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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2012.0000096792 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0037293- 64.2001.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CARLOS ALBERTO BRANDÃO NAVARINI e MARISA COSME BRANDÃO NAVARINI sendo apelado CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ASTÚRIAS. ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente) e DE SANTI RIBEIRO. São Paulo, 13 de março de 2012. Claudio Godoy RELATOR Assinatura Eletrônica

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Acórdão

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000096792

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0037293-64.2001.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CARLOS ALBERTO BRANDÃO NAVARINI e MARISA COSME BRANDÃO NAVARINI sendo apelado CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ASTÚRIAS.

ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente) e DE SANTI RIBEIRO.

São Paulo, 13 de março de 2012.

Claudio GodoyRELATOR

Assinatura Eletrônica

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APELAÇÃO CÍVEL

Processo n. 0037293-64.2001.8.26.0100

Comarca: São Paulo

Apelante: CARLOS ALBERTO BRANDÃO NAVARINI e OUTRA

Apelado: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ASTÚRIAS

Juiz: Carlos Henrique André Lisbôa

Voto n. 2.202

Usucapião extraordinária. Condomínio edilício. Área comum insuscetível de ser adquirida por condômino, ainda que de forma originária. Inexistência de conflito com demanda possessória. Sentença mantida. Recurso desprovido.

Cuida-se de recurso de apelação

interposto contra sentença que julgou, na parte recorrida, improcedente

o pedido de usucapião do 23º pavimento de edifício sobre o qual

instituído o condomínio réu, ao argumento de que se trata de área

comum, nos termos da instituição e especificação, assim impassível de

aquisição, mesmo originária. Sustenta o autor, em sua irresignação, que

o condomínio nunca exerceu a posse sobre o pavimento, que não há

óbice à usucapião de imóvel em condomínio e que a convenção de

condomínio não pode prevalecer sobre contrato celebrado diretamente

com o incorporador, antes da própria instituição. Alternativamente,

pleiteiam a usucapião sobre o último pavimento, apenas que excetuada

a área destinada à sala de máquinas e à caixa d'água.

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Recurso regularmente processado e

respondido.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo

desprovimento do apelo.

É o relatório.

Os autores propuseram ação de

usucapião para ver declarado seu domínio sobre as unidades autônomas

nº 201 e 202, respectivas vagas de garagem e sobre o 23º pavimento do

Edifício Astúrias, localizado no bairro Jardim Paulista, nesta Capital.

Citados os proprietários tabulares e

terceiros interessados, não houve contestação. O Estado e a União,

citados, não manifestaram interesse no feito. A Municipalidade, também

citada, não se manifestou. O Ministério Público, em primeiro grau,

deixou de intervir.

Sobreveio, porém, contestação do

Condomínio Edifício Astúrias, limitada à questão do 23º pavimento,

que, de fato, a instituição e especificação condominial prevêem ser área

comum (fls. 293).

E, a rigor, ainda que o título aquisitivo

dos autores, assim como de seus antecessores, mencione, além das

unidades autônomas e respectivas garagens, o último pavimento do

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edifício, ele é, na realidade, insuscetível de ser apropriado por qualquer

condômino, e já nos termos do art. 3º, da Lei 4.591/64, portanto mesmo

antes da previsão que se levou ao texto do artigo 1.331, e parágrafo 5º,

do CC/02 e, mais, vigente ao tempo em que o condomínio foi instituído.

Ademais da observação acertada da

sentença de que os títulos originários dos antecessores dos autores

sequer foram levados a registro, neles referindo-se nem propriamente a

aquisição, mas o uso do 23º pavimento, a verdade é que, no condomínio

especial, ex-vi legis, as áreas comuns são essencialmente ligadas,

acessórias e dependentes das unidades autônomas, a que se subordinam

mesmo no cálculo das áreas, a chamada tábua de áreas. Não se

sujeitam, por isso, a alienação separada pelos condôminos, mesmo que

originária.

Assentando que a área comum é

insuscetível de usucapião pelo condômino, há inúmeros precedentes

deste Tribunal. Pela remissão doutrinária que nele se contém, cita-se,

por exemplo:

“Porém, não se pode olvidar que a posse exclusiva de

área comum localizada em condomínio edilício é

extremamente precária e, assim sendo, mesmo quando

tolerada por longo período de tempo, não tem o condão

de gerar aquisição da propriedade por meio de

usucapião.

João Batista Lopes, valendo-se da lição de Caio Mário

da Silva Pereira, anota que o direito positivo pátrio não

admite o usucapião de área comum por condômino:

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“O proprietário do apartamento é condômino por quota

ideal do terreno e das partes comuns do edifício. E, ut

condominus, tem o direito de usar a coisa comum, desde

que não exclua os demais condôminos da mesma

utilização. [...] Sendo o proprietário de apartamento um

comunheiro das partes do edifício não constitutivas da

propriedade exclusiva de cada um, por mais que dure a

ocupação exclusiva jamais se converterá em domínio

daquele que dela se assenhoreou a parte comum do

edifício” (in “Condomínio”, Editora Revista dos

Tribunais, 10ª ed., 2008, p. 169).

Outro não é o entendimento de Benedito Silvério

Ribeiro, que acrescenta que as áreas comuns, no

condomínio horizontal, constituem “partes acessórias

das unidades condominiais e, isoladas, seriam

acessórios sem principal. Sendo indivisíveis,

perdurando, destarte, o estado de indivisão, descabe

qualquer aquisição por via da prescrição. Assim, no

condomínio horizontal, o uso da coisa comum, mesmo

que por parte de um dos condôminos, não conduz à

usucapião, pois a posse é tolerada pelos demais

consortes, consubstanciando-se precária, sendo da

essência desse condomínio que assim seja (art. 3º da Lei

n. 4.591/64 e art. 1.331 do Código Civil)” (in “Tratado

de Usucapião”, volume 1, Editora Saraiva, 6ª ed., 2008,

p. 306-307).”

(Apelação 9126528-53.2005.8.26.0000, Relator

Erickson Gavazza Marques, 5ª Câmara de Direito

Privado, j. 01/02/2012)

No mesmo sentido:

“Sendo o proprietário do apartamento, comunheiro das

partes do edifício não constitutivas da propriedade

exclusiva de cada um, por mais que dure a ocupação

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exclusiva, jamais se converterá em domínio daquele que

dela se assenhoreou a parte comum do edifício.

Comentando a questão acerca usucapião de área

comum, observa o eminente Desembargador Luis

Camargo Pinto de Carvalho, também deste Egrégio

Tribunal, em artigo intitulado "Condomínio: Áreas

Comuns e Usucapião" (Condomínio Edilício - aspectos

relevantes - aplicação do novo Código Civil - coord.

Francisco Antônio Casconi e José Roberto Neves

Amorim - ed. Método - p.179/180), o quanto segue, com

apoio, inclusive, no magistério do também

desembargador Benedito Silvério Ribeiro, digno

integrante desta Câmara:

"No caso de condomínio edilício, para ficarmos com a

expressão legal, convivem áreas de unidades autônomas

com áreas comuns. E é a existência desses dois tipos de

áreas que lhe imprimem a característica especial que

ostentam, distinguindo-se do condomínio tradicional.”

(Apelação 0424763-26.1988.8.26.0000, Relator A. C.

Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j.

01/12/2010)

Confira-se, ainda: RTJ 80/851,

RJTJSP 129/266,180/43 e 207/15; RT 734/343 e 753/236. E, desta

Câmara: Apelação 9216997-48.2005.8.26.0000, Relator De Santi

Ribeiro, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 30/03/2010.

E nem se argumente com a demanda

possessória ajuizada pelo Condomínio em face dos ora autores,

porquanto julgada improcedente, confirmada a sentença em segundo

grau (Apelação 9078433-26.2004.8.26.0000, Relator Moura Ribeiro,

11ª Câmara de Direito Privado, j. 04/08/2011). Nem por isso o

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deslinde proprietário se altera.

É que, na esteira do que se vem

decidindo, mesmo em demandas de usucapião de área comum, e

malgrado negada a sua possibilidade, possível reconhecer-se, conforme

o caso, o direito de o condômino continuar a usufruir de área comum

desde que a situação, consolidada, ademais da ausência de concreto

prejuízo aos outros condôminos, seja de tal modo a ensejar ocorrência

do que se convencionou chamar de suppressio.

Com efeito, ainda que a área comum de

condomínio seja inalienável e, assim, impassível de aquisição separada

da unidade, mesmo que de forma originária, não raro se dá sua

utilização por um só dos condôminos, sem oposição, por muitos anos,

daí não decorrendo qualquer especial prejuízo à universalidade dos

proprietários.

A propósito do tema, mercê de largo

escorço da jurisprudência, assenta Francisco Eduardo Loureiro: “O

Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, entendeu

que o prolongado uso de área comum do edifício não gera usucapião,

mas a posse deve continuar em poder do condômino, em razão da

prolongada inércia do condomínio, geradora de suppressio.” (CC

comentado. Coord.: Min. Cezar Peluso. Manole. 5ª ed., p. 1230).

Remete a aresto paradigma do STJ, relatado pelo E. Min. Ruy Rosado,

in: Resp. 214.680, j. 10.08.1999.

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Apelação nº 0037293-64.2001.8.26.0100 8/9

Em idêntico sentido, observa

Nascimento Franco que “embora sem admitir usucapião de área

comum, vem sendo permitido ao condômino por longos anos ocupante

de área vinculada estruturalmente apenas à sua unidade que se defenda

contra pedido de devolução pleiteada pelo condomínio, ou por outro

condômino, invocando a figura da suppressio que protege a posse e a

boa-fé objetiva.” (Condomínio. RT, p. 222).

Pois bem. Na lição de Menezes

Cordeiro, “diz-se suppressio a situação do direito que, não tendo sido,

em certas circunstâncias, exercido durante determinado lapso de

tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-

fé.” (Da boa-fé no direito civil. Almedina. 2001. p. 797). Tem-se

conduta de titular de direito violado que deixa de exercitá-lo em

condições tais que cria a justa confiança na contraparte de que tal

exercício não mais sucederá. Por atuação, então, da boa-fé objetiva, em

sua função restritiva do exercício de direitos, retira-se do titular aquela

prerrogativa.

Tudo isto se afirma apenas para deixar

claro que eventual deslinde possessório favorável aos ora apelantes não

significa, por si, incongruência com a impossibilidade manifesta de

aquisição proprietária, posto que originária, porque de área comum em

condomínio especial, em que ela adere de modo indissociável às

unidades autônomas de que depende, delas inseparável em favor da

titularidade exclusiva de qualquer condômino. Quer dizer, possível

vencer o pleito possessório, mas sucumbir na usucapião. É o caso.

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Ante o exposto, NEGA-SE

PROVIMENTO ao recurso.

CLAUDIO GODOY

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