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i MARIA APARECIDA DA SILVA DAMIN Teorização da Prática Pedagógica por Professores e Gestores, em Escolas Públicas de Campinas, SP CAMPINAS 2015

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MARIA APARECIDA DA SILVA DAMIN

Teorização da Prática Pedagógica por

Professores e Gestores, em Escolas Públicas

de Campinas, SP

CAMPINAS

2015

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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Theorization of teaching practice by teachers and managers of public schools of Campinas, SP

Palavras-chave em inglês: Teachers

Experimentation

Desire

Chaos

Meeting (Social customs) Writing

Área de concentração: Psicologia Educacional

Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora: Afira Vianna Ripper [Orientador] Américo Grisotto

Guilherme do Val Toledo Prado

Maria de Fátima Garcia Silvio Donizetti de Oliveira Gallo

Data de defesa: 11-02-2015

Programa de Pós-Graduação: Educação

Damin, Maria Aparecida da Silva, 1954- D184t DamTeorização da prática pedagógica por professores e gestores, em Escolas

Públicas de Campinas, SP / Maria Aparecida da Silva Damin. – Campinas, SP:

[s.n.], 2015.

DamOrientador: Afira Vianna Ripper. DamTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

1. Professores. 2. Experimentação. 3. Desejo. 4. Caos. 5. Encontro (Costumes sociais). 6. Escrita. I. Ripper, Afira Vianna,1936-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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RESUMO

Este estudo mapeia produções de professores e gestores, da Secretaria Municipal de Educação

de Campinas, SP, no curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação

Docente”, da Faculdade de Educação da Unicamp, nos anos de 2008 e 2009. Ao seguir os

fluxos de desejo, na contingência cotidiana, problematizando e teorizando práticas, gera-se um

processo educativo caótico, constituído por campos intensivos, que denominei “Processo

Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade e incerteza. Na tentativa de encontrar rastros

de campos intensivos detonadores da educação como devir a impulsionar a experimentação de

outras maneiras de se atuar na escola, transito nas produções escritas dos professores, gestores

e em teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault,

Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros. Alguns campos

intensivos gerados nos encontros se mostram a aumentar a força de ação à maneira de Spinoza

tais como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o exercício da escrita” de forma

livre. O seguir fluxos de desejo na problematização e teorização da pratica cotidiana pelo

professor e gestor, no apreender via problematização de temas de interesse no dia a dia da sala

de aula por alunos e professores. Os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que

aumente a força de existir e o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores

da razão, marcados em nossos corpos por certa maneira de escrita vivida na escola. A

produção de saberes nesse processo pedagógico se dá de forma transversal, portanto um

currículo, aberto, em constante devir. No processo de escrita o que está naturalizado na escola

passa a ser visto por outros ângulos, questões são postas a nu, o que pode impulsionar a busca

por outras maneiras de fazer na escola, vida.

Palavras-chave: Professores, Experimentação, Desejo, Caos, Encontros, Escrita.

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ABSTRACT

This study maps the production of teachers and school administrators from the Campinas

Department of Education, São Paulo of a specialization course “The Research and Technology

in Teacher Education”, given by the Faculty of Education at UNICAMP during 2008 and

2009. Following the flows of desire in the daily contingency, discussing and theorizing

practices generates a chaotic educational process, consisting of intensive fields which I have

called “Process Education Chaos”, characterized by instability and uncertainty.

In an attempt to find traces of intensive fields of detonators of education as obligation, capable

of boosting other experiments of acting in school, I go back and forth between the teachers

and managers’ written productions and the theories of philosophers; such as, Gilles Deleuze,

Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques

Derrida, among others. Some intensive fields generated during meetings showed a growing

rise on its action force similar to Spinoza’s theories, for example, “the power of desire”, “the

gay encounters”, “the exercise of writing” in a free manner. It follows the flow of desire on

the discussion and theorization about the daily school practice, both by teachers and managers.

The “encounters” which may be related to anything that increases the strength of existence and

the exercise of writing, which, as the wind blows away castrating records of reason, our minds

have been marked by the certain way that Writing was taught in school.

The knowledge production on such an educational process goes across the board and in a

transversal manner. It happens in the curriculum, which is open, and is constantly changing.

The process of writing, that which is taken for granted in school, comes to be seen from

different angles. It begins to see questions that be put openly which can boost the search for

different ways of facing what has to be done at school.

Key words: Teachers, Experimentation, Desire, Chaos, Meetings, Writing

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SUMÁRIO

Panorama dos campos intensivos... 01.

Problematização... 12.

Rastros do Percurso... 13.

Organização dos campos intensivos... 14.

Campo intensivo 1. A Potência do “Desejo” no Processo Educativo... 15.

Processo Educação Caos... 26.

Campos intensivos e algumas ressonâncias... 32.

Campos eletromagnéticos e mórficos... 33.

Campo intensivo e plano de imanência... 36.

Aparelho de controle institucional e espaço nômade... 39.

Campo intensivo 2. Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano... 47.

“Encontros” a gerar campos intensivos no contingente cotidiano... 58.

Currículo em devir... 66.

Apreendendo a realidade cotidiana... 73.

Campo intensivo 3. O exercício da Escrita e o Corpo sem Órgãos de Artaud... 85.

Experimentação na escrita... 94.

Campo intensivo 4. Problematizar, Compor Afetos e Devir... 113.

Bibliografia... 127.

Anexos: Brincando com as ideias... Palavras... Poesias... 143.

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A todos que partilham processos de produção coletiva, a criar “bons encontros”... A aumentar a potencia de ação no ambiente da escola... A disparar

partículas na invenção de vidas possíveis...

O que pode uma mistura de sonhos?

No exercício do olhar... Desvia o foco Mergulha nas águas do caudaloso rio

A irromper... Estórias e ecos De homens, tempos e lugares...

Na Cartografia, pesquisa e cria Experimenta seguir a si mesmo

Ainda, que impregnado do alheio Conhece o rumo do sonho... No Ser Professor!

A criar estratégias e desviar o curso do rio

A Delinear novos horizontes e descortinar o inimaginável As multivozes constituem e desconstituem

Atravessa pontes! Revê posturas... Reinventa o cotidiano Com Estilo! Desliza por diferenças...

A embalar Corpos na dança por trilhas mais amorosas...

Multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar

Desvenda os mistérios do “eu” no “outro” Ao sopro de abalos e rajadas repensa o existir

Rompe fluxos silenciosamente Ao caminhar pela vila

Na urdidura do tecer

Por entre grãos movediços A inexplicável magia da escrita

Misturas de sonhos a mover a trama Em tempo e vida! Presente com laço de fita!

A viver, sonhar e brincar...

Ao som de Ravel!

Maria A. S. Damin e Miriam B. Camargo

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Dedico...

A todos que ao seguir fluxos de desejo na contingência cotidiana, escolhem “encontros” mais alegres e amorosos...

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GRATIDÃO

À vida por ter-me lançado ao “encontro” de pessoas muito especiais, que

impulsionam e encorajam o seguir de “vontades” no apreender... Outras que

embarcam juntas rumo ao “Caos” a experimentar caminhos na prática cotidiana,

vida... São pessoas muito queridas e admiradas... Imensa Gratidão às misturas, em

que fui me tornando...

Ao “convite” da Afira Vianna Ripper, em uma noite qualquer, de 1997, a cansados

professores de uma escola Estadual, para integrar um projeto educativo, associado às

tecnologias da informação, em parceria com docentes da Unicamp - o Projeto Ciência na

Escola. A minha vontade e perplexidade eram enormes, diante da interlocutora, consequência

da mais completa falta de habilidade com computadores. Indaguei-a: “como alguém que não

consegue operar com um mouse poderá utilizar um computador com alunos em sala de aula?”

Responde ela: “Você tem vontade? É só o que precisa, o resto aprende”... Aprendi e ensinei,

tendo-a como parceira... A frase “precisa vontade, o resto aprende” abriu um precedente

sem tamanho, que marcará minha maneira de lidar com as coisas... A orientação e parceria

nos grupos das escolas, no mestrado, nas aulas do curso de especialização “A Pesquisa e a

Tecnologia na Formação Docente” e na cuidadosa orientação neste texto.

Ao insistente “cadê seu projeto de doutorado?”, indagação do Silvio Gallo, repetida

diversas vezes nos corredores da Faculdade de Educação da Unicamp, sem isso com certeza

não teria me aventurado a fazê-lo. A alegre, tranquila e desafiante presença de sempre; no

exame de qualificação, as cirúrgicas sugestões para a reorganização... A clareza e

fecundidade de seus escritos a provocar o repensar da escola e da própria vida..

Ao Américo Grisotto pela atenta e cuidadosa leitura no texto da qualificação...

Sugestões de extrema beleza e delicadeza... Linda grafia que mais parecem notas musicais a

bailar e pontuar “conceitos” em potência..... Pelo desafiador texto a provocar e inspirar....

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Ao Guilherme do Val Toledo Prado, que em um momento de extremo desânimo para

continuar, exclamou “você não vai desistir agora!”, encontro de alguns minutos que me

lançaram de volta ao texto. Pela escrita com os professores e gestores, encontro profícuo de

escrita, no refazer do caminho do “como nos tornamos professor” com o problematizar de

práticas... Memorial de formação a embelezar as produções...

À Luciana Palharini por sua alegria, amizade e carinho... Que em um momento de

extremo desespero ajudou a pensar outra organização para este texto...

À Maria de Fátima Garcia pela parceria, no curso de Especialização, na FE,

Unicamp, 2º semestre de 2008... Encontros, conexões a lançar a outros territórios...

Ao professor Joaquim Brasil Fontes pelas acaloradas aulas a viajar na literatura..

Safo de Lesbos... Erasmo de Rotterdam... Antonin Artaud... E infinitos lugares...

Ao Henrique Lima Assis pela carinhosa e delicada revisão e sugestões no texto sobre

a escrita... No entremeio do “pintar o céu.... A abusar daqueles prateados, que associam aos

verdeazulados no horizonte, a deixar o fim do dia muito mais especial para escrever viver,

contemplar, escrever poemas...” Amar... Palavras, vida em nós... Quisera eu conseguir....

Ao professor Antonio Miguel pelas aulas sobre Filosofia da Educação Matemática,

Modelagem Matemática e Etnomatemática, que até hoje fazem parte dos meus cursos...

À Ligia Prando por nossas conversas rizomáticas... Amizade e apoio...

À Nadir Camacho e Rita Lanoux, da Secretaria da Pós-Graduação da Faculdade de

Educação, pela atenção de sempre...

À amiga Dione Pizarro que apensar de anos sem nos vermos continua a provocar e

inspirar...

Ao Carlos Bueno de Moraes Filho pela amizade e apoio incondicional em todos os

momentos...

Aos amigos Walmir Almagro, Elza Fassani, Sahori Yamaki, Marcos Pierossi e Bruno

Y. Pierossi por me lembrarem de que há vida lá fora... Amizade e apoio.

Ao Raulito Ramos por nossos encontros a pensar nossas teses... A proliferar ideias...

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Aos professores e gestores nas disciplinas “A Pesquisa como instrumento

Pedagógico I, II e III”, do curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação

Docente” por nossos alegres, intrigantes, desafiantes e “contagiantes encontros” a

misturar partículas em campos intensivos... Ventos a soprar... A Misturar e disparar

fluxos:

No exercício do olhar à obra de arte na escola, vida... Thelma Ragusa Guimarães;

No desvio do foco das mazelas... Elizandra R. Neves;

No mergulhar do caudaloso rio, na Comissão Própria de Avaliação... Rob Ney Rodrigues;

No irromper de estórias e ecos no mundo da literatura... Ambrosina Castellar Brito;

Na História de homens tempos e lugares... Wolney Colussi;

Na cartografia a criar outros olhares à escola... Claudia Lattarini;

No criar estratégias e desviar o curso do rio... Antonio Carlos Mafra Juliano;

No delinear de novos horizontes... Joana Luzia Olaf;

No Reinventar o cotidiano... Maria de Fátima Garcia;

No descortinar o inimaginável... Denilda Altem;

Nas multivozes, que nos constituem e desconstituem... Rafaela Lopes;

No atravessar pontes e rever posturas... Mariangela Modé;

No embalar de Corpos na dança por trilhas mais amorosas... Silvana Salvador;

No experimentar seguir a si mesma, no Ser Professor... Nair Heerdt;

No estilo a deslizar por diferenças... Ieda Rockenbach;

No multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar... Mariângela Kachan;

No desvendar de mistérios do “eu” no “outro”... Girlene do Nascimento Urbano;

No sopro de abalos e rajadas repensa o existir... Rosana Tinel;

No mapear nascentes, rompe fluxos silenciosamente... José Cícero Alves;

No caminhar pela vila... Valéria M. Catarino;

Na urdidura do tecer... Miriam B. de Castro Camargo;

Por entre grãos movediços... Renato Horta Nunes;

No viver sonhar e brincar... Eliana D’Orázio;

Nos tempos e vida! Presente com laço de fita!... Durival José Gasparotto;

Na inexplicável magia da escrita... A mover a trama... Maria Aparecida Damin;

No som de Ravel!... Afira Vianna Ripper.

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À Secretaria Municipal de Educação de Campinas pela parceria nos cursos “A

Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente” e nos de Etnomatemática...

Às professoras de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, do NAED NOROESTE

nos cursos de Etnomatemática pela alegria da criação... No “presente inestimável de um

novo ‘olhar’!” Elaine Nunes... Nas “Mãos que se tocam e misturam a tinta” Angela

Cobacho... “Na Onda, jogos o apreender das crianças” Elck Cristiny... No “Seguir um

bichinho no chão” Késia e Renata... Na “matemática do pandeiro” Érica Alexandrini... Na

“Matemáticantoria dos bebes” Islaine, Maria Elizabeth e Rosangela... Na “geometria das

pipas” Carolina C. Luz... No “ambiente de amorosidade aos bebes” Maria Prietto... Na

“espiral do encaixe de carrinhos” Priscila França... No “Devir - criança” por Marcia Dias...

Ao Wladimir Mesko, Lucia Pegolo Gama, Cristina Criscuolo pela presença na

defesa... Acolhida e apoio no Programa "Pesquisa e Conhecimento na Escola" que acaba de

nascer e já dá pistas de intensos fluxos de desejo a contagiar...

A todos os professores e gestores que cotidianamente reinventam a escola, vida...

À Déa Raquel Ehrhardt Carvalho por nossas conversas e sugestões... À Silvana da

Silva, Aluisio Negrão, Alberto Mello, Marco Millione, Valdinei, Lucelma Dalmolin e Lilian

por nossos acolhedores e adoráveis encontros...

Aos meus pais Francisco (in memorian) e Maria pela vida...

À Adriana e ao Franchine por nossas conversas e apoio de sempre... Ao Onofre,

Luiza e Natália pelo carinho e apoio... Aos irmãos Benedito e Fátima pela dedicação... Ao

Dimas, Ângela e Francisco por nos mostrarem que é sempre possível recomeçar... A todos

pelo apreender no compartilhar...

À Mariana Campinhos pelo carinho...

Ao Plínio Damin pelas sugestões neste texto... Encantamento com a filosofia,

encarnada na própria vida... A descortinar outros modos de vida...

À Virgínia Damin... A neta Sofia Fiorucci... Pela alegria... O apreender da

vida e de mim mesma... Por me mostrarem outros mundos...

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PANORAMA DOS CAMPOS INTENSIVOS

Mistura Corpo /Ventre...

............

No som do descolar de células / pétalas....

Simplesmente...

A Composição de Corpo / pétalas...

Nas gotas orvalhadas das manhãs.....

..........

Um corpo sem órgãos?

Maria A. S. Damin

Este estudo trata da composição de forças no processo educativo ao se problematizar e

teorizar práticas, no contingente cotidiano, tendo como referência a produção de professores e

gestores da Rede Municipal de Educação de Campinas e os encontros na disciplina: “A

Pesquisa Cientifica como instrumento Pedagógico”, módulos I, II e III, turma B, do curso de

Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, da Faculdade de Educação

da Unicamp, em parceria com a SME - Secretaria Municipal de Educação de Campinas, SP,

nos anos de 2008 e 2009.

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Mapeio suas teorizações de forma um tanto aleatória ao seguir rastros de afetos.

Rastros de afetos que possam detonar uma educação como devir, a impulsionar a

experimentação de outras maneiras de atuar na escola ao seguir fluxos de desejo na

problematização de práticas, o que gera um processo educativo caótico, constituído por

campos intensivos, que denominei “Processo Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade

e incerteza. Movimento, em que transito nas produções escritas dos professores, gestores e

teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio

Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros.

Alguns campos intensivos, gerados em encontros apontam para o aumento de nossa

força de ação à maneira de Spinoza como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o

exercício da escrita” de forma livre, que podem detonar uma educação como devir: - ao seguir

fluxos de desejo na problematização e teorização da prática cotidiana pelo professor e gestor; -

o apreender via problematização de temas de interesse, no dia a dia da sala de aula por alunos

e professores; - os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que aumente a nossa força

de existir e, o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores da razão, marcas

em nossos corpos de certa maneira de escrita, vivida na escola, um exercício em direção ao

“corpo sem órgãos” proposto por Artaud.

Proponho a ideia de campos intensivos para pensar a dinâmica de um processo

Educativo caótico, na tentativa de encontrar rastros de intensidades, que apontem para uma

educação como devir. Intensidades que se mostram e se modificam continuamente. Em

constante devir.

Campos intensivos como o oceano virtual, que estamos mergulhados, mas que o

intensificamos ao redor de acontecimentos, perspectivamente como o pensamento para

Nietzsche, em que alguns prevalecem sobre infinitos outros. Essa ideia surge da noção de

campos na ciência, como os mórficos na biologia, os eletromagnéticos na física e

posteriormente os associei com o conceito plano de imanência em Deleuze & Guattari.

Poderíamos dizer um campo de forças virtual com Leibniz, a de que “a força é um virtual em

curso de actualização (de se tornar real), tanto como o espaço no qual se desloca” (DELEUZE

e PARNET, 2004, p.180).

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O conceito de força foi substituído pelo de campo de forças por Maxwell1 e Faraday,

que “foram os primeiros a ultrapassar a física newtoniana mostrando que os campos têm sua

própria realidade e podem ser estudados sem qualquer referência a corpos materiais, ou seja,

são modificações do próprio espaço” (HAWKING, 2009, p. 43).

Nas “modificações do próprio espaço” campos intensivos se mostram e desaparecem

em torno de acontecimentos como na potência do desejo, nos encontros, no exercício da

escrita, no pensamento filosófico, dentre outros. Desejo como um “corpo sem órgãos” como

propõe Artaud, segundo Deleuze e Parnet (2004) em que partículas e fluxos o percorrem e

escapam tanto dos objetos como dos sujeitos.

Campos intensivos que se formam em fluxos de desejo, acontecimentos no espaço

microssocial, que podem impulsionar ações pedagógicas, em um processo criativo, dinâmico,

produtivo e caótico em termos de organização e gerenciamento. Observei essas características

no Projeto “Ciência na Escola”, desenvolvido com alunos2 e professores da educação básica,

na EE Professor Aníbal de Freitas, que foi estudado no Mestrado, em Damin (2004), processo

educativo, que denominei “Processo Educação Caos”.

Nos anos de 2008 e 2009 observei o delinear de intensidades semelhantes nos

encontros, aulas com um grupo de professores e gestores da rede Municipal de ensino de

Campinas, SP, na disciplina: “A Pesquisa como Instrumento Pedagógico I, II e III”, do curso

de especialização citado anteriormente, “turma B”3, grupo heterogêneo formado por

professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, diretora, orientadora pedagógica

e coordenadora pedagógica. Esse curso foi oferecido a duas turmas, A e B. Na turma A

1 Em 1865, o físico britânico James Clerk Maxwell combinou todas as leis conhecidas da eletricidade e

magnetismo. A teoria de Maxwell baseia-se na existência de “campos” que transmitem ações de um local para

outro. Ele reconheceu que os campos que transmitem perturbações elétricas e magnéticas são entidades

dinâmicas: podem oscilar e mover-se no espaço.

A síntese do eletromagnetismo de Maxwell pode ser condensada em duas equações que descrevem a dinâmica

dos campos. Ele próprio deduziu a primeira grande conclusão dessas equações que ondas eletromagnéticas de

todas as frequências propagam-se no espaço com a mesma velocidade fixa – a velocidade da luz (HAWKING,

2009, p. 43).

2 Participantes do projeto “Ciência na Escola”, que foi desenvolvido de 1996 até 2005, inserido no programa

especial criado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, visando à melhoria do

ensino público (FAPESP – Linha de Pesquisa Ensino Público), pelo LEIA/FE/UNICAMP/FAPESP. 3 Turma B, porque era nessa turma, que eu participava como monitora da professora Afira Vianna Ripper.

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estavam os professores dos Ciclos I e II e na B os dos Ciclos III e IV, porém à insistência de

duas professoras dos ciclos I e II, que não podiam participar da turma A e, de duas gestoras

foram agregadas à turma B.

Nessas duas experiências – na educação básica e na pós-graduação o processo

pedagógico se dava a partir de problematizações do cotidiano. O apreender do aluno seguia a

escolha de assuntos de seu interesse e do professor. Uma proposta de aprendizado via

metodologia de pesquisa no cotidiano da sala de aula, tendo como referência o Projeto

“Ciência na Escola”, que foi desenvolvido no LEIA - Laboratório de Educação e Informática

Aplicada da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas.

Este projeto foi criado em 19964 visando discutir o aprendizado via metodologia de

pesquisa com professores da universidade e de escolas municipais, entretanto em sua segunda

fase participaram também Escolas Estaduais, situadas no município de Campinas, financiado

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, na linha Auxílio à

Pesquisa – Programa Ensino Público. O objetivo principal era “[...] despertar vocações para as

ciências entre os alunos das escolas públicas municipais de Campinas e, ao mesmo tempo,

possibilitar a melhoria da qualidade do ensino e o conhecimento da realidade educacional”

(PROJETO CIÊNCIA NA ESCOLA, FAPESP, PROCESSO, 96-2496, 1996, p.1). A parceria

nesse projeto entre professores de escolas públicas municipais e estaduais de Campinas, com

docentes da Unicamp, no ano de 2009 completou 13 anos.

Os primeiros oito anos foram de natureza investigativa, a fim de pesquisar temáticas

de natureza interdisciplinar, utilizando a pesquisa científica com os alunos. A

FAPESP financiou essa etapa de setembro 1996 a dezembro 2004 por meio do

Programa de Ensino Público e o Centro de Óptica e Fotônica (CEPOF) do Instituto

de Física da Unicamp apoiou essa etapa.

Nos anos seguintes o objetivo do Projeto foi a disseminação dos resultados da etapa

anterior sob o formato de cursos de extensão da Escola de Extensão da Unicamp –

Extecamp (2005 a 2007). Em 2008/2009 configurou-se neste Curso de

Especialização (lato sensu) ‘A pesquisa e a tecnologia na formação docente’ com 390

horas, vinculado à pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp.

Em seus treze anos de atuação oito professores terminaram o curso de Mestrado e

três5 o de Doutorado, além de 36 que concluíram o curso de Especialização.

4 Projeto “Ciência na Escola” processo FAPESP, 96-2496.

5 Atualmente, esses três professores têm cargos efetivos como professores titulares em Universidades Públicas

brasileiras: Maria de Fátima Garcia, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Claudinei de Camargo

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5

Atualmente três cursam o Mestrado e dois o Doutorado. Outros três pesquisadores

ligados ao projeto fizeram pós-graduação, dois cursaram o Mestrado e um o

Doutorado (RIPPER, 2010, p. 1)6.

As alunas de mestrado7 e uma de doutorado concluíram suas pesquisas e eu sou a

última a finalizar este texto... Consequência de uma visita da professora Afira em uma noite,

talvez meados de novembro de 1997, à EESG Aníbal de Freitas, onde eu lecionava

matemática, para convidar professores a participarem do Projeto “Ciência na Escola”.

Imediatamente senti enorme vontade, mas muito apreensiva, pois não tinha nenhum

conhecimento de informática, o mouse fugia por entre meus dedos. Pensava cá com meus

botões: como poderei orientar alunos no uso do computador? Arrisquei a indagar nossa

interlocutora, que para minha surpresa respondeu: “mas você gostaria de participar?”

Respondi sim e sua resposta: “é só isso que precisa, o resto aprende”... Lembro-me das

dificuldades com o bendito mouse! Era o próprio “Chico Bento” a navegar na Internet.... A

Maria de Fátima Garcia, coordenadora operacional do projeto, pacientemente me

acompanhava, fui me sentindo mais segura e arriscava a aventurar pelo mundo da tecnologia.

Logo em seguida participei de um curso de modelagem matemática8, no Instituto de

Matemática e Estatística da Unicamp (1999 e 2000), em que aprendi a elaborar modelos

matemáticos com o suporte de softwares muito específicos como o Matlab (MATrix

LABoratory)9. Uma combinação fabulosa em que números, tabelas, equações, funções se

transformam em imagens, usei o que era possível com alunos do Ensino Fundamental e Médio

e muitos pareciam artistas a brincar com cores e formas.

Sant’Anna, na Universidade Estadual da Bahia e Maria Cândida Müller, na Universidade Federal de Rondônia. 6 RIPPER, A. V. Tecendo Novos Territórios Pedagógicos. Congresso Internacional PBL10, USP/LESTE -

Universidade Estadual de São Paulo. Disponível em: http://www.uspleste.usp.br/pbl2010/trabs /trabalhos

/TC0338-1.pdf

7 Em 2012, outra aluna concluiu o doutorado, em 2013 duas professoras concluíram o mestrado e em 2014 mais

uma professora. Portanto, hoje contamos onze professores, que cursaram o mestrado e cinco professores

chegaram ao doutorado.

8 Cheguei a esse curso, porque o Professor Rodney Bassanezi do Instituto de Matemática e Estatística da

Unicamp pediu a professora Afira Vianna Ripper para usar o Laboratório de Informática e ela disse que sim, mas

queria uma vaga para uma professora.

9 MATLAB (MATrix LABoratory) trata-se de um software interativo de alta performance voltado para o cálculo

numérico, que integra análise numérica, cálculo com matrizes, processamento de sinais e construção

de gráficos em ambiente fácil de usar onde problemas e soluções são expressos somente como eles são escritos

matematicamente, ao contrário da programação tradicional. (http://pt.wikipedia.org/wiki/MATLAB).

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O Projeto Ciência na Escola se confunde com o início da Informática na Educação

Brasileira e têm como precursores o Projeto EUREKA e o EDUCOM10. O Projeto EUREKA11

foi pioneiro no uso do computador no primeiro ano do ciclo I, criado em 1990, em parceria

entre Unicamp e rede Pública Municipal de Campinas, visando à melhoria do ensino e como:

[...] a informática já está presente e seu uso é inquestionável em quase todos os

ramos das atividades humanas. Do mesmo modo que outrora, com a revolução

industrial, as máquinas mecânicas libertaram o homem do esforço físico, hoje as

máquinas eletrônicas passam a fazer parte do trabalho intelectual de cálculo, controle

e armazenamento de dados. A inserção do computador na atividade científica faz

parte da realidade contemporânea. Como um dado de realidade, a tecnologia altera,

inevitavelmente, o trabalho e as relações humanas (MORAES, 2002, p.51).

A maneira como se conduzia o processo educativo no projeto EUREKA é considerada

até hoje, um grande avanço para a melhoria da Educação, como pontua Miriam Camargo,

coordenadora de cursos na Prefeitura Municipal de Campinas, que desde seu início se

estimulava a autonomia e o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, no processo

pedagógico, integrando alunos e professores da rede.

[...] à integração vertical e horizontal: integração entre alunos; entre professores e

alunos; entre séries e componentes curriculares, por meio de trabalhos desenvolvidos

por diferentes disciplinas de uma mesma série – através de temas geradores;

integração entre classes; integração entre professores da escola e da Fumec,

discutindo problemas comuns, através de reuniões semanais;

[...] à busca da autonomia do trabalho do professor e da própria produção do

conhecimento dos envolvidos no trabalho pedagógicos (professores e alunos)

(MORAES, 2002, p.50).

Segundo Camargo (2013), no projeto Eureka os grupos eram reflexivos, os professores

pensavam juntos os desafios das Unidades Educacionais e também no grupo da Unicamp com

todos os participantes, onde se tentava propor ações coletivas. Os rumos das ações eram

planejados em conjunto com os professores da escola básica e docentes do Laboratório de

Educação e Informática Aplicada, da Faculdade de Educação da Unicamp. A autora pontua

que hoje se faz necessário recuperar essa dinâmica, criando espaços para mais reflexões nos

cursos oferecidos pelo Núcleo Educacional de Informática, da Secretaria de Educação da

10 O projeto EDUCOM foi criado pelo MEC em 1983 para usar o computador no Ensino Médio. Visava o uso da

linguagem logo. “O projeto Logo na UNICAMP iniciou-se a partir de um estágio da Professora Afira Vianna

Ripper no laboratório Logo do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), onde conheceu o trabalho dos

professores Seymour Papert e Marvin Minsky, criadores da filosofia Logo”

(http://www.nied.unicamp.br/ojs/index.php/memos/article/view/57/56).

11 O Projeto EUREKA foi um desdobramento do Projeto EDUCOM.

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Prefeitura Municipal de Campinas, onde as contribuições sugeridas pelos professores possam

ser acolhidas e que vá além, de apenas ensinar técnicas no uso de tecnologias.

Observamos que desde seu início o uso do computador na escola era pensado junto

com as questões pedagógicas, educacionais e não apenas técnicas para o seu uso, onde as

contribuições dos professores da escola básica e os da universidade se complementavam.

O Projeto “Ciência na Escola” continuou com os mesmos princípios do Eureka em

relação à dinâmica de trabalho com os grupos na escola e na Unicamp. Oferecia aos

professores da rede pública de Campinas subsídios tecnológicos, financeiros, materiais e

espaços para interação entre Escola e Universidade, havia trocas de saberes sobre a prática

pedagógica, o processo educativo e estudo de teorias educacionais. Movimento contrário à

corrente vigente, em que o saber do professor até hoje nas Faculdades de Educação têm muito

pouco valor, salvo raras exceções, em detrimento de grandes produções teóricas, que pouco ou

nada contribuem para a educação básica no país. Isso também acontece em outros países,

como observa Zeichner12, nos Estados Unidos.

Apesar de a academia não reconhecer a importância de deliberar juntamente com os

professores sobre o significado do seu trabalho, alguns pesquisadores universitários

estão tentando fazer isso, colocando em risco, inclusive suas reputações (2001, p.

212).

Durante a maior parte de minha carreira como professor universitário, formador de

professores, fui responsável pela organização e acompanhamento das experiências de

campo em escolas e comunidades de professores em formação, assim como pela

pesquisa sobre os processos de aprendizagem docente nos programas de formação

inicial de professores. Um dos desafios mais difíceis, para mim, durante esses anos,

tem sido o de mobilizar energia intelectual em meu departamento para reforçar as

conexões entre o que os nossos estudantes-professores fazem nos seus estágios em

escolas e comunidades e o restante da sua formação docente (ZEICHNER, 2010, p.

481).

Esse autor observa ainda, que apesar de seus colegas serem “reconhecidos

internacionalmente pelos seus trabalhos sobre igualdade, justiça social e permanência na

escola” (ibidem, 2001, p. 215, 216), os professores da escola, que fica a um quarteirão da

universidade não recebem “qualquer orientação para trabalhar com estes problemas e para

ensinar estes alunos a alcançar melhores resultados nos testes escolares” (ibidem).

12 Kenneth Zeichner é professor titular do Departamento de Currículo e Ensino da Universidade do Estado de

Wisconsin, Madison, E.U.A., onde desenvolve trabalhos de pesquisa e ensino na área de formação docente,

desenvolvimento profissional de professores e pesquisa-ação.

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O Projeto Ciência na Escola ao criar condições para o retorno de professores e gestores

de escolas públicas à universidade transpõe essa distância entre a universidade e a escola

básica, estreita seus laços, possibilita a produção de conhecimento em parceria ao criar

alianças na “rotina de estudo que pode levá-los até o Doutorado” (RIPPER, 2010, p. 1), o que

realmente aconteceu. Diversos professores participantes desse projeto cursaram o mestrado e

doutorado, além de muitos outros que no encontro com autores da educação, professores da

escola básica e os da universidade se envolveram na problematização e tomada de decisões

sobre questões educacionais no espaço microssocial, buscando “projetos pedagógicos que

representem os reais desejos das pessoas envolvidas” (DAMIN, 2004, p. 19). São ações que

contribuem para a criação de “vetores de forças na direção do desenvolvimento da

criatividade, o exercício da liberdade com responsabilidade, da ética e da produção de saberes

com relevância para a comunidade” (ibidem). As relações de poder são diluídas entre todos,

alunos e professores envolvidos exercem seus poderes em relações de força a envolver os

demais alunos e professores da escola, o que possibilita a invenção de outros modos de

educação, vida.

Uma prática incomum, tanto na escola como na universidade, que observei em meu

longo exercício no magistério como professora de Matemática, durante vinte e cinco anos, em

escolas da rede Estadual de Educação para alunos do Ensino Fundamental e Médio.

Participei do Projeto “Ciência na Escola” durante oito anos desenvolvendo pesquisas

junto com alunos em sala de aula, de 1998 a 2003 e, como coordenadora de professores, na EE

Professor Aníbal de Freitas e ETE Bento Quirino, de 2001 a 2005, orientando atividades de

pesquisa desenvolvidas nesse projeto. Minhas inquietações com o processo educativo me

levaram a cursar o Mestrado, nesta Faculdade de Educação, Universidade Estadual de

Campinas analisando um processo educativo via Metodologia da Modelagem Matemática no

cotidiano escolar, junto com professores de diversas áreas do conhecimento com uma:

[...] turma de alunos do ensino fundamental, partindo do princípio de que,

professores e alunos ensinam e aprendem. Na elaboração dos modelos matemáticos

apropria-se de saberes acumulados universalmente, que estão contidos em situações

do cotidiano sobre as mais diversas áreas do saber (DAMIN, 2004, p. 7).

[...] trata de educação, ensino e pesquisa atrelados, enfocando um processo

pedagógico por meio de pesquisa, tendo como eixo norteador a filosofia do Projeto

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“Ciência na Escola”, que visa despertar vocações para as ciências em alunos do

ensino fundamental e médio em escolas públicas de Campinas (ibidem).

Ministrei diversas oficinas e cursos sobre o ensino da matemática para professores das

Prefeituras de Campinas e Paulínia. Na Secretaria Municipal de Paulínia para o Ensino Básico

(1ª a 4ª séries) em julho de 2007, intitulada “A transversalidade dos saberes a partir de

modelos matemáticos”. Utilizei elementos simples do cotidiano como uma fatura mensal de

água e de energia elétrica para exercitar possibilidades do aprendizado do currículo escolar de

forma transversal a partir desses elementos e, que infinitas conexões se apresentam

naturalmente à medida que tomo contato com o material e me deixo levar pelas indagações

que surgem. Quaisquer elementos, uma imagem, um gráfico ou situação.

Observei que professores do Ensino Básico quase não se arriscam a se inscrever em

cursos de matemática, pois segundo disseram a maioria não gosta de matemática, mas o

aprendizado contextualizado se torna mais atraente como escrevem as professoras Ângela e

Rosemari em suas avaliações:

Ângela: Foi muito interessante a maneira que ela usou para conversar, instruir e fazer

descobrir o que ela desejava foi excelente.

Quando começou a falar da história da Matemática, eu já me preocupei (achei que

fosse ser chato), mas depois pedindo que fizéssemos uma atividade com contas de

água e luz, foi maravilhoso. Eu não gosto de matemática, até me despertou o

interesse para aspectos que não tinha nem imaginado.

Rosimari: O interessante foi perceber, constatar que nossas aulas de matemática

podem ser empolgantes, um momento de construção do saber (aquisição de

conhecimento).

É preciso ouvir os alunos, deixá-los manipular, refletir sobre o objeto de estudo.

Desta forma contribuiremos para o desenvolvimento de habilidades.

Podemos observar que na apresentação de possibilidades de apreender o conhecimento

formal, a partir de elementos simples do cotidiano como o número de alunos matriculados

numa escola, de alguma forma contribui para o retorno do olhar para o fazer cotidiano e a

pensar em outras formas de experimentar algo diferente na sala de aula.

Outro minicurso ministrado em julho 2006, também na Secretaria Municipal de

Paulínia para o Ensino Fundamental e Médio “Aulas de Matemática: O que pretendo? Como

posso trabalhar a matemática aplicada ao contexto? E a avaliação da aprendizagem?” Um dos

objetivos era o de criar um ambiente propício, onde exista experimentação, que se coloque em

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prática algo, que sinta vontade, ou que surja no dia a dia de sua sala de aula e que não apenas

reproduza as coisas. Pedi a cada participante que se apresentasse e falasse algo sobre si,

ficaram tão espantados que eu quisesse ouvi-los. Disseram que isso nunca havia acontecido

antes, apesar de terem participado de tantas oficinas, ninguém quis saber o que elas pensam.

Vejamos o que escrevem essas professoras em suas avaliações:

Eu gostei muito deste minicurso, no início a apresentação de cada colega criou um

ambiente “agradável”. A professora demonstrou muita humildade e clareza em sua

fala, apresentando sua vivência na sala de aula (ANDRÉIA, julho de 2006).

Gostei, nos foi possibilitados momentos de desabafos, de trocas de

experiências/angústias o que não ocorreu em outras ocasiões (DANIELA, julho de

2006).

As falas dessas professoras me chocaram! Eu tive o privilégio de vivenciar algumas

experiências muito diferentes, como no Projeto “Ciência na Escola” e nas aulas de Filosofia

do professor Silvio Gallo. Atualmente, ministro cursos de Etnomatemática para professores do

Município de Campinas e isso se repete, sempre se assustam, como alguém pode querer saber

o que eles pensam sobre as coisas.

No Projeto “Ciência na Escola” desde seu início quem decidia os rumos das

atividades eram os professores participantes, as duas coordenadoras Afira Vianna Ripper e

Maria de Fátima Garcia não mediam esforços, buscando condições para que realizássemos

nossos desejos. Uma vez a professora de Ciências, Hermelinda de Macedo, com quem

trabalhei na EEPG Professor Aníbal de Freitas, disse que tinha um sonho, o de construir um

rio para apresentar na Feira do Projeto “Ciência na Escola”. Esse rio foi uma instalação

denominada “Rio Serafim”13 apresentada na Unicamp “CIENTEC 2001”, maior evento de

Ciência e Tecnologia da América Latina, que abrigou os resultados das pesquisas de alunos do

Ensino Fundamental e Médio. A professora Afira se desdobrou e nos deu condições para a

sua construção, que, aliás, foi um sucesso e provocou a afirmação de uma aluna do Instituto de

Artes da Unicamp: “Isto é uma verdadeira obra de arte, deveria estar na BIENAl”, uma obra

de arte realizada por alunos de um 6º ano, de Escola Pública Estadual de Campinas.

Nas aulas de filosofia do professor Silvio Gallo, a dinâmica das aulas era maravilhosa

com conversas entre todos os participantes. Os estudantes em sua maioria eram filósofos, que

13 Os alunos durante suas pesquisas descobriram que esse é o nome do riacho que corre no meio da Avenida

Orozimbo Maia e o construíram, mostrando água limpa no início e a chegada da poluição que observaram.

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cursavam mestrado ou doutorado, aprendi tanto nessas aulas, saia de lá em ebulição, querendo

saber mais sobre determinados pensadores e assuntos. Geralmente no final da aula ele fazia

uma explanação geral do assunto estudado, fazendo conexões com algumas das contribuições

trazidas pelos estudantes.

A professora Afira Vianna Ripper e o professor Silvio Gallo em pleno século XXI

constituem uma pequena parcela de professores universitários que apostam nessa visão

compartilhada no apreender e me reporta as observações de Nietzsche sobre as universidades

alemãs do século XIX. Ironicamente diz ele sobre a autonomia dos estudantes nas

universidades alemãs: “Uma só boca que fala para muitos ouvidos e metade de mãos que

escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural universitária posta em

funcionamento” (NIETZSCHE, 2003, p.126).

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Problematização

A problematização a ser investigada se refere à potência de um processo pedagógico

norteado por estudos de situações, assuntos de escolha de alunos e professores e o

problematizar de práticas pedagógicas por professores e gestores. Processo educativo que se

mostra caótico por envolver uma diversidade de ações de professores, gestores, alunos,

funcionários, onde ao seguir fluxos de desejo como nos “sistemas caóticos” se torna

impossível prever o comportamento do sistema complexo com a multiplicidade de variáveis

na constante interação entre os espaços liso e estriado. O espaço estriado, do aparelho de

Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a mobilidade flutuante do

inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle. A escola opera entre

esses dois grandes agenciamentos, o aparelho de controle institucional e o espaço nômade.

Nessa complexa teia de problematizações, acrescentamos mais algumas, interrogando

se existem pistas de uma educação como devir. Se sim, que traçados, enunciados, campos

intensivos a apontam? Que formas de saberes se produzem?

O apreender via problematizações do cotidiano favorece o deslizar por esses espaços e

possibilita um processo pedagógico criativo e caótico que impulsiona a experimentação de

outras maneiras de agir na escola. No problematizar e teorizar de práticas o que está

naturalizado como certo fascismo que existe na escola, em nós, podem ser postos a nu e

possibilita o pensar de outras formas. Operar nessas conexões e tensões dos mecanismos de

controle instituídos exige o desenvolvimento de nossa força pessoal na busca de produção de

saberes com relevância para a comunidade.

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13

Rastros do percurso

Na tentativa de encontrar rastros de possíveis campos intensivos, nessa teia de

indagações, deslizo na produção dos dezoito professores e três gestores14, tanto na escrita

como em nossos encontros / aulas, buscando enunciados e suas ressonâncias nas aulas desses

professores com seus alunos e dos gestores com os demais membros da escola.

Um percurso um tanto nômade, teorizando aspectos que se apresentam como, os

“encontros”, os saberes produzidos e o exercício da escrita. Escrita que foi exercitada

cotidianamente, durante dois anos, no dia a dia da disciplina “A Pesquisa Científica como

Instrumento Pedagógico, módulos I, II e III” (2008 e 2009) e mais dois anos (2010 e 2011), na

elaboração de um livro com algumas das teorizações dos professores e gestores, que compõem

com os demais autores, os campos intensivos que se apresentam ao longo desta tese.

Processo semelhante à cartografia como uma paisagem na areia, em que desenhos se

mostram e se dissipam num fazer e refazer a acompanhar “o desmanchamento de certos

mundos – sua perda de sentido” (ROLNIK, 2006, p. 23) e a formação de outros a mostrar

“afetos contemporâneos...” (ibidem). Processo a desenhar rastros de campos intensivos, de

fluxos de desejo como forças ativas ao se deixar fecundar pela lembrança do processo vivido,

em que intensos fluxos saltam perspectivamente e vão compondo a caótica paisagem textual a

convidar os autores professores, gestores e os demais, em uma composição sempre aberta a

acolher incertos fluxos...

Estudo que se aproxima de uma cartografia como uma “micropolítica da percepção, da

afecção, da conversa, etc” (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 90) a apontar pistas. Rastros

de situações que de alguma forma impulsionaram o processo educativo, em textos, falas,

gestos e tento compor possibilidades de educação, vida, não sobre, mas com os professores,

gestores, filósofos e de outros autores que vão sendo chamados pelo próprio texto.

14 Principalmente as monografias apresentadas em 2009 como conclusão do curso e o livro com o mesmo nome

do curso “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, organizado pela professora Afira Vianna Ripper e

Maria Aparecida da S. Damin, que contém 21 textos de professores e gestores, lançado pela Secretaria de

Educação do Município de Campinas, em agosto de 2014.

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Organização dos campos intensivos

Esta tese está organizada em quatro partes que denominei campos intensivos:

No Campo Intensivo I “A potência do ‘desejo’” trago o referencial teórico para

pensar um processo educativo caótico e a constituição dos “campos intensivos”, tendo como

referencia Spinoza, Deleuze & Guattari, Teoria do Caos, teorias de campos na física e

biologia.

No Campo Intensivo II “Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano” mapeio as

problematizações, teorizações dos professores e gestores, buscando elementos geradores de

campos intensivos em nossos encontros e no cotidiano da escola. Os autores que se

apresentam são: Kenneth Zeichner, Michel de Certeau, Silvio Gallo, Deleuze & Guattari,

Foucault e Nietzsche, dentre outros.

No Campo Intensivo III “A escrita e o corpo sem órgãos de Artaud” mapeio a

produção escrita de professores e gestores, na tentativa de encontrar em que medida o

processo de escrita pode ser libertador de nossas amarras e detonador de outras maneiras de

experimentar a educação, vida com Antonin Artaud, Deleuze & Guattari, Derrida, Blanchot,

dentre outros.

No Campo Intensivo IV “Problematizar, compor afetos, e devir...” Articulo os

campos intensivos anteriores e aponto possíveis composições de forças em um processo

educativo caótico...

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Campo intensivo 1

A POTÊNCIA DO DESEJO NO PROCESSO EDUCATIVO

Ao deslizar nos fluxos Realidade imanente

Caminho próprio Imanência inapreensível

Evidente, mas escapa... ......

A estética, a poesia Roçam a imanência dos fluxos

Expõem, não explicam ......

Maria A. S. Damin

O desejo no processo educativo pode impulsionar o que denominei de processo

“Educação Caos” constituído por campos intensivos, que são gerados em “encontros”,

misturas de corpos, em afecções, como propõe Spinoza. Para caracterizar a ideia de campos

intensivos recorro à ideia de campos na física, biologia e plano de imanência em Deleuze &

Guattari.

Desejo, entendido como construtivismo na direção de Deleuze & Guattari (1997) em

que desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, campos intensivos, somos

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máquinas desejantes, impulsionados à potência de criação. “Os agenciamentos são passionais,

são composições de desejo, que nada tem a ver com uma determinação natural ou espontanea,

só há desejo agenciando, agenciado, maquinado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 78).

O desejo opera em fluxos que se conjugam e está em toda parte, não é interior a um

sujeito, mas imanente a um plano, que é preciso construir. Só existe desejo quando se cria um

campo de propagação desses fluxos, emissão de partículas. “Longe de supor um sujeito, o

desejo só pode ser atingido no ponto onde alguém é despojado do poder de dizer Eu”

(DELEUZE e PARNET, 2004, p. 112).

O campo intensivo do desejo emerge na composição de forças como a alegria, a

tristeza, a violência, em que seu efeito na mistura e mobilização é produtor, produz o real à

semelhança do agir sem agir dos chineses, como propõe Jullien (1998), não forço as coisas,

mas acompanho o fluxo do real, não permaneço inativo, sou parceiro do real em seu

desenrolar.

O mundo não é apenas um objeto para a ação, mas sou parte integrante de seu devir.

Sua eficácia advém do potencial da situação e da maneira como se apropria do acontecimento,

em que a potência da situação está no processo e na incerteza e seu efeito se dissipa na

composição de forças e não na ação espetacular nomeada por um eu. Composição de forças

geradas no encontro com pessoas, metodologias, livros, processo de escritura, ideias, em que

no pensar com, emergem forças a impulsionar a ação no processo de experimentação no

cotidiano da escola, vida. “Organizar bons encontros, compor os relacionamentos vivenciados,

formar as potências, experimentar” (DELEUZE, 2002, p.124), encontros que aumentem a

nossa potência de ação e não a tristeza que nos faz perder o gosto pelas coisas, à maneira de

Spinoza.

Spinoza quer dizer algo muito simples, que a tristeza não nos torna inteligentes. Na

tristeza estamos arruinados. É por isso que os poderes têm a necessidade de que os

sujeitos sejam tristes. A angústia jamais foi um jogo de cultivo da inteligência ou da

vivacidade. Quando vocês têm um afeto triste, é que um corpo atua sobre o seu, uma

alma atua sobre a sua em condições tais e sob uma relação que não convêm a de

vocês (DELEUZE, 2009, p. 53).

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Para pensarmos a potência da ação, tomemos as aulas de Deleuze15 sobre Spinoza no

Cours Vincennes em 1978 ao explicar a seus alunos o cuidado que se deve ter no emprego das

palavras affectio e affectus, respectivamente afecção e afeto, que são traduzidas do latim para

o francês por alguns tradutores, ambas por afecção.

Eu começo pelas advertências terminológicas. No livro principal de Spinoza, que se

chama ‘Ética’ e está escrito em latim, encontram-se duas palavras: affectio e affectus.

Alguns tradutores, muito estranhamente, traduzem-nas da mesma maneira. O que é

uma catástrofe. Traduzem os dois termos, affectio e affectus, por afecção. Eu digo

que é uma catástrofe, porque, quando um filósofo emprega duas palavras é que, por

princípio, ele tem uma razão; ainda mais quando o francês nos dá facilmente as duas

palavras que correspondem rigorosamente a affectio e affectus, que são: afecção para

affectio e afeto para affectus. Alguns tradutores traduzem affectio por afecção e

affectus por sentimento; é melhor do que traduzi-las com a mesma palavra, mas eu

não vejo necessidade de recorrer à palavra sentimento quando o francês dispõe da

palavra afeto.

Então, quando emprego a palavra afeto isso remete ao affectus de Spinoza; quando

digo a palavra "afecção", ela remete a affectio (DELEUZE, 2009, p. 25, 26).

Para compreender Spinoza é necessário distinguir ideia de afeto e Deleuze começa

interrogando o que é uma ideia para que possamos compreender suas mais simples

proposições. A ideia se caracteriza por um modo de pensamento representativo e afeto

(affectus) por sua intensidade e não representa nada. A ideia como pensamento representativo

pressupõe uma realidade objetiva.

Sobre esse ponto Spinoza não é original; ele toma a palavra ideia no sentido em que

todo o mundo sempre a tomou. O que chamamos ideia, no sentido em que todo o

mundo sempre a tomou na História da Filosofia, é um modo de pensamento que

representa alguma coisa. Um modo de pensamento representativo.

[...] do ponto de vista da terminologia, é muito útil saber que desde a Idade Média

este aspecto da ideia é denominado “realidade objetiva”. Em um texto do século

XVII ou anterior, quando vocês encontram a realidade objetiva da ideia, quer dizer

sempre a ideia considerada como representação de alguma coisa (ibidem, p. 26, 27).

A ideia que representa alguma coisa tem uma realidade objetiva, que é a relação da

ideia com o objeto que ela representa. A ideia possui também uma realidade formal, que

Spinoza diz ter certo grau de realidade ou de perfeição, “que está ligado ao objeto que ela

representa, mas não se confunde com ele” (ibidem, p. 29). Esse grau de realidade ou de

perfeição da ideia é seu caráter intrínseco e, a sua relação com o objeto que ela representa é

seu caráter extrínseco, “pode ser que o caráter extrínseco e caráter intrínseco estejam

15Aula no Cours Vincennes em 24/01/1978

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fundamentalmente ligados, mas não são a mesma coisa” (ibidem). Existe uma realidade formal

da ideia, seu caráter intrínseco, que é alguma coisa em si mesma com seu grau de realidade ou

de perfeição, que ela envolve em si mesma. “Toda ideia é alguma coisa, não somente ideia de

alguma coisa; isto é, tem um certo grau de realidade ou de perfeição que lhe é próprio”

(ibidem, p. 30).

Deleuze nos diz que é necessário descobrir a “diferença fundamental entre ideia e

afeto” (ibidem). A ideia de afeto é a que indica ou exprime o estado de um corpo ou de alguma

de suas partes. Estado do próprio corpo ou alguma de suas partes em relação a sua potência de

agir ou sua força de existir, se ela é diminuída ou aumentada, estimulada ou refreada e ao

mesmo tempo, as ideias dessas afecções. “Quando podemos ser a causa adequada de algumas

dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário uma paixão”

(SPINOZA, 2010, p. 163).

O afeto, que diz pathema [paixão] do ânimo, é uma ideia confusa, pela qual a mente

afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte

dele, ideia pela qual, se presente, a própria mente é determinada a pensar uma coisa

em vez de outra (SPINOZA, 2010, p. 257).

Com Deleuze (2009) podemos afirmar que há uma variação continua a aumentar e

diminuir a nossa potencia de agir ou força de existir, dependendo das ideias que se sucedem

em nós, cada uma variando o seu grau de perfeição ou de realidade, essa variação se dá em

nós, como autômatos espirituais. Há o tempo todo ideias que se sucedem em nós, aumentando

ou diminuindo nossa potência de agir ou força de existir, de maneira contínua, sobre uma linha

contínua. A isso chamamos afeto affectus, chamamos existir.

Através deste exercício penoso, sintam como aflora a beleza. Já não é mal esta

representação da existência, realmente é a existência na rua – é necessário imaginar

Spinoza passeando -, e ele vive a existência realmente como esta variação contínua: a

medida que uma ideia substitui a outra, eu não cesso de passar de um grau de

perfeição a outro, mesmo minúsculo; e é esta espécie de linha melódica da variação

contínua que vai definir o afeto (affectus), ao mesmo tempo, em sua correlação com

as ideias e sua diferença de natureza com as ideias (DELEUZE, 2009, p. 32).

O affectus é então a variação contínua da força de existir de alguém, enquanto esta

variação é determinada pelas ideias que ele tem (ibidem, p.34).

A variação é “determinada” pelas ideias que se tem do afeto, affectus, mas não se

reduz às ideias que se tem dele, “só dá conta de sua consequência; a saber, que ela aumenta

minha potência de agir ou ao contrário, a diminui em relação à ideia que tinha até o instante”

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(ibidem, p. 35). Trata-se da variação contínua na força de agir ou existir e Spinoza nos alerta

de que não diz respeito a uma comparação entre o estado anterior e o atual, mas de variação na

potência de agir, de existir.

Agora vejamos a ideia de affectio, afecção. A afecção seria o efeito ou ação que um

corpo produz sobre o outro, uma mistura de corpos, em que um vai agir sobre o outro, “e o

outro que vai acolher a marca do primeiro. Toda mistura de corpos será chamada afecção”

(DELEUZE, 2009, p. 36). Uma mistura de corpos indica a natureza do corpo modificado, a

natureza do corpo afetado; a afecção indica a natureza do corpo modificado muito mais do

que a natureza do corpo modificante e envolve a natureza do corpo modificante. A ideia de

afecção será a marca de um corpo sobre o outro.

A afecção de um corpo por outro exterior é percebida pela ideia que se faz dela, à

medida que um corpo é afetado por outro, a mente o percebe, a mente será capaz de perceber

mais coisas dos outros corpos, quanto mais propriedade em comum tiver com os seus próprios

corpos. Corpos de grandezas iguais ou diferentes, quando estão justapostos, eles se movem

com graus iguais ou diferentes de velocidade, transmitindo o seu “movimento uns aos outros

segundo uma proporção definida, diremos que esses corpos estão unidos entre si, e que, juntos,

compõem um só corpo ou indivíduo, que se distingue dos outros por essa união de corpos”

(SPINOZA, 2010, p.101).

A ideia de afecção se constitui na mistura de um corpo com outro, a marca de um

corpo sobre o meu e remete ao encontro, a minha percepção dessa marca, que segundo

Deleuze (2009), Spinoza a utiliza uma única vez, em latim occursus, que é literalmente o

“encontro” e que vivemos ao acaso dos encontros à medida que tenho ideias-afecções. “Eu

diria que a primeira espécie de ideias para Spinoza é todo modo de pensamento que represente

uma afecção do corpo...” (DELEUZE, 2009, p. 37), a marca de um corpo sobre outro, este é o

primeiro tipo de ideias, que “corresponde ao que Spinoza chama primeiro gênero de

conhecimento. É o mais baixo, porque as ideias de afecção conhecem as coisas por seus

efeitos” (ibidem). Um conhecimento dos efeitos sem considerar as causas; o completo

desconhecimento dos corpos que afetam e que são afetados e, aí se encontra a indagação

central da filosofia de Spinoza, segundo Deleuze (2009): O que é um corpo?

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Para Spinoza, a individualidade de um corpo define-se assim: é quando uma certa

relação composta (eu insisto nisso, muito composta, muito complexa) ou complexa

de movimento e de repouso se mantém através de todas as mudanças que afetam as

partes desse corpo. É a permanência de uma relação de movimento e repouso através

de todas as mudanças que afetam ao infinito todas as partes do corpo considerado

(ibidem, p.39).

O que poderá se dar em um encontro de corpos atravessados por essa teia

extremamente complexa de relações de movimento e repouso a afetar ao infinito suas partes?

Seria possível escapar das ideias-afecção: “Como poderíamos nos elevar ao conhecimento das

causas?” (ibidem, p. 41), ou seja, um saber sobre os corpos afetados, não apenas o saber das

ideias-afecções, ideias de misturas de corpos. Para isso, Deleuze diz que seria necessário um

curso inteiro para pensar a potência de um corpo.

Em relação às ideias-afecções existem dois tipos, a do efeito que “concilia ou que

favorece minha própria relação característica” (ibidem, p. 43) e a do “efeito que compromete

ou destrói minha própria relação característica” (ibidem), que correspondem aos movimentos

de variação; um que aumenta a potência de agir e se experimenta um affectus de alegria e o

outro em que a potência de agir é diminuída e se experimenta um affectus de tristeza.

Como nós poderíamos sair das ideias afecções, como nós poderíamos sair dos afetos

passivos que consistem no aumento ou diminuição de nossa potência de agir, como

poderíamos sair do mundo das ideias inadequadas, uma vez dito que nossa condição

parece condenar-nos estritamente a esse mundo (DELEUZE, 2009, p. 48).

Por isto é que é preciso ler a Ética como preparando uma espécie de cena inesperada.

Ela vai nos falar de afetos ativos nos quais já não há paixões, nos quais a potência de

agir é conquistada em vez de passar por todas as variações contínuas.

Este é um ponto muito estrito. Há uma diferença fundamental entre ética e moral.

Spinoza não faz moral, por uma razão muito simples: ele nunca se pergunta o que

nós devemos, ele se pergunta todo o tempo, do que nós somos capazes, o que está em

nossa potência; a ética é um problema de potência, e jamais um problema de dever.

Nesse sentido, Spinoza é profundamente imoral (ibidem, p. 48, 49).

Spinoza não se importa com o que deve ser feito, mas com o que pode ser feito. Ele

pensa em termos de bons encontros e maus encontros, nos aumentos e diminuições de

potência. Ele produz uma ética e não uma moral. O poder de ser afetado se realiza

continuamente, variando a potência de agir, dependendo da ideia-afecção que se tenha nos

possíveis encontros. “[...] eu não sou a causa de meus próprios afetos, eles são produzidos em

mim por outra coisa: eu sou, portanto passivo, eu estou no mundo da paixão” (ibidem, p. 49).

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Para sair desse estado passivo Spinoza, segundo Deleuze (2009), propõe as ideias-

noções e as ideias-essências como modos de pensar adequado, pois compreende a causa. A

ideia-noção não diz respeito ao efeito de um corpo sobre outro, “é uma ideia que concerne e

que tem por objeto a conveniência e a desconveniência das relações características entre dois

corpos” (ibidem, p. 50). Essa ideia não representa o efeito da mistura de dois corpos, mas a

conveniência ou a desconvenência interna das relações características desses dois corpos, a

ideia-noção é adequada, porque compreende a causa. Existem “noções comuns que designam

alguma coisa de comum a todos os corpos” (ibidem, p. 52) e noções que caracterizam alguma

coisa comum a dois corpos. “O movimento e o repouso são objetos de noções ditas comuns a

todos os corpos” (ibidem).

É necessário criar encontros que nos convenham, compondo suas relações e escapar do

viver ao acaso dos encontros, ou seja, deixar os encontros tristes, que diminuem nossa

potencia de agir, de existir. “O mais belo é viver sobre as bordas, no limite do seu próprio

poder de ser afetado com a condição de que esse seja o limite alegre” (ibidem, p. 55). Formar

a noção comum das coisas que nos alegram é um exercício de uma vida inteira, em que

quando estamos seguros das noções comuns que remetem as relações de conveniência,

podemos “diminuir a porção respectiva das tristezas em relação à porção respectiva da

alegria” (DELEUZE, 2009, p. 57). “As noções comuns são o segundo gênero do

conhecimento” (ibidem, p. 59).

As noções comuns são coletivas, não abstratas e remetem sempre à multiplicidade,

embora sejam também individuais.

Em que tal e tal outro corpo convém, em que limite todos os corpos convêm; mas

nesse momento o mundo inteiro é uma individualidade. Então as noções comuns são

sempre individuais.

Além ainda das composições de relações, das conveniências anteriores que definem

noções comuns, estão as essências singulares.

As noções comuns ou as relações que me caracterizam concernem as partes

extensivas de meu corpo. Meu corpo é composto de uma infinidade de partes

extensas ao infinito, e essas partes entram sob tais e tais relações que correspondem a

minha essência (ibidem, p.60).

A essência singular é um grau de potência, que são meus limites de intensidade como a

diferença entre nascimento e morte, uma quantidade intensiva; como uma forma de

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intensidade. Quando formamos as ideias como pura intensidade, em que a minha “intensidade

vai convir com a intensidade das coisas exteriores” (ibidem, p. 62), chega-se ao terceiro

gênero de conhecimento, no momento em que todos os corpos convêm uns aos outros, que “é

um mundo de intensidades puras” (ibidem).

Os corpos se encontram em constante relação uns com os outros, compondo-se e

criando agenciamentos possíveis, que marcam o existir, onde a potência e ação podem ser

aumentadas por uma vontade, a partir da escolha de encontros que nos componham e nos

alegrem e, não dos que diminuam a nossa força de existir.

Um mundo de intensidades puras em que corpos possam convir uns aos outros e que

aumentem a nossa potência de agir ou força de existir como efeito das afecções nos encontros

de corpos. Os encontros quanto mais alegres forem, mais acionam a nossa “força de existir”

nas atividades cotidianas, que se espalham como potência de pensar, de sentir e de se lançar

em virtualizações, compondo nos encontros campos intensivos, um processo de

experimentação em constante devir. Devir como elemento próprio do desejo, em que:

[...] desejar é passar por devires. Convém, para compreendê-lo bem, considerar sua

lógica: todo devir forma um ‘bloco’, em outras palavras, o encontro ou a relação de

dois termos heterogêneos que se ‘desterritorializam’ mutuamente. Não se abandona o

que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de

viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a ‘faz fugir’

(ZOURABICHVILI, 2004, p. 48, 49).

“Desejar é passar por devires” em blocos disparados por afecções em encontros,

experimentações a mobilizar tudo e todos, em processos de produções caóticas imanentes a

seus domínios, formando agenciamentos na potência afirmativa da própria vida. Desejo,

multiplicidade, campos intensivos a mobilizar fluxos que se agenciam na incerta contingência

cotidiana a refazer-se indefinidamente. Intensidades a habitar o virtual, o caos como potência

sempre em curso de atualização em acontecimentos.

Deleuze & Guattari modificam a concepção vigente de desejo para a psicanálise a de

um negócio secreto ou vergonhoso como a psicologia e moral dominantes pretendem por uma

que se refere a “todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar,

de vontade de inventar outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de

valores” (GUATARI & ROLNIK, 2005, p. 261). Essa concepção de desejo é considerada

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“totalmente utópica e anárquica” (ibidem) para o modelo de pensamento dominante sobre o

desejo, em que o desejo é atribuído a um sujeito.

[...] articulado a uma transcendência que o recalca encarcerando-o em carências,

culpabilidades, lei, falta, ou seja, colocar na ideia de desejo, a ideia de falta é supor

que, para além do ato de desejar, há alguma outra coisa: uma transcendência. Temos

aí uma concepção de desejo familiarizado e colocado em relação de exterioridade

com a produção social, separando-o do que ele pode. E o que o desejo pode?

(NEVES e JOSEPHSON, 2002, p. 104).

Interessa-nos o que pode o desejo, sua potência no processo educativo, em que as

formas de vontade de viver sejam agregadas ao processo e aumentem a potência de agir e não

se esvaziem em uma educação burocratizada. Que outras formas de experimentar a educação

poderá gerar a produção da vida com outras percepções de mundo, outros sistemas de valores?

A potência do desejo como possibilidades de ver e praticar as coisas, de encontrar:

[...] meios de fabricar outras realidades, outros referenciais, que não tenham essa

posição castradora em relação ao desejo, a qual lhe atribui toda uma aura de

vergonha, toda essa espécie de clima de culpabilização que faz com que o desejo só

possa se insinuar, se infiltrar secretamente, sempre vivido na clandestinidade, na

impotência e na repressão (GUATTARI & ROLNIK, 2005, p. 261).

A potência do desejo como produção, calcado na imanência das relações pedagógicas e

educativas na intrincada teia desejante dos agenciamentos, uma multiplicidade, que segundo

Deleuze & Parnet (2004) comporta termos heterogêneos, estabelece ligações, relações entre

eles, seja nas idades, nos sexos, nos reinos – através de relações entre naturezas diferentes.

A única unidade do agenciamento é de co-funcionamento: é uma simbiose, uma

‘simpatia’. O que é importante, não são nunca as filiações, mas as alianças ou as

misturas; não são as hereditariedades, as descendências, mas os contágios, as

epidemias, o vento (ibidem, p. 88).

Agenciamento, imanência, produção desejante, “as epidemias, o vento” me soam como

algo muito poderoso, criador e mobilizador das relações de poder, em que as misturas,

afecções convenientes podem dissipar o poder entre os envolvidos e potencializar a ação no

coletivo da escola, o que remete à eficácia humana para os chineses, que a pensaram com base

na transformação natural, em que:

O estrategista faz que a situação evolua em seu proveito do mesmo modo que a

natureza faz a planta crescer ou que o rio não cessa de escavar seu leito. Como nessas

modificações naturais, a transformação que ele opera é ao mesmo tempo difusa e

discreta, imperceptível em seu curso, mas manifesta por seus efeitos. Mais do que na

transcendência da ação os chineses creem na imanência da transformação: não nos

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vemos envelhecendo, não vemos o rio escavar seu leito, e, no entanto é a esse

desenvolvimento imperceptível que se deve a realidade da paisagem e da vida.

Uma imagem conseguiu captar essa eficiência difusa da transformação – a do vento

(cf. ZY, § 33: ‘Ele sabe de onde vem o vento’). Como ele se insinua em toda parte e

no tempo, não se percebe o vento passar, mas sob seu curso, ‘as ervas se deitam’

(Conversas de Confúcio, XII, 19). Ele não é o sopro inspirado - pneuma divino – que

surge momentaneamente para suscitar, como uma onda arrancada ao torpor da

existência, o grande jato do ato heroico, ou da criação poética; mas aquele fluxo

contínuo que, propagando-se através do mundo e nele espalhando sua inscrição,

impregna-o gradativamente de sua tendência – nele estende ao infinito seu

movimento (JULLIEN, 1998, p.78).

A eficácia na imagem do vento remete à ideia de criação de fluxos contínuos a se

propagar, espalhar e impregnar gradativamente sua tendência ao infinito movimento. Desejo

na esfera do micropolítico ou molecular povoado apenas por intensidades a construir outras

coisas. Com Artaud podemos começar exercitando a liberação de nossos organismos e a

produção de corpos sem órgãos, ou seja, tentar zerar as representações, desviar o foco de

nossos fantasmas, encontrar nosso grau zero de intensidades e construir coisas que realmente

sejam relevantes no processo microsocial da escola, da sala de aula. Deleuze & Guattari

(1996) tomam de Artaud a ideia de corpo sem órgãos, que se refere a uma prática, uma

experimentação, que nunca a ele se chega , “não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a

ele, é um limite” (p. 9) e que o grande livro sobre o corpo sem órgãos seria a Ética de Spinoza,

onde:

Os atributos são os tipos ou os gêneros de CsO, substâncias, potências, intensidades

Zero como matrizes produtivas. Os modos são tudo o que se passa: as ondas e as

vibrações, as migrações, limiares e gradiente, as intensidades produzidas sob tal ou

qual tipo substancial a partir de tal matriz (p. 14).

Experimentação que leva ao limite a potência de existir como uma “questão de vida ou

de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria. É aí que tudo se decide” (p. 11).

Um corpo sem órgãos só existe povoado por intensidade, que passam e circulam, não diz

respeito a uma cena, lugar. Não tem nada a ver com o fantasma da psicanálise, nem nada a

interpretar. Trata-se de um corpo intensivo, que ao ser afetado por uma onda traça níveis ou

limiares no corpo, segundo variações em sua amplitude. “Quando um determinado nível de

onda, do fluxo, se encontra com forças exteriores, esse encontro determinará um órgão, mas

um órgão provisório, que só dura o quanto durar a ação da força” (MACHADO, 2010, p. 233).

O organismo se refere à estratificação que arranca o Corpo sem Órgãos da imanência e

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constrói uma significação, um sujeito por acumulação, sedimentação ao impor formas,

funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas. O

corpo sem órgãos é a:

[...] realidade glacial sobre o qual vão se formar aluviões, sedimentações,

coagulação, dobramentos e assentamentos que compõem um organismo – uma

significação e um sujeito. É sobre ele que pesa e se exerce o juízo de Deus, é ele que

sofre. É nele que os órgãos entram nessas relações de composição que chamo

organismo (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 21).

No ambiente da escola podemos começar exercitando a “liberação de nossos

organismos” permitindo a passagens dos fluxos de desejo, campos intensivos e com eles ir

construindo coisas relevantes na problematização de nossos próprios temas, no encontro com

os dos outros e gerar infinitos campos intensivos a disparar fluxos à semelhança do vento, que

ao soprar suas partículas a muitos impregna, acolhe e afeta, impulsionando a potencia da ação,

potencia do existir.

Um processo educativo ao embarcar nos fluxos desejantes gera o que denominei de

“Processo Educação Caos” formado por campos intensivos, na multiplicidade de correlação de

forças geradas por encontros, em que o maior desafio será o gerenciamento de demandas no

ambiente da escola.

A seguir tentarei caracterizar o “Processo Educação caos” e em seguida como concebo

um “campo intensivo”.

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O Processo “Educação Caos”

Na complexa multiplicidade do processo educativo ao seguir o fluxo dos

acontecimentos emerge uma dinâmica educativa caótica, que implicará em conviver com a

incerteza e a constante sensação de transitar em meio ao caos e como nos “sistemas caóticos”

será impossível prever o comportamento do sistema complexo com a multiplicidade de

variáveis, envolvendo as ações das pessoas, no espaço microssocial.

Neste caso, o encontro com professores e gestores no cotidiano da escola e pensadores

de “fora” que nos remetem a uma grande imagem virtual por ressonância de acordes musicais.

Algumas vezes uma suave música clássica, outras um estrondoso e trepidante show rock,

como diz Deleuze (2000) sobre o pensamento de Foucault, numa multiplicidade de variáveis,

que nos remete aos sistemas caóticos.

Caótico, na direção da “teoria do caos”, importante ramo dos sistemas dinâmicos não

lineares, uma mistura de matemática e restrição estatística, que se dedica ao estudo de eventos

com comportamento aleatório e imprevisível, que utiliza estudos qualitativos e elabora

modelos matemáticos para investigar fenômenos naturais que surgem no universo. O processo

caótico no ambiente da escola pode ser tão aleatório e imprevisível quanto o dos sistemas

dinâmicos, em que campos intensivos surgem e desaparecem continuamente em torno de

acontecimentos. Processo caótico como potência de criação e de experimentação.

A palavra “caos” sofreu algumas modificações em seu sentido ao longo de sua

existência. Para os fenícios consistiu na primeira divindade que surgiu no universo, portanto o

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mais velho dos deuses, que segundo Hesíodo não carregava as características de desordem e

confusão, que lhe atribuiu Ovídio16 em sua obra “Metamorfoses”.

Antes de existirem o oceano, a terra e os céus cobrindo tudo / a Natureza mostrava

apenas uma única face no mundo inteiro. / Caos era seu nome: uma massa bruta,

informe, / nada mais que um peso inerte e, nele acumuladas, / as sementes das coisas,

num grande amontoado (OVÍDIO apud MENNINGHAU17, 1996, p. 128).

A potência afirmativa era atribuída aos oceanos, céus, montanhas, Urano, Cronos e aos

deuses do Olimpo, que não emergem do caos, “mas de Gaia, que foi a segunda a nascer de

forma autóctone” (ibidem), apesar disso os “descendentes do Caos e de Gaia, tanto suas

características como seus domínios se entrecortam; ao invés de saírem um do outro para

depois se separarem, ambos continuam em permanente interação” (ibidem, 1996, p. 128, 129).

No universo pedagógico, educativo, a interação entre o “caos” e a ordem também é constante

e embora tomemos a ideia de “caos” como situações de difícil gerenciamento são elas que

propiciam interessantes “sacadas” e possibilidades de se experimentar outras formas de pensar

as coisas. Lembrando que no caos também existe ordem, mas uma ordem incerta, que é

impossível sabê-la de antemão.

Segundo Menninghau (1996) em Hesíodo e Ovídio o caos se constitui em parte de uma

narrativa mitológica sem gênese alguma, ao contrário, é o pressuposto pré-histórico de toda

gênese e apenas o seu desaparecimento constitui a origem do mundo. As teorias que se

referem ao caos hoje, narram a gênese sempre nova do próprio caos e nos oferecem a sua

genealogia; consideram caos e cosmos constituídos de caos e ordem, onde não existe caos

puro e nem ordem pura. As formas de caos hoje:

[...] associam as características de fertilidade e vida, ao passo que a fertilidade do

caos ovidiano era em si mesma contrária à vida; o mundo só poderia tornar-se

habitável para os deuses do Olimpo e para os seres humanos mediante a negação do

caos (ibidem, p. 128).

A palavra “caos”, no século XX, especialmente nas últimas décadas, a filosofia,

literatura, ciências naturais e matemática a retomam na tentativa de compreender nosso mundo

contemporâneo e ganha popularidade com a “Teoria do Caos”, importante ramo da

16 Poeta romano que viveu entre 43 A.C e 19 D.C.

17 Winfried Menninghaus é professor da Universidade Livre de Berlim, Alemanha. Palestra feita pelo autor no

Instituto de ESTUDOS AVANÇADOS da USP em 8 de junho de 1994.

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Matemática da Complexidade; uma matemática de padrões e relações, que é considerada um

dos acontecimentos mais importantes deste século, tecnicamente chamada de “Teoria dos

Sistemas Dinâmicos”, em que a Matemática dos Fractais também é um importante ramo. Não

se trata de uma teoria dos fenômenos físicos, mas sim, uma teoria matemática cujos conceitos

e técnicas são aplicados a uma ampla faixa de fenômenos, uma combinação de matemática e

restrição estatística. Nos sistemas vivos Prigogine interliga suas principais características aos

sistemas dinâmicos e desenvolve a teoria das estruturas dissipativas18, modificando os

conceitos associados à estrutura - uma nova maneira de compreender a passagem da

“estabilidade para a instabilidade, da ordem para a desordem, do equilíbrio para o não

equilíbrio, do ser para o vir-a-ser. No centro da visão de Prigogine está a coexistência de

estrutura e mudança, de ‘quietude e movimento’” (CAPRA, 1996, p. 149, p. 51).

O Processo educação caos carrega essas variações entre a estabilidade e instabilidade,

calma e movimento, de verdades e normas legitimadas à infinitas bifurcações. Deslizar nesse

processo implica em se lançar nas situações de caos com suas flutuações e bifurcações,

experimentando desaprender “o jeito certo de fazer as coisas”. Expor-se ao acontecimento,

embarcar nos campos intensivos, despidos de nossas certezas e nos encontros escancarar

espaços para o processo de criação no coletivo da escola, à produção da própria vida, em sua

multiplicidade e caos, povoados por fluxos a impulsionar à ação, produção e a gerar

singularidades.

Singularidades que nada tem a ver com um sujeito da ação e onde o próprio

pensamento já se “constitui como possibilidade de pensar” (FORNAZARI, 2004, p. 2).

Singularidades como multiplicidade atual “os seres singulares (multiplicidade atual) seriam

fluxos que se recortam do plano de imanência (multiplicidade virtual)” (ibidem) e se

conjugam com outros fluxos. A multiplicidade virtual se refere ao próprio caos.

18 Procurando os exemplos mais simples que podiam ser descritos matematicamente. Ele descobriu esses

exemplos nos laços catalíticos das oscilações químicas, também conhecido como “relógios químicos”, que não

são sistemas vivos, mas os mesmos tipos de laços catalíticos de importância vital para o metabolismo de uma

célula, o mais simples sistema vivo conhecido. Portanto, o modelo de Prigogine nos permite entender as

características essenciais das células em termos de estruturas dissipativas (CAPRA, 1996, p. 159).

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Essa ideia de multiplicidade vem da filosofia de Bergson, que segundo Deleuze (1999)

se caracteriza na mistura de duração e espaço e sua decomposição revela dois tipos de

multiplicidade, a virtual e a atual.

A duração como multiplicidade virtual pressupõe o que difere por natureza, na

memória coexiste o virtual de todos os graus de diferença dessa multiplicidade. O espaço é

uma “coexistência de um gênero inteiramente distinto, uma coexistência real, uma

simultaneidade” (ibidem, p. 118), uma multiplicidade atual, numérica, que é:

[...] representada pelo espaço (ou melhor, se levarmos em conta todas as nuanças,

pela mistura impura do tempo homogêneo): é uma multiplicidade de exterioridade,

de simultaneidade, de justaposição, de ordem, de diferenciação quantitativa, de

diferença de grau, uma multiplicidade numérica, descontínua e atual (DELEUZE,

1999, p. 28).

Multiplicidade descontinua e atual de exterioridade, de simultaneidade, que remete aos

espaços de n dimensões de Riemann19, onde o conceito de uma grandeza com múltiplas

dimensões comporta “diferentes métricas e que o espaço não será mais do que caso particular

de uma grandeza tri-dimensional” (RIEMANN, 1985, p. 6). Uma matemática do espaço

geométrico que modificou completamente a concepção de geometria, que antes apresentava

apenas definições formais e axiomas sem clareza das relações entre os dados. Matemática do

espaço geométrico, que é uma topologia das multiplicidades com espaços de muitas

dimensões, ou variedade, que se refere a características topológicas em que a dimensão pode

variar infinitamente. Variedade de n dimensões e sem formas fixas, em “que a métrica

permitirá passar a formas geométricas e a conceitos de distância e ângulo” (FERREIRÓS,

2011, p. 130), onde múltiplas métricas distintas coexistem em uma mesma base topológica.

19 Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 – 1866) que trouxe contribuições fundamentais para a análise e a

geometria diferencial sobre a superfície da esfera em que as geodésicas ou ‘retas’ são os círculos máximos. Nessa

geometria a menor distância entre dois pontos é uma geodésica e no plano é uma reta.

Riemann apresenta suas ideias em uma palestra na Faculdade de Filosofia de Göttingen com a presença de Gauss

no dia 10 de junho de 1854 e se torna um clássico da matemática. Nela, com base em uma linguagem intuitiva,

esse matemático alemão apresentou, a uma audiência de docentes da Universidade de Göttingen, um conjunto de

conceitos e postulados que, mais tarde, passaria a ser conhecido como geometria riemanniana, da qual a

geometria euclidiana é um caso particular. A audaciosa concepção de Riemann não foi bem entendida em sua

época. Porém, ao longo do século passado, serviu de base para o desenvolvimento de outros modelos de

geometria e de teorias da física, como a relatividade geral (CARMO, 2004, p.79).

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Descontínua e atual, entretanto virtualmente existe uma potencia não numérica, pois

um espaço topológico é sempre caótico e virtual, que poderá ser atualizado por parâmetros em

“variedade” diversa.

Bergson, segundo Deleuze (1999), encantado com as ideias de Riemann caracteriza a

ideia de multiplicidade numérica, onde nem tudo já esta realizado, mas tudo é atual, admitindo

relações entre si com variações nas diferenças de graus como nos espaços topológicos, em que

uma mesma base permite múltiplas métricas.

A multiplicidade não numérica, como duração é “interna, de sucessão, de fusão, de

organização, de heterogeneidade, de discriminação qualitativa ou de diferença de natureza,

uma multiplicidade virtual e contínua, irredutível ao número” (DELEUZE, 1999, p. 28). Para

caracterizar a duração ou subjetividade se mergulha:

[...] em outra dimensão puramente temporal e não mais espacial: ela vai do virtual a

sua atualização; ela se atualiza, criando linhas de diferenciação que correspondem a

suas diferenças de natureza. Uma tal multiplicidade goza, essencialmente, de três

propriedades: da continuidade, da heterogeneidade e da simplicidade (ibidem, p. 32).

A duração é o virtual; e este ou aquele grau da duração é real à medida que esse grau

se diferencia. Por exemplo, a duração não é em si psicológica, mas o psicológico

representa um certo grau da duração, grau que se realiza dentre outros e no meio de

outros (ibidem, p. 113).

A duração como virtual e contínua de dimensão interna, diferenciação de natureza e

heterogêneo e, o espaço como o atual e descontínuo, um campo de exterioridade,

homogeneidade com diferenciação quantitativa e de grau. “O virtual não é a mesma coisa que

o possível: a realidade do tempo é finalmente a afirmação de uma realidade que se realiza, e

para a qual realizar é inventar. Com efeito, se tudo não está dado, resta que o virtual é o todo”

(DELEUZE, 1999, p. 137).

O “virtual é o todo”, o virtual é o próprio “caos” com suas instabilidades e incertezas,

potência em devir, que se adensa em campos intensivos, onde algo se atualiza e esvanece o

tempo todo, metamorfoseando infinitamente, perspectivamentente. Podemos pensá-lo em

termos de duração como a própria memória para Bergson, segundo Deleuze (1999), que surge

nebulosa e vagarosamente vai condensando, passando do virtual para o estado atual:

[...] instalamo-nos de súbito no passado, saltamos no passado como em um elemento

próprio. Assim como não percebemos as coisas em nós mesmos, mas ali onde elas

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estão, só apreendemos o passado ali onde ele está, em si mesmo, não em nós, em

nosso presente.

Há, portanto, um ‘passado em geral’, que não é passado particular de tal ou tal qual

presente, mas que é como que um elemento ontológico, um passado eterno e desde

sempre, condição para a passagem! De todo presente particular. É o passado em geral

que torna possível todos os passados (ibidem, p. 43).

O passado como o virtual, porque ele não se constitui em um futuro, após de ter sido

presente, ele coexiste no presente e a dificuldade da filosofia com a própria noção de passado

se deve à considerá-lo interposto entre dois presentes, o que já foi e o atual, o que já foi agora

é passado. O biólogo Rupert Sheldrake (1995) criou a teoria de campos mórficos20, utilizando

a noção de duração de Bergson ao considerar que existe uma memória integrada em que

passado e presente coexistem, o que remete a processos quânticos.

Os campos intensivos, ainda são da ordem do virtual, um virtual a se mostrar em

constante passagem como a brisa ou rajadas de vento, que nos roçam e esvanecem, de forma

perspectiva, dependendo de misturas, de afecções nos encontros a gerar processos caóticos.

20 Falarei sobre isso, mais adiante para caracterizar o que entendo por campos intensivos.

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Campos intensivos e algumas ressonâncias

A noção de campos intensivos surge a partir da ideia de campos na ciência, como os

eletromagnéticos na física, os mórficos na biologia com o plano de imanência em Deleuze &

Guattari e posteriormente percebi que tem a ver também com a ideia de intensivo em Spinoza.

Os campos da física e da biologia existem e estão por toda parte, mas se intensificam

em torno de acontecimentos de forma inteiramente probabilística. Esses campos e o virtual,

caos em Deleuze & Guattari podem ser considerados da mesma forma. Os campos são o

próprio caos, o plano de imanência e o campo intensivo são porções do caos que comportam

multiplicidades e volumes infinitos a explodir e se refazer continuamente à semelhança de um

fractal de Mandelbrot, em que cada zoom em uma imagem gera outras ao infinito. O campo

intensivo e o plano de imanência comportam volumes que não permanecem e, é diferente do

“conceito” em Deleuze e Guattari, que se atualiza e possui volume absoluto.

Na tentativa de mapear o que seria um campo intensivo farei a seguir uma breve

explanação sobre o que entendo por campos na física e na biologia, em seguida tento articular

os planos de imanência de Deleuze com o que chamo de campo intensivo.

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Campos eletromagnéticos e mórficos

Tomemos, por exemplo, o campo de gravitação da Terra em que estamos imersos,

embora não nos seja visível, nem por isso é menos real. O campo de gravitação permeia o

universo e curva a matéria. Segundo Einstein ele não está no espaço e tempo é o próprio

espaço-tempo, que não é pura abstração, “possui uma estrutura e molda tudo aquilo que existe

e acontece no universo físico” (SHELDRAKE, 1995, p. 143). Existem os campos

gravitacional, eletromagnético e os campos de matéria da física quântica. O campo

eletromagnético apresenta muitos aspectos e integram a organização de todos os sistemas

materiais, desde os átomos até as galáxias.

Estão subjacentes ao funcionamento do nosso cérebro e do nosso organismo. São

essenciais à operação de toda a nossa maquinaria elétrica. Podemos ver os objetos

que nos rodeiam, incluindo este livro, porque estamos conectados com eles pelo

campo eletromagnético no qual se desloca a energia vibratória da luz. E, à nossa

volta, há, no campo, inúmeros padrões de atividade vibratórios que escapam aos

nossos sentidos (SHELDRAKE, 1995, p. 143 e 144).

Na Física clássica, entidades que têm a propriedade de se propagar são onda e

partícula, campo não é uma coisa nem outra. O conceito de campo revoluciona a maneira de

tratar as interações entre os corpos.

Na Física Newtoniana, a luz pareceria algo imóvel e sem alteração. Mas isso é absurdo

segundo a teoria de Maxwell, pois o que caracteriza a luz é exatamente a alteração contínua

dos campos, um pulso de luz estático não poderia existir, segundo Abdalla (2005).

Na era quântica que se inicia com Max Planck21 no ano de 1900 ele decreta que a luz

se propaga em pacotes discretos (quantum de energia). O nome quântico vem do fenômeno

físico de quantificação.

21 Max Karl Ernst Ludwig Planck (Kiel, 23 de Abril de 1858 — Göttingen, 4 de Outubro de 1947) foi um físico

alemão, considerado o pai da física quântica e um dos físicos mais importantes do século XX. Planck foi

agraciado com o Nobel de Física em 1918 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Planck).

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A teoria quântica parte da ideia de que os átomos absorvem e emitem luz sob a forma

de quanta, ou unidades, de energia. As ondas de luz devem ser concebidas em termos

de ‘pacotes’ e estes quanta conferem à luz um aspecto particular. As partículas de luz

chamam-se fotons (SHELDRAKE, 1995, p. 170).

A possibilidade de quantificação da energia de um elétron, orbitando em torno de um

núcleo positivo, por exemplo, é totalmente fora dos parâmetros da física clássica. A mecânica

quântica pode ser considerada um método de interpretar os fenômenos físicos que ocorrem

em escala atômica e subatômica.

Desde a formulação do princípio de incerteza por Heisenberg em 1927 o mundo

nunca mais foi o mesmo. O princípio de incerteza de Heisenberg afirma que as

flutuações rápidas de energia e momento permeiam todo o universo em escalas

microscópicas do espaço-tempo.

Energia e momento são incertos: flutuam em escalas muito pequenas e isso é válido

para todos os fenômenos da natureza: criação e aniquilação de partículas, fortes

oscilações de campos eletromagnéticos flutuações de campos das forças

(ABDALLA, 2005, p. 39 e 40).

Em escala atômica e subatômica o universo se comporta de forma extremamente

frenética e caótica. Para pensar o funcionamento dos campos no terreno da biologia alguns

biólogos criaram a ideia de campos mórficos.

Os campos mórficos como os campos gravitacional, eletromagnético e de matéria

quântica conhecidos dos físicos, que estão intimamente ligados à matéria e são regiões não

materiais de influência. O biólogo Rupert Sheldrake22 na década de 80 generaliza essa ideia

elaborando um conceito amplo de campos mórficos que abrange os sistemas naturais e não

apenas os entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica,

como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos.

Existe uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa que já foi

organizada e podem ser consideradas como hábitos, por exemplo, as regularidades da natureza

são governadas por hábitos, mais que por coisas governadas por leis matemáticas eternas, que

existem de algum modo fora da natureza. A organização das sociedades, ideias, cristais e

moléculas dependem do modo como tipos semelhantes se organizaram no passado. “A

ressonância mórfica de inúmeros organismos passados dá origem a um campo mórfico que é

22Graduado em Filosofia em Harvard, Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge,

pesquisador nessa mesma Universidade e na Royal Society.

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composto ou uma média, das formas precedentes: não pode, pois, ser definido claramente, é

uma estrutura de probabilidade” (SHELDRAKE, 1995, p. 174).

Essa estrutura de probabilidade não é puramente aleatória existe uma influência de

informações contidas no campo mórfico como uma memória cumulativa que modificam a

probabilidade de eventos puramente aleatórios em que algumas coisas acontecem em vez de

outras.

Os campos mórficos e suas ressonâncias não são algum tipo de energia, mas, se

comportam de forma semelhante aos campos energéticos e suas ressonâncias. Esses princípios

agem sobre a matéria, mas não fazem parte dela. São fenômenos que escapam às leis que

governam a dinâmica das partículas, dos corpos e das ondas.

A principal característica dos campos mórficos e suas ressonâncias é a de que não

diminui de intensidade em nenhuma espécie de separação no espaço e no tempo, a ligação

existente possibilita o transporte da informação desses campos no espaço e no tempo.

O campo gravitacional, eletromagnético, campos de matéria da física quântica e os

mórficos constituem o próprio caos. Os campos intensivos seriam campos perspectivos como

o pensamento para Nietzsche, em que alguns se mostram, talvez por intensificações de

ressonâncias mórficas, acionadas por afecções provocadas em possíveis encontros, uma vez

que vivemos ao acaso dos encontros teremos campos intensivos a surgir e desaparecer

continuamente. O acontecimento parece ter a ver com intensificações de ressonância mórfica,

portanto campo intensivo e acontecimento em Deleuze & Guattari são da mesma natureza.

Vejamos a seguir o plano de imanência em Deleuze, que segundo Bento Prado júnior,

remete a um campo de produção parecido com uma superfície fractal, um sistema dinâmico

caótico.

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Campo intensivo e plano de imanência

Em Deleuze um plano de imanência, segundo Prado Júnior (2000) remete a um campo

em que se produzem, racham e vibram conceitos, semelhante à uma superfície fractal “como

horizonte e reservatório, como um meio indivisível ou impartilhável. Mas um campo infinito

(ou horizonte infinito) e virtual” (ibidem p. 308). Uma superfície fractal pressupõe um plano

de referência da ciência, que é diferente do plano de imanência, o plano de referência é

limitado por coordenadas que se cruzam e a porção de caos é freada, nos pontos de

cruzamento de abscissa e ordenada:

E certamente o plano de referência opera já uma pré-seleção que emparelha as

formas aos limites, ou mesmo às regiões de abscissas consideradas. Mas as formas

não deixam de construir variáveis independentes daquelas que se deslocam na

abscissa (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 157).

São essas bordas que dão ao plano suas referências; quanto aos sistemas de

coordenadas, eles povoam ou mobíliam o próprio plano de referência (ibidem, p.

155).

O plano de imanência pode ser comparado com uma superfície fractal de Mandelbrot,

apenas em relação à superfície que se transforma continuamente, porém em espaço aberto

multivetorial sem as referências e limites, a que está subordinado um objeto fractal de

Mandelbrot. O plano de imanência se aproxima da ideia de campo intensivo, se tomado como

porção perspectiva do caos. Perspectiva no sentido do pensamento para Nietzsche, de que não

existe simplicidade no pensamento, “cada ato do pensamento já é uma pluralidade de

pensamentos, de sentimentos, de inclinações, de aversões, etc., e cada um deles exige o seu

próprio ponto de vista” (GIACÓIA JUNIOR apud DAMIN, 2004, p. 31).

O plano de imanência é, entre outras coisas, uma espécie de solo intuitivo, cujos

‘movimentos infinitos’ são fixados pelas ‘coordenadas’ construídas pelo movimento

finito do conceito. O plano de imanência, despovoado de conceito, é cego (no limite

é o caos); o conceito, extraído de seu “elemento” intuitivo (no sentido de atmosfera),

é vazio.

Mas esse campo – que é o lugar onde se constroem e circulam os conceitos – não é

pensável por si mesmo. Sua definição e seu mapeamento só são possíveis pela

definição correlata dos conceitos que o povoam e nele circulam como as tribos

nômades no deserto, ou como as ilhas que fazem arquipélago no oceano.

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[...] não há conceito sem plano, não há plano sem conceito que inscrevam, nesse

elemento fluido e virtual, superfícies e volumes, que o marquem como

acontecimentos, que o recubram como ladrilhos inumeráveis e distendam, assim,

esse meio impartilhável (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 309).

O plano de imanência como solo intuitivo pode ser considerado cego sem os conceitos

que o povoam e pressupõe uma finalidade, que em alguma medida é diagramado de antemão.

Os campos intensivos seriam mais caóticos ao emergir sempre em encontros, o que pressupõe

sempre a multidão sem conter o movimento finito do conceito, seria um território a explodir

constantemente, impulsionando “acontecimentos”, criando rizomas com ínfimas

probabilidades de sua captura e compreensão, temos a sensação de que algo ocorreu em torno

de determinado “acontecimento”, mas esse algo sempre escapa.

Na ação na contingência, no seguir o fluxo das coisas, no fluir com os campos

intensivos, somos impulsionados por ressonâncias de tudo a que estamos imersos, detonados

por afecções, em imensas relações de forças, que são postas em movimento, onde algumas

emergem com suas próprias perspectivas na multiplicidade a provocar “acontecimentos”.

O campo intensivo e o plano de imanência são recortes do caos e podem ser

comparados às superfícies fractais no sentido de possibilidades infinitas “o plano é o absoluto

ilimitado, informe, nem superfície nem volume, mas sempre fractal” (DELEUZE &

GUATTARI, 1992, p. 52). “Nem superfície nem volume, mas sempre fractal” remete à noção

de campos na física e biologia, sempre porções do “caos”. O plano de imanência contém

multiplicidades e volumes, que se fazem e explodem continuamente, mas não são volumes e

nem planos como os campos intensivos. Os planos de imanência são “direções absolutas de

natureza fractal, ao passo que os conceitos são dimensões absolutas, superfícies ou volumes

sempre fragmentários, definidos intensivamente” (ibidem, p. 56).

Os campos intensivos seriam forças perspectivas, que podem ser de natureza fractal,

emergem em afecções, contem volumes e superfícies, mas não produz algo palpável como o

conceito. São territórios que lançam seus habitantes a outros territórios infinitamente como a

chuva do Deus Shiva dos Indus, ou dança das partículas atômicas, essa dança é a própria vida,

a criação e destruição, que são dinâmicas em que tudo se interage e recria. “[...] é ao mesmo

tempo o que deve ser pensado, e o que não pode ser pensado. Ele seria o não pensado no

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pensamento. É a base de todos os planos, imanente a cada plano pensável que não chega a

pensá-lo. É o mais intimo do pensamento e, todavia o fora absoluto” (DELEUZE &

GUATTARI, 1992, p. 78).

Seguir os fluxos de desejo no contingente cotidiano pode ser uma maneira de se atuar

na educação, vida, que certamente estarão impregnados de ressonâncias de tantas coisas a

gerar campos intensivos, que se compõem caoticamente e se esvanecem continuamente.

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Aparelho de controle institucional e espaço nômade

O processo Educação Caos no ambiente da escola opera “entre dois grandes

agenciamentos: o aparelho de controle institucional e o espaço nômade” (DAMIN, 2004, p.

119). Agenciamento como fabrica, fabrica de si mesmo e do real, uma multiplicidade que

estabelece conexões, misturas entre diferentes naturezas, na constante produção de realidades,

onde o que importa são os “modos de expansão, de propagação, de ocupação, de contágio, de

povoamento” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 20).

Agenciamentos pressupõem territórios. Territórios do aparelho de Estado, espaço

estriado e seu constante alisamento ao se apropriar de diferentes tipos de artifícios, que se

desterritorializam, cavam linhas de fuga, que o lançam a outras criações, “segundo um eixo

vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou

reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem”

(DELEUZE & GUATTARI, 1975 apud ZOURABICHVILI, 2004, p.8).

A presença de um agenciamento se torna visível quando se consegue “identificar e

descrever o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos

correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 9). Vivemos imersos em grandes

agenciamentos sociais, marcados por códigos específicos, que eficientemente impulsionam a

reprodução e desvalorizam os processos de experimentação, especialmente na instituição

escolar de espaço estriado e agenciamento molar.

[...] um agenciamento molar que repousa em agenciamentos moleculares (daí a

importância do ponto de vista molecular em política: a soma dos gestos, atitudes,

procedimentos, regras, disposições espaciais e temporais que fazem a consistência

concreta ou a duração - no sentido bergsoniano - da instituição, burocracia estatal ou

partido), o indivíduo por sua vez não é uma forma originária evoluindo no mundo

como em um cenário exterior ou um conjunto de dados aos quais ele se contentaria

em reagir: ele só se constitui ao se agenciar, ele só existe tomado de imediato em

agenciamentos (ibidem).

Seu campo de experiência oscila entre sua projeção em formas de comportamento e

de pensamento preconcebidas (por conseguinte, sociais) e sua exibição num plano de

imanência onde seu devir não se separa mais das linhas de fuga ou transversais que

ele traça em meio às ‘coisas’, liberando seu poder de afecção e justamente com isso

voltando à posse de sua potência de sentir e pensar (ibidem).

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Campo de experiência em que somos compostos e atravessados por linhas de natureza

muito diversa, segundo uma cartografia com seus traçados, como a linha de segmentaridade

dura, ligada a tudo que é molar definido pelo aparelho de estado com suas leis e normas. A

segunda, a da segmentaridade mais flexível abriga moralidades e molecularidades. A terceira

são as linhas de fuga, extremamente moleculares, que só traçam seus devires, entretanto as três

linhas estão sempre em conexões entre si, produzindo constantes movimentos de

territorialização e desterritorialização nos espaços estriados do aparelho de estado.

A existência dos espaços liso e estriado existe na coexistência deles, em suas misturas,

onde “[...] o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço

estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso” (DELEUZE & GUATTARI,

1997, p.180).

Para pensar esses espaços Deleuze & Guattari o comparam com a “teoria dos jogos.

Sejam o Xadrez e o Go, do ponto de vista das peças, das relações entre as peças e do espaço

concernido” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).

O Xadrez é um jogo de estado com movimentos previamente determinado por regras

rígidas como as estrias impostas pela política educacional, enquanto o Go os que pensam

segundo a potência nômade, em espaço aberto, multivetorial, como nas estepes de um Oriente.

Relembrando rapidamente como funcionam esses dois jogos.

O xadrez opera em um espaço fechado, cada peça tem de

antemão leis a serem seguidas rigorosamente, por exemplo, o

cavalo anda em “L” duas casas em linha reta e vira uma para a

direita ou esquerda, movimento que pode ser repetido para

frente, para trás e para os lados.

As demais peças (torre, bispo, rainha, rei e peão) também

seguem leis bem marcadas como o aparelho de estado.

O “Go” é considerado um jogo aparentemente simples

e sem graça. Suas regras se aprendem em poucos minutos, mas leva uma vida inteira para

aprender suas técnicas, usa materiais e conceitos elementares como linha e círculo, madeira e

Figura 01. Tabuleiro de xadrez http://www.tabuleirodexadrez.com.br

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pedra, fazendo combinações a partir de regras simples para gerar estratégias sutis e táticas

complexas que abalam a imaginação, segundo

Iwamoto (2006)23.

Os peões do Go são:

[...] grãos, pastilhas, simples unidades aritméticas, cuja função é

anônima, coletiva, ou de terceira pessoa; ‘Ele’ avança, pode ser

um homem, uma mulher, uma pulga, ou um elefante. Os peões do

go são os elementos de um agenciamento maquínico não

subjetivado, sem propriedades intrínsecas, porém apenas de

situação. Por isso as relações são muito diferentes nos dois casos

(DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).

A mobilidade do GO na conquista do território

em que a estratégia na simplicidade e ao mesmo tempo complexidade em um plano/tabuleiro

de 19 X 19 linhas, que produzem 361 cruzamentos e cada cruzamento possui 3 situações

distintas, que podem ser preenchidos com a pedra branca, preta ou vazio. O que equivale a

aproximadamente 3361 posições “o que representa uma ordem de 10132 mais possibilidades que

o jogo de xadrez. O xadrez apresenta 1043 posições diferentes” (KATO, KI LEE e HARANO,

2007, p.8).

O GO é uma luta por domínio territorial e o xadrez é um jogo de tomada de poder. O

GO, apesar de ser mais simples se comparamos a diversidade de peças e tabuleiro,

tem muito mais possibilidades e uma infinidade de estratégias. O Xadrez é um jogo

mais novo, de caráter medieval e sofreu muitas modificações durante sua história, já

o Go mesmo sendo mais antigo é jogado da mesma forma que há dois mil, três mil

anos atrás. O conjunto de regras de Go é menos restritivo que o conjunto de regras do

xadrez (ibidem, p. 9).

O xadrez é efetivamente uma guerra institucionalizada, regrada, codificada, com um

fronte, uma retaguarda, batalhas. O próprio do go, ao contrário, é uma guerra sem

linha de combate, sem afrontamento e retaguarda, no limite sem batalha: pura

estratégia, enquanto o xadrez é uma semiologia (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.

13 e 14).

23 Kaoru Iwamoto, jogador de GO, que sintetiza o fascínio que o jogo exerce nos povos do extremo oriente.

Iwamoto é profissional de 9º dan, o que se assemelha à faixa preta do judô.

Entre os famosos praticantes de go estiveram o xogum Ieyasu Tokugawa, o escritor prêmio Nobel Yasunari

Kawabata e o matemático norte-americano John Nash, aquele do filme “Uma Mente Brilhante”, com o ator

Russel Crowe. Nash era realmente praticante de GO - prova disso é a presença de seu nome na lista do Clube de

Go da Universidade de Princeton. (http://madeinjapan.uol.com.br/2006/09/26/go-sabedoria-no-tabuleiro.

Figura 02. Tabuleiro de go

http://madeinjapan.uol.com.br

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O jogo de xadrez pode ser comparado ao espaço instituído pelo aparelho de Estado que

é estriado, controlado, marcado, esquadriado e o espaço cavado pela máquina de guerra é o

“liso” da potência nômade, aberto como o “go” em espaço aberto multivetorial.

Ao caracterizar os espaços liso e estriado Deleuze & Guattari usam os modelos

tecnológico, musical, marítimo, o físico e o matemático e marcam possíveis oposições e

misturas entre eles. No estriado atua o aparelho de Estado que é sedentário, métrico,

dimensional semelhante a um espaço de tecido, fechado nas tramas que entrecruzam linhas

horizontais. Apesar dos fios móveis no comprimento e largura são limitados como no modelo

musical, que: “que entrecruza fixos e variáveis, ordena e faz sucederem-se formas distintas,

organiza as linhas melódicas horizontais e os planos harmônicos verticais” DELEUZE &

GUATTARI, 1997, p. 184). O espaço estriado do modelo musical se torna liso na contínua

variação do desenvolvimento da forma, na “fusão da harmonia e da melodia em favor de um

desprendimento de valores propriamente rítmicos, o puro traçado de uma diagonal através da

vertical e horizontal” (ibidem, p. 184). O espaço estriado se alisa ao se desprender dos valores

rítmicos na constante interação e mistura.

O aparelho de Estado está no espaço estriado com suas regras e políticas educativas

engessadas, que se mantém em constante interação com o espaço liso. No espaço liso se

produzem as máquinas de guerra é intensivo, onde se criam fluxos que se lançam como

vetores de força em infinitas direções, impulsionado por acontecimentos, necessidades.

Em relação ao espaço liso e um modelo matemático os autores se perguntam:

Seria possível dar uma definição matemática muito geral dos espaços lisos? Parece

que os ‘objetos fractais’, de Benoît Mandelbrot, vão nessa direção. São conjuntos

cujo número de dimensão é fracionário ou não inteiro, ou então inteiro, mas com

variação contínua de direção (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

Um objeto fractal que vai nessa direção é a “curva de floco de neve", construída a

partir de um triângulo equilátero, em que triângulos equiláteros menores são construídos

repetidamente. Ergue-se no terço mediano dos lados progressivamente menores infinitamente

e com dimensão entre um e dois, essa curva foi considerada por Mandelbrot um grosseiro

modelo, mas vigoroso de uma linha costeira. Um triângulo que vai se transformado em curva

denteada como a de uma costa oceânica.

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Figura 3. Construção do floco de neve de Koch.

Outro objeto citado por eles é a Esponja de Menger em que a partir de um cubo que vai

esburacando por cubos cada vez menores, tornando-se menor que um volume e maior que uma

superfície, aí teremos uma “apresentação matemática da afinidade entre um espaço liso e um

espaço esburacado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

Vejamos como a Esponja de Menger se esburaca, enquanto diminui seu volume e

aumenta sua superfície.

Esponja de Menger

Nível 1

Observemos na figura 4 que as faces do primeiro cubo estão inteiras, em seguida cada

face foi dividida em nove quadrados, gerando

um cubo dividido em vinte e sete pequenos

cubos. Posteriormente, removeu o cubo do meio

de cada face (seis) e o do centro. Portanto, foram

removidos sete cubos, surgindo a esponja de

Menger nível 1, figura 5, com 20 cubos.

Figura 5. Esponja de

Menger nível 1 Figura 4. Cubo

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Nível 2 Nível 3

Repetindo o mesmo processo para

cada um dos pequenos cubos restantes

teremos uma Esponja de Menger nível 2,

figura 6, com 400 cubos menores.

Repetindo o mesmo processo para a

esponja de nível 2 teremos a esponja de nível

3, figura 7 com 8000 cubos menores e, assim

sucessivamente.

A esponja de Menger aumenta os buracos /

cubos em 20n, a cada iteração, onde n é o número de iterações.

O volume da esponja de Menger24 tende a zero e simultaneamente a superfície tende ao

infinito. Cada face desse cubo é chamada de Tapete de Sierpinski.

Parece-me interessante pensar no espaço liso como um espaço que se esburaca à

maneira da esponja de Menger. Ao se esvaziar vai diminuindo o volume e aumentando a

superfície, o que remete a ideia do corpo sem órgãos de Artaud, que pode ser tomado como

exercício de esvaziamento de nossas marcas, burocracias institucionais, políticas educacionais.

Enfim, dos organismos em geral e tentarmos cavar buracos, como maneiras de fazer as coisas,

aumentar a superfície de experimentação e criar infinitas possibilidades de mergulho em

determinadas situações, planos.

No processo educativo caótico, o espaço estriado referente ao aparelho de Estado, que

é controlado, marcado, esquadriado e o espaço da potência nômade, que é “liso”, aberto,

articulam-se em situações, acontecimentos a turbilhonar incessantemente em micro

24 Este modelo fractal tem uma dimensão intermediária entre o plano (2D) e o espaço (3D). A dimensão fractal da

esponja de Menger é dada por log 20 / log 3 = 2,726833028... Seu volume pode ser calculado V= (20/27)n

(http://www.reocities.com/CollegePark/7236/esponja1.htm).

201 = 20

202 = 400

203 = 8000

204 = 160 000

205 = 3.200 000

206 = 64 000 000

Figura 6. Esponja de

Menger nível 2

Figura 7. Esponja de

Menger nível 3

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organizações completamente “fora” dos esquemas previstos pela instituição, escola. Impõe-

nos no cotidiano da vida, atordoando-nos em um emaranhado de surpresas, que emergem dos

possíveis campos intensivos gerados por afecções nesses dois espaços, que se mantêm em

constante interação.

Nunca nada se acaba: a maneira pela qual um espaço se deixa estriar, mas também a

maneira pela qual um espaço estriado restitui o liso, com valores, alcances e signos

eventualmente muito diferentes.

Talvez, seja preciso dizer que todo progresso se faz por e no espaço estriado, mas é

no espaço liso que se produz todo devir (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

O aparelho de Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a

mobilidade flutuante do inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle.

Seguir os fluxos dos desejos nesse espaço é embaralhar essas forças de forma a proliferar as

conexões entre o espaço estriado e o liso ou nômade, em constante metamorfose.

Um processo educativo caótico em sua multiplicidade a proliferar singularidades, onde

é constante o estímulo à experimentação e criação. Processo em que aprendemos muito mais

do que ensinamos sobre os assuntos estudados, nós mesmos, e sobre como operar com as

flutuações e surpresas das situações, acontecimentos. São fluxos de desejo gerando campos

intensivos a operar nessas conexões, tensões entre os espaços lisos e estriados a gerar

situações limite com variação contínua de rumo, numa multiplicidade de iterações e

mobilidades infinitas. São multiplicidades de termos heterogêneos, de co-funcionamento, de

contágio, que “entram em certos agenciamentos e é neles que o homem opera seus devires...”

(DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 24).

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Campo Intensivo 2

PRÁTICA EDUCATIVA E

TEORIZAÇÕES DO COTIDIANO

... Cotidiano, Mistura de fazeres,

... Sentimentos... Corpos... Vida, Que se faz e refaz,

Em virtuais Flutuações, Bifurcações...

Miriam B. C. de Camargo

Uma cartografia de movimentos, de campos intensivos, de pistas que se apresentem na

expressão de afetos, de algo que mobilize e convide o olhar, em direção a elementos que os

constituem. Em que medida o exercício de pensar a prática no encontro com seus pares, alunos

e outros intercessores pode contribuir para a criação de teorizações mais relevantes no espaço

microssocial? Que agenciamentos, acontecimentos podem gerar campos intensivos a

impulsionar a experimentação no cotidiano da escola, vida?

São indagações em um meio, que a produção do professor é pouco considerada nas

políticas educacionais e nos próprios cursos de graduação.

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Não é só um problema de governo ou de políticas que está nos impedindo. Há espaço

para fazer o que deve ser feito. O problema é que no ambiente da universidade as

pessoas não são recompensadas por fazerem um bom trabalho na educação de

professores. [...] a Formação de Professores tem um status muito baixo nas

universidades. Você não se torna famoso só por fazer um bom trabalho em Formação

de Professores (ZEICHNER, 2000, p. 14).

O exercício de problematizar e produzir saberes sobre a prática educativa exige

disponibilidade para o processo constante de aprender, o olhar atento à vida que acontece

cotidianamente, considerar as aspirações da escola para que sejam relevantes à comunidade

microssocial.

Um saber fazer proveniente de sua própria atividade em um meio que é comum o

“consumo de teorizações construídas por profissionais que nunca atuaram numa sala de aula”

(TARDIF, 2002, p. 241). Isso tem gerado desconfianças nos professores do Ensino

Fundamental e Médio, após anos recebendo prescrições de como se deve conduzir o processo

educativo, via políticas educacionais, uma longa tradição dos professores acadêmicos em

considerar legítimo, apenas as suas produções.

Os textos direcionados a leitores não acadêmicos geralmente não são valorizados no

contexto da Universidade e pelos centros de pesquisa – que são hierarquizados e

categorizados em “acadêmicos, científicos”, de um lado e “de divulgação, de

didatização” de um outro, a estes últimos sendo atribuídos menor valor e pouca

legitimidade acadêmica (SOARES, 2001, p. 80).

A desconfiança nos acadêmicos foi o primeiro desafio a ser vencido com os

professores e gestores, que além da desvalorização de suas produções, ainda muitas vezes

usam o professor e sua sala de aula para suas dissertações e teses, apontando o que não

funciona, sem nenhum benefício para escola e como já citei anteriormente, era uma

exclamação recorrente: “nossa! Já fiz tantos cursos aqui na Unicamp e em outros lugares e

nunca ninguém quis saber o que eu penso sobre a escola, o aluno, a educação...”.

À medida que os fui convidando a olharem suas práticas, estudá-las e que tentaríamos

encontrar meios de publicar suas produções25, vagarosamente foram se sentindo seguros para

25 Felizmente conseguimos publicar suas produções no livro “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”

pela Prefeitura Municipal de Campinas, lançado do dia 28/08/2014. São 21 textos, sendo 18 de professores e 3 de

gestoras sobre sua prática cotidiana.

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expor suas práticas, incômodos, concepções de educação. A professora Rosana Tinel relembra

o processo.

O grupo foi pouco a pouco se descontraindo, relacionando-se e levantando

discussões muito interessantes a cada aula.

[...] fui ‘crescendo’ na forma de escrever, observando e escutando os comentários, as

apresentações dos seminários. Não houve momentos em que perdi o entusiasmo

pelas aulas e pelo curso mesmo nos dias em que estava extremamente cansada e mais

calada (2009, p.13).

Trazendo Spinoza podemos dizer que a potência da ação, no alegre “encontro” com os

colegas e o pensar junto criava campos intensivos a impulsionar o repensar da prática e

timidamente fomos adquirindo confiança para compartilhar nossas reflexões, indagações,

incômodos e situações, que iam sendo problematizadas no coletivo. Ao mesmo tempo, a

tentativa de dar forma a sua escrita e, à constante busca de metodologias e referências teóricas,

que pudessem contribuir nesse repensar da prática, um processo coletivo, em que cada um se

apropria a partir de suas próprias “vontades”.

Problematizar e teorizar a prática cotidiana por professores e gestores como uma forma

de compartilhar e trazer à visibilidade seus saberes, construídos ao longo de décadas no

exercício da profissão. Afinal, quem melhor conhece esses espaços e seus desafios? Sabe-se

muito pouco sobre características que lhe são inerentes.

De fato mal conseguimos identificar os atos do professor, que, na sala de aula, têm

influência concreta sobre a aprendizagem dos alunos, e estamos apenas começando a

compreender como se dá a interação entre educador e educandos (GAUTHIER,

1998, p. 17).

Ao se explicitar nossa concepção de educação, o que pretendo com a minha atividade

pedagógica, que ambientes e posturas podem favorecer o processo do apreender. Que

situações me possibilitam trabalhar com elementos simples do cotidiano e despertar o interesse

dos alunos? E a avaliação? E os conhecimentos produzidos pelos alunos? Existe um ambiente

propício, onde o participante possa exercitar o desenvolvimento de suas potencialidades? Em

que medida eu experimento outras formas de fazer, em minha atividade pedagógica e não

apenas reproduzo propostas prontas, geralmente, via políticas educacionais? São

questionamentos que contribuíram para se:

Atentar para a prática como referência para compreendê-la e reconstruí-la; a

relevância de descrever e compreender o cotidiano da escola pública típica; a

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necessária associação ensino/pesquisa na formação inicial; o respeito aos saberes dos

professores e professoras produzidos em seu trabalho; a necessidade de construir

caminhos coletivos na escola pública (GERALDI, MESSIAS e GUERRA, 2001, p.

241).

Atentar para o saber na ação acumulado ao longo do tempo ao repensar o aprendizado

cotidiano, problematizando-o é uma forma de trazer à visibilidade estratégias usadas em salas

de aula, que encarnam conceitos sobre o modo de entender os valores educacionais.

“Professores e Professoras estão sempre a teorizar, à medida que estão confrontando-se com

vários problemas pedagógicos, por exemplo, a diferença entre as suas expectativas e os

resultados” (ibidem, p. 248).

Inquietar, incomodar, cavar em meio ao que parece não ter nenhuma possibilidade de

ação é tarefa essencial dos educadores em meio ao atual “caos social”, onde o cotidiano das

escolas é palco sombrio de seus efeitos. Vi professores precisarem de licença saúde por conta

de situações, que são muito maiores do que sequer conseguimos imaginar, mas vi também

professores encontrarem soluções para problemas, onde em princípio não se tinha a menor

ideia de por onde começar.

A professora de um terceiro ano, Nair Heerdt, na EMEF Oziel Alves Pereira, no ano de

2008 tinha 80% da sala de alunos não alfabetizados, com idade entre 7 e 14 anos.

Desesperadamente ela tentava encontrar formas de fazê-lo, sempre que começava a utilizar o

material proposto pela Secretaria de Educação, eles diziam “não dona isso a gente já sabe”,

pois já conheciam o material de anos anteriores e não tinham nenhum interesse nele.

Em uma das aulas, um aluno se levantou para entregar um bilhete a uma menina, mas a

professora o interceptou. O menino assustou, achando que ela lhe tomaria o bilhete e lhe

repreenderia, mas para sua surpresa ela lhe ensinou a melhorar o texto antes de entregá-lo à

destinatária. A partir desse incidente choveram bilhetes dos demais e rapidamente melhoraram

significativamente seu processo de escrita, porque de alguma forma isso fazia sentido para

eles. Nas palavras da professora.

Eu estava dando uma aula normal e de repente vi um aluno escrevendo um bilhete

com um semblante de felicidade, levantou-se e ia entregar a uma menina, mas antes

eu pedi para ele me entregar. Ele amassou o bilhete e não queria me mostrar. Disse-

me: Se eu lhe mostrar você não vai brigar comigo? Respondi: Não vou brigar

contigo. Ele desamassou o papel e me entregou. Estava escrito dentro de um coração:

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Eu te amo Tainá eu te amo do fundo do meu coração, Lucas Olegário (HEERDT,

2009, p. 36).

Imediatamente, interrompi o que estávamos fazendo em vez de recriminá-lo, disse:

Se você quer mandar este bilhete para a Tainá vamos ver quais as letras que estão

faltando. Ele ficou muito nervoso e envergonhado, mas com muito jeitinho fui

dizendo: Eu consegui ler tudo, mas será que a Tainá vai conseguir? Vamos

reescrever, vai ficar bem bonito, então você entrega e ela vai ficar contente. Fiz isso

porque as palavras estavam todas coladas e faltando letras. Sentamos e eu fui lendo

para ele, e automaticamente o próprio aluno viu o que tinha feito, fui lendo e ele

consertando.

Choveram bilhetes. Os alunos e eu trocando bilhetes e entendendo, que para se

comunicar com o outro através da escrita precisamos pensar em nosso interlocutor,

ou seja, quem receberá nossa mensagem, assim a necessidade de transmitir seus

sentimentos aos outros levou meus alunos a demonstrarem para mim o quanto

sabiam e a melhorar suas produções de textos (HEERDT, 2009, p. 37).

O avanço no processo de aprendizagem foi rápido e eficiente. Começaram a ler,

queriam aprender sobre tudo e escrever. Considero um grande avanço, porque no

início eram 35 alunos da 3ª série que não sabiam ler e nem escrever, no entanto em

agosto já 32 estavam completamente alfabetizados, querendo escrever, escrever,

escrever, lendo tudo o que aparecia (ibidem, p. 38).

O esperado aconteceu rapidamente! De repente os alunos sabiam ler e escrever. O

acreditar da professora na capacidade do aluno e sua forma amorosa de caminhar junto,

mudou o processo pedagógico até a sua própria visão deles, que antes também os considerava

problemáticos. “Quando comecei o trabalho também acreditava que a turma era ‘fraca’,

digamos assim, problemática e que renderia muito pouco” (ibidem, p. 39).

Ao possível leitor isso pode parecer pouco, mas considero uma grande sacada da

professora, pois convivi durante 25 anos com alunos do Ensino Fundamental e Médio

lecionando matemática e a dificuldade no entendimento da própria matemática, por não

conseguir entender um texto era grande.

O nosso olhar sobre o processo educativo também os constitui e, aí o eterno exercício

de prestar atenção em possibilidades que apareçam sem ficarmos presos a currículos prontos e

em rótulos dados aos alunos, como determinadas salas são consideradas “fracas”,

“problemáticas” e tantos outros.

Experimentar outros modos de fazer as coisas, a partir do que acontece abre espaços

para o inusitado e inesperado e podemos ter agradáveis surpresas. Os alunos que não queriam

mais estudar com o material didático já utilizado durante diversos anos e diziam para a

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professora “não dona isso a gente já sabe” foram envolvidos pela troca de bilhetes e

aprenderam a ler e a escrever de forma agradável e satisfatória.

Isso mostra a relevância de se problematizar ações, que ao invés de simplesmente se

encaixarem em determinados rótulos podemos tentar encontrar situações que interessem a

determinados grupos. Isso exige atenção a pistas vindas dos próprios alunos. A seguir um

trecho da avaliação do nosso percurso por essa professora:

E agora? para onde vou? - Por Nair Côrrea Heerdt

- Pode me dizer, por favor, por qual caminho devo seguir?

- Pediu Alice ao gato.

- Isso depende muito do lugar onde você quer ir - respondeu ele..

- Não me importa muito onde. – disse Alice.

- Então, não faz diferença o caminho a seguir...”.

(CARROL, Aventuras de Alice ...)

Nesta avaliação final da disciplina Pesquisa Científica B ao contrário do que

aconteceu com a Alice que não se importava com o caminho a seguir para sair do

País das Maravilhas, colocar que este curso me indicou vários caminhos, me abriu

várias possibilidades de trabalhar o processo educativo e me fez perceber que Ser

professor é ir além de apenas ministrar aulas prontas a partir de teorias alheias, mas

que sou capaz de formular minhas próprias teorias, ainda que esta esteja impregnada

de saberes alheios (HEERDT, 2009, p.15).

A universidade carece de cavar mais espaços para estudo e trocas de experiências, são

professores comprometidos com sua função social e que se encantam com a possibilidade de

enriquecer seu fazer pedagógico e evidenciam a importância do encontro para a produção de

enunciados que tenham relevância no espaço microssocial da sala de aula.

Os professores necessitam estar intimamente conectados às produções acadêmicas

das universidades e capacitados a utilizar os mais diversos recursos tecnológicos em

suas práticas pedagógicas cotidianas, pois ambos estão diretamente ligados à

produção do conhecimento (D’ORÁZIO, 2009, p. 18 e 19).

A produção de saberes em parceria com professores universitários pode ser

enriquecedor para ambos e contribuir de forma efetiva com o processo educativo ao

problematizá-lo, interrogando a prática cotidiana, escapando de “visões a priori”. Uma “(...)

problematização como acontecimento – talvez se possa indicar que a problematização seja um

modo de apropriação do acontecimento” (CARDOSO, 2001, p. 225). Um exercício do

pensamento em que a problematização já é “experimento, no sentido indicado por Foucault,

que se aproxima da perspectiva heideggeriana da experiência como aquilo que consiste em nos

afetar e transformar” (FIGUEIREDO, 1994, p. 121).

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Experimentar com aquilo que tem a capacidade de forçar o pensamento, de nos afetar e

possibilitar a criação e ação no cotidiano, na contingência sem partir de problemas dados a

priori, mas “inventar e reinventar nas e com as soluções” (GELAMO, 2008, p. 161). De

maneira que as resoluções sejam “novamente re-elaboradas e re-articuladas. Desse modo, os

problemas não desaparecem nas soluções, mas se mantêm distintos e insistentes no

movimento de invenção de novas soluções” (ibidem). Com Deleuze (1988, p. 124) o

pensamento já como problematização e experimento. “[...] os problemas e as soluções não

podem ter a mesma natureza, apesar de estarem intrinsecamente ligados: a solução só encontra

seu sentido no problema a ela subjacente” (ibidem, 161). No cotidiano escolar certamente

encontraremos problemas e soluções de diferentes naturezas, em que as soluções podem ser

provisórias, múltiplas e calcadas localmente.

Práticas comuns no cotidiano em relação à gestão da escola, sala de aula, currículo,

produção de saberes e seus efeitos no processo educativo são temas a serem problematizados,

visando o constante repensar do espaço microsocial, em que intensivos fluxos pressionam,

oprimem e impulsionam ações, em meio a uma caótica relação de forças, que se estabelecem

nesse espaço, que historicamente tem se constituído em “eficiente dobradiça capaz de articular

os poderes que aí circulam com os saberes que a enformam e aí se ensinam, sejam eles

pedagógicos ou não” (VEIGA-NETO, 2003, p. 18).

Um cotidiano povoado por campos intensivos, gerados na multiplicidade das

correlações de forças com seus jogos incessantes de afrontamentos a transformá-los e nos

pressionar constantemente.

O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história

a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. É um mundo

que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância,

memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil

sublinhar a importância do domínio desta história "irracional" ou desta "não-história.

O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível..." (CERTEAU, 2012, p.

31).

História “irracional”, o invisível nos remete aos campos intensivos povoados por

fluxos em constante devir. Operar nesses espaços implica mergulhar nesse mar virtual de

memórias e tentar apreender fluxos de sutilezas e nuances nas “artes de fazer” em que se criam

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táticas frente às imposições dogmáticas do aparelho de Estado que tudo pretende burocratizar

e controlar.

Táticas que são saberes sem discurso, sem escritura, solidários de operações

múltiplas e anônimas, excluídos pelos saberes da administração e do controle, mas

não menos criadores e subversivos por isso.

Saberes e artes de fazer que irritam e estimulam a domesticação, mas também

anunciam e apelam à criação engenhosa, dando esperanças de que, nos interstícios

dos códigos impostos, toda uma série de táticas subterrâneas possa dar vida a ações

sem autores e sujeitos sem nome, demolindo as verdades de discursos morais,

políticos e tecnocráticos que intentam fabricar o conformismo (SOUZA FILHO,

2002, 133).

Michel de Certeau (2012) ao problematizar as artes de fazer na sociedade de consumo,

aponta a sua capacidade de driblar os mecanismos de controle e propõe os conceitos de tática e

estratégia, que fazem parte de um mesmo processo na tentativa de organização de uma

sociedade. As estratégias são ações que graças a um lugar de poder, a propriedade de um

próprio, “elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um

conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem” (p. 96), privilegiam as relações

espaciais e tem como modelo o “científico”, antes foi o militar. As táticas são procedimentos

circunstanciais, que transformam situações, mudando a geometria do espaço, talvez

pudéssemos dizer com Deleuze que as táticas alisam o espaço estriado das estratégias de

poder, estratégias e táticas coabitam os mesmos espaços e vão se modificando mutuamente.

[...] as estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar

oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo,

das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um

poder. Ainda que os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se

apresentem sob uma forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas feitas

no lugar ou no tempo distinguem as maneiras de agir (p. 96 e 97).

Nesses espaços as evidências são contingentes, resultam de uma disposição do espaço,

de uma particular forma de expor as coisas, constitui o lugar do nosso olhar, o que implica

“que nosso olhar, inclusive naquilo que é evidente, é muito menos livre do que pensamos. [...]

nos fazem ver e ver de uma determinada maneira, ver e crer” (CARVALHO e SILVA, 2009,

p.3).

Alves e Oliveira (2002) nos lembram de que os estudos sobre o cotidiano

acompanharam o caminho da ciência dominante na modernidade, a de Galileu e Newton,

como o “legitimador das ideias e dos trabalhos sobre a verdade” (ibidem, p. 84), que ao

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privilegiar elementos controláveis e quantificáveis da realidade, desconsideram as demais

informações. “[...] a quantificação e sua ciência derivada, a estatística, acompanhada da

necessidade de generalização e de sua mais perfeita expressão, a universalidade” (ibidem) vêm

excluindo aspectos singulares e qualitativos do real, nas pesquisas do cotidiano.

Pensar o cotidiano como espaço de quantificação, significa considerá-lo como espaço

de repetição, de norma, de obviedade – “o espaço do senso comum e da regulação” (ibidem, p.

84). Na vida cotidiana há repetição constante, mas se experimentarmos olhar com mais

cuidado, encontraremos aspectos singulares e qualitativos de nossas práticas repetidas

infinitamente, e “vamos nos dar conta de que, na forma de fazer cada uma dessas atividades,

nunca há repetição” (ibidem, p. 86). O que pode ser medido, quantificado, regulamentado e

controlado é “o que” fazer, mas “não o ‘como’, que varia de modo mais ou menos anárquico e

caótico26” (ibidem). A análise quantitativa é insuficiente para dar conta de sua complexidade

e, a tentativa de sua desqualificação por determinados “discursos” que instauram o status de

científicos, nas intricadas teias de poder denunciadas por Foucault, uma multiplicidade de:

[...] correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de

sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as

transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas

nas outras, formando cadeias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e

contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo

esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na

formulação das leis, nas hegemonias sociais (FOUCAULT, 1988, p. 88 e 89).

As práticas em uma perspectiva foucaultiana, segundo Veiga-Neto, (2003) se

caracterizam pela existência de certas regras a que o sujeito está submetido desde o momento

em que pratica o “discurso”. O discurso constitui a prática, uma concepção materialista que

não admite qualquer “discurso fora de relações materiais que o estruturam e o constituem”

(ibidem, p.54).

Os estudos sobre o cotidiano e suas práticas ao buscar sua positividade, como os de

Foucault (1979) sobre a constituição histórica das ciências humanas possibilita ativar saberes

locais, descontínuos desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que

26 Caótico no sentido da Teoria do Caos, que segundo Prigogine (1996), o caos não é só desordem, é um tipo de

realidade que, a partir do desequilíbrio, cria formas de auto-organização.

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pretende depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em

nome da legitimidade de uma ciência detida por alguns.

Com Alves e Oliveira (2002) o cotidiano como um conjunto de atividades que

desenvolvemos em “nosso dia a dia, tanto do que nelas é permanência (o seu conteúdo) quanto

do que nelas é singular (as suas formas)” (p. 87).

Na multiplicidade de vida no cotidiano da escola com seus conteúdos e formas ao

inventar sentidos para suas produções, sejam elas intelectuais, de relações ou de

gerenciamentos, geram campos intensivos a impulsionar a experimentação. Esse processo, no

âmbito da micropolítica burla o aparelho de controle institucional, potencializando ações

relevantes na comunidade microssocial, o que exige agenciamentos completamente “fora” do

previsto pela instituição escola. É a produção da própria vida em sua multiplicidade e caos.

São invenções cotidianas desenhadas na escola que “mostram diferentes formas dos

professores se ‘ajustarem’ às políticas que lhe são impostas, às diferentes formas de ‘caça não

autorizada’ que vão reorganizando o cotidiano e suas práticas” (AMARAL, 2009, p.38),

aproveitando situações para encontrar saídas, embora o que se ganha não se permaneça.

Carvalho (2013), professora de Língua Inglesa afirma, que indagações sobre a sua

prática a levaram a prestar mais atenção a suas ações, colocando-se como parte do processo

educativo, na condição de professora e pesquisadora, o que exige constante abertura para

aprender sobre diversas coisas, que certamente refletirão no processo educativo com os seus

alunos.

Ao problematizar minha prática, reconheço o quão complexo e instável o educar se

configura, e que as concepções assumidas por mim no cotidiano irão definitivamente

interferir no processo de aprendizagem do aluno (CARVALHO, 2013, p. 121).

A dinâmica dos encontros com professores e gestoras foi permeada pela

problematização de sua própria prática, na tentativa de se criar práticas relevantes no espaço

microssocial. São teorizações oriundas da prática, resultantes de estudo e discussão de

questões educacionais locais, no encontro com diversos intercessores, um processo constante

de aprendizagem, onde a teoria educativa apreendida no mundo acadêmico contribui na

composição da sistematização dos estudos sobre o processo educativo cotidiano, ajudando a

repensá-lo.

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Nesse processo campos intensivos gerados nos “encontros” de troca entre os

professores, gestores e diversos autores, algumas práticas e ideias marcaram de forma especial

por trazerem outras maneiras de se pensar e viver a escola, vida: - O “Projeto Ciência na

Escola” por propor um processo pedagógico a partir de temas escolhidos pelos alunos, uma

prática vivida desde o seu início e, que implica em um currículo aberto, que o conhecimento

escolar vai sendo apreendido, em acordo com as exigências do assunto em estudo; - A ideia de

Silvio Gallo sobre a transversalidade possibilita pensar esse currículo, junto com outros

autores como Gilles Deleuze e tantos outros...

A seguir tento mostrar como algumas dessas ideias foram sendo apropriadas pelos

professores e gestores na composição da pesquisa sobre a sua própria prática cotidiana, de

forma um tanto caótica, a partir dos Trabalhos de Conclusão de Curso, 2009, e de um livro

com algumas de suas produções27, já citado anteriormente.

27 “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, publicado pela Prefeitura Municipal de Campinas, lançado

em agosto de 2014.

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‘Encontros’ a gerar campos intensivos no contingente cotidiano

Um encontro é talvez a mesma coisa que

um devir ou núpcias. É do fundo dessa solidão que

se pode dar qualquer encontro. Encontram-se pessoas

(e por vezes sem as conhecer nem as jamais ter visto),

mas também movimentos, ideias, acontecimentos, entidades

(DELEUZE e PARNET, 2004, p.17).

O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores.

Sem eles não há obra. (...) é preciso fabricar seus próprios intercessores.

É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária,

estamos perdidos.

(DELEUZE, 2000, p.156).

O efeito do encontro com diversos intercessores como pessoas, livros, ideias ao se

deixar fecundar por fluxos em devir, “acontecimentos contagiantes” emergem e podem

impregnar os envolvidos, potencializar a ação e contribuir para o traçado de um currículo

aberto como um mapa, em que a conexão dos campos se dá ao atender chamados do

contingente cotidiano, a se metamorfosear constantemente.

Acontecimento no sentido de Deleuze (2003) a partir dos estoicos em que para eles

havia duas séries distintas, a dos seres (dos corpos) e a dos acontecimentos (dos incorpóreos).

Um incorpóreo como efeito da mistura de corpos, onde a vibração da vida e a

imprevisibilidade se faz presente a cada instante, como um conjunto de singularidades.

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[...] que caracterizam uma curva matemática, um estado de coisas físico, uma pessoa

psicológica e moral. São pontos de retrocesso, de inflexão etc.; desfiladeiros, nós,

núcleos centros; pontos de fusão, de condensação, de ebulição etc.; pontos de choro e

de alegria, de doença e de saúde, de esperança e de angústia, pontos sensíveis como

se diz.

A singularidade faz parte de outra dimensão diferente das dimensões da designação,

da manifestação ou da significação. A singularidade é essencialmente pré-individual,

não-pessoal, aconceitual. Ela é completamente indiferente ao individual e ao coletivo

(DELEUZE, 2003, p. 55).

[...] não há acontecimentos privados e outros coletivos; como não há individual e

universal, particularidades e generalidades. Tudo é singular e por isso coletivo e

privado ao mesmo tempo, particular e geral, nem individual nem universal (ibidem,

p. 155).

“Acontecimentos contagiantes”, alegre vestígio dos nossos encontros / aulas

presenciais e pela internet no grupo Yahoo, capturado pela professora Denilda Altem (2009,

p.19) a produzir singularidades. Do encontro com pessoas, metodologias, o aprendizado

escolar via assuntos de interesse dos alunos e professores, livros, processo de escritura, ideias,

o pensamento filosófico de Deleuze, Foucault, Silvio Gallo, dentre outros, impulsionaram

forças a aumentar a ação no processo de experimentação no cotidiano da escola, vida.

O processo de aprendizado via problematização de situações de interesse de alunos e

professores foi uma prática desenvolvida no Projeto “Ciência na Escola”, que nos

desestabiliza, porque, geralmente, estamos acostumados a seguir propostas prontas, via livros

didáticos e apostilas, tão em moda hoje nas escolas e, de repente somos convidados a criar

nosso próprio material pedagógico. Surpreendeu-me a rapidez com que os participantes da

disciplina “A Pesquisa como instrumento pedagógico”, módulos I, II e III, do curso já citado,

se apropriaram dessa maneira um tanto caótica de “fazer” na escola, junto com seus alunos.

Nessa empreitada o filósofo e professor Silvio Gallo, que vem pensando a

transversalidade na produção do conhecimento, contribuiu muito para pensarmos essas

práticas com seus textos escritos de forma clara e provocadora. Nosso primeiro contato com a

filosofia. A partir dele passamos por Nietzsche, Foucault e Deleuze em pura experimentação,

ignorando muitos de seus princípios, na busca de subsídios para se pensar a vida cotidiana, o

que incorre em grande risco de se liberar a busca pelo saber que se deseja e, ainda, contaminar

outros com ressonâncias da ignorância: “O que um ignorante pode uma vez, todos os

ignorantes podem sempre” (RANCIÈRE, 2002, p. 55).

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A prática do mestre ignorante, talvez possa contribuir para nos liberar da violência

cognitiva da razão, imposta pela educação do aparelho de Estado e agirmos em acordo com o

que realmente nos move. Ao nos compormos com os textos filosóficos, sem ideias pré-

concebidas, sem a pretensão de explicá-los, mas deixando-se fecundar por afecções em bons

“encontros” podemos aumentar a nossa potência de ação.

Segundo Rancière, (2002) o mestre ignorante não transmite seu saber, não guia o aluno

ao bom caminho, mas observa o percurso de sua “vontade”, na busca de seu caminho, o deixa

exercer sozinho, o que força o aprendiz a usar sua própria inteligência na busca dos caminhos

escolhidos e pode: “[...] forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a

desenvolver todas as consequências desse reconhecimento” (ibidem, p.11).

Na busca de possibilidades, caminhos, na solidão povoada por tantos intercessores

sempre é possível encontrar algo novo a ser relacionado com o já conhecido, embora não se

encontre “necessariamente aquilo que buscava, menos ainda, aquilo que é preciso encontrar”

(ibidem, p.44), mas ao manter o foco da busca, que mesmo sozinho a procurar, o faz

incessantemente.

O ignorante sempre sabe alguma coisa e sempre pode relacionar o que ignora ao que

sabe. Tudo começa pelo obstáculo aparentemente mais intransponível: o da leitura.

Como penetrar em um mundo de signos que nos é opaco? O método de Jacotot

consiste na afirmação de que sempre há um ponto de passagem, de que o ignorante

sempre possui, em seu conhecimento oral da linguagem, os meios de estabelecer

relações com os signos escritos que ignora (RANCIÈRE, 2003 apud BENVENUTO,

2003, p. 191).

Talvez a não especialização, em certa medida, a ignorância mesmo, nos tenha

autorizado a liberar o medo do que seria certo ou errado na apropriação deste, ou daquele

pensamento filosófico e, em acordo com Kohan, (2003) a potência do mestre ignorante se

situa:

[...] nos desacordos que supõe e provoca, no trabalho de pensamento que desencadeia

como expressão solitária, inaudita, dissonante e, apesar de tudo, suficientemente

forte para interrogar uma realidade que desconsidera suas principais proposições ou,

no melhor dos casos, as ignora (p. 224).

A prática do mestre ignorante, no exercício de se interrogar nossas próprias práticas no

encontro com outros intercessores pode forçar capacidades ignoradas ou negadas, em que sua

força se situa na “experiência que provoca” (ibidem). Um exercício de não “subestimar

ninguém – começando por não subestimarmos a nós próprios” (ibidem).

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Ainda, com Kohan (2003) a lição do mestre ignorante é a da emancipação, a de um

mestre que se emancipa a si próprio, que ensina sem método, ou seja, com seu próprio método

e, que a emancipação não tem a ver com um conteúdo, doutrina ou conhecimento.

Ninguém pode emancipar ninguém. Um mestre que escreve sua própria história, para

que os outros a leiam. E outro mestre lê a história, reflete sobre ela e a relata para que

outros(as) mestres a pensem. E se emancipem, na contradição e no paradoxo.

[...] só há uma única educação que vale a pena – a que emancipa (sem emancipar).

Quem não deixa que os(as) outros(as) se emancipem, embrutece.

Afinal, um ser humano pode o que pode qualquer ser humano (ibidem, p.228).

A educação na contingência, impulsionada por campos intensivos a noção de sujeito

será pensada em termos de singularização, agenciamentos, dispositivos, “(...) que não possuem

qualquer relação com o conceito de sujeito” (GALLO, 2011, p. 7, 8).

Processo na contingência, que não se espera um mestre “explicador”, do que, e como

devemos fazer as coisas, como entender e utilizar determinadas correntes de pensamento, mas

seguir o rumo que considerar adequado, o que implica em se responsabilizar por seus efeitos.

“Cada um possui seu caminho, não como um percurso traçado de antemão, mas como um

trajeto a ser construído, a ser inventado em sua singularidade” (ibidem, p.12).

Voltando aos nossos encontros, a busca por ideias, no pensamento filosófico, que

pudessem nos afetar, fez-se com certo receio e estranhamento, devido a nossa “ignorância” na

área, mas seguimos encorajados pela possibilidade de pensar junto com outros intercessores.

Iniciamos com teorizações de Gallo (1999) sobre a transversalidade de saberes, no final do

primeiro semestre de 2008. Em seguida os convidei a ler durante as férias do mês de julho,

alguns textos de Deleuze e fiquei à espreita pelos efeitos que poderiam provocar; esperei

reclamações, o que não aconteceu e para minha surpresa a maioria, de alguma forma tomou

contato com suas ideias. Trechos do convite:

Começaremos o próximo semestre lendo Gilles Deleuze, o filósofo das

multiplicidades, que segundo Gallo (2003), pensou as questões emergentes no século

XX, buscando construir uma filosofia imanente, um pensamento do acontecimento, o

que pode servir para o campo educacional. Imanente = calcado na materialidade, no

acontecimento.

A partir de quatro textos de Deleuze: “Rachar as coisas rachar as palavras”, “A vida

como obra de arte”, “Filosofia - Os Intercessores” e “Política – Controle e devir”, da

obra “Conversações”, vamos começar o 2º semestre, exercitando a criação.

Considerando que pensar é poder como estratégia, “pensar é ver e falar, mas com a

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condição de que o olho não permaneça nas coisas e se eleve até as ‘visibilidades’, e

de que a linguagem não fique nas palavras ou frases e se eleve até os enunciados. É o

pensamento como arquivo”, como diz Deleuze (2000, p. 119) sobre Foucault.

Proponho que façam uma leitura capturando algo que os toque, que dispare

exercícios de pensamentos e possibilite criar algo inusitado... E escrevam...

Escrevam... Escrevam...

Vamos começar a primeira aula do segundo semestre, expondo o que surgiu desse

exercício (Aula 28/06/2008).

Na primeira aula de agosto alguns professores disseram que acharam os textos muito

estranhos, difíceis, outros que foram tocados por algumas ideias, um professor de história

ficou incomodado com algumas colocações de Deleuze sobre a história, posta por Foucault e

foi ler os textos do próprio Foucault como “Microfísica do Poder”, dentre outros. São novas

conexões a surgir no exercício do pensamento e da ação no cotidiano, que, posteriormente,

aparecem no estudo da sua prática no aprendizado de história.

Fiz uma apresentação dos textos de forma aleatória, na tentativa de provocar sensações

com retalhos de falas de Deleuze, imagens que pudessem afetar e trazer possíveis

convergências com a nossa maneira de pensar, de:

[...] encontrar algo que nos diga respeito, que possa ser utilizado como base para

avaliar, vindo de uma natureza que nos seja semelhante e cujas ideias possam ser, de

alguma forma, recriadas (GRISOTTO, 2010, p. 36).

“Acontecimento e Resistência: Educação menor no cotidiano da escola”28, texto de

Gallo (2007) proposto nesse momento, imediatamente impulsionou o pensar de práticas

problematizadas como lugar de resistência ao aparelho de Estado, na contramão dos fluxos

instituídos e políticas impostas.

A professora Rafaela Lopes29 ao estudar sua prática pedagógica no ensino da Língua

Inglesa, em parceria com a professora de Artes, Thelma Guimarães, sobre o artista brasileiro

Candido Portinari deslocou o conceito de educação menor para o de Inglês menor e nos

explica:

[...] podemos pensar no conceito de um ‘Inglês menor’: o Inglês utilizado por nós, os

menos favorecidos, resistente às potências mundiais globalizantes, que trabalhamos a

nova língua dentro de uma abordagem da valorização da cultura brasileira, utilizando

28 Esse texto foi proposto no início de agosto de 2008 pela professora Maria de Fátima Garcia, que lecionava a

disciplina “Desenvolvimento curricular e profissional do professor”, neste semestre nós juntamos essa disciplina

com a “Pesquisa científica como instrumento Pedagógico II”.

29 Essa professora concluiu o mestrado no ano de 2014.

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a Língua Inglesa como ferramenta, desterritorializando-a, fazendo com que raízes

flutuem, escapando da territorialidade forçada, provocando novas buscas, encontros e

fugas.

A educação menor, o inglês menor, como a literatura menor, age por agenciamentos,

coletivamente, nas trincheiras da sala de aula, onde nossa estratégia é a resistência

(LOPES, 2009, p. 22).

A valorização da própria língua, a partir do aprendizado de uma língua estrangeira se

constitui em grande desafio no interior de nosso “sistema instituído, uma máquina de

resistência, ao contrário da literatura maior que se preocupa em territorializar-se no sistema de

tradições a toda força” (p. 76). Lopes se encantou com as ideias trazidas nos textos de

Deleuze e Gallo e escreve no seu Trabalho de Conclusão de Curso:

Encontrei-me nos textos, MARAVILHADA! A língua alvo como instrumento, como

ferramenta para conhecimento de outras culturas e da nossa também, explorando o

projeto “Cândido Portinari”, valorizando nosso povo, favorecendo a apropriação da

língua estrangeira como ferramenta de resistência (LOPES, 2009, p.8):

A autora busca a valorização da própria cultura a partir do ensino da língua inglesa e

pontua que em nossos encontros as leituras propostas misturadas às conversas, nas trocas

sobre o processo pedagógico se compuseram com seu repertório pessoal de vida e deixaram:

[...] muitas marcas por expressar teoricamente crenças que já existiam em mim: o

rizoma de Deleuze nas ideias de Silvio Gallo (2001) e Acontecimento e resistência:

educação menor no cotidiano da escola (ibidem, 2007) se coadunavam com minha

postura de professora de inglês que trabalhava com possibilidades de aprendizagem

da nova língua valorizando a cultura brasileira (LOPES, 2009, p. 7).

A professora Eliana Cristina D’Orázio (2009) lembra como o contato com a filosofia a

tocou, que os pensamentos e concepções dos autores mostrados no curso a despertaram para a

importância de seu trabalho, dos efeitos que suas escolhas possam ter na formação de seus

alunos e, que Nietzsche foi o autor que mais a tocou:

[...] devido à sua visão sobre a educação e a cultura, além de admirar a maneira

corajosa como escreveu suas críticas a respeito da educação alemã no séc. XIX.

Interessante observar que alguém que defendeu com tanta garra a essência da

educação, tenha nascido justamente no dia do professor...

Segundo Nietzsche, educação e cultura são inseparáveis. Não existe cultura sem um

projeto educativo, nem educação sem uma cultura que a apoie.

Como Nietzsche foi o autor que mais gostei, a seguir faço alguns comentários

(ibidem, 18):

Filosofando com Nietzsche:

No final do século XIX, Nietzsche criticava o sistema educacional alemão, pois

segundo ele, o Estado e os negociantes eram os grandes responsáveis pela

degradação da cultura. A preocupação em formar indivíduos que estivessem

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rapidamente ‘prontos’ para o trabalho e para ganhar dinheiro, colocava em

detrimento uma educação que realmente levasse os alunos a construírem

determinados princípios a partir dos quais pudessem crescer por si mesmos, interior e

exteriormente (ibidem, 18).

Em relação às universidades alemãs de seu tempo diz: “O professor fala. O aluno

escuta... Atrás desses dois grupos, a uma relativa distância, está o vigilante Estado

lembrando, de tempo em tempo, que deve ser ele o objetivo, o fim e a quinta-

essência desses procedimentos de fala e de audição” (NIETZSCHE, 1988 apud

DIAS, 2001, p.36).

Em pleno século XXI a maioria dos cursos oferecidos aos professores, ainda seguem

esse modelo30 ironizado por Nietzsche, como pontua D’Orázio (2009), de que é lamentável

que este tipo de projeto não envolva um grande número de professores, que muitas outras

vozes seriam ouvidas e um número bem maior de alunos teriam mais motivação para

aprender. O processo pedagógico compartilhado como um detonador de intensidades, que

estimulam outras ações.

O pensamento de Nietzsche é extremamente atual, o sistema educacional brasileiro

não se mostra muito diferente do sistema alemão do século XIX, que recebia suas

destemidas críticas. [...] atualmente é a ‘indústria’ das universidades fabricando dois

tipos de profissionais: o primeiro constitui-se de professores ‘das salas de aula’

(Educação Básica e Ensino Médio), e o segundo pelos professores acadêmicos, que

se especializam em uma área do conhecimento, produzindo saberes que certamente

serão lidos por profissionais de seu próprio meio, os seus pares.

Nesse cenário o que vejo acontecer com a maioria dos professores, devido em parte

às contingências do dia-a-dia das escolas, é um afastamento entre os professores e as

novas técnicas e metodologias desenvolvidas nas universidades, provocando a

existência de um ‘abismo’ acadêmico entre os conhecimentos produzidos nas escolas

de Educação Básica e Ensino Médio e aqueles produzidos das universidades

(D’ORÁZIO, 2009, p.18).

“Abismo acadêmico” entre as produções dos professores do Ensino Superior e os da

Educação Básica e Ensino Médio. Acrescenta Nunes (2009) entre o ensino e a pesquisa, o

erudito e o popular, a arte e a ciência, a escola e a vida, o aluno e o professor, o que reflete a

fragmentação social da vida cotidiana. Indagar sobre essa distância no dia a dia da escola,

buscar alternativas que a superem e envidar esforços na direção de criar espaços onde o

trânsito nas diversas esferas sociais se estabeleça.

Encontrar saídas ao modelo fragmentado no processo de aprender exige que alunos e

professores “em sua força de existir” se encorajem a correr riscos, questionar e revisar

30 Quando iniciamos o curso de especialização e perguntamos aos professores o que esperavam dele, nos olhavam

intrigados e depois alguns disseram que era a primeira vez que alguém se interessava pelo que eles pensam.

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certezas, o que exige disposição para ouvir o outro e o constante indagar de nossas próprias

ações. Isso pode ser realizado em projetos conjuntos “que ao colocar seus professores em

estreito contato, possamos gerar condições para uma educação, que realmente atenda às

necessidades de nossas crianças e jovens...” (DAMIN, 2004, p.14).

Observamos que os textos filosóficos nos lançam à vida cotidiana de professores e

impulsiona um novo olhar para as mesmas situações ao incorporar outras paisagens,

conceitos...

Através dos acontecimentos, no corpo dos textos filosóficos, encontram-se presentes

paisagens, cores, sons do pensamento em forma de ideias, conceitos, problemas,

oferecendo ao pensamento em termos afetivos o que pensar, ou o que experimentar,

cujos resultados podem trazer algo de singular. Este movimento ultrapassa o sentido

do já pensado. Assim, muda a ótica com que se pensava e também a ótica do

pensador que se lê (GRISOTTO, 2010, p. 31).

“Acontecimentos no corpo dos textos filosóficos” que se misturam e transformam em

acontecimentos na vida de quem os experimenta, em seu próprio corpo, sem a intenção de

ensinar filosofia, mas misturá-las ao sangue que corre nas veias. Utilizá-las, torcê-las, produzir

outros enunciados na escola, no processo pedagógico cotidiano, junto à “tomada da palavra

pelas professoras e professores, historicamente impedidos de dizerem suas próprias palavras”

(ALVES e GARCIA, 1999, p.10).

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Currículo em devir

A potência dos “encontros contagiantes” remete à transversalidade de saberes, práticas,

relações e pressupõe um currículo aberto, em que agenciamentos se conectam a outros

agenciamentos, um processo extremamente caótico a criar campos intensivos, que surgem e

desaparecem constantemente. A repetição e a diferença coexistem nas “multiplicidades, que

são a própria realidade, e não supõem nenhuma unidade, não entram em nenhuma totalidade e

tampouco remetem a um sujeito” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p.10).

Um agenciamento se refere ao aumento de dimensões de uma multiplicidade que ao

aumentar suas conexões muda de natureza semelhante a um rizoma, “que não existem pontos

ou posições como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente

linhas” (ibidem, p.24). Linhas de fuga que fogem da hierarquia da ordem estabelecida e

disparam conexões com outras raízes, criando outros caminhos levados por marcas de

intensidades.

Os princípios característicos das multiplicidades concernem a seus elementos, que

são singularidades; as suas relações que são devires; a seus acontecimentos, que são

hecceidades (quer dizer individuação sem sujeito); a seus espaços-tempos, que são

espaços e tempos livres; a seu modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao

modelo da árvore); a seu plano de composição, que constitui platôs (zonas de

intensidade contínua); aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e

graus de desterritorialização (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p.10, 11).

As realidades são multiplicidades, que não remetem a nenhuma unidade, nem

totalidade e nem a um sujeito, o que importa é fazer proliferar conexões entre os espaços liso e

estriado na produção de uma educação, vida, que no cotidiano, realmente, vise um tempo e

“espaço de troca, de criação, de relações amorosas e solidárias” (ALVES e OLIVEIRA, 2002,

p. 11). Diríamos com Spinoza: “encontros” de pura intensidade a lançar fluxos de desejo, que

só se produzem e se movem por rizoma a provocar o crescimento nas dimensões dos

agenciamentos, em que sua natureza muda, à medida que suas conexões aumentam.

Resumamos as principais características de um rizoma: diferentemente das árvores

ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e

cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele

põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não signos. O

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rizoma não se deixa reduzir nem ao uno nem ao múltiplo (DELEUZE &

GUATTARI, 2011, p. 43).

O rizoma se faz por “direções movediças” (ibidem), sem unidades e “procede por

variação, expansão, conquista, captura, picada” (ibidem), não possui começo e nem fim, mas

um meio em que cresce e transborda, são multiplicidades, que ao variar suas dimensões, muda

sua natureza e nela mesma se metamorfoseia.

Segundo Gallo (1999) a metáfora do rizoma é uma alternativa interessante para

subverter a metáfora da árvore, herança da modernidade, que é hierarquizada, onde a raiz é o

mito, o tronco a filosofia e as ramificações são as outras disciplinas.

Relembremos algumas metáforas criadas na tentativa de se entender o processo de

criação de conhecimento em todos os tempos e espaços do ser, fazer humano, segundo Alves e

Garcia (1999).

Conhecimento em rede de Certeau, Lefebvre e Latour, em que a grande diferença da

grafia em árvore, diz respeito à consideração de um valor diferente, o da prática social,

movimento em que se tenta “dar à prática a dignidade de fatos culturais e de espaço de criação

de conhecimentos” (ALVES, 1999, p.115). Movimento ligado aos processos desenvolvidos

com a informática, comunicação e campos de conhecimento não disciplinares como a

engenharia genética, os estudos sobre cidades, em que a grafia de rede se impõe aos processos

de criação. “A linearidade e a hierarquização dão lugar a múltiplas conexões e interpretações,

produzidas em zonas de contatos móveis” (ibidem).

Rede de subjetividades a partir de redes de contextos cotidianos de Boaventura de

Souza Santos.

Foucault ao caracterizar a capilaridade do poder, inverte o centro das preocupações

com o poder ao buscá-lo na base das relações sociais e, não no topo como nos estudos

anteriores. Poder como rede ou “teia de renda” uma multiplicidade de correlações de forças

imanentes a seus domínios, ou seja, enraizado na realidade cotidiana. O conhecimento é

essencialmente político. Saber e poder interligados tanto o poder produz saberes quanto o

saber põe a funcionar poderes vários. Em seus estudos sobre o poder, transitou por campos da

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Filosofia, da História da Medicina e da Psicologia, rompendo a compartimentalização dos

saberes contemporâneo. Uma trajetória transversal.

Trajetória transversal, rizomática, que em acordo com Gallo, (2001) a metáfora do

rizoma é potencialmente mais libertária que a da rede.

A metáfora da rede tem sido utilizada como outra possibilidade de se pensar o

conhecimento, formado por múltiplos fios e nós de interconexões. Mas mesmo a rede

parece um tanto ordenada, embora rompa com a hierarquia do modelo arbóreo. Mais

caótico e, portanto, absolutamente não hierárquico e potencialmente mais libertário

parece-me o modelo do rizoma de Deleuze e Guattari (GALLO, 2001, p.175, 176).

[...] amparado por filósofos franceses contemporâneos, como Foucault e Deleuze,

tenho trabalhado a ideia de transversalidade aplicada à produção e circulação dos

saberes. E ela pode ser estendida também à educação, ajudando a pensar um

currículo não disciplinar (ibidem, p. 174).

Deleuze & Guattari criam o conceito de transversalidade para pensar em possíveis

maneiras para a escrita de um livro31 e subvertem a relação de transferência entre paciente e

terapeuta, na psiquiatria, para uma relação de multiplicidade. Gallo (2001) trabalha esse

conceito de transversalidade na produção e circulação de saberes, em que o mapa de saberes

seria “como imenso rizoma, um liame de fios e nós, sem começo e sem fim” (ibidem, p.176)

com infinitas possibilidades de trânsito “entre eles, sem nenhum vestígio de hierarquia”

(ibidem). O acesso transversal na organização curricular:

[...] significaria o fim da compartimentalização, pois as gavetas seriam abertas;

reconhecendo a multiplicidade das áreas do conhecimento, trata-se de possibilitar

todo e qualquer trânsito entre elas (ibidem, 1999, p. 34).

No encontro de professores, gestores e outros intercessores ao compartilhar

teorizações, angústias, práticas, cava-se possibilidades de pensar o processo pedagógico

atrelado às reais necessidades da escola, o que exige lugares para encontros, lugares que sejam

“[...] de partilha e de reflexão coletiva” (GALLO, 1999, p. 34) a impulsionar a experimentação

de práticas relevantes no espaço microssocial das escolas. Uma produção de saberes sobre a

prática, que ao se apropriar de maneiras nem sempre autorizadas se inventa e reinventa o

cotidiano, o que “implica acolher diferenças culturais sem hierarquias” (ALVES e GARCIA,

1999, p.13) e abre múltiplas possibilidades à invenção de modos de vida singulares, no espaço

microssocial.

31 No volume 1 de Mil Platôs.

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Nessa empreitada, se faz necessário o mergulho em nossas maneiras de fazer, na

imanência cotidiana, junto com nossos alunos na tentativa de se criar processos educativos a

impulsionar a experimentação de outros modos de vida... Um processo coletivo que nunca

saberemos seu real alcance, apenas a sensação de que marcas de campos intensivos nos

impulsionam a potência da ação, o que remete a um currículo escolar criado na contingência

cotidiana com conexões e agenciamentos a saltarem em campos intensivos, na multiplicidade

da escola, vida.

Um currículo aberto, em devir, que pressupõe conexões abertas entre áreas do saber,

relações, ações e o constante exercício de se interrogar a prática pedagógica, na contingencia

cotidiana, em que campos intensivos se mostram e desaparecem em complexos processos de

enredamentos, inter-relações, negociações em n dimensões, enfim na multiplicidade da vida

com suas infinitas variáveis e possibilidades de agenciamentos.

Tentemos compor uma concepção de “currículo em devir” com os professores e

gestores. Tinel32 (2009) propõe um currículo que privilegie a multiplicidade, em que os

saberes e os componentes curriculares se entrelaçam para além das fronteiras escolares, onde a

continuidade da aprendizagem não se limite à escola e “sim à vontade do educando de

aprender mais sobre o assunto, de construir ações sobre o meio onde vive” (p. 52).

A escola pode “fazer com que as várias áreas do saber se articulem” (ibidem),

deixando de ser fragmentada. A autora ao estudar sua própria prática observa que é possível

criar um processo pedagógico em ciclos com alunos de diversos níveis. A Secretaria de

Educação Municipal de Campinas propõe ao Ensino Fundamental os ciclos de aprendizagem

“com a finalidade de romper com a compartimentalização do ensino e diminuir o fracasso

escolar, respeitando os espaços e tempos de aprendizagens” (ibidem, 21), mas como operar no

processo pedagógico, se:

Nós professores (as) da Prefeitura Municipal de Campinas estamos tão acostumados

à seriação, pois nos formamos assim e foi assim que trabalhamos até 2008, que nos

perguntamos: - Como será trabalhar com ciclos de aprendizagem? Como

redimensionar o currículo neste novo modo temporal de aprender? Como avaliar

dentro do ciclo? Como coordenar um grupo de professores (as) de um determinado

ciclo para que caminhem juntos nesse novo modo de pensar? (ibidem, 22).

32 Professora de Ciências e gestora.

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São questionamentos que mostram os desafios a serem enfrentados para pensar o

processo pedagógico via ciclos de aprendizagem. Como mudar práticas em que estamos

imersos, desde os primeiros anos escolares até a graduação e, de repente como num passe de

mágica temos que mudar para problematizar situações mais compatíveis com nossa

contemporaneidade. Entretanto, ela lembra sua experiência com uma turma de alunos de

diversos ciclos no estudo do tema “A Otimização do Consumo de Energia Elétrica no Bairro

Jardim Maria Rosa33”, que aponta uma possibilidade do apreender em ciclos, a partir de

escolha de temas pelos estudantes, em que no exercício de fazer escolhas e assumir

responsabilidade:

[...] cada participante estabeleceu seu nível de aprendizagem, onde todos puderam

compartilhar e adquirir conhecimentos. Essa dinâmica propiciou o agrupamento de

alunos e alunas dos vários ciclos e contribuiu para a integração, crescimento,

aprendizagem e para diminuir a cultura da violência na escola (TINEL, 2009, p. viii).

Talvez, o mais importante no trabalho com projetos dessa natureza seja o estudo do

tema de forma transversal entre diversos campos do conhecimento e ainda,

possibilitam diversos níveis de aprendizagem (faixas etárias) adequando-se os

conceitos, procedimentos, métodos a cada fase que se encontra cada aluno / aluna

(ibidem, 36).

Outra professora, Denilda Altem (2009) propõe na mesma direção um aprender

esquizo, a partir de problematizações a romper fluxos instituídos e seguir o rumo desejado por

alunos e professores no processo pedagógico ao se atuar como “professores não de disciplinas,

mas configuradores de pesquisas. Que pesquisa, qual corpo, que currículo eu invento?” (2009,

p. 63).

São indagações associadas a uma vontade de saber sobre o fazer cotidiano, em que a

realização de sua pesquisa contribui na produção de novos saberes e, ao mesmo tempo se

experimenta formas de pensar, fazer na prática cotidiana. Um processo que exige a constante

disponibilidade para o “apreender” sobre as mais variadas coisas. O conceito de rizoma

contribui para se pensar a escola.

Somos parte de um rizoma social, não estamos fora e nem dentro, não somos começo

e nem fim, somos o meio. As rupturas se engendram, os buracos se abrem dando

33 Esse trabalho foi realizado na escola EMEF Virginia Mendes A. de Vasconcellos, situada “na periferia de

Campinas, região Sudoeste da cidade, com elevado índice de pobreza e que recebe meninos e meninas das mais

diversas regiões do país e de famílias de baixa renda” (TINEL, 2009, p. 15). Participaram desse estudo a diretora

Mariangela Modé, a coordenadora pedagógica do NAED SUL Miriam Camargo e Rosana Tinel que nesse

momento atuava como vice-diretora.

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passagem ao inédito nas produções dos nossos alunos. Um rizoma pressupõe uma

multiplicidade. O processo de pesquisa facilita germinações e rizomas e exige de

professores e alunos certo desbravamento (ALTEM, 2009, p.26).

Um currículo em que “não estamos fora e nem dentro, não somos começo e nem fim”,

mas sempre de passagem na multiplicidade de possibilidades, seguindo exigências de saberes

e ações, em acordo com as necessidades dos assuntos em estudo, escapando das propostas

prontas e ordenadas via currículos oficiais. Proposta vivenciada por Altem (2009) com um

grupo de professores participantes34 do “Projeto Ciência na Escola”, que tem como parâmetro

o aprender via problematizações do cotidiano e sistematizações de suas pesquisas, em uma

escola da periferia de Campinas como todos os demais participantes deste estudo. São alunos e

professores problematizando assuntos de seus interesses na multiplicidade do cotidiano

escolar. Nesse percurso a autora se interroga em relação ao grupo de professores, onde

inicialmente se buscou:

[...] problematizar a importância do grupo em projetos de pesquisa na educação, pois

as ações coletivas favoreceram o processo de elaboração e avaliação das pesquisas

dos professores e alunos. Posteriormente a importância da formação continuada no

desenvolvimento pessoal e profissional de alunos e professores pesquisadores

(ALTEM, 2009, p. 23).

Garcia (2004) avalia a constituição dos grupos formados por professores de diversas

escolas, no Projeto “Ciência na Escola”, em que a mudança do caráter fragmentário, serial

“para o caráter integrador (e acolhedor) das comunidades” (p. 172) foi acontecendo

gradativamente à medida que havia encantamento de uns com os outros em relação aos

assuntos estudados e compartilhados. Isso também acontecia nos grupos das escolas, como

aponta Altem: “As reuniões dos grupos de professores na escola e os trabalhos coletivos

desenvolvidos com os alunos vão contagiando outros colegas que nem sempre estão

envolvidos” (ALTEM, 2009, p. 16).

São processos de pesquisa semelhantes à cartografia, em que fluxos de desejo na

contingência cotidiana vão delineando os caminhos da pesquisa, tanto no processo pedagógico

com os alunos como no estudo de suas próprias práticas, uma maneira de produção de saberes

“em constante devir, além das fronteiras das ciências, que se encontram no mundo da

34Trabalham na EMEF João Alves dos Santos 2003. Denilda Altem, Geografia; Durival José Gasparoto, Relações

Econômicas; Wolney Colussi, História; Renato Horta Nunes, Educação Física e outros que não participaram do

curso de Especialização.

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pesquisa” (ibidem, p. ix). Aprender e fazer ao mesmo tempo. Vai-se a campo encontra

“elementos” da realidade e volta para confrontar com outros saberes e produzir o “novo” sobre

aquela situação em especial. Um processo que pode ter início de qualquer área do saber e

porções da realidade a serem problematizadas.

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Apreendendo a realidade cotidiana...

Um apreender no contexto microssocial, em que à medida que se exercita o processo

de fazer a partir de seus próprios caminhos e “vontades”, aluno e professor são desafiados a

criar juntos maneiras para a ação no cotidiano.

Os conhecimentos matemáticos possibilitam estudos de porções da realidade ao se

elaborar modelos matemáticos e estatísticos, que nos ajudam na compreensão de determinadas

situações de forma ampla, pois para se encontrar parâmetros para a elaboração de um modelo

se faz necessário estudo, que não se limita a determinada área do conhecimento, mas transita

por diversas.

O traço marcante da modelagem é o da compreensão e interpretação de uma situação

real problematizada, na tentativa de formalizar um modelo para ação nessa realidade,

como um artesão que reproduz na argila o objeto observado, porém na linguagem da

matemática. Após encontrar soluções no universo da matemática volta-se à

realidade para interpretá-la na linguagem do mundo real. Um modelo tem sempre um

caráter utilitário e de mobilidade, ele serve ou não serve (DAMIN, 2004, p. 40).

Modelo para ação na realidade sempre com caráter de mobilidade, ele pode me ajudar

a compreender determinadas situações. Rodrigues (2009) nos mostra como elaborou um

modelo matemático, a partir das aspirações da comunidade escolar, nas reuniões da Comissão

Própria de Avaliação35, que é uma exigência da Avaliação Institucional Participativa36, que

possibilita maior participação da comunidade escolar nos rumos da escola. Os participantes

elencaram como uma das prioridades a qualidade do aprendizado e a partir dos elementos

considerados, que deveriam existir na “escola de qualidade”, criou-se um modelo matemático

denominado “quantificador numérico”, que facilitava a visão do panorama da avaliação dos

alunos por trimestre e a partir daí se buscava outras ações.

Obviamente, que este número representa um movimento que em si só, não indica a

força da ação, mas servirá de início para análise do processo iniciado no trimestre e

se aquela alteração foi real, se necessita de ajuste ou mesmo se deve ser descartado

(RODRIGUES, 2013, p. 78).

35 Na EMEF Professor Benevenuto F. Torres, Campinas, SP.

36Avaliação Institucional Participativa: LDB nº.9394/96 – O Projeto Pedagógico abrange todas as propostas e

ações da Unidade Educacional, envolvendo todos os que dela participam: família, comunidade e sua cultura,

professores, funcionários, pessoal administrativo, pedagógico e especialistas da saúde e Serviço Social. (Portaria

SME 1163/90, publicada no DOM Campinas, 14/nov./1990)

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Um processo coletivo na Comissão Própria de Avaliação que assume os rumos da

escola com outros olhares a antigos problemas, pois suas propostas estavam sendo pensadas

no coletivo da escola em que as ações conjuntas se mostram mais eficientes.

Podemos começar a produzir conhecimentos novos sobre as ações e relações no

ambiente da escola, a partir de dados empíricos, onde a comunidade encontra sentido

palpável naquilo que produz, tornando-se mestre e aprendiz ao mesmo tempo e

criando rizomas de ações e aprendizados, numa infinidade de caminhos a

delinearem-se constantemente no percurso (RODRIGUES, 2013, p. 84).

Em relação à prática em sala de aula o criar rizomas com os alunos se deu na

problematização da produção do lixo na escola, em que alunos ao quantificarem os lixos

produzidos por eles mesmos vão apreendendo saberes de diversas áreas e exercitando posturas

de responsabilidade sobre a vida cotidiana em relação ao desperdício e seu custo para a

natureza. Um processo, em que do pensar junto encontrariam destinos para o lixo produzido

na escola, o que poderia ser reciclado, qual período ou classe produzia mais lixo, etc... Nesse

processo, em um determinado momento “ocorreu quase que um silêncio dentro da sala e

começam a pensar em meios de poder fazer este planejamento. Houve ideias do tipo: Vamos

juntar todo o lixo e pesar?” (RODRIGUES, 2009, p. 38).

O processo compartilhado nas pesquisas sobre a produção de lixo na escola mostra

“algo diferente do que apenas a destruição: a aprendizagem do conhecimento escolar de forma

transversal” (ibidem, 2013, p. 83).

Outro estudo que mostra uma forma de apreender calcado na realidade se refere à

cartografia e matemática. “O saber escolar foi sendo construído ao relacionar conceitos

matemáticos e cartografia do bairro e da escola, nos recortes da pesquisa como recortes de

vida de cada um” (LATARINI, 2013, p. 54), em que no tecer a matemática dos mapas na

cartografia da escola transita por aspectos aritméticos, históricos, geográficos, biológicos e

outros.

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Um exemplo, o estudo de algumas

árvores do entorno da escola... O tronco de uma

árvore cortada foi aproveitado no processo do

apreender.

Com o uso de barbantes os alunos

transpuseram a circunferência da árvore para o

caderno após medirem o tronco cortado como

mostra a figura de número 8:

[...] elementos das circunferências concêntricas, coletando dados sobre as

circunferências, como o centro, área através do tronco de algumas árvores, diâmetro,

raio, estudo de circunferências concêntricas, etc.. (ibidem, 2009, p. 30).

Essa forma de apreender torna o olhar mais atento ao mundo e a enxergar os

conhecimentos escolares em todos os lugares. Em uma visita a estação trem “Anhumas” de

Campinas, SP, em que uma antiga “Maria Fumaça” faz um percurso turístico da cidade de

Campinas a Jaguariúna, observaram características das construções de determinada época,

relacionando “as medições das árvores com as suas próprias alturas e a proporção da porta do

casarão e o casarão. Ali percebi o resultado das medições da escola” (ibidem, p. 33).

Outra professora Joana Olaf aproveita o “acontecimento” Jogos da Amizade37 para

apreender o ferramental da estatística, na organização dos times para os jogos.

A pesquisa durante os Jogos da Amizade possibilitou-nos a alunos e professores a

leitura e interpretação dos dados vivenciados e coletados na própria escola, num

evento de grande significado para eles (OLAF, 2009, p. 21).

O objetivo desse trabalho com os alunos da 8ª série foi analisar estaticamente, as

seis modalidades de jogos no evento dos Jogos da Amizade e fazer análise

37“O Subprojeto Jogos da Amizade na EMEF Professor Vicente Ráo estava inserido no Projeto de Pesquisa:

“Trabalho Integrado na Escola Pública: participação política-pedagógica”, desenvolvido em conjunto com a

Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/FE com apoio financeiro da

Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP que tinha por objetivo: Trabalhar a integração

entre os diferentes componentes curriculares, diferentes profissionais (equipe gestora, professores, equipe de

apoio, equipe administrativa) promovendo o trabalho coletivo na unidade escolar e promover a cidadania por

meio da participação dos alunos e pais em atividades que envolvam o convívio social e político”

(ROCKENBACH, 2009, p. 58).

Figura 8. Estudo de elementos da circunferência

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comparativa entre as preferências de jogos, entre as equipes, entre os subtotais

durante a semana do evento e finalmente entre o resultado final (ibidem, p. 29).

Os gráficos e tabelas elaborados com o resultado dos Jogos da Amizade propiciaram

a utilização da linguagem matemática e seus conteúdos relacionados a diversas áreas

do conhecimento na realidade de alunos e professores (ibidem, p.30).

Um evento que atravessa as salas de aulas, os corredores e arquibancadas a impulsionar

o apreender sobre o que surgisse de vontade de saber com especial atenção às posturas

exercitadas no espaço microssocial. Um processo compartilhado com professores e alunos da

escola inteira, nas palavras da professora Ieda Rockenbach de Educação Física.

O traço marcante do caminho percorrido nesses jogos, em três anos, foi a mudança

de postura na maneira de encarar esse evento, não mais como atividade meramente

competitiva nem específica da área de Educação Física, mas sim como um evento de

integração entre a comunidade escolar, transformado os jogos competitivos em jogos

cooperativos (ROCKENBACH, 2013, p. 59).

“Integração” da comunidade escolar como momentos de diálogos e o constante

repensar do processo pedagógico por “professores de todas as áreas do conhecimento com a

coordenação da orientadora pedagógica” (ibidem) sobre possibilidades de sua apropriação

para a produção de saberes a partir dele, um processo pedagógico coletivo:

[...] constituído por reuniões com discussões conceituais, avaliação dos

procedimentos realizados e proposição de ações, que se constituíram em espaços

político-pedagógicos de ação/reflexão/ ação na escola, permeados por assuntos

relacionados ao processo da pesquisa e ao cotidiano da escola (ibidem, 2009, p. vi).

Projeto coletivo, em que se evidencia o atravessamento de saberes sobre o evento

“Jogos da Amizade” ao envolver todos os professores da escola. Em relação ao corpo discente,

a mistura de alunos, de anos diferentes numa mesma equipe favoreceu o “encontro” com os

demais, gerando novas amizades e a diversão entre seus pares e também com outros

segmentos da escola. Processo coletivo que possibilitou à professora uma visão mais clara de

seu papel de professora e pesquisadora de um processo, que visava “a transformação de uma

ação individual em prática coletiva” (ROCKENBACH, 2009, p. vi). Pesquisadora da própria

prática em um movimento de reflexão sobre a ação, que impulsiona “a construção de saberes e

estratégias de ação, com a participação ativa de todos os implicados” (ibidem, p. 21) e a

criação de outras maneiras de se atuar na realidade da escola e, surge outra maneira de olhar

para o currículo, que transita entre diversos campos de saberes. Isso exige o constante diálogo

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entre os professores das diversas as áreas do saber e os gestores. Vejamos como se deu esse

movimento:

O Projeto de Pesquisa favoreceu o diálogo com os envolvidos no processo escolar,

mesmo entre aqueles que não participavam diretamente do evento. As decisões sobre

a organização escolar, e mais especificamente do JA, passaram a ser tomadas em

conjunto. Desta forma os envolvidos passaram a se sentir respeitados e promotores

de mudança na maneira de gerir a escola pública (ROCKENBACH, 2013, p. 59).

O que significa que a produção de saberes não é posta de antemão, mas delineada no

percurso, a partir dos fluxos de desejo dos envolvidos, calcado no acontecimento, em que

pequenas ações podem gerar importantes diferenças e abertura de novos caminhos no

ambiente microssocial, na contramão dos fluxos instituídos e políticas impostas. O professor

Renato Horta Nunes observa em suas pesquisas lacunas e silenciamentos em relação aos

saberes dos alunos e também do professor em relação à sua prática nos cursos de formação dos

professores e propõe: “um currículo, abrangente, uma cartografia sobre o movimento e as

atividades corporais, numa perspectiva de multiplicidade” (NUNES, 2009, p. vii).

Um currículo que parte do cotidiano do aluno e não de “[...] racionalizações abstratas

de um saber previamente produzido (GALLO, 2009)”, onde o cavar em meio ao caos e burlar

o aparelho de controle se tornam constantes na produção de saberes com relevância para a

comunidade microssocial. Segundo Nunes, (2009) pode diminuir “lacunas e silenciamentos

em relação aos saberes dos alunos e também do professor em relação à sua prática” (p. vii),

um processo que exige agenciamentos completamente “fora” do previsto pela instituição

escola. A produção da própria vida com outras visões de mundo....

As professoras de Educação Artística e Língua Inglesa ao vivenciar o processo

pedagógico, em parceria com alunos38 de um sexto ano do Ensino Fundamental, a partir do

artista brasileiro “Candido Portinari39” utilizaram “tecnologias como instrumento para a leitura

de textos escritos em inglês sobre o artista Cândido Portinari” (LOPES, 2009, p. 66) e para

estudo “de imagem pictórica através de instrumentos tecnológicos” (ibidem). Os alunos

38 Na EMEF Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, Prefeitura Municipal de Campinas, ano de 2008.

39 Cândido Portinari. Nascido na cidade de Brodosque, no estado de São Paulo, em 29 de dezembro de 1905.

Filho de imigrantes Italianos, formado pela Escola Nacional de Belas Artes sua obra abrange mais de 5.000

trabalhos, entre eles o painel “Guerra e Paz” que fica na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York.

Político do Partido Comunista eleito senador em 1947. Morreu em 1962, envenenado por chumbo, que havia na

composição de suas tintas.

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sugeriram pesquisar na “rede mundial de computadores a história de vida de Cândido

Portinari. Suas obras, cidade natal, países onde morou” (ibidem).

No “encontro” com o artista “Candido Portinari” e a fruição da professora e alunos

diante dos painéis “Guerra” e “Paz” do artista Candido Portinari Guimarães (2013) observam

que estavam se “educando para ‘pensar’ e, por que não dizer, para ‘ver1 com o mestre

Portinari. Era a contramão da compulsão do saber, era a possibilidade de ‘fazer parte’”

(GUIMARÃES, 2013, p. 21). Lembrando que na confecção desses painéis Portinari trabalhou

costurando diversos quadros feitos anteriormente sem:

[...] um plano prévio para orientar a costura, apenas a decisão de remexer naquele

conjunto de retalhos ao invés de outro. Os retalhos são arrumados segundo

possibilidades de ‘encaixe’ descobertas no manuseio e presos uns aos outros como os

fios de uma narrativa (GUIMARÃES, 2009, p.49).

No processo pedagógico que ela denominou de “O exercício do olhar e a criação de

saberes” com seus alunos, a partir dos dois painéis a “chave de fruição” (ibidem, p. 43)

dependia do “[...] movimento dos olhos dos alunos, no desenho, que nos indicaria dentre as

diversas cenas, a mais valorosa” (ibidem). Isso após “muito pensar junto, nós e os alunos

concluímos que só poderíamos estudar os painéis aos pedaços, ou aos retalhos” (ibidem, p.

46), selecionando imagens significativas para alunos e professora.

A maior parte do estudo sobre os pequenos quadros foram feitos em relação as suas

linhas de composição, experimentando pintar à maneira de Portinari, porém na direção

contrária, porque Portinari criou os grandes painéis na composição de diversas pequenas obras

de arte; alunos e professora faziam o contrário, retiravam pequenas obras ao escolher as

imagens. Nesse percurso: “Fizemos nossa primeira descoberta que definimos assim: pintar é

mais do que colorir, é integrar a forma com a cor na expressão de um sentimento” (2013,

p. 25), chegaram a essa concepção que consideram uma das mais importantes, porque “foi

realizada por alunos no exercício da criatividade, em pesquisa na sala de aula” (ibidem).

Na imersão da professora com seus alunos nas obras de Portinari passeiam por tempos

e lugares, como no estudo da obra Brodowski, sua cidade natal, que retrata a época, que “não

havia asfalto ou calçamento, as ruas eram de chão de terra e os meninos brincavam no meio da

rua” (ibidem, p. 24).

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Os alunos escreveram sobre o que viam e comentaram sobre o que lhes

impressionava.

Muitas vezes a visão do aluno não é estudada por nós professores. Ao visitar obras

nos museus lhes é dada a visão formal de um monitor. Notamos que é sobremaneira

relevante conhecer a visão do aluno para melhor compreender como pensa, vê e sente

o mundo e as coisas (ibidem).

Guimarães observa que o estudo da obra de arte, além de exercitarem a criação

artística, ainda possibilitou associações entre o quadro e a vida real e consequentemente o

trânsito por diversas áreas do conhecimento o que tornou o “aprendizado mais significativo

para o nosso aluno” (ibidem).

Os efeitos provocados pelo exercício do olhar dos alunos sobre os painéis “Guerra e

Paz” surpreenderam a professora.

[...] ao falarem de gestos, sentimentos e atitudes que lhe tocaram a primeira vista.

As cores, as formas e o estilo de representação ficaram como que em segundo plano

para quase todos os alunos, foi realmente uma descoberta para nós que convivemos

com os alunos, mas que poucas vezes temos o cuidado de pesquisar os seus olhares,

as suas percepções diante de uma obra de arte (ibidem, 23).

Uma maneira de produzir saberes em parceria. O aluno aprendendo sobre a arte e o

mundo e a professora conhecendo melhor seu aluno e experimentando outras formas de ação

pedagógica. “Interessante como o meu conceito de pesquisa ganhara outra dimensão (2013, p.

23)”, citando Nietzsche ela continua:

Quem deixa que se interponham entre si as coisas, conceitos, opiniões, passados,

livros, quem, portanto, no sentido mais amplo, nasceu para a história, (grifo nosso)

nunca verá as coisas pela primeira vez e nunca será ele próprio uma tal coisa vista

pela primeira vez (NIETZSCHE, 1988c, p. 404 apud GUIMARÃES, 2013, p. 23).

São práticas que no “fazer com” professores e alunos mergulham na contingência

cotidiana, aproveitando possibilidades de descobertas coletivas em constante invenção de

processos de singulares.

Colussi (2009) ao repensar a escola como repetição de supostas verdades e difusão da

cultura dominante a perpetuar a “uniformização de comportamentos e padrões culturais” (p.

22) salienta que a melhoria da nossa educação depende da prática cotidiana do professor com

seus alunos. “Uma prática que não deve sujeitar-se aos desvios fáceis a que somos

constantemente tentados a tomar, diante das dificuldades que se interpõem em nosso caminho”

(ibidem) e se pergunta: “Como, então, o estudo da história no interior das escolas pode

contribuir para a definição de novas práticas educacionais?” (ibidem).

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Aproveitar a experiência de vida de seus alunos e criar um aprendizado ativo, que ao

mesmo tempo, em que se aprende o conhecimento histórico, se modifica o modelo vigente,

indo além de documentos escritos e da aprendizagem por memorização ao se estimular a

expressão de seus saberes, medos e desejos.

[...] a partir da interação dos alunos, dos relatos das múltiplas vivências, podem-se

estabelecer os pontos comuns e os pontos divergentes dessas histórias de vida,

explicitando as diferenças e, ato contínuo, revelando a existência de determinadas

questões que não são particulares, mas dizem respeito a um grupo social mais amplo.

Trabalhar com a história de vida significa ir além dos documentos escritos e da

aprendizagem por memorização, onde o aluno assume um papel passivo, como um

receptáculo de informações e datas, que não lhe permite reconhecer sua própria

historicidade (ibidem, p. 26).

Processo pedagógico, experimentado ao se aprender “História a partir da história de

vida de alunos, em classes de 6º ano do ensino fundamental no ano de 2008, na EMEF João

Alves dos Santos” (ibidem, p VI), partindo do “princípio de que somos agentes da história e

possibilitar ao aluno reconhecer-se como tal, valorizando seus saberes e experiências”

(ibidem). Para isso foi necessário um estudo sobre os elementos que compõe a história e o

próprio sentido do termo história e:

[...] o de realidade histórica, ou seja, o conjunto dos fenômenos pelos quais se

manifestou e se manifesta a vida da humanidade, compreendendo, portanto, o vivido;

o de conhecimento histórico, sendo a história, agora, o trabalho de pesquisa e análise

do movimento do mundo e das coisas, finalizando com o registro da pesquisa numa

obra histórica.

O historiador não observa diretamente os acontecimentos estudados. ‘Não lidamos

com uma ciência experimental que simula em laboratório personagens, revoluções,

formas de trabalho ou viver’ (MIRANDA, 2007, p. 60).

O conhecimento histórico se dá por meio de vestígios, de pistas que são encontrados

nas fontes históricas (COLUSSI, 2009, p. 27).

Uma introdução ao estudo de história calcado no contexto em que “os homens

articulam sua experiência no tempo, orientam-se no caos das modalidades potenciais de

desenvolvimento, marcam com enredos e desenlaces o curso muito complicado das ações reais

dos homens” (NUNES, 1988, p. 16 apud LIMA, 2009, p.51).

Uma forma de aprender e pesquisar no campo da história que rompe com a visão de

uma história pronta e acabada e escapa do conhecimento apenas bibliográfico e, ao mesmo

tempo resgata suas próprias histórias, os fatos que marcaram suas vidas.

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A vida cotidiana do bairro, por exemplo, salta aos nossos olhos à medida que os alunos

vão trazendo suas histórias recheadas de sonhos, dor e desafios, formando intensidades em

suas múltiplas matizes a tecer a grande teia de saberes. A migração é um fator comum na vida

da maioria dos alunos dessa escola, que ao se deslocar “[...] deixa para trás muitos traços de si

mesmo, imagens do lugar abandonado” (COLUSSI, 2009, p. 37), que se fazem presentes em

suas memórias. O novo espaço estranho, diferente vai sendo apropriado, na medida em que se

olha com atenção, “o sentimento de pertencimento vai sendo construído” (COLUSSI, 2009, p.

40) é o que evidencia a aluna Bárbara que antes sentia medo de caminhar no bairro, mas que

hoje, conhecendo-o melhor não se preocupa mais. Um processo pedagógico que:

Permite a emergência de outras vozes e outros saberes que são comumente

silenciados ou invalidados, muitas vezes de forma sutil, a partir das relações de poder

que se estabelecem em todos os momentos e espaços da sociedade (COLUSSI, 2013,

p. 134).

[...] abre a possibilidade para a realização de outros projetos de pesquisa como a

história de comunidades e instituições, o registro de tradições culturais, a trajetória

de indivíduos, famílias ou grupos pertencentes a diferentes camadas sociais,

gerações, sexo, profissões, religiões etc. (ibidem, 2009, p.43).

Professor e alunos ao tomarem contato com questões complexas de suas vidas e bairro

apreenderam sobre a história da cidade e do país, destruindo o mito do saber pronto e acabado

e da história como verdade absoluta. Os saberes históricos vão sendo apreendidos, não de

forma linear, mas associados ao contexto, atendendo a necessidades de compreensão dos fatos

em estudo, disparando conexões com outros contextos e momentos históricos, portanto o

currículo escolar vai se fazendo no processo.

Desenhar a história com a história / saberes dos alunos implica em trânsito por diversos

saberes a partir de fragmentos de memória de outros tempos, pois “restabelecer o vivido é uma

tarefa impossível. O que nos é permitido restringe-se à recuperação de alguns momentos que

ficaram registrados na memória ou em outro tipo de documento” (COLUSSI, 2009, p.27).

Apreender o cotidiano no estudo escolar dá visibilidade aos feitos e transformações possíveis

por pessoas comuns, uma maneira de saber sobre a história do lugar, que:

[...] ganha, necessariamente, contornos temporais e espaciais. Não se trata, portanto,

de proporem conteúdos escolares da história local, de entendê-los apenas na história

do presente ou de determinado passado, mas de procurar identificar a dinâmica do

lugar, as transformações do espaço, e articular esse processo às relações externas, a

outros ‘lugares’ (LIMA, 2009, p. 51).

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O desenvolvimento do trabalho com história de vida permite, igualmente, o estudo

da vida dos homens em outros tempos e outros lugares, tratando de questões que

levem em conta também as experiências, os interesses e os questionamentos que os

alunos trazem para a escola (COLUSSI, 2009, p.43).

Observamos nesses professores autores um currículo desenvolvido de forma

transversal, a partir de situações problematizadas, que se transformam em dispositivos

disparadores de afetos a gerar campos intensivos no interior dos espaços e tempos da escola,

impulsionando o inventar caminhos, no exercício do apreender posturas, relações interpessoas,

saberes no coletivo da escola, enfim sobre o mundo em que se vive.

São professores que estão sempre a buscar outras formas de se atuar na escola. A

professora Silvana Amaral nos mostra um pouco de um processo de experimentação no

processo pedagógico ao longo de seu exercício no magistério com os livros didáticos

oferecidos pela escola, a sua insatisfação e a dos alunos:

Experimentei. Não em um único ano, mas ao longo dos últimos anos, exercendo a

mesma função. Experimentei os livros didáticos e não gostei. As atividades ali

encontradas não despertavam a curiosidade, não permitiam que a imaginação fluísse,

eram mecânicas, repetitivas e não se podia escrever nos livros, era necessário que

tudo fosse copiado no caderno, já que esse livro não lhes pertencia, seria utilizado

por outras crianças nos próximos anos. Os alunos também não se motivavam com as

atividades dos livros didáticos. Eu não percebia motivação e interesse deles pelas

atividades (AMARAL, 2009, p. 20).

Livros didáticos nem sempre são interessantes e suficientes para despertar o interesse,

mas podem ser usados para contribuir na compreensão de determinados saberes se estiverem a

serviço de assuntos escolhidos pelos alunos. Nesse processo Amaral (2009) decide produzir o

próprio material didático40 com seus alunos.

[...] no ano de 2005, resolvi mudar a forma de trabalhar com os alunos, resolvi

trabalhar com pesquisa, definíamos um tema, pesquisávamos e os alunos produziam

seu material didático. E aí tudo mudou: a motivação surgiu, o interesse havia sido

despertado, a curiosidade estava latente.

A sala de aula continua movimentada, alunos andando, falando, gritando, afinal são

crianças, são alegres, têm energia sobrando... Porém, produzem, aprendem,

envolvem-se com a pesquisa e sentem prazer em realizar as atividades.

O trabalho com pesquisa trás sentido ao aprender. Eles percebem que podem buscar

o conhecimento, que são capazes, inteligentes, que podem superar suas dificuldades

(ibidem).

40 Essa experiência da professora é anterior ao nosso curso

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“Os alunos produziam seu material didático”, um apreender como ação, no exercício

de se experimentar, apropriar tomar para si e não apenas a passividade do repasse de

informações na exposição oral, que faz parte, mas não se reduz a ela. Processo pedagógico, em

que os livros didáticos de diferentes séries são oferecidos aos alunos e cada um escolhe o que

considerar mais atrativo e assume o seu próprio processo de aprendizado. Essa dinâmica exige

um cuidado em não subestimá-los, achando que esse ou aquele material não será

compreensível, mas deixá-lo que decida por si mesmo. Vejamos o que diz a aluna:

Essa pesquisa foi a primeira em todos os anos. Pegamos livros de 7ª série, 5ª série e

8ª série. Foi legal também pegar livros de outras séries e estudar perguntas diferentes,

ver como o mundo era antes e como é agora, como as pessoas viviam antes e como

vivem agora. Foi legal também pesquisar outras coisas na internet, tirar cópia e

também copiar coisas da lousa, que a professora ia lá e pesquisava pra gente e que

também nós pesquisávamos e pedíamos pra professora passar na lousa. Quando a

professora pedia para nós pegarmos o dicionário e achar aquela palavra desconhecida

nós procurávamos. Adorei esse ano! (aluna Beatriz Cristina da Silva, Aluna do 5º

ano D, 2008 apud AMARAL, 2009, p. 26).

A pesquisa, como ferramenta básica, possibilita estudar e investigar determinados

assuntos, de tal forma que o aluno ao se apropriar do conhecimento acumulado

universalmente, constrói um conhecimento novo para ele, de forma transversal, pois para se

compreender assuntos da realidade transitamos por diversas áreas do conhecimento.

Observamos alegria na fala da aluna Beatriz e como nos diz Paulo Freire a atividade docente e

discente não se separa e pode ser uma experiência alegre.

É falso também tomar como inconciliáveis seriedade docente e alegria, como se

alegria fosse inimiga da rigorosidade. Pelo contrário, quanto mais metodicamente

rigoroso me torno na minha busca e na minha docência tanto mais alegre me sinto e

esperançoso também. A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz

parte do processo de busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura,

fora da boniteza e da alegria (1999, p.160).

Amaral (2009) avalia que o papel do educador não é o de transmissor de

conhecimentos, mas de orientador a auxiliar o aluno a encontrar, organizar e gerir suas

pesquisas. Um apreender como ação, no exercício de se experimentar, apropriar tomar para si

e não apenas a passividade do repasse de informações na exposição oral, que faz parte, mas

não se reduz a ela. Um fazer pedagógico compartilhado por aluno e professor com atenção

constante às pequenas pistas que apontarão os próximos rumos a seguir no processo

microssocial em um complexo movimento semelhante:

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A água, a areia, a força das marés, a influência da lua. A atuação do professor, sua

história de vida, as diretrizes e tendências curriculares, as forças sociais, políticas e

institucionais. São forças e dimensões que se encontram misturam, remexem,

transformam, passam por momentos de um turbilhão, se desconstroem e se

constroem novamente, se (re) estabilizam, (re) organizam, se (re) direcionam: um

movimento cíclico, abrangente, múltiplo, complexo (NUNES, 2009, p.1).

Seguir os fluxos de desejo no processo educativo ao se problematizar a prática

cotidiana e teorizá-la, impulsiona o mergulho em questões, antes consideradas por alguns

como responsabilidade dos outros, um exercício que traz maior clareza e nos assumimos como

parte do processo e o que chamamos de currículo se constitui em processos em devir.

Currículos abertos, abrangentes, participativos cavados em meio ao “caos” em constante devir,

onde nossos corpos a vibrar se movem com a intensa movimentação de fluxos que nos

atravessam a gerar campos intensivos, um processo que se faz e refaz continuamente.

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Campo intensivo 3

O EXERCÍCIO DA ESCRITA E O

CORPO SEM ÓRGÃO DE ARTAUD

O método de Foucault sempre se contrapôs

aos métodos de interpretação. Jamais interprete,

experimente... (Deleuze, 2000, p. 109).

Ao seguir fluxos de desejo, problematizar e teorizar práticas o exercício da escrita em

nome próprio, se constitui em poderosa ferramenta para o abandono de nossas amarras, onde

repetições de posturas, situações que não nos servem mais se desnudam e possibilitam

exercitar o cavar de situações mais relevantes no espaço microssocial. Escrita de si como ética

da singularidade, em que ao se voltar o olhar para nós mesmos, em nossas ações cotidianas se

“incita o reinventar de outras formas de agir na escola” (MODÉ, 2013, p. 119), em narrativas

povoadas por caóticos fluxos, que só se atualizam perspectivamente ao mobilizar potências

impessoais, físicas, mentais, que só nos damos conta em meio ao processo. Escrevo

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atravessada por rastros de encontros, tento compor com os professores e gestores, seus

próprios textos e outros autores levada por memórias de afetos.

Um exercício de escrita que possibilita o desapegar de “organismos estatizantes”,

romper fluxos instituídos, em que o conceito de “corpo sem órgãos” nos ajuda a pensar o

processo de experimentação na escrita. Deleuze retoma a noção de corpo sem órgãos de

Artaud “para marcar o grau zero das intensidades” (GUATTARI & ROLNIK, 2005, p. 382).

Um corpo sem órgãos não quer dizer ausência de órgãos, mas sacudir os organismos e

atirá-los ao vento. Organismos! Estrias marcadas pela religião, psicanálise, educação, crítica,

clínica e tantos dispositivos de controle a marcar nossos corpos. Grau zero das intensidades

parece ser a leveza encontrada, após despojar-se dos organismos e seguir fluxos de campos

intensivos, que sejam relevantes no processo.

O exercício da escrita com os professores e as gestoras se deu em relação à prática

cotidiana, em poesias, contos, ou seja, de forma livre, cada um experimentava o que sentisse

vontade, um exercício de se abrir aos fluxos, espalhar as ideias na tela do computador, no

papel como surgissem com emoção e vida. Um texto em constante devir. Escrita, vida,

encarnada, em que intensos fluxos saltam. Diferente de uma época, que segundo Blanchot,

(2005), Roland Barthes aponta que se pretendia uma mesma maneira de escrita para todos,

acolhida em inocente consentimento, onde a única preocupação dos escritores era a de

escrever bem, de levar a língua comum ao “grau mais elevado de perfeição ou de

concordância com o que procuravam dizer” (ibidem, p.302). Lembrando que segundo Barthes

(1987) a escrita aparece de necessidades administrativas das relações econômicas e por

sociedades extremamente hierarquizadas e fixas. Os povos nômades “nunca tiveram escrita

nem arquitetura: são incapazes de sentir o espaço como fechado, e a escrita é uma forma de

fechar visualmente espaços e sentidos não visuais” (p. 52).

Parece que fechar espaços e sentidos em representações, o que Artaud tentou

desesperadamente driblar, provocando a frase de Foucault (2007), que para ele a linguagem é

“recusada como discurso e retomada na violência plástica do choque, e remetida ao grito, ao

corpo torturado, à materialidade do pensamento, à carne” (p. 531). O teatro da “crueldade”,

que é a própria vida sem diferença entre texto e representação, “com este teatro nós reatamos

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com a vida em vez de nos separarmos dela” (ARTAUD, 2008, p. 34). A escrita como processo

de experimentação, nos impulsiona a reatar com a vida. Aí está uma das potências do seu

pensamento e com Deleuze & Guattari (1996), que empenhemos a nos abrir aos fluxos e não

se fixar em fantasmas como os comercializados pela psicanálise, em significâncias e

subjetivações.

Derrida (2005) em “A farmácia de Platão” lembra que Sócrates compara a uma droga

os textos escritos que Fedro trouxe consigo. Um phármakon, uma medicina que pode ser ao

mesmo tempo filtro, remédio e veneno, que introduz no corpo do discurso todo tipo de

ambivalência, encanto e fascinação como “potência de feitiço, podem ser – alternada ou

simultaneamente – benéficas e maléficas” (DERRIDA, 2005, p. 14). A escritura, phármakon,

o descaminho a “destacar a possibilidade de outras formas de leituras que não se esgotam em

si mesmo, mas se inscreve num jogo de remetimentos, numa relação, não de múltiplos

sentidos, de uma escrita, como disseminação, uma escrita como indecidível” (KUIAVA e

ZEVALLOS, 2010, p.10). “Uma escrita como disseminação” para além do remédio e do

veneno, do bem e do mal, da fala e da escrita no sentido usual, porque para Derrida a escrita

não se limita à dualidades e transborda “para além da oposição tradicional de linguagem oral /

linguagem escrita” (ibidem, p. 9). Transbordamento na disseminação de sentidos,

completamente fora dos sistemas fechados dos discursos. “[...] o discurso, como sistema

linguístico incompleto é produzido pelo jogo de diferenças que se interpõem e organizam

nossa experiência no mundo” (ibidem, p. 10).

No exercício de escrita, na multiplicidade de possibilidades, podemos observar sua

potência esquizo, no rompimento de registros castradores operados pelo aprendizado que

considera apenas o racional, como se não nos mobilizássemos completamente ao ricochetear

de ideias, memórias que afloram, mas também como fármacos no sentido de doses

homeopáticas a reacender potências como a da alegria.

Reencontrei o prazer pela escrita logo no primeiro semestre do curso, na leitura de

textos voltados à nossa prática com discussões pertinentes à realidade do grupo.

[...] o prazer pela escrita foi sendo reavivado dentro de mim. Foi como se alguma

coisa estivesse adormecida desde os tempos da adolescência, quando fazia o meu

diário, e que agora mediante um estímulo tão carinhoso tudo voltasse, sem dúvida,

com mais maturidade (TINEL, 2009, p. 12 e 13).

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Na frase: “Reencontrei o prazer pela escrita” prazer que não significa passividade, mas

uma violência plástica que agita todas as moléculas do organismo e o lança na direção do

Corpo sem Órgãos e consequentemente impulsiona o rompimento de registros castradores da

violência cognitiva da razão, uma máquina de guerra contra esses registros. A autora nos

aponta que dependendo da maneira como propomos o processo de escrita podemos apreender

e impulsionar a experimentação ou paralisar nossa capacidade, não só de escrita, mas de estar

na vida.

Pensar o exercício de escrita na direção de Artaud é pensá-la no por vir, no desvario, na

loucura indo ao extremo de si mesmo, tentando se deixar fecundar por fluxos e não tratá-la

como código como sugere Deleuze, que só conseguiu tratá-la em nome próprio, tardiamente

após ter lido Nietzsche. O gosto de dizer coisas simples em nome próprio é um ato de amor,

que exige um severo exercício de despersonalização, porque antes tem de se abrir às

multiplicidades que nos atravessam.

[...] o gosto para cada um de dizer coisas simples em nome próprio, de falar por

afetos, intensidades, experiências, experimentações. Dizer algo em nome próprio é

muito curioso, pois não é em absoluto quando nos tomamos por um eu, por uma

pessoa ou um sujeito que falamos em nosso nome. Ao contrário, um indivíduo

adquire um verdadeiro nome próprio ao cabo do mais severo exercício de

despersonalização, quando se abre às multiplicidades que o atravessam de ponta a

ponta, às intensidades que o percorrem. O nome como apreensão instantânea de tal

multiplicidade intensiva é o oposto da despersonalização operada pela história da

filosofia, uma despersonalização de amor e não de submissão (DELEUZE, 2000, p.

15).

Ao se abrir às “multiplicidades que nos atravessam” no processo de escrita se

impulsiona o reatar com a vida, como propõe Artaud (2008) para o teatro, que ao invés de nos

separarmos dela em representações teatrais e escritas meramente racionais como a

despersonalização da história da filosofia. “[...] não poderemos nos levar a sério se não

tivermos a impressão muito nítida de que uma parcela de nossa vida profunda está empenhada

nesta ação” (ARTAUD, 2008, p. 34). Ele propõe uma maneira de conceber o teatro tendo o

espaço como ponto de partida para a criação de sua linguagem, de forma que “a noção de uma

linguagem que pertenceria apenas ao teatro poderia confundir-se com a noção de linguagem

no espaço, tal qual se pode produzir no palco e oposta à linguagem das palavras” (ibidem,

p.72). Ele pretendia evitar que o teatro fosse parte secundária submetida ao texto e inverter

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sua ordem em que a palavra estaria presente na cena, mas subordinada ao teatro como

escrevem Fernandes e Guinsburg na introdução da obra “Linguagem e Vida” de Artaud.

É o silencio da palavra/definição aliado à tentativa de despertar, por meio do teatro, o

gesto que dorme em cada palavra.

Com independência do sentido as palavras podem ser usadas de modo concreto, se

possível como objetos sólidos que causem comoções físicas. Esse uso concreto

transforma a palavra em espaço: explora sua entonação, sonoridade e intensidade,

ensaia as possibilidades musicais de pronunciá-la através do ‘deslocamento de ar que

sua enunciação provoca’ (ARTAUD, 2008, p. 21).

A discriminação do espaço como elemento essencial de constituição da linguagem do

teatro soa bastante radical se pensarmos no período em que os textos foram escritos,

quase todos nos anos 30. Radicalidade ainda mais efetiva se consideramos os

‘ensaios de realização dramática’, sem dúvida precursores das criações coletivas

presentes no teatro, sobretudo a partir dos anos 60 (ibidem, p.16).

Para essa transformação se utiliza todas as possibilidades de ação física disponíveis no

teatro “a serviço da produção de verdadeira ação orgânica dirigida ao espectador. A intenção é

recuperar, com meios científicos, algo equivalente a um choque sensorial” (ibidem). Orgânica

como o que carrega toda a força da vida, diferente de organismo que sufoca e a refreia. Teatro

e vida como uma coisa só, não se representa nada, vive-se tudo intensamente. Mergulho nos

sentimentos que poucos ousariam colocar em palavras. Que dirá experimentar. Um constante

exercício de se liberar do organismo e se aproximar do corpo sem órgãos.

Não concebo uma obra isolada da vida. Não amo a criação isolada. Também não

concebo o espírito isolado de si mesmo. Cada uma de minhas obras, cada um dos

planos de mim próprio, cada uma das florações glaciares de minha alma interior

goteja sobre mim.

Reconheço-me tanto numa carta escrita para explicar o estreitamento íntimo do meu

ser e a castração insensata da minha vida, como num ensaio exterior a mim próprio,

que me surja como uma gestação indiferente do meu espírito (ARTAUD, 1991, apud

COELHO PINTO, 2002, p. 73).

Derrida (2009) em “a palavra soprada” diz que Artaud resiste completamente, talvez

como ninguém o fizera antes, a separar a vida da obra “é o próprio protesto contra a própria

exemplificação” (p. 257). Situação em que crítico e médico ficam sem recursos diante da

recusa em significar uma existência, perante uma arte pretendida sem obra, “perante uma

linguagem que se quis sem rastro” (ibidem). Isto é sem diferença entre vida e obra, buscando

manifestação que não fosse expressão, “mas uma criação pura da vida, que jamais caísse longe

do corpo para decair em signo ou em obra, enfim em objeto” (ibidem). Artaud tentou destruir

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a história da metafísica dualista, a dualidade da alma e do corpo, a da palavra e da existência,

do texto e do corpo.

Metafísica do comentário que autorizava os ‘comentários’ porque presidia já as obras

comentadas. Obras não teatrais, no sentido em que o entende Artaud, e que são já

comentários exilados. Chicoteando a sua carne para a despertar até à véspera deste exílio,

Artaud quis proibir que sua palavra lhe fosse soprada longe do corpo (DERRIDA, 2009, p.

257).

“Palavra soprada”, tomemo-la como “furtada por um comentador possível que a

reconheceria para alinhar numa ordem, ordem da verdade essencial ou de uma estrutura real,

psicológica ou de outra natureza” (ibidem). Toda palavra caída do corpo ao se oferecer para

ser ouvida ou recebida, oferece-se em espetáculo e “torna-se imediatamente palavra roubada”

(ibidem, 258). Sair desse ciclo do “pensar”, ainda não começou, nos diz Artaud, sempre se

“corre o risco de voltar à metafísica” (ibidem, p. 288), a composição, a criação a fazer-se na

materialidade da vida, no espaço real “e o resultado definitivo permanecerá tão rigoroso e tão

determinado como o de qualquer obra escrita, tendo a mais imensa riqueza objetiva”

(ARTAUD apud DERRIDA, 2009, p. 286).

Um processo de experimentação a sacudir os organismos de forma a possibilitar que o

homem se torne senhor daquilo que ainda não existe, mas o faz nascer, Artaud (1987).

Deleuze & Guattari (1996) dizem que na releitura de Heliogabalo e Tarahumaras, obras de

Artaud:

Espinosa, Heliogabalo e a experimentação têm a mesma fórmula: A anarquia e a

unidade são uma única e mesma coisa, não a unidade do Uno, mas uma unidade mais

estranha que se diz apenas do múltiplo. É isto que os dois livros de Artaud

exprimem: a multiplicidade de fusão, a fusibilidade como zero infinito, plano de

consistência, Matéria onde não existem deuses; os princípios, como forças, essências,

substâncias, elementos, remissões, produções, vibrações, sopros, Números. E enfim a

dificuldade de atingir este mundo da Anarquia coroada, se se fica nos órgãos, o

‘figado que torna a pele amarela, o cérebro que se sifiliza, o intestino que expulsa o

lixo’, e se se permanece fechado no organismo, ou em um estrato que bloqueia os

fluxos e nos fixa neste nosso mundo.

Percebemos pouco a pouco que o CsO não é de modo algum contrário dos órgãos.

Seus inimigos não são os órgãos. O inimigo é o organismo (DELEUZE &

GUATTARI, 1996, p. 20 e 21).

A experimentação como exercício contínuo. É isso que Heliogabalo põe em prática no

limite da vida até dar cabo dela. A escrita teatralizada que Artaud exerce magistralmente em

sua obra Heliogabalo, me afetou profundamente, a cada trecho da leitura imagens como

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campo de forças saltam à nossa frente, um intenso escritor, ator, que viveu o teatro como a

própria vida. Cláudio Willer nos diz, que:

Em O Teatro e seu duplo, obra na qual apresenta o conjunto de ideias que

constituíram o teatro da crueldade, Antonin Artaud defende uma linguagem que

pudesse exprimir objetivamente verdades secretas. Uma linguagem mais concreta

que a utilizada para falar da esfera psicológica.

Relatado por Anais Nin da palestra (O Teatro e a peste, de O teatro e seu duplo) em

que declarou que não iria falar da peste, porém mostrá-la, encarnando o empesteado,

sofrendo, contorcendo-se até cair no chão, de forma tão chocante que esvaziou o

auditório. Ou nas ocasiões em que afirmou que Paris era Roma antiga e ele, Artaud,

era Heliogabalo (http://www.revista.agulha.nom.br/ agwiller7.htm).

Artaud critica o teatro europeu da época em que se fica preso à representação do texto

escrito e depois culpam o público pelo seu desinteresse. “Parece ter sido completamente

perdida a noção das necessidades do teatro e de suas possibilidades” (ARTAUD, 2008, p.72).

O que cabe perfeitamente à escola, quando se propõe uma escrita sem sentido e sem vida e

depois dizemos que alunos e professores sofrem de sua deficiência.

Em sua obra “Heliogabalo” ou “O anarquista coroado” sua escrita desnuda de

moralismos, que incomoda, provoca, torce e contorce, nos traz a anarquia reinante à época.

Escrita como campo de forças e não apenas representação de algo, o que pode ser

potencialmente detonador de processos criativos em relação à educação, vida. O nome

Heliogabalo tem sua origem no Deus Elagabalus ou, Pico Radioso, Píncaro da Montanha vem

de muito longe. Talvez, na velha cosmogonia fenícia, se chamasse Desejo e como o próprio

Elagabalus, não era simples:

[...] vinha da fusão multiplicada e lenta dos princípios que reverberaram no fundo do

Sopro do Caos. De todos esses princípios o Sol é apenas a figura reduzida, imagem

para devotos fatigados e decaídos.

Digamos que o sopro que estava no caos se enamorou desses princípios; e que é

desse movimento em frente, dessa espécie de ideia dominante, que nasceu o desejo

consciente. Há no Sol fontes vivas, uma ideia de caos reduzido e completamente

eliminado (ARTAUD, 1991, p. 20).

Sopro que contém o princípio da reprodução, uma espécie de fome vital a percorrer os

nervos, que com suas descargas “entra em conflito com os princípios inteligentes da cabeça”

(ibidem). Princípios que só valem para o espírito que pensa e quando pensa fora disso, um

princípio se reduz a nada. Conflitos que levaram esse rei a combinar religião e lascívia, no

lugar da ordem que deveria impor sobre o trono se esmera na desordem ou, na anarquia

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essencial existente nas coisas, entre a carne e espírito, eternidade e a brevidade da vida, poesia

e realidade a escancarar todos os tipos de contradições humanas e de princípios.

Chora na rua vendo a miséria do povo (p. 123).

Um estranho ritmo intervém na sua crueldade: este iniciado faz tudo com arte e a

dobrar. Quero dizer sobre dois planos. Todos os seus gestos têm duas caras.

Ordem, Desordem

Unidade, Anarquia,

Poesia, Dissonância,

Ritmo, Discordância,

Grandeza, Puerilidade,

Generosidade, Crueldade

(ibidem 121 e 122).

Forças opostas se entrelaçam o tempo todo nesse imperador que rompe com os

costumes dos romanos e impõe o culto monoteísta a Elagabalus, o deus-Sol, atacando

impiedosamente a anarquia politeísta romana e se comporta “[...] como autêntico sacerdote de

um culto unitário, como personificação de um deus único que é o sol” (ibidem, p. 96). Artaud

e Heliogabalo como um só parece buscar o espírito sagrado, como acontecimento que emerge

e explode em campos intensivos ao se adensar em composições de forças. Não como o que

“[...] fica colado aos princípios com uma força de identificação sombria” (ARTAUD, 1991, p.

54), em que o amor se apresenta em “uma das suas formas a caridade universal, e a outra, a

mais terrível, é o sacrifício da alma, isto é, a morte da individualidade” (ibidem). Espírito

sagrado como campos intensivos a proliferar forças a impedir que na representação se esvaia

processos singulares. A experimentação como vibração a impulsionar, que põe todas as nossas

moléculas a bailar e a lançar ao infinito do possível sem contradições como o imperador

adolescente que traz em si Homem e Mulher e “que, através da anarquia, lança sua poesia

desconexa na moralidade romana” (ARAÚJO JR., 2001, p.19).

Trazer a poesia e a ordem a um mundo cuja existência já é um desafio à ordem, é

levar à guerra e à permanência da guerra, é fundar um estado de crueldade incidida, é

suscitar uma anarquia sem nome, a anarquia das coisas e dos aspectos que acordam

antes de soçobrarem de novo e se fundirem na unidade (ARTAUD, 1991, p.100).

Durante toda a sua vida Heliogabalo é atraído por esta imantação de contrários, por

este duplo esquartejamento.

De um lado,

O DEUS

Do outro lado,

O HOMEM (ARTAUD, 1991, p. 96).

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É difícil encontrar na história mais perfeita reunião de crimes, de torpezas, de

crueldade, do que a perpetrada por esta família onde os homens usam de toda a maldade e

fraqueza e as mulheres de toda a virilidade. Vida e a Morte transformam-se uma na outra

nessa família de Júlias, que matam um rei sobrinho ou neto para que à custa da força violenta,

substituí-lo por um primo e continuamente se perpetuam as infâmias.

Ultrapassou todos os limites do que já seria uma grande desordem e se transforma em

sua primeira vítima “é um anarquista que começa por devorar-se a si mesmo e acaba por

devorar os seus excrementos” (ARTAUD, 1991, p.100). Uma morte que “é a coroação da sua

vida. Justa para os romanos, justa para ele. É a morte ignominiosa de um rebelde, mas um

rebelde que morre pelas suas ideias” (ARTAUD, 1991, p. 127). Heliogabalo é considerado por

Artaud a encarnação do Corpo sem Órgãos, que é o próprio teatro da crueldade.

Eu emprego o nome crueldade no sentido cósmico de rigor, de necessidade

implacável, no sentido gnóstico de apetite de vida, rigor cósmico e necessidade

implacável, no sentido gnóstico de turbilhão de vida que devora as trevas, no sentido

dessa dor de necessidade implacável fora da qual a vida não saberia se exercitar

(ARTAUD, 2008, p.103, 104).

Crueldade que lança de volta à própria vida ao invés de se distanciar dela, busca uma

linguagem como “criação pura da vida”, contrária a da representação, em que o apreender no

encantamento da palavra poderá impulsionar o pensar por outros ângulos. A revolução

artaudiana quer explodir os fundamentos do mundo moderno, subverter pela raiz os hábitos de

pensamento atuais e, em suas palavras, “descentrar o fundamento atual das coisas” (ARTAUD

in ARANTES, 1988, p 76).

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Experimentação na escrita

O texto duro não me agrada, Não me (trans)forma nem muda.

Emudece.

Eu quero experimentar na carne o jogo (da différance?!?),

De poder sentir a carícia que Um outro qualquer me oferece,

Construindo-me na Construção mesma do texto...

(FEREIRA, 2008, p. 90).

Experimentação, escrituração, conexões caóticas em tentativas de se apreender rastros,

rasuras de potências em perspectivos campos intensivos fugidios, que possam ser rabiscados

em textos, que de alguma forma deixe rastros de forças a roçar sua materialidade. Como posso

compor com as narrativas alheias sem rotular, mas tentar, em alguma medida, com Artaud um

reatar com a vida. O espaço caótico da escola, em sua multiplicidade se constitui fecundo

gerador de campos intensivos como potência, no exercício de uma escrita como ética da

singularidade, em que algo nos “incita a inventar outras formas ao conjugarmos os tantos

verbos da nossa vida. Um desafio, uma provocação, o ressoar de uma questão em nós: o que

tenho escolhido fazer de mim?” (MACHADO, 2004, p. 149).

No exercício de trazer o cotidiano para a nossa narrativa está imbricado o

desnaturalizar do olhar a esses espaços, de forma a embaralhar forças, provocando outros

arranjos e conexões nas estruturas estabelecidas, principalmente em nossa própria maneira de

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apropriação desses espaços. Ao problematizá-los na imanência da escrita, vida a forçar o

exercício do pensamento já como ação, em que vamos, nos tornando em outros, na

experimentação de modos de vida, o que não se reduz à razão, inteligência e erudição

conforme Machado (2004). Processo em que a leitura:

[...] nos percorre e não faz apenas parte de uma lembrança, torna-se nosso próprio

corpo. É preciso que haja uma composição das consultas, das leituras e releituras, das

escolhas, enfim, da vida, naquele que escreve e no que escreve.

Trata-se de conectar fragmentos por meio da criação de um estilo de escrita. E o

corpo que aí se cria, não é um corpo de doutrina, é o próprio corpo daquele que ao

ser percorrido pelas leituras se apossou delas e faz sua afirmativa.

A escrita pode transformar a coisa vista ou ouvida em batalhas. Ela transforma-se em

um princípio de ação. Em contrapartida, aquele que escreve se transmuta em meio a

esse emaranhado (ibidem, p. 149).

“Princípio de ação” na busca de outras maneiras de fazer, pensar a escola e a nós

próprios, em nosso processo de experimentar a escrita tínhamos como parâmetros leituras

sobre educação, filosofia e arte.

Leitura, em que o “mundo e o livro remetem um ao outro, eterna e infinitamente, suas

imagens refletidas” (BLANCHOT, 2005, p. 138), um poder infinito de multiplicação cintilante

e ilimitada, que é o labirinto da luz, “o que não é pouca coisa – será, então, tudo o que

encontraremos, no fundo de nosso desejo de compreender” (ibidem). Talvez, pudéssemos

tomar essa ideia como estilhaços de luz em incertos flashes, onde a única certeza que se tem é

o princípio da incerteza, apesar de Blanchot dizer isso sobre o devir da literatura em Borges,

nos ajuda a pensar o nosso processo de escrita, que radicalmente potente e dolorosa em seu

recomeço. Em meio a todo tipo de julgamento a que estamos imersos, do que deve e como

deve ser feito, em todas as nossas ações inclusive na escrita. Artaud propõe se livrar dos

julgamentos, segundo Deleuze (1997), da doutrina do juízo, em que dívidas infinitas se

escrevem em um livro autônomo sem que se perceba, de modo que se torna impossível saldá-

la.

Somos desapossados, expulsos de nosso território, dando que o livro já recolheu os

signos mortos de uma Propriedade que invoca o eterno. A doutrina livresca do juízo

só é suave na aparência, pois nos condena a uma escravidão sem fim e anula

qualquer processo libertário. Artaud dará ao sistema da crueldade desenvolvimentos

sublimes, escrita de sangue e de vida que se opõe à escrita do livro, como a justiça ao

juízo, e acarreta uma verdadeira inversão do signo (DELEUZE, 1997, p. 145).

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O sistema da crueldade posto por Artaud ao teatro enuncia as relações finitas do corpo

existente com forças que o afetam, enquanto a doutrina da dívida infinita determina as

relações da alma com os juízos. O sistema da crueldade é o oposto da doutrina do juízo. O

juízo impossibilita qualquer novo modo de existência. Em a “peste” obra de Artaud, entre o

teatro e a peste ele “cria um símbolo no qual cada uma das forças duplica e relança a outra”

(DELEUZE, 1997, p. 152) uma potência de forças, que é:

[...] uma idiossincrasia de forças em que a força dominante se transforma ao passar

para as dominadas, e as dominadas ao passar para a dominante: dentro de

metamorfose. É o que Lawrence chama símbolo, um composto intensivo que vibra e

se estende, que não quer dizer nada, mas nos faz girar até captar em todas as direções

o máximo de forças possíveis, cada uma das quais recebe sentidos novos ao entrar

em relação com as demais (ibidem).

Com Spinoza podemos exercitar o não juízo aos outros e prestar atenção aos que

compõe com nosso corpo e nos força o existir, que potencializam nossas ações e os que não

compõem e nos despotencializam. Há escolhas. A decisão “jorra vitalmente de um turbilhão

de forças que nos arrasta ao combate. Ela resolve o combate sem suprimi-lo nem encerrá-lo.

Ela é o relâmpago adequado à noite do símbolo” (ibidem). Símbolos a aglomerar forças,

construir compostos de potência, combate sem juízo algum.

O que nos incomodava era que, renunciando ao juízo, tínhamos a impressão de nos

privarmos de qualquer meio para estabelecer diferenças entre existentes, entre modos

de existência, como se a partir daí tudo de equivalesse. Mas não é antes o juízo que

supõe critérios preexistentes (valores superiores) e, preexistentes desde sempre (no

infinito do tempo), de tal maneira que não consegue apreender o que há de novo num

existente, nem sequer pressentir a criação de um modo de existência. O juízo impede

a chegada de qualquer novo modo de existência (DELEUZE, 1997, p. 153).

No juízo o campo de forças se esvai e despotencializa a chegada de outros modos de

existência, por isso, talvez o não julgar adense mais forças a gerar campos intensivos, a forçar

o existir. Livrar-se do julgar nosso e dos outros é um exercício na direção do corpo sem

órgão, o limite imanente, a experiência, “o corpo sem órgãos constitui o campo de imanência

do desejo, onde o desejo constitui processo de produção” (ibidem).

Experimentar deslizar na escrita se desapegando de travas, sem se distrair com os

“julgamentos”, na escolha do que e do como. Sem se limitar às resenhas e articulações de

pensamentos de outros autores, que estarão presentes, mas para dizer de si, com o que ocorre

na escola, em situações reais, “o local de trabalho, o sofrimento de bairros pobres, a vida das

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pessoas” (LATARINI, 2009, p. 12). Ao ouvir a professora Nair, sinto “que ela fala em mim

como alguns dos textos que estudamos” (ibidem).

Trazer a vida que acontece em nós às palavras encarnadas carregadas de forças a

ricochetear e a lançar no mar virtual, mistura de corpos em que víamos uns nos outros em

violentos fluxos, a vida do professor, do aluno, de todos nós, que pulsa na escola e nos lança à

vida com gigantescos desafios de tantos nomes...

Ao querido amigo / aluno Pedro e tantos outros Pedros, Marias, Joãos..........

Que ideia de projeto poderia ter ou ser criada para educar um coração marcado pela

violência, que trás consigo um choro sufocado ou de medo?

Sufocado por lamentar o pai que perdeu aos 6 meses de vida, que vê o padrasto ser

assassinado, e depois de tudo isso perde o amor do avô que tanto ama, por vício da

bebida (Professora Joana Luzia Olaf, 2008).

Diante da impossibilidade há que se reencontrar a vida... Intensas palavras

“abrem de espaços a vastidão onde o real furta à fábula” (ROSA, 1985, p. 95). Fui oferecida

a um casal:

[...] estava então com 12 dias. [...] no endereço dado, onde eu era aguardada pela

minha nova mãe e pela minha nova avó.

[...] Segundo minha mãe, eu estava muito embrulhada em uma manta, suja ou sujinha

como ela diz, com muita fome, pois tinha passado 12 dias só tomando água com

açúcar.

Minha mãe genética conversou um pouco, me desenrolou dos trapos e se foi, estava

muito doente e logo faleceu. Segundo minha segunda mãe ela esperou que eu

estivesse bem acolhida, para depois falecer.

Minha avó Olívia contava que me deram um banho demorado e eu dormi o dia todo

na cama dela e a noite improvisou um colchãozinho em cima de duas cadeiras, pois o

berço só seria comprado no outro dia. Ela dizia que ficou tão macio que não dava

nem para me enxergar, pois eu afundava nas cobertas. Deve ter sido maravilhoso.

(CAMARGO, 2009, p. 1 e 2).

Esse retalho de texto mostra o aconchego das mães, uma que antes de ir, escolhe

cuidadosamente um cuidar que segue. Ao relembrar sua história, em sua intensidade, a

memória é tomada como um eterno agora a recriar a vida, a escola, uma escrita, em que tudo é

carne, sangue que escorre em nossas veias, sem um antes e um depois. Um saber vivo a recriar

a escola, vida como nos aponta Brito (2009, p. 7):

Fazíamos do quintal a nossa sala de aula. Nascia aí, talvez, a minha concepção de

Escola Viva. Nesta imensidão que era o quintal onde galinhas, pintinhos, patinhos,

porquinhos, marrequinhos, perus, pavõezinhos, passarada, flores, frutas

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diferentemente do que seria me apresentado nos livros, eram personagens vivos desta

página.

São textos41, vida, que a escola quase nunca acolhe. Já está na hora de começarmos a

escrever e deixar escrever na escola como propõe Kramer, (2002). Parando de ensinar a escrita

apenas como dígrafos, polissílabos, sintaxes ou sinônimos, para escrever ideias, emoções,

reivindicações, poemas, cartas, estórias. A linguagem na escola geralmente é prescritiva e

normativa, exclui as histórias dos atores das práticas, a linguagem literária, artística, poética.

“[...] a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”

(ibidem, 2002, p. 2), talvez com a linguagem artística, literária, seja possível ir quebrando esse

arame farpado.

Penso que, na formação, é preciso partir da compreensão de que a linguagem nos

constitui e que é fundamental tomarmos consciência da linguagem que falamos.

Precisamos, como professores, tomar consciência de que os conceitos e os

preconceitos historicamente vividos pela sociedade em que estamos inseridos vão se

agarrando nos diálogos: eles falam em nós porque foram escritos em nós, na nossa

carne.

A literatura ocupa um papel central nesse processo, porque ela nos permite o

sentimento de aventura da descoberta, da compreensão do outro, ela nos ajuda a

sentir a dor do outro, e pensando no outro, ela nos incita a pensar sobre nós mesmos,

nossas dificuldades, limites, sentimentos de fracasso e conquista. O mundo

contemporâneo parece tentar apagar as dores, limpar as diferenças – embora se fale

tanto nelas – e camuflar a desigualdade. Penso que com a literatura aprendemos a ver

os detalhes que não estão visíveis, ouvir os sussurros, sentir as dobras, as rugas. Não

só a literatura, mas toda a produção cultural – a música, o cinema, a pintura, a

fotografia etc – quando revestida de sua dimensão de arte possibilita esse encontro

com o outro, e, portanto, consigo mesmo (ibidem).

A escrita do professor e do aluno podem trazer a baila silenciamentos de movimentos

culturais e oferecer possibilidades de acolhimento às múltiplas práticas, inclusive as corporais

como hip hop, percussão corporal, rap. Vejamos trechos de um rap feito por Carlos Henrique,

aluno do professor Renato Horta Nunes (2009, p. 45):

41 Esses dois fragmentos de texto fazem parte do memorial de formação das professoras que foram escritos sob a

orientação do professor Guilherme do Val Toledo Prado, na disciplina de “Narrativas Pedagógicas” (1º semestre

de 2009), do curso de especialização, citado ao longo desta tese. Essa escrita do memorial de formação aparece

no início de todos os TCCs de professores e gestores, o que muito embeleza essas produções e contribui no

processo de escrita.

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Este aluno em sua escrita ao criar com a sua própria condição de existir em um meio

extremamente violento, onde vê sua única saída no “rimar”, transformar em ritmos... Podemos

sentir isso em cada palavra “fuma pedra no portão da escola”, “corpos encontrados no meio do

mato...”, encontrou um professor que delicadamente se deteve e compôs com ele alguma

possibilidade cavada no espaço da escola para a produção de conhecimento à margem dos

programas instituídos.

O RAP, que do inglês representa rhythm and poetry (ritmo e poesia) surgiu na

Jamaica na década de 1960. Este gênero musical foi levado pelos jamaicanos para os

Estados Unidos, mais especificamente para os bairros pobres de Nova Iorque, no

começo da década de 1970. Ele é um dos quatro elementos que constitui o hip hop

(NUNES, 2009, p. 46).

Nunes (2009) aponta que nas diversas letras de músicas feitas pelo aluno sempre

tratam de assuntos de sua realidade cotidiana com posicionamento político, mas que na

maioria das vezes é desconsiderada pela escola e se perde a oportunidade de diálogo entre

professores e alunos, o que poderia enriquecer o currículo escolar e valorizar a pluralidade

cultural.

Situá-lo na linha de sua história, contrapô-lo frente a outros estilos musicais,

considerá-lo nas condições de sua prática, frente às resistências, nos polos de seu

desenvolvimento, são estratégias que podemos lançar para ampliar as possibilidades

Todo cuidado é pouco, presta atenção

O mundo ta louco ficando em extinção

Guerras, mortes, estou cansado de ouvir

Mas o que temos a fazer se quisermos existir

A chapa tá quente, a batalha começou

É a cena do crime, e a justiça não chegou

Agora quem sofre é a comunidade,

que não consegue distinguir aonde ta a verdade

não sabe se é la dentro ou se é aqui fora

moleque fuma pedra no portão da escola

perdendo tempo, sofrendo ao relento

ao invés disso podia estar vivendo

Agora vem em mim e vê se seu to errado

Corpos encontrados no meio do mato

Ninguém sabe qual que é a razão

Eu já não tenho dúvida, não, um papelão

Essa história já passou da hora de acabar

Mas quem pode interferir?

Minha parte é rimar

Carlos Henrique

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de aprendizagem, ainda mais se considerarmos o entrelaçamento de outras

disciplinas e áreas de estudo (NUNES, 2009, p.46).

Isto abre possibilidades de aprendizado calcado na realidade do aluno e viabiliza o

trânsito por outras áreas do saber, em que o currículo acolhe os saberes da vida cotidiana, que

vem da rua, das famílias. O saber popular, vivo e praticado muitas vezes ignorado,

menosprezado, rejeitado, reprimido e, certamente, diminuído, como nos diz D’Ambrósio,

(2004). Ao acolher os saberes que o aluno traz a escola oferece oportunidade para o exercício

de outras formas de escritas como o rap, que com seu canto falado a fugir da estrita

racionalidade, estimula a criação ao reativar a imagem sonora da palavra ligando-a à formas e

conteúdos culturais, onde o movimento da ancestralidade atua como forças nos campos

intensivos.

A cultura é o movimento da ancestralidade, e a ancestralidade é como um tecido

produzido no tear africano: na trama do tear está o horizonte do espaço; na urdidura

do tecido está a verticalidade do tempo. Entrelaçando os fios do tempo e do espaço

cria-se o tecido do mundo que articula a trama e a urdidura da existência

(OLIVEIRA, 2007 p. 245).

Nesse movimento de apreender na escrita elementos da vida cotidiana, a pesquisa

realizada pela professora Ambrosina Castelar Brito (2009), aponta que se faz necessário

conhecer melhor o espaço da escola, sua biblioteca, o dia a dia da sala de aula. Olhar o

ambiente com mais atenção “o hábito de atuar, nos mesmos espaços e ambientes faz com que

eles sejam cada vez mais iguais e imperceptíveis. Ora não se lê o homogêneo” (FERRARA,

2000, p. 23). O exercício da leitura e da escrita se faz na realidade, não apenas em livros e se

criam táticas e estratégias que possibilitem a realização de leitura e de escrita que façam

sentido para os envolvidos. Vejamos o efeito do contato com ambiente da escola na busca de

assuntos para a produção de textos por Brito (2009, p. 42) e seus alunos, nas palavras do aluno

Cícero.

Eu estou fazendo este relatório porque vou falar sobre meu passeio na escola.

1. Eu vi um lindo ninho que o pássaro chamado bem-te-vi construiu. A árvore que

nós vimos é grande e faz uma bela sombra. No refeitório nós sentimos um delicioso

cheiro de macarrão.

2. Subindo lá em cima a primeira coisa que eu vi foi a garagem cheia de carros, ao

lado da garagem está a sala dos professores, tem o local para os fumantes, tem os

banheiros dos professores, masculino e feminino.

3. Seguindo o nosso passeio nós vimos o local onde plantaram algumas flores.

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4. Ao lado da sala dos professores tem a informática e as quatro salas de aula e do

outro lado tem uma biblioteca.

5. No pátio tem dois pimbolins onde os meninos brincam, tem o local que tem

amarelinha, tem a quadra que os meninos jogam bola.

6. Tem o local onde fazem a comida, os banheiros das crianças, a diretoria e outras

quatro salas de aula.

7. Na entrada para um jardim tem pés de café, amoreira e outras plantas. Tem um

formigueiro e uma grande área de serviço (CÍCERO 6ª série B, 05/08/08).

Continua a professora “os alunos só conhecem na Escola, a sala de aula que

frequentam, os corredores por onde transitam e a quadra onde têm aulas de educação física”

(ibidem). Nessa visita que a professora denominou “caçar de palavras” para a elaboração de

textos, nas dependências da escola encontraram um mundo desconhecido, apesar de estarem

ali todos os dias.

Observaram um ninho de passarinho construído na luminária da rede pública. Viram

as plantas medicinais existentes na horta. Perguntaram pelas suas denominações,

tocaram nelas, perceberam seus aromas e indagaram sobre suas serventias (ibidem).

Conversaram com os servidores demonstrando interesse pelas atividades dos

mesmos, bem como sobre suas vidas. Presenciaram o diálogo entre um pedinte e a

professora onde o mesmo pediu um dinheiro para comprar um almoço. A professora

disse que não tinha dinheiro, e ele a chamou de hipócrita, "que vai à igreja, bate no

peito, e não dá de comer a quem tem fome".

E tudo isso teve a duração de 20 minutos.

Voltamos para a sala de aula felizes e fomos marcando na lousa as várias

possibilidades de textos, assuntos, que poderíamos usar. Mais de cem títulos

surgiram desta experiência. Ficou como dever de casa que se produzissem um texto,

a escolha deles, usando as palavras temas caçadas. Caçadas e bem presas na alma.

Quanta euforia! Quantas novidades! Há duas semanas tenho um ‘problema’: quantos

assuntos misturados! Querem falar sobre tudo!

Quantas páginas para corrigir! Socorro! Avaliando (BRITO, 2009, p. 42).

Esse movimento de “passear” no espaço da escola e a elaboração de textos requerem

mais vagar no olhar, no escutar, no sentir e um lançar-se ao momento, livre de ideias prontas e

tentar apreender o novo ao “cultivar a atenção e a delicadeza, aprender a lentidão, escutar os

outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência” (LARROSSA, 2002, p. 24). São

maneiras de estar no ambiente que o tornam heterogêneo e possibilita o exercício da escrita

como experiência, em que alunos e professora embarcam em fluxos impregnados de

sensações, memórias “das nossas experiências sensíveis e culturais, individuais e coletivas”

(FERRARA, 2000, p. 23) e marcam a maneira como lidamos com os signos, linguagens e

símbolos ao nosso redor.

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A língua nasceu solta e desenvolta. Nasceu virada para fora de si.

A língua, na sua fantasia, tem vestidos: vestidos requintados com enfeites de emoção,

roupa de mendigo e com remendos […], vestido com bordados e afrontas que para

muitos são heranças que os séculos lhe foram juntando num pé de meia.

E com todos esses vestidos chega a bifurcar-se em língua do coração, língua do

sentir, da alma e língua de contacto com o resto do mundo.

[…] Têm elas o seu estilo de cooperação: a língua de viagens, a de contacto, acaba

pedindo emprestadas as roupas de emoção da língua do sentimento.

Esta, por sua vez vai deixando que a língua do sentimento faça uso de suas letras.

MIA COUTO (apud BRITO, 2009, p. 2009, p.46).

Deixar “que a língua do sentimento faça uso de suas letras”, em suas diversas formas

de escrita como a dos poemas, que alguns professores se arriscaram a brincar com eles. Em

que consiste um poema? Segundo Pedro Lyra (1986) dizer do poema é bem menos

controvertido do que da poesia. Poema se diz do objeto empírico, a poesia seria a substância

imaterial, o que implica em:

[...] dizer que o primeiro tem uma existência concreta e a segunda não (...). Ou seja: o

poema, depois de criado, existe per se, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor,

mas a poesia só existe em outro ser: primariamente, naqueles onde ela se encrava e

se manifesta de modo originário, oferecendo-se à percepção objetiva de qualquer

indivíduo (LYRA, 1986, p. 7).

Um poema, que se transformará em poesia se tocar o leitor. Para Artaud toda poesia

possui uma contradição essencial. “A poesia é multiplicidade triturada e incendiada. E a

poesia, que estabelece a ordem, suscita primeiro a desordem, a desordem dos aspectos

incendiados; provoca o choque dos aspectos que leva a um ponto único: fogo, gesto, sangue,

grito” (ARTAUD, 1991, p.100).

Um dos rastros de nosso processo de experimentação com a escrita é um texto da

professora Denilda Altem (Geografia) a se interrogar sobre seus, nossos desejos. Serão eles

realmente nossos? Qual sua origem? Ou serão eles agenciados por uma mídia capitalista em

que somos meros fantoches da máquina de produção do imaginário coletivo? Será? Será?

Será? De qualquer forma um acontecimento singular. Poderia ser chamado de poesia?

Vejamo-la:

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O convite ao movimento na frase: “Dos desejos próteses em desejos devir...” Frase que

marca o movimento de todos nós, na tentativa de apreender rastros nos fluxos de desejo.

Desejo como “construção de agenciamentos”. Na frase “Desejos de voar longe, Longe dos

desejos padronizados”, talvez pudéssemos ler como um agenciamento coletivo na tentativa de

“explodir” forças padronizadas.

Com certo vagar começaram a pipocar textos, diante do meu insistente convite

“escrevam livremente o que o texto provocou, copiem trechos que considerarem interessantes,

anotem algo que os tenha mobilizado. Como essas ideias os ajudam a pensar seu projeto em

sala de aula?”.

Observei em meu longo exercício no magistério42 como professora de matemática e

coordenadora de professores o pavor de escrever, o medo de errar. Em uma escola estadual

42 Durante 25 anos lecionei Matemática para o Ensino Fundamental e Médio na rede Estadual de Educação do

Estado de São Paulo. Nos últimos cinco anos, do Projeto “Ciência na Escola”, atuei como coordenadora de

professores em duas escolas da rede Estadual, que participavam deste projeto.

Próteses de desejos

Quais são os meus verdadeiros desejos?

Desejo de ter

Desejo de ser

Desejos meus

Desejos de outrem.

Desejos impostos ou desejos infiltrados.

Desejos de mim

Desejos de ti

Desejos qualificados

Desejos quantificados.

Desejo do saber

Desejo de justiça

Desejo de luta

Desejo de igualdade

Desejos satisfeitos ou desejos esquecidos.

Desejos de voar longe,

Longe dos desejos padronizados.

Desejos de desejos...

Conheçamos nossos desejos.

Mergulhemos neles a descortinar o inimaginável.

Dos desejos próteses em desejos devir...

Denilda Altem (2009, p. 5)

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que coordenei o Projeto “Ciência na Escola”, fiquei muito surpresa, pois quase todos os

professores tinham esse pavor de escrever e mostrar, inclusive eu, mas ao escrever projetos e

relatórios de pesquisa, exigidos nesse projeto, aos poucos fui descobrindo que conseguia

escrever e que poderia ir melhorando.

O exercício de escrita na problematização e teorização da prática pedagógica, uma

maneira de produção de saberes por professores e gestores sobre o seu cotidiano, junto com

seus alunos e outros pensadores foi o rumo seguido de forma um tanto à deriva, um exercício

de atenção a pequenos detalhes e pistas em seu cotidiano. Uma escrita livre e solta.

[...] sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em

nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está

querendo desabrochar de um modo ou de outro... (LISPECTOR apud CARVALHO,

2009, p. 4).

Embora não tivéssemos intenção de transformar nada, esse movimento mostrou que

no “desabrochar” da escrita se inventa outros modos de fazer as coisas e perceber a própria

vida ao se enredar na criação do texto.

Refaçamos nosso percurso com a professora Elizandra Neves (2009), ela nos lembra de

que nesta disciplina43 também foi proposto aos professores e gestoras que pensassem sobre sua

prática e a teorizassem.

No começo, achei difícil este exercício, pois não tinha o hábito de escrever sobre

minha prática, de refletir sobre o meu dia-a-dia como professora, e percebi que não

era a única no grupo com tal problema. A professora ao longo do curso, teve o

cuidado de nos motivar, de nos incentivar, dizendo sempre: ‘Vamos, escrevam o que

vier primeiro à cabeça, depois este exercício se torna um hábito. Nem que seja uma

linha’ (NEVES, 2009, p. 14).

A princípio fiquei apavorada diante da necessidade de escrever, mas a professora

dizia: escrevam, simplesmente escrevam, escrevam o que quiserem, mas escrevam.

Isso acontecia em todas as suas aulas, era uma motivação bem espontânea.

Timidamente, comecei a escrever, e a cada nova escrita, ela escrevia um elogio,

nunca fez críticas, só elogios e foi graças a ela que comecei a escrever sem pensar

quem seria o leitor (HEERDT, 2009, p.22).

As professoras Elizandra e Nair Heerdt confirmam o incômodo que se transformou o

processo de escrita na escola, observei isso também com os alunos. A professora Nair aponta

que se nos detivermos nas possibilidades de criação que o texto oferece e não em suas faltas

esse incômodo, organismo vai se esvaindo na direção do Corpo sem Órgão. Uma escrita em

43 A Pesquisa como Instrumento Pedagógico, módulos I, II, III, anos 2008 e 2009.

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que ao assumirmos uma postura de coautoria, interferindo, sugerindo e apontando caminhos

para o texto torna o processo de escrita uma potente ferramenta no processo pedagógico, que

ao se mergulhar nesses espaços de forma livre, pode-se impulsionar a criação no fazer

cotidiano. Parece que essa postura inicial de buscar a potência do texto e não sua falta nos

remete a ideia da Teoria do Caos, a de que uma pequena interferência inicial pode gerar

grandes efeitos posteriormente.

Nesse processo a professora Ieda Rockenbach (2009) observa que a valorização do

estilo de cada um, estimulando diferenças se constitui em fator determinante para que se

sintam seguros para expor em suas escritas, o que pensam sobre as coisas e considera essa

postura imprescindível aos educadores. Uma criação de escrita como “um estilo de vida, de

nenhum modo algo pessoal, mas a invenção de uma possibilidade de vida, de um modo de

existência” (DELEUZE, 2000, p.126).

Segurança parece ser outro fator relevante nesse processo como aponta a professora

Cláudia Latarini, que se sentiu à vontade e segura para escrever quando os encorajei a

experimentarem sem se preocupar com os possíveis erros, isso depois de passado o incomodo

inicial do convite ao exercício de escrita. Nas palavras dela:

Para minha surpresa, eu que pouco escrevia, vi se abrir um problema (no início) a

minha frente, pois não sou de escrever sobre a escola e as aulas. Senti segurança

quando ela nos encorajou ao dizer que não existe o erro e que experimentássemos, eu

me senti à vontade para começar a escrever (LATARINI, 2009, p. 12).

Vejamos um pequeno trecho de sua escrita, denominada “O Piso” sobre o antigo piso

da escola pintado com o “J” de Jaci, que a Secretaria da Educação dos idos de 1975, da rede

de Educação Municipal de Campinas, SP, imortalizou no desenho da pavimentação.

Pisos que foram utilizados em sala de aula para o aprendizado da geometria como

ângulos, encaixes, junto à história da escola.

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O Piso

A escola, os burburinhos dos alunos nos corredores, a chegada e a saída.

O barulho dos pés no chão, a correria nas entradas e saídas das aulas...

...

Piso indo embora, após 40 anos

A nos amparar dia após dia nas salas e biblioteca

Maravilhosos mosaicos a enfeitar nosso caminhar

Desconstruído e reconstruído, com novo piso

Porém, imortalizados em muitas fotos em sua antiga forma de J de Jaci

Nos celulares dos alunos do 6º ano B

Anfiteatro, direção, cozinha, pátio, salas de aula,

Corredores, entrada da escola, secretaria e banheiros.

Agora o J de Jaci é documento histórico.

Alunos atentos confortavelmente sentados a ouvir histórias

Da professora Vera sobre sua querida escola EMEF Vicente Ráo.

Construída em companhia de mais três

Elegantemente adornadas com o “J” de Jaci:

Raul Pila, Humberto Castelo Branco e João Alves dos Santos.

Jaci, a Secretaria da Educação dos idos de 1975

Imortalizou seu “J” no desenho da pavimentação

Cantos com pisos dissonantes, irregulares

Cantos com cores alternadas e cantos com maravilhosos mosaicos

A geometria reproduzida por alunos ao ranger do encaixe da madeira

Agora outros mosaicos

Criação multicolorida em folhas de caderno

Ângulos e encaixes a disparar desejos de aprendizados e sonhos.

A lousa tela do aluno/artista a receber formas e cores

Inusitado instante imortalizado na memória viva, imagens...

(LATARINI, 2009, p. vi)

As palavras da professora encarnadas, no apreender de alunos e professores sobre o

saber escolar da matemática e os da vida na escola, sua história, localização geográfica, o

apreender nos mapas da cidade e bairro. Alguns alunos ao descobrir que seus pais também

haviam estudado ali, inclusive alunos dessa mesma professora, foram se encantando mais com

a escola. Isso surgiu quando alunos e professora escolheram realizar uma pesquisa aberta onde

cada aluno traria o que achasse interessante sobre a escola e o bairro. Nas palavras da

professora:

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A pesquisa se iniciou44 com o aluno Thiago da 6ª série B ao dizer que sua mãe havia

sido minha aluna. Com um sorriso no rosto, e meio encabulado, pois não me

conhecia, trouxe-me um recado dela: “minha mandou um beijo para você

professora”. Neste momento Thainá, Leonardo e outros alunos da mesma série,

estimulados pelo colega de sala, disseram que as mães e os pais também haviam

estudado no Vicente Ráo.

Mostraram encantamento com a escola que foi estimulada por mães, pais, irmãos e

irmãs que passaram por esta escola e as guardam na memória. Agora as expressam e

podemos observar claramente o que ali estava ocorrendo (LATARINI, 2009, p. 19):

Parte desse ‘desejo’ ou dessa fascinação pela escola pode muito bem ter sido

estimulada por mães, pais, irmãos e irmãs que se travestiram em mestres e mestras e

introduziram as crianças (obtendo bons ou maus resultados do ponto de vista da

aprendizagem) no mundo do alfabeto e dos números (SOUZA, 2003, p. 40).

O espaço educativo como lugar de encantamento a gerar campos intensivos

provocados por redemoinhos de imagens cores e cheiros, sorrisos, suor (ibidem). Espaço que

pode ser um barraco, uma casa, um prédio inteiro, uma quadra, um campus, que dependendo

das interações dos atores envolvidos podem aumentar ou diminuir a nossa força de ação.

Outras formas de exercitar relações de poder no cotidiano da escola podem emergir ao

se escrever sobre ele, pistas de seu funcionamento se apresentam e possibilita a busca de

relações de parceria, onde o poder se dilui, impulsionando a assunção de maior

responsabilidade entre os envolvidos no processo educativo, é o que aponta a diretora

educacional Mariangela Modé. “Escrever sobre o meu cotidiano na função de diretora se

constituiu em uma forma de olhar para minhas ações diárias, revendo e refletindo sobre cada

uma delas” (MODÉ, 2009, p. 10). Movimento que põe a nu, intensos conflitos de forças e

surge na própria tentativa da gestão de escapar “ao poder da chefia”, que nas relações

pedagógicas muitas vezes se encontram bloqueadas e cristalizadas. São situações que muitas

vezes destitui de poder os falantes, impondo verdades prontas, fenômeno muito antigo, que

segundo Barthes (1987) se acentua com a escrita, e tem:

[...] momentos de regressão linguística com o rosário, o moinhos de preces da

religião budista, o escapulário.

Quanto mais a igreja deu importância aos textos, mais se instaurou como corpo

social separado do povo: prova-o a inquisição. No plano político Rousseau

sustentava que a escrita é um processo que suspende o poder do povo; numa

sociedade realmente democrática, qualquer cidadão deve poder escutar e

compreender a voz do orador, e a disposição do cidadão em possuir uma palavra

própria a garantia de liberdade (p. 52).

44 Na segunda semana de março de 2008.

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“Escutar e compreender a voz do orador” é, ainda, um grande desafio em nosso mundo

contemporâneo com tantos discursos codificados, inclusive na própria educação a perpetuar

relações de poder extremamente arraigadas e complexas como nos mostra Barthes. Estados de

dominação, que nem sempre permitem mobilidade aos diferentes parceiros, conforme

Foucault (2004). Ao falar por si mesma como “uma ética do cuidado de si como condição

pedagógica para liderar a escola, negociando conscientemente com os envolvidos, visando à

aprendizagem e a formação dos alunos” (MODÉ, 2009, p. 10). A autora aponta que a clareza

de uma situação pode impulsionar a experimentação, de processos coletivos, o que implica

embaralhar complexas relações de poder naturalizadas no cotidiano da escola. “(...) o discurso

não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por

que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2010, p. 10). No

falar se exerce um poder e se subjuga a um poder. “Uma linguagem é sempre política”

(OLIVEIRA, 2009, p. 118).

A escrita como um “conjunto de ritos, o cerimonial evidente ou discreto pelo qual

independentemente do que se quer imprimir, e da maneira como o exprimimos, anuncia-se um

acontecimento” (BLANCHOT, 2005, p. 301, 302).

“Acontecimento” não só no processo de escrita, mas na criação de práticas coletivas ao

negociar com os envolvidos, ao invés de repetir ações naturalizadas de imposição pela direção

da escola, de rumos pré-definidos. Atentos para não se deixar levar pelo “fascismo45 que está

em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz

gostar do poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e explora” (FOUCAULT, 1996, p.

199). Uma vida não fascista implica em fazer proliferar a ação, o pensamento e os desejos, se

livrando das velhas categorias do Negativo como a castração e a falta considerada sagradas no

pensamento ocidental como forma de poder e “modo de acesso à realidade. Prefiram o que é

positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, o fluxo às unidades, os agenciamentos móveis

aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade” (ibidem) ao se

deixar fluir com as multiplicidades caóticas, desvencilhando de amarras que nos são impostas

diariamente por “leis” sociais.

45 “O Fascismo histórico de Hitler e Mussolini – que soube tão bem mobilizar e utilizar o desejo das massas, mas

também o fascismo que está em todos nós” (FOUCAULT, 1996, p. 199).

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Podemos afirmar que o processo de escritura pode ser poderosa ferramenta no processo

de “sacudir” nossos organismos e se aproximar de nossos corpos sem órgãos. Um corpo a se

deixar fecundar por fluxos intensivos, considerando a educação não apenas um processo

cognitivo da razão, mas que gera campos intensivos e põe em movimento forças, que nem

sequer imaginávamos existir. Michel Serres (2004) agradece a seus professores de ginástica, a

seus treinadores e guias de montanhismo que lhe ensinaram a pensar, na contramão do

pensamento corrente, o de que pensamos somente com o cérebro.

Deleuze (2007) ao pensar a pintura de Francis Bacon46 diz que o corpo vivido da

fenomenologia é pouco em relação a uma potência mais profunda e quase insuportável, que

“só podemos buscar a unidade do ritmo onde o próprio ritmo mergulha no caos, na noite, e

onde as diferenças de nível são sempre misturadas com violência” (ibidem, p. 51).

Nos anos 50 Bacon cria imagens, que são transparentes em seu interior, utilizando

imagens médicas de radiologia. Segundo Monteiro ele utilizou um livro de radiologia, o

Positioning in radiology (1934), de Kathleen Clara Clark, uma espécie de manual para a

produção de algumas de suas obras, como Head Surrounded by sides of beef (1954).

A popularização das imagens médicas em diferentes contextos midiáticos (cinema,

televisão, propaganda etc) tem fornecido ao público leigo um olhar que

anteriormente era limitado ao olho especializado do médico, contribuindo para a

criação de uma cultura dependente das imagens e das tecnologias que as produzem

(ibidem). (http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_ monteiro.htm).

46 Francis Bacon nasceu em Dublin (28 de Outubro de 1909 - 28 de Abril de 1992) foi um pintor anglo-irlandês

de pintura figurativa. Foi descendente colateral de Francis Bacon, filósofo do Período Elisabetano. Seu trabalho é

mais conhecido como audaz, austero, e frequentemente grotesco ou imagem de pesadelo.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_artista

Figura 9. Painting of a dog, 1952

http://www.dailyartfixx.com/

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Vejamos uma figura de Francis Bacon feita a partir de imagens de radiologia e outra da

italiana Benedetta Bonichi criada à moda de Bacon.

A forma de carcaça como mostra a figura de número 11 denominada Head surrounded

by sides of beef (1954) de Bacon é criada a partir de imagens de radiologia. A figura número

10 da artista italiana Benedetta Bonichi feita à maneira de Francis Bacon a partir de imagens

de raios X. A transparência da iluminação no interior do corpo humano em que arte e ciência

em violenta mistura lançam a sensação de um desencarnar em que um organismo escorre por

entre as vértebras dos esqueletos.

Figura 10. Benedetta Bonichi,

A Francis Bacon (2000)

http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_

monteiro.htm

Figura 11. Francis Bacon, Head surrounded

by sides of beef (1954) http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_monteiro.htm

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Para além do organismo, mas também como limite do corpo vivido, há o que Artaud

descobriu e nomeou: corpo sem órgãos. ‘O corpo é o corpo Ele está sozinho E não

precisa de órgãos O corpo nunca é um organismo. Os organismos são os inimigos do

corpo’. O corpo sem órgãos se opõe menos aos órgãos do que à organização que se

chama organismo. É um corpo intenso, intensivo. Ele é percorrido por uma onda que

traça no corpo níveis ou limiares segundo as variações de sua amplitude. O corpo,

portanto, não tem órgãos, mas limiares ou níveis. De modo que a sensação não

qualitativa bem qualificada; ela possui apenas uma realidade intensiva que nela não

determina mais dados representativos, mas variações alotrópicas. A sensação é

vibração. Sabe-se que o ovo apresenta esse estado do corpo “antes” da representação

orgânica: eixos e vetores, gradientes, zonas, movimentos cinemáticos e tendências

dinâmicas em relação aos quais as formas são contingentes ou acessórias

(DELEUZE, 2007, p. 51).

“Sensação é vibração”, portanto produção de intensidades e talvez um processo de

escritura nessa direção, seriam rastros largados por fluxos perspectivos de campos intensivos

que se formam e modificam continuamente. Não a representação de alguma situação, mas o

encarnar da própria coisa, “uma realidade intensiva” em que se permite o escorrer do

organismo por entre vértebras. Uma tentativa de escrita em constante atualização do caos,

oceano virtual. Palavras a escorrer por entre vértebras misturadas com músculos, sangue... A

largar “sua cor sobre as coisas, transformando as ações em ritos e os acontecimentos em

cerimônias” (SARTRE, 1984, p. 35).

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............................

.................................................................

Velhas e Antigas Cinzas

De repente!

Ressurgem Antigas fagulhas de cinzas

Pó queimado encravado

Como maldição

A estampar

Velhas histórias

Em distintos personagens

Estilhaços próprios

Artaud em sua infinita loucura capturou a dor

Do organismo/cinzas a impregnar

Livrar-se dos organismos para Artaud

Ou das cinzas dão no mesmo.

Sacudir a cinza/organismo milenar

Criar outros enredos...

Maria A. S. Damin

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Campo intensivo 4

PROBLEMATIZAR, COMPOR AFETOS, E DEVIR...

... De repente,

Tornou-se público! Falas, poemas, escritos,

Desnudos desejos! ...

Joana Luzia Olaf (2009, p.12)

O problematizar e teorizar práticas no contingente cotidiano por professores e gestores

implicou em trazer à luz complexas relações de força no processo educativo, onde na

composição de afetos, em “encontros” à maneira de Spinoza, podemos “escolher” os que

compõem com nossos corpos a gerar campos intensivos, a aumentar nossa força de existir, de

agir. Dos encontros com pessoas, livros, ideias algumas situações deixaram rastros de

potências a detonar campos intensivos, a impulsionar a experimentação no processo educativo

como: - o apreender na problematização de assuntos da realidade por alunos e professores e, o

apreender na problematização da prática cotidiana por professores e gestores; - nos

“encontros” para trocas de experiências com os pares, metodologias, leitura de textos sobre

educação, filosofia, arte, dentre outros, acontecimentos a mobilizar algo, que impulsione a

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ação, em afecções, mistura de corpos; - o exercício da escrita de forma livre, que contribui

para o romper de barreiras, como o medo de se expor e a exercitá-la como se fora brincadeira

de criança ao se lançar à deriva com as palavras que surgem e depois ajeitá-las a determinados

lugares ou descartá-las.

O apreender da prática cotidiana por professores e gestores pode ser um importante

vetor de força no processo educativo ao trazer rastros de vida da comunidade escolar,

resultante do saber do aluno via problematização de assuntos de seu interesse, onde.

[...] cada aluno que transmite um conhecimento, dá a sua forma e seu jeito à

explicação, interligando as experiências que possui com o seu próprio conhecimento.

Se o conhecimento é uma produção, uma invenção poderiam torná-lo uma aquarela

rizomática onde pintariam o próprio conhecimento. Tornando-se pintor e ator de sua

própria pesquisa (ALTEM, 2009, p.53).

Poderíamos dizer que há produção como invenção, tanto na do processo pedagógico de

alunos e professores no dia a dia da sala de aula, quanto na dos professores e gestores sobre a

prática. Ao serem delineados na contingência criam uma dinâmica educativa caótica, que na

busca do apreender a partir do que surge de interesse, descentraliza a “figura do professor”,

fortalece as conexões entre todos como aponta Lopes:

Observamos na fala dos alunos a importância das interações entre os pares aluno-

aluno, da descentralização da figura do professor quando se constroem juntos a

aprendizagem, uns ajudando aos outros, numa parceria que contempla não só as

relações professor/alunos, mas, sobretudo alunos/alunos (LOPES, 2009, p. 35).

Processo em que os envolvidos assumem a responsabilidade pelo processo educativo.

Invenção ao se buscar caminhos necessários, eles não estão prontos, tenho pistas em

metodologias, mas não se enquadram em nenhuma e é preciso misturá-las, inventá-las a cada

etapa para dar conta do que se busca. Processo educacional que favorece uma educação mais

integrada:

[...] sem dissociações abstratas; à parte a nova filosofia de educação que implica essa

postura e mesmo a nova visão de mundo que ela suscita, também experimentaríamos,

com essa postura pedagógica, uma sensível melhoria no aproveitamento e

rendimento dos alunos, pois aquela barreira intuitiva não mais precisaria ser

ultrapassada (GALLO, 1999, p. 38).

As teorizações dos professores apontam uma nítida melhoria no aproveitamento e

rendimento dos alunos. “O aproveitamento dos alunos foi excelente!!! Não esperávamos dos

alunos da 5ª série uma interação tão produtiva com os recursos tecnológicos e textos escritos

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em língua inglesa” (LOPES, 2009, p.61). A professora pontua ainda que a integração entre

seus pares e áreas do saber, numa produção de “mão própria” foi surpreendente e “representou

um divisor de águas em meu caminho pela educação que merece atenção também, de forma

continuada, de gestores escolares” (ibidem).

Processo educativo na contramão de algumas propostas de formação de professores de

língua estrangeira, como nos lembra outra professora de língua inglesa, Girlene Urbano, que

na maioria das vezes lhes oferecem modelos prontos de como fazer. “O aluno-professor é

treinado a partir de certos modismos sobre como ensinar línguas, isto é recebe uma formação

pautada por dogmas (URBANO, 2013, p.164)”.

Uma prática coletiva, que instiga o comprometimento dos professores em todas as

etapas ao planejar ações conjuntas “fugindo dos conteúdos programados pelo poder

hegemônico, o que, na prática, já é uma grande transformação” (GASPAROTO, 2009, p. 41).

Uma dinâmica em que alunos e professores são parceiros a ensinar uns aos outros os mais

diversos saberes, “a partir do que fazemos, lemos, ouvimos, sentimos, conversamos, vemos,

traçando nossos conhecimentos em processos que são sempre transversais, mesmo que não o

percebemos” (ALVES e GARCIA, 1999, p. 106).

A produção de saberes nesse processo pedagógico acontece de forma transversal, o que

implica em um currículo aberto em constante devir, ao transpor barreiras entre disciplinas

como na “história, geografia, língua portuguesa, inglês – contribuindo para o que o aluno

perceba que tudo está interligado e amplie sua visão de mundo” (URBANO, 2009, p. vii).

Rompendo com a “fragmentação do currículo escolar, formando uma equipe de professores

pesquisadores integrada no processo educativo” (GASPAROTO, 2009, p. ix), em que se

assume a escola como um “espaço político, de possibilidades múltiplas” (URBANO, 2013, p.

165) ao pensar coletivamente os processos educativos.

A professora Elizandra Carvalho (2009) lembrou diversas vezes que essa maneira de

apreender no processo pedagógico só foi possível por se tratar de escola pública, o que em

uma escola particular seria praticamente impossível, uma vez que o processo pedagógico é

completamente estriado ao propor aulas, via apostilas com dias e horários determinados.

Parece que está cada vez mais difícil encontrar espaços para algum tipo de experimentação,

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uma vez que a tendência das escolas públicas é também aderir aos cursos limitados em

apostilas, visando o controle total da atividade pedagógica.

[...] a grande vantagem de trabalhar na escola pública é que o professor, ainda que

utilize o currículo estabelecido, tem autonomia de criar, adaptando-se a realidade de

cada sala de aula (ibidem, 75).

Processo pedagógico que carrega inúmeros desafios no apreender via problematização

de temas de interesse, no dia a dia, da sala de aula. Gasparoto (2009) aponta algumas de suas

dificuldades com uma turma de alunos, no ano de 2008.

Deparamo-nos com diversas dificuldades, desde a aceitação da necessidade de

trabalho em grupos até a necessidade de leitura, interpretação e produção de textos de

forma autônoma, apenas com a orientação do professor (GASPAROTO, 2009, p.

39).

Desafios de diversas naturezas, desde o costume dos alunos com um saber pronto e

acabado, a nossa inexperiência até a burocracia do espaço estriado da escola. Ao se estudar

assuntos de sua realidade os alunos se mostram interessados, especialmente os “relacionados

ao seu bairro e às coisas que lhe dizem respeito, como saúde, prevenção, nutrição, atividades

físicas e plantas medicinais” (ibidem). Em relação ao processo de escrita a dificuldade está em

convencer “alunos costumeiramente ‘copistas’, passivos, em agentes de sua própria

aprendizagem e interessados em aprender” (GASPAROTO, 2009, p. 39) na direção de:

Kramer (2001), que no exercício da escrita é chegada a hora de deixar de ensinar a

escrita e começar a escrever as ideias, emoções e poemas, como aconteceu nos

encontros / aulas do curso “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”47. E

como as ideias rolam! (ibidem).

Além, dos desafios no processo pedagógico com os alunos, que muda completamente a

dinâmica, existem infinitos outros no problematizar e teorizar de nossas próprias práticas, em

que as pesquisas no âmbito do nosso fazer cotidiano exigem o criar de caminhos próprios para

a sua compreensão. Um gênero de pesquisa, “que não se encaixa em nenhum dos paradigmas

clássicos (positivismo, crítico e interpretativo)” (DAMIN, 2004, p. 16).

47 UNICAMP, FE - Na disciplina “A Pesquisa Científica como instrumento Pedagógico”, em que foram

convidados escrever de diversas formas, artigos científicos, poemas, narrativas, enfim o que desejassem.

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117

O processo vai se delineando na contingência, em que pesquisador e pesquisado estão

numa mesma pessoa, como protagonistas no campo curricular e profissional, com maior

conhecimento das instituições têm melhores condições para compreender e criar outras

práticas pedagógicas na escola. A investigação sobre a prática:

[...] envolve um nível de pensamento diferente da simples aprendizagem a partir da

experiência. Ao contrário da simples troca de experiências, a investigação sobre a

prática é ameaçadora para o status quo, na medida em que põe em causa a cultura

instituída da escola e ameaça as hierarquias e papéis tradicionais (MOUSLEY, 1997

apud PONTE, 2002, p. 20).

O sistema burocrático da instituição escolar está organizado para se exercer o controle

técnico sobre os processos do apreender com “o fim de alcançar objetivos específicos,

segundo a política dominante, do que favorecer a autonomia profissional ao docente”

(PEREIRA, 2001, p. 179).

No processo de pesquisa da prática a parceria com docentes da universidade pode

contribuir muito com teorizações filosóficas sobre questões educacionais, metodológicas,

ajudando-nos a pensar nossas próprias práticas, em sala de aula, em sua elaboração e

sistematização. Discussões com professores de escolas públicas e professores da universidade

podem impulsionar e legitimar nossas produções. Parceria na contramão da corrente vigente,

em que:

[...] a ideia de tratar seriamente o conhecimento produzido pelos professores como

um conhecimento educacional a ser analisado e discutido é uma ideia que ofende a

muitos e traz sérias consequências para quem assim procede na academia

(ZEICHNER, 2001, p. 230).

Alguns professores da Unicamp, parceiros nas produções estão na vanguarda,

formando alianças com professores de escolas públicas e contribuindo para a

valorização do saber docente e discente produzido nessas escolas e a consequente

melhoria dessas instituições (DAMIN, 2004, p. 147).

Segundo Zeichner (2001) é preciso romper o isolamento recíproco e a forma como

ambos vêm sendo tomados nas políticas governamentais reacionárias, em alguns países, ao

criar obstáculos e ignorar discussões “e evidencias de pesquisas de qualquer espécie” (p. 230).

Faz-se necessário tomar a iniciativa e formar alianças com os professores, caso contrário as

“pesquisas acadêmicas continuarão a serem ignoradas pelos professores e pelos planejadores

de políticas educacionais” (ibidem).

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118

Observamos que no Projeto “Ciência na Escola” e no curso de especialização ao se

criar alianças com professores e gestores de Escolas Públicas, contribuiu-se para a

experimentação de outras maneiras de se pensar o processo pedagógico, no espaço

microssocial, em relação à apropriação dos espaços e tempos da escola.

Em nossos encontros a postura exercitada era a de criar um ambiente de calma e leveza

a apoiar cada um a experimentar o que realmente acreditasse e desejasse a partir de suas

vontades e campos de saberes. Muitas vezes sentimos vontade de experimentar outras coisas,

mas ficamos inseguros, o que em um encontro encorajador e com subsídios podemos fazê-lo

como aponta a professora Cláudia Latarini:

[...] no início do curso quando a professora da disciplina “A Pesquisa como

Instrumento Pedagógico I” quis ouvir o que tínhamos a dizer, percebi que algo

acontecia com a turma.

Todos se sentiam a vontade, para falar e falávamos muito, o que não ocorre em

outras aulas de cursos de especialização como os do ano passado Mat 300 e Mat 500

no IMECC e com outros professores daqui.

Nossa turma falava de sua vida na escola, de sua escola, todos queriam ouvir. [...]

fiquei muito feliz, pois senti como se um esparadrapo a tampar minha boca tivesse se

soltado. Pude soltar a voz, nunca havia feito isso antes.

Isso refletiu em minhas aulas e hoje ouço mais que falo, escuto e dou voz aos meus

alunos muito mais que antes, reúno-os em grupos e observo (LATARINI, 2009, p.

11).

[...] agora estou arriscando experimentar, inovar em minhas aulas (ibidem, p. 12).

“Nossa turma falava de sua vida na escola, de sua escola, todos queriam ouvir” essa

frase aponta que a força do acontecimento, no dia a dia da escola, se esvai na burocracia do

aparelho de Estado, em detrimento do pensar o processo pedagógico. Papeis a preencher,

mudanças de processos, visando o controle de tudo, em avaliações ad eternum, ao invés de

criar espaços para criações coletivas, dentro da própria escola, o que muitas vezes se repete

nos cursos destinados aos profissionais da educação. Podemos observar em suas falas, que

prezam esses momentos de trocas de vivencias, saberes e se apropriam de maneiras de fazer

uns dos outros. Uma professora de um 3º Ano desse curso disse que apreendia muito com os

professores dos Ciclos III e IV e que levava para suas aulas muitos desses saberes e maneiras

de lidar com o processo pedagógico.

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119

Nos primeiros encontros as conversas eram permeadas por críticas à Secretaria

Municipal de Educação de Campinas, SP, infinitas questões de toda ordem de desatino

cometida pela gestão pública, que existem e são muitas.

Ouvíamos as questões48 trazidas por todos e as pensávamos juntos, o que sempre

resulta em certa “calma” e outra maneira de olhar a situação. São desafios muito maiores do

que nós. Crianças e jovens em situações limite, que algumas vezes contribuímos para o seu

agravamento, por nosso completo despreparo em lidar com elas. Exemplo, uma das escolas

costumava chamar a polícia para lidar com alguns alunos, uma das professoras não

concordava, conhecia o seu aluno e sabia que isso não o ajudaria, tentava desesperadamente

convencer a direção e interferir, sem sucesso... A contingência cotidiana da vida na escola se

impõe e algumas vezes, só nos resta o apoio mútuo, incentivo, confiança...

Vagarosamente diante do meu insistente convite a falarem de si, de suas escolas, da

maneira como pensavam o processo educativo, desviou-se o foco nas mazelas e começa a

despontar a potência do professor e gestor, empreendimentos de pessoas extremamente

comprometidas com o que acontece na escola.

Escolas da periferia da cidade com desafios de toda natureza. Gasparoto (2009) pontua

que a dinâmica dos nossos encontros impulsionou os participantes a se lançarem no processo

de escrita sem reservas, deixando que as palavras escorressem com emoção e vida, um deixar

rastros na escrita, em experimentações. “Desenvolveu-se de tal forma atraente que permitiu a

participação efetiva dos professores/alunos em todos os momentos, despertando em muitos a

necessidade de falar pela escrita os sentimentos mais escondidos da alma” (GASPAROTO,

2009, p. 23). Uma dinâmica de encontros a encorajar o seguir fluxos de desejo, partilha de

experiências, pode impulsionar o romper de limites e a experimentação de outras formas de

fazer as coisas:

48 Em um dos cursos de Etnomatemática que ministrei na rede pública de Campinas, no ano de 2014, teve uma

aula, que as professoras de Educação Infantil estavam extremamente abaladas com uma decisão judicial que

mandava matricular mais um tanto de bebes em salas, já com excesso de crianças por professora e agentes de

educação. O que tornava humanamente impossível de se realizar um trabalho digno para ambos. Foi uma tarde

inteira de desespero e tentativas de encontrar formas de exigir o cumprimento da legislação pelo poder público.

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[...] a partilha de experiências, ideias, ações, propostas pedagógicas em função do

crescimento individual e de melhorar a aprendizagem do aluno. Era a possibilidade

de refletir sobre a sua prática pedagógica e enriquecê-la com a experiência dos

colegas, com os saberes dos coordenadores e com as ideias dos autores com os quais

tínhamos contato (ibidem, 2009, p.23).

A interação com o outro, em um grupo formado por professores e gestores, no repensar

da escola, educação se mostrou extremamente profícuo para que se compreenda a posição do

outro, criando um ambiente mais acolhedor e desarmado em relação às diversas situações que

se encontram cada um. Um episódio: na terceira aula do curso uma professora, após apresentar

um seminário, disse com os olhos brilhando: “Nossa professora! Eu tinha pavor de falar em

público, desde a terceira série, hoje sumiu! Ah! E o texto que escrevi, ficou tão bom que eu

nem acreditava”. Encontros alegres contagiam e aumentam a nossa força de existir como

aponta a professora Denilda Altem.

Esses espaços de integração ‘contagiantes’ ofereceram condições para que o grupo

de professores refletisse sobre suas práticas pedagógicas e criasse espaços e tempos

necessários para o desenvolvimento da aprendizagem por meio da pesquisa, um

processo de ensino/aprendizagem adequado às necessidades e aos interesses dos

alunos. Os vínculos criados favoreceram o nosso crescimento intelectual e

profissional e consequentemente o processo formativo de nossos alunos (ALTEM,

2009, p. 63, 64).

Nesse processo o ler e escrever parece que se constituem em importantes dispositivos

na emergência de intensidades, campos intensivos. Ao olhar para a si mesmo, repensam suas

ações e retorna para a escola, vida de outra maneira, acrescidas da compreensão da posição

dos outros, o que contribui para se inventar outras maneiras de gerenciar a escola em sua

complexa teia cotidiana. Nas palavras da diretora educacional, Mariângela Modé.

Escrever sobre o meu cotidiano na função de diretora se constituiu em uma forma de

olhar para minhas ações diárias, revendo e refletindo sobre cada uma delas.

Ouvir esses professores despidos de qualquer preconceito, se é que posso chamar

assim, que na escola sempre aparece em relação à chefia, tem sido um ganho grande

para minha função. Fomos aprendendo com o passar dos semestres a pensar juntos,

num grupo cuja coordenação do curso nos tem feito crescer em nossas reflexões.

Estamos aprendendo a ler e a escrever, construindo novas hipóteses na interação e no

confronto com outro (2009, p.8).

No turbilhão cotidiano de uma diretora educacional com suas demandas disciplinares,

organizacionais, burocráticas se é tragado por elas e, essa parada para pensar junto com outros

educadores possibilita o desnaturalizar do que está posto. O exercício de ler e escrever junto

com outros segmentos da escola, “na interação e no confronto com outro” se criam novos

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campos de forças, em que cada um, ao se deixar levar, possibilita criar o inimaginado, como

na escrita de sua primeira poesia aos 40, 50 anos e experimentar outras formas de ensinar,

apreender, gerenciar a escola e própria sala de aula. Alunos e professores na escolha de

assuntos para o processo do apreender e as formas de fazê-lo protagonizam uma:

[...] educação como devir, primando por diferenças e singularidades os seus atores

(DAMIN, 2004, p. 119).

A aluna Flávia (2003) aponta para isso, ao dizer: “Esse trabalho nos fez ver as

pessoas com outros olhos... que cada um pensa de um jeito... Diferentes concepções

sobre as coisas. Amadurecemos muito” (ibidem).

Uma prática que exige atenção aos pequenos detalhes e pistas ao trazer vozes

silenciadas no grande cenário social para “encontros” a proliferar campos intensivos, onde, e

como se apresentarem. Campos intensivos a surgir em encontros, a impulsionar a nossa força

pessoal, quebrando o medo de experimentar, pensar e agir por sua própria conta e risco.

Dinâmicas carregadas de intensidade, redemoinhos de subjetividades no sentido de relação de

força consigo mesmo, como em Foucault, que não:

[...] emprega a palavra sujeito como pessoa ou forma de identidade, mas os termos

‘Subjetivação’, no sentido de processo, e ‘Si’, no sentido de relação (relação a si). E

do que se trata? Trata-se de uma relação de força consigo (ao passo que o poder era a

relação de força com outras forças, trata-se de uma ‘dobra’ da força).

Penso até que subjetivação tem pouco a ver com sujeito. Trata-se antes de um campo

elétrico ou magnético, uma individuação operando por intensidades (tanto baixas

como altas), campos individuados e não pessoas ou identidades. É o que Foucault,

em outras ocasiões, chama de paixão. Essa ideia de subjetivação em Foucault não é

menos original que a de poder e saber: as três constituem uma maneira de viver, uma

figura estranha em três dimensões, assim como a maior filosofia moderna (e esta é

uma declaração sem humor) (DELEUZE, 2000, p. 116 e 117).

“Campo elétrico ou magnético operando por intensidades”, campos intensivos a

produzir modos de existência. Uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um

acontecimento, como o evento realizado no final de junho de 2008 após três meses de aula, em

que professores e gestores ao mostrarem suas produções no saguão do prédio chamado “o

anexo” da FE/UNICAMP. Produções escritas como artigos e poesias pendurados em uma

corda entre pilares, fotos, pôsteres. Além, de uma instalação artística da professora

Ambrosina, no formato de um banheiro para leitura, mobiliado com um vaso sanitário branco

com flores vermelhas dentro, no espelho uma bruxinha, em cima um galo e muitos metros de

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papel higiênico, cuidadosamente enrolados em palavras, muitas palavras, Drummond, Clarice,

Bandeira e tantos outros...

O evento provocou a exclamação na professora Mariângela Kachan: “Pareciam

crianças às vésperas de entrar em férias” e, como nos coloca Deleuze (2000), uma

subjetivação pode ser uma hora do dia, um rio, um vento, uma vida.... É um modo intensivo e

não um sujeito pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se poderia ultrapassar o

saber nem resistir ao poder. O acontecimento “mostra dos professores” a disparar campos

intensivos, trouxe visibilidade a um processo singular caracterizado pelo inusitado, “nossos

olhares” pasmos de admiração e expressões “nunca pensei que eu fosse capaz” de escrever

textos, poemas, trabalhar com o software Pouwer Point.

Ao possível leitor isso pode parecer muito pouco, mas o efeito de encantamento, talvez

a liberação de si provocada em nós, se mostrou eficiente exercício rumo à experimentação de

coisas outras. Com Artaud poderíamos dizer, que um exercício de se sacudir os organismos e

se chegar um pouquinho mais perto do que seria um corpo sem órgãos, com o “escorrer” de

marcas ‘tristes’49 acumuladas pela moral de nosso tempo, em que os modos de vida devem ser

de uma determinada maneira, preconizados pela escola, igreja,... A violência cognitiva da

razão, em detrimento da alegria, da liberdade...

A frase que já citei anteriormente “Dos desejos próteses em desejos devir...”, da

professora Denilda aponta rastros do movimento vivido por todos nós, na tentativa de atualizar

nossa maneira de estar na vida, na escola e naquilo, em que vamos, nos tornando, o nosso

devir outro. Segundo Deleuze sobre Foucault, nós pertencemos a dispositivos e neles agimos.

À novidade de um dispositivo em relação aos que o precedem chamamos de

actualidade do dipositivo, a nossa actualidade. O novo é o actual. O actual não é o

que somos, mas aquilo em que nos vamos tornando, aquilo que somos em devir, quer

dizer, o Outro, o nosso devir outro. É necessário distinguir, em todo o dispositivo, o

que somos (o que não seremos mais), e aquilo que somos em devir: a parte da

história e a parte do actual (DELEUZE, 2000, p. 92 e 93).

No processo Educação Caos o pensar que possibilite refazer nossos modos de

existência certamente implica o impulsionar do encorajamento pessoal e o como nos

constituímos como “si”. O que nos interessa como a Foucault, posto por Deleuze é o:

49 Como as figuras de Bacon, mostradas no campo intensivo 3, em que a carne se escorre...

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[...] nós hoje quais são nossos modos de existência, nossas possibilidades de vida ou

nossos processos de subjetivação; será que temos maneiras de nos constituirmos

como “si”, e, como diria Nietzsche, maneiras suficientemente “artistas”, para além

do saber e do poder? Será que somos capazes disso, já que de certa maneira é a vida

e a morte que aí estão em jogo? (DELEUZE, 2000, p. 124).

Por exemplo, o homem do século XIX enfrenta a vida, e se compõe com ela como

força do carbono. Mas quando as forças do homem se compõem com a do silício, o

que acontece e quais novas formas estão em vias de nascer? Foucault tem dois

predecessores, Nietzsche e Rimbaud, aos quais ele acrescenta sua versão, que é

esplêndida: que novas relações temos com a vida, com a linguagem? (ibidem, p.

125).

Com Deleuze a partir de Nietzsche encontrar “maneiras suficientemente ‘artistas’, para

além do saber e do poder” e, com Foucault cavar novas relações possíveis com a educação,

vida, em que as relações de poder se diluem na imanência dos fluxos de desejo e engendra

também uma ética de “si”. Ética de si como um conjunto de regras facultativas a avaliar o que

dizemos e fazemos, em função dos modos de vida, diferente da moral que se “[...] apresenta

como um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e

intenções referindo-as a valores transcendentes (é certo, é errado...)” (DELEUZE, 2000,

p.125).

Relembrando que não entendemos o “si” como atributo de um sujeito, mas a uma

instância impessoal povoada por conexões de fluxos de desejo a recortar o caos, em misturas,

impulsionando a proliferação da Diferença na direção de Peter Pál Pelbart (1995, p. 2) sobre

Deleuze:

Deleuze fez da Diferença um conceito eminente e o elevou a uma suficiência sem

precedentes. [...] abrindo o caminho para a elaboração de uma ética da singularidade:

não apenas colher as diferenças constituídas, sejam elas individuais ou coletivas, mas

produzir novas diferenciações, fazer do homem um grande experimentador, um

afirmador de modos de existência singulares. É como disse Foucault, a ‘introdução a

uma vida não-fascista’.

Uma vida não fascista ao escolher ações mais afirmativas, que possibilite o

envolvimento de professores, gestores e alunos em projetos coletivos, que representem os reais

desejos dos envolvidos e que cada um seja responsável pela execução do que é proposto “com

o trabalho, a palavra, a ação e a reflexão, diluindo-se o poder entre todos” (DAMIN, 2004, p.

147). Um processo educativo calcado na materialidade do acontecimento em que pequenas

ações podem gerar importantes diferenças e abertura de novos caminhos, na contramão dos

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fluxos instituídos e políticas impostas, onde a prática é desprestigiada, em detrimento da

racionalidade homogênea já formalizada, com caminhos traçados de antemão.

Os conhecimentos gerados da problematização de situações da realidade por

emergirem na contingência “podem ser considerados ‘nômades’ em relação à sua organização,

pois o aprendizado segue um caminho completamente ‘fora’ da ordem estabelecida pelos

programas escolares” (DAMIN, 2004, p. 144). Saberes advindos de estudos de assuntos do

cotidiano em sua materialidade e caos com caráter pragmático e contingente, “completamente

fora da ordem dos livros didáticos e dos programas pré-estabelecidos” (ibidem) ao tratar as

informações em “diversas abordagens: histórica, geográfica, socioeconômica, sociocultural,

dependendo do que surge de interesse entre os envolvidos, no processo compartilhado”

(ibidem). Saberes produzidos na contingência cotidiana sobre a prática, a matemática, a

geografia, a história, dentre outros, por professores, gestores e alunos. Com Deleuze &

Guattari (1997) podemos dizer que se trata de um conhecimento menor, calcado localmente,

no vivido, gerados por situações problematizadas, um saber nômade, onde estão presentes

condições “dinâmicas e nômades como as de devir, heterogeneidade, passagem ao limite,

variação contínua, etc.” (ibidem, p. 27). Um saber do presente capturado pelo olhar atento do

pesquisador:

[...] em busca de elementos que afetem o espaço, turbilhonando-o com ações

resultantes do acontecimento problematizado. Ações que transformam a visão de

uma ciência inatingível e ininteligível para a de uma ‘ciência nômade’ calcada

localmente no vivido, porque foram geradas e impulsionadas por situações-problema

(DAMIN, 2004, p. 143).

Um processo educativo, em que ações na contingência, na imanência cotidiana,

calcado na materialidade do acontecimento, no aqui e agora com atenção aos pequenos

detalhes e pistas, campos intensivos surgem e desaparecem à semelhança da emergência em

Nietzsche, em que forças entram em cena irrompendo dos bastidores. A emergência “é a

entrada em cena das forças; é sua interrupção, o salto pelo qual elas passam dos bastidores

para o teatro, cada um com seu vigor e sua própria juventude” (FOUCAULT, 1979, p. 24).

O encontro para trocas, o exercício da escrita apontam que podem ser eficientes

detonadores de intensidades a impulsionar a experimentação e, a consequente invenção de

outras maneiras de se pensar a escola, em que campos intensivos surgem e se imbricam uns

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nos outros, compondo-se. Composição, que pode gerar um processo educativo caótico, em que

as fontes geradoras de campos intensivos variam dependendo da contingência. Um dos

elementos interessantes nesse processo é que aprendemos muito mais do que ensinamos sobre

os assuntos estudados, nós mesmos, e sobre como operar com as flutuações e surpresas das

situações, acontecimentos.

Campos intensivos gerados na multiplicidade dos encontros em que afecções

mutuamente refazem nossos corpos, flutuações rápidas podem incitar momentos de afluência,

relativos à aspirações comuns, algumas vezes fluxos de desejo irrompem em realizações. Na

instituição escola campos intensivos se constituem nas misturas dos espaços lisos, cavados na

teia de possibilidades de invenção com o espaço estriado em sua constante “implementação”

de novas leis educativas ad eternum, na tentativa de controle do estado sobre a vida cotidiana.

São forças a embaralhar constantemente e talvez, possamos dizer com Sheldrake

(1995) que dessa forma se impulsiona o campo de ressonância mórfica, que se adensam nos

campos intensivos. Sheldrake conjectura que se os conteúdos mentais se transmitem de forma

imperceptível de pessoa para pessoa, processos educativos que realcem os processos de

ressonância mórfica impulsionam o apreender.

Lembrando que essa ressonância se refere à emergência espontânea de propriedades

intensivas, que são sempre multiplicidades, definidas como “um conjunto entrelaçado de

campos vetoriais postos em relação por bifurcações que quebram as simetrias, com uma

distribuição de atratores50 que define cada nível integrado ou incorporado” (DELANDA,

2002, p. 32 apud MADARASZ, 2007, 180). Atratores, que podem ser pensados em termos de

campo de forças a exercer atração em certas situações, espaços a produzir diferenças.

50 O Atrator Caótico – a ordem no caos. A segunda lei da Termodinâmica afirma que os sistemas tendem à

desordem. Uma das grandes descobertas da ciência da complexidade foi mostrar que alguns sistemas tendem à

ordem, graças aos atratores caóticos.

Atrator é uma região (subconjunto) do espaço de fase de sistemas dissipativos para a qual tendem as trajetórias

que partem de determinada região. É como um campo de força que exerce uma certa atração numa determinada

região do espaço. Os atratores representam o processo de autoorganização dos sistemas.

http://www.fractalis.com.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=28

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Bifurcações, atratores, campos de forças, campos intensivos elementos do Processo

“Educação Caos” a disparar um currículo aberto, em que elementos heterogêneos como os

saberes das ciências, das artes, modos de gerenciamentos de situações são chamados a compô-

lo, na complexa teia de agenciamentos a dar conta de demandas, em constante devir...

A nos convidar a lançarmos em experimentações...

A seguir fluxos de desejo na imanência cotidiana...

A compor encontros, que aumentem a nossa força de existir...

A forjar modos de vida singulares na escola, vida...

...........................................................................................

De repente...

...Tomada de assombro me dou conta do alcance das propostas do Projeto “Ciência na Escola”... Provocador de possibilidades de criação na escola....

Tudo o que se fazia nas escolas com os professores e alunos era criar condições para a um processo pedagógico na contingência... A força da universidade a impulsionar a criação de outras maneiras de fazer e pensar a escola...

Os “encontros”, em que cada participante mostrava o que fazia em sua escola iam contagiando os demais... Marcas de encantamento... Neste instante salta a minha frente dois mapeamentos de nascentes51 na cidade de Campinas... Fotos mostrando água a minar, embaixo de um tanque de lavar roupa, no bairro Jardim Proença com alunos e professores... Nascentes em Barão Geraldo... Composição de música sobre o tema água52... Criação de chuva ácida em laboratório...

Infinitas outras coisas...

51 No Curso de Especialização: José Cícero Alves, bairro Jardim Proença e Valéria Catarino em Barão Geraldo,

no ano de 2008, bairros de Campinas, infelizmente esses dois professores não concluíram o curso.

52 Alunos do Ensino Médio da EESG Aníbal de Freitas, 2002.

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ANEXOS

BRINCANDO COM AS IDEIAS... PALAVRAS... POESIAS...

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Amantes

Embriagada por um caudal de desejo, Impregnada de um luar de alegria,

Despiu-se da apatia, envolveu-se num lampejo, Entregando-se como um sol de pleno dia...

Na sucessão de tanta volúpia incontida,

Esparramou todo o amor, em que pese a dor, Não doou o corpo, mas, a alma que é vida,

Que é esperança, chama, eterno calor.

Parou o tempo e imortalizou a felicidade, A um instante fez-se apenas sentimento Para que amanhã não sentisse saudade

Do amado querido, inolvidável momento.

Sorriu, chorou, tornou-se mulher, Olvidou a dor, entregou-se ao amor,

Amada, amante, sem pudor qualquer, Foi feliz, amando, viveu com inteiro torpor.

Para minha mulher e para todas aquelas amam.

Durival José Gasparoto.

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A vida... Passos e compassos na EMEF Vicente Ráo

Com passadas chegando.. À escola ao meio dia Escuto ao longe um aluno... Chamando-me! Olho onde está... O que será que ele quer?

É grande a felicidade

Em poder algo ensinar... Para esta turminha alegre Que sempre que ali estou me persegue

E a dúvida que os mapas trazem... Não é geografia... Nem história... É a matemática dos mapas...

Calculando, desenhando e localizando..

A escola Vicente Ráo, Onde fica e como é. Quantas árvores! Qual é sua simetria? De suas folhas

Quanta alegria trás, A imaginação voa... Como um pássaro que quer pousar...

Na aprendizagem, descobertas...

Passam anos, passam dias A alegria da vida Funcionários a sorrir e a dizer bom dia,

Alunos a se despedir.. Com a certeza Dos bons momentos passados

O dia de hoje se foi.... Muito aprendemos... Muito ensinamos...

Amanhã ali continuamos prontos para o milagre da vida...

Gisele Z. Latarini

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O J de Jaci e a matemática

A escola, os burburinhos dos alunos nos

corredores, a chegada e a saída.

O barulho dos pés no chão, a correria na entrada e saídas das aulas... Quanta pressa!!!

Nas carteiras, nas salas muitos pés, quantos pés? Quantas carteiras e cadeiras sobre o chão?

O piso da escola é permanente? A esta pergunta, aparentemente sem sentido

Sob nossos pés observamos com olhar de matemáticos...

O Piso. Piso indo embora, após 40 anos

A nos amparar dia após dia nas salas e biblioteca Maravilhosos mosaicos a enfeitar nosso caminhar

Desconstruído e reconstruído, com novo piso Porém, imortalizados em muitas fotos em sua antiga forma de J de

Jaci Cantos com pisos dissonantes, irregulares

Cantos com cores alternadas e cantos com maravilhosos mosaicos A geometria reproduzida por alunos ao ranger do encaixe da

madeira Agora outros mosaicos... Criação multicolorida em folhas de caderno

Ângulos e encaixes a disparar desejos de aprendizados e sonhos. A lousa tela do aluno/artista a receber formas e cores

Inusitado instante imortalizado na memória viva, imagens... Corpos marcados/linguagens.....

Outros alunos virão......

Cláudia Gisele Zaparoli Latarini e Maria Aparecida da Silva Damin

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SEMEIA PROFESSOR!

Semeia professor! Abaixe-se.

Sinta o cheiro da terra. Coloque sua mão nela.

Sinta-a escorrer pelos vãos de seus dedos.

Alguns solos são fofos, são vermelhos, Mas outros são secos, cheios de pedras.

Ah, mas sinta-o em suas mãos. Retire as pedras com paciência,

Regue-o.

Sinta o cheiro de terra molhada... O que antes estava tão seco,

Com dedicação e cuidado transforma-se em outro solo. Brinque com ele!

Escreva nele! Deixe sua marca...

Agora semeie, professor!

Não apenas jogue as sementes, mas semeie... Envolva-se,

Permita o dançar dos dedos com o solo. Ah, como é bom senti-lo!

Regue sempre. Adube. Tenha paciência. E, diariamente, contemple a transformação...

O desabrochar da vida! A conversão de sementes em flores,

Das mais diversas cores, Cada uma com sua beleza e encanto.

Missão cumprida!

Agora, professor, Comece tudo novamente, Semeando novos jardins.

Elizandra R.N. de Carvalho (2009, p. viii)

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São: Caminhos elusivos

Nessas idas e vindas,

Pude perceber quantos caminhos percorremos. Muitos caminhos repetidos,

Mas com novos olhares. Nossos olhares mudam para esses velhos caminhos,

Dependendo de como queremos enxergá-los. Posso ver...

Caminhos que se cruzam e se entrelaçam Caminhos que se ligam ou se encontram Caminhos que vem e caminhos que vão

Caminhos novos e caminhos em construção Caminhos difíceis...

Caminhos curtos, caminhos longos

Caminhos ao sol, caminhos à sombra Caminhos meus, caminhos seus, caminhos nossos

Caminhos que refazemos juntos Caminhos naturalmente indefinidos...

Denilda Altem

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Meu Maranhão

De estradas, poeira, buracos no chão Homens, mulheres, machado na mão

Trabalham, só trabalham Vivem a sofrer, esperando dias melhores para viver

Sol a pino! A seca massacrando sem dó

Donde nasci e me criei! Ó! Terra minha!

Sertão do Maranhão Em que viverei e um dia partirei

Talvez! Sacudir o pó e rumar para algum lugar

Cristalino e Multicolor A deslizar suavemente nas asas do beijar flor

Ou das abelhas a fabricar seu mel...

Nair Heerdt

Pensando na forma como a população segue em busca da palmeira de babaçu, isto é,

pega um machado, uma marmita, a família toda e pede licença ao dono das fazendas, que

não utilizam a palmeira para nada e extraem dela seu ganha pão, lembrei-me do quadro Os

retirantes de Cândido Portinari e escrevi este poema (Nair Heerdt, 2009, p.6).

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A escola

A escola é uma Explosão de formas e cores

Que se transformam no infinito...

Imagens do cotidiano, Mistura de fazeres,

Mistura de sentimentos, Mistura de corpos, Mistura de vida, Que se faz e refaz,

Em virtuais flutuações, bifurcações...

Intensidade de trabalho, De união, De forças,

Que se interagem E se modificam Continuamente.

Movimento contínuo que se traduz

Na amizade, na interatividade e na diversidade Que simbolizam o NAED Sul.

Miriam Benedita de Castro Camargo

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Um código, 4f 09042008?

O início de esperança Vontade imensa de Espalhar sementes e Buscar sabedoria de

Mentes ilustres Chega-se ao fim do começo.

Olhar reflexivo!

Numa análise profunda Das práticas, objetivos...

Relações humanas Comportamento!

Êxitos, fracassos?

Trabalho contínuo

A transformar vidas, Inventar caminhos

De repente, Tornou-se público!

Falas, poemas, escritos, Desnudos desejos!

Joana Luzia Olaf, inverno de 2008

Um código, 4f 09042008?

4f – Quarta feira, nove de abril, de 2008, nosso primeiro encontro no curso de Especialização...

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Se sou professor (a) é...

Que tenho tanto a dar...

Que estou sempre a compartilhar.... Que estou sempre a aprender.... Que procuro momentos em que

Possa doar parte de mim a outro E promover mudanças inexplicáveis Em cada aluno(a) com quem convivo

Em cada ser com que vivo.

Queridos(as) amigos(as) professores(as), vejo-os(as) como uma explosão de

potencialidades e carinho a cada seminário que leio/assisto. Senti vontade de lhes dizer essa

poesia escrita acima, porém ela é muito simples para expressar a explosão de

humanidade/capacidade/amor embutidos em cada um de vocês.

Com muito carinho e desejando parabéns pelo seu dia....

Rosana Tinel (2008)

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PASSADO OU FUTURO

Passaram-se os anos, a educação sempre rondando. Será sorte ou destino. Mas afinal! Ela é para todos?

Como educadora, hora vejo o passado, hora vejo o futuro. Na verdade gosto muito dos dois.

Quando estou com o passado é maravilhoso, Posso fazer parte da realização do grande sonho de alguém,

No resgate do tempo perdido sem o privilégio do estudo em idade própria.

Discriminação! Mulher Brincou de boneca, casinha, viajou em estórias, poesias e sonhou com

o príncipe encantado, embalou seus filhos Conquistou independência,

Profissão, opção sem escolha, deixa estudo. Presente vazio... Voos ao futuro,

O que nada tem, sonha ser ídolo de futebol, Modelo, rosto estampado em capas de revistas, passarelas da noite.

Ao que tudo lhe parece fácil, aperta botões Preocupam-se com nada, arriscam suas vidas em grandes prédios...

Pichando! Expressam! Talvez, crítica ao sistema imposto,

Descrença de tudo...

A tecnologia... Aprendizado inovador, Ferramenta necessária...

À mudanças culturais, sociais, econômicas Novos horizontes a delinearem-se...

Joana Luzia Olaf

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SONHOS DE UM MENINO

Moleque sapeca e levado da breca,

Que alegre, corre e grita

Para a menina que joga peteca:

- Veja onde voa minha pipa!

Moleque brejeiro, que roda o pião,

Hoje descalço no seu pé-de-lata,

Já sonha com o mundo na palma da mão

Quando for homem grande usando gravata!

Sonha bem alto menino! Alegra seu coração!

Com atenção, veja bem por onde pisa

Siga em frente em valores e educação

E evolua sempre no caminho da pesquisa!

Esteja atento a Internet, ao mouse e ao monitor

Assim como aos livros, a lousa e ao giz,

E faça seus trabalhos sempre com amor,

Pois assim se constrói um país!

Eliana Cristina D´Orázio