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Temas de direito penal - Aborto- A retórica contra a razão

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ABORTO: A RET6RICA CONTRAA HAZAD (*)

Quem pretendesse inventariar os principais aeon-tecimentos, para 0 direito penal e a criminologia, dosanos setenta, deveria reservar urn lugar de expressaopara as reforrnas legislativas que ampliaram as Indi-cacoes legais da interrupeao voluntaria da gravidez,

Como de praxe, a discussao chega ao Brasil nesteinicio dos anos oitenta, pelo rnenos em termos de mo-bilizacao da opiniiio publica. Os argurnentos, porem,- e como de praxe - sao os mesmos dos anos sessen-tao 0 objetivo dessas linhas e retomar alguns dos argu-

mentes brandidos pelos defensores da incriminacao

cabal e ampla do aborto, particularmente aquele quee 0 seu quartel-general: "0 abortamento e U I D crimecontra a vida, em tude identicr, ao hornicidio, e naodevemos quebrar essa tradicao",

I

Aborio: crime contra a vida?

Quando os detensores da incriminacao do abortoafirmam, sem hesitacoes, que a interrupcao da gravi-dez e uma ofensa a vida - e 0 fazem sempre com

(*) Publicado na RDP n.? 27, 1979.

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grandtlcquencia, chegando alguns a equipara-lo ao ho-micidio ~, estao ignorando, ou querendo ignorar, que

o aborto e provavelmente 0 deli to que maier debate ore-receu quanto a objetividado juridica.

Urn monografista nos apresenta as seguintesalternativas propostas pela doutrina para resolver 0

problema: a) ordem familiar e moralidads publica; b)

interesse demografico; c) integridade ffsica da mae:d) direito dos paisa prole; e) direito a normal desen-v?I~/imento Intra-utermo; 1) vida; g) objetividade ju-rtdica complexa (composta tambem da vida) (Schepe-ler Raveau. "EZ Deliio de Aborto", Santiago de Chile,1967, pp. 88S.).

. . Nao e aqui 0 lugar para ~embrar os ilustres espe-cialistas que optaram por soluc;6es diversas da vida(como a preciosa construgao de Asua. no sentido dointeresse demografico}, nem os import~ntes textos le-gislativos que igualmente adotaram solucao diversa(como 0 codigo Italiano, que situa 0 aborto entre os

crimes contra a integddade e sanidade da estirpe) .Tra-ta-se. apenas de conhecer uma discussao e, verificandoque Impasse semelhants nunca se deu com 6 crime dehomicldio, concluir que a ofensa a vida no abcrtn nao

~e?f:rece com a clareza teorica e a nitida signtricacaojurtdtca da ofensa a vida no homicidio. 0 genio de Car-rara ja havia percebido Isto com nitidez, afirmando queo aborto nao podia equiparar.ss em gravidade corn 0

) ,homicidio, e eselarecendo que"la vita eke qui si spegne

non poteva ancora tiirsi dejinitivamente acquisita, piu

una speranza ella era ehe una certeza" (i' Programma"

§ 1.251). Carrara e insuspeito para depor sabre0

as~sunto, pais polemizou com Am:brolosi, que situava a"ordern das familias" , e nao a vida, na objetividadejuridica.

A opiniao predorninante etetivaments se inclinapara a diregao da objetividade juridica complexa. No-voa Aldunate bern resume esta opiniar, predominante.

202

"la vida solo es el bien juridico de mas reieoancui enei tipo objetivo del aborto, coexistiruio j'lmto a et otrosualores que asimistno deben ser objecto de protecci6njuridico penal" C'El Camienzo de la Exisiencia Huma-

na y su Proteccuni Juruiica", Santiago de Chile, 1969,

p. 56).Pais bern: se construcoes ret6ricas se alinhavam

em torno do componente "vida" dessa objetividade ju-ridica complexa, 0 maier silencio e devotado aos outros

componentes. 0 exame daquilo que tambem se protegena 'incriminacao do aborto, alem dessa "vida", pede seresclarecedor arespeito do que foi historicamente es-condido pela retorica.

II

Algo em conium. entre assirios e a reooiuciioindustrial

Entre 1903 e 1914, escavadores da Deutsche Ori-

eniqeeellsctiait descobriram catorze tabuas contendo

leis assirias, que foram posteriorrnente classificadas enomeadas por letras do alfabeto. Urn. tragmento da ta-bua A prescrevia, para a mulher que praticasse abor-to, 0 empalamento e a negacao de sepultura, recomen-dando que tais penas tossem aplicadas, ainda quandoela falecesse na ocasiao do abortamento. Par certo osassinos nao eram carnpeoes da defesa da vida. A expli-cacao e fornecida par Guillaume Cardascia, que, anali-

sando 0 dificil comeco do.povo assirio, cercado por ini-migos numerosos e possantes, consigna: "partamt decette idee, on pourrait expliquer la riqueur du § 53 deslois assyriennes comme la reaction de defense d'unpeuple menace dans san existence meme" (Les LoisAssuriennes, Paris, 1969, p. 245). Ou seja: a vida doproduto da concepcao em si nao vinha em conslderacao

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na politica criminal assiria, se nfio que se incriminava

a baixa prematura de um soldado.

Como era conium na idade media, at earl'Y com-

mon law the fetus was considered alive thirty to eighty

daysafter conception" (Wayne La Fave & Austin Scott,"Handbook on Crimnal Law", St. Paul, 1972, p. 530).Na Inglaterra, como nos Estados Unidos, foi a par-tir de 1800 que a incriminacao do aborto se radicouIegislativamente. Urn trabalho americana assinala tres

motivos aos quais atribuir tal fato: 1.0; 0 interesse deimpor urn c6digo moral estrito; 2.0: a vontade de' aca-bar com o.s servicos medicos anti-higienicos e cruets,responsaveis por tormentas e rnortes de muitas mulhe-res; 3.0; "a desire to increase the birth rate at a time

when manpower was needed" (Jules Saltman & Stan-ley Zimering, "Abortion. Today", Springfield, 1973, p.74). Ou seja: a vida do produto da concepcao em si naovinha em consideracao tambem nesta politica criminal,senao que se incriminava a baixa prematura de urn

trabalhador.As guerras assirias tern em comum com a revo-

lucao industrial que ambas necessitaram de mao-de-obra abundante e barata. A incriminacao do abor-to serviu a ambas.

refere a punicao, como crime extra ordinem, que Seve-ro e Aatonino aplicaram numa mulher que abortou(exilic temporario) ; 0 fundamento, contudo, estava na

indignidade de impunernente fraudar 0 seu marido, nodireito . a prole: "indignum enim tnderi potest, imqnme,eam mariturn. liberis jraudasse" (D. 47, 11, 4). Como.lernbra Ferrini, a unica razao da punicao e a falta con-

tra 0 marido, e sendo assim 0 consentimento do mari-do deserimina inteiramente 0 fato ("il consenso reale 0

supposto del marido scrimina dunque totalmente il fat-

to", Espoeione Siorica e Dottrinale del Diritto Penale

Romano, in "Ene. Pessina", MiHio, 1905, v. 1, p. 386).Vejam-se as irrefutaveis observacoes de Ferrini sabreD. 48, 8, 8 (op. cit., p. 387). A eonduta de dar bebida

para abortar ou para predispor ao amor (<<Qui abor-

tionis aut arnatorium poculum dant") , aparentada aooeneiicium, passou a ser punida com trabalhos nasminas au relegacao a ilha, mais perda de bens, consoan-te a classe social; sobrevindo a morte daquele que USDU

a beberragem, a pena era a morte (D. 48,19,38,4).Se a feto enquanto organismo ou "vida" foi tao

poueo protegido pelo direito romano, alga muito dife-

rente se deu com 0 feto enouanto futuro titular de di-. .reitos patrimoniais.

Uma requintada urdidura de normas disciplinavaa lntervencao do nascituro quanta aos direitos patri-

moniais que teria ao vir a luz. E bern representativa amaxima segundo a qual "nasciiurus concepitus protam natu habeiur quotiens de eius commodis aqitur".

o nivel da preocupaeao era tanto que permite distin-

guir a nasciturus e 0 concepturus, que ainda seria con-cebido (cf. Eliesar Rosa, UNocoes Basicas e Preliminaresdo Ordenamento Juridico do Direito Sucessorio" (inedi-to). Os autores afirmam, de modo geral, que "no terre-

no patrimonial, a ordem [uridiea, embora nao reconhe-ga no nascituro urn sujeito de direitos, leva em consi-deracao 0 tate de que, futuramente, 0 sera, e, por isso,

ill

Salvando a propriedade e a alma

E pacifico que 0 direito romano, ate aproximada-mente 195 d.C., nao puma 0 aborto. E Iamosa a pas-sagem de Papiniano, segundo a qual "nao se pode comrazao dizer que seja urn homem" 0 produto da concep-~ aoque nao veio a luz (D. 35, 2,9, 1). Mommsen afir-rna que s6 apos Sept:i.mio Severo e que ° aborto foipunido com apoio na lei contra 0 oenejicium. C'DroitPenal Romain", Paris, I 907, -v. IT"p. 354). Marciano

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protege, antecipadamente, direitos que e1e vira a terquando for pessoa fisica" (Moreira Alves, "Direito Ro-mano" Rio, 1978, v. I, p. 127). Vejam-se os textos cita-dos por Reynaldo Porchat, "Da Pessoa Physica em Di-reito Romano", Sao Paulo, 1975, p. 28.

o direito canenico e certamente aqueje que histo-ricamente se posicionou com mais coerencia a respeitoda incriminacao do aborto. Ha run aspecto, contudo,que merece atencao. Os doutorss da Igreja incorpora-ram teorias de Aristoteles e Plinio, segundo as quaistranscorria ceria periodo de tempo antes que Q semenintroduzido no utero se convertesse num corpo, e pu-desse receber a alma intelectiva. Cr. Santo Tomas de

Aquino, "summa Theoloqica" trad. revista par Daniel J.Sullivan, Chicago, 1925, v. I, p. 602 (Treatise on the

Divine Government, questao CXVIII). Acreditava-se

que a animaeao do feto se dava aos quarenta dias, sendovarao, e aos oitenta, sendo mulher; distinguia-se assimentre 0 corpus iormatura e 0 corpus iniormatum (Do-

merico Schiapoli, "Diritto Penale Canonico", in Ene.

Pessina, v. I, Miliio, 1905 p. 902).0 abortamento de urnfeto animado era punido como homicidio, mas 0 abor-tamento de um jeio inanimado era punid'o mais bran-

damenie.

Bssa e a concepcao dos hvros penitenciais, queforam objeto de urn erudito estudo por Manzini.'I'ranscreva-se 0 texto do Poenitentiale Merseburqense:

"Mulier si occuierit jiiiuan: suum in utero ante XL dies,annum unnum poeniteat: si post XL dies conceptio-

nis, ut homicida III annos poeniteat" (Manzini "1 LibriPenitenziali e il Dirito Penale Medieuale", in SceUa de

Scritii Minori, Turim, 19S9, p. 173). Essa concepcaodiferenciadora do feto esta rias Decretais, e foi rnantidapar inumeras constituicoes pontificias, como as deSisto V (1558) e Gregorio XIV (1591) (Schiapoli, lac.

cit.)

20 6

Nao e desarrazoado ccncluir que se a punicao damulher que pratica aborto ui homicuui depende de queo feto tenha mais de 40 dias, a protecao nao esta ende-recada a vida biologica, senao a alma. Os praticos en-tendiam assim, Covarrubias dizia que "ei causante de

uti aborio de jeio no animado, no es uerdtuiero homici-

da" (Julian Peredor, S.J., "Couarrubiae Penalista:',Barcelona, 1959, p. 399).

Da mesma forma que 0 direito romano se ocupou.do feto para, atraves de regras muito precisas, que 0 fo-ram Iegadas ao direito moderno, proteger a transmissaoda propriedade privada, 0 direito canonico, com incon-testavel coerencia, tratou de proteger aquilo que de es-piritual houvesse no feto.

IV

Quem e benejicuuio pela incriminacdo do aborto?

Os Iivros de direito penal afirmam que sua funcaoe de tutelar valores atraves da protecao a bens [uridi-

cos. Se, historicamente, as leis se aproximaram do fetopara proteger valores bern distintos do apreco incon-

dicional a vida em si, como se comporta, aqui e agora,o codigo penal brasileiro? Quem e beneficiado por estaautentica condenacao ao parte da [ei?

Segundo os Anuarios de Estatistica Criminal doEstado do Rio de Janeiro - que, pori maiores imper-

reicoes metodo16gicas que apresentem, sao as unicos deque se dispoe - chegaram ao conhecimento da policia,em todo 0 Estado, 64 abortos em 1978 e 76 em 1979.Sem qualquer sambra de duvida, 0 aborto e a maiorcifra oeulta dessa estatistica criminal, so comparavel

a do adulterio,. Mesmo esses minguados numeros podem, todavia,ensinar-nos alguma coisa. Se nos ativermos a s Delega-

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text a legal, nenhuma pessoa Ie obrigads a particlpar de

operacces abortivas, quando a elas oponha objecoes de

consciencia, salvo. as hipoteses de perigo para a vida ou

graves e perrnanentes danos .8 , saude tisica ou mental

da mulher (L. B. Curzon, "Crimruii Law") Londres,

1973, p. 97).Nos Estados Unidos, embora visfve] em reformas

de rnuitos Estados a tendencia de ampliar as indicaefies

permissivas (completa intormacao em Saltman e Zi-

mering, op. cit., p. 77), foi a lei de 1.°/jul./77 de NovaIorque que mobilizou a opiniao publica internacional,.

porque colocava a simples vontade da mulher, dentro

das 24 semanas iniciais da gravldez, como criterio su-

ficiente para ter-se u r n justificavel ato de aborto exi-

gindo-se unicamente que ela agisse sob a conselho de

urn medico autorizada (A. Gedey, RDP 1, 1971, p.

101). TaJl criterio foi logo seguido por Alaska, Hawai

e Washington (neste Ultimo caso, por urn pleblscitn

realizado em novembro de 1970). Deve ser menciona-da a decisao da Corte Suprema em dois casas" urn do

Texas e outro da Georgia, prolatada em janeiro de

1973. A Carte Suprema declarou que as leis estaduais

podem nao intervir no direito da mulher de praticar

aborto nos tres primeiros meses da gestacao. Completa

mrormacao em Helena Fragoso, "Cornentarios ao C6digo

Penal", colaboracao Nelson Hungria, Rio, 1975, p. 550.

gravida, ela deve obrigatoriamente ter acesso a "un

itablissement d'injormation, de consultation ou de con-

seil famiZial,un centre de planiiicatioti ou d'education

jamiliale, un service social 01(, un autre organisme agree

qui tieora lui iieturer une attestation de consuttation".S O na renovacao do pedido de interrupcao da gra-

videz, por escrito, apos a visita a urn sstabelecimento

daquele genero, e que 0medico pede praticar 0 aborto,A Iegislacao francesa, acertadamente, preocupou-se

muito com 0 problema medico-assistencial (por exem-

plo, a Decreto 75-750 de 7/ago./75). (Ro.UjOU de Bou-

bee, "L'interruptum. volontaire de la grossesse~', Paris.saparata do Recueil Dalloz-Sirey.)

3. ITALIA

Consultorias farniliares haviam side criadas pela

Lei n." 405, de 29/jul./75. A Lei n." 194, de 22jmai./78,

permite a interrupcao voluntaria da gravidez, nos pri-meiros 90 dias, quando. 0 parto ou a maternidade com-

portarem "uri serio pericoio per la sua (da gestante)

salute [isica 0 psichica, in relazione 0 al sua estate di

salute, 0 alle sue coruiizione economiche, 0 sociale 0 ia-mitiori, 0 aZZecirconsianze in cui e avvenuto il concepi-

menio, 0 a previsioni di tmomatie 0 mal [ormazumi delconcepito" (art. 4,°). A lei italiana, no art. 1.0, contem

uma enfattca declaracao de principio a respeito da ina-

dequacao do aborto paracontrolar a natalidade. As

consultorias familiares instruem as mulheres gravidas

tambem a respeito de seus direitos trabarhistas. 0 art.5.° preve urn procedimento semelhante ao do sistema

frances, inclusive com 0 prazo de 7 mas, que pede cederdiante de urgencia, 0 aborto ilegal e punido com re-

clusao ate 3 anos para quem 0 pratica, e rnulta ate100,000 Eras para a mulher (art. 19), havendo ainda

modalidades agravadas pelo resultado. (Carlo Casini e

2. FRANgA

A Lei n.? 75-17 de 17jjan.j75, em seu art. 2.0, sus-

pendeu por 5 anos a aplicacao dos dispositivos penais

sabre aborta, desde que a voluntaria interrupcao da

gravidez se desse ate a decima semana, e fosse teita porurn medico, em estabelecimentn publico ou autorizado.

o art. 4.° alterou 0 c6digo de sauds publica, para de-

terrninar que, apos consultado 0 medico pela mulher

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cias que atendem 0 municipio do Rio de Janeiro, e efe-tuarmos uma divisao em dais grupos - l ." a 25~ e2 6 \ 1 - a 4 0 .a _ teremos que 0 primeiro grupo se localizaem regioes habitadas em geral por pessoas de nivelsocial mais elevado. 0 primeiro grupo ccmpreende 0

Centro da cidade, toda a Zona SUI, Barra da 'I'ijuca,

Sao. Cristovao, Tijuca, etc.; 0 segundo grupo compreen-de bairros mais atastados, suburbios e Zona Rural.Segundo as estatisticas da Secretaria de Seguranca : P U -

blica, em 1978 temos, para 0 primeiro grupo, 8 casas,e para 0 segundo 19; em 1979, para 0 primeiro 10 epara 0 segundo 15. Querera isso signincar que as pes-seas pobres praticam mais aborto que as ricas? Todossabemos que nao, e todos sabemos muito bern como in-

terpretar essa realidade.As mulheres pobres estao alijadas daquilo que

Juarez Cirino dos Santos chamou de "exploracao clan-destina da industria do aborto", que envolve nao s6 0

refinamento tecnologico da cirurgia (que reduz 0 nu-

mero de situacces nas quais urn acidente cirurgico geracondtcoes - por €xemplo, pelo mtarnamento em hos-pital publico - de extravasamento) como tambem acorrupcao de runcionanos encarregados da repressao("Aborto, a Politica do Crime", RDP 25, p. 21).

Esses numeros registrados no Anuario se referem,na quase totalidade, a muiberes muito pobres, que, sobrevoltantes condicdes de higiene, submeteram seu de-

sespero a intervencao inabil de ouriosas, sofrendo se-quelas fisicas consideraveis. algumas, e morrendo, ou-

tras.

Entretanto, mesmo quem nao seja muito pobre,deve se submeter a industria clandestina, na qual a leida oferta e da procura determina urn custo a s vezesescorchante e 0 carater ilicito do fate impede a exis-tencia de nscanzacao sanitara, .e de Callais diretos comcentros cirurgicos de maiores .recursos, para tazer face

a acidentes eventuais.

Com 0 que ate aqui se examinou, e abdlcando deoutras linhas de consideracoes, ja se pode concluir quea lei brasileira atinge urn certo grupo de pessoas e be -neficia outre Sao atingidas todas as mulheres que re-solvem praticar e praticam 0 aborto, sendo que 0 efeitoespecificamente penal so recaira sabre as pobres. Sao

beneficiados todos aqueles que se dedicam protissional-mente a pratica do aborto, Beneticiados incondicional-

mente: detem 0. monopolio da atividade, sern concor-rencia dos hospitais publicos; nao tern problemas comas autoridades sanitarias; nao sao perturbados pela

policia; naD pagam imposto de renda pelo que recebem;

etc.E no minimo estranho esse sistema de tutela da

"vida".

v

Algumas soiucoes legislativas

Vale a pena examinar algumas das solucoes queIegislativamente foram elaboradas para 0 assunto. .

1. INGLATERRA E ESTADOS UNIDOS

Na Inglaterra, 0 Abortion Act 1967 emendou assecoes 58 e 59 do Offences Against the Person Act 1861.Justifiea-se 0 aborto, sempre praticado pOT urn medico

oficial do National Health Service au hospital privadoautorizado (salvo casos de urgencia necessaria), quan-do dais medicos opinam de boa £ e que 0 prosseguimento

da gravidez poderia expor a perigo a vida da mulner,ou causar danos a saude fisica au mental da mulher ou

das criancas de sua familia (danos mais consideraveisdo que se a gravidez fosse a termc) , ou ainda quandohouver risco de que 0 filho possa nascer portador dequalquer anormalidade fisica ou mental. Segundo 0

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Francesco Cieri, "La Nueva Disciplitui dell'aborto", Pa-dua, 1978; G. Galli et al, "L'Interruzione Vonmtaru:

della Gravidanza", 1\IIiHio,1978.)

4. ALEMAl.'JHA(BDR)

Apos breve retrocesso, pOI' causa de uma decisao

da Corte Constitucional, que declarara a inconstitucio-

nalidads do texto anterior, lei de 18/mai./76 discipli-

nou a assuntc, qu figura hoje no § 218" a. StGB. AoIado etas tradicionais indicacoes medica .(que inc!ui 0

perigo para a saude psiquica da mulher gravida) e etica

ou sentimental (gravidez resultants de crime sexual),

existem a indicacao genetica (embryopathische Ituii-

kation) e- 0 que e mais irnportante - a mdicacao de

necessidade ou social (Notlage oder soeiale Indikation).

Talvez em runcao da decisao da Corte Constitucional,

o legislador penal refugiou-se, no. que concerne a indi-cacao de necessidade ou social, em formulas urn pouco

abstratas, tendo por epicentro a inexigibilidade, porem

com aptidao para questionar de diversas perspectivas

a oportunidade de interrupcao da gravidez, Para a in-

dicacao medica nao h a limite de tempo; para as indi-

cacces etica (ou sentimental) e de necessidade (ou so-

cial) 0 abortamento deve ser teito ate 12 semanas; '.

para a Indicacao genetica, ate 22 semanas, ("Straj-

qeeetzauch", Ed. C.H. Beck, 46.a ed., Munique, 1977;

Johannes Wessels, "Strajrecht", B. T .,Karlsruhe, 1976,

v. 1, p. 22.)

5. JAPAO

No Japao, 0 abortamento e incriminado (art. 212-

216, CF), porem 0 espectro das indicacoes permissivas

e muito amplo, Autoriza-se 0 aborto se: 1.0) a gestante

ou 0 pai sofrem de Ioucura, a u debilidade mental, ou

212

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qualquer doenca mental, ou ainda possuem detormida-

des ou defeitos risicos hereditarios: 2.°) qualquer dos

pais tiver uma historia clinica semelhante entre os pa-

rentes ate 0 quarto grau; 3.°) qualquer dos pais for le-

proso; 4.°) houver receio de que 0 prosseguimento da

gravidez ou 0 parto passam expor a perigo a segurancada mae devida a raz6es fisicas ou economicas; au 5.°)

se a gravidez resulta de estupro (art. 14 CP). A Lei de

Protecao Eugenica permits tambem a aborto quando a

mulher der a luz muitas criancas, e existam indicios

de que sua saude esteja piorando par causa dos partos.

o operacao e realizada par medicos oriciais, e exige-senormalmente 0 consentimento de ambos as pais (Ge-

rope M. Koshi, "The Japonese Legal Advisor") Tokio,

1970, p. 132).

VI

Em conctusiio

A tendencia a uma reforrnulaean da posigao pura-

mente repressiva da tei penal a respeito do aborto euniversal, e chegara ao Brasil. Nenhum dos partidarios

dessa tendencia concebe 0 abortamento como algo 80-

cialmente desejavel, mas como autentico mal menor

dentro de certos contextos individualizaveis, e do cacti-co resultado de urn sistema repressive.

Historicamente a Incriminacao do aborto serviuw

aos mais variados designios, e atemesmo a protecao da

vida. Situar neste ultimo extrato a essencia das leis que

incriminaram 0 aborto, no entanto, e pura atitude re-

torica, que so pode enganar as ingenues.

Nunca e demais relembrar que Hitler e Mengele

perderam algum tempo para descobrrr urn processo de

produzir gemeos, Amavam a vida, esses dois?

2 13

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APENDICE

Anteproieto de lei (*)

Art. L O 0 artiga 128 do Decreto-lei n.? 2.848,

de 7 de dezembro de 1940 (C6digo Penal) passa a vi-

gorar com a seguints redacao:

AbortoimpuniveZ

"Art. 128. Nao se pune 0 aborto praticado pormedico especialmente autorizado:

Ituiicaciio medica

I - a qualquer tempo,se a gravidez determinarperigo para a vida au a saude, fisica ou psiquica, dagestante;

Iuiicaciio eiica

II - nas primetras 12 semanas, se a gravidez

esta relacionada a pratica de crime contra os costumes;

Iruiicaeiio embriopdiica

~ III - nas primeiras 20 semanas, quando, em ra-

zao de enfermidade grave e hereditaria, fisica ou men-

tal, da qual sejam ou tenham sido portadores 0 pai au

a gestante, seja passive! estabelecer, com alta probabi-lidade, que 0 nascituro ja padece ou vira a padecer de

(*) Este anteprojeto, redigido pelo autor, fat apresentado a Cama-

ra dos Deputados pela Deputada Cristina, Tavares, convcrtendo-se noanteprojeto de lei n.? 590, de 1983, .

2 1 4

identica enferrnidade, au a qualquer tempo, quando al-

guma rnolestia, intoxicacao au acidente sotridos pela

gestante comprometam, demonstradamente, a saude

do nascituro; ,

Indicaciio social

IV - nas prirneiras 1 6 semanas, quando, face

a s condicoes socio-economicas e familiares da gestante,

nao puder ela atender a s sxigencias do prosseguimentoda gravidez nem prover mais tarde as necessidades ele-

mentares do filha, sem privar-se do indispensavel a pro-pria subsistencia ou a de sua familia .

.Paragrafo {mica: No case dos incisos III e IV,

sendo a gestante casada, exigir-se-a 0 consentimento

do marido."

Art. 2.0 0 aborto sera realizado nos hospitals da

rede previdenciarla oficial, ou em hospitals particula-

res especialmente autorizados,Paragrato unico: .A!legandorazoes de conscien-

cia, pode 0medico nao participar de cirurgia abortiva,

salvo quando haja perigo para a vida au a saude da

gestante.

Art. 3,0 Salvo quando haja perigo para a vida oua saude da gestante, 0 aborto sera sernpre precedido de

orientacao social e legal a gestante que revele 0 intento

de 0 praticar.

§ 1 .0 Esta orlentacao sera ministrada par advo-

gados e assistentes socials, e consistira em:

a) informacoes sabre sistemas existentes paraprotecao da maternidade e adocao de reeem-nascidos;

b) intormacces sobre eventuais direitos do nas-

cituro e da pr6pria gestante, no que concerne ao direi-

to de familia;c) informacoes sobre direitos trabalhistas da

trabalhadora gestante;

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d) inrormacoes sobre direitos previdenciariosda gestante;

e) qualquer outro esclareeimento que possa au-xiliar, social e Iegalmente, a gestante.

§ 2.° Quando for 0 caso, sera a gestante encami-nhada a assistencia judiciaria gratuita oferecida peloEstado ou pels. Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 3.° Se apes a primeira entrevista, e decorrido

urn prazo minima de 5 dias, a gestante persistir em seumtento, sera encaminhada a estabelecimento hospita-

lar, para a pratica do aborta.

Art. 4.° 0 service de orientacao social e legal agestante sera efetuado pelo Estado.

Paragrafo unico: Qualquer- hospital particularque pretenda ver-se autorizado a realizacao da cirurgiaabortiva devera instalar urn servico de ortentacao sociale legal a gestante.

Minuta de exposiciio de motiuo«

o projeto objetiva fundamentalmente emparelhara legisla9ao penal brasileira concernente ao aborto atendencia predominante em paises com elevada cultu-ra juridica, e esta inspirado, de forma geral, nos mo-deias italiano, frances e alernao.

Au inves da OP!;3.0 polemica de descriminalizar 0

auto-abortamento e 0 abortamento com consentimento ,que mobiliza opinioes tao dispares e apaixonadas, ele-

geU-se 0 caminho, seguido pelos modelos legislativosme:ncionados, de arnpliar os espectros legais das indi-

cag6es permissivas.

o indiscutivel rigor da disciplina juridica adotadapelo C6digo Penal de 1940 fqi, dessa forma, atenuado,e 0 result ado e urn sistema que apresenta indicacoes dequatrQ especies: medica, etica, embrlopatica e social.

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.A indicacao medica, que 0 C6digo Penal vigenterestringe a hip6tese extrema de inexistir "outre meiode salvar a vida da gestante" passa a incluir hip6tesesem que a gravidez determine perigo nao s o para a vidamas tambem para a saude, fisica ou psiquiea, da ges-

tante.A indicaciio etica au sentimental, circunscrita

pelo C6digo Penal vigentea gravidez result ante dees-tupro, passa a atingir, segundo 0 projeto, gravidez re..,Iacionada a qualquer crime contra os costumes. .

A indicacao smbriopatica ganhou irretutaveis ar-

gumentos com a tragicarnente farnoso caso Contergan,no Brasil conhecido como Talidomida. A seu lado, in-troduz 0. projeto a indicacao social, que na realidade

exprime uma formula peculiar de estado de necessida-de. 0 direito, aqui, abre os olhos para uma dura reali-dade social, que faz controntarem-se as .exigencias doprosseguimento da gravidez com a subsistencia cl a pro-pria gestante ou de sua familia. Tanto na indieacaoembrtopatica quanta na social, sendo a gestante casa-da, sxigir-se-a 0 consentimenta do marido.

Em qualquer das indicacoes, adotou-se a linha de

que a cirurgia abortiva s6 deve ser realizada par medi-co especialmente autorizado, seguindo-se, neste passo,o modele ingles. Julgou-se conveniente, a exemplo dotexto Italiano, permitir que, fora da estrita indicacaomedica, pudesse 0 medico invocar raz6es de conscienciapara nao participar de cirurgia abortiva, com 0 que sehomenageia a liberdade de credo religiose.

o projeto, valendo-se da experiencia francesa e

italiana, cria a nrientacfio social e legal a gestante comopressuposto obrigat6rio para a pratica do abortamento,Objetiva-se, desta forma, seja a gestante munida domaior numero possivel de informacoes sobre sua situa-~ aosocial e juridica, bern como a situaeao do nascituro,e ainda sabre opcoes distintas do aborto, Qualquer hos-pital particular que pretenda ver-se autorizado a pra-

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tica de cirurgia abortiva devera manter urn service

scctal e legal, segundo os moldes do projeto,

o projeto pretende, em Ultima instancta, por ter-

rna a industria clandestina do aborto, responsavel por

tantas mortes e acidentes cirurgicos.

Nao se tern em maos urn projeto a favor do abor-

to, mas urn projeto contra 0 farisaismo vigente, contra

uma legislacao ultrapassada e draconiana, atento aoprocesso de mudanca social.

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F - ' 7 ' - - - - - ' ". .,...,.

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Do mesmo auior :

Tcori» da Lei Penal, S. Paulo, 1974, Ed. RT (em colaboracao comAniba! Bruno) - esgotado;

o Elemento Subjetivo do Crime de Denunciacao Caluniosa, Rio, 1975.Ed. Liber ] u ris

Anibal Bruno, Penalista, Rio, 1978, Ed. Liber Juris

Advocacia Criminal, Rio, 1978, Ed. Liber Juris (em colaboracao com

Joao Mestieri)

Concurso de Agentes, Rio, 1974, Ed. Liber Juris

Casas de Direito Penal - Parte Especial, Rio, 1980, Ed. Liber Juris

(em colaboracfio com H e itor Costa ] r.)

Decis6es Criminais Cornentadas, 2.a edicao, Rio, 1984, Ed. Liber

Juris

NILO BATISTA

T E M A S D E D I R E I T O P E N A L

B JB LIO TE CA N IL O BATISTA

ACERVO PESSOAL

EDITORA UEER JURIS