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TRABALHO
COLABORATIVO.
O QUE FAZEMOS E O QUE NO FAZEMOS NAS ESCOLAS?
O trabalho colaborativo entre professores pode ser o ponto de partida para
transformar os problemas em solues, enfrentando os desafios que so
colocados escola na sociedade actual. Importa, portanto, reflectir sobre
o que se entende por trabalho colaborativo e sobre o modo como este pode
determinar a aco profissional.
Texto de Maria do Cu Roldo
Ilustrao de Joo Vaz de Carvalho
Se perguntarmos a um professor se, na
escola ou na universidade, colabora com
os outros colegas, em geral a resposta
afirmativa. E certamente convicta e since-
ra, j que o professor ou professora em
causa se relaciona bem com os colegas,
conversam sobre os seus problemas acer-
ca dos alunos, preocupam-se genuina-
mente com eles, realizam at entre si
aquilo que se tornou corrente designar
como partilha e troca de experincias.
Porqu ento uma nfase crescente na
investigao, nas recomendaes de pol-
tica educativa, nas agncias e instituies
de formao acerca do trabalho colaborativo, e da sua alegada ausncia nas escolas e
na prtica docente que todos os estudos caracterizam como fortemente individualista?
em torno desta aparente contradio que esta reflexo se organiza, procurando con-
tribuir para clarificar e discutir o que se entende por trabalho colaborativo em termos
de aco profissional, neste caso de professores.
Fao parte dos muitos portugueses que neste momento se deliciam com uma srie que
passa na televiso Dr. House. Nesta interessante srie, a intriga gira em volta do tra-
balho de uma equipa de mdicos num hospital americano, especialistas em diagnsti-
co de situaes clnicas particularmente complexas, embora cada um deles provenien-
te de uma especialidade mdica clssica (neurologia, oncologia, etc.). A equipa dirigi-
da por um mdico particularmente notvel na sua qualidade cientfica, apesar de mui-
to complexo como personalidade, agressivo e difcil, mas que acaba por, com a sua equi-
pa, que ele nem trata particularmente bem (isso parte do enredo da histria), quase
sempre resolver o problema, salvando ou por vezes no o doente em risco.
Opinio23
NOESIS #66 6/22/06 5:50 PM Page 22
A necessidade de escrever este texto
trouxe-me reflexo esta srie, que aqui
usarei como metfora, porque, naquela
situao, o trabalho colaborativo muito
evidente e dele depende a soluo clnica.
EM QUE SE TRADUZ, NA SRIE, ESSE
TRABALHO COLABORATIVO?
> A descrio do doente chegada, in-
cluindo o que ocasionou e antecedeu o
seu internamento, analisada por todos
(so quatro os mdicos da equipa), partin-
do dos sintomas e dos exames j feitos.
> Discute-se ento, sob a presso cons-
tante do dito Dr. House, (um chefe nada
simptico...), o que poder ser a causa da
situao identificada: com uma srie de
lpis de cor e um quadro de papel vo-se
lanando e discutindo as hipteses que
cada um coloca como possveis e os fun-
damentos que encontra para elas. As con-
tradies vo sendo desmontadas, a dis-
cusso intensa e novas hipteses so
lanadas e comparadas.
> De cada consenso provisrio resulta
uma terapia e/ou uma bateria de novos
exames cujos resultados so, por sua vez,
analisados. Se o tratamento, que parecia
adequado, falhou o que quase sempre
o caso nas primeiras tentativas, para criar
o necessrio suspense a procura con-
junta continua, com controvrsia, muita
crtica mtua, muita pesquisa, muita dis-
cusso, fundada em saber, dos porqus
possveis e de novas hipteses de soluo.
> Todos os mdicos fazem, e sabem fa-
zer, um conjunto alargado de tarefas,
conforme a necessidade e urgncia da si-
tuao desde as anlises laboratoriais,
aplicao de um tratamento, pesquisa
bibliogrfica, investigao do passado
do doente ou do seu local de residncia,
para compreender melhor a situao e
poder agir com mais eficcia.
> As especializaes de cada um so permanentemente convocadas para a discusso
colectiva, mas o caso do doente que determina o uso que se faz dos conhecimentos
em causa, colocados em situao e desenvolvidos em conjunto, mesmo quando se
geram confrontos e conflitos entre os elementos da equipa, o que frequente.
QUE TEM TUDO ISTO A VER COM O ASSUNTO DESTE ARTIGO?
Na minha anlise, e ressalvadas as bvias diferenas entre uma equipa de mdicos
de diagnosticologia, numa srie de fico, e uma equipa de professores de uma ou
vrias turmas numa escola, em situao real, vrias semelhanas e diferenas podem
ser analisadas com vantagem. Deixo aos leitores o desafio de as discutirem entre
si... colaborativamente.
Como meu contributo para desencadear essa discusso, deixo o meu prprio ponto
de vista, para que possa ser confrontado com outros:
> O que torna este tipo de trabalho trabalho profissional colaborativo no
(embora tambm exista e seja importante em dimenses variveis):
a boa relao de amizade e convvio entre os profissionais da equipa;
a partilha narrativa das suas apreenses e desconfortos dirios;
a constatao em comum da dificuldade da situao e a correspondente
mgoa.
> O que se constitui, na minha perspectiva, em trabalho colaborativo, presente na
situao descrita e igualmente indispensvel mas largamente ausente, por razes
histricas e culturais que tempo de contrariar na prtica e cultura de todos ns,
professores, e nos hbitos de trabalho das escolas, antes:
o esforo conjunto e articulado para compreender e analisar o porqu de uma
situao problemtica (clnica ou de aprendizagem);
a mobilizao de tudo o que cada um sabe, e que especfico, para colocar em
comum na discusso da situao global e na deciso da aco a adoptar (clnica
ou de ensino);
o levantamento de novos e imprevistos problemas cuja soluo pesquisada
de novo, e discutida por todos, dividindo tarefas, mas conjugando os resultados;
o reconhecimento dos erros (por vezes da responsabilidade de um dos
elementos) e o imediato esforo colectivo para os superar com uma nova
alternativa de aco (clnica ou de ensino) ;
a responsabilidade de cada um e de todos nos falhanos e nos sucessos,
sem prejuzo dos contributos especficos de cada um;
a centrao da aco profissional no seu destinatrio que quem a ela tem
direito (para o doente, o direito sade, para os alunos o direito a aprender).
Boa discusso! E se puderem, vejam a srie uma vez por outra e troquem ideias
comigo atravs do e-mail [email protected]. ::
NOESIS #66 6/22/06 5:50 PM Page 23