescrio de metas objetivas, a

    maquiagem da mquina estatal ou a estipulao de prmios de carter

    simblico no se prestam a estimular a atividade do agente pblico, se este

    encontrar-se mal-remunerado. A satisfao pessoal do agente atravs de uma

    contraprestao econmica condigna com sua funo o primeiro requisito

    de eficincia do procedimento administrativo. J o segundo pressuposto , a

    sim, a responsabilizao especfica pela atuao ineficiente.33

    Juntamente com a ideia de eficincia, surge o conceito de tica na atividade pblica,

    muito bem traduzido no Relatrio Nolan, apresentado pelo Primeiro Ministro Britnico ao

    Parlamento em 1995, por meio dos Sete Princpios da Vida Pblica: interesse pblico

    32

    OOSTEROM, Win. O futuro da prestao de servios pblicos : atendendo s expectativas do cidado. In:

    LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 55. 33

    GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.

    127.

    32

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    (impessoalidade), integridade, objetividade, responsabilidade perante o Estado e a sociedade

    (accoutability), transparncia (motivao das decises), honestidade e liderana.34

    Um aspecto importante a ser aventado, que a busca do princpio da eficincia,

    embora necessria, no poder colocar em risco outros preceitos de direito. Segundo Emerson

    Gabardo, a eficincia jamais poder sobrepor-se aos outros ideais presentes em nosso sistema

    constitucional, como a democracia social, frisando que ela no existe quando no h respeito

    aos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.35

    Portanto, o princpio da

    eficincia no absoluto e no pode ser analisado de forma isolada. O autor ainda sustenta

    que:

    Quando se entende que a eficincia deve abranger a anlise dos meios e dos

    resultados, no significa que somente devem ser considerados a celeridade, a

    prestabilidade, a racionalidade e a economicidade, ou quaisquer dos critrios

    metajurdicos propostos pela doutrina especializada. A sua natureza

    abrangente manifesta-se claramente quando se considera que no pode ser

    eficiente um ato que afronte outro princpio, devido possibilidade de

    anulao do mesmo. 36

    Nessa mesma esteira temos Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no sentido de que vale

    dizer que a eficincia princpio que se soma aos demais princpios impostos

    Administrao, no podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade,

    sob pena de srios riscos segurana jurdica e ao prprio Estado de Direito. 37

    Em suma, essas so as caractersticas do princpio da eficincia, que representou (e

    ainda representa) um papel importante para as transformaes a serem implementadas na

    forma de se administrar a res publicae.

    34

    Dados trazidos por MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administrao pblica gerencial. Revista de

    Direito, Rio de Janeiro, v. 2., n. 4, jul./dez. 1998, p. 38. 35

    GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.

    20. 36

    Ibidem. p. 97. 37

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. So Paulo : Atlas, 2002, p. 84-85.

    33

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    1.3. A administrao pblica gerencial

    A administrao pblica gerencial surgiu em reao ao modelo burocrtico,

    notadamente a partir da reforma constitucional de 1998, e tem como caractersticas principais

    a crena num amadurecimento das estruturas administrativas do Estado e o foco no resultado.

    Segundo define Luiz Carlos Bresser Pereira:

    J a administrao pblica gerencial, sem ser ingnua, parte do pressuposto

    de que j chegamos a um nvel cultural e poltico em que o patrimonialismo

    est condenado, em que o burocratismo est excludo porque ineficiente, e

    em que possvel desenvolver estratgias administrativas baseadas na ampla

    delegao de autoridade e na cobrana a posteriori de resultados.38

    A prpria redao do art. 37, 8.39

    , vinda com a reforma, denota a ampliao da

    autonomia da administrao, do ponto de vista gerencial, juntamente com a oramentria e a

    financeira.

    Dentre os aspectos que norteiam a administrao pblica gerencial, podemos citar

    alguns, baseados nas experincias de pases como Inglaterra, Nova Zelndia e Austrlia40

    :

    a) a descentralizao da atividade poltica, com transferncia de recursos e de atribuies

    para nveis regionais e locais, afinal o cidado no mora na Unio e nem no Estado,

    mas sim no Municpio;

    b) a descentralizao da atividade administrativa, onde for possvel, por meio do

    fenmeno da delegao;

    c) a organizao com poucos nveis hierrquicos e com mais flexibilidade;

    38

    PEREIRA, Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em

    www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em 10 jul. 2009. 39

    Art. 37 (...) 8. A autonomia gerencial, oramentria e financeira dos rgos e entidades da administrao

    direta e indireta poder ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder

    pblico, que tenha por objeto a fixao de metas de desempenho para o rgo ou entidade, cabendo lei dispor

    sobre:

    I o prazo de durao do contrato; II os controles e critrios de avaliao de desempenho, direitos, obrigaes e responsabilidade dos dirigentes; III a remunerao do pessoal. 40

    PEREIRA, Bresser. Op. cit.

    34

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    d) a crena numa confiana limitada nos colaboradores, eliminado o fenmeno da

    desconfiana total, fazendo com que o administrador pblico goze da mesma

    autonomia do administrador privado;

    e) a definio de objetivos a serem atingidos, tendo como parmetro os indicadores de

    desempenho;

    f) o controle por resultados, ao final do processo, em substituio ao controle passo a

    passo;

    g) o foco no atendimento ao cidado.

    Nesse tpico, importante destacar uma observao feita por Francisco Gaetani:

    Hoje ns somos capazes de falar em expresses como participao e

    cidadania, sem atribu-la esquerda, e em expresses como custo e

    produtividade, sem atribu-las direita. Essas coisas parecem piada, mas,

    infelizmente, s vezes o debate ideolgico embaa a discusso de qualidade

    do que se passa na rea governamental. 41

    Para fazer frente a essas demandas, a busca de experincias do setor privado, para

    implementao na esfera pblica, parece ser um dos caminhos encontrados por alguns rgos

    pblicos, com o objetivo de tentar modificar sua situao de ineficincia. Como exemplo,

    podemos citar o Programa de Qualidade e Participao na Administrao Pblica, promovido

    pelo Ministrio do Planejamento do Governo Federal. Nesse foco, Ana Paula Paes de Paula

    esclarece:

    Nesse programa so valorizados os mesmos princpios dos programas de

    qualidade total implementados no setor privado, que so: satisfao dos

    clientes, constncia de propsitos, melhoria contnua, gesto participativa,

    envolvimento e valorizao dos servidores pblicos. 42

    Frmulas como Organizao & Mtodos, PERT (tcnica de gerenciamento de

    projeto), Administrao por Objetivos, Just in Time (administrao no tempo certo),

    41

    GAETANI, Francisco. Governana corporativa no setor pblico. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.).

    Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 266. 42

    PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gesto pblica: limites e potencialidades da experincia

    contempornea. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2007, p. 131.

    35

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    Qualidade Total e outras, tpicas das reas privadas, passaram a ser estudadas na esfera

    pblica.

    Para Florencia Ferrer, no setor pblico o tema da inovao mais delicado, j que o

    governo no pode arriscar a utilizar recursos e tempo pblico em testes de novos modelos ou

    solues, pois inovar tem sempre um custo muito alto. Mas com esse processo, s vezes at

    sangramento do setor privado, todos ns ganhamos, porque dessa necessidade de inovao

    que surgem vrias das conquistas que todos depois usufrumos. No reinventar a roda um

    preceito que j se provou como certo em outra realidade. A autora tambm defende a prtica

    j consolidada da cooperao horizontal, que se baseia em identificar outros governos que j

    resolveram um problema especfico, para depois realizar um acordo e implementar o mesmo

    procedimento.43

    Realmente, essa parece ser uma soluo bastante acertada.

    Na administrao pblica gerencial, o usurio do servio passou a representar a figura

    do cliente e estabeleceu-se a necessidade de se encurtar a distncia entre povo e governo,

    promovendo uma gesto participativa. Lcia Valle Figueiredo tambm faz algumas crticas

    com relao figura do cliente, inserida no modelo gerencial:

    Na verdade, no novo conceito instaurado de Administrao Gerencial, de

    cliente, em lugar de administrado, o novo clich produzido pelos reformadores, fazia-se importante, at para justificar perante o pas as

    mudanas constitucionais pretendidas, trazer ao texto o princpio da

    eficincia. Tais mudanas, na verdade, redundaram em muito pouco de

    substancialmente novo, e em muito trabalho aos juristas para tentar

    compreender figuras emprestadas sobretudo do Direito Americano,

    absolutamente diferente do Direito brasileiro.44

    Embora muitos resistam a essa ideia, com a justificativa de sua aplicao apenas no

    setor privado, o fato que o governo tem no s clientes, mas tambm concorrentes. Os

    clientes so os cidados que pagam impostos e fazem suas exigncias em razo disso. E a

    concorrncia existe, pois um governo que no atua, d margem a que outro ocupe seu lugar na

    prxima eleio. Conforme explica Anbal Teixeira:

    43

    FERRER, Florencia. Por que difcil a inovao no governo? B2B Magazine. So Paulo: Padro Editorial,

    Julho 2008, p. 43. 44 FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 64.

    36

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    A rede Mac Donalds quer eliminar as filas para evitar que o cliente desista de esperar e acabe dirigindo-se Pizza Hut. Da mesma forma, o governo tem

    de dar respostas rpidas e prestar bons servios pblicos, para evitar que o

    seu eleitor passe para outro partido. A gesto pblica, com a reengenharia,

    descobre que o governo no s tem cliente, mas tambm concorrente. Esse

    o problema, esse o desafio.45

    Entretanto, importante frisar que os preceitos da administrao privada no vieram

    para substituir a atuao pblica, pois, logicamente, isso nem seria possvel, j que estamos

    tratando de pessoas, finalidades, recursos e meios totalmente distintos. A atuao da iniciativa

    privada, nessa tica, dever servir de apenas de modelo para a atuao pblica, onde couber,

    devidamente adaptada para a sua realidade, buscando, realmente, a eficincia.

    De acordo com Jess Torres Pereira Jnior, na empresa privada, a eficincia passa a

    ser um instrumento para a perseguio do lucro, o que legtimo; porm, na Administrao

    Pblica, o lucro no o valor que justifica as funes pblicas, j que cabe ao Estado

    promover o bem comum, a dignidade da pessoa humana e a paz social.46

    Segundo David Osborne, os governos democrticos existem para servir aos cidados.

    O autor argumenta que nossos pais ficavam na fila por horas para licenciar um veculo e no

    reclamavam. Ns, hoje, ficamos furiosos se tivermos de enfrentar a mesma fila. Para lidar

    com mudanas to expressivas, os governos empreendedores comearam a se transformar, e

    passaram a ouvir atentamente o clamor de seus clientes, atravs de pesquisas de opinio e

    muitos outros mtodos.47

    Na viso de Francisco Gaetani, as reformas do sculo XX so aquelas relacionadas

    com a construo do Estado do Bem-Estar Social e com a busca por eficincia, foco no

    cidado e contratualizao de resultados. No entanto, os recursos so escassos, o que significa

    que uma alocao eficiente implica uma relao custo/benefcio consistente, com baixos

    custos de oportunidade. Ainda, segundo o autor, o Brasil teve um ensaio de Estado do Bem-

    Estar Social na era Vargas, um impulso no regime autoritrio e um novo empurro agora, com

    45

    TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron Books, 1996, p. 47. 46

    PEREIRA JNIOR, Jess Torres. Da reforma administrativa constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,

    p. 44. 47

    OSBORNE, David. Reinventando o governo. Trad. de Srgio Bath e Ewandro Magalhes Jnior. Braslia: MH

    Comunicaes, 1994, p. 181-4.

    37

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    os programas de distribuio de renda do governo Lula. Mas o pas tambm palco de

    desigualdades extraordinrias como, por exemplo, na estrutura previdenciria e na forma

    como se encontra organizado o ensino superior. Portanto, as reformas do sculo XXI so as

    que envolvem criar e gerir redes, lidar com a revoluo digital, assegurar a participao na

    estrutura de governana global e institucionalizar mecanismos de responsabilizao e

    transparncia, dentre outras.48

    A nova mentalidade gerencial exigiu (e ainda exige) no s mudanas na forma de os

    administradores gerirem a mquina pblica, mas tambm dos administrados buscarem seus

    direitos. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

    Para isso, no basta promover reformas de estrutura e de funcionamento

    seguindo parmetros e modelagens desenvolvidos na administrao do setor

    privado: preciso mudar a mentalidade dos administradores pblicos, para

    que no mais se considerem os senhores da coisa pblica, olimpicamente

    distanciados dos administrados, como se no tivessem outra obrigao que a

    de meramente desempenhar as rotinas burocrticas para terem cumprido seu

    dever funcional, mas tambm preciso, sobretudo e concomitantemente,

    mudar a mentalidade do pblico usurio, para que este se convena de que

    pode e deve exigir a prestao de servios pblicos to bons, eficientes e

    mdicos como os que tm se acostumado a exigir dos prestadores privados

    no regime de competitividade da economia de mercado.49

    Portanto, o foco atual dos administradores, segundo essa viso, dever estar voltado

    para o fortalecimento da capacidade governamental. Trata-se da figura do New Public

    Management, por meio da criao de novos instrumentos de gesto pblica, com

    embasamento na Escola da Public Choice50

    e na teoria do principal-agente51.

    Essa tambm a viso de Oriol Mir Puigpelat, no sentido de que as Administraes

    Pblicas realmente tendem a ser geridas seguindo as tcnicas da empresa privada (emerge o

    48

    GAETANI, Francisco. Governana corporativa no setor pblico. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.).

    Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 45. 49

    MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administrao pblica gerencial. Revista de Direito, Rio de Janeiro,

    v. 2., n. 4, jul./dez. 1998, p. 38. 50 A Escola da Public Choice possui foco econmico, no sentido de maximizar a atuao da Administrao por meio do controle de seus custos. 51

    A teoria do principal-agente tem como objetivo promover a aproximao entre Estado e sociedade.

    38

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    New Public Management e entra em declnio o modelo burocrtico weberiano) e passam a

    submeterem-se crescentemente ao Direito Privado.52

    (traduo livre)

    Na administrao gerencial, ainda, o desempenho institucional dever ser medido no

    s pelos processos, mas principalmente pelos resultados. E quais resultados devero ser

    buscados? Entendemos que caber queles que determinam as polticas pblicas e queles que

    possuam o dever de implement-las, a tarefa de definir quais resultados buscar-se- alcanar,

    tendo em vista o interesse da coletividade, bem como ouvir essa mesma coletividade, no

    sentido de saber que resultados elas esperam do governo.

    Essas aes, segundo tal viso, teriam como foco no s aumentar a eficincia da

    administrao pblica, mas tambm a transparncia de sua atuao, por meio da informao

    acessvel a todos. Oriol Mir Puigpelat afirma que um reforo para legitimao democrtica da

    Administrao tem vindo, principalmente, da crescente descentralizao poltico-

    administrativa, e da importncia que nos ltimos anos tem adquirido a transparncia

    administrativa e, em menor medida, a participao dos cidados na atuao da

    Administrao.53

    (traduo livre)

    Nesse contexto, tambm fundamental trazer os conceitos de governabilidade e de

    governana, para balizar a implementao de programas de mudana. De acordo com Caio

    Marini, a primeira (governabilidade) diz respeito s condies de legitimidade de um

    determinado governo para empreender as transformaes necessrias, enquanto que a segunda

    (governana) est relacionada sua capacidade de implement-las.54

    Portanto, a governabilidade acaba sendo atribuda ao administrador pela vontade

    popular, expressa pelo voto, ao passo que a governana manifesta-se por meio da capacidade

    52

    Texto original: Las Administraciones pblicas tienden a ser gestionadas siguiendo las tcnicas gerenciales de la empresa privada (emerge el New Public Management y entra en declive el modelo burocrtico weberiano) y pasan a someterse crecientemente al Derecho privado. (PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalizacin, estado y derecho: las transformaciones recientes del Derecho Administrativo. Madri-Espanha: Civitas Editiones,

    2004, p. 102.) 53

    Texto original: El refuerzo de la legitimacin democrtica de la Administracin ha venido, principalmente, de la creciente descentralizacin polcio-administrativa, y de la importancia que en los ltimos aos han

    adquirido la transparencia administrativa y- en menor medida la participacin de los ciudadanos en la actuacin de la Administracin. (PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalizacin, estado y derecho: las transformaciones recientes del Derecho Administrativo. Madri-Espanha : Civitas Editiones, 2004, p. 130.) 54

    MARINI, Caio. Aspectos contemporneos do debate sobre reforma da administrao pblica no Brasil : a

    agenda herdada e as novas perspectivas. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 1 mar./abr./maio de 2005. Disponvel em http://www.direitodoestado.com/revista. Acesso em: 28 nov. 2009.

    39

  • Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)

    desse mesmo administrador em formular e implementar polticas pblicas para o atendimento

    do interesse coletivo, utilizando-se dos recursos disponveis.

    Alm disso, preciso pensar no conceito de boa governana, conforme nos ensina

    Juan-Cruz Alli Aranguren:

    Fala-se, tambm, em boa governana ou bom governo com menor significado do que no conceito anterior para qualificar um modo de exercer o poder de modo eficaz, competente, ntegro, equitativo, transparente e

    responsvel. Seriam as qualidades exigidas pelo Estado de Direito enquanto

    os poderes pblicos ho de servir com objetividade aos interesses gerais, ho

    de atuar de acordo com a ordem jurdica, com garantias, com controle

    interno e externo e sem corrupo.55

    (traduo livre)

    Segundo o autor, a governana faz aluso a uma nova forma de governo, de gesto

    pblica e de ao administrativa. Vejamos:

    A governana alude a um novo modo de governo, de gesto pblica e de

    ao administrativa numa ordem neoliberal, na qual se reduz o protagonismo

    dos poderes pblicos, mudam-se os perfis que diferenciam o pblico do

    privado, reduzem-se as relaes de hierarquia em benefcio das cooperaes,

    promovem-se os procedimentos informais e se trata de integrar e

    comprometer a sociedade em redes para a tomada de decises e seguimento

    e controle das aes polticas. A negociao, o consenso, a flexibilidade e os

    procedimentos informais so os novos meios de ao, junto com a

    introduo das tcnicas de gesto empresarial, dos contratos por objetivos e

    das Agncias ou Administraes Independentes. 56

    (traduo livre)

    55

    Texto original: Se habla, tambin, de buena gobernanza ou buen gobierno con menor significado que el concepto anterior para calificar un modo de ejercer el poder de modo eficaz, competente, ntegro, equitativo, transparente y responsable. Seran las cualidades exigidas por el Estado de Derecho en cuanto los poderes

    pblicos han de servir con objetividad a los intereses generales, han de actuar de acuerdo al orden jurdico, con

    garantas, con control interno y extern