Upload
vuongtuyen
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
7Wi
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A NEUROPLASTICIDADE NA APRENDIZAGEM MOTORA DA
CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL
Márcia de Loyola
ORIENTADORA: Profª Marta Relvas
Rio de Janeiro 2015
DOCUM
ENTO
PROTEG
IDO P
ELA L
EI DE D
IREIT
O A
UTO
RAL
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociência Pedagógica. Por: Márcia de Loyola
Rio de Janeiro 2015
A NEUROPLASTICIDADE NA APRENDIZAGEM MOTORA DA
CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL
3
AGRADECIMENTOS
Aos professores do curso de pós-graduação pelo conhecimento transmitido, e em especial à minha orientadora neste trabalho, professora Marta Pires Relvas pelo carinho, paciência e sabedoria na condução do mesmo.
4
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus amigos de curso Marisi da C. Santos, Sandra da S. Cardozo, Rosangela de S. M. Jardim, Ediliza Andrade e Mauro Sérgio pelo incentivo e companheirismo nesta jornada.
5
RESUMO
O trabalho tem como objetivo abordar a influência da
neuroplasticidade na aprendizagem motora da criança com paralisia cerebral.
Inicia explanando sobre a importância do movimento corporal de uma forma
geral para a melhora e manutenção da saúde física e mental, e como este
movimento pode influenciar conexões cerebrais que por sua vez ativam os
mecanismos do raciocínio, da memória e da motivação. Logo a seguir a
abordagem passa pelas etapas do desenvolvimento motor da criança normal e
da criança com paralisia cerebral. Ao mencionar a criança paralisada cerebral
algumas particularidades são enfatizadas como as causas e os tipos para uma
maior compreensão do trabalho. A última parte da pesquisa alcança o tema da
neuroplasticidade, o que é, e os tipos. Os benefícios da plasticidade neural com
suas novas conexões mediante os movimentos recém incorporados por meio
dos exercícios terapêuticos impostos à criança com paralisia cerebral. A sua
evolução de uma forma global com uma nova visão do mundo e do meio que a
cerca. O trabalho tem como finalidade concluir a importância do movimento na
vida da criança com paralisia cerebral, e como este movimento bem orientado
pode fazê-la reaprender os ajustes posturais o mais próximo do normal
possível, e como isso tudo só acontece mediante a plasticidade do cérebro que
é capaz de se reorganizar e criar novas conexões para que novos caminhos
sejam conhecidos, percebidos e instalados, para que a criança com paralisia
cerebral possa ter um salto na qualidade de vida de uma forma geral.
Palavras-chaves: Movimento, Neuroplasticidade, Paralisia Cerebral.
6
METODOLOGIA
Este trabalho tem como base a pesquisa bibliográfica, webgráfica,
periódicos científicos e revistas direcionadas ao assunto. Busca visões acerca
da neuroplasticidade e da paralisia cerebral e a correlação entre ambos. Para
isto está fundamentada nas seguintes fontes: Cem Bilhões de Neurônios? -
Robert Lent; Neurociência para Fisioterapeutas – Helen Cohen; Uma Base
Neurofosiológica para o Tratamento da Paralisia Cerebral – Karel Bobath; Que
Cérebro é Esse que Chegou à Escola? - Marta Pires Relvas; Cinesiologia e
Anatomia Aplicada – Rasch e Burke; Neuroanatomia Funcional – Angelo
Machado; Desenvolvimento Motor ao Longo da Vida – Kathleen Haywood e
Nancy Getchell, entre outros. A referida pesquisa conta também com a
observação realizada no convívio diário com essas crianças.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A Importância do Movimento no Desenvolvimento Humano 09
CAPÍTULO II
Neurodesenvolvimento Motor da Criança Normal e da Criança com
Paralisia Cerebral 19
CAPÍTULO III
Neuroplasticidade na Aprendizagem Motora da Criança com
Paralisia Cerebral 31
CONCLUSÃO 43
BIBLIOGRAFIA 44
WEBGRAFIA 46
ÍNDICE 47
8
INTRODUÇÃO
A pesquisa busca trazer o entendimento da neuroplasticidade, do
desenvolvimento motor da criança normal e da criança com paralisia cerebral ,
e faz referência também sobre a importância do movimento, e de como a
vivência motora é de suma importância no desenvolvimento humano,
sobretudo para as crianças com paralisia cerebral. Ressalta como a
plasticidade neural pode ajudá-las nos novos ajustes posturais influenciando
desta forma a sua aprendizagem motora. É um tema ainda novo, pouco
explorado e de interesse no campo da reabilitação infantil. O assunto tem o
objetivo de incidir uma luz sobre a questão da criança com disfunção
neurológica, e de como os exercícios terapêuticos promovem um novo
horizonte na vida dessas crianças na forma de perceber o mundo a sua volta.
Proporcionando um salto na qualidade de vida. Há também uma nova visão da
família sobre elas, onde cada movimento adquirido prova a possibilidade das
condições de independência, e mesmo aquelas mais graves se beneficiam com
uma postura adequada mesmo em cadeira de rodas facilitando o manuseio do
seu cuidador. E tudo isso graças a neuroplasticidade que ira através dos
exercícios físicos criar novas conexões e novas formas de movimento para a
criança paralisada cerebral.
O trabalho tem como base referências bibliográficas entre outras,
mas também da observação realizada dentro do Setor Infanto Juvenil da
Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação – ABBR – RJ.
É dividido em 3 capítulos, onde no capítulo I é abordado o tema da
importância do movimento no desenvolvimento humano; no capítulo II, o
desenvolvimento motor da criança normal e da criança com paralisia cerebral e
por último, o capítulo III, que fala sobre a neuroplasticidade e a criança com
paralisia cerebral.
9
CAPÍTULO I
A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
O mundo e o universo estão em constante movimento, e atrelado a
este fenômeno está o ser humano também que acompanha, capta e percebe
tudo a nossa volta, graças a interação do corpo com este mundo e este
universo, graças a possibilidade de também de se movimentar. O homem se
movimenta desde o ventre materno, e esse movimento está associado à vida.
Tudo que se movimenta tem vida, e para manter-se vivo é preciso estar em
constante movimento. (ABC da Saúde)
As percepções corporais vivenciados pelos cinco sentidos,
principalmente a visão e o tato confere com impressão extraordinária todas as
possibilidades da existência humana numa integração que o leva a aprender
mais e mais. Quanto mais se movimenta, mais o homem sabe sobre ele próprio
e sobre o universo. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
Um apurado senso de percepção do movimento aumenta a chance
de sobrevivência de forma relevante. O movimento aprimora processos
cognitivos como a aprendizagem, a concentração, a memória e o raciocínio. O
cérebro anseia por movimento e tudo que se passa no meio vivente é sentido
com o no corpo. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
Movimentar o corpo faz bem melhorando as condições neurológicas,
fisiológicas e psicológicas de forma excepcional. Contribui para a plasticidade
cerebral pelo processo de repetição dos movimentos e pelas experiências
vividas ativando mecanismos de recompensa causando bem estar de uma
forma geral. Os movimentos corporais só são possíveis pela ação muscular e
por uma série de fatores fazem regular a ação desses músculos. O exercício
físico frequente mantém o bom funcionamento de todo sistema corporal.
Quando isto não é possível há um enfraquecimento ou desequilíbrio físico-
mental. (ABC da Saúde)
10
1.1. Cinestesia e Controle Motor
1.1.1. Cinestesia
O sistema nervoso recebe e processa continuamente todas as
informações sobre a posição e o movimento das partes do corpo como um todo
e sobre todas as informações advindas dos processos fisiológicos para o seu
bom funcionamento. (LENT, 2013)
A cinestesia nada mais é do que um conjunto de informações que
levam a percepção da posição e do movimento das partes do corpo no espaço
e também a percepção de forças e tensões internas e externas que movem ou
estabilizam as articulações. Essas informações são selecionadas e filtradas de
acordo com o grau de interesse e amadurecimento e levam a coordenação dos
movimentos de forma que a postura e equilíbrio possam ser mantidos, levando
assim à um ajustamento corporal além de favorecer o melhor funcionamento
dos órgãos e vísceras de acordo com as necessidades fisiológicas . (RASCH e
BURKE, 1977)
A cinestesia implica na ativação de uma série de receptores
distribuídos entre: (RASCH e BURKE, 1977)
1. Terminações nervosas livres não encapsuladas sensíveis à
dor. São os mais frequentes. Ocorrem em toda pele. Emergem de redes
nervosas subepteliais e se ramificam entre as células da epiderme. Ao se
transformarem em terminações livres as fibras nervosas perdem sua bainha de
mielina mantendo seu envoltório de células de Schawan até próximo da ponta
do axônio. Algumas terminações relacionadas ao tato enrolam-se na base dos
folículos pilosos ou terminam em contato com células especiais que são os
discos de Merkel. Além do tato, as terminações livres são também
responsáveis pela sensibilidade térmica e dolorosa.
2. Corpúsculos de Meissner; sensíveis ao tato e pressão.
Ocorrem nas papilas dérmicas, principalmente nas da pele espessa das mãos
e dos pés.
11
3. Receptores articulares; produzem descarga de acordo com as
variações na tensão da cápsula resultante da sua posição tanto em repouso
quanto em movimento.
4. Corpúsculos de Paccini; sensíveis à pressão profunda,
resultante da deformação dos tecidos orgânicos.
5. Receptores Labirínticos; sensíveis à localização do corpo no
espaço, e pela estabilização do segmento durante desequilíbrios biomecânicos.
6. Receptores Visuais.
7. Receptores Auditivos.
8. Órgãos Tendinosos de Golgi
9. Fusos Musculares.
As percepções sinestésicas estão relacionadas aos centros corticais
da consciência, embora o processo de aprendizagem motora exerça influência
automática ou subconsciente; e dos receptores citados dois operam de forma
enfática no processo da regulação motora. São eles: os órgãos tendinosos de
Golgi e os fusos neuromusculares. (RASCH e BURKE, 1977)
Os órgãos tendinosos de Golgi – são receptores encontrados em
sua maioria na junção dos músculos estriados e suas inserções tendinosas nas
duas extremidades do músculo. São fascículos tendinosos envolvidos por uma
cápsula conjuntiva em torno dos quais se enrolam as fibras nervosas aferentes.
Os órgãos tendinosos de Golgi são ativados pelo estiramento do tendão, e isto
pode ocorrer tanto passivamente por ação da gravidade como por ação
voluntária em que o músculo se contrai ativamente. Os órgãos tendinosos
informam ao sistema nervoso central da tensão exercida pelos músculos em
suas inserções tendinosas e permitem assim uma avaliação da força muscular
que está sendo exercida. (MACHADO, 2004)
12
Fusos Musculares – são receptores sensoriais proprioceptores em
forma de fuso compostos de feixes de fibras musculares contidas em uma
cápsula fibrosa. Os fusos respondem as variações no comprimento das fibras
musculares (estiramento e contração). Os fusos captam informações sensoriais
e as conduzem através de axônios que penetram na raiz dorsal da medula
espinhal formando sinapses excitatórias com os neurônios motores alfa do
corno ventral terminando em placas motoras causando a contração muscular,
desativando assim a atuação dos fusos neuromusculares. (MACHADO, 2004)
1.1.2. Controle Motor
O controle do sistema nervoso e dos músculos visa permitir
movimentos habilidosos e coordenados.
A coordenação motora é a capacidade da contração muscular gerar
um movimento biologicamente adequado ao contexto.(LENT, 2013)
O planejamento, a correção e a execução de uma movimento
requerem a participação e a integração de um importante circuito neural que
incluem o córtex pré-frontal, o córtex motor primário, o córtex pré-motor, a área
motora suplementar, o córtex parietal, o córtex cingulado, o cerebelo e o
núcleos da base, além de núcleos talâmicos, núcleos do tronco encefálico e a
medula espinhal. Os planos motores e sua execução como já mencionado
advém desta complexa rede. (LENT, 2013)
A forma e o grau do movimento dependerão da integridade dessa
rede, da experiência individual e do tipo e da complexidade que o movimento a
ser executado exige. (LENT, 2013)
O córtex motor primário e a área suplementar compõem a área 6 de
Brodmam e foram classificadas como regiões corticais capazes de induzir
movimentos mediante estímulos de maior intensidade. Estudos recentes
subdividiram essa área em: áreas pré-motoras dorsal e ventral, área motora
suplementar e área motora do cíngulo. Tanto o córtex pré-motor quanto a área
suplementar estão sob o controle do córtex pré-frontal. Esses mesmos estudos
13
apontam que estímulos das áreas pré-motoras e do córtex motor primário
produzem movimentos que envolvem várias articulações que são similares aos
movimentos naturais de preensão e alcance e de esquiva, e que a estimulação
da área suplementar causaria movimentos bilaterais sugerindo uma
participação desta área na coordenação dos movimentos dos dois lados do
corpo. A área suplementar faria parte de um circuito de esquema motor que
envolveria os núcleos da base. A área suplementar também estaria relacionada
também com as sequências memorizadas dos movimentos voluntários,
enquanto que os neurônios do córtex pré-motor estaria preferencialmente
acionados em tarefas que dependessem da área visual, somestésica ou
auditiva. A ele também foi incorporado o processamento dos estímulos
sensório motores onde participariam o córtex parietal posterior e o cerebelo
com forte vínculo a esta área. (LENT, 2013)
A apresentação corporal no córtex motor primário é definida como
somatotópica, ou seja, os movimentos do corpo estão representados em áreas
próximas da superfície do córtex. O conceito de uma representação motora
somatotópica no cérebro veio das observações de pacientes epilépticos. Em
1950 o neurocirurgião canadense Wilder Penfield observou que ao estimular
eletricamente o córtex motor primário uma representação independente de
grandes regiões corporais mostrava de forma desproporcional os movimentos
da mão e da face em relação aos movimentos axiais do corpo. Este mapa
somatotópico é conhecido como homúnculo de Penfield. (LENT, 2013)
O sistema músculo esquelético possui uma combinação de
contrações musculares. Estudos nos anos de 1960 mostram uma ligação entre
o aumento da frequência de disparo no córtex motor primário e o início de um
movimento voluntário. A partir dessa observação os neurônios do córtex motor
interpretam a quantidade de força necessária, a direção, a amplitude e a
velocidade dos movimentos que ficam sob à influencia da postura do indivíduo
a cada momento. Resultados e experimentos também concluíram que os
neurônios do córtex motor são acionados das áreas pré-motoras, parietais e
pré-frontais; e que existem várias representações corticais para um mesmo
músculo, sendo cada representação ativada de acordo com a função e do tipo
14
de movimento que se deseja executar. Os mesmos estudos indicam que a
realização de um movimento depende de uma rede distribuidora no córtex
motor pronto para decifrar as sinergias motoras de vários segmentos corporais
com grande eficiência. As várias formas de atuação de um músculo e de seus
sinergistas passam por padrões distintos de recrutamento das unidades
motoras e cada músculo em sua ação terá uma seleção de representações no
córtex adaptadas ao objetivo de movimento de cada um deles. (LENT, 2013)
Comandos motores geram contrações musculares que por sua vez
acionam novo estímulo sensorial (sistema de feed back) derivadas do próprio
movimento como das relações físicas entre as partes do sistema músculo
esquelético e as informações vindas do ambiente. O novo comando motor
incorpora novas informações e gera outro comando motor e assim
sucessivamente. O sistema visual, vetibular e proprioceptivo dão as
informações necessárias para a correção do movimento.
Para a realização de um movimento a referência será a própria
vivência corporal, ou seja, o desenvolvimento motor ao longo da vida e o meio
que se vive. A cada nova experiência motora é estabelecida novas conexões,
novos ganhos perceptuais e mudanças na biomecânica. O ato motor ao
estabelecer uma conexão cerebral produz um mapa neural peculiar àquele
movimento. Enquanto este trajeto neural for acionado pelas repetições deste
ato motor, este será reforçado e seus neurônios associados recrutados. Cada
área do cérebro envolvida na produção de um movimento, do mais simples ao
mais complexo, tem seu mapa cerebral cuja especificação dependerá do grau
de controle neural necessário para a execução deste movimento. E obedece a
hierarquia de três níveis de organização: (LENT, 2013)
1) Nível inferior ou primitivo de integração sensório motor que
está na medula espinhal. A atividade motora nesse nível mais elementar de
integração inclui respostas estereotipadas multiarticulares e eventualmente
envolvendo mais de um membro como, por exemplo, o reflexo de retirada, e
padrões locomotores básicos. (LENT, 2013)
15
2) No segundo nível de integração sensório motor onde regiões
cerebrais como a formação reticular, os núcleos vestibulares e o colículo
superior selecionam e recrutam feixes espinhais para o controle da
musculatura axial do corpo, promovendo a estabilidade postural, a velocidade e
compensações oscilatórias para a locomoção. Essas compensações também
surgem como respostas aos ajustes de postura automáticos, e dependem dos
circuitos proprioceptivos, vestibular e visual. Essas respostas são mais
complexas que um arco reflexo encontrado no nível medular. Os ajustes
posturais também ocorrem durante o movimento voluntário, no planejamento,
na intenção de execução de uma determinada atividade. O cerebelo e os
núcleos da base participam tanto deste planejamento motor quanto do controle
deste movimento. Estas regiões se conectam com o córtex cerebral pelos
núcleos talâmicos específicos. Os núcleos da base exercem efeito regulador
sobre a coordenação motora. O cerebelo possui complexa atuação e inside
sobre o controle do equilíbrio e dos movimentos oculares, atua no controle da
musculatura voluntária e na aprendizagem e na memória dos movimentos
recebendo projeções dos córtices sensório motores. (LENT, 2013)
3) O terceiro nível é o mais elevado no controle motor.onde a
participação do córtex cerebral permite toda conjunção motora. Quanto mais
complexo e novo for o movimento mais haverá a atuação das áreas do
planejamento motor do córtex cerebral. Esse circuito contém repertórios
motores e são conhecidos como a representação do movimento. Neurônios do
córtex pré-frontal e do córtex cingulado selecionam a ordem de execução de
uma sequência motora. Outros neurônios como os do córtex parietal ou pré-
motor traduzem os aspectos mais elementares deste movimento não
importando a sequência do ato. Eles se conectam fortemente ao córtex pré-
frontal ativando o plano de ação mais adequado e necessário para realização
desta ação. Participa deste circuito o córtex primário recebendo as informações
de praticamente todas as áreas relacionadas. O resultado de todo esse
planejamento é enviado aos centros medulares pelas vias descendentes. A
maior parte das fibras dessa via cruzam a linha média na altura das pirâmides
bulbares controlando os movimentos do lado contralateral do corpo. Uma
16
pequena parcela de fibras dessa via não cruzam esta linha. Estas vias se
dividem formando o sistema descendente lateral e o sistema descendente
medial. O primeiro sistema será responsável pelo controle dos movimentos
distais (pés e mãos), enquanto o segundo sistema estará envolvido nos
movimentos da musculatura axial do corpo (movimentos proximais de cinturas).
(LENT, 2013)
A hierarquia das estruturas cerebrais mostra que as áreas corticais
“superiores” não participam detalhes do movimento, mas modulam as ações
dos circuitos do tronco encefálico e da medula por meio das projeções
descendentes dando maior flexibilidade às ações motoras.
A organização do sistema motor vem se tornando complexo ao
longo de milhões de anos. Esse aumento na complexidade se dá pela
incorporação de novos conjuntos de processamento sensório motoras a
estruturas filogeneticamente antigas, por exemplo, o aparecimento de
processos dedicados à preensão manual nos córtices parietal, pré-motor e
cerebelar de primatas, o que não existia nos mamíferos filogeneticamente mais
antigos. Isto se dá devido a necessidade de novas conexões neurais em
resposta a exigência do meio e da percepção e adaptação do corpo a este
meio. (LENT, 2013)
1.2. Benefícios da Atividade Física no Bem Estar Humano
A prática de exercícios físicos de forma moderada e frequente regula
e estimula a saúde do corpo. Movimentar-se de forma direcionada e
disciplinada por meio de exercícios físicos não só fortalece o coração e os
músculos, mas também aumenta a capacidade mental, ajuda o
desenvolvimento de uma forma geral e combate a depressão e o declínio
intelectual associado ao avanço da idade. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
Em crianças favorece o desenvolvimento infantil trazendo a noção
do esquema corporal, a cognição e a melhora na aprendizagem, além de
reduzir índices de obesidade comuns no mundo contemporâneo de fast-foods,
televisão, computadores e vídeo games. O bem estar físico e mental estão
17
intimamente associados, mas não amadurecem de forma independente. Uma
função motora mal desenvolvida ou não explorada bloqueia o intelecto. Quanto
mais a criança explora seu ambiente, correndo, saltando, sentindo e
percebendo, mais aprenderá sobre ela própria e o seu ambiente, e terá
condições sempre de absorver estímulos novos. Esta criança se tornará um
adulto mais pró-ativo, mais independente e saudável. O bom condicionamento
físico é acompanhando de melhores resultados escolares. (Revista Mente e
Cérebro, 2014)
Pesquisas mostram que há dois tipos de efeitos resultantes do
exercício físico sobre o sistema nervoso, o crescimento vascular e o neuronal.
As ramificações dos vasos sanguíneos se desenvolvem ainda mais não apenas
nos músculos, mas também em tecidos neurais, e o hipocampo centro da
aprendizagem e da memória, é a área que mais se beneficia da melhor
circulação sanguínea no cérebro. Exercícios como a caminhada, por exemplo,
influenciam principalmente o giro dentado, importante estrutura do hipocampo,
elevando a quantidade do fator de crescimento vascular (VGF), e do fator
neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF), causando o processo da
neurogênese que é o crescimento de novas células neurais. (Revista Mente e
Cérebro, 2014)
Estudos comprovam que a atividade física eleva a sensação de bem
estar. A atividade física deve no entanto ser prazerosa para potencializar ainda
mais os seus benefícios e para que estes sejam aproveitados pelo organismo.
O exercício combate o estresse e alivia as tensões emocionais e físicas do dia
a dia causando uma redução do hormônio cortisol e um aumento de
concentração de triptofano (precurssor da serotonina) no cérebro favorecendo
o processamento das emoções. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
De uma maneira geral, a atividade física é adequada aos casos com
leve tendência à depressão ou de uma inquietação nervosa. Em casos mais
graves, porém, a atividade física não é o suficiente para recuperar uma pessoa
de uma crise existencial. Mas, na maioria dos casos a prática esportiva tem
favorecido quedas nos quadros de ansiedade e de depressão, com a
18
recuperação da autoestima, do controle sobre a própria vida e da possibilidade
de reação às exigências do mundo moderno. E tudo indica que a prática
regular diminui o risco de recaídas. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
As pessoas que são mais ativas tem melhores resultados na
atenção, memória e capacidade intelectual. Conseguem memorizar mais
informações processando-as melhor além de se cansarem menos nas tarefas
do cotidiano. O exercício provoca o bom condicionamento e protege contra
infecções, infartos, diabetes, osteoporose. Influencia na velhice de forma
positiva. Novas células neurais surgem durante este período, e o cérebro
também passa por constantes transformações nesta fase, embora em
velocidade menor que quando mais jovem. Estudos parecem também
confirmar que o declínio intelectual pode ser refreado com os exercícios físicos.
(Revista Mente e Cérebro, 2014)
A prática de atividades físicas promove a saúde do corpo e do
cérebro. Combate a depressão, a ansiedade, melhora a memória, a
concentração, a cognição e o aprendizado. O ideal é que seja realizada de
forma regular e moderada, no tempo de aproximadamente 20 minutos diários.
O excesso causa desgaste e efeito reverso. (Suzana Herculano, 2009)
O importante é que se entenda que o movimento faz parte da
natureza humana que vive em um mundo em constante movimento, e que
precisa acompanhá-lo e estar alerta para essa realidade para que possa
continuar vivo. (Revista Mente e Cérebro, 2014)
19
CAPÍTULO II
NEURODESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA
NORMAL E DA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL
O desenvolvimento motor envolve uma sequência de modificações
do comportamento relacionado com a idade. Abrange aspecto físico, social,
cognitivo e psicológico, e possui características que o define.
• É um processo de mudanças contínuas na capacidade
funcional.
• Está ligado à idade. A medida que o desenvolvimento vai
acontecendo, a idade avança. Apresenta graduação em seu
ritmo em diferentes etapas, podendo diferir de um indivíduo
para o outro, e a idade e o progresso motor podem não
caminharem na mesma direção.
• Respeita uma sequência. Um passo de cada vez de forma
organizada e conclusiva. O feto humano se transforma no
bebê humano; o bebê humano na criança, e a criança no
adulto humano. É influenciado pelo o indivíduo e o ambiente.
As etapas acontecem dentro do esperado para todos e
conduzem à individualidade. (HAYWOOD e GETCHELL)
O desenvolvimento motor está envolvido com outros aspectos como
a aprendizagem motora, o controle motor, o crescimento físico, a maturação e
o envelhecimento.
• Aprendizagem motora = ganhos e habilidades motoras
associadas à prática ou experiência.
• Controle motor = aspectos físicos, neurais e comportamentais do
movimento.
20
• Crescimento físico = modificações corporais com aumento no
tamanho ou da massa corporal.
• Maturação = avanço e amadurecimento progressivo da
constituição biológica produzindo mudanças na estrutura e aprimoramento nas
funções.
• Envelhecimento = processo ligado à passagem do tempo levando
à perda de adaptatividade ou de função e eventual à morte. (HAYWOOD e
GETCHELL)
Karl Newell (1986) sugeriu que os movimentos surgem das
interações do organismo com o ambiente no qual os movimentos ocorrem e com
a tarefa a ser executada. (HAYWOOD e GETCHELL)
“No presente momento, cada um de nós é um produto daquilo “que
éramos antes”, e cada um de nós mudará para se tornar alguma coisa diferente
no futuro. Estamos todos em desenvolvimento.” (HAYWOOD e GETCHELL)
O corpo da criança cresce e seu comportamento cresce, ela forma
sua “mente” do mesmo modo que forma seu corpo – através dos processos do
desenvolvimento. À medida que seu sistema nervoso sofre diferenciações
ligadas ao crescimento, as formas de seu comportamento também se
diferenciam. Numa idade, ela agarra objetos com uma mão inteira; em idade
posterior, apanha os objetos com uma oposição clara entre polegar e indicador
– a diferenciação neural produz especialização da função e um novo
comportamento. (GESELL e AMATRUDA, 1987)
A criança durante o seu crescimento é acompanhado do
amadurecimento do sistema nervoso passa por cinco tipos de comportamento
que se integram levando ao desenvolvimento de forma completa.
a) Comportamento adaptativo = indica como a criança explora o
ambiente usando seus ajustes sensório motores. Este
comportamento revela uma crescente desenvoltura, sendo
21
considerado o precursor da “inteligência” que utiliza a
experiência na solução de novos problemas.
b) Comportamento motor grosseiro = refere as repostas
corporais ao ambiente e inclui as reações posturais, o
equilíbrio de cabeça, o sentar, o engatinhar, ficar de pé e
andar.
c) Comportamento motor delicado = refere ao motor fino, ou
seja, o uso das mãos e dedos envolvidos na preensão de
objetos e de como a criança os manipula.
d) Comportamento de linguagem = engloba todas as formas de
comunicação – a fala articulada, expressões faciais,
vocalizações, imitações, gestos etc.
e) Comportamento pessoal social = compreende as reações
pessoais da criança à cultura social em que vive. Seu
relacionamento com as pessoas.
Geralmente esses comportamentos se desenvolvem em paralelo.
(GESELL e AMATRUDA, 1987)
2.1. Desenvolvimento Motor da Criança Normal
Os bebês são seres ativos. Para saberem, precisam agir. As
crianças nascem com desejo de estar em contato com o meio, formando o
conhecimento agindo sobre os objetos ou ideias que estão tentando entender,
e pela coordenação dos reflexos que os bebês se desenvolvem. Essa
coordenação resulta em aprendizado novo e novas mais elaboradas formas de
conhecimento.
As crianças nascem com um certo número de ações reflexas tais
como agarrar, chupar e engolir, assim como vários movimentos dos olhos
como piscar, focar e acompanhar. São por esses meios que o bebê
experimenta o mundo a sua volta. Os atos reflexos são um meio de
22
sobrevivência, formando a base para o seu desenvolvimento. (Dr. S. H. Jacob,
2002)
Além das capacidades sensoriais, o bebê nasce com o sistema
motor funcionando, o que forma a base de grande parte do seu futuro
aprendizado e desenvolvimento. No inicio os movimentos do bebê são por
ações reflexas, movimentos mecânicos sem intenção. Gradualmente o bebê
começa a coordenar vários reflexos uns com os outros. A coordenação dessas
ações reflexas assinala o início de uma interação cognitiva do próprio bebê
com ele e o meio. (Dr. S. H. Jacob, 2002)
A motricidade possibilita a interação com o meio ambiente. O
aprimoramento das capacidades motoras significa a aquisição da sua
independência e a capacidade de adaptar-se a fatos sociais.
A evolução estático-motora do neonato até a idade adulta depende
da maturação do sistema nervosos central, e é determinado pela sua genética
e os estímulos ambientais. Esses estímulos apreendidos pelos órgãos dos
sentidos são respondidos pelo cérebro como órgão de integração e
coordenação, com reações complexas que acontecem automaticamente. (Dr.
S. H. Jacob, 2002)
Quando se assume uma atitude seja de movimento ou de
manutenção de uma postura, são acionados circuitos cerebrais sensório
motores respeitando as normas biológicas. A percepção e o movimento
condicionam-se mutuamente e são encarados como unidades biológicas.
Todo desenvolvimento motor realiza-se sempre sob uma adaptação
ideal aos estímulos externos. O corpo e o ambiente dependem um do outro
neste processo. A capacidade motora é sempre ambiente-dependente. (Dr. S.
H. Jacob, 2002)
Um bebê ao empurrar uma bola, sacudir um chocalho, puxar um
brinquedo, bater em uma mesa ou jogar uma colher no chão, não está apenas
descobrindo as propriedades físicas desses objetos e de como interagem um
23
com o outro, mas também integrando os movimentos do seu corpo nessas
ações. Estimulando assim sua função cognitiva. (Dr. S. H. Jacob, 2002)
A evolução da motricidade nos primeiros anos de vida é o
aparecimento de mecanismos reflexos e reações posturais. Para isso são
necessários:
• Reações posturais e de equilíbrio
• Modificações dos movimentos em massa (primitivos) para movimentos
especializados (elaborados)
• Construção de um tônus muscular que gradualmente se modifica para
se resistir à gravidade (FLEHMIG,1987)
O neonato na posição ventral libera sutilmente as vias aéreas, no
movimento de extensão e rotação lateral da cabeça (Reação Automática). Com
o tempo este movimento vai se aprimorando culminando com o controle de
cabeça. Esta etapa importante é conquistada a partir dos 3 meses de idade,
sendo este um marco no desenvolvimento do bebê uma vez que tal conquista
é de fundamental importância para as demais aquisições motoras, além de
acompanhar o ser humano até o final da sua existência. O controle de cabeça
favorecerá a extensão progressiva do tronco.
Antes de terminar o primeiro semestre de vida o bebê já adota uma
postura simétrica conseguindo levar as mãos à linha média. A criança começa
a conhecer seu próprio corpo pelo toque, pela preensão e pelo movimento do
corpo durante o rolar e o arrastar. (FLEHMIG, 1987)
No primeiro ano de vida o desenvolvimento da criança é baseado na
área motora grossa que passa a entender (sentir) o mundo a partir desta
experiência. Com esse processo ocorre o desenvolvimento da percepção. As
noções de longe, perto, raso, fundo, frio, quente etc. passam a ser percebidas
através do corpo da criança no mecanismo de feed back. Com um maior
controle sobre as suas movimentações o bebê aprimora seu conhecimento
sobre o mundo.
24
Nos primeiros seis meses o desenvolvimento motor se dará na
horizontal, ou seja, nas posturas mais baixas que envolvem o controle de
cabeça, o rolar, o arrastar e os movimentos simétricos e rotatórios (decúbito
ventral e dorsal).
Do sexto mês até 1ano de idade, o desenvolvimento motor se fará
na vertical privilegiando posturas mais altas, como o sentar, o engatinhar, a
posição de joelhos e de pé. As rotações estarão em processo de
aprimoramento associadas às transferências de peso culminando na evolução
das reações de extensão protetora e de equilíbrio.
No final do primeiro ano de vida o bebê já consegue controlar os
movimentos contra a gravidade. Há uma maior integração dos movimentos já
adquiridos. (WERNER, 1994)
2.1.1. Tabela de Desenvolvimento Físico – David Werner – 1994
1 mês Em decúbito ventral levanta em parte a cabeça (oscila)
2 meses
Agarra o dedo do observador (preensão palmar).
Em decúbito dorsal acompanha objeto próximo com os olhos.
Move-se ou chora com barulho alto - Reação de Moro.
3 meses
Levanta a cabeça bem alto (controle de cabeça) – Reação Labiríntica de
Retificação. Senta com apoio.
Rola – Reação Corporal de Retificação.
Inicia o arrastar – Reação Anfíbia Criança simétrica – mão na linha
média.
4 meses
Rolar mais aprimorado. Em decúbito dorsal começa a
alcançar objetos. Reage a voz da mãe.
Aprecia formas e cores brilhantes.
5 meses Rolando bem.
Em decúbito ventral levanta a cabeça e os ombros levando a extensão do tronco à altura da coluna lombar.
25
Senta quando colocado apoiando-se nas mãos à frente.
6 meses
Em decúbito dorsal boa rotação do tronco – bom deslocamento de peso. Decúbito ventral – extensão do tronco
chegando na altura dos quadris – Reação de Landau forte.
Extensão protetora de braços para frente.
Inicia o engatinhar – Reação Anfíbia Aprimorada.
7/8 meses
Não fica deitada. Começa o sentar a partir de decúbito
dorsal. Engatinha bem. Senta sem apoio.
Transfere objetos de uma mão à outra.
Extensão protetora de braços para frente.
9 meses
Puxa-se para ficar de pé – boa rotação do tronco e boa transferência
de peso. Boa reação de equilíbrio ainda
aprimorando.
10/11 meses
Bom controle dos movimentos. Não pára.
Marcha lateral (com apoio nos móveis).Extensão protetora de braços
para trás. Muitas rotações e dissociações de
cinturas. Boa transferência de peso.
12 meses
Dá passos e cai. Inicia a permanência em uma perna
só. Aprimorada as reações de equilíbrio
sentada e de joelhos.
2 anos
Anda bem. Sobe escadas com apoio.
Corre. Pode andar na ponta dos pés e dos
calcanhares. Inicia o controle de esfíncteres.
3 anos Anda para trás. Usa triciclo.
5 anos Pula sobre uma perna só. Arremessa e apanha a bola.
26
2.2. Paralisia Cerebral
É uma desordem do movimento e da postura devido à uma lesão
não progressiva que afeta o cérebro imaturo e interfere na maturação do SNC.
Esta lesão leva à uma alteração no tônus muscular incapacitando a criança de
manter posturas e realizar movimentos normais. Causa dificuldade nas
aquisições motoras no seu período desejado culminando em uma deficiência
motora e sensorial associadas a problemas de fala, visão e audição com vários
tipos de distúrbios perceptivos, cognitivos e epilepsia. (BOBATH, 1984)
Esta lesão pode ocorrer nos períodos pré, peri e pós natais.
§ Causas pré-natais: doenças crônicas; hemorragias com
ameaças de aborto; genéticas ou hereditárias; desnutrição;
doenças metabólicas; uso de droga.
§ Causas peri-natais: complicações obstétricas e mecânicas;
prematuridade; baixo peso; apresentação fetal anômala.
§ Causas pós-natais: septicemia; TCE; meningoencefalites
virais e bacterianas; intoxicações; disfunções metabólicas;
anóxia.
A criança com paralisia cerebral é diagnosticada com base no
retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, na persistência dos reflexos
primitivos e presença de reflexos patológicos, na anormalidade do tônus e da
postura e pelo não desenvolvimento das reações de proteção. (BOBATH, 1984
e FLEHMIG, 1987)
2.2.1. Classificação
Quanto ao Tônus:
1) Criança Espástica ou Piramidal
Apresenta hipertonia muscular por lesão no sistema piramidal. É o
tipo mais comum de paralisia cerebral. Apresenta atraso nas aquisições
27
motoras e persistência dos reflexos primitivos. Neste grupo temos a criança
com tetraplegia ou quadriplegia, hemiplegia e diplegia.
2) Criança Discinética ou Extrapiramidal:
Criança apresenta lesão nos núcleos da base. É caracterizada pela
presença constante de movimentos involuntários; ou seja; pela perda da
modulação ou controle dos movimentos (tônus flutuante). Neste grupo temos a
criança com atetose, coreoatetose e distonia.
3) Criança Atáxica:
É uma forma mais rara. A criança apresenta tônus baixo com
incoordenação e déficit de equilíbrio. Apresentam tremores com ausência de
co-contração tornando o controle postural e de movimentos impossíveis ou
muito difíceis.
4) Misto:
Combinação das formas anteriores.
Ex: Paralisia Cerebral espástica com componente coreoatetose.
(BOBATH, 1984 e FLEHMIG, 1987)
2.2.2. Desenvolvimento Motor da Criança com Paralisia Cerebral
Ø Criança Espástica
Apresentam hipertonia de caráter permanente mesmo em repouso.
Os sinais de reconhecimento no atraso no desenvolvimento podem ser
observados precocemente. Apresenta envolvimento de todo o corpo, sendo os
membros superiores mais envolvidos que os inferiores. São assimétricos com
reflexos acentuados como Reflexo Tonico Cervical Assimétrico e Reflexo
Tonico Labiríntico. O controle de cabeça é deficiente. Apresentam dificuldade
de se alimentar e algum comprometimento da fala e articulações. Apresentam
dificuldade em manter equilíbrio em qualquer posição. É incapaz de rolar não
possuindo rotação no eixo do corpo. Ausente a Reação Corporal de
28
Retificação. Por não controlarem a cabeça de forma satisfatória não
conseguem iniciar o movimento para sentar. Apresentam a persistência do
Reflexo de Moro e muita dificuldade na preensão dos objetos devido a falta de
ajuste do tônus que no caso se encontra elevado. Apresentam-se em extensão
total em decúbito dorsal e flexão total em decúbito ventral. Em consequência é
observado luxações (principalmente quadris), deformidades e/ou
encurtamentos (cotovelo, punhos, mãos e pés) e escolioses ou cifoescolioses.
(BOBATH, 1984)
§ Criança com Diplegia Espástica: Possuem aumento do tônus
nos membros inferiores. Os membros superiores também são levemente
afetados, porém a dificuldade é bem marcante nos membros inferiores. No
início até aproximadamente os 6 meses de idade parecem absolutamente
normais com ausência de espasticidade, ou apresentá-la de forma muito
discreta. Desenvolvem o controle de cabeça e usam muito os braços como
apoio, principalmente nas reações de extensão protetora exacerbando-as.
Qualquer anormalidade só será percebida quando o processo de extensão do
tronco alcançar a parte inferior do tronco e quadris. Podem rolar porém as
pernas podem permanecer rígidas sem dissociação entre elas causando uma
rotação pobre entre quadris e ombros. Começam a sentar sozinhas a partir dos
3 anos, e iniciam com esforço levantando a cabeça em decúbito dorsal levando
braços à frente se puxando pelas próprias pernas. No arrastar as pernas
permanecem rígidas e a criança se puxa pelos braços. Esse esforço de puxar o
corpo desta forma aumenta ainda mais a espasticidade dos membros
inferiores. Podem adquirir a marcha que pode ser por meio de auxílio de
bengalas, andadores ou de forma independente, porém em todas as formas há
um gasto energético grande pela posição em “tesoura” dos membros inferiores
e pela descarga de peso prevalente sobre tronco na altura da lombar. Podem
iniciar a marcha por volta dos 5 anos de idade nos casos de leve à moderado.
As crianças diplégicas tem histórico de prematuridade. (BOBATH, 1984)
§ Criança Hemiplégica Espástica: Apresentam comprometimento
em um dos dimídios. A criança consegue realizar suas atividades com o lado
normal e fica relutante em ter que fazer algo com o lado plégico, preferindo
29
ignorá-lo. Inicialmente o lado afetado pode ser “mole”. O seu desenvolvimento
motor sofre certo atraso com estabelecimento tardio do equilíbrio na posição
sentada, de pé ou caminhando. Tenderá a cair para o lado comprometido já
que as reações de equilíbrio do tronco e a reação de extensão protetora do
braço afetado estarão afetados. A criança passará a se orientar mais para o
lado sadio. O bebê se movimentará no chão de decúbito ventral girando a
cabeça para o lado sadio e arrastando o braço e a perna hemiplegica. Ao
sentar iniciará com o lado sadio. Só aprenderá a sentar e a ficar de pé com
ajuda desse lado. De pé e durante a deambulação transferirá o peso corporal
sobre o lado não plégico. Neste momento a perna afetada estará aduzida e
quase sem apoio sobre ela e os membros superiores em flexão do cotovelo,
punhos (flexão palmar + pronação) e dedos. Na maioria dos casos a família
notará a dificuldade quando o bebê por volta do quarto mês não alcança uma
das mãos para pegar objetos, ou quando por volta do sexto ou sétimo mês não
consegue sentar. A criança hemiplégica possui algumas alterações como:
deformidade flexora do cotovelo e punho em pronação de antebraço e desvio
ulnar. Equino varo ou valgo dos pés com encurtamento do tendão de Aquiles.
(BOBATH, 1984)
Ø Criança Discinética:
Alguns fatores contribuem para este tipo de lesão. Um deles é a
incompatibilidade sanguínea em especial pelo fator Rh. A lesão é localizada no
mesencéfalo, núcleo rubro e estriado que tem sua atividade inibitória alterada
levando à um tônus instável e flutuante. Falta co-contração proximal causando
movimentos extremos devido à falta de correspondência dos agonistas,
antagonistas e sinergistas. O controle de cabeça é deficiente e é adquirido na
maioria dos casos bem tardiamente(depois dos 2,3 anos de idade). Os
membros superiores estão mais comprometidos que os inferiores. As crianças
são assimétricas e utilizam durante seus movimentos alguns reflexos como
Reflexo Tonico Cervical Assimétrico e Reflexo Tonico Labiríntico. O Reflexo
Moro também estará presente, e todos irão impedir as aquisições motoras no
tempo esperado O andar pode ser conquistado próximo à adolescência devido
30
a grande instabilidade tônica. O tipo de discinesia compreende 3 formas: a
criança com atetose, a criança com coreoatetose e acriança distônica.
a) A criança com atetose: altera o seu tônus do normal para a
hipertonia.
b) A criança coreoatetose: altera seu tônus da hipotonia até a
normotonia.
c) A criança distônica: altera seu tônus da hipotonia para a
hipertonia de forma brusca.
Em todas as formas há disfunções respiratórias. As crianças em sua
maioria são respiradores bucais o que leva a desconfortos como pneumonias,
bronquites e também dificuldades na concentração e na alimentação de um
modo geral levando a engasgos e bronco espasmos. (BOBATH, 1984)
Ø Criança Ataxica
É dos desenvolvimentos motores o mais tardio. Alcançam suas
etapas motores muito mais tarde que os demais. Os movimentos são
incoordenados acompanhados de tremores. O controle de cabeça e de tronco
é fraco. Apresentam nistagmus geralmente horizontal. O movimento dos olhos
não é independente ao da cabeça. Ao olharem para algum ponto a cabeça
deve acompanhar este movimento. Sentam-se por volta dos 15/18 meses,
ainda assim com pouca estabilidade. O ficar de pé e o andar podem acontecer
após o terceiro ano ou mais. O movimento das mãos são imprecisos e
desajeitados. O medo de perder o equilíbrio e a conscientização do seu lento e
inadequado ajuste de postura as fazem mover-se de forma lenta e indecisa.
Pelo tônus baixo não apresentam deformidades ou encurtamentos
importantes. Apresentam alterações na percepção. (BOBATH,1984)
31
CAPÍTULO III
NEUROPLASTICIDADE NA APRENDIZAGEM MOTORA
DA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL
3.1. Sistema Nervoso
O sistema nervoso é integrativo. Funciona como um todo com a
cooperação e união de seus principais elementos celulares. Os neurônios e os
gliócitos.
Os neurônios são estruturas que formam uma grande rede de
circuitos capazes de receber, processar, armazenar e enviar de volta todos os
estímulos que recebem do ambiente em um amplo espectro de informações.
Os neurônios têm muitos prolongamentos próximo ao seu corpo celular
chamados de dendritos. Os dendritos são como antenas para os sinais de
outros neurônios. Outra estrutura dos neurônios são os axônios que são
prolongamentos mais longos que levam as mensagens de um neurônio para
sítios mais distantes. Os neurônios se comunicam através das sinapses que
são áreas de contato entre dois neurônios ou entre um neurônio e uma célula
muscular. Nesta área, há liberação do impulso nervoso que se faz por meio de
neurotransmissores para cada ação, resposta ou informação. O impulso
nervoso chega à extremidade do axônio e provoca a emissão de uma
mensagem química que leva esta informação intacta ou modificada para célula
seguinte. (LENT, 2013)
Os gliócitos regulam essa rede de neurônios, interferindo ativamente
na transmissão de informações, ou dando condições homeostáticas para o seu
funcionamento. Possuem a função de infraestrutura ,e também de processo de
informações. Nutrem, dão sustentação mecânica e controlam o metabolismo
dos neurônios. Ajudam a construir o sistema nervoso durante o
desenvolvimento, funcionando como células imunitárias,e regulam a
transmissão sináptica entre neurônios. (LENT, 2013)
32
Ambos, neurônios e gliócitos, formam extensas famílias de tipos
morfológicos e funcionais diversos de acordo com a região onde se localizam.
Essas famílias constituem o que chamamos de rede neurais de alta
complexidade, e lidam com informações de alta eficiência, eletrofisiológicos e
bioquímicos. Conduzem sinais locais e a distância, transmitindo-os
simultâneamente à milhares de outras células, e modificando-os de inúmeras
maneiras, em um complexo processo de integração de informação. O fluxo de
sinais neurais são de natureza molecular e bioelétrica. Move-se em várias
direções a cada instante de tempo, abrangendo a totalidade de áreas que
constituem o sistema nervoso. O resultado deste dinâmico sistema, é o
conjunto de funções neuropsicológicas que os indivíduos são capazes, e que
contribuem para otimizar a adaptação destes em nichos ecológicos peculiares
a cada grupo. O sistema nervoso humano é dotado de capacidades
neurofuncionais que o ajudam a perpetuar sua existência há milhares de anos
na terra. Esta capacidade adaptativa decorre do próprio desenvolvimento do
sistema nervoso onde três grandes e vantajosas características foram
desenvolvidas.
1- Um número enorme de células produzidas durante a ontogênese
– centenas de bilhões.
2- Um número ainda maior de circuitos – da ordem de trilhões.
3- Grande plasticidade, ou seja, capacidade de adaptação, e de
readaptação destes circuitos, tornando-os mutáveis dinamicamente, de acordo
com as exigências do meio. (LENT, 2013)
O sistema nervoso humano, além das funções como a motricidade e
a sensibilidade, também é responsável pela autoconsciência, linguagem e
previsão de acontecimentos futuros, função essas que fazem do homem um
animal diferenciado dos outros, e que o fizeram dominar a natureza e construir
civilizações. (LENT, 2013)
33
3.2. Neuroplasticidade
É a capacidade que o sistema nervoso tem em modificar e adaptar
sua estrutura e funcionamento mediante fatores ambientais; experiências de
vida e de aprendizado; traumas ou lesões. Essas influencias suscitam e
desencadeiam uma reação do tecido nervoso que redireciona seus circuitos
cerebrais reconectando sinapses nervosas, organizando e reorganizando as
informações dos estímulos motores e sensitivos. Essa propriedade plástica é
derivada de fenômenos do desenvolvimento ontogênico, e que pode se
estender até a maturidade. (LENT, 2013)
A cada experiência do indivíduo, redes de neurônios são
reordenadas, outras tantas sinapses reforçadas e múltiplas reações ao
ambiente tornam-se possíveis. A neuroplasticidade permite ao indivíduo
aprender e reaprender atividades. É um processo gradual devendo ser
valorizados os pequenos progressos do dia a dia. São importantes neste
processo o evento repetitivo associado à memória. (RELVAS, 2009)
A plasticidade é maior durante o desenvolvimento e vai diminuindo
aos poucos sem e extinguir na vida adulta. As células do sistema nervoso não
são imutáveis como se pensava poucos anos atrás. A última década trouxe
uma revolução neste aspecto, e hoje é compreendida e aceita a regeneração
do tecido nervoso. (LENT, 2010)
Existem dois tipos de neuroplasticidade:
1- Plasticidade Ontogênica - é a interação de informações do próprio
genoma com as do ambiente. Esta é uma plasticidade rica, repleta de
variações individuais e de extrema importância para todo desenvolvimento
humano. Esta fase em que o sistema nervoso ainda imaturo sofre influência
significativa do ambiente é chamada de período crítico e irá se diferenciar de
acordo com as diversas regiões e sistemas neurais solicitados. Nesta fase o
indivíduo está suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo.
No entanto alguns comportamentos são inatos, e neste aspecto o período
crítico não existe. Ao terminar o período crítico o sistema nervoso continua a
34
sua capacidade plástica através da fase que chamamos de plasticidade adulta.
(LENT, 2013)
2- Plasticidade Adulta - tem um caráter mais molecular e celular e
incide sobre as sinapses, regiões entre as células nervosas onde ocorre a
transmissão das informações recebidas e que são codificadas em impulsos
nervosos. A plasticidade sináptica tem como base a memória que terá uma
ligação direta com a capacidade cognitiva. A descoberta deste fenômeno
plástico em continuidade ao período crítico, possibilitou o desenvolvimento de
novas terapias farmacológicas, celulare ou gênicas, além de alcançar novos
avanços nos processos das políticas educacionais e psicoterapêuticas. (LENT,
2013)
A plasticidade ontogênica e adulta irão incidir sobre toda estrutura do
sistema nervoso (neurônios e células gliais), e envolverão três maneiras
distintas de manifestação: morfológica, funcional e comportamental.
À princípio não é possível separar os fenômenos morfológicos dos
fisiológicos dentro do processo plástico do cérebro, pois há um envolvimento
simultâneo entre eles e suas ocorrências, onde um interfere no outro de forma
natural, esperada e inevitável; e ambos irão caracterizar um comportamento.
Esta classificação se deve ao fato que alguns fenômenos neuroplásticos tem
sua face morfológica mais evidente, enquanto outros sua face fisiológica mais
conhecida. (LENT, 2013)
− Fenômeno Morfológico = neste fenômeno os neurônios são
gerados numa determinada região, ou desaparecem por morte celular
programada. Nele há alterações do trajeto de fibras nervosas, novas
configurações da árvore dendrítica, ou mudanças no número e nas formas das
sinapses, de forma intensa. É um fenômeno bastante rico durante a fase
ontogênica; mas também ocorrendo na fase adulta, porém de forma mais
branda e menos frequente. (LENT, 2013)
35
− Fenômeno Funcional = está relacionado às alterações fisiológicas
e na atividade sináptica de um determinado circuito ou grupo de neurônio,
devido à alteração na sua estrutura. (LENT, 2013)
− Fenômeno Comportamental = a criação,a renovação, a supressão
de estruturas nervosas ocasionadas por fatores naturais ou mecânicos
determinam a função específica de cada parte ou área envolvida, ou a
modificação desta. Este conjunto de fatos influe no fenômeno comportamental
do indivíduo, e está diretamente ligado às manifestações da aprendizagem e
da memória. (LENT, 2013)
A capacidade plástica do sistema nervoso beneficia de forma geral a
vida do indivíduo readaptando-o ao meio, e fazendo com que possa entender
de maneira prática as ocorrências do que o envolve. (LENT, 2010)
A cada nova experiência, redes de neurônios são rearranjadas,
outras tantas sinapses são reforçadas, e muitas possiblidades de repostas ao
ambiente são possíveis. A neuroplasticidade do sistema nervoso o torna hábil
em modificar a organização estrutural própria e seu funcionamento, desde
repostas à lesões até as sutis alterações resultantes do processo da memória e
da aprendizagem. (RELVAS, 2012)
Pelas reconexões neuronais o indivíduo pode aprender e reaprender
atividades desenvolvidas por ele previamente de forma espontânea e
harmoniosa. É um processo gradual e depende do desenvolvimento do
sistema, onde deve ser valorizado os pequenos progressos do dia a dia, e a
capacidade individual de cada um. (RELVAS, 2009)
3.3. Aprendizagem
A aprendizagem é o processo de aquisição das informações que
serão armazenadas. A aprendizagem depende da memória; sem ela a
aprendizagem não é completa.
A memória pode ser classificada quanto ao tempo:
36
• Memória ultrarrápida ou imediata = cuja retenção não dura
mais que alguns segundos.
• Memória de curta duração = que dura minutos ou horas e
serve para proporcionar a continuidade do nosso sentido
presente.
• Memória de longa duração = estabelece engramas
duradouros (dias, semanas e até mesmo anos).
A memória também pode ser classificada quanto a sua natureza:
• Memória explícita ou declarativa = reúne tudo o que só
podemos evocar por meio de palavras ou símbolos. É
formada facilmente, mas pode se perder facilmente. Pode ser
episódica, isto é, específica, o que varia de indivíduo para
indivíduo e dependerá da sua trajetória de vida, ou semântica
que é compartilhada por muitas pessoas, fazendo parte da
cultura de um povo.
• Memória implícita = não precisa ser descrita com palavras.
Precisa de mais tempo e treinamento para se formar, mas é
mais duradoura. Possui quatro subtipos. Memória de
representação perceptual, que corresponde a imagem de um
evento, preliminar à compreensão do que ele significa.
Memória de procedimentos, relativa aos hábitos e as
habilidades e das regras em geral. Memória associativa,
quando nos faz associar um determinado comportamento a
um fato. Memória não associativa, quando sem sentir
aprendemos que um estímulo repetitivo não traz
consequências e provavelmente é inócuo ou que não oferece
perigo.
Um terceiro tipo de memória é a memória operacional, que
armazena temporariamente informações que serão úteis para o raciocínio
37
imediato e a resolução de problemas, ou para elaboração de comportamentos,
podendo ser esquecida logo a seguir. (LENT, 2010)
A memória registra experiências e fatos vividos e observados
podendo ser arquivados quando preciso. Isto faz da memória a base para a
aprendizagem. A aprendizagem é a aquisição de novos conhecimentos, e a
memória é a fixação ou a retenção desses conhecimentos adquiridos.
Uma estrutura cerebral crucial para a construção da memória é o
hipocampo. À medida que os neurônios do córtex recebem informação
sensorial, transmitem-na ao hipocampo. Somente após a resposta do
hipocampo é que os neurônios sensoriais começam a formar uma rede durável.
O hipocampo ajuda a selecionar os aspectos importantes e eventos
significativos serão armazenados. O hipocampo está ativado no
reconhecimento de novidades e das relações espaciais. Ele filtra dados, usa e
joga fora informações de curto prazo e se encarrega de enviar outras para
diferentes partes do córtex cerebral. Essas informações se entrelaçam e
passam a provocar o intercâmbio entre os neurônios. Neste momento o
hipocampo descansa, passando a trabalhar agora o lobo frontal. O lobo frontal
coordena todas as memórias, e é o responsável por guardar as informações,
bem como classificá-las de acordo com seus diferentes tipos. No lobo frontal as
memórias se completam dando origem ao raciocínio. Quando o indivíduo
vasculha a memória à procura de informações guardadas no córtex, é o lobo
frontal que é acionado. Muitas informações podem sobrecarregar o lobo frontal
gerando os famosos “brancos”. A idade, o estresse e a depressão também
afetam a memória. (RELVAS, 2009)
A memorização é um processo complexo e envolve reações
químicas e circuitos interligados de neurônios. O neurônio quando ativado
libera substâncias hormonais ou neurotransmissores que atingem outras
células nervosas por meio das ligações sinápticas. Quanto mais informações,
mais conexões, mais memória. As alterações provenientes da aprendizagem
são chamadas plasticidade. (RELVAS, 2009)
38
A aprendizagem pode ser entendida como um conjunto de
comportamentos que viabilizam os processos neurobiológicos e
neuropsicológicos da memória. A aprendizagem é o modo como se organiza a
informação, e em que momento necessário é possível aplicá-la na evolução
das conquistas humanas. É a ferramenta decisória na construção do
conhecimento. Enfrentar o mundo de informações apenas com a razão não é o
melhor caminho da adaptação do indivíduo ao meio que o circunda. A
aprendizagem é um compromisso fundamentalmente emocional. A alternativa é
aprender com a cabeça e o coração. Desta forma sempre se tem algo a dizer
sobre o que parece ter aprendido. A aprendizagem torna-se mais rica, e
verdadeira. A aprendizagem coloca em foco as diversas dimensões do
indivíduo sob uma visão integradadora do aspecto cognitivo, afetivo, orgânico e
social. A aprendizagem vai acontecer a medida que há significado nas
informações recebidas como resultado da integração no contexto social.
(RELVAS, 2009)
3.4. A Neuroplasticidade, a Aprendizagem Motora e a Criança
com Paralisia Cerebral
Estudos comprovam a hipótese sobre o desenvolvimento neural e a
aprendizagem em suas variadas formas, onde funções particulares de
processamento de informação são controladas por grupos específicos de
neurônios; porém, quando uma dessas funções fica inutilizada, os neurônios
associados a ela passam a controlar outra função. Quando as funções neurais
são limitadas os neurônios podem passar a controlar novas funções. A
plasticidade é mais comum em crianças por isso os exercícios orientados tem
por finalidade estimular sinapses nervosas para que ocorra um rearranjo
dessas informações neurais sejam elas sensitivas ou motoras adquirindo assim
novo controle e habilidades. (RELVAS, 2009)
As células gliais se comunicam com os neurônios e umas com as
outras sobre as mensagens trocadas pelas células nervosas. As células gliais
são capazes de modificar esses sinais nas fendas sinápticas entre os
neurônios e podem até mesmo influenciar o local da formação das sinapses.
39
Devido a essa proeza as células gliais podem ser essenciais para o
aprendizado e para a construção de lembranças, além de importantes na
recuperação de lesões neurológicas. A função das células gliais é cercar os
neurônios e mantê-los no seu ligar, além de fornecer nutrientes e oxigênio, e de
isolá-los um do outro, destruindo patógenos e removendo neurônios mortos.
Mantém a homeostase, formam mielina e participam na transmissão de sinais
no sistema nervoso. Produzem moléculas que modificam o crescimento de
dendritos e axônios, principalmente nas áreas do hipocampo e do cerebelo . No
sistema nervoso central em especial existem os astrócitos, também uma célula
glial, que alargam e proliferam de modo a produzirem mielina e moléculas que
inibem o crescimento de um axônio lesado. (MACHADO, 2004)
A interação da criança com o ambiente favorece a formação de
conexões nervosas e portanto a aprendizagem ou o aparecimento de novos
comportamentos que delas decorrem. A estimulação ambiental 'muito
importante para o desenvolvimento do sistema nervoso. A medida que a
criança for interagindo e sendo estimulada pelo ambiente e suas mudanças
novas sinapses vão se formando, além das já existentes, aprimorando as
habilidades motoras e sensitivas, permitindo o aparecimento de novas
capacidades funcionais. (COSENZA, 2011)
A maturação do sistema nervoso central do bebê ou da criança é
conquistada pelas experiências, pela forma como se movimenta, utilizando seu
corpo, sentindo e traduzindo em ações que a farão se adaptar ao meio.
Músculos são ativados e padrões posturais reforçados ou modificados,
gradualmente e habitualmente. A diferenciação neural produz especialização
de uma função e um novo comportamento. A maturação do sistema nervoso
central produz mudanças progressivas e contínuas na estrutura e na função
estando estreitamente correlacionados. (GESEL e AMATRUDA, 1987)
A lesão cerebral no seu estágio de maturação compromete a
integridade do organismo desviando o seu curso normal de desenvolvimento. O
bebê não consegue desenvolver respostas normais aos estímulos que recebe.
A perda ou comprometimento dos movimentos ou de órgãos especiais
40
impedem o comportamento normal de respostas e interfere na aquisição de
experiências. Os movimentos se farão de forma desordenada, com dificuldade,
constituindo atraso dos ganhos motores dentro do tempo previsto. Isto, porém,
não significa que não possam alcança-las. Neste caso busca-se promover a
habilitação da criança uma vez diagnosticado o problema. (GESEL e
AMATRUDA, 1987).
O cérebro pode promover a reconexão de circuitos neuronais
quando há uma pequena ou grande perda da conectividade. No entanto, para
uma grande perda onde há uma permanente perda da função, os estímulos
facilitadores de um padrão normal e os inibidores dos indesejados possibilitam
alguma reconstrução dessa conexão. (RELVAS, 2009)
O sistema nervoso de uma criança é mais plástico que o do adulto, e
favorece a atuação correta e eficaz sobre o fenômeno da plasticidade, e é
importante para o desenvolvimento da função motora/sensitiva facilitando o
processo da aprendizagem. (RELVAS, 2009)
A plasticidade do sistema nervoso central modifica sua estrutura e o
funcionamento em resposta a experiências e adaptações aos estímulos
repetidos. O potencial de recuperação funcional decorrente de uma lesão
cerebral vai depender dos fatores como idade, local, extensão e do tempo de
lesão. A recuperação das funções ou sua readaptação em uma lesão cerebral
deve ser medida por partes adjacentes de tecido nervoso que não foram
atingidos, e o efeito da lesão depende mais da quantidade de tecido poupado
do que da sua localização, pela alteração qualitativa de uma via nervosa
íntegra, controlando uma função que antes não era a sua, por meio de
estratégias motoras diferentes para realizar uma atividade sendo o movimento
recuperado diferente do original, embora o resultado final seja o mesmo. As
formas de regeneração do sistema nervoso central dependem do ambiente
tissular onde novos neurônios estão crescendo. As áreas motoras do sistema
nervoso central demonstram o princípio do brotamento e da sinaptogenese,
identificando no córtex e em outras áreas cerebrais, sugerindo ser esse um
fenômeno generalizado. O treinamento adequado demonstra haver
41
recuperação associado a progressos de reabilitação, visando à melhora na
habilidade sensório motora. (RELVAS, 2009)
O recém-nascido possui ¼ da massa cerebral de um adulto e já tem
todos os neurônios que precisará por toda vida. Os neurônios no decorrer da
maturação do sistema nervoso central se expandirão e se organizarão em
grandes redes de processamento. Os primeiros anos de vida da criança são
cruciais para o seu desenvolvimento. Todas as formas de estímulo físico e
sensorial contribuirão para um desenvolvimento significativo. O exercício e o
estímulo certo fortalecem conexões e propiciam à criança aumento na sua
capacidade de integração com o meio. (RELVAS, 2009)
Estruturas integrantes do sistema de recompensa e emocional
podem ser ativadas quando se executam atividades que causam prazer,
levando à motivação e a repetição de atos. As estruturas do sistema nervoso
que deverão ser acionadas são: córtex cingulado, córtex pré-frontal, núcleo
accumbens, hipotálamo, amigdala cerebral e o hipocampo (memória). Desta
forma a criança com Paralisia Cerebral pode responder com maior dinamismo
e eficácia tendo essas disposições internas ativadas, organizadas, reguladas e
direcionadas ao objeto específico do seu desenvolvimento global. A criança
com Paralisia Cerebral depende da contínua exposição às atividades e aos
estímulos de recompensa constantes. (RELVAS, 2012)
Existe sim uma plasticidade cerebral por toda vida. Nossos
neurônios são capazes de migrar para áreas cerebrais “vazias” e que
continuam nascendo todos os dias sob a influência de fatores de crescimento,
medicamentos, atividade física e desafios intelectuais a que são submetidos.
(RELVAS, 2012)
A aprendizagem motora estabelece ensinar ao indivíduo outras
possibilidades de movimento, aproveitando suas funções e melhorando seu
desempenho físico, na relação corpo e movimento. (RELVAS, 2012)
Aprender mais e mais e durante toda vida tornou-se uma exigência
dos tempos atuais. A potência cerebral e sua readaptação pode ser atingida
42
por meio de uma alimentação equilibrada, exercícios físicos e estimulação
cognitiva adequada. A plasticidade cerebral e suas possibilidades é um fato
importante para o desenvolvimento humano. É possível aprender ao longo da
vida em todos os aspectos dela. A neuroplasticidade é um dos maiores
avanços na reabilitação de pacientes com Paralisia Cerebral. (RELVAS, 2012)
43
CONCLUSÃO
O movimento é uma necessidade do corpo humano. Através dele o ser
humano vivencia suas experiências e aprimora sua resposta ao meio. O
movimento reforçado pelos exercícios físicos melhoram as condições metabólicas
e homeostáticas favorecendo os aspectos neurológicos, fisiológicos e psicológicos
como um todo.
O cérebro anseia por movimento seja em que condições estiver. E terá
sua maturação pautada nas reações e reflexos apresentados pelo bebê no seu
primeiro ano de vida principalmente. A criança normal gosta de se movimentar e
tem neste aspecto seu desenvolvimento adquirido. Com a criança portadora de
Paralisia Cerebral acontece da mesma forma, apesar das alterações tônicas e dos
padrões inadequados decorrentes da lesão, ela também sente necessidade de
movimento mesmo que isso incorra no reforço desses padrões. Porém, com o
advento da neuroplasticidade é permitido que essas crianças possam aprender e
reaprender atividades em um processo gradual onde cada conquista do dia-a-dia
deve ser valorizada, e o evento repetitivo associado à memória, motivação e a
emoção contribuem para o sucesso da sua reabilitação.
A neuroplasticidade permite pelas conexões neurais a modificação
estrutural e funcional do sistema nervoso mediante estímulos e desafios do
ambiente, das experiências de vida e de aprendizado, traumas e lesões sofridas.
Cada percepção captada pelo indivíduo reforçam redes de neurônios e sinapses
são ativadas, circuitos acionados, direcionados e redirecionados de acordo com a
interpretação desta informação e seu processamento.
A criança com Paralisia Cerebral apesar de interagir de modo
inadequado, pode através dos princípios da neuroplasticidade melhorar seu
desempenho motor e cognitivo com ajuda de exercícios básicos de postura e
movimento normais, que reforçarão novos engramas e circuitos cerebrais. Esses
exercícios devem ser repetidos dia-a-dia possibilitando assimilação por parte da
criança e do cérebro que passa a receber uma nova orientação; repercutindo
desta forma no seu bem estar e no aumento da sua qualidade de vida.
44
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA Geraldo P. de. AMARAL, Vasco M. M., RELVAS, Marta (org.). Do
Que Cérebro É Esse Que Chegou À Escola? - Bases Neurocientíficas da
Aprendizagem. Capítulos 1, 2 e 6. Rio de Janeiro: Wak, 2012.
BOBATH, Karel. Uma Base Neurofisiológica Para o Tratamento da Paralisia
Cerebral. São Paulo: Manole, 1984.
COSENZA, Ramon M. e GUERRA, Leonor B. Neurociência e Educação –
Como o Cérebro Aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.
FLEHMIG, Inge. Desenvolvimento Normal e Seus Desvios no Lactente –
Diagnostico e Tratamento Precoce do Nascimento até o Décimo Oitavo
Mês. São Paulo: Atheneu, 1987.
GESELL e AMATRUDA. Diagnóstico do Desenvolvimento. 3ª ed., São
Paulo: Atheneu, 1987.
HAYWOOD, Kathleen M., PHD e GETCHELL, Nancy. Desenvolvimento
Motor ao Longo da Vida. 3ª ed., Porto Alegre: Artmed, 2004.
JACOB, S. H. Estimulando a Mente do Seu Bebê. São Paulo: Madras, 2002.
LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios? - Conceitos Fundamentais de
Neurociência. 2ª ed., São Paulo: Atheneu, 2010.
____________. Neurociência da Mente e do Comportamento. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 2ª ed., São Paulo: Atheneu,
2004.
RASCH e BURKE. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1977.
45
RELVAS, Marta. Fundamentos Biológicos da Educação – Despertando
Inteligências e Afetividade no Processo da Aprendizagem. 4ª ed., Rio de
Janeiro: Wak, 2009.
Revista Mente e Cérebro – Cérebro em Movimento 1 – edição especial –
número 44 – seções 14 Mentes em Ação e 82 É Preciso Suar. Rio de Janeiro:
Duetto, 2014.
WERNER, David. Guia de Deficiências e Reabilitação Simplificada. Brasília:
Corde, 1994.
46
WEBGRAFIA
ABC da saúde. www.abcdasaude.com.br/educacao-fisica/cinesiologia-aimportancia-dos-
movimentos.
47
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I A Importância do Movimento no Desenvolvimento Humano 09 1.1. Cinestesia e Controle Motor 10 1.1.1. Cinestesia 10 1.1.2. Controle Motor 10 1.2. Benefícios da Atividade Física no Bem Estar Humano 16 CAPÍTULO II Neurodesenvolvimento Motor da Criança Normal e da Criança com Paralisia Cerebral 19 2.1. Desenvolvimento Motor da Criança Normal 21 2.1.1. Tabela de Desenvolvimento Físico – David Werner (1994) 24 2.2. Paralisia Cerebral 26 2.2.1. Classificação 26 2.2.2. Desenvolvimento Motor da Criança com Paralisia Cerebral 27 CAPÍTULO III Neuroplasticidade na Aprendizagem Motora da Criança com Paralisia Cerebral 31 3.1. Sistema Nervoso 31 3.2. Neuroplasticidade 33 3.3. Aprendizagem 35 3.4. A Neuroplasticidade, a Aprendizagem Motora e a Criança com Paralisia Cerebral 38 CONCLUSÃO 43 BIBLIOGRAFIA 44 WEBGRAFIA 46