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1 Uma Análise acerca do Instituto da Desapropriação Rural: Ponderações sobre a Temática Tauã Lima Verdan Rangel 1 Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca da modalidade de desapropriação rural, abordando, para tanto, seus aspectos caracterizadores e requisitos ensejadores. Quadra reconhecer que o ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e, doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. Contemporaneamente, a convivência entre os institutos encontra materializada nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição de 1988. Com clareza ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o segundo assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto Maior. Cuida assinalar, oportunamente, que a modalidade da desapropriação rural apresenta por objetivo a transferência para o Poder Público de imóvel caracterizado como rural. Neste sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição de 1988, o Poder Público possui a prerrogativa de proceder à desapropriação rural quando o imóvel não estiver atendendo a função social rural, porém o escopo da expropriação pode voltar-se tanto para fins de reforma agrária, como para qualquer outro fim condizente com a política agrícola e fundiária. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados. 1 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Práticas Processuais Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. E-mail: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

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Uma Análise acerca do Instituto da Desapropriação Rural:

Ponderações sobre a Temática

Tauã Lima Verdan Rangel1

Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca da

modalidade de desapropriação rural, abordando, para tanto, seus aspectos

caracterizadores e requisitos ensejadores. Quadra reconhecer que o

ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e,

doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. Contemporaneamente, a

convivência entre os institutos encontra materializada nos incisos XXII e XXIV do

artigo 5º da Constituição de 1988. Com clareza ofuscante, insta anotar que o

primeiro inciso preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o

segundo assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a

desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,

mediante justo e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste

ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto Maior. Cuida assinalar,

oportunamente, que a modalidade da desapropriação rural apresenta por objetivo

a transferência para o Poder Público de imóvel caracterizado como rural. Neste

sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição de 1988, o

Poder Público possui a prerrogativa de proceder à desapropriação rural quando o

imóvel não estiver atendendo a função social rural, porém o escopo da

expropriação pode voltar-se tanto para fins de reforma agrária, como para

qualquer outro fim condizente com a política agrícola e fundiária. A partir de tais

ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão

bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente,

com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

1 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. E-mail: [email protected]

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Palavras-chaves: Desapropriação Rural. Proteção Possessória. Estado.

Sumário: 1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias; 2 Competência

para a Desapropriação Rural; 3 O Desatendimento da Função Social da

Propriedade Rural e o Cabimento da Desapropriação; 4 Verba Indenizatória

decorrente da Desapropriação Rural; 5 Inaplicabilidade da Desapropriação

1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias

Em sede de comentários inaugurais, quadra reconhecer que o

ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e,

doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. “Esses dois direitos, o de

propriedade do administrado e o de desapropriar do Estado, como ocorre em

outros países, sempre conviveram no nosso ordenamento jurídico”2.

Contemporaneamente, a convivência entre os institutos encontra materializada

nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição da República Federativa do

Brasil de 19883. Com clareza ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso

preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o segundo

assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a desapropriação

por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo e

prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste ponto, as hipóteses

entalhadas no próprio Texto Maior.

Pertinente faz-se mencionar que a faculdade constitucional para

desapropriação é imprescindível, porquanto nem sempre o Estado pode lograr

êxito aos fins que se propõe pelos meios que o Direito Privado oferece e regula.

“O proprietário do bem necessário, útil ou de interesse social para o Estado

resiste às suas pretensões de compra, por não querer vender ou por não lhe

interessar o preço oferecido, impedindo, com essa resistência, a realização do

bem comum”4, como bem anota Diógenes Gasparini. Em tais situações, é tangível

2 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 905. 3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 4 GASPARINI, 2012, p. 905.

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que apenas a desapropriação tem o condão de restaurar a prevalência do

interesse público sobre o interesse particular, retirando do proprietário, mediante o

pagamento de indenização, a sua propriedade. Denota-se, portanto, que a

desapropriação é o mais eficaz e também o mais grave instrumento de que

dispõe o Estado para intervir na propriedade, desde que se apresente como

necessária, útil ou de interesse social.

Ao lado do esposado, é mister apontar que vários são os conceitos

estruturados pela doutrina, calcado no ordenamento jurídico vigente. Assim, com

espeque nas disposições legais norteadoras, notadamente aquelas contidas na

da Constituição da República Federativa do Brasil de 19885, a desapropriação é

descrita como sendo o procedimento administrativo pelo qual o Estado,

compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade

pública ou por interesse social e adquire, originariamente, para si ou para outrem,

mediante prévia e justa indenização, adimplida em dinheiro, salvo os casos que o

próprio Texto Constitucional enumera, em que o pagamento é feito como títulos

da dívida pública ou da dívida agrária6. Convém, ainda, mencionar que o instituto

da desapropriação, assim conceituado, também recebe a denominação de

expropriação. O Poder Público é o expropriante ou o desapropriante, ao passo

que o proprietário do bem é o expropriado ou desapropriado. Durante o

desenvolvimento do procedimento expropriatório, o bem é qualificado como

expropriando ou desapropriando.

Cuida assinalar, oportunamente, que a modalidade da desapropriação

rural apresenta por objetivo a transferência para o Poder Público de imóvel

caracterizado como rural. Conforme preconiza o artigo 4º da Lei nº 8.629, de 25

de fevereiro de 19937, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos

constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da

Constituição Federal, o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio rústico

de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa 5 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 6 Neste sentido: GASPARINI, 2012, p. 906. 7 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.

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se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou

agroindustrial. Dessa maneira, por exclusão dos limites legislativos estabelecidos,

salta aos olhos que a modalidade em comento não abarcará os imóveis

considerados urbanos, os quais serão suscetíveis de expropriação por

modalidades distintas do instituto em comento. Carvalho Filho8, ao examinar o

thema, discorre que há de se considerar que o sentido assumido pela expressão

é amplo, comportando, consequentemente, mais de um escopo.

Neste sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição

da República Federativa do Brasil de 19889, o Poder Público possui a prerrogativa

de proceder à desapropriação rural quando o imóvel não estiver atendendo a

função social rural, porém o escopo da expropriação pode voltar-se tanto para fins

de reforma agrária, como para qualquer outro fim condizente com a política

agrícola e fundiária. Ademais, consoante o magistério apresentado por José dos

Santos Carvalho Filho, “é verdade que a regra é aquele objetivo, mas nada

impede (porque a Constituição não proíbe) que o Poder Público persiga a

conquista de outras situações que não a reforma agrária”10, desde que,

obviamente, reste compatibilizada a função social rural. Independente do objetivo

da desapropriação rural, normal é que seja adequada na modalidade de

desapropriação por interesse social, situação fático-jurídica substancializadora de

um dos fundamentos do poder expropriatório do Estado, alicerçado no inciso

XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional11.

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 818. 9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 10 CARVALHO FILHO, 2011, p. 818. 11 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

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2 Competência para a Desapropriação Rural

A competência para a desapropriação rural por interesse social é

exclusiva da União Federal, em consequência, Estados, Distrito Federal e

Municípios estão alijados dessa prerrogativa expropriatória específica. Quadra

reafirmar que tal disposição encontra amparo, expressamente, no artigo 184, §2º,

da Constituição da República Federativa do Brasil de 198812, bem como no artigo

2º, §1º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 199313, que dispõe sobre a

regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária,

previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Neste sentido,

inclusive, há que se colacionar o paradigmático entendimento jurisprudencial

consagrado no Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: Processual Civil e Administrativo - Recurso Especial - Ação de indenização - Arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação pra fins de reforma agrária - Legitimidade Passiva da União - Direito obrigacional que não se sub-roga no preço. 1. Compete exclusivamente à União promover a desapropriação rural por interesse social, para fins de reforma agrária (arts. 184 da CF/88 e 2º, § 1º, da Lei 8.629/93), resultando daí sua legitimidade para figurar no polo passivo de ação almejando a recomposição de prejuízos suportados por arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação. [...] 3. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.130.124/PR/ Relatora: Ministra Eliana Calmon/ Julgado em 04.04.2013/ Publicado no DJe em 10.04.2013).

Insta reconhecer que a exclusividade da competência repousa na

premissa que a matéria rural abrange todo o território brasileiro e ostenta

12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [omissis] § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. 13 Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014. Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais. §1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

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interesse de caráter nacional. Consoante aduz José dos Santos Carvalho Filho14,

em seu magistério, o interesse público a ser protegido extrapola o âmbito

estadual, distrital e municipal, motivo pelo qual o Texto Maior confere também à

União a competência para legislar sobre direito agrário.

3 O Desatendimento da Função Social da Propriedade Rural e o

Cabimento da Desapropriação

Ao rememorar que a propriedade constitui direito relativo e

condicionado, é carecido explicitar que, quando qualificar como rural, tenha

utilização atrelada à função social rural. Dessa maneira, quando observado que a

função social rural não está atendida, o imóvel estará sujeito à modalidade de

desapropriação em comento. Neste aspecto, implica anotar que a função ora

mencionada é atendida, nos termos preconizados no artigo 186 da Constituição

Federal de 198815, quando se constata a presença dos seguintes requisitos: (i)

aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos

naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (iii) observância das

disposições que regulam as relações de trabalho; e (iv) exploração que favoreça o

bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O primeiro requisito para materializar a função social da propriedade

está vinculado à racionalidade e à adequação do aproveitamento dos graus de

utilização da terra e da eficiência na exploração. Os graus de aproveitamento

racional e adequado encontram-se inseridos nos §§1º a 7º do artigo 6º da Lei nº

8.629, de 25 de fevereiro de 199316, que dispõe sobre a regulamentação dos

dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III,

Título VII, da Constituição Federal. Neste aspecto, o grau de utilização da terra,

para efeito do caput do artigo 6º do sobredito diploma legal, deverá ser igual ou

14 CARVALHO FILHO, 2011, p. 818. 15 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 16 Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.

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superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área

efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. Ao lado disso, ainda

sobre o requisito em exame, oportunamente, prima ponderar que o grau de

eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por

cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: (i) para os produtos

vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos

índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo,

para cada Microrregião Homogênea; (ii) para a exploração pecuária, divide-se o

número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação

estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião

Homogênea; e (iii) a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste

artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),

determina o grau de eficiência na exploração.

Para fins, ainda, de aproveitamento racional e adequado, considera-se

efetivamente utilizadas: (i) as áreas plantadas com produtos vegetais; (ii) as áreas

de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de

pecuária, fixado pelo Poder Executivo; (iii) as áreas de exploração extrativa

vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo

órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a

legislação ambiental; (iv) as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo

com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal

competente; e (v) as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação

de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e

devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de

Responsabilidade Técnica. No caso de consórcio ou intercalação de culturas,

considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

Em se tratando de caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais

produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área

usada no ano considerado. Para os produtos que não tenham índices de

rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com

resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º do artigo em exame. Não perderá

a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior,

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caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida,

devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano

respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.

No que pertine ao segundo requisito, para configurar-se adequada a

utilização dos recursos naturais disponíveis é imprescindível que se respeite a

vocação natural da terra para manter o potencial produtivo da propriedade. No

que concerne ao meio ambiente, torna-se carecido manter as características

próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais com vistas ao

equilíbrio ecológico. Neste aspecto, consoante aduz o §2º do artigo 9º da Lei nº

8.629, de 25 de fevereiro de 199317, considera-se adequada a utilização dos

recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação

natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. O

parágrafo subsequente do dispositivo supramencionado estabelece que é

considerada preservação do meio ambiente a manutenção das características

próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida

adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e

qualidade de vida das comunidades vizinhas

O terceiro requisito, por seu turno, estabelece que cumpre respeitar as

leis trabalhistas, os contratos de trabalho e os contratos de trabalho e os contratos

de arrendamento e de parceria rurais, nos termos preconizados no §4º do

dispositivo supramencionado. O último requisito compreende o bem-estar há de

ser retratado pelo atendimento às necessidades básicas e à segurança dos

trabalhadores, sem que haja tensões sociais e animosidades no imóvel. Neste

aspecto, ainda em relação ao requisito em comento, a exploração que favorece o

bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento

das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de

segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel,

conforme estatui o diploma em destaque.

17 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.

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Por derradeiro, cuida elucidar que, conforme o Ministro Celso de Mello,

ao relatoriar o Mandado de Segurança nº 21.348, assentou, “dispõe de perfil

jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação

do Estado à descaracterização da função social que inere à propriedade

privada”18. Em decorrência de tal cenário, esse tipo especial de desapropriação é

definido como sanção constitucional imponível pela inobservância da função

social da propriedade rural.

4 Verba Indenizatória decorrente da Desapropriação Rural

A indenização, no caso de desapropriação rural para fins de reforma

agrária, não segue a regra geral inserta no inciso XXIV do artigo 5º do Texto

Constitucional19, para as desapropriações por utilidade pública ou por interesse

social de modo geral. Há dois instrumentos para pagamentos de indenização,

18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Mandado de Segurança nº 21.348. Mandado de Segurança - Imóvel Rural - Desapropriação-Sanção (CF, art. 184) - Tutela constitucional do direito de propriedade - Ausência de recepção do Decreto-Lei N. 554/69 pela nova Constituição - Inviabilidade da declaração expropriatória, por interesse social, ante a inexistência das leis reclamadas pelo Texto Constitucional (art. 184, par. 3, e art. 185, I) - Edição superveniente da Lei Complementar N. 76/93 e da Lei N. 8.629/93 - Irrelevância - Impossibilidade de sua aplicação retroativa - Pedido deferido. - A desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, constitui modalidade especial de intervenção do Poder Público na esfera dominial privada. Dispõe de perfil jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação do estado a descaracterização da função social que inere a propriedade privada. A expropriação-sanção foi mantida pela Constituição de 1988, que a previu para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184, caput), hipótese em que o valor da justa indenização - embora prévia - será pago em títulos da dívida pública. A exigência constitucional da justa indenização representa consequência imediatamente derivada da garantia de conservação que foi instituída pelo legislador constituinte em favor do direito de propriedade. - A inexistência das leis reclamadas pela Carta Política (art. 184, par. 3. e art. 185, n. I) impede o exercício, pela união federal, do seu poder de promover, para fins de reforma agrária, a modalidade especial de desapropriação a que se refere o Texto Constitucional (art. 184). A edição dos atos legislativos exigidos pela Carta Federal, ocorrida em momento posterior ao da publicação do decreto presidencial impugnado, não tem o condão de legitimar a declaração expropriatória nele consubstanciada, dada a impossibilidade de aplicação retroativa daqueles diplomas legais. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 02.09.1993. Publicado no DJe em 08.10.1993. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. 19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

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sendo que o primeiro deles constitui a regra geral aplicável na espécie: a

indenização deve ser paga através de títulos da dívida agrária, que são emitidos

pelo Governo Federal retratando certo valor, correspondente à dívida

governamental nele contida, e ao mesmo tempo conferem direitos de crédito a

seu titular. “Tais títulos deverão conter cláusula de preservação do valor real e

serão resgatáveis no prazo, de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua

emissão”20, conforme José dos Santos Carvalho Filho. Regulando o tempo para

resgate, a lei fixou quatro prazos, adotando o critério segundo o qual quanto maior

o período, maior o prazo para poder ser resgatado o título.

No que tange, entretanto, às benfeitorias necessárias e úteis, a

indenização deverá ser paga em dinheiro. Nessa parte o procedimento

expropriatório obedecerá à regra geral, exigindo que o expropriante ofereça o

preço inicialmente, depositando em juízo a verba se quiser a imissão provisória na

posse e só obtenha a transferência das benfeitorias com o pagamento integral da

indenização. Em consonância com o artigo 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro

de 199321, considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado

do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e

florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos: (i)

localização do imóvel; (ii) aptidão agrícola; (iii) dimensão do imóvel; (iv) área

ocupada e ancianidade das posses; (v) funcionalidade, tempo de uso e estado de

conservação das benfeitorias.

O pagamento da verba indenizatória, a partir dos feixes advindos da

modalidade expropriatória em análise, representa a reação constitucional à

ofensa de um dos mais expressivos corolários estruturadores da ordem

econômica, qual seja: a função social da propriedade. Ao lado disso, cuida

explicitar que a reclamação constitucional da justa indenização, que está

vinculada às modalidades, ordinária e especial, de desapropriação, materializa

consequência imediatamente derivada da garantia de conservação instituída, pelo

legislador constituinte, em favor do direito de propriedade. Não é demais anotar

20 CARVALHO FILHO, 2011, p. 819-820. 21 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.

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que a justa indenização, ou a equivalência financeira entre a compensação paga

pelo Estado ao particular e o valor real da propriedade atingida pela ação

expropriatória, traduz elemento de limitação às atividades do Poder Público, que

deverá – para legitimamente exercer a sua prerrogativa institucional – submeter-

se à exigência da justa indenização.

5 Inaplicabilidade da Desapropriação

Quadra anotar que a Constituição Federal afastou da incidência da

desapropriação rural determinados bens com qualificação específica, a saber: (i)

a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu

proprietário não possua outra; e (ii) a propriedade produtiva, consoante dicção do

artigo 185 do Texto Maior22. A primeira hipótese traduz como limitação ao poder

expropriatório da União, pois há uma presunção juris et de jure (absoluta) de que

a pequena e a média propriedades rurais, assim definidas em lei, e desde que o

seu proprietário não possua outra, cumprem a função social. Ao lado disso, deflui,

do preceito constitucional em análise, verdade cláusula de intangibilidade da

propriedade rural, extensível, por igual, à propriedade produtiva, cuja

inexpropriabilidade independerá de sua extensão territorial e da circunstância de

não possui, o seu titular, outra propriedade. O Texto Maior, quer para a definição

de pequena ou média propriedade rural, quer para a outorga de especial

tratamento benéfico à propriedade produtiva – e estipulação de normas para o

cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, exige lei.

Cuida resgatar que o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio

rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou

possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou

agroindustrial, sendo que a propriedade produtiva é descrita como aquela que,

explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de

utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo

órgão federal competente. Os conceitos de pequena e média propriedade rural

22 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015.

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são subjetivos e indeterminados, colocados ao critério dos indivíduos. Desta feita,

aquele diploma estabeleceu a definição legal, variável logicamente conforme o

tamanho da área da propriedade.

De qualquer sorte, o mandamento constitucional, considerando fora da

incidência expropriatória as propriedades com tais qualificações jurídicas, permitiu

que eventual ação expropriatória objetivando a transferência de tais propriedades

seja julgada extinta sem resolução do mérito por falta da possibilidade jurídica do

pedido. Convém, portanto, estabelecer que a inexpropriabilidade da propriedade

rural, em função de sua área – desde que pequena ou média – e em função do

seu grau de produtividade, independentemente, nesta segunda hipótese, de sua

dimensão física. Assim, a dimensão física e o satisfatório grau de produtividade

do imóvel rural subsidiam insuperáveis limitações constitucionais ao poder

expropriatório da União, no que toca à promoção da reforma agrária. Assim, à luz

do pontuado, a inexploração do imóvel rural – a que equivale a ausência de

qualquer coeficiente de produtividade decorrente de seu não aproveitamento

racional e adequado -, que lhe frustre, objetivamente, a plena realização de sua

função social, constitui o pressuposto necessário de utilização, pelo Poder

Público, do mecanismo expropriatório.

No mais, a ordem constitucional tutela o direito de propriedade, bem

como assegura, ao seu titular, a garantia de conservação do domínio. Logo, a

expropriação reflete uma agressão jurídica a esse direito, cuja intangibilidade não

se apresenta como absoluta. A inviolabilidade do direito de propriedade curva-se

à atuação do Poder Público, desde que a atividade estatal, regida pelo princípio

da legalidade e pelo respeito incondicional à Carta Política, encontre o seu

fundamento em razões ditadas pelo interesse público. Há que se reconhecer que

a desapropriação rural ambiciona fito mais louvável e corolário orientador da

ordem econômica vigente, notadamente no que concerne a assegurar que reste

materializada a função social da propriedade rural, o que se dá apenas

assegurando sua produtividade.

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Referência:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. __________. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014. __________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. __________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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