2
22 TRABALHO COLABORATIVO. O QUE FAZEMOS E O QUE NÃO FAZEMOS NAS ESCOLAS? Maria do Céu Roldão João Vaz de Carvalho 23 NOESIS #66 6/22/06 5:50 PM Page 22

Trabalho Colaborativo Dr. House

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Intressante

Citation preview

  • 22

    TRABALHO

    COLABORATIVO.

    O QUE FAZEMOS E O QUE NO FAZEMOS NAS ESCOLAS?

    O trabalho colaborativo entre professores pode ser o ponto de partida para

    transformar os problemas em solues, enfrentando os desafios que so

    colocados escola na sociedade actual. Importa, portanto, reflectir sobre

    o que se entende por trabalho colaborativo e sobre o modo como este pode

    determinar a aco profissional.

    Texto de Maria do Cu Roldo

    Ilustrao de Joo Vaz de Carvalho

    Se perguntarmos a um professor se, na

    escola ou na universidade, colabora com

    os outros colegas, em geral a resposta

    afirmativa. E certamente convicta e since-

    ra, j que o professor ou professora em

    causa se relaciona bem com os colegas,

    conversam sobre os seus problemas acer-

    ca dos alunos, preocupam-se genuina-

    mente com eles, realizam at entre si

    aquilo que se tornou corrente designar

    como partilha e troca de experincias.

    Porqu ento uma nfase crescente na

    investigao, nas recomendaes de pol-

    tica educativa, nas agncias e instituies

    de formao acerca do trabalho colaborativo, e da sua alegada ausncia nas escolas e

    na prtica docente que todos os estudos caracterizam como fortemente individualista?

    em torno desta aparente contradio que esta reflexo se organiza, procurando con-

    tribuir para clarificar e discutir o que se entende por trabalho colaborativo em termos

    de aco profissional, neste caso de professores.

    Fao parte dos muitos portugueses que neste momento se deliciam com uma srie que

    passa na televiso Dr. House. Nesta interessante srie, a intriga gira em volta do tra-

    balho de uma equipa de mdicos num hospital americano, especialistas em diagnsti-

    co de situaes clnicas particularmente complexas, embora cada um deles provenien-

    te de uma especialidade mdica clssica (neurologia, oncologia, etc.). A equipa dirigi-

    da por um mdico particularmente notvel na sua qualidade cientfica, apesar de mui-

    to complexo como personalidade, agressivo e difcil, mas que acaba por, com a sua equi-

    pa, que ele nem trata particularmente bem (isso parte do enredo da histria), quase

    sempre resolver o problema, salvando ou por vezes no o doente em risco.

    Opinio23

    NOESIS #66 6/22/06 5:50 PM Page 22

  • A necessidade de escrever este texto

    trouxe-me reflexo esta srie, que aqui

    usarei como metfora, porque, naquela

    situao, o trabalho colaborativo muito

    evidente e dele depende a soluo clnica.

    EM QUE SE TRADUZ, NA SRIE, ESSE

    TRABALHO COLABORATIVO?

    > A descrio do doente chegada, in-

    cluindo o que ocasionou e antecedeu o

    seu internamento, analisada por todos

    (so quatro os mdicos da equipa), partin-

    do dos sintomas e dos exames j feitos.

    > Discute-se ento, sob a presso cons-

    tante do dito Dr. House, (um chefe nada

    simptico...), o que poder ser a causa da

    situao identificada: com uma srie de

    lpis de cor e um quadro de papel vo-se

    lanando e discutindo as hipteses que

    cada um coloca como possveis e os fun-

    damentos que encontra para elas. As con-

    tradies vo sendo desmontadas, a dis-

    cusso intensa e novas hipteses so

    lanadas e comparadas.

    > De cada consenso provisrio resulta

    uma terapia e/ou uma bateria de novos

    exames cujos resultados so, por sua vez,

    analisados. Se o tratamento, que parecia

    adequado, falhou o que quase sempre

    o caso nas primeiras tentativas, para criar

    o necessrio suspense a procura con-

    junta continua, com controvrsia, muita

    crtica mtua, muita pesquisa, muita dis-

    cusso, fundada em saber, dos porqus

    possveis e de novas hipteses de soluo.

    > Todos os mdicos fazem, e sabem fa-

    zer, um conjunto alargado de tarefas,

    conforme a necessidade e urgncia da si-

    tuao desde as anlises laboratoriais,

    aplicao de um tratamento, pesquisa

    bibliogrfica, investigao do passado

    do doente ou do seu local de residncia,

    para compreender melhor a situao e

    poder agir com mais eficcia.

    > As especializaes de cada um so permanentemente convocadas para a discusso

    colectiva, mas o caso do doente que determina o uso que se faz dos conhecimentos

    em causa, colocados em situao e desenvolvidos em conjunto, mesmo quando se

    geram confrontos e conflitos entre os elementos da equipa, o que frequente.

    QUE TEM TUDO ISTO A VER COM O ASSUNTO DESTE ARTIGO?

    Na minha anlise, e ressalvadas as bvias diferenas entre uma equipa de mdicos

    de diagnosticologia, numa srie de fico, e uma equipa de professores de uma ou

    vrias turmas numa escola, em situao real, vrias semelhanas e diferenas podem

    ser analisadas com vantagem. Deixo aos leitores o desafio de as discutirem entre

    si... colaborativamente.

    Como meu contributo para desencadear essa discusso, deixo o meu prprio ponto

    de vista, para que possa ser confrontado com outros:

    > O que torna este tipo de trabalho trabalho profissional colaborativo no

    (embora tambm exista e seja importante em dimenses variveis):

    a boa relao de amizade e convvio entre os profissionais da equipa;

    a partilha narrativa das suas apreenses e desconfortos dirios;

    a constatao em comum da dificuldade da situao e a correspondente

    mgoa.

    > O que se constitui, na minha perspectiva, em trabalho colaborativo, presente na

    situao descrita e igualmente indispensvel mas largamente ausente, por razes

    histricas e culturais que tempo de contrariar na prtica e cultura de todos ns,

    professores, e nos hbitos de trabalho das escolas, antes:

    o esforo conjunto e articulado para compreender e analisar o porqu de uma

    situao problemtica (clnica ou de aprendizagem);

    a mobilizao de tudo o que cada um sabe, e que especfico, para colocar em

    comum na discusso da situao global e na deciso da aco a adoptar (clnica

    ou de ensino);

    o levantamento de novos e imprevistos problemas cuja soluo pesquisada

    de novo, e discutida por todos, dividindo tarefas, mas conjugando os resultados;

    o reconhecimento dos erros (por vezes da responsabilidade de um dos

    elementos) e o imediato esforo colectivo para os superar com uma nova

    alternativa de aco (clnica ou de ensino) ;

    a responsabilidade de cada um e de todos nos falhanos e nos sucessos,

    sem prejuzo dos contributos especficos de cada um;

    a centrao da aco profissional no seu destinatrio que quem a ela tem

    direito (para o doente, o direito sade, para os alunos o direito a aprender).

    Boa discusso! E se puderem, vejam a srie uma vez por outra e troquem ideias

    comigo atravs do e-mail [email protected]. ::

    NOESIS #66 6/22/06 5:50 PM Page 23