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UCAM - UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” TERAPIA DE FAMÍLIA O PAPEL DO CONTEXTO FAMILIAR NO DECURSO DA ESQUIZOFRENIA - UM ESTUDO DE CASO Michele Aline de Oliveira Orientador: Professor Celso Sanches RIO DE JANEIRO 2007

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UCAM - UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” TERAPIA DE FAMÍLIA

O PAPEL DO CONTEXTO FAMILIAR NO DECURSO DA

ESQUIZOFRENIA - UM ESTUDO DE CASO

Michele Aline de Oliveira

Orientador: Professor Celso Sanches RIO DE JANEIRO 2007

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UCAM- UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” TERAPIA DE FAMÍLIA

O PAPEL DO CONTEXTO FAMILIAR NO DECURSO DA ESQUIZOFRENIA -

UM ESTUDO DE CASO

Michele Aline de Oliveira

Monografia de final curso apresentada como requisito para pós-graduação em Terapia de família

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo seu imenso amor que tem me

sustentado.

Ao Professor Celso Sanches pela acolhida, escuta e

interesse por este trabalho.

Aos meus pais que investiram, acreditaram em mim

e sempre me deram carinho e amor.

Ao meu noivo Marcelo de Souza Santos pelo

incentivo.

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DEDICATÓRIA

A Mariana e seus familiares

Biografia Escreverás meu com todas as letras,

Com todas as datas, E não serei eu. Repetirás o que me ouviste; O que leste de mim e mostrarás o meu retrato, e nada disso serei eu. Dirás coisas imaginárias, Invenções sutis, engenhosas teorias, E continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade de muitos instantes mínimos,

isso seria eu. Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,

aproximamo-nos e afastamo-nos eternamente, como poderão encontrar

novos e antigos todos os dias, transparentes e opacos, segundo o giro da luz nós mesmos nos procuramos. E por entre circunstâncias fluímos, leves e livres como as cascatas pelas pedras.

Que mortal nos poderia prender?

Cecília Meireles

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RESUMO

A esquizofrenia é um transtorno mental grave, estereotipado como

loucura para nossa sociedade. Ao atender uma adolescente com este

transtorno, me surpreendi com o desconhecimento da família sobre o que

Mariana teria e passei a estudar esta questão e pude perceber que a

intervenção sobre a esquizofrenia só tem sentido, desde que conduzida sobre

“todo o campo”, influindo assim sobre a complexa constelação de variáveis que

constituem os fatores de risco e proteção. Na maioria das vezes, são variáveis

ligadas aos contextos microssociais (família e comunidade) e pressupõem

estratégias de manejo ambiental. Os objetivos da intervenção familiar são os

seguintes: reduzir os riscos de recaída para os pacientes esquizofrênicos,

melhorar a qualidade de vida dos familiares e do paciente, ensinar habilidades

de manejo e minimização dos sintomas e da desabilitação. Desta forma,

percebe-se que é fundamental a importância de um co-envolvimento da família

dos esquizofrênicos. A família, na medida do possível, deve se tornar

protagonista responsável pelos processos de tratamento e organização da

reabilitação do esquizofrênico.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada, nesta monografia, destina-se a contribuir para

as áreas de saúde mental e terapia de família, acreditando que é fundamental

o co-envolvimento da família para a reabilitação psicossocial do esquizofrênico.

Foi utilizado como referência: Bibliografias sobre o tema e pesquisa

exploratória classificado como estudo de caso.

No primeiro capítulo apresenta-se a bibliografia sobre a esquizofrenia e

abordagem familiar, para que se possa entender o que é a esquizofrenia

(sintomas e as características) e estudos sobre a abordagem familiar.

Em seguida, é apresentado o caso de uma adolescente de 18 anos e

seus familiares (pai, mãe e irmã de 11 anos) que estão em tratamento

psicológico desde 20 de maio de 2005, na Secretaria Municipal de Assistência

Social e trabalho, da cidade de Mesquita. É importante citar que o nome

utilizado nesta pesquisa é fictício, para preservar a adolescente e seus

familiares, que concordaram que o caso fosse utilizado como objeto de

pesquisa. Foram utilizadas anotações feitas sobre o caso no decorrer do

atendimento.

Logo após, no terceiro capítulo, o caso é analisado e discutido utilizando

a bibliografia apresentada. Ao final, em anexo, é apresentado um desenho feito

pela jovem no início do processo terapêutico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ....................................................................................08

CAPÍTULO 1 – ENTENDENDO A ESQUIZOFRENIA..........................09

CAPÍTULO 2 – ESTUDO DE CASO ....................................................26

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO...........................31

CONCLUSÃO.......................................................................................35

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................37

ANEXOS ..............................................................................................39

ÍNDICE..................................................................................................41

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INTRODUÇÃO

Desde dezembro de 2004, trabalho realizando atendimento psicológico

na Secretaria Municipal de Assistência Social e trabalho, na cidade de

Mesquita. Encontramos uma clientela diversificada que vão desde crianças,

adolescentes até adultos. Entre vários atendimentos realizados, um em

particular chamou minha atenção, por se tratar de uma paciente com transtorno

mental grave: a esquizofrenia. Logo, de início percebi a necessidade de

também acolher a família de Mariana que não sabia o que ela tinha e estava

muito angustiada com a situação.

Para escrever este caso foi necessário parar e recuperar na memória

tantas lembranças: a monografia de conclusão do curso de Psicologia, na UFF,

foi sobre a entrada do bebê na creche: os cuidados necessários a partir da

abordagem de D. W. Winnicott. Para este autor, nos estágios iniciais do

desenvolvimento, encontra-se o esclarecimento da psicose.

Ao relembrar cada atendimento e estudar sobre o assunto ficou evidente

a importância do contexto familiar (o ambiente) no decurso da esquizofrenia. O

que me motivou a começar a pós-graduação em terapia de família e escrever o

presente trabalho.

No primeiro capítulo apresentarei uma revisão bibliográfica sobre a

esquizofrenia, os sintomas, os processos de cronificação, reabilitação e a

abordagem familiar.

No segundo capítulo relatarei o caso e no terceiro farei uma análise do

caso apresentado.

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CAPÍTULO 1

ENTENDENDO A ESQUIZOFRENIA

“O Esquizofrênico é cavaleiro de parte alguma”

Jean Oury

No conjunto das doenças mentais graves que provocam uma

modificação profunda e duradoura da personalidade, o grupo das

esquizofrenias compreende a maioria dos casos de alienação mental

caracterizada por um processo de desagregação mental que pode ser

chamada de “demência precoce”, “discordância intrapsiquica” ou “dissociação

autista da personalidade”. A Esquizofrenia é a mais freqüente das psicoses

crônicas. Compreende-se por psicose esquizofrênica um conjunto de distúrbios

em que predominam a discordância, a incoerência ideoverbal, a ambivalência,

o autismo, as idéias delirantes, as alucinações mal sistematizadas e profundas

perturbações afetivas no sentido do desinteresse e da estranheza dos

sentimentos – distúrbios que tendem evoluir para um déficit e uma dissociação

da personalidade. A Esquizofrenia é uma doença da Personalidade total que

afeta a zona central do eu e altera toda estrutura vivencial. Culturalmente o

esquizofrênico representa o estereotipo do “louco”, um indivíduo que produz

grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade

reconhecida (Ballone, 2005)

Segundo Kaplan (apud Ballone), aproximadamente 1% da população é

acometida pela doença, geralmente iniciada antes dos 25 anos e sem

predileção por qualquer camada sócio-cultural. O diagnóstico baseia-se

exclusivamente na história psiquiátrica e no exame do estado mental. É

extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia antes dos 10 ou depois

dos 50 anos de idade e parece não haver nenhuma diferença na prevalência

entre homens e mulheres.

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O processo esquizofrênico essencialmente dinâmico parece-nos como

que uma evolução regressiva da pessoa que corresponde a uma profunda

impotência (condições orgânicas deficitárias e negativas) e a uma profunda

necessidade (fatores psíquicos e positivos): impotência para viver em um

mundo real e necessidade de fugir em um mundo imaginário.

Segundo Ciompi (apud Saraceno, 1999), o aparelho psíquico seria um

produto de correlação entre elementos anátomo-funcionais e interações com a

experiência. Para ele, a esquizofrenia se desenvolveria em três fases diversas.

Na primeira fase uma combinação de fatores biológicos (danos pré-natais e/ou

fatores genéticos desfavoráveis) e fatores psicossociais (condições ambientais

desfavoráveis) podem determinar a formação de estrutura vulnerável da

personalidade (com a formação de modelos afetivo-cognitivos que predispõem

a descompensações psicóticos em circunstâncias desfavoráveis). A segunda

fase se inicia com a descompensação psicótica aguda influenciada por fatores

psicossociais estressantes. Em muitos casos após o primeiro episodio

psicótico, segue-se uma permanente fase de remissão, enquanto que, em

outros casos, desenvolve a terceira fase de longa evolução da doença. A

condição de evolução crônica da doença pode se caracterizar por uma piora

progressiva, maior ou menor. Ciompi aponta como a terceira fase é fortemente

influenciada pelas respostas que o paciente recebe do contexto: a prolongada

hospitalização, uma rede social inadequada, a estigmatização e a

marginalização, a ausência de programas reabilitativos são todos fatores que

agravam a condição inicial de vulnerabilidade.

É evidente, portanto, segundo o modelo de Ciompi, que a esquizofrenia

não seja um processo linear sustentado por um fator causal, mas o resultado

de processos biopsicosociais complexos que interagem entre si.

1.1- SINTOMAS

Segundo o CID-10, os transtornos esquizofrênicos são caracterizados,

em geral, por distorções fundamentais e características do pensamento, da

percepção e por afeto inadequado ou embotado. A consciência clara e a

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capacidade intelectual estão usualmente mantidas, embora certos déficits

cognitivos possam surgir no curso do tempo. Os principais sintomas para o

diagnóstico são:

- Alteração das funções mais básicas que dão à pessoa senso de

individualidade, unicidade e de direção de si mesmo.

- Eco, inserção, irradiação ou roubo do pensamento.

- Delírios de influência, controle ou passividade.

- Vozes que comentam a ação.

- delírios persistentes culturalmente inapropriados

- alucinações persistentes

- interceptações ou bloqueios do pensamento

- comportamentos catatônico, com flexibilidade cerácea, negativismo e

mutismo, etc.

- sintomas negativos (empobrecimento afetivo, autonegligência, diminuição da

fluência verbal,etc)

- alteração significativa na qualidade global do comportamento pessoal, perda

de interesse, retração social.

Para Ballone, os sintomas característicos da esquizofrenia podem ser

agrupados, genericamente, em 2 tipos: positivos e negativos. Os sintomas

positivos são os mais floridos e exuberantes, tais como as alucinações (mais

freqüentemente, as auditivas e visuais e, menos freqüentes as táteis, e

olfativas), os delírios (persecutórios, de grandeza, de ciúmes, somáticos,

místicos, fantásticos), perturbações da forma e do curso do pensamento (como

incoerência, prolixidade, desagregação), comportamento desorganizado,

bizarro, agitação psicomotora e mesmo negligência dos cuidados pessoais. Os

sintomas negativos são, geralmente, de déficits, ou seja, a pobreza do

conteúdo do pensamento e da fala, embotamento ou rigidez afetiva, prejuízo do

pragmatismo, incapacidade de sentir emoções, incapacidade de sentir prazer,

isolamento social, diminuição de iniciativa e diminuição da vontade.

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Os delírios surgem como alteração do conteúdo do pensamento

esquizofrênico, são crenças errôneas, habitualmente envolvendo a

interpretação falsa de percepções ou experiências. Seu conteúdo pode incluir

uma variedade de temas, como por exemplo, a perseguição (persecutórios),

referenciais, somáticos, religiosos, ou grandiosos. Os delírios persecutórios são

os mais comuns. Neles a pessoa acredita estar sendo atormentada, seguida,

enganada, espionada ou ridicularizada. Os delírios de referência também são

comuns; neles a pessoa crê que certos gestos, comentários, passagens de

livros, um delírio e uma idéia vigorosamente mantida às vezes é difícil, e

depende do grau de convicção com o qual a crença é mantida, apesar de

evidências nitidamente contrárias.

Os Delírios na Esquizofrenia podem sugerir ainda uma interpretação

falsa da realidade percebida. É o caso, por exemplo, do paciente que sente

algo sendo tramado contra ele pelo fato de ver duas pessoas simplesmente

conversando. Trata-se, neste caso, de uma Percepção Delirante. Desta forma,

a Percepção Delirante necessita de algum estímulo para ser delirantemente

interpretado (no caso, duas pessoas conversando). Outras vezes não há

necessidade de nenhum estímulo a ser interpretado, como, por exemplo,

julgar-se deus. Neste caso trata-se de uma Ocorrência Delirante. O tipo de

Delírio mais freqüentemente encontrado na Esquizofrenia é do tipo Paranóide

ou de Referência, ou seja, com temática de perseguição ou prejuízo, no

primeiro caso e de que todos se referem ao paciente (rádios, vizinhos,

televisão, etc) no segundo caso.

Na Esquizofrenia os Delírios surgem paulatinamente, sendo percebidos

aos poucos pelas pessoas íntimas aos pacientes. Em relação ao Delírio de

Referência, inicialmente os familiares começam a perceber uma certa aversão

à televisão, aos vizinhos, etc.

Embora os delírios bizarros sejam considerados especialmente

característicos da Esquizofrenia, pode ser difícil avaliar o grau de "bizarria",

especialmente entre diferentes culturas. Os delírios são considerados bizarros

se são claramente implausíveis e incompreensíveis e não derivam de

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experiências comuns da vida. Um exemplo de delírio bizarro é a crença de uma

pessoa de que um estranho retirou seus órgãos internos e os substituiu pelos

de outra, sem deixar quaisquer cicatrizes ou ferimentos. Um exemplo de delírio

não-bizarro é a falsa crença de estar sob vigilância policial.

As alucinações, outro sintoma típico (mas não exclusivo) da

Esquizofrenia, podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial, ou seja,

auditivas, visuais, olfativas, gustativas e táteis. As alucinações auditivas são, de

longe, as mais comuns e características da Esquizofrenia, sendo geralmente

experimentadas como vozes conhecidas ou estranhas, que são percebidas

como distintas dos pensamentos da própria pessoa. O conteúdo pode ser

bastante variável, embora as vozes pejorativas ou ameaçadoras sejam

especialmente comuns. Certos tipos de alucinações auditivas, como por

exemplo ouvir duas ou mais vozes conversando entre si ou comentando os

pensamentos ou o comportamento da pessoa, têm sido considerados

particularmente característicos da Esquizofrenia e foram incluídos na lista de

sintomas de primeira ordem de Schneider.

As Alucinações mais comuns na Esquizofrenia são do tipo auditivas em

primeiro lugar e visuais em seguida. Conforme diz Schneider (apud Ballone):

"de valor diagnóstico extraordinário para o diagnóstico

de uma Esquizofrenia são determinadas formas de ouvir

vozes: ouvir os próprios pensamentos (pensar alto),

vozes na forma de fala e respostas e vozes que

acompanham com observações a ação do doente".

Esta Sonorização do Pensamento, juntamente com alguns outros

sintomas que envolvem alucinações auditivas e sensações de ter os próprios

pensamentos influenciados por elementos externos, compõem a sintomatologia

que Schneider considerou como sendo de Primeira Ordem.

Um esquizofrênico pode estar ouvindo sua própria voz, dia e noite, sob a

forma de comentários e antecipações daquilo que ele faz ou pretende fazer,

como por exemplo: "ele vai comer" ou ainda, "o que ele está fazendo agora?

Está trocando de roupas". Outro sintoma importante no diagnóstico da

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esquizofrenia é a sensação de que o pensamento está sendo irradiado para o

exterior ou mesmo sendo subtraído ou "chupado" por algo do exterior:

Subtração e Irradiação do pensamento, também considerados de Primeira

Ordem. Igualmente podemos encontrar a sensação de que os atos estão sendo

controlados por forças ou influências exteriores.

Ciompi (apud Saraceno) pressupõe que o indivíduo esquizofrênico

caracteriza-se por uma elevada vulnerabilidade, que se exprime

prevalentemente sob a forma de distúrbios no processamento das informações

e na reduzida capacidade de enfrentar adequadamente os eventos críticos do

processo de vida. Em condições particularmente estressantes, as tensões

entre o indivíduo e o ambiente que o cercam precipitam no episódio psicótico

agudo. A descompensação psicótica aguda seria, segundo ele, uma crise

grave do desenvolvimento que pode conduzir à falência existencial ou, ao

contrário, pode constituir-se como ocasião de amadurecimento e de mudança.

Para este autor, a síndrome de hospitalismo e a sub-estimulação ambiental

seriam responsáveis pela sintomatologia negativa da esquizofrenia; a

multiformidade dos resultados seria fortemente influenciada pelas diversas

respostas que o paciente encontra; os sintomas considerados típicos da

esquizofrenia crônica são na realidade muito pouco específicos; os eventos da

vida seriam poderosos determinantes da cronificação que, portanto, não seria

“natural” do processo esquizofrênico; os processos de rotulação, diagnósticos e

sociais constituiriam um fator de risco para a cronificação; determinados

padrões interativos nos contextos familiar conduziriam à cristalização do papel

de doente. A interpretação da cronicidade como resultado de processos

psicossociais determina em Ciompi a valorização do “campo social” como

cenário único e possível para o trabalho, seja ele reabilitativo ou clínico.

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1.2- PROCESSO DE CRONIFICAÇÃO DA ESQUIZOFRENIA

De acordo com Saraceno (1999), alguns estudos de epidemiologia

clínica mostraram que as psicoses têm um decurso fortemente relacionado ao

funcionamento social dos indivíduos, seja antes do episódio da doença, seja

durante e que, portanto, um dos mais relevantes preditores do êxito é o

funcionamento social.

O papel do contexto familiar no decurso das psicoses foi também

evidenciado por numerosos estudos. Outros elementos que influem na psicose

são a Densidade (o número de pessoas que constitui a rede de um indivíduo) e

a homegeneidade (o compartilhar dos mesmos valores) da rede social.

Desta forma, este autor afirma que a cronificação e o empobrecimento

do psicótico são resultados não necessariamente intrínsecos a doença, mas a

uma constelação de variáveis que podem ser modificadas e orientadas no

processo de intervenção. Estas são variáveis ligadas aos contextos

microssociais (família e comunidades) e pressupõem estratégias de manejo

ambiental. Essas evidências reforçaram a hipótese de que a intervenção na

psicose só tem sentido, desde que conduzida sobre “todo o campo”, influindo

assim sobre a complexa constelação de variáveis que constituem os fatores de

risco e de proteção.

Para Spivak (apud Saraceno), os indivíduos rotulados como psicóticos

crônicos nada mais são do que pessoas que têm “sérios problemas na

existência”, já que experimentam contínuas falências pessoais e sociais na

tentativa de satisfazer demandas e necessidades próprias e de outrem. Para

poder avaliar o funcionamento atual destas pessoas, é necessário reconstruir

os percursos, esses que conduziram á progressiva dessocialização do

paciente.

Spivak descreve o processo de cronificação como um processo de

distanciamento recíproco entre o paciente e os outros. As seqüências desse

processo prevêem reações de frustração e desapontamento, frente ao suceder

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das falências do sujeito, por parte de quem está no seu entorno. A recusa que

se segue a isso provoca feridas e sentimentos de falência no paciente, que,

neste ponto, começará a evitar as situações e as interações que se mostram

mais prováveis às falências e à recusa dos outros. Esta forma de se retirar das

tarefas e das relações interpessoais se constrói progressivamente em torno

das manobras de auto-isolamento do indivíduo e do distanciamento por parte

de pessoas significativas. O confinamento em papéis e em ambiente “inócuos”,

seja para o paciente, seja para aqueles que vivem com ele, acaba

freqüentemente na sua expulsão da comunidade e na internação institucional.

Esses comportamentos de auto-isolamento e de marginalização são

acompanhados de sentimentos de raiva e sentimentos de culpa que surgem

em todos os atores envolvidos nesse processo de distanciamento recíproco.

Exatamente em relação a isso, aparece a função que acaba na rotulação

diagnóstica que simplifica e legitima todas as dinâmicas até então

desenvolvidas. O diagnóstico de esquizofrenia, medicalizando o problema e

evocando o aspecto de incurabilidade, é utilizado para tornar subjetivas e

aceitáveis, sejam os comportamentos desviantes do indivíduo, sejam as

reações estigmatizantes das pessoas próximas a ele. Segundo Spivak, os

operadores psiquiátricos se utilizariam do dispositivo diagnóstico para proteger

a própria auto-estima e se desresponsabilizar frente à impotência terapêutica.

Esse pessimismo das pessoas significativas e dos operadores conduz o

paciente à formação de uma imagem de si mesmo de “imutável” ou, o que é o

mesmo “crônico”. Esse processo desenha aquilo que Spivak chama “a espiral

viciada rumo à estabilização crônica”, ou seja, uma progressão a favor de uma

restrição sempre maior dos estímulos e um crescente distanciamento recíproco

que culmina na estabilização, isto é, no atingir um grave nível de

empobrecimento ambiental. Por isso, a tarefa da prevenção da terapia e da

reabilitação é uma só e sempre esta neutralizar os processos crônicos que

partindo da falência e passando pelo distanciamento recíproco, levam a

dessocialização e a resignação.

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1.3- DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL PRIMITIVO

A opção por Winnicott se deve a convicção cada vez maior de que a sua

proposta clínica nos oferece oportunidades pouco exploradas de se entrar em

contato com sujeitos que perderam o sentimento de continuidades na

existência. Jean Oury cita freqüentemente Winnicott como um autor que

descreve com sutileza as vicissitudes do universo subjetivo psicótico. Winnicott

tanto em suas elaborações teóricas quanto na clínica compreendia que deveria

ser capaz de restituir, ou despertar em seus clientes, a crença de que a vida,

em geral, vale a pena ser vivida. Este autor enfatiza a potencialidade de

qualquer indivíduo para uma vida mais criativa e globalmente satisfatória,

desde que no contexto de um “ambiente facilitador”. Winnicott deu ênfase

biográfica, teórica e clínica à presença de vida, alegria e criatividade na base

do tratamento (Verztman, 2001).

Segundo ele, a inserção do mundo se dá sobre uma base de criação, ou

seja, na sua contribuição à herança cultural partilhada, não na adaptação

submissa a uma realidade. Desta forma, é importante citar a Teoria do

desenvolvimento emocional primitivo formulada por este autor. O interesse por

esta etapa se justifica pelo fato de que alguns aspectos inerentes a ela terão

seqüência em outros momentos da vida do sujeito. A proposição de Winnicott é

de que antes da existência do bebê como indivíduo, isto é, antes da presença

de uma organização psíquica capacitada a fazer as primeiras diferenciações

entre o interno e externo, há uma estrutura composta pelo bebê e pelos

cuidados maternos. Este autor enfatiza o vinculo natural entre a mãe e o bebê,

sendo este a chave para a formação da personalidade. Ele apresenta a tese de

que:

“o desenvolvimento primitivo do bebê, antes de o bebê

conhecer a si mesmo (e como conseqüência os outros)

como a pessoa total que ele é ( e que eles são): e, de

fato, que aí se encontra o esclarecimento da

psicopatologia da psicose”. (Winnicott, 1945)

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Desta forma, de acordo com o autor, nestes primeiros estágios de

comunicação entre mãe e bebê está assentada a base da saúde mental do

indivíduo. Para ele, quando a criança nasce, ela é absolutamente dependente

de tudo, ou seja ,o bebê tem uma necessidade vital de que alguém facilite os

estágios iniciais do processo de desenvolvimento psicológico e a mãe é a

pessoa mais adequada para cuidar e suprir essas necessidades. Segundo

Winnicott (2002):

“Só um ser humano pode conhecer um bebê de forma a

possibilitar uma complexibilidade de adaptação cada vez

maior e graduada de acordo com as transformações das

necessidades dos bebês”.

Winnicott parte da premissa de que o desenvolvimento inicial do

indivíduo implica num continuar a ser (criança a partir de si própria). Para que

ocorra o desenvolvimento saudável do bebê é necessário um ambiente

“perfeito”. Este ambiente é aquele que se adapta as necessidades do recém-

nascido, principalmente as necessidades físicas. Já a não adaptação acaba

tornando-se um ambiente ruim e sendo intrusão para o bebê, perturbando

assim a continuidade do ser. No início a necessidade de um ambiente bom é

absoluta, mas rapidamente torna-se relativa.

Um ambiente facilitador possibilitará essa experiência constituidora do

eu, enquanto que um ambiente insuficientemente bom, cedo ou tarde

redundará em manifestações psicopatológicas.

Ao longo das diversas fases da vida o ambiente manterá a importância

que teve nos momentos iniciais. Contudo, num movimento ‘rumo a

independência’, o indivíduo dispensará, progressivamente, o ambiente

enquanto realidade concreta, como foi a mãe, e o conservará

“através do acumulo de recordações do cuidado, da

projeção de necessidades pessoais e da introjeção de

detalhes do cuidado, com o desenvolvimento da

confiança no meio” (Winnicott , 1990).

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A capacidade para estar só supõe paradoxalmente, a presença de um

outro. Inicialmente, esse outro é a mãe, que o bebê aprende a dispensar aos

poucos, pelo estabelecimento no ambiente. Para este autor, ser capaz de estar

só é, de algum modo, ser dependente e estar acompanhado.

No psicótico, esse suporte egóico falha, criando a necessidade de algo

ou alguém, que possa estar próximo e ser confiável como o ambiente primitivo

não foi capaz de ser.

Para Winnicott, na medida em que foi possível ao psicótico certa

estabilidade nos laços estabelecidos, então em algum momento, pela

lembrança dos encontros vividos no ambiente institucional terá restituído algum

sentido na continuidade da existência. O esquizofrênico acompanhado

subjetivamente pela crença de existir em um ambiente confiável modifica seus

laços de dependência, ganha autonomia e amplia as fronteiras de um mundo

em que possa viver.

De acordo com Vertzman, a configuração subjetiva da psicose torna

muito desfavorável a experiência conflitual. Há grande dificuldade de se

localizar diante de discursos que se apresentam como diferenciados, ou

mesmo opostos. Muitos pacientes não suportam participar de reuniões porque

a discussão aumenta a sensação de despedaçamento.

Todo o esforço do terapeuta será se prestar ao paciente como uma parte

de algo que procura articular-se a outras partes, que pode suportar no sentido

de conter, o funcionamento fragmentado do sujeito.

1.4- ESTUDOS SOBRE A ABORDAGEM FAMILIAR

Leff e Vaughh (apud Saraceno) descrevam uma intervenção nos

familiares trifásica: a primeira consiste em um programa de educação dos

familiares, conduzido no domicílio, centrado sobre as noções de etiologia,

sintomatologia, decurso e modalidades de tratamento da esquizofrenia. O

segundo módulo prevê um grupo dos familiares, do qual ainda continuam

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excluídos os pacientes, em que as famílias com baixas Emoções Expressas

(EE) transmitam as famílias com altas EE os próprios estilos de enfrentamento

da situação psicótica. Um dos objetivos deste grupo é também o de diminuir o

isolamento das famílias dos psicóticos. A terceira fase envolve a família por

completo (o paciente é incluído). As técnicas utilizadas são as mais

heterogêneas desde interpretações dinâmicas até intervenções

comportamentais .

Este manejo familiar busca, portanto, fazer aumentar a compreensão do

distúrbio esquizofrênico através de sessões educativas e treinamento da

família para empregar um método estruturado de solução de problemas.

Outros autores como Hogarty, de Anderson e Reiss (apud Saraceno)

desenvolveram um projeto chamado aftercare que prevê um aumento das

dinâmicas familiares e um trabalho de estabilização de equilíbrios menos

danosos para o paciente. Treinando a família para a gestão adequada dos

sintomas, buscando aliviar a pressão sobre o paciente e as ocasiões de

superestimulação ambiental, sobretudo as que têm a ver com os níveis de

comunicações críticas ou emotivamente hiperenvolventes. O tratamento se

articula em quatro fases. A primeira consiste em estabelecer um contato com a

família, para diminuir as reações negativas à doença, o sentimento de culpa e o

stress, através da determinação de um contrato terapêutico e uma primeira

administração de conselhos práticos com a finalidade de mobilizar mecanismos

eficazes de coping (capacidade de manejar/ lidar com/ enfrentar situações e

problemas). A segunda fase envolve mais núcleos familiares (pacientes

incluídos) e tende a aumentar a compreensão da doença e das necessidades

dos pacientes, a alargar a rede social, através das sessões educativas nas

quais são oferecidas informações sobre a doença, sugestão de gestão e

treinamento das habilidades de comunicação. A terceira fase consiste na

aplicação das “técnicas de sobrevivência” para as famílias sozinhas e tem

como finalidade manter o paciente na comunidade, aumentar o grau de

tolerância por parte dos familiares, realizar uma gradual reassumir de

responsabilidades por parte do paciente. Tais objetivos são perseguidos

mediante a aplicação de técnicas de problem solving e o assumir tarefas. A

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quarta fase, dita de “manutenção”, tem o objetivo de levara termo a

reintegração do sujeito nos papéis sociais normais, mediante sessões de

terapia familiar.

Para Saraceno, é importante ressaltar que a história da psiquiatria tem

sido também a história das atitudes da psiquiatria em relação à família do

paciente: no velho manicômio, a família era o cúmplice designado para a

internação do paciente identificado. A família era grata à instituição por ser

aliviada do problema e a instituição se auto-reproduzia também graças a essa

gratidão.

“Uma grosseira e mal feita leitura das

primeiras contribuições teóricas sobre a “psicopatologia

familiar do psicótico”, sobre a família como sistema

doente no qual um membro especialmente frágil vem

identificado por doença socialmente reconhecida,

inaugura um período de culpabilização da família por

parte da psiquiatria; à cumplicidade precedente (“fiquem

tranqüilos, pois nós cuidamos do seu filho”) vem, em

substituição,uma não responsabilização por parte da

psiquiatria (“façam vocês mesmos,já que sobre o seu

filho devem pensar vocês”). (Saraceno, 1999)

A doença não reside, isolada e culpabilizante, dentro do sujeito, mas no

território virtual que é a interação entre os membros da família: nos sujeitos

hospedam-se o desespero e as estratégias para sobreviver e logo, se a

experiência psicótica não é senão uma maneira de existir reativo-defensiva, a

doença se hospeda na comunicação, na interação. O objeto da terapia não

pode deixar de ser a família. O objetivo da terapia é o de reintegrar uma

comunicação clara, capaz de pôr os membros da família em relação dialética,

capaz de integrar as instâncias das diversas existências.

De acordo com Saraceno, leituras psicodinâmicas, sistêmicas e

behavioristas da relação família/paciente representam contribuições

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significativas para a compreensão da psicose. Com certeza, a família passou

da condição de cúmplice para a de protagonista que produz consenso e

dissenso ao mesmo tempo, mas de qualquer forma “senso” e não é mais

simplesmente ‘usada’ como cúmplice ou vitima. A própria família pode ser

protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação; mas também as

famílias como sujeitos sociais coletivos podem ser protagonistas e aliados

conflitivos das estratégias abrangentes do serviço.

1.5- REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL

Spivak atribui à reabilitação a tarefa de aumentar as articulações sociais

do sujeito com o ambiente e, portanto, desenvolver as competências que lhe

permitam se comportar com sucesso e eficácia no âmbito das normas

socialmente compartilhadas.

De acordo com Spivak (apud Saraceno):

“O diagnóstico das deficiências de competência

social é conduzido então com base em uma avaliação

das conseqüências sociais e pessoais do comportamento

não socializado do indivíduo no seu espaço vital, que

vem individualizado no cruzamento de cinco áreas: a

moradia, o trabalho, os familiares e amigos, o cuidado de

si e a independência, a atividade social e recreativa.”

Segundo Saraceno, a reabilitação é o conjunto de procedimento que

procuram aumentar as habilidades e diminuir a deficiência. A reabilitação não é

a substituição da desabilitação pela habilitação, mas um conjunto de

estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de troca de recursos e de

afetos: é somente no interior de tal dinâmica das trocas que se cria um efeito

“habilitador”. Assim, pode se dizer que a reabilitação é um processo que

implica a abertura de espaços de negociação para o paciente, para sua família,

para a comunidade circundante e para os serviços que se ocupam do paciente;

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a dinâmica da negociação é continua e não pode ser codificada de uma vez por

todas, já que os atores (e os poderes) em jogo são muitos e reciprocamente

multiplicantes.

A desabilitação é também o empobrecimento da rede social, perda

quantitativa e qualitativa: e isso a partir da primeira rede social disponível que é

o núcleo familiar, mais ou menos ampliado. Mas, para este autor, é um erro

manter distintos esses dois âmbitos, a rede social ampliada e a familiar, já que

freqüentemente a margem que separa é sutil e, sobretudo, o sofrimento da

rede familiar influi na riqueza da rede ampliada e vice-versa.

Conseqüentemente, intervenções que melhorem o setting familiar geram

também expansões da rede ampliada.

Principalmente porque alguns pacientes esquizofrênicos vivem com a

família ou estão em contato permanente com esta.

É evidente que os familiares experimentam graves danos no plano

psicológico, no plano da organização da própria vida e também no plano

material. Os próprios familiares experimentam, no decorrer do tempo, distúrbios

e desabilitações psicossociais como, entre outros, o evidenciado pelo Scottish

Schizoprenia Study, no qual os familiares de esquizofrênicos, depois do

primeiro episódio, sofrem de desabilitações sociais transitórias e distúrbios de

relação de casal persistentes.

“Dificuldades de interação entre familiares e

paciente são referidas pelos primeiros como o elemento

mais difícil a ser enfrentado e, no decorrer do tempo, de

aceitar; a maior parte dos familiares afirma que os efeitos

sobre a própria saúde ao se viver com um paciente

esquizofrênico são graves e que os serviços psiquiátricos

não sabem e não podem oferecer suporte adequado. É

interessante, entretanto, o fato de que, em geral, a

despeito desses sofrimentos e dessas lamentações,

grande parte dos familiares prefere ter o paciente doente

em casa e evitar sua internação em hospital psiquiátrico.”

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(Saraceno,1999)

Fica então claro que a intervenção para aliviar os familiares do ‘peso’ da

interação e manejo do psicótico não só obtém efeitos positivos sobre os

membros da família, como os orienta a diminuir a solicitação de expulsão do

familiar adoecido, obtendo assim também um indireto benefício para este

último e para os programas de reabilitação que para ele são desenvolvidos.

Para Saraceno, os objetivos da intervenção familiar deveriam ser os

seguintes: reduzir os riscos de recaída para os pacientes esquizofrênicos,

melhorar a qualidade de vida dos familiares e do paciente, ensinar habilidades

de manejo e minimização dos sintomas e da desabilitação. Esta intervenção se

daria através de duas estratégias, a primeira como ‘intervenção psico-

educacional’ e a segunda como ‘intervenção de comunicação e ensino de

habilidades.’

No primeiro caso, o razoável é fornecer as famílias uma informação clara

sobre a natureza, as causas, os sintomas e os sucessos terapêuticos da

esquizofrenia, como objetivo de aumentar a estabilidade emocional do

ambiente familiar e de aumentar as capacidades individuais dos familiares de

interagir com o paciente com modalidades sempre menos “ameaçadoras”.

No caso da abordagem cognitivo-comportamental, o objetivo é o de

tornar os familiares capazes de exprimir as próprias necessidades e

sentimentos de maneira direta, de forma a facilitar por outro lado simples e

diretas soluções dos microconflitos.

O que é importante realçar é a consciência dos trabalhados de saúde

mental, da importância de um co-envolvimento da família dos esquizofrênicos

nos projetos de reabilitação.

Segundo Saraceno (1999):

“A organização Mundial da saúde recentemente publicou

um pequeno manual que ressalta diversas experiências e

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evidências de diferentes origens e co-envolveu grupos de

auto-ajuda de familiares de esquizofrênicos.”

De acordo com ele, um programa de reabilitação psicossocial dirigido a

um determinado paciente psicótico pode ser ao mesmo tempo realizado

através de intervenções individuais (administração de psicofármacos,

sustentação psicológica individual, educação à aptidão na vida cotidiana) e

intervenções coletivas (suporte a família, sensibilização da comunidade onde o

paciente reside).

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26

CAPÍTULO 2

ESTUDO DE CASO

“Se eu soubesse sentir saudade sem sofrer, seria fácil saber sorrir”.

Mariana

Desde dezembro de 2004, trabalho realizando atendimento psicológico

na Secretaria Municipal de Assistência Social e trabalho, na cidade de

Mesquita. Encontramos uma clientela diversificada que vão desde crianças,

adolescentes até adultos. Entre vários atendimentos realizados, um em

particular chamou minha atenção, por se tratar de uma paciente um transtorno

mental grave: a esquizofrenia (não havia tratado ninguém com este transtorno

até aquele momento).

Na entrevista inicial, Mariana estava acompanhada de seus pais, ela era

uma adolescente que estava despenteada, as mãos tremiam e os olhos

estavam sempre em direção ao chão. Ao começar a entrevista o pai e a mãe

relataram o caso: Mariana, uma adolescente de 17 anos, teve vários surtos

psicóticos, tinha alucinações, dificuldades de relacionamento e dizia que queria

se matar.

A mãe relatou que ela havia feito tratamento no Caps, fez

acompanhamento com o psiquiatra e a psicóloga, mas quando apresentou uma

melhora Mariana quis parar de tomar o remédio e abandonou o tratamento, o

que provocou uma nova crise depois de dois meses. Deste modo, os pais

procuraram um outro psiquiatra que já estava fazendo o acompanhamento há

seis meses. Este psiquiatra medicou a jovem, mas ela continuava a ter vários

surtos.

Segundo a mãe, uma vizinha havia comentado e que era muito próximo

a casa dela. Os responsáveis mostraram desconhecimento do que a filha

apresentava. E relataram que a filha sempre teve dificuldade de

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relacionamento, era muito isolada com poucos amigos e não olhava nos olhos.

O pai falou “Ela, hoje, só abre a boca para pedir”.

Mariana tinha dificuldades na escola e depois de repetir a série, mudou

de colégio e passou a estudar a noite. A partir daí, começou a dizer para seus

pais que estava sendo atacada, então se isolou e teve os primeiros surtos.

Em algum momento, do primeiro atendimento, a própria Mariana falou:

“Eu fui estuprada, por isso estou assim”, Mariana disse olhando para o chão.

Mariana morava com o pai, a mãe e uma irmã de nove anos. A mãe

contou que ela não queria ter uma irmã e tinha ciúmes desta. O pai estava

desempregado e quem ajudava a família era a avó paterna. Eles moravam no

mesmo quintal da avó e outros parentes. Antes de Mariana apresentar este

quadro, ela acompanhou o período de doença até a morte de um tio que

morava no mesmo quintal. Na infância, Mariana teria visto brigas dos pais e

apanhava da mãe. Esta família pertence ao Salão do Reino das Testemunhas

de Jeová.

Estes casos costumam ser encaminhado para o Caps, no entanto eles

não queriam retornar ao atendimento no Caps e colocaram que ali ficaria mais

próximo para eles. Assim, me coloquei a disposição para atendê-los uma vez

por semana, expliquei que Mariana tinha esquizofrenia que não poderia deixar

de tomar os medicamentos e que gostaria de sempre saber sobre a semana de

Mariana e ter contato com os pais para dar algumas explicações sobre a

esquizofrenia.

A mãe de Mariana também foi atendida pelo Programa Promoção

Social, da mesma secretaria, e foi orientada pela Assistente Social a procurar a

Justiça Itinerante para o recebimento dos medicamentos pela Farmácia

Municipal de Mesquita e depois de completar 18 anos foi encaminhada para o

INSS para receber o benefício.

Deste modo, passei a acompanhar o caso de Mariana toda semana, ela

vinha acompanhada da mãe que sempre entrava primeiro, me passava como

foi à semana de Mariana e a minha intervenção, em relação à mãe, no primeiro

momento, era psico-educativa: explicando o que é a esquizofrenia, os

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sintomas, algumas características e indiquei que a família visse o filme “Uma

mente brilhante”. Num segundo momento, passei a escutar as aflições da

mãe, as culpas, os medos. Ela sempre falava “se eu morrer quem vai cuidar da

Mariana”. Durante todo o período da terapia mantive contato constante com a

mãe, no momento diminuiu a freqüência, a mãe aparece uma vez ao mês.

Também atendi a irmã mais nova dela, durante algum tempo, porque ela ficava

muito assustada quando a irmã tinha as crises.

É importante ressaltar que a partir do momento que tive contato com a

mãe, pude perceber que esta era muito nervosa, gritava muito com a filha e a

ameaçava, no momento do surto, dizendo que ia interná-la ou que ia chamar a

psicóloga ou a Assistente Social. Os delírios e alucinações eram contestados

pelos familiares, principalmente pela mãe, que lhe dizia ser tudo proveniente de

sua imaginação e que por isso não deveria ser tomado como real.

No decorrer do atendimento a mãe comentou que antes de ter Mariana

havia perdido um bebê, e que só poderia ter outro filho depois de um ano, o

que não aconteceu. Outro acontecimento foi o emprego que o pai conseguiu

depois de anos desempregado.

Quando Mariana tinha surto: ela agredia as pessoas, pegava a faca e

várias vezes eles solicitaram o Bombeiro e a Defesa Civil da cidade, para

“amenizar” o quadro, levando para o posto de saúde para tomar um sedativo.

Sendo assim, depois de um tempo mudou novamente de psiquiatra e os

medicamentos, sendo atendida até hoje no Instituto Municipal Philippe Pinel.

Mariana falava freqüentemente sobre namoro, a mãe dizia que ela ficava

beijando o travesseiro e dizia que os homens que trabalhavam do lado da casa

dela ficavam espionando ela. Ao lado da casa dela existe uma oficina

mecânica, a mãe contou que um dia fingiu que ia sair de casa e ficou

observando e nada disso acontecia. Ela também apresentava alucinações em

relação à religião.

Quando ficava aguardando o atendimento se jogava no chão, falando

que estava passando mal.

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No atendimento Mariana falava sobre a vontade de ter um namorado:

“eu me sinto muito sozinha, eu quero me casar”. “Tem um rapaz chamado

Rodrigo, ele não existe, mas a gente vai se casar no dia 25 de agosto. Ele é o

Anjo-mau, ele dá susto nos outros, em mim não, mas nas outras pessoas”.

Dizia constantemente que o sonho dela era namorar e casar de vestido branco.

Mariana, em alguns momentos, dizia que estava namorando ou que ia se

casar. Este relato foi diminuindo ao longo do tempo de atendimento.

Somente nos primeiros atendimentos Mariana falou sobre o estupro:

“minha vida é infeliz porque é só pensando no estupro, eu senti uma revolta por

dentro, foi um estupro espiritual (trabalho de macumba). Ele chegou me

abraçando, eu falei me solta”.

Ela dizia: “Eu vejo o diabo, constantemente ele aparece para mim, fico

nervosa, falo que não quero vê-lo. Ele fala que eu tenho que ir para mídia que

eu vou ter poder e riqueza”.

Dizia que quando o ventilador estava ligado ouvia vozes, quando ouvia

estas vozes chutava o armário e a parede, também ficava muito deitada,

escutando rádio e chorando. Ficou algum tempo num estado depressivo, ficava

deitada na cama o que levava a família a cobrar dela uma mudança de

comportamento. Mariana dizia “Ele quer fazer ruindade comigo quer colocar

soda cáustica pra eu ficar deitada”. Um dia pedi para que ela desenhasse

sobre o tema Minha vida, ela desenhou e depois falou: “este é o sofá da minha

casa e eu chorando”. (em anexo)

Sobre a infância contava: “Eu não tinha amigos, eles me desprezavam

porque era difícil de conversar com eles”, “minha mãe me batia muito, quando

minha irmã nasceu tinha que ajudar a cuidar da casa”.

Nos primeiros meses de atendimento, eu utilizava algumas técnicas

como: desenho, rabiscos, massa de modelar, leitura de alguns textos, etc. Ao

longo do tratamento, paramos de utilizar essas técnicas. Outro procedimento

utilizado na perspectiva de criar laços e vínculo de confiança é escutar e

acolher o delírio em sua certeza (o que não significa partilhá-lo), visando a

promover uma atmosfera em que o sujeito psicótico, tão sem lugar, encontre

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um, onde possa ter sua fala como verdadeira. É importante enfatizar que

Mariana se expressa muito bem, emprega palavras difíceis, é muito inteligente.

Mariana continua fazendo o tratamento, este ano vai completar dois

anos que ela é atendida por mim. Durante um período participou de alguns

atendimentos em grupo de adolescentes, mas preferiu voltar a ser atendida

individualmente.

Hoje, Mariana vai ao atendimento sozinha, (para isso foi necessário

realizar um trabalho com a mãe que ficava muito insegura e não deixava que a

filha andasse sozinha); vai bastante arrumada, penteada e maquiada para o

tratamento; não fica mais olhando para o chão; não treme mais; quando está

aguardando ser atendida fica conversando com outros usuários do serviço;

ajuda a mãe em casa; não apresenta mais surto. Faz visitas de campo para

pregar o evangelho e a mãe relata que ela participa dos comentários, das

reuniões que freqüenta. No momento, ela diz sentir muita ansiedade que se

arruma para sair com antecedência, mais na hora de sair não consegue.

Mariana continua com idéias e pensamentos delirantes e de alucinação,

principalmente, alucinações auditivas, mas ela sabe distinguir quando é real ou

apenas uma alucinação. Estes dias falou: “o ventilador diz que eu vou conhecer

uma pessoa do trabalho do meu pai, que estou grávida, mas sei que isso não

tem sentido,não é verdade”. Comenta que não pode falar com os pais, porque

eles mesmos pedem para que ela não fale, dizem que estão cansados de ouvir

que ela escuta vozes, que ela precisa se esforçar mais.

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CAPÍTULO 3

ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO

A partir da experiência vivenciada com o atendimento clínico familiar de

Mariana, como foi descrito no capítulo anterior, pode-se fazer uma análise da

importância familiar no decurso da psicose, utilizando a bibliografia

apresentada no primeiro capítulo.

Logo no primeiro dia de atendimento, na entrevista com o pai, a mãe e

Mariana, me deparei com o desconhecimento da família sobre o que a jovem

teria, e depois da investigação do caso, desde o início tentei esclarecer que

Mariana tinha Esquizofrenia hebefrênica, segundo a Classificação Internacional

de Doenças (CID-10). Foi possível chegar a esse diagnóstico pelos sintomas:

alucinações, delírios, empobrecimento afetivo, autonegligência, diminuição

verbal, retração social, interceptações do pensamento (citados no capítulo

anterior).

Assim, começamos o atendimento com uma proposta de terapia familiar,

pensando na reabilitação de Mariana, mas também dando um espaço para os

familiares, acreditando numa abordagem biopsicossocial. No início dei

preferência a atender a família e Mariana individualmente, pois a mãe falava

palavras muito duras para a filha. Naquela época também não tinha

experiência com terapia familiar, o que me motivou a cursar esta

especialização em Terapia de família e pesquisar sobre o assunto.

No primeiro capitulo apresentamos a importância que alguns autores

como Leff, Vaughh, Hogarty, de Anderson e Reiss deram a intervenção familiar

principalmente para que os familiares tenham compreensão do distúrbio

esquizofrênico e possam ser acolhidos. Para Saraceno, os objetivos da

intervenção familiar deveriam ser os seguintes: reduzir os riscos de recaída

para os pacientes esquizofrênicos, melhorar a qualidade de vida dos familiares

e do paciente, ensinar habilidades de manejo e minimização dos sintomas e da

desabilitação. Esta intervenção se daria através de duas estratégias, a primeira

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como ‘intervenção psico-educacional’ e a segunda como ‘intervenção de

comunicação e ensino de habilidades.’

É importante citar que eles já haviam passado por dois psiquiatras e

uma psicóloga, e nenhum deles havia conversado sobre o que Mariana teria.

Spivak fala sobre o perigo dos operadores psiquiátricos se utilizarem o

dispositivo diagnóstico para proteger a própria auto-estima e se

desresponsabilizar frente à impotência terapêutica. Esse pessimismo das

pessoas significativas e dos operadores conduz o paciente à formação de uma

imagem de si mesmo de “imutável” ou, o que é o mesmo “crônico”. Esse

processo desenha aquilo que Spivak chama “a espiral viciada rumo à

estabilização crônica”, ou seja, uma progressão a favor de uma restrição

sempre maior dos estímulos e um crescente distanciamento recíproco que

culmina na estabilização, isto é, no atingir um grave nível de empobrecimento

ambiental. Por isso, a tarefa da prevenção da terapia e da reabilitação é uma

só e sempre esta neutralizar os processos crônicos que partindo da falência e

passando pelo distanciamento recíproco, levam a dessocialização e a

resignação.

Desta forma, percebemos no relato dos responsáveis que Mariana

sempre teve dificuldades de relacionamento: isolava-se, não olhava nos olhos,

mas com o tempo isso foi aumentando e quando chegaram à terapia como diz

o pai: “Ela, hoje, só abre a boca para pedir”, podemos ver, neste relato, a

instalação de um processo crônico. Tanto Mariana como os pais, naquele

período, não saiam mais de casa deixaram de freqüentar o Salão do Reino das

Testemunhas de Jeová.

É fundamental notar que para Saraceno, são fatores que influem na

psicose a densidade (o número de pessoas que constitui a rede de um

indivíduo) e a homegeneidade (o compartilhar dos mesmos valores) da rede

social. E a própria Mariana me contava: “Eu não tinha amigos, eles me

desprezavam porque era difícil de conversar com eles”, “minha mãe me batia

muito, quando minha irmã nasceu tinha que ajudar a cuidar da casa”.

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Além disso, Ciompi caracteriza a esquizofrenia como um processo

biopsicossocial, em que os fatores biológicos, psicossociais e o contexto

influenciariam no decurso da psicose. Mariana passou por várias situações

traumáticas na infância: o nascimento da irmã, a briga constante dos pais, a

morte do tio, as surras que levava da mãe. Situações que poderiam influenciar

na vida desta jovem. A mãe também relatou que perdeu um filho antes de

Mariana nascer.

Mariana também falava muito sobre namoro e religião e sempre recorria

a idéias e pensamentos delirantes, que foram citados no capitulo anterior,

Segundo Freud, o delírio já é uma tentativa de cura, um modo de tentar dar

conta do Real, valendo-se do significante em sua característica absolutamente

arbitrária em termos de significação, para produzir significados que dêem uma

certa sustentação imaginária. Para Sabino (1994):

“o sujeito psicótico responde, via construções delirantes

e/ou alucinatórias, privilegiadas por uma escuta capaz de

reconhecer a existência de sentido nesses fenômenos da

psicose, possibilitando a sistematização do delírio – o que

significa dizer, que uma certa amarração das idéias

delirantes possa is se construindo na particularidade e no

tempo de cada um. Diferentemente da Psiquiatria, o

discurso analítico valoriza o que o sujeito diz dessas

produções, ao invés de tentar eliminá-las.”

Apesar de não trabalhar com a psicanálise, este ponto contribui para o

trabalho terapêutico. Mariana continua com idéias e pensamentos delirantes e

ou alucinatórios, mas com a diferença de que tem a quem endereçar sua fala a

respeito disso. Antes, tinha sua fala contestada pelos familiares, que lhe diziam

ser tudo proveniente de sua imaginação e que, por isso, não deveria ser

tomado como real.

Um procedimento tático, na perspectiva de criar laços e vínculo de

confiança é escutar e acolher o delírio em sua certeza (o que não significa

partilhá-lo), visando a promover uma atmosfera em que o sujeito psicótico, tão

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sem lugar, encontre um, onde possa ter sua fala como verdadeira. Sendo

assim, foi privilegiada a escuta da fala do paciente visando promover o

apaziguamento da angústia do sujeito, de modo que ele possa, sem pressa e

em trabalho conjunto, ir construindo um discurso e laço social.

Deste mesmo modo, também escutei e acolhi os familiares de Mariana,

principalmente a mãe, que se encontrava bastante tensa com a situação.

Como foi descrito, no primeiro capítulo, os familiares experimentam graves

danos no plano psicológico, no plano da organização da própria vida e também

no plano material. Os próprios familiares experimentam, no decorrer do tempo,

distúrbios e desabilitações psicossociais como, entre outros, o evidenciado pelo

Scottish Schizoprenia Study, no qual os familiares de esquizofrênicos, depois

do primeiro episódio, sofrem de desabilitações sociais transitórias e distúrbios

de relação de casal persistentes.

Ao longo desses dois anos de atendimento, Mariana apresentou

melhoras consideráveis, como foi descrito no capitulo anterior: Mariana vai ao

atendimento sozinha (arrumada, penteada, maquiada), não fica mais olhando

para o chão; não treme mais; quando está aguardando ser atendida fica

conversando com outros usuários do serviço; ajuda a mãe em casa; não

apresenta mais surto. Faz visitas de campo para pregar o evangelho e a mãe

relata que ela participa dos comentários, das reuniões que freqüenta.

Fica então claro que a intervenção para aliviar os familiares do ‘peso’ da

interação e manejo do psicótico não só obtém efeitos positivos sobre os

membros da família, como os orienta a diminuir a solicitação de expulsão do

familiar adoecido, obtendo assim também um indireto benefício para este

último e para os programas de reabilitação que para ele são desenvolvidos.

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CONCLUSÃO

Nem sempre é possível explicar o que realmente acontece dentro de

uma sessão de terapia, o que acontece ali tem algo de incapturável e indizível.

Que por mais que as palavras, os silêncios e os gestos sejam reproduzidos em

exatidão e minúcia, o essencial se perde. Que uma sessão que, ao acontecer,

foi mobilizante ao extremo, aparece pobre e seca se posta em papel.

Ao longo desses dois anos de atendimento, vários sentimentos e

acontecimentos estiveram presentes, e que no relato do caso não foi possível

transpor em palavras com exatidão à atmosfera peculiar dos encontros com

Mariana e seus responsáveis.

Este caso chamou, particularmente, minha atenção porque foi uma das

primeiras pacientes com graves transtornos psíquicos, com o diagnóstico de

psicose: a esquizofrenia, que é uma doença tratada especificamente pela

psiquiatria.

Assim, começamos o atendimento com uma proposta de terapia

familiar, pensando na reabilitação de Mariana, mas também dando um espaço

para os familiares, acreditando numa abordagem biopsicossocial. No início dei

preferência a atender a família e Mariana individualmente, pois a mãe falava

palavras muito duras para a filha. Naquela época também não tinha

experiência com terapia familiar, o que me motivou a cursar esta

especialização em Terapia de família.

Também me propus a sair do espaço clínico, oferecendo outras ações

governamentais (encaminhando para assistente social, para programas de

atividades). Acreditando que a noção de Saúde Mental é uma noção complexa

que não pode ser contida em um modelo exclusivamente biológico e médico,

posto que implica atores e ações múltiplas, uma vez que tem correlação com

dimensões legislativas, sociais, econômicas e culturais. Ações inteligentes e

integradas de promoção e prevenção ou intervenção sobre a doença

determinam efeitos mistos de grande potência.

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A pergunta que devemos então nos colocar não é se os psiquiatras

crêem na abordagem biopsicosocial, mas se os serviços destinados à

prevenção e ao tratamento da doença mental são efetivamente organizados de

modo a respeitar uma abordagem efetivamente biopsicosocial e efetivar o

paradigma de saúde pública.

A estreita relação entre cidadania e saúde implica que cada ação para a

saúde deve ainda ser ação para a cidadania. Segundo Valentini e Vicente

(apud Pitta):

“com a cidadania, emerge um novo olhar para a

subjetividade visto que a singularidade abre a discussão

sobre os vínculo, a expressão, a convivência familiar e

comunitária. Estamos nos aproximando de pensar sobre

o direito, à ternura, reconhecendo a importância da

afetividade para a saúde mental.”

Um conceito fundamental para o processo de reabilitação é o de

RESILIÊNCIA com o objetivo de promovê-la ao paciente e aos seus familiares,

utilizando principalmente o conceito de Paradigma de Desesperança de

Seligman (apud Pitta):

”Quando as pessoas acreditam que elas são impotentes

para controlar o que acontece com elas tornam-se

passivas e restritas em suas habilidades de

enfrentamento. Por outro lado quando acredita que os

eventos e resultados são controláveis, o aprendizado da

desesperança é evitado, e ao invés disso, tentativas

ativas para vencer situações adversas são realizadas”.

Foi impulsionada por este objetivo, que me vi motivada a escrever sobre

a esquizofrenia e a importância da intervenção familiar. Com o intuito, de

contribuir para as áreas de saúde mental e terapia familiar, acreditando que é

fundamental o co-envolvimento da família para a reabilitação psicossocial do

esquizofrênico.

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BIBLIOGRAFIA

- BALLONE, G. Perguntas mais freqüente sobre Esquizofrenia - in. PsiqWeb,

Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005, 11/12/2006

- CAVALCANTI, Maria Tavares; LOVISI, Giovanni Marcos e PINTO,

Alessandra Teixeira. “A psiquiatria e o social: aproximações e especificidades”.

In: Cavalcanti, Maria Tavares e Venâncio, Ana Tereza (org) – Campo, saberes

e discursos. Edições IPUB- CUCA, 2001.

- CLASSIFICAÇÃO DE TRANSTORNOS MENTAIS E DE COMPORTAMENTO

DA CID–10: DESCRIÇÕES CLÍNICAS E DIRETRIZES DIÁGNÓSTICAS –

Coord. Organização Mundial da Saúde; Dorgival Caetano, Porto Alegre, Editora

Artes Médicas, 1993.

- LOROSA, Marco Antônio e AYRES, Fernando Arduini. Como produzir uma

monografia passo a passo... siga o mapa da mina. 5ª. Edição, RJ, Wak editora,

2005.

- OLIVEIRA, Michele Aline de. A entrada do bebê na creche: Cuidados

necessários – Um estudo de caso – UFF, 2004.

- PITTA, Ana (org). Reabilitação Psicossocial no Brasil, São Paulo, editora

Hucitec, 1996.

- SABINO, Lucila. A responsabilidade do analista na clínica da psicose.

Revista Saúde, sexo e educação do Instituto Brasileiro de Medicina de

Reabilitação ano X nº. 30 – Rio de Janeiro: O instituto, 1994. Quadrimensal.

P.27-29.

- SARACENO, Benedetto. Libertando identidades. Da reabilitação psicossocial

a cidadania possível. Te corá editora, 1999.

- VERZTMAN, Júlio Sérgio e GUTMAN, Guilherme. “A clínica dos espaços

coletivos e as psicoses” In: Cavalcanti, Maria Tavares e Venâncio, Ana Tereza

(org) – Campo, saberes e discursos. Edições IPUB - CUCA, 2001

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- WINNICOTT, Donald W. Desenvolvimento emocional primitivo (1945). In: Da

Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1978

- WINNICOTT, Donald W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins fontes,

2002.

- WINNICOTT, Donald W. Natureza humana. São Paulo: Imago, 1990.

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ANEXO

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO. .......................................................................................08

CAPÍTULO 1 – ENTENDENDO A ESQUIZOFRENIA.............................09

1.1- Sintomas......................................................................... ...10

1.2- Processo de cronificação da esquizofrenia........................15

1.3- Desenvolvimento emocional primitivo................................17

1.4- Estudos sobre abordagem familiar.....................................19

1.5- Reabilitação psicossocial...................................................22

CAPÍTULO 2 – ESTUDO DE CASO ......................................................26

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO.............................31

CONCLUSÃO.........................................................................................35

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................37