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Universidade do Porto Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Impacto da prática desportiva na saúde da mulher atleta Estudo de revisão das componentes da tríade Ana Filipa Vasquez Paulo Cunha Porto, Setembro de 2006

TRÍADE DA MULHER ATLETA

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Trabalho completo sobre o assunto.

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  • Universidade do Porto

    Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

    Impacto da prtica desportiva na

    sade da mulher atleta

    Estudo de reviso das componentes da trade

    Ana Filipa Vasquez Paulo Cunha

    Porto, Setembro de 2006

  • Universidade do Porto

    Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

    Impacto da prtica desportiva na sade da mulher atleta

    Estudo de reviso das componentes da trade

    Tese monogrfica realizada no mbito da disciplina de seminrio do 5 ano Opo de Andebol

    da Faculdade de Desporto

    Realizado por: Ana Filipa Vasquez Paulo Cunha

    Orientado por: Mestre Lusa Estriga

    Porto, Setembro de 2006

  • i

    Agradecimentos

    A realizao deste trabalho no seria possvel sem o apoio de diversas

    pessoas, tanto de dentro como de fora da faculdade. Pelo que, aproveito este

    espao para lhes deixar a minha sincera gratido e reconhecimento por todo o

    contributo prestado.

    Aos professores do gabinete de Andebol, por todo o carinho e

    disponibilidade com que me receberam e, de uma forma muito especial, ao

    Professor Ireneu, por me ter encaminhado para o que eu mais gosto de fazer, e

    Professora Lusa Estriga, porque para alm do olhar atento com que sempre me

    orientou, demonstrou uma enorme paixo pelo seu trabalho que gostaria de

    transpor para o meu futuro.

    Aos meus companheiros de estgio, Pedro e Gabriella, por todas as

    batalhas que me ajudaram a ultrapassar.

    Brbara e Diana, por darem o verdadeiro sentido palavra amizade.

    minha equipa, Clube Jovem Almeida Garrett, por toda a compreenso

    durante todo o processo.

    Ao meu pai, por ser o meu exemplo.

    minha me, por todas as caras feias que suportou sem nunca esmorecer

    a palavra de incentivo e entusiasmo para que eu continuasse.

    minha irm, pelo seu sorriso nos momentos mais difceis.

    Ao Rui, por ter estado sempre ao meu lado.

  • ii

    Resumo

    So extensivos os benefcios da actividade fsica na sade da mulher,

    independentemente da idade, no entanto, quando as cargas so muito intensas

    podem emergir trs distintos, mas interrelacionados, problemas de sade,

    desordens alimentares, disfunes menstruais e osteoporose, que se denominam

    de trade da mulher atleta.

    No mbito deste trabalho, propomo-nos esclarecer o conceito de trade da

    mulher atleta, os problemas de sade que lhe esto associados, assim como os

    mecanismos que a articulam, com base numa reviso da literatura.

    Conclumos que o mecanismo que desencadeia a trade suportado em

    teorias distintas, por vezes contraditrias, e que carecem de suporte experimental

    demonstrativo, apesar da componente desordens alimentares ser apontada como

    o factor primeiro e indutor dos restantes. A procura de um corpo magro, tanto por

    questes estticas como de performance, promove a adopo de hbitos

    alimentares inadequados que resultam num estado hipometablico, que

    consequentemente baixa os nveis de energia disponvel para dar resposta

    adequada as exigncias da prtica desportiva.

    A amenorreia surge assim como resultado de um dfice de energia

    disponvel que inibe a secreo da neuro-hormona GnRh e consequentemente a

    concentrao da hormona LH, por mecanismos e indicadores metablicos ainda

    no clarificados.

    No que concerne osteoporose, os estudos so maioritariamente

    transversais no apurando o verdadeiro impacto deste problema, particularmente

    a longo prazo. No entanto, este o vrtice da trade da mulher atleta que se

    apresenta como mais preocupante dado o seu carcter irreversvel.

    Com tudo isto, consideramos que todos os intervenientes da prtica

    desportiva devem ser sensibilizados para a existncia deste problema, para que

    se possa intervir atempadamente de forma a prevenir o impacto negativo destas

    questes na sade das atletas.

    Palavras-chave: TRADE DA MULHER ATLETA, DESORDENS ALIMENTARES,

    AMENORREIA, OSTEOPOROSE

  • ndice Agradecimentos i

    Resumo ii

    1. Introduo 1

    2. Particularidades da mulher 5

    2.1 Caracterizao do ciclo menstrual 7

    2.2 Estrognios e progesterona 9

    3. Trade da mulher atleta 12

    4. Desordens alimentares 18

    5. Disfunes menstruais 22

    5.1 Prevalncia de disfunes menstruais 24

    5.2 Mecanismos desencadeadores de amenorreia hipotalamica 28

    6. Osteoporose e osteopenia 40

    7. Concluses 47

    8. Referncias bibliogrficas 49

  • 1

    1. Introduo

    O entendimento da condio da mulher atleta impe a necessidade de

    recuar no tempo e atender a um conjunto de factos que marcaram a sua vida.

    A mulher foi, durante muito tempo, deixada na sombra da histria (Duby e

    Perrot, 1994). As perdas peridicas de sangue, os tempos de gravidez, a

    necessidade de amamentar os filhos e de zelar constantemente por eles, assim

    como a sua constituio fsica aparentemente frgil eram sinnimo de

    incapacidade para participar nas actividades da sociedade do sc. XVII (Cramp-

    Casbanet, 1994).

    A sua presena era discreta e definida pelo que se entendia ser apropriado

    conduta feminina. Delimitavam-se os seus campos de actuao e reduzia-se a

    mulher a um mero apndice da raa humana (Hufton, 1994), a machos imperfeitos

    ou teros ambulantes (Grieco, 1994).

    S com a revoluo industrial foi possvel a emancipao da mulher e a

    alterao da sua condio na sociedade.

    Algumas zonas industriais, pela falta de trabalhadores, necessitaram de

    atrair o trabalho feminino para os ofcios txteis. Contudo, as mulheres que

    trabalhavam continuaram a ser uma excepo. Mas, foi justamente essa excepo

    que, timidamente, iniciou a prtica desportiva (Botelho Gomes et al., 2000).

    No entanto, nem todos os desportos estavam ao alcance das mulheres, e

    mesmo assim surgiram severas crticas que argumentavam que a participao

    feminina se apresentava como deselegante e ridcula, um espectculo deplorvel

    (Hasse, 1991).

    Desta forma, podemos afirmar que o desporto no mais do que um

    fenmeno social que faz transparecer as alteraes que ocorrem na sociedade ao

    longo dos anos.

    A evoluo de uma prtica desportiva orientada para a ocupao dos

    tempos livres para o palco da superao, na busca incansvel de resultados

    desportivos, emergiu de forma inevitvel, quase que consequente. impossvel

    dissociar o desporto, da sociedade capitalista. Nela assume-se o lucro como

  • 2

    principal sector de crescimento, o que se traduz numa obsessiva procura de

    produtos rentveis, destinados ao consumo e acumulao de capital.

    No desporto encontramos uma expresso clara destes princpios. exigida

    uma produtividade elevada que subordina os homens aos sistemas de competio

    e lgica da concorrncia, que se materializa tambm no rendimento corporal.

    O jogo tornou-se assim numa indstria dominada, no s pelos interesses

    dos intervenientes directos, mas tambm dos dirigentes, agentes polticos e

    empresas investidoras, o que pode, de certa forma, prejudicar os atletas.

    No palco desportivo tudo se torna legitimo na busca do sucesso, as

    exigncias tornaram-se superiores em qualquer uma das modalidades, na

    dependncia da sua crescente popularidade e expresso econmica, pelo que a

    necessidade de levar o corpo at ao limite determinante.

    O processo gradual da profissionalizao do prprio espectculo

    desportivo levou a uma maior preocupao com os espectadores

    independentemente da condio dos atletas (Malcom e Sheard, 2002).

    Se no passado, a condio da mulher, no sentido mais reprodutor, foi

    motivo de restrio ao acesso prtica desportiva, nos dias de hoje, a obteno

    de resultados desportivos parece ter-se intensificado.

    O aumento macio da participao desportiva, as elevadas cargas de

    treino, as exigncias da competio e a constante presso para a obteno de

    resultados estiveram na origem da preocupao crescente com problemas de

    sade das atletas associadas. De tal forma que, alguns pases, no captulo das

    leses, j consideraram a sua manifestao um problema de sade pblica

    (Green et al., 2003).

    A prevalncia de determinadas leses desportivas e as suas

    consequncias (imediatas e a longo prazo), justificaram uma crescente

    preocupao e um estudo mais sistemtico dos aspectos que, de alguma forma,

    se pudessem relacionar com o problema.

    Em convergncia, surge a constatao de que muitas das mulheres

    envolvidas na prtica desportiva apresentavam trs distintos mas

    interrelacionados problemas de sade. Disfunes menstruais, desordens

  • 3

    alimentares e osteoporose, questes mdicas que, em 1992, so descritas como a

    trade da mulher atleta (Loucks e Nattiv, 2005).

    Desde ento, as pginas dos mais importantes jornais de investigao

    cientfica tm vindo a publicar diversos estudos acerca da trade da mulher atleta,

    procurando uma melhor compreenso dos trs vrtices que a caracterizam.

    Comparativamente, em Portugal, desconhecemos estudos centrados neste

    problema. tambm significativo notarmos que ao longo da nossa experincia

    desportiva, nos papis de atleta e treinadora, e no mbito da nossa formao

    inicial nunca nos foi, de forma intencional, disponibilizada qualquer informao

    sobre esta problemtica.

    No mbito deste trabalho (de reviso), propomo-nos a esclarecer o conceito

    de trade de mulher atleta, os problemas de sade que lhe esto associados,

    assim como os mecanismos que a articulam.

    A opo de um trabalho de reviso da literatura, decorreu da complexidade

    dos temas, associada ausncia de conhecimento base nosso e de dificuldades e

    exigncias metodolgicas que os estudos experimentais sobre esta temtica

    impem.

    A reviso da literatura de suporte deste trabalho baseada em snteses

    documentadas dos estudos significativos sobre o problema.

    Para este fim, o trabalho est articulado em captulos.

    O primeiro captulo ocupado pela presente introduo onde se apresenta

    o quadro de problematizao do tema escolhido, os objectivos do trabalho, a

    metodologia utilizada e a sua justificao e respectiva adequao.

    O segundo captulo dedicado s particularidades da mulher, onde se

    pretende descrever e analisar o processo que a individualiza, incidindo nas

    caractersticas do ciclo menstrual.

    No captulo subsequente, pretende-se clarificar o conceito da trade da

    mulher atleta assim como o mecanismo que origina, a sua forma de

    desenvolvimento, a sua prevalncia e impacto na populao atleta.

    Com o quarto captulo descrevem-se os diferentes tipos de desordens

    alimentares, analisam-se os contextos desportivos que mais os propiciam e de

    que forma podem contribuir para o desenvolvimento da trade da mulher atleta.

  • 4

    O quinto captulo remete-nos para os diferentes conceitos de disfuno

    menstrual, para a sua prevalncia e mecanismos que a desencadeiam.

    Posteriormente, no captulo sete, pretendemos compreender os fenmenos

    fisiolgicos associados osteoporose e osteopenia, averiguar a sua relao com

    as disfunes menstruais e actividades fsicas com diferentes nveis de impacto,

    assim como os efeitos do uso de contraceptivos orais na expresso dos seus

    valores.

    O trabalho finalizado com a apresentao das concluses mais

    relevantes.

  • 5

    2. Particularidades da mulher

    Das 10 trilies de clulas que fazem parte do corpo humano, apenas as que

    constituem o sistema reprodutor e algumas pertencentes ao sistema sseo

    resultam em rgos e estruturas diferenciadas entre o homem e a mulher, ao

    contrrio do que acontece em diversos animais, onde machos e fmeas nem

    parecem fazer parte da mesma espcie. Basicamente, a actuao hormonal

    promove determinado gnero. Na espcie humana no possvel distinguir um

    fgado, corao ou crebro feminino do masculino quando colocados fora do

    corpo. Talvez um rgo com grandes dimenses nos permita afirmar que

    masculino, mas mesmo assim no uma prova inequvoca (Wells, 1985).

    A mulher possui a cintura plvica mais alargada, profunda e mais baixa

    para que seja possvel a passagem do feto no final da gestao. Esta

    particularidade acentua a anteverso do fmur, a toro externa da tbia e

    aumenta o valgus do joelho (Wiggins e Wiggins, 1997). Por outro lado, possui, em

    mdia, menos 10 cm de estatura que o homem (Shephard, 2000), o que se traduz

    em ossos mais curtos, estruturas articulares mais pequenas, rgos de menor

    tamanho, cintura escapular mais estreita, membros inferiores de menor

    comprimento e consequentemente num centro de gravidade mais baixo

    (Holschen, 2004).

    Contudo, todas estas diferenas s se tornam evidentes a partir da

    puberdade com o desencadear de diversos mecanismos hormonais. Nesta fase do

    crescimento humano a composio corporal de ambos os gneros inicia o seu

    trajecto para a maturao, pela secreo diferenciada de determinadas hormonas

    ao nvel do complexo hipotlamo-hipofise.

    No gnero masculino as gonadas produzem principalmente as hormonas

    sexuais denominadas de andrognios, das quais a testosterona a mais

    relevante. O hipotlamo produz hormonas de libertao (GnRh) que estimulam a

    hipfise para a produo de gonadotropinas (hormona folculo-estimulina, FSH e

    hormona luteo-estimulina, LH). A hormona LH induz as clulas de Leydig

    produo de testosterona e juntamente com a hormona FSH actua sobre as

    clulas dos tubos seminferos, estimulando a espermatognese (Wells, 1985).

  • 6

    Em todo este processo a produo de andrognios mais evidente pelo

    que, para o gnero masculino, a passagem pela puberdade traduz-se num

    aumento da formao ssea que permite ao homem possuir ossos mais largos e

    robustos, assim como na estimulao da sntese proteica que promove hipertrofia

    muscular e garante ao homem um vantagem de cerca 20% na quantidade de

    massa muscular (Holschen, 2004). Culminantemente, o homem possui maior

    fora, maior potncia aerbia, um maior nmero de fibras tipo II, maior

    concentrao de hemoglobina, maior valor de VO2 mx, maior volume sanguneo,

    maior dbito cardaco e menor percentagem de massa gorda (Robergs e Roberts,

    1997).

    Por outro lado, a regulao hormonal da mulher assume contornos muito

    distintos, sendo bastante mais complexa. Enquanto que no homem a

    espermatognese ocorre de forma contnua a partir da puberdade, na mulher a

    maturao de gmetas ocorre em ciclos de aproximadamente 28 dias, desde a

    puberdade at menopausa (Wells, 1985).

    De uma forma simplista, no homem, a produo de andrognios mais

    evidente, ao passo que na mulher existe uma maior sntese de estrognios

    (Ireland e Ott, 2004). Estes influenciam significativamente o crescimento corporal,

    especialmente o aparecimento dos caracteres sexuais secundrios, como o

    alargamento da cintura plvica e o crescimento da mama. Encontra-se ainda

    associada secreo deste tipo de hormonas, a deposio de massa gorda que

    , na mulher, em mdia, 10% superior do homem, por uma maior activao da

    enzima lipoprotein lipase (Wilmore e Costill, 1994).

    Esta acumulao de gordura associada a uma menor estatura confere

    mulher alguma desvantagem na obteno de resultados desportivos, na maioria

    das modalidades, com a excepo das provas de longa distncia na natao ou

    nas provas onde o equilbrio requerido (Shephard, 2000).

    No geral, os seus valores de fora so menores, a sua potncia e

    capacidade anaerbia so inferiores s do homem, atingindo o limiar anaerbio

    mais cedo, da mesma forma que a sua potncia e capacidade aerbia tambm

    inferior, com uma utilizao tendencialmente lipdica durante esforos

    prolongados. O tamanho mais reduzido dos seus pulmes e corao fazem ainda

  • 7

    com que os seus valores de VO2 mx sejam mais baixos, assim como o dbito

    cardaco e volume sanguneo (Robergs e Roberts, 1997).

    Contudo, todas estas desvantagens surgem expressas em valores

    absolutos que no consideram as menores dimenses da mulher e a sua

    constituio fsica. Desta forma, quando os valores se apresentam relativizados s

    dimenses corporais, as diferenas entre os gneros atenuam-se (Ireland e Ott,

    2004). Valores que, ao considerar a composio corporal, estabelecendo uma

    relao entre a capacidade avaliada e a massa magra, tornam-se ainda mais

    semelhantes, o que aponta para uma similaridade na resposta fisiolgica entre

    homens e mulheres, nos diferentes tipo de esforo (Shephard, 2000).

    No entanto, apesar desta constatao, fundamental no esquecer que

    existe uma regulao hormonal diferenciada entre os gneros e que implica

    secreo de determinadas hormonas em quantidades distintas.

    Uma mulher possui efectivamente menor massa muscular, tem claramente

    menor estatura e possui uma maior quantidade de estrognios em detrimento de

    andrognios. A natureza destas diferenas justifica as evidentes diferenas ao

    nvel da performance desportiva entre homens e mulheres, diferenas

    consubstanciadas fundamentalmente em aspectos quantitativas e raramente

    tcnicos, tcticos e estratgicos; a competncia e a qualidade da prtica

    desportiva no parece ser influenciada quando relativizada s caractersticas

    inerentes ao gnero.

    2.1 Caracterizao do ciclo menstrual

    O sistema endcrino apresenta um grau de complexidade to elevado que

    no corpo humano apenas se equipara ao sistema nervoso que consegue assumir

    uma complexidade ainda maior (Wells, 1985).

    O funcionamento do sistema endcrino garantido por glndulas

    endcrinas que segregam substncias qumicas (hormonas) para a corrente

    sangunea, onde so conduzidas no plasma at aos rgos alvo onde vo actuar.

    Do ponto de vista da estrutura qumica podemos distinguir diferentes tipos

    de hormonas, as proteicas (prolactina, insulina e paratormona), polipptidos

    (oxitocina, glucagina e adenocorticotropina), derivados de aminocidos onde se

  • 8

    incluem as produzidas na medula supra-renal (adrenalina, noradrenalina) e na

    tiride (tiroxina e triiodotironina), glicoprotenas (folculo-estimulina e luteo-

    estimulina) e esterides, hormonas com estrutura semelhante ao colesterol

    (estrognios, progesterona, testosterona, aldosterona e cortisol)(Espanha et al.,

    2001).

    Contudo, aquelas que se apresentam como relevantes para o

    funcionamento directo do ciclo menstrual da mulher so as compostas por uma ou

    mais cadeias de polipptidos e de molculas de glcidos, as glicoprotenas, como

    a FSH e LH, assim como os esterides.

    Relativamente s glndulas endcrinas, aquelas que normalmente

    classificamos de fundamentais para o sistema reprodutor da mulher so o

    complexo hipotlamo-hipfise e os ovrios. A aco combinada destas duas

    glndulas, com um tero intacto e os sinais hormonais correctos, permite um ciclo

    menstrual normal que varia entre 23 a 35 dias (Lebrun e Rumball, 2002).

    Durante este perodo de tempo existe uma diviso do ciclo em duas fases

    (conforme Figura 1). Uma primeira denominada de fase folicular que se

    caracteriza pela maturao do folculo, pela aco da hormona FSH, que resulta

    em secreo de estrognios pelos ovrios. A durao desta fase contabiliza-se a

    partir do primeiro dia da menstruao at ao dia da ovulao onde h libertao

    de um ocito para as trompas de falpio, passados aproximadamente 14 dias

    (num ciclo de 28 dias). O incio da segunda fase do ciclo marcado por um

    acrscimo de 0,3 C na temperatura basal do corpo (Jonge, 2003), por um

    aumento da concentrao de uma outra hormona, a progesterona, resultado da

    aco do corpo lteo. Esta fase estende-se at ao final do ciclo e termina

    passados aproximadamente 14 dias, a partir dos quais se verifica uma queda na

    produo dos estrognios e progesterona pela no ocorrncia da fecundao

    (Snow-Harter, 1994).

    A secreo de cada uma das gonadotropinas referidas, FSH e LH, depende

    da sincronizao entre o complexo hipotlamo-hipfise e as clulas alvo, os

    ovrios. Desta forma, o hipotlamo, localizado no crebro, segrega neuro-

    hormonas (GnRh) de modo pulstil (cerca de 60 a 90 minutos) que estimulam o

    lobo anterior da hipfise, tambm ela localizada no crebro, que produz FSH e LH

  • 9

    que actuam nos ovrios para a produo de estrognios e progesterona (Pfeifer e

    Patrizio, 2002).

    Figura 1 Ciclo menstrual (adaptada de Silva et al., 2005)

    2.3 Estrognios e Progesterona

    Para que possamos compreender as consequncias das disfunes

    menstruais imprescindvel atender s caractersticas das hormonas que

    protagonizam o ciclo menstrual.

    Os estrognios so constitudos por um conjunto de 18 carbonos esterides

    segregados pelos ovrios e que pelas diferentes formas de agrupamento do

    origem ao estradiol (E2), estrone (E1) e estriol (E3), dentro dos quais o estradiol

    se assume como o mais potente (Lebrun, 1994).

    Contudo, a sua aco combinada que promove a tpica deposio de

    gordura na mulher, assim como a alterao dos valores de colesterol, com a

    diminuio de Low density lipoprotein (LDL) e o aumento de High density

    lipoprotein (HDL) o que protege o sistema cardiovascular contra a arteriosclerose

    (Lebrun, 1994). Por outro lado, a sua presena faz aumentar a resistncia das

    paredes dos capilares sanguneos (Lebrun, 1994) e encontra-se fortemente

  • 10

    relacionada com a inibio dos osteoclstos, responsveis pela reabsoro do

    clcio dos ossos (Lebrun e Rumball, 2001). Estas caractersticas conferem a este

    grupo de hormonas um grau de importncia elevado no que concerne s questes

    de sade. Baixos nveis de estrognios conduzem a densidades sseas no

    satisfatrias (Tharsh e Anderson, 2000) e aumentam o risco de desenvolvimento

    de doenas cardiovasculares (Chen e Brzyski, 1999).

    No entanto, a sua aco no se circunscreve proteco do sistema

    cardiovascular e sseo, assumindo tambm responsabilidades ao nvel da

    mobilizao dos substratos energticos.

    Os estrognios so responsveis pelo armazenamento de glicognio no

    fgado e msculo, pelo que fazem aumentar a sntese lipdica, orientando o

    metabolismo para uma maior utilizao de cidos gordos e glicerol em detrimento

    dos glcidos. Esta particularidade faz com que, teoricamente, a mulher, pelos seus

    maiores nveis de estrognios, possua valores de lactato mais baixos em resposta

    ao exerccio fsico. Contudo, alguma controvrsia existe acerca do efeito da

    oscilao hormonal ao longo do ciclo menstrual na performance desportiva,

    existindo dificuldade em estabelecer uma relao entre as concentraes de

    estrognios e a mobilizao de substratos energticos (Ashley et al., 2000).

    A progesterona tambm uma hormona esteride. A sua presena mais

    evidente durante a fase ltea e encontra-se associada a um aumento da

    temperatura basal, a efeitos na termoregulao corporal, assim como a um

    aumento da excreo de gua e sdio pelos rins que promove um aumento das

    concentraes de aldosterona e, consequentemente, a um aumento da hormona

    antidiurtica (ADH) que contribui para a reteno de fluidos (Lebrun, 1994).

    A termoregulao corporal alterada pela aco da progesterona no

    aumento da temperatura basal do corpo, atravs da sua associao promoo

    de um maior fluxo sanguneo na superfcie cutnea, que propicia a vasodilatao e

    induz o incio da transpirao (Lebrun e Rumball, 2001). Isto aponta para as

    concluses decorrentes dos trabalhos de Jonge (2003) e March e Jenkins (2002)

    que apesar de sugerirem a inexistncia de uma relao entre as diferentes fases

    do ciclo menstrual e a performance desportiva, sugerem que atletas envolvidas em

    provas de fundo e maratona, que tenham lugar em ambientes muito quentes e

  • 11

    hmidos, possam experimentar efeitos negativos na sua performance com

    correspondncia fase ltea, por uma diminuio do tempo a que se atinge a

    exausto, decorrente do acelerar do processo de transpirao causado por um

    ponto de partida mais elevado na temperatura basal.

    Desta forma, Jonge (2003) prope que as atletas ajustem os seus

    calendrios competitivos s flutuaes hormonais, caractersticas do ciclo

    menstrual feminino, uma vez que estas parecem interferir na expresso da

    performance, apesar de no provocarem alteraes no VO2 mx ou nas

    concentraes de lactato (March e Jenkins, 2002).

  • 12

    3. Trade da mulher atleta

    Na sequncia de resultados de diversos estudos que demonstravam que

    inmeras atletas sofriam de disfunes menstruais, desordens alimentares e

    reduzida massa ssea, The American College of Sports Medicine, em 1997,

    assumiu a sua posio face ao conjunto das trs referidas questes de sade, a

    trade da mulher atleta (Otis et al., 1997).

    A primeira manifestao da trade encontra-se, na maior parte dos casos,

    associada a hbitos alimentares inadequados que surgem com intuito de atingir

    um peso corporal idealizado (Thrash e Anderson, 2000).

    A atmosfera competitiva, a constante presso para a obteno de

    resultados, a busca da perfeio e a crescente preocupao com a imagem

    corporal, fazem com que as atletas possuam uma elevada probabilidade de

    recorrer a comportamentos inapropriados para controlar o seu ndice de massa

    corporal (Drinkwater, 1996). Comportamentos esses que do origem a reduzidos

    nveis de energia disponvel que comprometem o correcto funcionamento do

    sistema reprodutor. A secreo de GnRh sofre alteraes que perturbam o

    funcionamento da hipfise na sua produo de FSH e LH (Zanker, 2006). A baixa

    concentrao destas hormonas faz com que o ciclo menstrual no decorra da

    forma correcta, resultando em disfunes menstruais como a amenorreia1. Assim

    sendo, a falta de energia disponvel suprime a secreo de estrognios, causando

    um aumento na taxa de reabsoro ssea que conduz progressiva diminuio

    da densidade ssea (Loucks, 2006).

    Desta forma, a trade da mulher atleta descreve as desordens alimentares,

    as disfunes menstruais e o surgimento de osteoporose2 prematura como trs

    distintos, mas possivelmente interrelacionados problemas de sade.

    Neste sentido, considera-se que, para a existncia de consequncias

    negativas na sade das atletas, no necessrio que todas as componentes da

    trade estejam presentes (Souza e Williams, 2004). Cada uma delas, por si s,

    incorpora preocupaes que nem sempre surgem associadas. No entanto, a sua

    1 Conceito definido na pgina 23. 2 Conceito definido na pgina 40.

  • 13

    articulao evidente e no deve ser esquecida. A presena de uma das

    componentes pode facilmente desencadear o surgimento de outra ou

    simplesmente acentu-la (Ramos e Welch, 2004), dificultando a sua compreenso

    de forma isolada.

    Insuficiente ingesto calrica, relativamente ao dispndio energtico,

    funciona como ponto de partida para o desenvolvimento de amenorreia e

    consequentemente osteoporose (Warren et al., 2002).

    No entanto, o risco de desenvolvimento da trade da mulher atleta parece

    no ser o mesmo nas diferentes modalidades. Atletas envolvidas em actividades

    que enfatizam um corpo magro, tanto por razes estticas como por optimizao

    da performance (ginstica, provas de fundo e maratona), assim como em

    modalidades onde existem categorias competitivas de acordo com o peso das

    atletas (remo e judo), apresentam-se como os principais grupos desportivos em

    risco de desenvolver a trade da mulher atleta (Lebrun e Rumball, 2002; Weimann,

    2002; Bloomfield, 2006; Torstveit e Sundgot-Borgen, 2005a).

    Nos referidos grupos, as questes sociais assumem-se manifestamente

    relevantes no desenvolvimento da trade. O reconhecimento de que um corpo

    magro promove vantagens na obteno de resultados desportivos, associado a

    um certo isolamento social imposto pelo sistema de competio, que obriga a uma

    dedicao quase exclusiva das atletas sua modalidade, origina um conjunto de

    crenas e valores que, de certa forma, reforam a perda de peso como um

    comportamento positivo. As atletas vem assim os seus ganhos de peso como

    merecedores de punies, o que muitas das vezes ainda enfatizado por

    treinadores, familiares e sociedade em geral (Nattiv et al., 1994). Esta associao

    negativa predispe as atletas para o desenvolvimento de patologias nos seus

    hbitos alimentares que provocam sequelas ao nvel hormonal e sseo

    (Fredericson e Kent, 2005).

    Neste contexto, para que a interpretao desta problemtica no seja

    inadequada, nem origine concluses desajustadas, parece-nos pertinente

    questionar a prevalncia destas questes no contexto desportivo e de que forma

    cada uma delas se apresenta. Para isso, partimos inevitavelmente para uma

    reflexo acerca de trs artigos, dois publicados por Torstveit e Sundgot-Borgen

  • 14

    (2005a, 2005c) e um por Vardar et al. (2005), uma vez que, a maioria de todos os

    outros consultados, de diversificados autores, atendem somente a uma ou duas

    das componentes da trade, ou utilizam amostras que podem no representar a

    populao desportiva, como o caso do estudo de Lauder et al. (1999) onde so

    utilizadas mulher militares.

    Torstveit e Sundgot-Borgen (2005a) realizaram um estudo com atletas

    norueguesas de elite. A sua amostra abrangia 66 diferentes desportos, que no

    total perfaziam um nmero de 331 sujeitos divididos entre dois grupos, 186 atletas

    e 145 mulheres sedentrias.

    O estudo abrangeu trs fases que se caracterizaram por diferentes

    procedimentos.

    Em primeiro lugar, todos os sujeitos preencheram um questionrio

    relativamente aos seus programas de treino, estatuto menstrual e hbitos

    alimentares. Seguidamente, realizaram uma medio da densidade ssea em

    diferentes pontos do esqueleto e no final participaram numa entrevista, estruturada

    por um professor especialista em desordens alimentares. Estas trs etapas

    visaram a deteco da trade da mulher atleta, para que se obtivessem dados

    relevantes da sua prevalncia que pudessem ser generalizados para toda a

    populao. A prevalncia foi assim dividida em dois diferentes graus de

    severidade, o primeiro correspondia ao grau de manifestaes mais graves e o

    segundo s mais moderadas.

    Atravs da anlise de todos os dados obtidos durante as trs fases do

    estudo, os autores concluram que apenas 8 atletas demonstravam as trs

    componentes da trade, 4 no grau I e as outras 4 no grau II.

    Com duas das componentes da trade surgiu uma prevalncia entre os

    5,4% e os 26,9%, dependendo de que componentes se encontravam associadas.

    Dentro do grupo de controlo, 5 dos sujeitos demonstraram as trs

    componentes da trade, enquanto que a manifestao de duas das componentes

    variou entre 12,4% e 15,2%. O grau de severidade dos sujeitos com as trs

    componentes da trade foi, em qualquer um dos casos, o mais severo.

  • 15

    Estes resultados vo de encontro aos encontrados por Vardar et al. (2005)

    que apontam para uma prevalncia de 2,7% em duas das componentes da trade

    enquanto que de apenas 1,36% nas trs componentes.

    Contudo, os resultados assumem outras propores quando analisados de

    acordo com o risco que cada grupo da amostra apresenta para o desenvolvimento

    da trade. Segundo Torstveit e Sundgot-Borgen (2005c) 69,4% dos sujeitos do

    grupo de controlo apresentam-se em risco de desenvolver a trade,

    comparativamente com 60,4% dos atletas. Dentro desta percentagem, a grande

    maioria, 70,1% pertence a modalidades que enfatizam um corpo magro como a

    ginstica rtmica ou patinagem artstica.

    Estes resultados apontam para um risco semelhante no desenvolvimento

    da trade tanto em atletas como no atletas.

    Tudo isto faz-nos questionar se a trade efectivamente uma questo de

    sade da mulher atleta ou da mulher na sua generalidade, visto que os dados

    percentuais se apresentam muito prximos. Por outro lado, a constatao de que

    apenas 4,3% e 1,36% das atletas apresentaram as trs componentes da trade

    levanta-nos uma outra questo. De que forma esta uma problemtica com

    expresso significativa no meio desportivo e no de forma comum na populao

    no desportiva.

    Em jeito de resposta, consideramos que alguns aspectos devem ser

    equacionados. A realizao dos estudos apresentados por Torstveit e Sundgot-

    Borgen (2005a, 2005c) e Vardar et al. (2005) resultam da aplicao de

    questionrios. Questionrios esses que obrigam a um conjunto de auto-afirmaes

    que podem no corresponder realidade, especialmente no que diz respeito ao

    estatuto menstrual. Por outro lado, no estudo de Torstveit e Sundgot-Borgen

    (2005c) qualquer sujeito que apresentasse uma resposta no sei acerca da

    classificao ou no dos seus hbitos alimentares, como sendo uma desordem,

    durante a entrevista, era classificado como estando em risco de desenvolver a

    trade. Para alm de que, a auto-indicao de fracturas de stress, como indicador

    de risco no desenvolvimento da trade, pode sobrestimar a prevalncia das

    mesmas na populao no atleta, uma vez que, partida, esta no possui um

    conhecimento to profundo do que ou no uma fractura de stress, ao passo que

  • 16

    atletas vivenciam mais de perto esta problemtica, da que tenham a possibilidade

    de responder com mais exactido a esta questo.

    Existe ainda a possibilidade das disfunes menstruais se apresentarem

    sub-referenciadas dentro do grupo das atletas, uma vez que, no existiu qualquer

    anlise hormonal que garantisse o verdadeiro estatuto menstrual. A aplicao do

    questionrio apenas levanta os casos mais evidentes como a amenorreia e

    oligomenorreia (Loucks, 2006), deixando de parte disfunes como a fase ltea

    encurtada e ciclos anovulatrios.

    obvio que esta limitao existe em ambos os grupos do estudo. Contudo,

    os dados de Souza et al. (1998) apontam para a ocorrncia de apenas 30 ciclos

    ovulatrios em 60 estudados na populao de atletas de recreao, o que sugere

    uma maior possibilidade da existncia de falsos negativos no grupo das atletas.

    Todas estas consideraes metodolgicas obrigam-nos a analisar com

    maior rigor os dados obtidos. Por um lado, importante compreender que as

    desordens alimentares no so um problema exclusivo da populao atleta, mas

    sim o resultado de uma sociedade que vive obcecada pela imagem corporal

    (DiPietro e Stachenfeld, 2006) o que, inevitavelmente, aproxima os valores de

    atletas e no atletas. Para alm de que, no necessariamente a desordem

    alimentar, por si s, que conduz amenorreia e perda de massa ssea, mas sim

    um balano negativo de energia disponvel resultado de elevados gastos

    energticos associados prtica desportiva (Loucks e Nattiv, 2005). Isto torna

    possvel que diversas atletas tenham sido avaliadas como falsos negativos por

    no apresentarem desordens alimentares, uma vez que no foi controlada a

    quantidade de energia ingerida e despendida.

    A impossibilidade de monitorizar anlises hormonais e de controlar os

    nveis de energia disponveis, a uma amostra to vasta como a utilizada por

    Torstveit e Sundgot-Borgen (2005a, 2005c), acaba por influenciar a validade dos

    resultados obtidos.

    Ainda dentro deste tpico, o trabalho de Khan et al. (2002) prope uma

    alterao do prprio conceito de trade da mulher atleta, argumentando que este,

    pela utilizao dos valores referentes osteoporose, acaba por representar

    inadequadamente o que se passa na populao atleta.

  • 17

    Os valores de osteoporose reportam-nos para uma severidade demasiado

    elevada, de um problema que em nveis significativamente mais baixos, como os

    que classificamos de osteopenia3, j representam complicaes para a sade e

    para a prtica desportiva (Khan et al., 2002).

    Tendo em conta que a populao atleta est sujeita a cargas de treino que

    promovem uma maior actividade nos osteoblstos, que esto associados a uma

    maior taxa de produo ssea, seria de esperar que este grupo apresentasse

    valores de massa ssea superiores populao no atleta. No entanto, a no

    constatao deste facto apresenta-se por si s como sendo um aspecto negativo,

    especialmente se estivermos a falar de modalidades que envolvem foras

    mecnicas 10 vezes superiores ao peso corporal, como o andebol ou a ginstica

    (Burrows et al., 2003).

    Por esta razo, consideramos que se muitos dos estudos tivessem em

    conta esta situao e considerassem os valores de osteopenia e no de

    osteoporose, os resultados seriam bem mais assustadores e melhor

    representativos do que se passa na realidade desportiva.

    3 Conceito definido na pgina 40.

  • 18

    4. Desordens alimentares

    Existe um vasto leque de explicaes para o surgimento de desordens

    alimentares, tanto na populao atleta como no atleta. Contudo, sem dvida

    alguma que esta questo se encontra relacionada com os princpios pelos quais a

    sociedade dos nossos dias se rege. A constante procura de um corpo magro que

    corresponda aos parmetros de beleza vigentes na sociedade acaba por conduzir

    atletas e no atletas a uma luta sistemtica contra os ganhos de peso que, muitas

    das vezes, conseguida atravs de hbitos alimentares inadequados, como a

    bulimia e anorexia (Garner e Rosen, 1991).

    No entanto, esta temtica assumiu uma relevncia acrescida no meio

    desportivo quando em 1983, Karen Carpenter, e em 1994, Christy Henrich, ambas

    atletas olmpicas, no resistiram s desordens alimentares que as acompanhavam

    e faleceram por mltiplas falhas no funcionamento dos seus rgos (Brunet,

    2005).

    Decorrente da gravidade evidente destes acontecimentos, a comunidade

    cientfica centrou-se na populao atleta e constatou que algumas modalidades

    desportivas apresentavam maiores valores de desordens alimentares,

    relativamente a outras. Atletas envolvidas em modalidades onde se enfatiza um

    corpo magro, pela sua associao a uma superior performance e esttica, assim

    como aquelas onde as categorias competitivas so determinadas pelo peso

    corporal, sofrem uma maior presso para as questes relacionadas como o peso

    (Committee on Sports Medicine and Fitness, 2000).

    Num estudo longitudinal realizado por Nattiv et al. (1994), na modalidade

    ginstica, notou-se uma evoluo do peso das atletas americanas participantes

    nos Jogos Olmpicos, no perodo compreendido entre 1960-1992, onde se registou

    uma oscilao da mdia de 50,4Kg para 37,7Kg. Valores que, apesar de

    acompanhados por uma diminuio da idade e estatura das atletas, se

    apresentam como muito baixos.

    Estes dados revelam exigncias de peso, cada vez mais severas, que

    quando impostas a atletas fortemente orientadas para o alcance dos seus

    objectivos competitivos, com baixos nveis de auto-estima, traos de

  • 19

    personalidade que apontam para o perfeccionismo e um elevado sentido crtico

    face aos seus prprios desempenhos desportivos (Joy et al., 1997), fazem com

    que exista uma maior susceptibilidade para o desenvolvimento de desordens

    alimentares.

    Desordens essas que podem assumir diferentes formas de manifestao,

    anorexia nervosa, bulimia e desordens alimentares no especficas.

    Anorexia nervosa a forma mais extrema de desordem alimentar na qual o

    sujeito perde peso, por um induzido estado de fome. A atleta recusa-se a manter

    85% do seu peso normal, por uma imagem destorcida do seu corpo e um

    manifesto medo de ganhar peso (Putukian, 1998). Encontra-se muitas das vezes

    associada ao vmito induzido e utilizao de laxantes e diurticos. Caracteriza-

    se pelo surgimento de amenorreia e encontra-se definida como uma desordem

    mental (Lebrun e Rumball, 2002).

    Bulimia tambm uma desordem mental que se relaciona com o vmito

    induzido e um desejo incontrolvel de comer. uma desordem de mais difcil

    deteco, uma vez que a maioria das atletas afectadas pela doena possuem um

    peso normal ou um pouco acima do requerido. Caracteriza-se por fases em que

    h uma excessiva ingesto de alimentos que posteriormente so compensadas

    com o uso de laxantes, diurticos assim como exerccio fsico muito intenso para

    que o peso corporal seja diminudo (Wiggings e Wiggings, 1997).

    Outra das formas de desordem alimentar assume uma severidade menor,

    mas suficiente para causar danos na sade dos sujeitos que nela se enquadram.

    Designa-se por desordem alimentar no especfica por no se enquadrar

    rigorosamente em nenhuma das categorias anteriormente descritas,

    apresentando, no entanto, caractersticas de ambas (Williams et al., 2003).

    Esta categoria engloba atletas que manifestam preocupaes com a sua

    imagem corporal, com o seu peso e demonstram sentimentos de culpa

    relativamente comida que, de alguma forma, se materializam numa incorrecta

    ingesto de nutrientes.

    Considerando cada uma destas categorias, que classificam as desordens

    alimentares, e atendendo ao que j foi discutido no captulo anterior, dedicado

    trade da mulher atleta, importante analisar que alteraes metablicas so

  • 20

    induzidas no sentido de compreender porque, numa grande maioria dos casos,

    este o ponto de partida para o desenvolvimento de disfunes menstruais e

    osteoporose.

    O funcionamento do sistema reprodutor extremamente sensvel e envolve

    um gasto energtico bem superior ao requerido pelo organismo masculino (The

    ESHRE Capri Workshop Group, 2006) pelo que, modificaes nos hbitos

    alimentares, resultado ou no de uma desordem alimentar, podem facilmente

    induzir estratgias adaptativas na funo reprodutora, para que a energia

    disponvel seja conservada para as funes vitais do organismo (Manore, 2002).

    Neste sentido, consideramos que no necessariamente a presena de

    uma desordem alimentar que provoca a to debatida trade da mulher atleta. Esta

    pode, efectivamente, ser o resultado de um conjunto de hbitos alimentares

    inadequados, mas tambm uma simples adaptao orgnica falta de energia

    disponvel.

    Enquanto que, em alguns casos, possvel observar uma restrio

    energtica significativa, noutros, as dietas seguidas no apontam para qualquer

    patologia e no evidente a falta de energia (Manore, 2002).

    Contudo, tanto numa situao como noutra, existem alteraes metablicas

    que podem, de alguma forma, ser justificativas para o aparecimento de disfunes

    menstruais e osteoporose.

    Durante um estado hipometablico, que se caracteriza por nveis crnicos

    de reduzida energia disponvel, os valores basais de diversas hormonas e

    substratos ficam alterados. Verifica-se um aumento da concentrao da hormona

    de crescimento (GH), cortisol (hormona segregada pelo crtex supra-renal que

    promove a degradao de lpidos e a sntese de glcidos), prolactina (hormona

    segregada pelo lbulo anterior da hipfise que se encontra associada a uma

    menor produo de gonadotropinas) e ghrelin (hormona estomacal que estimula o

    apetite). Em contrapartida, verifica-se tambm a diminuio da hormona T3

    (triidotironina, que funciona como um indicador metablico da energia disponvel),

    leptina (protena produzida pelos adipcitos que inibe o apetite e funciona como

    um indicador da quantidade de gordura disponvel), insulina (hormona que

    promove a sntese proteica e a degradao de glcidos) e da concentrao de

  • 21

    glucose no sangue (Arena et al., 1995; Souza e Williams, 2004; Souza et al.,

    2003).

    Qualquer uma destas alteraes pode estar na origem da amenorreia que

    se associa prtica desportiva, pelo que diversos autores se tm debruado na

    descoberta de qual o mecanismo que induz as disfunes menstruais para que se

    possa progredir para a construo de programas de preveno.

  • 22

    5. Disfunes menstruais

    A actividade fsica promove benefcios na sade de quem a pratica, pelo

    que recomendada a mulheres de todas as idades. No entanto, tm sido

    descritos na literatura, desde 1970, diversos problemas de disfunes menstruais

    (Harber, 2004) que afectam especialmente a populao atleta.

    As adaptaes fisiolgicas induzidas pelo treino, no conjunto de todas as

    suas exigncias, propiciam alteraes no peso, composio corporal, hbitos

    alimentares e funcionamento do sistema endcrino. Cada uma dessas alteraes

    associada elevada sensibilidade do sistema hormonal e s caractersticas

    genticas e psicolgicas de cada uma das mulheres envolvidas na actividade

    fsica, fazem com que as disfunes menstruais ocorram entre 6 a 79% da

    populao atleta (Warren e Perlroth, 2001), sendo aceites como mais uma das

    adaptaes fisiolgicas do organismo, entendida como sinnimo de um percurso

    correcto de treino.

    Contudo, desde a observao de que estas questes se encontravam

    relacionadas com a desmineralizao ssea, pela estreita relao dos estrognios

    com o metabolismo sseo, surgiram preocupaes mais sistemticas dentro desta

    rea na procura dos mecanismos desencadeadores de cada disfuno menstrual

    associada prtica desportiva (Loucks, 1990).

    Por disfuno menstrual parece entender-se um conjunto de alteraes

    menstruais que variam de severidade, desde o encurtamento da fase ltea,

    passando pela presena de ciclos anovulatrios e oligomenorreia, at ao alcance

    dos diferentes tipos de amenorreia.

    Encurtamento da fase ltea caracteriza-se por uma alterao na durao da

    fase ltea do ciclo menstrual ( 10 dias), que resulta em nveis insatisfatrios de

    progesterona, que propiciam uma inadequada maturao e desenvolvimento do

    endomtrio, no permitindo a nidificao de um vulo fecundado (Soules, 1989). A

    mulher no se apercebe das alteraes que ocorrem, uma vez que a durao total

    do ciclo mantida por um alargamento da fase folicular e o encurtamento da fase

    ltea. O sangramento mantm-se, pelo que s uma anlise hormonal ou a

  • 23

    realizao de uma biopsia pode determinar a ocorrncia desta disfuno (Otis,

    1992).

    Anovulao uma forma mais severa de disfuno menstrual onde a

    produo de estrognios na fase folicular to limitada que no permite a

    ocorrncia da ovulao. Os nveis de estrognios e progesterona apresentam-se

    ambos baixo, mas em concentrao suficiente para estimular a proliferao do

    endomtrio permitindo o sangramento (Redman e Loucks, 2005).

    De forma semelhante processa-se a oligomenorreia, disfuno onde a

    mulher vivencia a menstruao de 45 a 90 dias (Chen e Brzyski, 1998). O ciclo

    excessivamente longo, por vezes at anovulatrio, surge da concentrao

    insuficiente das hormonas FSH e LH. A sua caracterizao torna-se muito difcil

    dada a sua natureza irregular (Souza e Williams, 2004).

    A amenorreia surge como forma mais severa de disfuno menstrual que

    se define pela ausncia de sangramento durante o perodo menstrual. Esta

    disfuno assume duas vertentes: uma primeira denominada de primeira

    amenorreia, que se caracteriza pela ausncia da menstruao at aos 16 anos; e

    uma segunda, denominada de amenorreia secundria, que retrata a ausncia de

    menstruao durante um perodo consecutivo de 3 ou mais ciclos menstruais

    (Otis, 1992).

    Cada uma das referidas disfunes passa fundamentalmente por uma

    disfuno no funcionamento do complexo hipotlamo-hipfise, mais

    concretamente na secreo pulstil de GnRh. A alterao da frequncia e

    amplitude da secreo destas hormonas limita a produo de FSH e LH, que por

    sua vez reduzem a secreo de estrognios e progesterona (Pfeifer e Patrizio,

    2002). No entanto, os mecanismos que propiciam esta disfuno ainda no se

    encontram completamente esclarecidos (Warren, 1996). Existem diversas

    explicaes para um mesmo fenmeno, mas o diagnstico continua a ser um

    diagnstico por excluso (Marshall, 1994), que obriga a uma completa observao

    clnica que vai eliminando causas provveis para o surgimento da amenorreia,

    uma vez que esta pode no se encontrar associada prtica desportiva.

    Em primeiro lugar, a possibilidade de gravidez deve ser excluda seguindo-

    se uma anlise anatmica que garanta a integridade do aparelho reprodutor.

  • 24

    Podem ainda existir problemas no funcionamento das gnadas por mutaes

    genticas, alteraes no funcionamento da hipfise, crtex adrenal ou nos

    prprios ovrios pela existncia de tumores ou m formao (The Practice

    Committee of the American Society for Reproductive Medicine, 2004).

    Colocadas de parte todas estas possibilidades surge a hiptese da

    presena de uma amenorreia hipotalamica associada ao processo de treino.

    Processo esse que pode funcionar como elemento desencadeador de

    stress, balanos energticos negativos, desordens alimentares, baixos valores de

    peso assim como de massa gorda (Manore, 2002). Diferentes aspectos que se

    apresentam como formas distintas de explicar o aparecimento de amenorreia e

    que tm sido discutidas ao longo das ltimas dcadas.

    5.1 Prevalncia de disfunes menstruais

    Inicialmente a grande preocupao desta rea depreendeu-se com o

    levantamento de dados que permitissem a construo de uma ideia mais precisa

    de qual a prevalncia desta problemtica na populao atleta.

    Estudos esses que nem sempre foram bem articulados, na medida em que

    reuniram amostras onde se monitorizava apenas um ciclo menstrual. Perodo que

    se apresenta como insuficiente para uma determinao correcta da prevalncia da

    disfuno, dado o seu carcter irregular (Redman e Loucks, 2005).

    Por outro lado, o sistema endcrino envolve um complexo e diversificado

    leque de funes regulatrias que s atravs de um controlo rigoroso das

    variveis que o constituem, possvel a obteno de resultados vlidos que

    possam ser generalizados (Tremblay et al., 1995). Para isso, necessrio

    recolher amostras de sangue em diferentes momentos do ciclo menstrual que

    garantam a ocorrncia da ovulao e diagnostiquem possveis fases lteas

    encurtadas (Redman e Loucks, 2005).

    Sem a considerao destes aspectos os resultados obtidos podem

    subestimar ou sobrestimar a prevalncia das diferentes formas de disfuno.

    Segundo Brooks et al. (1990) a prevalncia de disfunes menstruais

    encontrada em atletas de recreao, que apresentam ciclos aparentemente

    normais, foi de 41,2%, nos quais existiu um caso de fase ltea encurtada e 6 onde

  • 25

    a fase folicular se apresentou com nveis de estrognios significativamente abaixo

    do esperado.

    Com estas concluses, apesar da amostra utilizada ter sido muito reduzida

    e as atletas recrutadas pertencerem a um grupo que no representa, partida, as

    exigncias do desporto de competio, fica patente a necessidade de recorrer a

    anlises sanguneas, no sentido de se aferir correctamente as caractersticas do

    ciclo menstrual da atleta em anlise. Coloca-se assim a possibilidade de que

    vrios estudos tenham negligenciado determinado tipo de disfunes menstruais,

    particularmente pela inexistncia de controlo hormonal [e.g., Dusek (2001),

    Ramsay e Wolman (2001), Klentrou e Plyley (2003) e Cobb et al. (2003)]. Todos

    eles utilizam uma metodologia, aplicao de questionrios, que no lhes permite

    detectar a presena deste tipo de disfunes.

    Segundo Dusek (2001) a prevalncia de amenorreia 3 vezes superior na

    populao atleta relativamente a mulheres sedentrias. A sua amostra reuniu

    diferentes modalidades, dentro das quais a prevalncia tambm se mostrou

    diferenciada.

    Atletas envolvidas em modalidades colectivas, como voleibol e

    basquetebol, apresentaram apenas 4 casos de amenorreia, no sendo nenhum

    deles amenorreia primria.

    A modalidade onde surgiram os valores mais elevados na incidncia de

    amenorreia foi, sem dvida, o atletismo, especialmente nas atletas de fundo e

    maratona, seguido do grupo de bailarinas, o que se assemelha aos dados

    apresentados por Warren (1999) obtidos por Abraham et al. (1982), Brooks-Gunn

    et al. (1987), Feicht et al. (1978), Glass et al. (1987), Shangold e Levine (1982) e

    Sandorn et al. (1982), onde bailarinas e atletas de fundo e maratona surgem como

    as mais afectadas por disfunes menstruais.

    No entanto, outra questo merece ser considerada. Dusek (2001) detectou

    que atletas que iniciaram a sua prtica desportiva antes do surgimento da

    menarca apresentavam uma idade superior para o seu aparecimento, o que

    sugere a influncia do treino no atraso da primeira menstruao. Tambm

    Constantini e Warren (1995), assim como Klentrou e Plyley (2003), apresentaram

    concluses que apontam para esta possibilidade. Os seus resultados, oriundos de

  • 26

    atletas de natao e ginastas de rtmica, respectivamente, referem uma idade, em

    mdia, superior para o aparecimento da menarca na populao atleta

    relativamente a mulheres sedentrias.

    Estes dados remetem-nos para uma discusso antiga. Segundo Malina

    (1983) a seleco de atletas para a prtica desportiva no se realiza

    aleatoriamente. Existem parmetros que tem como base o nvel de habilidade

    motora e as caractersticas antropomtricas dos sujeitos. Como tal, as mulheres

    com predisposio gentica para uma menarca mais tardia apresentam

    caractersticas fsicas, como as suas estruturas longilneas, sem a proeminncia

    das ancas, e os menores valores de peso, que lhes conferem vantagens

    competitivas sobre as maturacionalmente mais desenvolvidas, o que as faz

    ingressar e permanecer no meio desportivo.

    Contudo, a argumentao sociolgica de Malina (1983), que aponta para a

    desnecessidade de explicaes fisiolgicas para o constante aparecimento tardio

    da menarca em atletas, relativamente mdia da populao, contrariada por

    diversos estudos como os de Stager et al. (1990) e Georgopoulos et al. (1999).

    Stager et al. (1990) reuniram uma amostra de 30000 atletas de diversas

    modalidades e verificaram a existncia de dois grupos distintos na idade da

    menarca. Enquanto que, em mdia, a idade de aparecimento da menarca se

    situou nos 13,43 anos, quando se analisou a mesma no subgrupo de atletas que

    iniciaram a sua prtica desportiva antes do surgimento da menarca, a mdia

    alterou-se para 13,91 anos, contrabalanando com os 11,69 anos do grupo de

    atletas que iniciaram a sua prtica desportiva depois do surgimento da menarca.

    Considerando estas idades, coloca-se a possibilidade de que o efeito de seleco

    possa no ser a nica explicao para o aparecimento de diferenas to

    acentuadas na idade da menarca entre atletas e no atletas, visto que essas

    mesmas diferenas so tambm evidentes dentro da prpria populao atleta

    quando se estabelece uma relao entre a idade do incio da prtica desportiva e

    o seu estatuto maturacional no momento.

    Na mesma linha de pesquisa, Georgopoulos et al. (1999), analisou 255

    atletas de ginstica rtmica e constatou que a idade para o aparecimento da

  • 27

    menarca na populao atleta foi significativamente mais tardia, cerca de 1,3 anos,

    que a nas suas mes e irms.

    Considerando estes valores, os autores (op. cit.) apontam para que a

    predisposio gentica, reforada por Malina (1983), seja alterada pelos

    processos de treino o que conduz inevitavelmente a um atraso na menarca.

    Ainda associado a este aspecto, Cobb et al. (2003), na sua amostra de 91

    atletas de fundo e maratona, encontrou uma prevalncia de 26% de

    oligomenorreia, que se associou, em todos os casos a um surgimento tardio da

    menarca, cerca de 1,2 anos depois da mdia.

    Esta constatao sugere para que o atraso da menarca possa representar

    um risco acrescido ocorrncia de disfunes menstruais em idades posteriores.

    Segundo Pfeifer e Patrizio (2002), um passado marcado por disfunes

    menstruais um factor que predispe as atletas para a ocorrncia de amenorreia

    secundria. Se considerarmos que cada atleta possui a sua predisposio

    gentica para a idade da menarca e que o processo de treino, como factor

    exgeno, propicia uma alterao dessa mesma idade, podemos classificar o

    atraso da menarca como uma forma de amenorreia primria, no to severa, mas

    que, de certo modo, j induz uma alterao no sistema endcrino da atleta.

    Neste sentido, estabelecemos uma possvel relao causal entre diferentes

    variveis.

    Segundo Warren et al. (2002), bailarinas com ciclos menstruais regulares e

    bailarinas amenorreicas podem distinguir-se pela idade da menarca. O primeiro

    grupo apresenta uma idade de 14,3 anos enquanto que o segundo de 15,0 anos.

    Estes dados corroboram, em alguma medida, a ideia de que atletas

    envolvidas em prticas desportivas regulares, antes do surgimento da menarca,

    vm a sua primeira menstruao atrasada, o que as coloca numa posio mais

    vulnervel para o aparecimento de amenorreia secundria.

    No entanto, regressando s questes da prevalncia das disfunes

    menstruais na populao atleta, apesar das diferentes limitaes metodolgicas

    que diversos estudos demonstram, a prevalncia de amenorreia parece variar

    entre 1 e 44% (Souza e Metzger, 1991), dependendo do conceito utilizado e da

    modalidade analisada.

  • 28

    Contudo, tendo em conta que a maioria dos estudos no apresentou

    metodologias que lhes permitissem a obteno de dados relativos presena de

    fases lteas encurtadas, importa referir que estas foram encontradas em mulheres

    com actividade fsica regular na ordem dos 43%, acompanhadas de 12% de ciclos

    anovulatrios, o que se contrape a uma percentagem de 90% de ciclos

    ovulatrios na populao sedentria (Souza et al., 1998). Estas percentagens

    foram obtidas atravs de um acompanhamento de 3 ciclos menstruais, o que

    permitiu observar que em muitas das mulheres com disfunes o seu estatuto

    menstrual no era consistente, alterando-se de um ciclo para o outro em 46% dos

    casos.

    Mais uma vez, evidente a dificuldade metodolgica na obteno de dados

    precisos da incidncia de irregularidades menstruais na populao atleta. O

    nmero de variveis vasto, exigindo-se um forte controlo das mesmas por um

    perodo de tempo relativamente longo.

    No entanto, deixando de parte as questes metodolgicas que se

    encontram associadas prpria natureza dos estudos realizados, conclumos que,

    de uma forma geral, as disfunes menstruais fazem parte do quotidiano da

    populao atleta, assumindo at um espao privilegiado, chegando mesmo a se

    apresentarem como a regra e no a excepo (Pfeifer e Patrizio, 2002).

    Deste modo, surge a preocupao na forma como estas disfunes se

    articulam, no sentido de descortinar quais os mecanismos desencadeadores das

    mesmas.

    5.2 Mecanismos desencadeadores de amenorreia hipotalamica

    Bailarinas e atletas de fundo tm frequentemente baixos ndices de massa

    gorda e possuem um corpo magro. Estas caractersticas, quando relacionadas

    com a elevada percentagem de disfunes menstruais, que acompanham as

    atletas destas modalidades, levaram Frisch e Revelle (1974 cit por Nielson e

    Fleck, 1985) a propor que seria necessria uma percentagem de 17% de massa

    gorda para o surgimento da menarca e de 22% para que a sua ocorrncia fosse

    mantida.

  • 29

    Contudo, esta primeira explicao para o surgimento da amenorreia foi,

    desde cedo, colocada em causa pela forma como se estabeleceu a relao entre

    as variveis. No monograma elaborado por Frisch e Revelle (1974 cit por Nielson

    e Fleck, 1985) a percentagem de massa gorda expressa, de forma simplista,

    pela considerao do peso em funo da altura da atleta, sem qualquer outra

    apreciao da composio corporal.

    Esta hiptese foi criticada e contrariada, por um lado, pela verificao de

    que atletas com valores inferiores a 22%, possuam ciclos menstruais regulares

    (Souza et al., 1988; Warren, 1992) e por outro, pelo reconhecimento de que,

    muitas das vezes, a ocorrncia de alteraes na massa gorda no se traduz em

    modificaes na massa corporal absoluta, mas sim numa mera substituio de

    massa gorda por massa muscular (Cre, 1998).

    Dada a falta de rigor expressa nesta hiptese, rapidamente, surgiram outras

    formas explicativas que procuram isolar os factores que desencadeiam a

    amenorreia.

    Dentro delas encontramos uma associao entre amenorreia e stress fsico

    e emocional. Este pode ser considerado um agente perturbador do equilbrio do

    sistema reprodutor, pela inibio da secreo pulstil da GnRh, que compromete

    as concentraes de FSH e LH e consequentemente dos estrognios e

    progesterona. Este comprometimento parece ser to pronunciado quanto mais

    severo for o agente stressor (Ferin, 1999).

    O mecanismo aponta para que o stress fsico e emocional active o ncleo

    paraventricular do hipotlamo que produz as neuro-hormonas corticotropina (CRH)

    e antidiurtica (ADH) que actuam ao nvel da hipfise provocando a secreo de

    adenocorticotropina (ACTH), hormona responsvel pela estimulao do crtex

    adrenal que conduz produo de cortisol (Ferin, 1999).

    Neste sentido, o complexo hipotlamo-hipfise e o crtex adrenal quando

    activados por agentes stressores tm um efeito inibitrio no complexo hipotlamo-

    hipfise e nas gnadas (Chrousos et al., 1998) por uma produo de

    progesterona. Esta produo pelo crtex adrenal, como resposta estimulao de

    ACTH, apesar de pequena, suficiente para desencadear uma retroaco ao

    nvel do complexo hipotlamo-hipfise que reduz a produo de LH e acaba por

  • 30

    provocar um prolongamento da fase folicular e um encurtamento da fase ltea

    (Ferin, 1999).

    No entanto, no existem evidncias de que o stress possa ser o

    responsvel para a presena de amenorreia, visto que a retroaco no se

    processa a um nvel suficientemente elevado que iniba a secreo de GnRh.

    Segundo Dobson et al. (2003) a presena de agentes stressores estimula a

    actividade de diversos neurnios o que reduz a disponibilidade daqueles que

    esto associados produo de GnRh, o que inevitavelmente resulta numa

    diminuio da sua frequncia de secreo, no existindo, no entanto, ao longo de

    todo o estudo, qualquer referncia a uma inibio completa de GnRh que possa

    associar este mecanismo amenorreia.

    Por outro lado, Loucks e Redman (2004) tambm argumentam nesse

    sentido. Os elementos stressores devem ser entendidos apenas como factores de

    impacto no metabolismo e no de efeito inibitrio na funo reprodutora. A sua

    interveno no ciclo menstrual no vai para alm da sua aco na energia

    disponvel.

    A activao do complexo hipotlamo-hipfise e as glndulas supra-renais

    resulta na produo de hormonas que acentuam o catabolismo glicoltico. Este

    catabolismo no deve ser desprezado quando se estabelecem associaes entre

    o stress e as disfunes hormonais (Loucks e Redman, 2004), especialmente se

    consideramos que, muitas das vezes, a ingesto calrica das atletas no

    corresponde ao que seria necessrio para o seu nvel de actividade (Laughlin e

    Yen, 1997; Tomten e Hstmark, 2006).

    Neste sentido, qualquer factor que promova um acentuar do estado crnico

    de deficincia energtica, frequentemente presente nas atletas, pode conduzir a

    disfunes menstruais.

    O impacto do stress no sistema reprodutor no negado, mas sim

    colocado dentro de um processo ainda mais complexo, onde a falta de energia

    disponvel se assume como o elemento desencadeador dos processos fisiolgicos

    que podem suprimir a funo reprodutora (Loucks e Redman, 2004).

    A amenorreia apresenta-se assim como uma disfuno que, muito

    provavelmente, resulta de um dfice de energia disponvel e no do impacto

  • 31

    negativo de agentes stressores ou da quantidade de massa gorda existente

    (Loucks e Nattiv, 2005).

    Esta hiptese prope que a alterao da secreo pulstil da GnRh seja

    mediada por um sinal, ainda no identificado, que informa o hipotlamo de que a

    energia existente inadequada para as exigncias do sistema reprodutor e

    locomotor (Loucks et al., 1998). Esta situao poder desencadear fenmenos de

    proteco biolgica que promovem um perodo transitrio de infertilidade (Williams

    et al., 1995).

    Considerando que em diversos animais existem mecanismos semelhantes,

    onde a actividade do sistema reprodutor suspendida por falta de energia

    disponvel, possvel que o mesmo ocorra no organismo humano (Loucks et al.,

    1994).

    Como forma de verificar esta possibilidade, encontramos o estudo de

    Loucks et al. (1994), que ao restringir a energia disponvel, num grupo de

    mulheres sedentrias, obteve uma menor concentrao de LH pela reduo na

    sua frequncia de secreo, 23%, e um aumento da amplitude de secreo, 40%,

    o que no se verificou no grupo de controlo, onde mulheres sedentrias no foram

    sujeitas a qualquer restrio calrica.

    Estes resultados suportam a hiptese de que a secreo pulstil de LH

    dependente da energia disponvel no organismo, tal como se verifica no sistema

    reprodutor de outros mamferos (Loucks et al., 1994).

    Como complemento do estudo apresentado, Loucks et al. (1998)

    procuraram testar se o impacto da energia disponvel na secreo de LH o

    mesmo mediante condies de exerccio fsico, entendido como agente stressor.

    Para isso, reuniu mulheres sedentrias submetidas a exerccio fsico que se

    dividiram por dois grupos, um deles sujeito a restrio calrica, enquanto que no

    outro foi garantida uma ingesto calrica equilibrada.

    Quando comparados os grupos existiu uma menor concentrao de LH

    pela diminuio em 10% na frequncia de secreo e um aumento de 36% na sua

    amplitude de secreo, no grupo de mulheres sujeitas a restrio calrica, o que

    ainda foi acompanhado de uma reduo de T3 e insulina e um aumento de cortisol

  • 32

    e GH. Contrariamente, no grupo de mulheres sujeitas apenas actividade fsica,

    no existiu qualquer alterao nos parmetros de secreo da hormona LH.

    Neste sentido, o exerccio fsico, por si s, no se apresenta como o factor

    desencadeador de disfunes menstruais. O seu impacto encontra-se relacionado

    com o seu custo energtico e no com a sua aco stressora. A secreo de LH

    suprimida pela combinao do exerccio fsico com a restrio calrica. No

    entanto, no necessrio que exista uma restrio calrica para verificarmos uma

    supresso da secreo de LH. A energia despendida atravs do exerccio fsico

    pode, isoladamente, conduzir a uma disfuno (Loucks et al., 1998) se o balano

    entre energia consumida e energia despendida no for o correspondente energia

    requerida (Loucks, 2003).

    Ao comparar os resultados obtidos nos dois estudos, surge um outro dado

    interessante. Podemos constatar que os baixos nveis de energia disponvel,

    quando causados pelo exerccio fsico, tm um impacto menor na secreo de LH

    do que quando resultam de restrio calrica.

    Esta verificao pode, numa primeira observao, parecer contraditria,

    visto que seriam de esperar alteraes similares em ambos os grupos, dado que

    os nveis de energia disponvel foram os mesmos. Contudo, coloca-se a hiptese

    de que a energia disponvel atravs de uma restrio calrica promova uma menor

    disponibilidade de glucose no sangue do que a promovida pelo exerccio fsico.

    Esta diferena na disponibilidade de glucose provm de um uso selectivo dos

    substratos energticos pelo msculo esqueltico, que utiliza maior quantidade de

    lpidos em detrimento de glucose, com o intuito de conservar energia para as

    actividades cerebrais. Uma maior quantidade de energia disponvel para o crebro

    possibilita que no seja necessrio restringir, num grau to severo, a secreo de

    LH, como a verificada quando h restrio calrica (Loucks et al., 1998).

    Tendo em conta que o crebro s utiliza como substrato energtico a

    glucose e considerando que o msculo esqueltico altera o substrato energtico

    que degrada durante o exerccio, existe a possibilidade de que a secreo de LH

    esteja dependente da glucose disponvel e no da quantidade de energia

    disponvel, na sua totalidade (Loucks, 2004).

  • 33

    No entanto, no se encontra resolvida a questo de qual o factor mediador

    que se associa a essa mesma dependncia (Hilton e Loucks, 2000), continuando

    os estudos em busca de qual o sinal perifrico que conduz a informao do estado

    metablico do organismo ao crebro (Loucks et al., 1998), e muitas tem sido as

    substncias propostas para resolver a questo.

    A insulina uma das possibilidades. Williams et al. (1996) depois do

    reconhecimento de que vrias hormonas metablicas e substratos variavam as

    suas concentraes de acordo com as de LH e progesterona, decidiram analisar

    de que forma a insulina poderia estar envolvida na modelao da actividade neural

    responsvel pela produo de GnRh, visto que a sua presena acompanhava, na

    mesma medida, a concentrao das hormonas reprodutoras, tanto em situao de

    jejum como de refeio. Por outro lado, a verificao de que existiam receptores

    de insulina em reas cerebrais, que contm neurnios de GnRh, colocou esta

    hormona numa posio privilegiada para ser a chave metablica que liga a

    actividade de GnRh ao estado nutricional do organismo.

    Para isso, Williams et al. (1996) utilizaram uma amostra de macacos e

    procuraram constatar dois aspectos. Em primeiro lugar estabeleceu uma

    correlao entre a concentrao de insulina, induzida por uma refeio, e a

    respectiva secreo de LH. Posteriormente ministrou um supressor de insulina

    para observar o impacto da falta da hormona na secreo ou de LH.

    Como resultado, no obteve correlao entre as concentraes de insulina,

    aps a refeio, e a secreo de LH, assim como a sua inibio no correspondeu

    a um bloqueio na secreo da hormona. Resultados que argumentam contra a

    hiptese de que a insulina seria o elemento mediador entre GnRh e o estado

    metablico do organismo.

    No entanto, apesar de no terem sido encontrados dados que apoiassem a

    hiptese formulada, os autores (op. cit.) verificaram que, durante a induzida

    supresso de insulina, existiu uma converso da hormona T4 em T3 o que aceite

    como sendo um sinal de que existe um balano energtico positivo. Desta forma,

    a hormona T3 poder ser o sinal metablico que se procura visto que a sua

    concentrao aumentou com o aumento da energia disponvel.

  • 34

    Loucks et al. (1992) procuraram encontrar informaes acerca destas duas

    hormonas, mas depararam-se com resultados inconclusivos no que concerne

    sua funo como indicador metablico fundamental.

    Neste estudo (op. cit.) foi investigada a integridade do complexo

    hipotlamo-hipfise e a glndula tiride em dois grupos de atletas, um

    caracterizado por mulheres com amenorreia e outro por mulheres com ciclos

    menstruais regulares. O grupo de controlo foi constitudo por mulheres

    sedentrias, tambm elas com ciclos regulares.

    Como resultado foram obtidos valores mais baixos das hormonas T4 e T3 no

    grupo de atletas amenorreicas, comparativamente aos dois outros grupos em

    estudo. No entanto, existiu uma diminuio da hormona T4 nas atletas com ciclos

    menstruais regulares comparativamente com as mulheres sedentrias, ao passo

    que os valores de T3 no apresentaram diferenas significativas entre estes dois

    grupos. Com estes dados parece que a diminuio da hormona T4 induzida pelo

    exerccio fsico, enquanto que a hormona T3 pode efectivamente ser o indicador

    metablico procurado, dado que a sua concentrao reduzida s foi encontrada

    em atletas com amenorreia.

    Contudo, a possibilidade de que a hormona T3 seja o indicador metablico

    que comunica o dfice energtico do organismo ao crebro parece ser contrariada

    com base nos resultados do estudo de Souza et al. (2003).

    Estes autores (op. cit.) depararam-se com diferenas significativas na

    concentrao da hormona T3, em qualquer um dos grupos sujeitos ao exerccio

    fsico, tenha ou no presente disfuno menstrual, relativamente ao grupo de

    controlo, constitudo por mulheres sedentrias com ciclos menstruais regulares.

    Esta verificao, associada investigao de Williams e Cameron (1996 cit por

    Souza et al., 2003), monitorizada em ratos, onde a injeco de T3 no preveniu o

    posterior decrscimo da hormona LH, induzido por jejum, sugerem que esta

    hormona no seja a responsvel directa pelo controlo do complexo hipotlamo-

    hipfise e ovrios. No entanto, como elemento de discusso os autores (op. cit.)

    apontam a leptina como provvel sinal qumico associado a esse mesmo controlo.

    O tecido adiposo um dos possveis propulsionadores do mecanismo que

    articula o controlo da secreo de LH. A quantidade de leptina produzida pode

  • 35

    funcionar como indicador metablico de que existe substrato disponvel para

    oxidao (Wade e Jones, 2003). Esta hormona, segregada pelo tecido adiposo,

    pelo gene da obesidade, potencia uma possvel ligao entre os adipcitos e os

    factores hipotalamicos que regulam o apetite, e associa-se fortemente

    percentagem de massa gorda existente no organismo. Estas caractersticas

    reunidas com a verificao da presena de receptores de leptina no hipotlamo e

    ovrios (Laughlin e Yen, 1997), sugerem que a hormona possa ser o sinal

    perifrico do estado metablico do organismo, visto que a sua expresso est

    dependente da oxidao de glucose. Para a produo de leptina necessrio a

    existncia de energia, assim como de tecido adiposo, como local da sua produo

    (Zanker, 2006).

    Esta hiptese corroborada pelos dados obtidos por Thong et al. (2000),

    onde os valores de leptina se demonstraram significativamente mais baixos em

    atletas amenorreicas relativamente quelas onde o ciclo menstrual se apresentou

    regular. Por outro lado, Hilton e Loucks (2000) evidenciam que as concentraes

    de leptina so influenciadas pela energia disponvel e no pelo stress promovido

    pela actividade fsica. Tal como no estudo de Loucks et al. (1998) o impacto de um

    balano energtico negativo, nas concentraes de leptina, foi mais severo quanto

    proveniente de uma restrio calrica do que quando induzido pelo aumento do

    consumo energtico pela actividade fsica. Contudo, Laughlin e Yen (1997)

    apontam para que os baixos valores de leptina, verificados em atletas

    amenorreicas, sejam apenas adaptaes progressivas a um estado crnico de

    deficincia energtica. A correspondncia entre os nveis de leptina e a

    integridade do sistema reprodutor parece no se encontrar por si s, uma vez que

    foram observados valores mais baixos desta hormona em atletas com ciclos

    menstruais regulares relativamente a mulheres sedentrias, tambm elas com um

    estatuto menstrual regular.

    Mais uma vez, considerando que tem sido verificada uma incidncia

    superior de desordens alimentares em atletas amenorreicas, relativamente s que

    possuem um ciclo menstrual regular (Laughlin et al., 1998; Warren et al., 1999;

    Tomten e Hstmark, 2006), o estado de hipoleptinemia pode efectivamente ser

  • 36

    apenas um reflexo do consumo calrico inadequado, que frequentemente se

    verifica nestas atletas (Miller et al., 1998).

    Um outro possvel indicador metablico que estabelece a relao entre a

    energia disponvel no organismo e os neurnios responsveis pela secreo de

    GnRh, designa-se por ghrelin, uma hormona estomacal que estimula o apetite e

    encontra uma maior concentrao nos perodos de jejum e de perda de peso (The

    ESHRE Capri Workshop Group, 2006). Esta hormona tem sido sugerida como

    sendo o primeiro sinal metablico perifrico para a fome, ingesto de alimentos e

    equilbrio energtico (Zigman e Elmquist, 2003). Conhecendo estas aces

    metablicas, assim como o seu possvel papel na regulao do sistema reprodutor

    atravs do hipotlamo, Souza et al. (2004) examinaram as concentraes de

    ghrelin em mulheres fisicamente activas com diferentes estatutos menstruais,

    ciclos regulares, ciclos com fases lteas encurtadas ou anovulatrios e estado de

    amenorreia.

    Foram obtidas anlises hormonais durante 3 ciclos menstruais consecutivos

    em todas as mulheres participantes no estudo; No grupo de mulheres

    amenorreicas observou-se um aumento de, aproximadamente, 100% na

    concentrao de ghrelin, enquanto que em nenhum dos outros grupos existiu

    qualquer diferena. No entanto, esta hormona no se encontrou relacionada com

    a concentrao de leptina, peso corporal, ndice de massa corporal, massa gorda

    ou mesmo massa magra, mas sim com T3 e insulina, apesar das correlaes

    serem negativas e de efeito fraco a moderado.

    A falta de associao entre os diferentes indicadores metablicos aponta

    para que a hormona estomacal seja a nica a reflectir o estado crnico de dfice

    energtico, que no traduzido pela massa ou peso corporal mas que se

    manifesta num forte sinal para que o organismo aumente a ingesto calrica, para

    restabelecer o equilbrio homeosttico (Souza et al., 2004).

    No entanto, necessrio obter mais informaes acerca desta possvel

    associao controlando outras variveis, como a energia disponvel, quantidade

    de massa gorda e peso corporal para estabelecer uma relao possvel de que a

    hormona actua no sentido de que o sujeito adquira a sua composio corporal

    inicial. Esta possibilidade suportada pelos dados que acompanharam o aumento

  • 37

    da concentrao de ghrelin. Decrscimos na concentrao de leptina, T3, glucose

    e insulina assim como acrscimos nas hormonas GH e cortisol (Souza et al.,

    2004), tudo indicaes que se reconhecem num estado hipometablico tanto em

    mulheres com amenorreia como com anorexia (Laughlin et al., 1998).

    Este indicador metablico, ghrelin, com base nos estudos a que tivemos

    acesso, parece ser a substncia mais importante na comunicao do estado

    energtico do organismo aos neurnios, e que pode inibir a secreo de GnRh.

    Considerando que grande maioria dos estudos so suportados na teoria de

    que as disfunes menstruais so resultado da insuficiente energia disponvel no

    organismo, apesar das diferentes opinies acerca de qual o indicador metablico

    subjacente ao mecanismo de comunicao do dfice de energia aos neurnios,

    importante conhecer os valores a partir dos quais ocorre uma inibio da secreo

    de LH.

    Como forma de averiguar a restrio calrica necessria para a ocorrncia

    da referida inibio, Loucks e Thuma (2003) distriburam as mulheres inseridas no

    seu estudo em quatro grupos, submetidos a dietas distintas, onde se controlou a

    energia ingerida e despendida, de forma a que a energia disponvel fosse, no

    momento inicial da experincia, de 45 Kcal/KgLBM.d para todos os grupos. Com o

    desenrolar dos procedimentos, os diversos grupos foram sujeitos a restries

    calricas diferenciadas. Um primeiro passou a possuir uma energia disponvel de

    30 Kcal/KgLBM.d, um segundo de 20 Kcal/KgLBM.d, um terceiro de 10

    Kcal/KgLBM.d enquanto que o quarto manteve as 45 Kcal/KgLBM.d iniciais,

    funcionando como grupo de controlo.

    Aps 5 dias de restrio calrica, precedidos de 3 com uma dieta

    equilibrada, os sujeitos verificaram uma reduo de 2 Kg, 1,1 Kg e 1,3 Kg no peso

    corporal, respectivamente nos grupos de 10 Kcal/KgLBM.d, 20 Kcal/KgLBM.d e 30

    Kcal/KgLBM.d. O grupo que manteve os seus nveis de energia disponvel nas 45

    Kcal/KgLBM.d, como seria de esperar, no apresentou qualquer alterao no peso

    corporal.

    Relativamente secreo da hormona LH, as dietas com energia

    disponvel de 10 Kcal/KgLBM.d e 20 Kcal/KgLBM.d reduziram a frequncia de

    secreo e aumentaram a sua amplitude o que se traduz numa menor

  • 38

    concentrao da hormona. No entanto, a dieta de 30 Kcal/KgLBM.d no propiciou

    efeitos nos parmetros de secreo.

    Dentro da dieta de 20 Kcal/KgLBM.d a reduo na frequncia correspondeu

    a 16%, enquanto que o aumento na amplitude foi de 21%. J na dieta de 10

    Kcal/KgLBM.d os efeitos foram mais severos, sendo a reduo da frequncia de

    39% e o aumento da amplitude de 109%. Em qualquer um dos grupos

    reconheceu-se variao individual, existindo casos onde a diminuio da

    concentrao de LH obteve uma expresso mais acentuada relativamente a

    outros. Contudo, aqueles onde se apurou um efeito mais extremo da falta de

    energia disponvel foram nos sujeitos que apresentavam fase ltea encurtada.

    Com tudo isto, podemos definir um limiar de energia disponvel abaixo do

    qual podem ocorrer disfunes na secreo pulstil de LH. Esse limiar situa-se

    nas 30 Kcal/KgLBM.d, mas no se apresenta como um valor invarivel.

    Este limiar tambm, em alguma medida, observado por Thong et al.

    (2000) durante a realizao do seu estudo, onde atletas amenorreias possuam,

    habitualmente, 16 Kcal/KgLBM.d de energia disponvel, enquanto que atletas com

    ciclos menstruais regulares apresentavam valores bem mais elevados, na ordem

    dos 30 Kcal/KgLBM.d.

    Com todas as modificaes verificadas nos parmetros de secreo da

    hormona LH podemos compreender que o sistema reprodutor sensvel a

    alteraes a curto prazo. Alteraes essas que se associam energia disponvel e

    que podem ocorrer em apenas 7 dias (Williams et al., 1995).

    O exerccio fsico, como j referimos anteriormente, no o agente que

    promove as disfunes menstruais, mas sim um meio de dispndio energtico que

    pode desequilibrar os nveis de energia disponvel e inibir a secreo de LH

    (Williams et al., 1995).

    No entanto, a forma como esta inibio pode ocorrer foi testada em

    macacos e aponta para que se processe de forma abrupta. Apenas trs

    particularidades foram verificadas no ciclo que precedeu amenorreia. Uma maior

    durabilidade da fase folicular e consequentemente do prprio ciclo, dado que no

    ocorreu encurtamento da fase ltea, um aumento da concentrao da hormona

    FSH e uma menor produo de progesterona. A primeira constatao aponta para

  • 39

    que tenha sido necessrio um maior perodo de tempo para que o folculo

    atingisse a sua maturao, enquanto que a segunda pode estar relacionada por

    uma menor operacionalidade da hormona GnRh que pelo exerccio fsico reduziu

    a sua frequncia (Williams et al., 2001a).

    O mecanismo inverso foi tambm ele averiguado em macacos, numa

    amostra de 4 animais. Partindo do pressuposto de que o estado de amenorreia

    induzido por um dfice de energia disponvel, o seu reverso ser conseguido com

    um acrscimo na energia disponvel, sem a alterao da prtica de exerccio

    fsico. Esta possibilidade foi verificada atravs de um acrscimo em 163% e 181%

    em dois dos animais e de 138% e 141% nos outros dois. Contudo, o perodo de

    tempo que os animais demoraram a restabelecer as suas funes hormonais foi

    de 12 e 16 dias no primeiro caso e de 50 e 57 dias no segundo (Williams et al.,

    2001b).

    Em contrapartida, na espcie humana, existem evidncias de que a

    recuperao das funes reprodutoras ser mais lenta que a verificada em

    qualquer um dos outros mamferos estudados, dada a dependncia do crebro

    humano pela presena de glucose. Neste sentido, o crebro compete com todos

    os outros rgos e tecidos pela energia disponvel (Loucks e Verdun, 1998).

    No entanto, estes dados questionam a interpretao que deve ser feita

    relativamente presena de fases lteas encurtadas. Tanto na situao de

    restrio calrica, onde ocorre supresso do ciclo menstrual, como no seu

    estabelecimento por maior ingesto calrica, no se verificaram fases lteas

    encurtadas que apontem para que estas sejam um estdio intermdio entre um

    ciclo normal e a amenorreia.

    A dvida permanece instalada e balana entre uma possvel aclimatizao

    ao processo de treino e uma disfuno menstrual num organismo mais robusto ao

    impacto energtico do exerccio fsico (Loucks, 1990).

  • 40

    6. Osteoporose e osteopenia

    Actividades fsicas de elevado impacto sseo-articular so reconhecidas

    como promotoras de benefcios na estrutura ssea (Stacey et al., 1998), no

    entanto podem associar-se a disfunes menstruais que comprometem os nveis

    de estrognio no organismo (Lebrun e Rumball, 2002) e promovem uma

    acelerao do processo de remodelao ssea (Miller e Klibanski, 1999) que se

    pode traduzir no surgimento de osteoporose ou osteopenia. Problemas de sade

    que esto descritos como as principais repercusses negativas da amenorreia

    (Cumming e Cumming, 2001), visto existirem evidncias de que a funo

    reprodutora seja apenas afectada de uma forma reversvel (Marshall, 1994).

    Por osteoporose podemos entender uma perda de massa ssea que

    conduz a uma degradao da sua estrutura arquitectnica que torna o osso mais

    vulnervel a fracturas (Putukian, 1998). De uma forma mais rigorosa podemos

    quantificar essa perda em 2,5 desvios standard abaixo da mdia (Khan et al.,

    2002).

    No entanto, esta problemtica pode assumir uma expresso menos severa

    designando-se por osteopenia, o que significa, do mesmo modo, uma perda de

    massa ssea mas em valores mais reduzidos, entre 1 e 2,5 desvios standard

    abaixo da mdia (Khan et al., 2002).

    Tanto osteoporose como osteopenia so processos de perda de massa

    ssea