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sustentabilidade interesse publico e judicializacao de acoes politicas - o caso de belo
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
Conselho Editorial:
Claudinei Coletti
Cludio Antonio Soares Levada
Ivone Silva Barros
Joo Carlos Jos Martinelli
Lucia Helena de Andrade Gomes
Mauro Alves de Arajo
Paulo Eduardo Vieira de Oliveira
Simone Zanotello
Tereza Cristina Nascimento Mazzotini
Organizao:
Claudinei Coletti
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
AGRADECIMENTOS
Agradecemos o apoio do Centro Universitrio Padre Anchieta, em nome do
Presidente Dr. Norbeto Mohor Fornari. Agradecemos ainda, em especial, a Glaucia
Satsala, pela forma solcita e competente para a publicao desta edio.
Aos estimados professores e alunos, que coletivamente contriburam com a
construo da nossa Revista.
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
APRESENTAO
Apresentamos ao leitor o nmero 19 da Revista do Curso de Direito do Centro
Universitrio Padre Anchieta.
Os temas apresentados neste nmero, alm de atuais e relevantes, abordam as
mais diferentes questes, todas ligadas, de uma forma ou de outra, reflexo do Direito
como fenmeno jurdico inserido num determinado contexto histrico-social.
Claudemir Battalini, em seu artigo intitulado A rea de Proteo Ambiental
(APA) de Jundia, analisa a transformao do territrio do Municpio de Jundia em
rea de Proteo Ambiental, por meio da Lei Estadual n. 4.095, de 12 de junho de
1984 (regulamentada pelo Decreto Estadual n 43.284, de 03 de julho de 1998) e a
necessidade, a partir da, de que o desenvolvimento do Municpio atenda a padres mais
rigorosos que procurem aliar desenvolvimento com proteo ambiental. Simone
Zanotello de Oliveira, em Estudos sobre o surgimento do governo eletrnico no
Brasil, apresenta uma discusso importante sobre a Administrao Pblica no contexto
do surgimento do governo eletrnico no Brasil, caracterizada pela tentativa de mudana,
sobretudo a partir da Emenda Constitucional 19/98, do modelo burocrtico de
administrao para o modelo gerencial, focado no cidado e nos conceitos de eficincia
e de eficcia. Claudinei Coletti, em Estruturalismo e dialtica marxista: os impasses
tericos do estruturalismo diante da diacronia e do sujeito histrico, analisa as
dificuldades tericas do estrutural-marxismo em pensar a diacronia ou seja, a
transformao social , e reflete sobre o anti-humanismo terico presente no interior
dessa corrente. A abordagem estruturalista conduz, irremediavelmente, dissoluo do
sujeito histrico, pois estes no passam de meros fantoches das estruturas dominantes --
os indivduos vivenciam as determinaes estruturais como bvias, e as praticam o
tempo todo de forma inconsciente. Neste sentido, para o estrutural-marxismo, o sujeito
no pode ser considerado responsvel pelas transformaes polticas e sociais. Joo
Carlos Jos Martinelli, em Televiso e cidadania, reflete sobre o papel
desempenhado pela TV na sociedade atual, sobre a qualidade de sua programao e
sobre o seu poder em manipular nossos hbitos e ideias, observando que, se por um lado
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
nosso ordenamento jurdico garante a liberdade de expresso aos veculos de
comunicao, por outro afirma que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas . Como conciliar a vigncia desses dois direitos nos
casos em que forem conflitantes? -- pergunta-se o autor. Luiz Gustavo Fernandes, no
artigo Direito penal do inimigo, discorre sobre a proposta de adoo de um direito
penal destinado exclusivamente quelas pessoas que representam um perigo concreto
para a sociedade, paralelo ao direito penal tradicional, destinado aos criminosos
comuns. Mauro Alves Arajo, no artigo O direito de propriedade perante as
associaes de moradores e o projeto de lei n 2725/2011, analisa a questo da
(i)legalidade dos loteamentos fechados e a (in)constitucionalidade da cobrana de taxas
pelas associaes de moradores desses pseudo-condomnios. Tarcsio Germano de
Lemos Filho e Roberto Epifanio Tomaz, em Sustentabilidade, interesse pblico e
judicializao de aes polticas: o caso Usina de Belo Monte, analisam o papel do
interesse pblico na argumentao jurdica sobre polticas pblicas, a partir do
exemplo das disputas jurdicas em torno da construo da Usina Hidreltrica de Belo
Monte. Wanderley Todai Jnior, no artigo Estudo sobre o trabalho, desenvolvimento
e liberdade (notas para uma ontologia da liberdade em Marx II), continua a
discusso, iniciada em artigo anterior, sobre a relao existente entre a construo
terica do conhecimento social e a construo da teoria da liberdade presente nos
trabalhos de Karl Marx. O objetivo no presente texto analisar a relao entre o reino
da necessidade (entendido como necessidade inicial, imprescindvel e posta como
determinao da existncia do ser social) e o reino da liberdade (superao da
necessidade inicial e construo de novas capacidades e possibilidades, para alm das
necessidades iniciais), movimento denominado por Marx de desenvolvimento
humano. Marcus Vincius Ribeiro, no artigo Relaes entre os princpios da
liberdade, igualdade e justia: direito constitucional liberdade e suas restries,
discorre sobre as relaes ente os princpios da liberdade, igualdade e justia e, aps
analisar o direito constitucional liberdade e suas restries, questiona a possibilidade
de conciliao entre liberdade e igualdade. Csar Reinaldo Offa Basile, em A anlise
comparativa do desenvolvimento do direito do trabalho na Amrica Latina, discute as
experincias do Mxico, do Peru e da Argentina. Mrcia Caceres Dias Yokoyama,
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
analisa O direito ao silncio como garantia constitucional, relacionando-o questo
da dignidade da pessoa humana. Cllia Gianna Ferrari, em Breves apontamentos
sobre os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, defende a ideia de que se
deve conceber a dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos,
e que o respeito liberdade, igualdade e solidariedade so elementos que lhe so
inerentes. Alexandre Barros Castro, em Processo e procedimento, estabelece uma
distino entre esses dois conceitos para depois questionar se o correto seria tratar de
um eventual processo administrativo tributrio ou de um procedimento
administrativo tributrio. Joo Jampaulo Jnior, no breve artigo intitulado O carter
incompleto e inacabado da Constituio observa, a partir de Konrad Hesse, que a
Constituio deve permanecer incompleta e inacabada para poder se adequar s
mudanas da histria e da sociedade. Por fim, Srgio Igor Lattanzi, em A substancial
carga tributria no Brasil, analisa a excessiva centralizao da carga tributria nas
mos do governo federal, e observa que a carga tributria brasileira encontra-se acima
das maiores economias do mundo, no obstante a baixa qualidade dos servios
prestados pelo Estado aos cidados brasileiros.
Convm ressaltar que a preocupao fundamental da nossa Revista a discusso
terica e doutrinria de temas de importncia jurdica e social.
Acreditamos que tais discusses sejam fundamentais para a formao e
atualizao de professores, alunos e demais profissionais do Direito preocupados em
refletir sobre as transformaes recentes da realidade social e do fenmeno jurdico.
Prof. Dr. Claudinei Coletti
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
SUMRIO
A REA DE PROTEO AMBIENTAL - APA DE JUNDIA ...................................................... 9
Claudemir Battalini
ESTUDOS SOBRE O SURGIMENTO DO GOVERNO ELETRNICO NO BRASIL ............. 18
Simone Zanotello de Oliveira
ESTRUTURALISMO E DIALTICA MARXISTA: OS IMPASSES TERICOS DO
ESTRUTURALISMO DIANTE DA DIACRONIA E DO SUJEITO HISTRICO .................... 48
Claudinei Coletti
TELEVISO E CIDADANIA............................................................................................................ 59
Joo Carlos Jos Martinelli
DIREITO PENAL DO INIMIGO: BASES HISTRICAS, FILOSFICAS,
SOCIOLGICAS E BREVES NOES TERICAS ................................................................... 86
Luiz Gustavo Fernandes
O DIREITO DE PROPRIEDADE PERANTE S ASSOCIAES DE MORADORES E
O PROJETO DE LEI n 2725/2011 ................................................................................................... 97
Mauro Alves Arajo
SUSTENTABILIDADE, INTERESSE PBLICO E JUDICIALIZAO DE AES
POLTICAS: O CASO USINA DE BELO MONTE ..................................................................... 111
Tarcsio Germano de Lemos Filho
Roberto Epifanio Tomaz
ESTUDO SOBRE TRABALHO, DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE (NOTAS PARA UMA ONTOLOGIA DA LIBERDADE EM MARX - II) ................................................. 132
Wanderley Todai Jnior
RELAES ENTRE OS PRINCPIOS DA LIBERDADE, IGUALDADE E JUSTIA:
DIREITO CONSTITUCIONAL LIBERDADE E SUAS RESTRIES ................................ 165
Marcus Vinicius Ribeiro
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
A ANLISE COMPARATIVA DO DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO
TRABALHO NA AMRICA LATINA .......................................................................................... 183
Csar Reinaldo Offa Basile
O DIREITO AO SILNCIO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL .................................. 196
Marcia Caceres Dias Yokoyama
BREVES APONTAMENTOS SOBRE DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA .......................................................................................................................... 223
Clelia Gianna Ferrari
PROCESSO E PROCEDIMENTO ................................................................................................. 229
Alexandre Barros Castro
O CARTER INCOMPLETO E INACABADO DA CONSTITUIO: o que pretende
Hesse quando refere o carter incompleto e inacabado da constituio, considerando a diferena com a constituio como sistema aberto. ........................................................................ 233
Joo Jampaulo Jnior
A SUBSTANCIAL CARGA TRIBUTRIA NO BRASIL ............................................................ 235
Srgio Igor Lattanzi
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
A REA DE PROTEO AMBIENTAL - APA DE JUNDIA
Claudemir Battalini 1
Cresce a conscincia de que temos s esse planeta para habitar, pequeno e
com recursos limitados. Importa trat-lo com cuidado para que possa abrigar
a todos os humanos, a cadeia inteira da vida e todos os seres. Queremos que
tenha ainda uma longa histria pela frente. (Leonardo Boff) 2
1. Introduo
Jundia uma cidade singular: sofre um crescimento acelerado, possui muitas
empresas, comrcio e servios fortes, sede de microrregio, est muito prxima da
metrpole e capital paulista, rodeada de algumas das melhores rodovias do Pas, tem um PIB
que a coloca entre os principais municpios brasileiros, sendo que por outro lado possui um
importante remanescente de mata atlntica preservado, o qual em maior parte integra a Serra
do Japi, patrimnio tombado e que estimulou a criao e instituio da rea de Proteo
Ambiental de Jundia APA (que limtrofe tambm com a APA de Cabreva).
O desenvolvimento sustentvel, preconizado pela Constituio Federal e Direito
Ambiental um desafio ainda maior para Jundia, que deve ser enfrentado pelos operadores
do Direito, classe poltica, empresrios e populao em geral.
2. Consideraes iniciais
Associado ao crescimento e desenvolvimento urbano, Jundia, assim como a Capital
que nos prxima, sofre com a falta de gua nos reservatrios, tambm com risco de
racionamento, sendo que na atualidade o problema tem sido mais perceptvel como reflexo de
longa estiagem.
1 Possui graduao em Direito e especializao em Direito Ambiental, ambos pelo Centro Universitrio Padre
Anchieta (UniAnchieta). professor do UniAnchieta nas disciplinas de Direito Ambiental e Direito do
Consumidor e Promotor de Justia do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo. 2 BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro Mundo Possvel. Volume I - Hospitalidade: Direitos & Deveres de
todos. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, p. 17.
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
Alm da estiagem, todos tm percebido alteraes climticas, com temperaturas acima
da mdia, oscilaes constantes da temperatura, chuvas insuficientes, alm de constantes
notcias sobre aquecimento global, efeito estufa, aumento do nvel dos oceanos com o
derretimento das calotas polares, etc.
Em razo disso o meio ambiente tem sido preocupao constante nos dias atuais, pois
o desequilbrio atinge o prprio ser humano, em relao aos interesses maiores e
indisponveis: vida, sade, dignidade, entre outros.
A legislao ambiental, a comear pela Constituio Federal, tem por objetivo manter
o equilbrio ecolgico, mas necessria efetiva aplicao e conscincia da parte de todos, sem
o que a espcie humana sofrer prejuzos irreversveis.
Vale lembrar que o ser humano parte integrante de nosso planeta Terra. Depende
para sobreviver do equilbrio ambiental planetrio.
Como temos repetido, assim como inmeros autores, h estreita ligao do homem
com o prprio planeta:
Essa calibragem no apenas interna ao sistema-Gaia, como se fora um
sistema fechado. Ela se verifica no prprio ser humano, que em seu corpo
possui mais ou menos a mesma proporo de gua que o planeta Terra
(71%) e a mesma taxa de salinizao do sangue que o mar apresenta (3,4%).
Esta dosagem fina se encontra no universo, pois se trata de uma sistema
aberto que inclui a harmonia da Terra.3
Essa percepo fundamental para que o ser humano passe a respeitar, como deveria,
o meio que o circunda e de onde retira todos os elementos necessrios sua vida com
qualidade e dignidade.
Em relao gua afirma-se que a interligao existente entre a histria do homem e
da gua, certamente originou-se no tero materno, indo at as necessidades mais banais dos
seres humanos4, o que nos faz lembrar da sua importncia e exige providncias para que
continue existindo em quantidade e qualidade suficientes para todos.
3 BOFF, Leonardo. Ecologia Grito da Terra, Grito dos Pobres. 2. ed. So Paulo: tica, 1996, p. 38.
4 SOUZA, Luciana Cordeiro de. guas e sua proteo. Curitiba: Juru, 2004, p. 13.
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
3. Tutela constitucional
O art. 225 de nossa Constituio Federal garante o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, tratado como bem de uso comum do povo, j que essencial
sadia qualidade de vida. Ainda dispe da obrigao do poder pblico, mas tambm da
coletividade, de defender e preservar o meio ambiente, no s para a nossa, mas tambm para
as futuras geraes.
Alm do caput, os pargrafos do art. 225 e outras disposies constitucionais,
procuram assegurar esse direito, que est ligado ao princpio da dignidade da pessoa humana
e ao piso vital mnimo, constitudo pelos direitos sociais do art. 6 de nossa Constituio
Federal.
Tambm o art. 170 do Texto Maior, ao tratar da ordem econmica, procura enfatizar
que a propriedade no se concebe mais como outrora, mas deve respeito funo ambiental e
social, sendo fundamento para o desenvolvimento sustentvel, alm de preconizar tambm
a preocupao de assegurar a todos existncia digna.
Portanto, a ordem econmica importante, mas deve estar sempre associada defesa
do meio ambiente e funo social da propriedade, sem o que perde sua razo de ser e
compromete a vida com dignidade e qualidade.
Na mesma linha tambm o art. 182 da Constituio, entre outras normas correlatas.
Voltando ao art. 225 da Carta Magna, temos que para garantir o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Pblico, entre outras providncias:
definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a
supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo. (art.
225, 1, III, da CF)
4. Unidades de conservao e a categoria de rea de proteo ambiental - APA
Jos Afonso da Silva, analisando o art. 225, 1, III, da CF, utiliza a expresso
espaos ambientais, dividida em espaos territoriais especialmente protegidos e o
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
zoneamento ambiental, estando entre os primeiros as Unidades de Conservao, Espaos
Particulares de Proteo Integral, Espaos de manejo Provisrio e Espaos de Manejo
Sustentvel. O mesmo autor define Unidades de Conservao como sendo:
espaos ou pores do territrio nacional, incluindo as guas jurisdicionais,
de domnio pblico, institudos pelo Poder Pblico com objetivo e limites
definidos, geralmente fechados, sujeitos administrao especial, a que se
aplicam garantias de proteo total dos atributos naturais que tenham
justificado sua criao, efetuando-se a preservao dos ecossistemas em
estado natural com um mnimo de alteraes e admitido apenas o uso
indireto de seus recursos, excetuados os casos previstos em lei. 5
J para Paulo de Bessa Antunes, que trata em um mesmo captulo das reas de
Preservao Permanente e Unidades de Conservao, destacando que as definies no
encontram unanimidade e que vrios diplomas legais tratam da matria, aponta as reas
protegidas diretamente pela Constituio Federal (art. 225, 4), constituindo o patrimnio
nacional, bem como aquelas protegidas pelo Cdigo Florestal e as Unidades de Conservao,
que, segundo ele, so espaos territoriais que, por fora de ato do Poder Pblico, esto
destinados ao estudo e preservao de exemplares da flora e da fauna, podendo ser pblicas
ou privadas6.
As Unidades de Conservao esto disciplinadas pela Lei 9985/00, dividas em dois
grupos: Unidades de Proteo Integral e Unidades de Uso Sustentvel. Cada um desses
grupos possui diferentes categorias.
A rea de Proteo Ambiental APA est entre as Unidades de Uso Sustentvel, e
assim definida:
Art. 15. A rea de Proteo Ambiental uma rea em geral extensa, com
um certo grau de ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos,
estticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o
bem-estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger a
diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a
sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
5 SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 163.
6 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 218.
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
1o A rea de Proteo Ambiental constituda por terras pblicas ou
privadas. 2
o Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas
e restries para a utilizao de uma propriedade privada localizada em uma
rea de Proteo Ambiental.
3o As condies para a realizao de pesquisa cientfica e visitao pblica
nas reas sob domnio pblico sero estabelecidas pelo rgo gestor da
unidade.
4o Nas reas sob propriedade privada, cabe ao proprietrio estabelecer as
condies para pesquisa e visitao pelo pblico, observadas as exigncias e
restries legais.
5o A rea de Proteo Ambiental dispor de um Conselho presidido pelo
rgo responsvel por sua administrao e constitudo por representantes dos
rgos pblicos, de organizaes da sociedade civil e da populao
residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.
Alm das Unidades de Conservao, bom que se diga, h outras reas de proteo,
decorrentes do texto constitucional e legislao infraconstitucional: reas de Preservao
Permanente - APP e Reserva Legal (institudas pelo Cdigo Florestal), Patrimnio Nacional
(art. 225, 4 da CF, podendo ser citada a Mata Atlntica, regulamentada pela Lei 11428/06),
reas de tombamento pelo valor paisagstico ou ecolgico, zoneamento ambiental, etc.
5. A rea de proteo ambiental APA de Jundia
O territrio do Municpio de Jundia foi erigido em rea de Proteo Ambiental -
APA pela Lei Estadual n. 4.095, de 12 de junho de 1984, e regulamentada pelo Decreto
Estadual n 43.284, de 03 de julho de 1998, dada a sua importncia para as regies
metropolitana e central do Estado, por possuir remanescentes importantes de Mata Atlntica
que compe em maior parte a Serra do Japi.
Dispe esta Lei Estadual, dando diretrizes que devem ser respeitadas, buscando-se um
equilbrio entre desenvolvimento e proteo ambiental:
Art. 1 - Fica declarada rea de Proteo Ambiental a regio urbana e rural
do Municpio de Jundia, respeitada a legislao municipal.
Art. 2 - A implantao da rea de proteo ambiental ser coordenada pelo
Conselho Estadual do Meio Ambiente, em colaborao com os rgos e
entidades da Administrao Estadual Centralizada e Descentralizadas
ligados preservao ambiental, com o Executivo e Legislativo do
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
Municpio e com a comunidade local.
Art. 3 - Na implantao da rea de Proteo Ambiental sero aplicadas as
medidas previstas na legislao e podero ser celebrados convnios visando
a evitar ou a impedir o exerccio de atividades causadoras de degradao da
qualidade ambiental.
Pargrafo nico - Tais medidas procuraro impedir, especialmente:
I - a implantao de atividades potencialmente poluidoras, capazes de afetar
mananciais de guas, o solo e o ar;
II - a realizao de obras e terraplenagem e abertura de canais que importem
em sensvel alterao das condies ecolgicas locais, principalmente na
zona de vida silvestre;
III - o exerccio de atividades capazes de provocar acelerada eroso das
terras ou acentuado assoreamento nas colees hdricas; e
IV - o exerccio de atividades que ameacem extinguir as espcies raras da
flora e da fauna locais.
Art. 4 - Fica estabelecida uma zona de vida silvestre, abrangendo todos os
remanescentes da flora original existente nesta rea de Proteo Ambiental
e as reas definidas como de preservao permanente pelo Cdigo Florestal.
Art. 5 - Na zona de vida silvestre no ser permitida nenhuma atividade
degradadora ou potencialmente causadora de degradao ambiental,
inclusive porte de armas de fogo, armadilhas, gaiolas, artefatos ou de
instrumentos de destruio da natureza.
E o Decreto Estadual n 43.284, de 03.07.98, regulamentou a rea de Proteo
Ambiental de Jundia, com exigncias ambientais compatveis, estabelecendo uma espcie de
zoneamento ambiental, a saber: I zona de vida silvestre; II zona de conservao da vida
silvestre; III zona de conservao hdrica e IV zona de restrio moderada (art. 15),
visando especial proteo Serra do Japi (patrimnio tombado), remanescentes de vegetao
nativa (Mata Atlntica), reas de Preservao Permanente e rea de proteo aos mananciais.
Em casa uma dessas zonas regulamentadas h disposies especficas para fins de
proteo ambiental, valendo lembrar que todo o Municpio faz parte da APA, incluindo a
zona urbana, mas onde as restries so menores (zona de restrio moderada).
Vale lembrar que o Municpio, por fora das competncias legislativas constitucionais
e interpretao doutrinria e jurisprudencial, no pode estabelecer normas menos restritivas
em relao regulamentao da APA, nem alterar o zoneamento proposto, como, por
exemplo, aumentar a zona de restrio moderada em detrimento do que estabelecido no
Decreto Estadual 43.284/98, que regulamentou a Lei Estadual 4095/84. Assim, o Plano
Diretor do Municpio, tambm exigncia constitucional para fins de adequado ordenamento
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
do territrio, deve contemplar normas que respeitem a APA Jundia. Compete ao Municpio,
se o caso, estabelecer normas ainda mais restritivas em relao ao previsto para a APA, o que
sempre admissvel em face de normas e princpios ambientais.
6. Crescimento urbano e APA de Jundia
Assim, em face do nosso ordenamento jurdico, voltado garantia do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e essencial para uma vida com dignidade, o
desenvolvimento do Municpio de Jundia, ainda mais por se tratar de uma APA, deve atender
padres mais rigorosos que procurem aliar desenvolvimento com proteo ambiental.
A questo hdrica tambm uma preocupao atual e que j vem sendo anunciada h
um bom tempo.
Nosso Municpio abastecido pelo Rio Jundia Mirim, proveniente da vizinha Jarinu,
bem como seus afluentes. em realidade um rio com pouca vazo hdrica. O Municpio
depende em alguns perodos de escassez hdrica de gua de outra bacia hidrogrfica, ou seja,
que passa por outras cidades. Trata-se do Rio Atibaia, onde instalados equipamentos que
fazem, por meio de bombas, a captao de gua que lanada at um determinado ponto do
Rio Jundia Mirim, para da seguir pelo seu leito at as represas existentes de acumulao.
No se pode desprezar que na atualidade a Capital sobre uma crise hdrica intensa e
que um dos complexos utilizados do Cantareira, composto por diversas represas e
barragens, de onde a gua segue para tratamento e abastecimento de milhes de paulistanos.
Pois bem, o complexo de represas da Cantareira composto tambm em parte pelo
Rio Atibaia, que alm de servir Jundia em perodos de escassez hdrica, tambm abastece
vrios outros Municpios, inclusive na regio de Campinas.
Em resumo, Jundia, ainda que APA, no possui recursos hdricos ilimitados, ao
contrrio, deve-se atentar que o crescimento acelerado do Municpio, com o aumento da
populao, poder levar em breve a racionamentos ou falta de gua. Deve-se ponderar, ainda,
que muitas indstrias utilizam gua proveniente do sistema de captao e acumulao em
quantidades significativas.
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Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
7. Concluso
O Direito Ambiental visa garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
associado dignidade do ser humano.
A rea de Proteo Ambiental de Jundia surgiu e foi regulamentada tendo como um
dos objetivos impedir a implantao de atividades potencialmente poluidoras, capazes de
afetar mananciais de guas, o solo e o ar (art. 3, I, da Lei Estadual 4095/84).
Assim, h que se atentar para o crescimento sustentvel, organizado, planejado,
atentando-se que o crescimento desenfreado atividade altamente poluidora, estando a
populao prestes a sofrer os reflexos das investidas do ser humano contra o ambiente
(poluio atmosfrica, trnsito catico, falta de infraestrutura bsica para atendimento da
populao nas reas de sade, educao, transporte coletivo, entre outras, como ocupaes de
reas ambientais para atender demanda por moradias, etc.)
H que se pensar na proteo ambiental como verdadeiro fator de qualidade de vida,
em converter a proteo ambiental em atividades menos impactantes, como turismo rural,
ambiental, de aventura, diverso, gastronmico, gerando renda e empregos, mas sem um
crescimento desenfreado da populao e por consequncia do atendimento de suas
necessidades.
tempo de aprender, estudar, refletir, cuidar, respeitar, mas tambm de agir na
proteo do meio ambiente, exigindo-se maior respeito s normas que em ltima anlise
visam a proteo do prprio homem.
Referncias:
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.
______. ______. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996.
BOFF, Leonardo. Ecologia Grito da Terra, Grito dos Pobres. 2. ed. So Paulo: tica, 1996.
______. Ecologia, Mundializao, Espiritualidade. 2 ed. So Paulo: tica, 1996.
16
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BOFF, Leonardo. O Despertar da guia. 6 ed. Petrpolis: Vozes, 1998.
______. Virtudes para um outro Mundo Possvel. Volume I - Hospitalidade: Direitos &
Deveres de todos. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. 2. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1986
FIORILLO, Celso Antnio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. So
Paulo: Saraiva, 2009.
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MACHADO, Paulo Affonso leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. So Paulo: Malheiros
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MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juzo. 22. ed. So Paulo:
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SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. So Paulo: Malheiros
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______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8. ed. So Paulo: Malheiros Editores,
1992.
SOUZA, Luciana Cordeiro de. guas e sua proteo. Curitiba: Juru, 2004.
17
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
ESTUDOS SOBRE O SURGIMENTO DO GOVERNO ELETRNICO NO BRASIL
Simone Zanotello de Oliveira 1
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar o panorama da Administrao Pblica no
surgimento do governo eletrnico no Brasil, caracterizada pela tentativa de mudana do
modelo burocrtico para o modelo gerencial. Nesse aspecto, ser necessrio destacar que o
perodo dessas mudanas coincide com o surgimento da Sociedade da Informao.
Analisaremos, tambm, a importncia da Constituio Federal de 1988, que por meio da
disposio de direitos fundamentais de segunda gerao, tidos como positivos, passou a
exigir uma atividade prestacional do Estado. Ser analisada, ainda, a Emenda Constitucional
19/98, que tratou da reforma do aparelho estatal, e materializou a eficincia como princpio
da Administrao Pblica, no obstante sua existncia implcita. Por fim, tambm sero
trazidas, a ttulo de conhecimento, as caractersticas e exigncias contidas numa administrao
pblica pautada por um modelo gerencial.
Palavras-chaves: Administrao pblica. Sociedade da informao. Eficincia.
Governo eletrnico.
Abstract
This article aims to present the views of the public administration in the emergence of
e-Government in Brazil, characterized by the attempt to change the bureaucratic model to the
management model. In this respect, it is necessary to point out that the period of these
changes coincide with the emergence of the information society. We, also, the importance of
1 Advogada e consultora jurdica na rea de licitaes, contratos administrativos e concursos pblicos. Mestre
em Direito da Sociedade da Informao e Especialista em Administrao Pblica e em Direito Administrativo.
Autora de diversas obras tcnicas e literrias. Professora do Curso de Direito do Centro Universitrio Padre
Anchieta (UniAnchieta). Presidente da Academia Jundiaiense de Letras Jurdicas e Integrante da Academia
Jundiaiense de Letras.
18
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the Federal Constitution of 1988, which through the provision of fundamental rights,
considered as "positive", went on to require an instalment activity in the State. Will be
examined further, the Constitutional Amendment 19/98, which dealt with the reform of the
State apparatus, and materialized the "efficiency" as principle of public administration,
notwithstanding their existence implied. Finally, will also be brought, by way of knowledge,
characteristics and requirements contained in a Government guided by a management model.
Key-words: Public administration. Information society. Efficiency. Electronic
government.
1. O panorama da administrao pblica no surgimento do governo eletrnico no
brasil
A Administrao Pblica no Brasil apresentou, durante muitos anos, notadamente a
partir de 1930, no governo de Getlio Vargas, um modelo burocrtico.
Esse modelo surgiu como uma reao administrao patrimonialista at ento
vigente na poca, que predominava nas monarquias absolutas e cuja caracterstica principal
era a indefinio entre o patrimnio pblico e o patrimnio privado, os quais se confundiam.
Outra caracterstica do modelo burocrtico, definida por Max Weber em 1922, que
quela poca o considerava como uma maneira ideal de organizar o governo, a centralizao
de decises numa estrutura hierrquica de unidade de comando. Apresenta a subordinao
com forte predominncia, havendo a superviso dos nveis inferiores pelos nveis superiores
(de cima para baixo), bem como diviso de trabalho e especializao de funes vinculadas a
regras oficiais, de forma bem impessoal.
Anbal Teixeira traou algumas crticas a essa forma de organizao, dentre as quais
destacamos:
a) duplicidade de rgos e de funes, tanto horizontal quanto verticalmente, fazendo
com que municpios, estados e Unio tratem do mesmo assunto de forma concorrente
e dispendiosa;
b) excesso de funcionrios nos nveis governamentais, atuando sem o devido
treinamento;
c) compartimentalizao de servios, formando nichos burocrticos estanques;
19
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
d) ideias fixas de carreiras e funes detalhadas e estticas, impedindo o dinamismo
e a flexibilizao;
e) regulamentos, normas e procedimentos rgidos, fazendo com que o aspecto formal
sobreponha-se ao funcional;
f) ausncia de tempo para a resoluo dos problemas;
g) organizao (ministrio, secretaria, departamento, entre outros.) sobrepondo-se
misso (educar, cuidar da sade, combater as drogas, entre outras)
h) inexistncia de preocupao com o custo, numa tendncia de se dispensar o custo
fixo no pressuposto de que eles, especialmente a mo-de-obra, tm custo zero;
i) ausncia de delegao de funes.2
Mais uma caracterstica que a burocracia tende a valorizar os meios, em detrimento
dos fins. Com isso, deixa-se de lado a viso finalstica do Estado.
Esses aspectos parecem ter imprimido um autoritarismo prtica administrativa, no
condizente com a ideia de democracia trazida pela Constituio Federal de 1988. Alm disso,
esse modelo exigiu controles rigorosos, embasados em procedimentos, passo a passo, o que
promoveu, de certa forma, o engessamento da mquina pblica.
No restam dvidas de que a burocracia, por meio da concentrao do poder em
determinados segmentos, acaba por criar dificuldades e entraves, que se constituem em portas
para a corrupo, a intermediao e o trfico de influncia.
Nos anos de 1990, o pas passou por uma grande crise econmica, com um panorama
de elevada inflao e de estagnao da renda per capita, fazendo com que a reforma estatal se
tornasse um tema central e uma necessidade iminente.
A globalizao tambm foi um fator que veio a impulsionar essa reforma, visto que o
Estado necessitava exercer um novo papel, que era o de facilitar para que a economia nacional
pudesse apresentar competitividade em mbito internacional. Nas palavras de Luiz Carlos
Bresser Pereira:
2 TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron Books, 1996, p. 48-50.
20
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
A regulao e a interveno continuam necessrias, na educao, na sade,
na cultura, no desenvolvimento tecnolgico, nos investimentos em infra-
estrutura uma interveno que no apenas compense os desequilbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que
capacite os agentes econmicos a competir em nvel mundial.3
David Osborne tambm discorre sobre a questo global como influncia sobre os
governos:
O surgimento de uma economia global ps-industrial, baseada no
conhecimento, abalou velhas realidades em todo o mundo, criando
oportunidades maravilhosas e problemas espantosos. Os governos grandes e pequenos, federais, estaduais e locais, nos Estados Unidos e no resto do
mundo j comearam a reagir.4
Destacamos, ainda, que essas mudanas mais significativas no aparelho do Estado
ocorrem na mesma poca do advento da sociedade informacional, exercendo influncia sobre
ele. Como exposto em Sociedade da Informao no Brasil Livro Verde, produzido pelo
Ministrio da Cincia e Tecnologia do Governo Federal:
A sociedade da informao no um modismo. Representa uma profunda
mudana na organizao da sociedade e da economia, havendo quem a
considere um novo paradigma tcnico-econmico. um fenmeno global,
com elevado potencial transformador das atividades sociais e econmicas,
uma vez que a estrutura e a dinmica dessas atividades inevitavelmente
sero, em alguma medida, afetadas pela infra-estrutura de informaes
disponvel. 5
Adalberto Simo Filho descreve a Sociedade da Informao como realidade e parte do
projeto de governo das mais diversas naes desenvolvidas e em via de desenvolvimento, a
qual deve redundar num maior acesso, melhorando a qualidade de vida do cidado, na medida
3 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em
www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em 10 jul. 2009. 4 OSBORNE, David. Reinventando o governo. Trad. de Srgio Bath e Ewandro Magalhes Jnior. Braslia: MH
Comunicaes, 1994, p. XIII. 5 BRASIL. MINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA. Sociedade da informao no Brasil livro verde.
Organizado por Tadao Takahashi. Braslia : Ministrio da Cincia e Tecnologia, 2000, p. 5.
21
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em que ele pode, pela conectividade, obter um sem-nmero de servios pblicos e privados,
com o fomento da atividade empresarial. Alm disso, o autor destaca a necessidade de uma
adequada formao de competncias e o desenvolvimento de polticas pblicas6 que
possibilitem o acesso a todos, para a consecuo da incluso digital no ambiente da sociedade
informacional. Por fim, uma boa infraestrutura e regras de segurana so elementos que
possibilitaro a modernizao da administrao pblica e dos servios colocados no mbito
do sistema informacional proposto. 7
O autor tambm destaca que nesse novo panorama da Sociedade da Informao, com
o uso da tecnologia da informao, imprescindvel que o cidado seja o foco das atenes:
Este exatamente o cerne de nossa proposta. Um retorno tica clssica e
aos princpios gerais do direito para a formao de um costume prprio para
a Sociedade da Informao em cuja base encontram-se os preceitos da boa-f
e da responsabilidade social. A Interntica, neste sentido proposto, seria resultante da iniciativa privada, com o beneplcito das polticas
governamentais, adotadas pela empresas (privadas e pblicas) que possuem
interesses nas atividades do espao virtual, tomadas dentro das exigncias de
ordem pblica e do bem comum, observando-se padres ticos e da boa-f
em todos os seus ditames e aes virtuais, sem nunca perder de vista o
cidado como o maior destinatrio dos avanos tecnolgicos. (grifo nosso) 8
Por outro lado, no podemos nos esquecer que a Sociedade da Informao tambm faz
com que o cidado acabe por assumir um papel de passividade diante das inovaes que lhe
so apresentadas. Nessa esteira, trazemos as lies de Marco Antonio Barbosa:
Como j acontecera antes, na evoluo do rdio e da televiso, os usurios
da rede no so estimulados a gerar os seus prprios contedos, mas a
apenas reagir aos contedos previamente produzidos pelos portais. A atitude
desses usurios de portais no pode ser meramente passiva, como a dos
rdio-ouvintes ou a dos telespectadores, em razo da prpria natureza
interativa da rede. So estimulados a participar e sutilmente orientados a
permanecerem nos limites de uma certa cultura que sirva, direta ou
6 Polticas Pblicas um conceito da Poltica e da Administrao, embora atualmente esteja presente em
diversas reas, inclusive no Direito. Trata-se de um conjunto de aes coletivas que tem como fundamento promover a garantia dos direitos sociais, representando um compromisso pblico por parte dos agentes polticos.
In: http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 22 dez. 2009. 7 SIMO FILHO, Adalberto. Sociedade da informao e seu lineamento jurdico. In: PAESANI, Liliana Minardi
(coord.). Direito na sociedade da informao. So Paulo: Atlas, 2007. p. 27. 8 Ibidem. p. 26-27.
22
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indiretamente, valorizao e acumulao do capital-informao e, no
mesmo tempo, enquanto navegam atravs de banners e links, os seus gostos, interesses, valores e gastos mdios a cada compra so analisados. A
Internet permite ao capital individualizar o consumidor e de extrair toda a
informao-valor que puder, levando a um limite nuclear a fragmentao
social e a concomitante excluso.9
Por essa razo, preciso bom senso e cautela para compreender e aplicar os desgnios
da Sociedade da Informao, notadamente nas atividades governamentais, a fim de que o
cidado realmente tenha um papel ativo na sociedade, e no seja dominado por aqueles que
detm o poder. E para que isso acontea, necessrio que se viabilizem aes que promovam
condies para que haja uma aproximao entre cidado e Estado.
Em suma, esse era o quadro da Administrao Pblica no Brasil por ocasio do
surgimento de novas formas de gesto pblica, inclusive com o uso da tecnologia da
informao para auxiliar nessa tarefa.
1.1. A constituio federal de 1988 e a atividade prestacional do estado
A Constituio Federal de 1988 trouxe uma srie de dispositivos que tratam dos
direitos fundamentais do cidado e da coletividade, especialmente voltados para a proteo de
sua dignidade e para a satisfao de suas necessidades mnimas. Esses direitos fundamentais,
definidos na doutrina10
como sendo de segunda gerao, abrangem direitos sociais,
econmicos e culturais, quer em sua perspectiva individual, quer em sua perspectiva coletiva.
Sendo assim, conforme nos ensinam Luiz Aberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes
Jnior, esses direitos apresentam-se como direitos positivos, pois exigem uma atividade
prestacional do Estado, no sentido de buscar a superao de carncias individuais e sociais:
[...] os direitos fundamentais de segunda gerao costumam ser denominados
direitos positivos, pois, como se disse, reclamam no a absteno, mas a
presena do Estado em aes voltadas minorao dos problemas sociais.
9 BARBOSA, Marco Antonio. Poder na sociedade da informao. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.).
Direito na sociedade da informao. So Paulo: Atlas, 2007. p. 55. 10
ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.
e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 117.
23
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Tambm chamados direitos de crena, pois trazem a esperana de uma participao ativa do Estado.
11
Diante de tal assertiva, notamos que o texto constitucional quis imprimir outra forma
de participao do cidado na sociedade, por meio de novos direitos, havendo a necessidade
de se pensar em polticas pblicas para atingir esse objetivo. Segundo Rejane Esther Vieira:
Como resultado da democratizao do Estado, a administrao pblica
ganhou novas e complexas atuaes nas reas da sade, educao, lazer,
previdncia social, relaes de trabalho; criou-se uma quantidade infinita de
setores que exigem ampla fiscalizao, interveno e regulao.12
Trata-se de uma atuao da Administrao, independentemente das questes polticas,
de maneira profissional, autnoma e imparcial, com o objetivo de atender s demandas dos
cidados. Segundo definio de Juan-Cruz Alli Aranguren:
A este fim se concede autonomia orgnica para a Administrao e se
perseguem sua profissionalizao e independncia das contingncias
polticas, a fim de garantir o cumprimento de seus prprios fins e prestar os
servios que o Estado proporciona aos cidados, distintos da funo
legislativa e judicial. Esta concepo de uma Administrao neutra,
imparcial no jogo poltico, profissionalizada e estvel, objetivo comum nos
sistemas polticos democrticos. (traduo livre)13
Porm, a Constituio, por ocasio de sua promulgao, no obstante seus novos
objetivos, no permitiu que a atividade administrativa tomasse rumos mais condizentes com a
viso democrtica e participativa que se buscava. Em seu texto verificou-se a solidificao de
alguns institutos, tais como o regime jurdico nico, a estabilidade rgida de servidores e
11
ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.
e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 117. 12
VIEIRA, Rejane Esther. Administrao pblica democrtica no Estado de Direito : o novo servio pblico no
cenrio brasileiro. Disponvel em http://www.artigonal.com. Acesso em: 02 abr. 2009. 13
Texto original: A este fin se concede autonoma orgnica a la Administracin y se persigue su profesionalizacin e independencia de las contingencias polticas, a fin de garantizar el cumplimiento de sus
propios fines y preste los servicios que el Estado proporciona a los ciudadanos, distintos de la funcin
legislativa y judicial. Esta concepcin de una Administracin neutra, imparcial en el juego poltico,
profesionalizada y estable, es objetivo comn en los sistemas polticos democrticos. (ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. Derecho administrativo y globalizacin. Madri-Espanha : Civitas Ediciones, 2004, p. 178.)
24
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aposentadoria especial deles. Estabeleceram-se, tambm, vrios sistemas de controle,
promovendo, at certo ponto, o engessamento da mquina, tendo como justificativa a
desconfiana em relao atuao dos altos administradores. Em razo disso, vislumbrou-se a
necessidade de mudanas.
Na viso de Paulo Miron e Joo Lins, a partir da dcada de 90, o pas iniciou uma
caminhada rumo modernizao da gesto pblica, em busca de um aparelho de Estado
eficiente, o que se tornou um processo sem volta. algo que vem avanando fortemente e tem
se beneficiado da troca de experincias e do acesso a informaes de melhores prticas, tanto
em nvel nacional quanto global.14
No entanto, somente a partir de 1995 surgiram os primeiros movimentos visando a
uma reforma da mquina estatal, no incio do primeiro governo de Fernando Henrique
Cardoso. Nessa poca, o objetivo era buscar novos mecanismos de gesto, que propiciassem
a efetiva prestao dos servios pblicos. Entendemos que a ineficincia e a ineficcia do
Estado podem se constituir em barreiras para que o cidado exera seus direitos. De acordo
com Win Oosterom:
O setor pblico o maior provedor de servios em todo o mundo. Agregar
valor ao servio pblico gera um impacto positivo em milhes de pessoas.
Conhecer o cidado e suas necessidades representa a primeira etapa do
atendimento de suas expectativas.15
Por outro lado, o autor afirma que as reformas nos rgos do setor pblico, com o
objetivo de melhorar a eficcia da prestao de servios, no surgem do nada, e so
geralmente movidas por fatores externos a esses rgos, destacando, dentre eles, as mudanas
em requisitos legais e as restries de oramento.16
Um documento importante dentro desse contexto de mudana foi o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministrio da Administrao Federal e
14 MIRON, Paulo; LINS, Joo. Excelncia na gesto pblica. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 28. 15
OOSTEROM, Win. O futuro da prestao de servios pblicos : atendendo s expectativas do cidado. In:
LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 45. 16
Ibidem. p. 78.
25
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
Reforma do Estado - MARE17
, em 1995. Esse plano, que expressava a viso estratgica do
governo poca, com foco na reforma do aparelho estatal, abrangia a questo da mudana em
trs dimenses18
:
a) institucional-legal por meio da necessidade de remover os obstculos do
ordenamento constitucional e tambm infraconstitucional;
b) cultural por meio da necessidade de se promover a substituio da cultura
burocrtica dominante pela nova cultura gerencial;
c) gesto por meio da implementao da reforma com a adoo de novas formas
institucionais, novas competncias e instrumentos gerenciais mais adequados realidade
buscada.
Essa proposta de reforma do aparelho estatal brasileiro na poca tambm foi embasada
em quatro vertentes19
:
a) o ncleo estratgico do Estado, no qual se definem as leis e as polticas pblicas, e
que se constitui num setor relativamente pequeno;
b) as atividades exclusivas do Estado, que identificam o chamado poder do Estado,
como legislar e tributar, por exemplo;
c) os servios no-exclusivos ou competitivos do Estado, os quais, embora no
envolvam o poder de Estado, fazem com que este ltimo realize-os ou subsidie-os, tendo em
vista sua relevncia para os cidados, o que inclui os servios sociais e cientficos;
d) a produo de bens e servios para o mercado, que realizada pelo Estado, por
meio da Administrao Indireta (Sociedades de Economia Mista), operando servios pblicos
em setores considerados estratgicos.
De acordo com Slvia Regina Pacheco, a reforma administrativa requer aes de
governana, para atingir seu real objetivo:
17 Destaca-se que o MARE foi extinto em 1999, sendo que suas funes foram absorvidas pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. 18
MARINI, Caio. Aspectos contemporneos do debate sobre reforma da administrao pblica no Brasil : a
agenda herdada e as novas perspectivas. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 1 mar./abr./maio de 2005. Disponvel em http://www.direitodoestado.com/revista. Acesso em: 28 nov. 2009. 19
PEREIRA, Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em
www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em: 10 jul. 2009.
26
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Na reforma administrativa, toda uma srie de medidas devem contribuir para
diminuir o chamado entulho burocrtico disposies normativas excessivamente detalhadas, que s contribuem ao engessamento da mquina
e muitas vezes sua intransparncia. A maior contribuio da reforma
administrativa est voltada governana, entendida como o aumento da
capacidade de governo, atravs da adoo dos princpios de administrao
gerencial.20
Nesse foco, a reforma teve como dimenso delimitar a rea de atuao do Estado,
propor mudanas no quadro constitucional e legal, promovendo a chamada
desregulamentao, aumentar a capacidade de ao do governo na mesma proporo da sua
atuao democrtica e, principalmente, inserir os ideais de governabilidade baseados no
accountability, ou seja, na responsabilidade dos administradores no trato com a coisa pblica.
1.2. A emenda constitucional 19/98 e o princpio da eficincia
A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, publicada no Dirio Oficial
da Unio em 5 de junho de 1998, teve como foco modificar o regime e dispor sobre os
princpios e normas da Administrao Pblica, servidores e agentes polticos, controle de
despesas e finanas pblicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, alm de
outras providncias. Dentre as principais modificaes inseridas na Constituio, por meio
dessa Emenda, podemos destacar:
a) competncias administrativas da Unio e segurana pblica arts. 21 e 144;
b) competncias legislativas da Unio art. 22;
c) fixao de subsdios nas esferas municipal, estadual e federal arts. 27, 28 e 29;
d) atuao da Administrao Pblica com a insero do princpio da eficincia (que
ser visto mais adiante), a acessibilidade aos cargos, empregos e funes pblicas (concursos
pblicos e cargos em comisso e funes de confiana), o direito de greve, a fixao e
alterao de remunerao e subsdio, o teto salarial, a extino do regime jurdico nico, a
criao de paraestatais, os contratos de gesto, dentre outros art. 37, 38, 39, 41 e 169;
20
PACHECO, Regina Silvia. Reformando a administrao pblica no Brasil : eficincia e accountability
democrtica. Disponvel em http://www.fundaj.gov.br. Acesso em: 18 out. 2009.
27
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e) organizao dos poderes pblicos, do Ministrio Pblico e da advocacia pblica
arts. 48, 49, 51, 52, 57, 70, 93, 95, 96, 127, 128, 132 e 135;
f) oramento - art. 167;
g) ordem econmica e financeira art. 173;
h) ordem social art. 206.
Os anos de 1998 e 1999 foram marcados por uma atuao bem pontual em alguns
aspectos da atividade estatal para a implementao da reforma. Dentre eles destacamos a
prpria reviso constitucional e das normas decorrentes; a utilizao de novos instrumentos
gerenciais, com destaque aos contratos de gesto e aos programas de qualidade na
administrao pblica; uma nova proposta de poltica de recursos humanos, visando
valorizao do servidor e alterando seu foco de atuao do plano operacional para o plano
gerencial; e a mudana da estrutura organizacional, por meio da implementao de agncias
reguladoras, agncias executivas e organizaes sociais.
No que tange ao princpio da eficincia, trazido por essa Emenda, esse foi acrescido
aos demais princpios da Administrao Pblica, previstos no art. 37, caput, da Constituio,
quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Essa incluso acabou por findar com discusses doutrinrias e jurisprudncias sobre a
existncia implcita de tal princpio no texto constitucional, que j era reconhecido pelo
Superior Tribunal de Justia:
[...] a Administrao Pblica regida por vrios princpios: legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade (Const. art. 37). Outros tambm se
evidenciam na Carta Poltica. Dentre eles, o princpio da eficincia. A
atividade administrativa deve orientar-se para alcanar resultado de interesse
pblico.21
Nas palavras de Jess Torres Pereira Jnior:
No que tange ao arrolamento da eficincia entre os princpios reitores da
atividade administrativa estatal, s se pode compreender como uma figura de
21
Acrdo STJ RMS 5.590/95-DF, 6. turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ, 10 jun. 1996, Seo I, p. 20.395.
28
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estilo, um reforo de linguagem para enfatizar o que inerente
Administrao Pblica e dela reclamado pelos administrados,
justificadamente. A Sociedade no organiza e mantm o Estado para que ele
seja ineficiente, embora ineficincias podem ser, e so, encontradias em
vrios setores da Administrao Pblica, como podem ser, e so,
encontrveis em setores de qualquer empreendimento privado.22
Luiz Alberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes Filho tambm sustentam a
existncia implcita do princpio da eficincia em nosso sistema constitucional, e que a
Emenda no trouxe alteraes no regime constitucional da Administrao Pblica. 23
Portanto, defendemos a ideia de que o princpio da eficincia, independentemente de
estar escrito ou no na Constituio, apresenta-se como um dever elementar da atividade
estatal. Conforme preceitua Celso Antonio Bandeira de Mello, o princpio da eficincia
representa uma faceta do princpio italiano da boa administrao.24 E segundo Luiz Aberto
David Arajo e Vidal Serrano Nunes Jnior, padres de boa administrao e de zelo na
atividade administrativa conduzem a um paradigma de administrador tico.25
De acordo com Alexandre de Moraes, estudando a eficincia em direito comparado,
esse princpio fazia parte da constituio de pases como Repblica de Cuba (1976), Espanha
(1978), Repblica das Filipinas (1986) e Repblica do Suriname (1987), de forma explcita, e
da Constituio de Portugal, de forma implcita.26
O princpio da eficincia, ainda trazendo as lies de Alexandre de Moraes:
[...] o que impe administrao pblica direta e indireta e a seus agentes a
persecuo do bem comum, por meio do exerccio de suas competncias de
forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e
sempre em busca da qualidade, primando pela adoo dos critrios legais e
morais necessrios para a melhor utilizao possvel dos recursos pblicos,
22
PEREIRA JNIOR, Jess Torres. Da reforma administrativa constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
p. 41-42. 23
ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev.
e atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 340. 24
MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. rev. e atual. at a Emenda
Constitucional 52, de 8.3.2006. So Paulo: Malheiros, 2006, p. 118. 25
ARAJO, Luiz Alberto David; NUNES JNIOR, Vidal Serrano. Op. cit. p. 334. 26
MORAES, Alexandre. Reforma administrativa: emenda constitucional n 19/98. 4. ed. So Paulo : Atlas,
2001, p. 30-31 (Srie Fundamentos Jurdicos).
29
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
de maneira a evitarem-se desperdcios e garantir-se maior rentabilidade
social.27
A Emenda, alm de introduzir o princpio da eficincia ao texto constitucional,
tambm trouxe alguns mecanismos para a verificao de sua aplicabilidade e efetividade.
Com isso, por meio de legislao, possvel disciplinar as formas de participao do cidado
(usurio e cliente do Estado28
) na atividade da administrao pblica direta e indireta. Nesse
diapaso, ficam assegurados ao cidado a reclamao relativa aos servios pblicos prestados,
a manuteno dos servios para atendimento ao usurio, a avaliao peridica da qualidade
dos servios, o acesso dos usurios a registros administrativos e informaes sobre as aes
do governo (transparncia) e a representao em casos de negligncia ou abuso de agentes no
exerccio de suas funes (art. 37, 3., da Constituio Federal).
Alm disso, esse princpio assinalou a possibilidade de perda de cargo pelo servidor
pblico, pelo no cumprimento de suas funes, verificado em procedimentos de avaliao
peridica e de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa. Para
auxiliar na tarefa de aperfeioamento dos servidores, o art. 39, 2. da Constituio Federal
passou a estabelecer que a Unio, os Estados e o Distrito Federal devero manter escolas de
governo para esse fim.
Diante do que foi exposto, verifica-se que o princpio da eficincia passou a ser
exigido como um dever do administrador, com o objetivo de propiciar a implementao de
polticas pblicas de forma satisfatria, atendendo s necessidades da populao, visto que
por meio de uma administrao desse tipo, denominada de eficiente, entende-se haver uma
possibilidade de salvaguardar os direitos e garantias dos indivduos e da coletividade,
abarcados constitucionalmente. De acordo com Emerson Gabardo, agora, o aparelho do
Estado pode desvincular-se das amarras burocrticas, pois a prpria Constituio contm o
permissivo jurdico para a mudana almejada.29
27
Ibidem. p. 32. 28
Cliente do Estado: expresso utilizada por TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron
Books, 1996., p. 72-4. 29
GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.
16.
30
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Nas palavras de Maria Silvia Zanella Di Pietro, o princpio da eficincia deve estar
presente no s nas aes dos agentes pblicos, mas tambm no modo de estruturao da
mquina administrativa:
O princpio da eficincia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser
considerado em relao ao modo de atuao do agente pblico, do qual se
espera o melhor desempenho possvel de suas atribuies, para lograr os
melhores resultados; e em relao ao modo de organizar, estruturar,
disciplinar a Administrao Pblica, tambm com o mesmo objetivo de
alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico.30
O aumento da eficincia tambm est ligado questo de otimizao dos gastos, ou
seja, o fazer mais e melhor com menos recursos, em respeito ao cidado contribuinte. E por
essa razo que podemos associar a eficincia tambm com o princpio da economicidade,
visto que a relao custo-benefcio tambm deve nortear as aes pblicas.
A celeridade tambm representa um dos aspectos que devem estar presentes no
princpio da eficincia, trabalhando com o fator tempo nas atividades administrativas.
Portanto, temos o princpio da eficincia como um dos responsveis pelas mudanas
na forma de se gerir a Administrao Pblica, salientando que nenhuma reforma do aparelho
estatal ser bem sucedida se no houver uma atuao intensa do cidado na cobrana de
resultados, fato esse ainda muito mitigado na realidade brasileira, visto que se percebe que
apenas uma minoria tem demonstrado preocupao com as aes governamentais. Para
Florencia Ferrer, o controle popular muito importante para uma boa gesto pblica,
salientando que o voto ainda insuficiente para punir ou premiar o bom gestor, havendo a
necessidade de criar mecanismos mais geis e eficientes.31
E a prpria Administrao Pblica pode dispor de mecanismos simples para que o
cidado exera seus direitos e cobre resultados, como as Ouvidorias, os telefones 156 e as
pesquisas de satisfao do cidado. Segundo Win Oosterom:
O feedback do cidado uma poderosa ferramenta que no se presta apenas para o entendimento da experincia e satisfao do cidado com os
30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. So Paulo: Altas, 2002, 84. 31
Opinio exposta por BORGES, Thiago. Acelera, governo. B2B Magazine. So Paulo, Ano 8, ago. 2009, p. 23.
31
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servios pblicos, mas tambm para o desenvolvimento de estratgias para a
melhoria desses servios.32
A eficincia tambm est ligada ideia de eficcia. Muitas vezes, esses vocbulos so
at considerados como sinnimos. No entanto, entendemos que o conceito de eficincia est
ligado utilizao de meios adequados para a consecuo de um objetivo, ao passo que a
eficcia est mais voltada para os resultados positivos que esses meios podem proporcionar.
Isso porque, nem tudo que eficiente eficaz. Como exemplo, podemos citar a
disponibilizao de matrculas escolares por meio da internet, para facilitar o acesso dos
usurios. Entretanto, findo esse processo, a grande maioria dos pais recebe um e-mail
informando sobre a no existncia de vagas. Nesse caso, verificamos que o processo foi
eficiente, mas no eficaz, pois no houve a concretizao dos resultados.
A eficincia, como j dissemos, tambm necessita da atuao efetiva dos agentes, que
devero possuir conhecimento tcnico suficiente, para demonstrarem desempenho compatvel
com o que se busca com esse princpio. Para tanto, preciso que a Administrao atue em
polticas de recursos humanos, voltadas para o treinamento e o aperfeioamento dos
servidores, bem como que tenha uma ateno especial e contnua (e no em momentos
isolados, como vemos atualmente) ao aspecto remuneratrio desses mesmos servidores.
Conforme assevera Emerson Gabardo:
Preliminarmente, deve ser ponderado que a prescrio de metas objetivas, a
maquiagem da mquina estatal ou a estipulao de prmios de carter
simblico no se prestam a estimular a atividade do agente pblico, se este
encontrar-se mal-remunerado. A satisfao pessoal do agente atravs de uma
contraprestao econmica condigna com sua funo o primeiro requisito
de eficincia do procedimento administrativo. J o segundo pressuposto , a
sim, a responsabilizao especfica pela atuao ineficiente.33
Juntamente com a ideia de eficincia, surge o conceito de tica na atividade pblica,
muito bem traduzido no Relatrio Nolan, apresentado pelo Primeiro Ministro Britnico ao
Parlamento em 1995, por meio dos Sete Princpios da Vida Pblica: interesse pblico
32
OOSTEROM, Win. O futuro da prestao de servios pblicos : atendendo s expectativas do cidado. In:
LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.). Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 55. 33
GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.
127.
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(impessoalidade), integridade, objetividade, responsabilidade perante o Estado e a sociedade
(accoutability), transparncia (motivao das decises), honestidade e liderana.34
Um aspecto importante a ser aventado, que a busca do princpio da eficincia,
embora necessria, no poder colocar em risco outros preceitos de direito. Segundo Emerson
Gabardo, a eficincia jamais poder sobrepor-se aos outros ideais presentes em nosso sistema
constitucional, como a democracia social, frisando que ela no existe quando no h respeito
aos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.35
Portanto, o princpio da
eficincia no absoluto e no pode ser analisado de forma isolada. O autor ainda sustenta
que:
Quando se entende que a eficincia deve abranger a anlise dos meios e dos
resultados, no significa que somente devem ser considerados a celeridade, a
prestabilidade, a racionalidade e a economicidade, ou quaisquer dos critrios
metajurdicos propostos pela doutrina especializada. A sua natureza
abrangente manifesta-se claramente quando se considera que no pode ser
eficiente um ato que afronte outro princpio, devido possibilidade de
anulao do mesmo. 36
Nessa mesma esteira temos Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no sentido de que vale
dizer que a eficincia princpio que se soma aos demais princpios impostos
Administrao, no podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade,
sob pena de srios riscos segurana jurdica e ao prprio Estado de Direito. 37
Em suma, essas so as caractersticas do princpio da eficincia, que representou (e
ainda representa) um papel importante para as transformaes a serem implementadas na
forma de se administrar a res publicae.
34
Dados trazidos por MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administrao pblica gerencial. Revista de
Direito, Rio de Janeiro, v. 2., n. 4, jul./dez. 1998, p. 38. 35
GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p.
20. 36
Ibidem. p. 97. 37
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. So Paulo : Atlas, 2002, p. 84-85.
33
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1.3. A administrao pblica gerencial
A administrao pblica gerencial surgiu em reao ao modelo burocrtico,
notadamente a partir da reforma constitucional de 1998, e tem como caractersticas principais
a crena num amadurecimento das estruturas administrativas do Estado e o foco no resultado.
Segundo define Luiz Carlos Bresser Pereira:
J a administrao pblica gerencial, sem ser ingnua, parte do pressuposto
de que j chegamos a um nvel cultural e poltico em que o patrimonialismo
est condenado, em que o burocratismo est excludo porque ineficiente, e
em que possvel desenvolver estratgias administrativas baseadas na ampla
delegao de autoridade e na cobrana a posteriori de resultados.38
A prpria redao do art. 37, 8.39
, vinda com a reforma, denota a ampliao da
autonomia da administrao, do ponto de vista gerencial, juntamente com a oramentria e a
financeira.
Dentre os aspectos que norteiam a administrao pblica gerencial, podemos citar
alguns, baseados nas experincias de pases como Inglaterra, Nova Zelndia e Austrlia40
:
a) a descentralizao da atividade poltica, com transferncia de recursos e de atribuies
para nveis regionais e locais, afinal o cidado no mora na Unio e nem no Estado,
mas sim no Municpio;
b) a descentralizao da atividade administrativa, onde for possvel, por meio do
fenmeno da delegao;
c) a organizao com poucos nveis hierrquicos e com mais flexibilidade;
38
PEREIRA, Bresser. Uma reforma gerencial da administrao pblica no Brasil. Disponvel em
www.bresserpereira.ecn.br. Acesso em 10 jul. 2009. 39
Art. 37 (...) 8. A autonomia gerencial, oramentria e financeira dos rgos e entidades da administrao
direta e indireta poder ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder
pblico, que tenha por objeto a fixao de metas de desempenho para o rgo ou entidade, cabendo lei dispor
sobre:
I o prazo de durao do contrato; II os controles e critrios de avaliao de desempenho, direitos, obrigaes e responsabilidade dos dirigentes; III a remunerao do pessoal. 40
PEREIRA, Bresser. Op. cit.
34
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d) a crena numa confiana limitada nos colaboradores, eliminado o fenmeno da
desconfiana total, fazendo com que o administrador pblico goze da mesma
autonomia do administrador privado;
e) a definio de objetivos a serem atingidos, tendo como parmetro os indicadores de
desempenho;
f) o controle por resultados, ao final do processo, em substituio ao controle passo a
passo;
g) o foco no atendimento ao cidado.
Nesse tpico, importante destacar uma observao feita por Francisco Gaetani:
Hoje ns somos capazes de falar em expresses como participao e
cidadania, sem atribu-la esquerda, e em expresses como custo e
produtividade, sem atribu-las direita. Essas coisas parecem piada, mas,
infelizmente, s vezes o debate ideolgico embaa a discusso de qualidade
do que se passa na rea governamental. 41
Para fazer frente a essas demandas, a busca de experincias do setor privado, para
implementao na esfera pblica, parece ser um dos caminhos encontrados por alguns rgos
pblicos, com o objetivo de tentar modificar sua situao de ineficincia. Como exemplo,
podemos citar o Programa de Qualidade e Participao na Administrao Pblica, promovido
pelo Ministrio do Planejamento do Governo Federal. Nesse foco, Ana Paula Paes de Paula
esclarece:
Nesse programa so valorizados os mesmos princpios dos programas de
qualidade total implementados no setor privado, que so: satisfao dos
clientes, constncia de propsitos, melhoria contnua, gesto participativa,
envolvimento e valorizao dos servidores pblicos. 42
Frmulas como Organizao & Mtodos, PERT (tcnica de gerenciamento de
projeto), Administrao por Objetivos, Just in Time (administrao no tempo certo),
41
GAETANI, Francisco. Governana corporativa no setor pblico. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.).
Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 266. 42
PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gesto pblica: limites e potencialidades da experincia
contempornea. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2007, p. 131.
35
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Qualidade Total e outras, tpicas das reas privadas, passaram a ser estudadas na esfera
pblica.
Para Florencia Ferrer, no setor pblico o tema da inovao mais delicado, j que o
governo no pode arriscar a utilizar recursos e tempo pblico em testes de novos modelos ou
solues, pois inovar tem sempre um custo muito alto. Mas com esse processo, s vezes at
sangramento do setor privado, todos ns ganhamos, porque dessa necessidade de inovao
que surgem vrias das conquistas que todos depois usufrumos. No reinventar a roda um
preceito que j se provou como certo em outra realidade. A autora tambm defende a prtica
j consolidada da cooperao horizontal, que se baseia em identificar outros governos que j
resolveram um problema especfico, para depois realizar um acordo e implementar o mesmo
procedimento.43
Realmente, essa parece ser uma soluo bastante acertada.
Na administrao pblica gerencial, o usurio do servio passou a representar a figura
do cliente e estabeleceu-se a necessidade de se encurtar a distncia entre povo e governo,
promovendo uma gesto participativa. Lcia Valle Figueiredo tambm faz algumas crticas
com relao figura do cliente, inserida no modelo gerencial:
Na verdade, no novo conceito instaurado de Administrao Gerencial, de
cliente, em lugar de administrado, o novo clich produzido pelos reformadores, fazia-se importante, at para justificar perante o pas as
mudanas constitucionais pretendidas, trazer ao texto o princpio da
eficincia. Tais mudanas, na verdade, redundaram em muito pouco de
substancialmente novo, e em muito trabalho aos juristas para tentar
compreender figuras emprestadas sobretudo do Direito Americano,
absolutamente diferente do Direito brasileiro.44
Embora muitos resistam a essa ideia, com a justificativa de sua aplicao apenas no
setor privado, o fato que o governo tem no s clientes, mas tambm concorrentes. Os
clientes so os cidados que pagam impostos e fazem suas exigncias em razo disso. E a
concorrncia existe, pois um governo que no atua, d margem a que outro ocupe seu lugar na
prxima eleio. Conforme explica Anbal Teixeira:
43
FERRER, Florencia. Por que difcil a inovao no governo? B2B Magazine. So Paulo: Padro Editorial,
Julho 2008, p. 43. 44 FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 64.
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A rede Mac Donalds quer eliminar as filas para evitar que o cliente desista de esperar e acabe dirigindo-se Pizza Hut. Da mesma forma, o governo tem
de dar respostas rpidas e prestar bons servios pblicos, para evitar que o
seu eleitor passe para outro partido. A gesto pblica, com a reengenharia,
descobre que o governo no s tem cliente, mas tambm concorrente. Esse
o problema, esse o desafio.45
Entretanto, importante frisar que os preceitos da administrao privada no vieram
para substituir a atuao pblica, pois, logicamente, isso nem seria possvel, j que estamos
tratando de pessoas, finalidades, recursos e meios totalmente distintos. A atuao da iniciativa
privada, nessa tica, dever servir de apenas de modelo para a atuao pblica, onde couber,
devidamente adaptada para a sua realidade, buscando, realmente, a eficincia.
De acordo com Jess Torres Pereira Jnior, na empresa privada, a eficincia passa a
ser um instrumento para a perseguio do lucro, o que legtimo; porm, na Administrao
Pblica, o lucro no o valor que justifica as funes pblicas, j que cabe ao Estado
promover o bem comum, a dignidade da pessoa humana e a paz social.46
Segundo David Osborne, os governos democrticos existem para servir aos cidados.
O autor argumenta que nossos pais ficavam na fila por horas para licenciar um veculo e no
reclamavam. Ns, hoje, ficamos furiosos se tivermos de enfrentar a mesma fila. Para lidar
com mudanas to expressivas, os governos empreendedores comearam a se transformar, e
passaram a ouvir atentamente o clamor de seus clientes, atravs de pesquisas de opinio e
muitos outros mtodos.47
Na viso de Francisco Gaetani, as reformas do sculo XX so aquelas relacionadas
com a construo do Estado do Bem-Estar Social e com a busca por eficincia, foco no
cidado e contratualizao de resultados. No entanto, os recursos so escassos, o que significa
que uma alocao eficiente implica uma relao custo/benefcio consistente, com baixos
custos de oportunidade. Ainda, segundo o autor, o Brasil teve um ensaio de Estado do Bem-
Estar Social na era Vargas, um impulso no regime autoritrio e um novo empurro agora, com
45
TEIXEIRA, Anbal. Reengenharia no governo. So Paulo: Makron Books, 1996, p. 47. 46
PEREIRA JNIOR, Jess Torres. Da reforma administrativa constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
p. 44. 47
OSBORNE, David. Reinventando o governo. Trad. de Srgio Bath e Ewandro Magalhes Jnior. Braslia: MH
Comunicaes, 1994, p. 181-4.
37
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os programas de distribuio de renda do governo Lula. Mas o pas tambm palco de
desigualdades extraordinrias como, por exemplo, na estrutura previdenciria e na forma
como se encontra organizado o ensino superior. Portanto, as reformas do sculo XXI so as
que envolvem criar e gerir redes, lidar com a revoluo digital, assegurar a participao na
estrutura de governana global e institucionalizar mecanismos de responsabilizao e
transparncia, dentre outras.48
A nova mentalidade gerencial exigiu (e ainda exige) no s mudanas na forma de os
administradores gerirem a mquina pblica, mas tambm dos administrados buscarem seus
direitos. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Para isso, no basta promover reformas de estrutura e de funcionamento
seguindo parmetros e modelagens desenvolvidos na administrao do setor
privado: preciso mudar a mentalidade dos administradores pblicos, para
que no mais se considerem os senhores da coisa pblica, olimpicamente
distanciados dos administrados, como se no tivessem outra obrigao que a
de meramente desempenhar as rotinas burocrticas para terem cumprido seu
dever funcional, mas tambm preciso, sobretudo e concomitantemente,
mudar a mentalidade do pblico usurio, para que este se convena de que
pode e deve exigir a prestao de servios pblicos to bons, eficientes e
mdicos como os que tm se acostumado a exigir dos prestadores privados
no regime de competitividade da economia de mercado.49
Portanto, o foco atual dos administradores, segundo essa viso, dever estar voltado
para o fortalecimento da capacidade governamental. Trata-se da figura do New Public
Management, por meio da criao de novos instrumentos de gesto pblica, com
embasamento na Escola da Public Choice50
e na teoria do principal-agente51.
Essa tambm a viso de Oriol Mir Puigpelat, no sentido de que as Administraes
Pblicas realmente tendem a ser geridas seguindo as tcnicas da empresa privada (emerge o
48
GAETANI, Francisco. Governana corporativa no setor pblico. In: LINS, Joo; MIRON, Paulo (coord.).
Gesto pblica: melhores prticas. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 45. 49
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administrao pblica gerencial. Revista de Direito, Rio de Janeiro,
v. 2., n. 4, jul./dez. 1998, p. 38. 50 A Escola da Public Choice possui foco econmico, no sentido de maximizar a atuao da Administrao por meio do controle de seus custos. 51
A teoria do principal-agente tem como objetivo promover a aproximao entre Estado e sociedade.
38
Revista de Direito, Ano 13, Nmero 19 (2013)
New Public Management e entra em declnio o modelo burocrtico weberiano) e passam a
submeterem-se crescentemente ao Direito Privado.52
(traduo livre)
Na administrao gerencial, ainda, o desempenho institucional dever ser medido no
s pelos processos, mas principalmente pelos resultados. E quais resultados devero ser
buscados? Entendemos que caber queles que determinam as polticas pblicas e queles que
possuam o dever de implement-las, a tarefa de definir quais resultados buscar-se- alcanar,
tendo em vista o interesse da coletividade, bem como ouvir essa mesma coletividade, no
sentido de saber que resultados elas esperam do governo.
Essas aes, segundo tal viso, teriam como foco no s aumentar a eficincia da
administrao pblica, mas tambm a transparncia de sua atuao, por meio da informao
acessvel a todos. Oriol Mir Puigpelat afirma que um reforo para legitimao democrtica da
Administrao tem vindo, principalmente, da crescente descentralizao poltico-
administrativa, e da importncia que nos ltimos anos tem adquirido a transparncia
administrativa e, em menor medida, a participao dos cidados na atuao da
Administrao.53
(traduo livre)
Nesse contexto, tambm fundamental trazer os conceitos de governabilidade e de
governana, para balizar a implementao de programas de mudana. De acordo com Caio
Marini, a primeira (governabilidade) diz respeito s condies de legitimidade de um
determinado governo para empreender as transformaes necessrias, enquanto que a segunda
(governana) est relacionada sua capacidade de implement-las.54
Portanto, a governabilidade acaba sendo atribuda ao administrador pela vontade
popular, expressa pelo voto, ao passo que a governana manifesta-se por meio da capacidade
52
Texto original: Las Administraciones pblicas tienden a ser gestionadas siguiendo las tcnicas gerenciales de la empresa privada (emerge el New Public Management y entra en declive el modelo burocrtico weberiano) y pasan a someterse crecientemente al Derecho privado. (PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalizacin, estado y derecho: las transformaciones recientes del Derecho Administrativo. Madri-Espanha: Civitas Editiones,
2004, p. 102.) 53
Texto original: El refuerzo de la legitimacin democrtica de la Administracin ha venido, principalmente, de la creciente descentralizacin polcio-administrativa, y de la importancia que en los ltimos aos han
adquirido la transparencia administrativa y- en menor medida la participacin de los ciudadanos en la actuacin de la Administracin. (PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalizacin, estado y derecho: las transformaciones recientes del Derecho Administrativo. Madri-Espanha : Civitas Editiones, 2004, p. 130.) 54
MARINI, Caio. Aspectos contemporneos do debate sobre reforma da administrao pblica no Brasil : a
agenda herdada e as novas perspectivas. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 1 mar./abr./maio de 2005. Disponvel em http://www.direitodoestado.com/revista. Acesso em: 28 nov. 2009.
39
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desse mesmo administrador em formular e implementar polticas pblicas para o atendimento
do interesse coletivo, utilizando-se dos recursos disponveis.
Alm disso, preciso pensar no conceito de boa governana, conforme nos ensina
Juan-Cruz Alli Aranguren:
Fala-se, tambm, em boa governana ou bom governo com menor significado do que no conceito anterior para qualificar um modo de exercer o poder de modo eficaz, competente, ntegro, equitativo, transparente e
responsvel. Seriam as qualidades exigidas pelo Estado de Direito enquanto
os poderes pblicos ho de servir com objetividade aos interesses gerais, ho
de atuar de acordo com a ordem jurdica, com garantias, com controle
interno e externo e sem corrupo.55
(traduo livre)
Segundo o autor, a governana faz aluso a uma nova forma de governo, de gesto
pblica e de ao administrativa. Vejamos:
A governana alude a um novo modo de governo, de gesto pblica e de
ao administrativa numa ordem neoliberal, na qual se reduz o protagonismo
dos poderes pblicos, mudam-se os perfis que diferenciam o pblico do
privado, reduzem-se as relaes de hierarquia em benefcio das cooperaes,
promovem-se os procedimentos informais e se trata de integrar e
comprometer a sociedade em redes para a tomada de decises e seguimento
e controle das aes polticas. A negociao, o consenso, a flexibilidade e os
procedimentos informais so os novos meios de ao, junto com a
introduo das tcnicas de gesto empresarial, dos contratos por objetivos e
das Agncias ou Administraes Independentes. 56
(traduo livre)
55
Texto original: Se habla, tambin, de buena gobernanza ou buen gobierno con menor significado que el concepto anterior para calificar un modo de ejercer el poder de modo eficaz, competente, ntegro, equitativo, transparente y responsable. Seran las cualidades exigidas por el Estado de Derecho en cuanto los poderes
pblicos han de servir con objetividad a los intereses generales, han de actuar de acuerdo al orden jurdico, con
garantas, con control interno y extern