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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA NATUREZA JURÍDICA DOS CRIMES ELEITORAIS Por: Luciana Souza Batista Orientador Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

NATUREZA JURÍDICA DOS CRIMES ELEITORAIS

Por: Luciana Souza Batista

Orientador

Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

NATUREZA JURÍDICA DOS CRIMES ELEITORAIS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Luciana Souza Batista

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir se os crimes eleitorais

possuem natureza jurídica de crimes políticos, ou seja, se são uma espécie de

destes. Para isso, assuntos como crimes em lato sensu, crimes eleitorais e

políticos vão ser definidos e estudados.

A natureza jurídica dos crimes eleitorais é controvertido na doutrina,

sendo que parte dela advoga no sentido de que são crimes especiais, por ser

afeto a um ramo específico do Direito, o Eleitoral, mas permanecem com a

característica de crime comum. Outra parcela já a entende como especial, e

sobretudo político, pelo fato de, na sua própria essência, ofender as

instituições democráticas consagradas pelo Estado.

A jurisprudência, que não é farta na abordagem do tema, tende a

classificar o crime eleitoral como comum, mas há quem sustente que estes

julgados não são claros suficientes neste posicionamento. A legislação

brasileira, por sua vez, é silente quanto à natureza jurídica dos crimes

eleitorais.

Pelo estudo travado para a produção do presente trabalho acadêmico,

chega-se a conclusão de que os crimes de competência da Justiça Eleitoral

brasileira são uma subespécie de crimes políticos. Isto porque ferem, em

suma, a liberdade e legitimidade do sufrágio, uma vez que a objetividade

jurídica dos crimes eleitorais diz respeito justamente à proteção destes

institutos com fulcro no interesse público.

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METODOLOGIA

Pesquisa bibliográfica a partir de autores como Suzana de Camargo

Gomes, autora do livro “Crimes Eleitorais”; Cezar Bitencourt, autor do “Tratado

de Direito Penal (Parte Geral I)”; Fávila Ribeiro, autora do “Direito Eleitoral”;

Tito Costa, autor do “Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral”; Nelson

Hungria, autor do “Comentários ao Direito Penal”; dentre outros.

Acrescenta-se aos estudos doutrinários, o posicionamento dos tribunais

brasileiros, mais especificamente julgados do Supremo Tribunal Federal; e, por

fim, o tratamento que os legisladores constituinte e originário dão ao tema.

Aula ministrada pelo procurador regional da República Artur de Brito Gueiros

Souza sobre crimes eleitorais em 2011, cedida pela Escola Judiciária Eleitoral

do Rio de Janeiro, também foi utilizada para embasar o presente estudo.

Por fim, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro disponibilizou

dados sobre o panorama político dos últimos anos no Estado que serviram

também como subsídio para o presente trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I - O que é crime? 09

1.1 O Estado como sujeito passivo 12

1.2 Diferença entre crime comum e crime político 13

CAPÍTULO II - O que é crime eleitoral? 17

2.1 Particularidades dos crimes eleitorais 19

CAPÍTULO III – Tem o crime eleitoral natureza jurídica de político? 24

CONCLUSÃO 31

BIBLIOGRAFIA 34

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas o país vivenciou um inegável avanço político,

somente possível com o fim da ditadura militar e a consequente promulgação

da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em 1988.

Conhecida como “Cidadã”1, a Carta Política deu, em seu artigo 1º, importante

passo ao constituir o país como um Estado Democrático de Direito.

O legislador constituinte conjugou a noção de Estado de Direito – que

impõe a todos os cidadãos, sejam administrados ou administradores, o

respeito à lei, tomada esta lato sensu, isto é, da norma de maior hierarquia

àquela de menor força normativa - com a de Estado Democrático – que traz

outros temas de igual relevância e descritos no próprio texto constitucional,

como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, todos conferindo

participação efetiva da sociedade no trato da coisa pública.

A democracia brasileira tem mostrado que é capaz de vencer batalhas

políticas, como a que levou ao impeachment de Fernando Collor, em 1992,

episódio este sempre citado para evidenciar o fortalecimento das instituições

democráticas. Outro exemplo, menos alardeado, é o aumento do número de

eleições suplementares realizados no país na última década. No Estado do Rio

de Janeiro, por exemplo, foram realizadas cinco eleições suplementares na

última década, nos municípios de Areal, Campos dos Goytacazes, Carapebus,

Mangaratiba e Magé. Os pleitos ocorreram, basicamente, quando ficou

comprovado, dentro dos dois primeiros anos do mandato, que o político

cometeu irregularidade que ensejava cassação do cargo eletivo.

Esta estabilização democrática, no entanto, não gerou uma diminuição

dos crimes eleitorais. Muito pelo contrário, percebe-se que, a cada pleito, mais

crimes são cometidos. A frase de William Shakespeare, em Macbeth2, “O

1 Grande opositor da ditadura, o político e advogado Ulysses Guimarães teve papel fundamental na promulgação da atual Carta Política, em 5 de outubro de 1988, chamada por ele de “Constituição Cidadã” devido a seus inegáveis avanços sociais. 2 Em Macbeth (1605), a ambição é o motivo que leva à conspiração contra a vida de um rei. Lady Macbeth, movida pelo desejo de vingança e pela ambição de tornar-se rainha, seduz Macbeth a cometer o assassinato do Rei Duncan, pretendendo assim herdar o trono. É a única peça de Shakespeare aparentemente relacionada à situação histórica da Inglaterra do século XVI.

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poder é a escola do crime” traduz bem o porquê. A luta pelo poder é inerente

ao homem e para conquistá-lo muitas vezes os meios utilizados estão em

dissonância com a ética e o respeito às leis.

E é justamente por este motivo, tendo como fulcro a preservação da

legitimidade da vontade do eleitor e a isonomia entre os candidatos ao evitar

os abusos de poder econômico e político, que o ordenamento jurídico

brasileiro, seja por meio do arcaico, mas em vigor, Código Eleitoral de 1965

(Lei 4.737/65) seja em legislação correlata, tipifica várias condutas como

criminosas, cuja competência é da Justiça Eleitoral.

O primeiro Código Eleitoral, de 1932, já definia vários crimes. No

entanto, mesmo antes disso, os códigos penais brasileiros, de 1830 e 1890, já

continham disposições penais eleitorais. Atualmente, além do Código Eleitoral,

de 1965, merecem destaques os delitos eleitorais esculpidos na Lei

Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades), alterada recentemente pela Lei

Complementar 135/10 (Lei da Ficha Limpa), e na Lei 9.504/97 (Leis das

Eleições).

As últimas eleições têm sido marcadas pelo aumento dos processos

criminais eleitorais resultando em um crescente número de condenações, as

quais deram ensejo à perda de mandatos políticos. Os dados das duas últimas

eleições municipais no Estado do Rio de Janeiro demonstram isso. Dos

prefeitos eleitos em 2004, nove foram cassados pelo Tribunal Regional

Eleitoral do Rio de Janeiro. Já referente aos eleitos em 2008, este número caiu

para cinco, mas mesmo assim expressivo3.

A Lei da Ficha Limpa, que surgiu por meio do instituto democrático da

iniciativa popular4, evidenciou o esforço da sociedade para coibir a candidatura

de políticos condenados não só com decisão transitada em julgada, mas que

tivessem um acórdão condenatório por órgão colegiado. O que vale dizer, por

decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), começa a valer para as eleições

municipais deste ano.

3 Os dados foram fornecidos pela Assessoria de Comunicação Social do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). 4 A LC 135/10 foi apenas a 4ª lei aprovada por iniciativa popular desde a promulgação da CRBF.

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Esta condenação não está restrita a crimes eleitorais, tema do

presente trabalho, mas abrange sim todas as hipóteses do artigo 1º, inciso I,

alínea “e”, da LC 64/90, alterada pela LC 135/10. No entanto, sua importância

é inequívoca para mostrar todo um esforço da sociedade, que a colocou em

voga por meio da iniciativa popular; do Poder Legislativo, que deu andamento

e aprovou por maioria absoluta a lei complementar; e do Poder Executivo, que

a sancionou.

O Poder Judiciário também teve papel relevante neste contexto.

Chamado a analisar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o Supremo

Tribunal Federal afastou a sua aplicação em 2010, por ofender o princípio da

anualidade, previsto no artigo 16, da CRFB, mas entendeu pela sua

aplicabilidade para os próximos pleitos, a começar, portanto, a valer para as

eleições municipais em 2012.

Se o Brasil consolida-se como um Estado Democrático de Direito, o

estudo dos crimes eleitorais torna-se fundamental para compreender como o

ordenamento brasileiro enxerga e gradua as infrações penalmente

sancionadas que dizem respeito ao processo eleitoral. A natureza jurídica dos

crimes eleitorais não é um tema pacífico na doutrina e nem na jurisprudência,

tendo o legislador silenciado acerca da questão.

Tal discussão e a consequência de se adotar uma posição sobre a

natureza jurídica destes crimes, comuns ou políticos, se tornam ainda mais

relevante em um momento no qual se roga, cada vez mais, por uma reforma

política. Isto inclui, inevitavelmente, uma profunda alteração do Código

Eleitoral, quiçá a criação de uma nova norma com a consequente revogação

da anterior.

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CAPÍTULO I

O que é crime?

A tarefa de responder a esta questão não é das mais simples, mas

dela depende o desenvolvimento do presente trabalho e do próprio estudo do

Direito Penal, uma vez que qualquer instituto jurídico-penal tem como

fundamento a noção de crime. Por isso, ele é tido como um conceito chave

dentro deste ramo do Direito. A doutrina divide a sua conceituação em

sistemas: formal, material e analítico.

Damásio de Jesus (pág. 150) explica que o critério formal deriva da

análise do crime sob o “aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei”.

Neste contexto, o crime era entendido como um fato típico e antijurídico, sendo

a culpabilidade um pressuposto da pena. A teoria, portanto, adotada era a

bipartida. O delito (considerado como sinônimo do termo crime) era definido

basicamente, segundo apontou Heleno Fragoso (pág. 140) como “toda ação

ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena”

Da definição acima, fica evidente que o conceito formal de crime é feito

tendo como base um imperativo legal vigente, ou seja, crime é tudo aquilo que

a lei define como tal. Na verdade não o define, mas sim explica onde se pode

encontrá-lo. Mostra-se relevante do ponto de vista de que, no ordenamento

jurídico brasileiro, nos artigos 5º, inciso XXXIX, da Constituição da Republica

Federativa do Brasil, e 1º, do Código Penal explicita-se: “não ha crime sem lei

anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”. A conceituação

formal, no entanto, é insuficiente.

Já o conceito material de crime se preocupa com o motivo que fez com

que o legislador determinasse como criminosa uma conduta humana. O ponto

chave é o seu conteúdo teleológico, ou seja, por que razão uma ação ou

omissão se torna uma infração penal sujeita, assim, a uma sanção. “É

importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns

fatos como criminosos”, acredita Damásio de Jesus (pág. 151). Posto que para

o doutrinador, sem isso “a criação de normas penais incriminadoras, sem

esquema de orientação ... viria a lesar o jus libertatis dos cidadãos”.

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Heleno Fragoso (pág. 144) definiu o delito, sob esta ótica, como um

“desvalor da vida social”. O que evidencia que, do ponto de vista material, os

bens protegidos pela lei penal ganham força, uma vez que o que se pretende

impedir e penalizar, caso ocorre, é a violação de um bem considerado

penalmente relevante e, por isso, tem de ser juridicamente tutelado.

Uma terceira conceituação de crime, tida como material moderno,

procura, na verdade, juntar os dois conceitos anteriores, entendendo que o

crime é um ato que tenha o condão de ofender ou pelo menos ameaçar um

bem jurídico protegido. Assim, Fragoso (pág. 145) define crime como uma “a

ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com

valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob

ameaça de pena". Sob este aspecto, fica evidente uma vinculação entre a

avaliação do que seja socialmente valioso da noção do bem jurídico tutelado.

Uma última e mais completa definição de crime está a cargo do seu

conceito analítico. Há duas formas de classificar analiticamente o delito. A

primeira, não mais aceita pela doutrina, é a bipartida5, na qual se conceitua o

crime como resultado de duas forças, uma física e outra moral. Bitencourt

(pág. 251) explica que “na forca física estaria a ação executória do dano

material do delito, e na força moral situar-se a culpabilidade e o dano moral da

infração penal”.

Já a conceituação analítica tripartida de crime é a, predominantemente,

adotada pela doutrina. O delito, portanto, é identificado como uma ação ou

omissão típica, antijurídica e culpável. Nelson Hungria (pág. 155) pondera, no

entanto, que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e ameaçado com

pena, ou seja, criminoso, mas, mesmo assim deixar, em determinada hipótese,

de acarretar a efetiva imposição de pena, como nas causas pessoais de

exclusão da pena (intitulado pela doutrina de escusas absolutórias) como no

furto familiar (art. 181, I e II, do Código Penal) e no favorecimento pessoal (art.

348, § 2º, do mesmo diploma legal).

5 Não confundir a divisão analítica bipartida e tripartida do crime com a divisão bipartida e tripartida das infrações penais, que são tópicos completamente diferentes.

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Enquanto a ação é uma atividade, a omissão seria a ausência de uma

ação, falta esta que se caracteriza como transgressão a uma expectativa

jurídica sobre um ato considerado necessário. Neste contexto, a conduta típica

seria a correspondência entre o fato concreto e o modelo abstrato previsto

expressamente na legislação penal.

A ilicitude (mais comumente chamada de antijuridicidade) é a

característica deste ato, que é juridicamente proibido, ou seja, ela irá se

configurar quando a conduta for típica e não estiver presentes as excludentes

de legítima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento de dever

legal e exercício regular de direito, conforme artigo 19 do Código Penal

brasileiro.

Já a culpabilidade é o juízo de reprovação social sobre a ação ou

omissão, pois, quando era esperado que o sujeito tomasse uma determinada

atitude, toma outra proibida em seu lugar. Todavia, a conduta, apesar de ser

vedada pelo ordenamento, não é reprovável quando o sujeito é inimputável,

quando não tem potencial consciência da ilicitude ou quando dele não se

poderia exigir do indivíduo conduta diversa.

A Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro (Decreto-lei 3.914/41),

por sua vez, definiu o crime da seguinte forma:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”

Da leitura do dispositivo acima, percebe-se que o legislador limitou-se

a destacar as características que diferem as infrações penais consideradas

crimes daquelas que constituem contravenções penais, as quais, como se

percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável.

Por fim, cabe acrescentar que não existe, entre os termos crime (delito)

e contravenção, nenhuma distinção ontológica, ou seja, referente a própria

essência destes institutos. Ambos são infrações penais. Um mesmo fato pode

ser considerado tido como crime ou contravenção, a critério do legislador, que

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irá definir a pena imposta, que constitui a única diferença determinada pela

LICP. Isto quer dizer que não há vedação alguma de um fato que hoje é tido

como contravenção se transformar, no futuro, em crime.

Ao contrário dos Códigos Penais de 1830, no seu artigo 2ª, § 1º, e do

ano de 1890, no artigo 7º; o atual Código Penal, de 1940 e que sofreu a

reforma penal de 1984, não define o que é crime. A doutrina, no entanto, critica

veemente a conceituação utilizada nestes textos legais pretéritos. “As

experiências anteriores, além de serem puramente formais, eram incompletas

e defeituosas, recomendando o bom-senso o abandono daquela prática.”

(Heleno Fragoso, em Lições do Direito Penal, na pág. 144)

1.1 O Estado como sujeito passivo do crime

A Teoria Geral do Crime é por demais extensa, passível de ensejar

inúmeros trabalhos acadêmicos. Não será, portanto, objeto de análise no

presente trabalho. Para esta monografia e com o intuito de auxiliar na resposta

se os crimes eleitorais têm natureza jurídica de crimes políticos, torna-se

imperioso reservar um espaço para abordar o papel do Estado com sujeito

passivo do crime.

Se for elementar que o sujeito passivo de um crime é o titular do bem

jurídico atingido pela conduta criminosa, não é tão evidente a olho nu que, sob

o aspecto formal, o Estado é sempre o sujeito passivo do crime, não de uma

maneira direta, mas de forma mediata em regra, como a doutrina costuma

intitular. Isto porque, conforme denominado por Damásio (pág. 171), o Estado

é “titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo”.

Assim, o Estado pode ser considerado sujeito passivo de todos os

crimes, previstos expressamente no ordenamento brasileiro por imposição do

princípio da reserva legal, tendo em vista o seu próprio interesse na

manutenção da ordem jurídica.

Bitencourt (pág 274) lembra que nada impede que o próprio Estado

seja o sujeito passivo imediato, “como ocorre quando o Estado é o titular do

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interesse jurídico lesado, como, por exemplo, segundo a doutrina majoritária,

nos crimes contra a Administração Pública”.

Como sujeito passivo do crime, o Estado, portanto, pode assumir

algumas posições definidas por Damásio (pág. 172):

• sujeito passivo mediato, personificação que se enquadra em qualquer

crime; exemplo: crime de estupro, em que é lesado diretamente um

interesse particular, que é a liberdade sexual;

• sujeito passivo único, quando há lesão a interesse exclusivo do

Estado; exemplo: crime de rebelião ou sedição;

• sujeito passivo, junto a outros sujeitos passivo em que se personifica a

autoridade ou a função do Estado, como nos atentado às autoridade

públicas, como estabelecido no artigo 1º, inciso III, da Lei de

Segurança Nacional;

• sujeito passivo, junto a outro sujeito passivo cujos interesses são

lesados no âmbito do interesse estatal, como no crime de moeda falsa,

prevista no art. 289, do Código Penal.

1.2 A diferença entre crime comum e crime político

O conceito de crime político tem sido enfocado na doutrina sob dois

ângulos diversos. Alguns autores partem da natureza do bem jurídico tutelado

e dizem político todo crime que lesione ou ameace lesionar a estrutura política

vigente em um país. Outros, no entanto, levam em consideração a razão que

deflagrou o agente à ação ou omissão delituosa e classificam como político

todo crime que apresenta uma motivação desse caráter.

Carlos Eduardo Japiassú e Artur Gueiros (pág. 117) apontam a

dificuldade na definição do que seja crime político, em particular quando o ato

de inconformismo político é externado por intermédio de fatos tipificados na

legislação comum:

Em linhas gerais, há três critérios de aferição: (1) político é aquele que atinge um bem ou interesse jurídico de natureza político, como, por exemplo, a organização do Estado; (2)

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crime político será aquele motivado por razoes ideológicas, independentemente de estar capitulado na legislação comum; e (3) concepção mista, ou seja, crime político é tanto aquele que atenta contra bens jurídicos da organização político-social como o motivado por razoes político-ideologicas. (Japiassú e Souza, pág. 117)

Tito Costa (pág. 29), por sua vez, acredita que o crime político tem uma

abrangência ampla, “configurando ofensa à ordem política ou político-social,

em geral, tipificada pela transgressão de leis especiais reguladoras da

segurança do Estado e do comportamento do indivíduo em suas relações com

aqueles”.

Já Carlos Velloso e Walber Agra (pág. 326) definem crimes políticos

como aqueles cometidos por motivações políticas, “atentando contra cidadãos

ou contra instituições governamentais, diferenciando-se dos crimes normais

pelo elementos subjetivo – o motivo que levou á sua concretização – e pelo

bem atingido”.

Para conceituar o crime político, entretanto, costuma-se buscar

subsídios na Lei 7.170/83, que define os crimes contra a Segurança Nacional e

a Ordem Política e Social, estabelecendo o processo respectivo. Embasados

na jurisprudência e nesta norma específica, afirma-se que haverá crime

político, toda vez que, na conduta, estiverem presentes os requisitos do art. 2º

da Lei 7.170/83, que abarca o artigo 1º da mesma norma:

Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União. Art. 2º - Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei: I - a motivação e os objetivos do agente; II - a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.

Pela leitura dos artigos acima, percebe-se que a materialidade da

conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão, entre

outros, a regime representativo e democrático, de maneira que, ainda que a

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conduta esteja tipificada na Lei 7.170/83, será preciso que se lhe agregue

outro fator de configuração deste crime: a motivação e objetivos políticos.

A Lei 6.815/80 no artigo 77, §3°, no entanto, faculta ao Supremo

Tribunal Federal a desconfiguração, como crime político, dos atentados contra

chefes de Estados estrangeiros ou quaisquer de suas autoridades. Esta

discricionariedade também é atribuída à Corte Política nos casos de atos de

anarquismo, terrorismo, sabotagem, sequestro de pessoa, ou condutas que

importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a

ordem política ou social.

Também no regime constitucional anterior, em disposição excepcional e

justificada pelo regime político ditatorial, a competência para decisão das lides

referentes a segurança nacional ficou destinada à Justiça Militar. Assim

dispunha o art. 129, §1°, da Constituição de 1969:

"À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas. § 1º Esse foro especial estender-se-á aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares."

Por sua vez, a própria Lei 7.170/83, em seu art. 30:

"Art. 30 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a competência originária do Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição. Parágrafo único - A ação penal é pública, promovendo-a o Ministério Público.”

Por óbvio, esta última norma não foi recepcionada pela Carta de 1988. A

Lei de Segurança Nacional deve se compatibilizar com o sistema de

competências determinado pelo art. 109 da atual Constituição brasileira,

detidamente em seu inciso IV, de modo que cabe ao Supremo Tribunal

Federal6 julgar seu recurso ordinário, conforme dispõe o artigo 102, II, “b”, não

cabendo, portanto, apelação.

6 Isto significa que vai direto para o Supremo Tribunal Federal. Tourinho defende que esta é uma hipótese em que o STF poderia fazer duplo grau de jurisdição.

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Ou seja, o julgamento dos crimes políticos cabe à Justiça Federal,

ressalvados, por sua natureza específica, os crimes tipicamente militares,

definidos no Código Penal Militar, e os crimes propriamente eleitorais, mesmo

prevalecendo a tese da natureza política destes delitos.

Vale ressaltar que a CRFB/88 trata expressamente do termo crime

político em apenas duas hipóteses. Além de disciplinar sobre competência, a

Carta Magna determina, no artigo 5º, inciso LII, a vedação da extradição7 de

estrangeiro em caso deste tipo de crime.

Além da Constituição, outros diplomas legais brasileiros trazem

importantes consequências dos crimes políticos, como a impossibilidade de se

configurar a reincidência, que ocorre quando o agente volta a praticar um delito

depois de ter sido condenado, por conduta anterior, com decisão transitada em

julgado, nos termos do Código Penal, no artigo 64, inciso II.

Esta vedação é relevante uma vez que o instituto da reincidência é

previsto em diversas hipóteses no ordenamento jurídico, por exemplo, no artigo

61, inciso I, do Código Penal, como uma circunstância agravante na dosimetria

da pena.

Outra consequência é a falta de obrigatoriedade8 de o preso político

trabalhar, no termos do artigo 200, da Lei de Execução Penal (LEP). O

trabalho para o condenado comum à pena privativa de liberdade é obrigatório,

nos termos do artigo 31 do mesmo dispositivo legal, na medida de suas

aptidões e capacidade.

7 Processo pelo qual um Estado solicita e obtém de outro a entrega, sob certas condições, de uma pessoa condenada ou suspeita de infração criminal. 8 O procurador Artur Gueiros acredita ser difícil entender a men legislatori deste artigo, uma vez que o trabalho, sob a ótica da execução penal brasileira, é tida como um dos pilares para a ressocialização do preso.

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CAPÍTULO II

O que é crime eleitoral?

Pelo exposto no capítulo anterior, não resta dúvida de que o crime

eleitoral é, pelo conceito formal, uma conduta considerada típica na legislação

eleitoral e por ela sancionada penalmente. Carlos Velloso define crimes

eleitorais como “infrações cometidas contra as disposições eleitorais, sendo,

em razão de sua gravidade, classificadas como tipificações penais”. (Veloso e

Agra, pág. 326)

Os delitos eleitorais estão previstos no Código Eleitoral brasileiro, que

possui um capítulo específico sobre o tema, que vai do artigo 289 ao 354, além

de diversas leis penais extravagantes, com destaque para a Lei Complementar

64/90 (Lei das Inelegibilidade), em seu artigo 25; Lei 6.091/74, sobre

fornecimento gratuito de transporte no dia do pleito, em seu artigo 11; e a Lei

9504/97 (Lei das Eleições), com as alterações advindas com a Lei 11.300/06 e

Lei 12.034/09.

O procurador de Justiça e professor Joel José Cândido relembra que

antes da Lei das Eleições, época que se editava uma lei para cada pleito, era

comum o surgimento de figuras criminosas novas, a cada ano, no próprio seio

destas novas normas jurídicas.

Muitas dessas figuras eram iguais às constantes do Código Eleitoral, e, outros, ligeiramente diferentes, e, outras ainda, totalmente diversas, caracterizando-se ainda, como crimes novos. Eram, porém, leis penais especiais, de vigência temporária (CP, artigo 3º) e que, a princípio, não passavam a integrar o ordenamento jurídico eleitoral permanente (Cândido, pág. 280)

Sob o aspecto material, no qual se destaca os bens jurídicos tutelados

pela lei penal eleitoral, são crimes eleitorais aqueles consubstanciados na

liberdade do exercício dos direitos políticos, na autenticidade e legitimidade

das eleições. Isto e, toda ação omissão típica, ilícita e culpável, que pode

ensejar uma sanção por previsão legal, que atentem contra os bens jurídicos

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expressos no exercício dos direitos políticos9 e na regularidade do processo

eleitoral e legitimidade da vontade popular.

A desembargadora federal Suzana de Camargo Gomes (pág. 27) define

de forma bastante satisfatória o que se pode compreender por crime eleitoral:

São, assim, crimes eleitorais todas aquelas condutas levadas a efeito durante o processo eleitoral e que, por atingirem ou maculares a liberdade do direito de sufrágio, em sua acepção ampla, ou mesmo os serviços e desenvolvimento das atividades eleitorais, a lei a reprimiu, infligindo a seus autores uma pena. Consiste, desta forma, em condutas delituosas que podem se revelar nas mais diferentes formas, indo desde aquelas que conspurcam a inscrição de eleitorais, a filiação a partidos políticos, o registro de candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, ate aquelas que violam a apuração dos resultados e diplomação de eleitos.

Cabe ressaltar que as definições de crime eleitoral, dadas pela

doutrina, de maneira geral, levam em consideração a objetividade jurídica, ou

seja, aquilo que o Direito visa à tutelar por meio do tipo penal.

Interessante o conceito de crimes eleitorais do doutrinador português

Carlos Fraga (apud Suzana Gomes, pág. 27) que se refere a “condutas ilícitas

que demonstrem um ausência censurável de interiorização dos valores

democráticos, aferida pelas suas consequências no cabal cumprimento do

princípio”.

Em resumo, são violações às normas que tratam das diversas fases e

procedimentos do processo eleitoral e carregam, consigo, os valores referentes

a liberdade do exercício do voto e regularidade do processo eleitoral e,

portanto, ferem as instituições democráticas.

Vale ressaltar que, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos

estrangeiros, o controle da regularidade e legitimidade do processo eleitoral no

Brasil é feita por um segmento especializado do Poder Judiciário, intitulado

9 Vale ressaltar que pelo glossário disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral, direitos políticos ou direitos de cidadania são definidos como “o conjunto dos direitos atribuídos ao cidadão, que lhe permite, através do voto, do exercício de cargos públicos ou da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais, ter efetiva participação e influência nas atividades de governo.” São divididos em ativo e passivo: o primeiro, como definido acima esta relacionado com o direito de votar, seja para escolha de um representante, seja para aprovar atos dos representantes eleitos por meio de plebiscito ou referendo; o segundo refere-se a capacidade de ser votado, ou seja, ser candidato a um cargo eletivo.

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Justiça Eleitoral. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, este controle é

feito pelo próprio Poder Legislativo.

Assim, no Brasil, cabe a Justiça Eleitoral a preparar e conduzir o

processo eleitoral assim como velar pela regularidade da votação. O Tribunal

Regional Eleitoral do Rio de Janeiro tem, por exemplo, como missão “garantir a

legitimidade do processo eleitoral e o livre exercício do direito de votar e ser

votado, a fim de fortalecer a democracia” e visão “ser reconhecido pela

prestação de serviços eleitorais de qualidade por meio da gestão efetiva de

seus processos internos”.

A principal crítica que a doutrina faz sobre o tema “crimes eleitorais” é

a ausência de uma sistematização dos crimes eleitorais. Há 57 figuras

criminosas no Código Eleitoral, além de outros tipos em diplomas eleitorais

diversos. O procurador Artur de Brito Gueiros Souza, em palestra no curso de

Direito Eleitoral da Escola Judiciária Eleitoral em 2011, fala que muitos

doutrinadores chegam a afirmar que há uma “colcha de retalhos”, incluindo leis

esparsas que refletem épocas diversas.

O que se almeja, portanto, é uma consolidação, por meio de uma lei

penal eleitoral de todos os crimes eleitorais. Em verdade, espera-se que a tão

almejada Reforma Política, que tramita há tempos no Congresso Nacional e é

tema frequente na mídia, quando sair do papel, venha a resolver a presente

falta de consolidação da legislação penal eleitoral.

2.1 Particularidades dos crimes eleitorais

Os crimes eleitorais possuem uma série de características próprias.

Primeiramente, vale ressaltar que, ao contrário dos tipos penais previstos no

Código Penal, os delitos do Código Eleitoral, assim como nas demais normas

nas quais se prevê tipos penais eleitorais, não possuem um nomen yuris.

Todos os crimes eleitorais são dolosos por ausência de previsão da

forma culposa. Todos também são de ação penal pública incondicionada,

também por falta de outras previsões. O que inclui os crimes ofensivos a

honra. Excepcionalmente, por desídia do Ministério Público, pode haver ação

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penal privada subsidiária da pública, conforme dispõe o art. 100, § 3º, do

Código Penal. O representante do Ministério Público Eleitoral, de acordo com o

procurador regional da República Artur Gueiros, pode responder pelo crime do

artigo 342 do Código Eleitoral.

Por serem crimes de ação pública incondicionada, qualquer pessoa do

povo, ao tomar conhecimento da prática delituosa, pode, por escrito ou

verbalmente, comunicar o fato ao juiz eleitoral local. Este magistrado deverá

remeter a notícia-crime ao Ministério Público Eleitoral ou, se entender

necessário, à polícia judiciária eleitoral, para a abertura do inquérito policial, ou

se o crime for de menor potencial ofensivo (quando a pena máxima é igual ou

inferior a dois anos), para a instauração de termo circunstanciado de

ocorrência.

Outra particularidade dos crimes previstos no Código Eleitoral é que a

pena mínima não vem indicada junto a pena máxima logo após a descrição do

tipo, no preceito primário, uma opção do legislador infraconstitucional. Ele

preferiu indicar o grau das sanções pelo artigo 284 do mesmo diploma, sendo

15 dias no caso de detenções e 1 ano nas reclusões.

Mais uma particularidade destes crimes é que eles possuem sistema

punitivo especial. Exemplos disso são a pena de suspensão da atividade

eleitoral e pena de cassação de registro, artigos 334 e 336, p. ú., do Código

Eleitoral. O legislador entendeu que certas infrações eleitorais, pela sua

gravidade, deveriam, por exemplo, ensejar a proibição de se pleitear a um

cargo eletivo.

De forma equivocada, a legislação eleitoral não previu penas restritivas

de direito, mas com a possibilidade de transação penal dos crimes eleitorais,

torna-se viável a imposição deste tipo de pena pelo juiz na sentença penal

condenatória.

A doutrina costuma dividir os crimes eleitorais em puros ou específicos

e acidentais. Os primeiros são aqueles que só estão previstos dentro da

legislação eleitoral, como o primeiro do rol dos crimes do Código Eleitoral, do

artigo 289, que dispõe “inscrever-se fraudulentamente eleitor”. Já os acidentais

têm previsão na legislação eleitoral quanto em outro diploma legal, ou seja,

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não são exclusivos do Direito Eleitoral. Exemplo são os crimes contra a honra,

previstos tanto nos artigos 324 (calúnia), 325 (difamação) e 326 (injúria) do

Código Eleitoral, quando ocorridos no âmbito da propaganda eleitoral, como

nos artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do Código Penal.

Em regra os crimes eleitorais são classificados como formais, ou seja,

há a descrição da conduta e resultado, mas o resultado não é necessário para

a sua configuração. Ou seja, explica Joel Cândido (pág. 286) que os crimes

formais podem ser definidos como sendo aqueles que “se concretizam com a

simples atividade ou comportamento do agente, independentemente de

eventuais efeitos ou consequências de ordem naturalística no mundo exterior,

isto é, externos à própria ação.” O procurador Arthur Gueiros justifica esta

característica atrelando-a a necessidade de se tutelar, com mais eficácia, os

delitos eleitorais.

O fato da configuração do delito prescindir do resultado dificulta a

caracterização da tentativa. A frequente previsão de crime de atentado ou

empreendimento, que ocorre quando, no preceito primário, a tentativa também

é punível, demonstra como a figura da tentativa, nos termos do artigo 14,

inciso II, do Código Penal, não é comum, até porque não cabe tentativa da

tentativa.

Alguns exemplos de tipos penais eleitorais de atentado são o artigo

309: “votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outro”; e o artigo

312: "violar ou tentar violar o sigilo do voto”, ambos do Código Eleitoral.

Vale ressaltar que, como regra, no ordenamento jurídico, é difícil

encontrar os crimes de atentado. No Código Penal, por exemplo, há apenas,

pouquíssimos tipos penais com esta característica. A exceção é a Lei de

Segurança Nacional (Lei 7.170/83), nas quais muitos tipos penais, na sua

redação contemplam a tentativa, que ocorre quando há conduta e há o início

de execução da ação delituosa, mas o resultado não sobrevém por fatores

alheios à vontade do agente.

A constância dos crimes de atentado na Lei de Segurança Nacional é

evidenciada inclusive pela redação do artigo 3º: “Pune-se a tentativa com a

pena correspondente ao crime consumado, reduzida de um a dois terços,

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quando não houver expressa previsão e cominação específica para a figura

tentada” (grifo nosso).

Interessante observar que justamente nos dois diplomas que prevêem

crimes cujos bem jurídico tutelado é o regime democrático - o Código Eleitoral

e a Lei de Segurança Nacional - o legislador optou por inserir os crimes de

atentado. O que denota uma nítida preocupação legislativa em adotar uma

postura mais firma no combate a estas infrações penais.

O sujeito passivo dos crimes eleitorais é sempre o Estado, devido ao

conceito estabelecidos a estes delitos, que têm como base a objetividade

jurídica, que é a tutela da liberdade e do exercício dos direitos políticos.

Eventualmente, um particular pode se configurar, conjuntamente com o

Estado, na posição de sujeito passivo. Isto ocorre, por exemplo, nos crimes

contra a honra de calúnia, difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos

artigos 324, 325 e 326 do Código Eleitoral.

Fávila Ribeiro (pág. 558) adota uma classificação interessante para os

crimes eleitorais, que são: a) os lesivos à autenticidade do processo eleitoral;

b) os lesivos ao funcionamento do serviço eleitoral; c) os que afrontam a

liberdade eleitoral; e d) os que dizem respeito aos padrões éticos ou

igualitários nas atividades eleitorais. Suzana de Camargo Gomes (pag. 59)

também adota uma classificação parecida, dividindo os crimes eleitorais por

categorias relativas ao direcionamento da norma.

Joel José Cândido (págs. 282-283), por sua vez, apresenta a seguinte

classificação: crimes conta a organização administrativa da Justiça Eleitoral;

contra os serviços da Justiça Eleitoral; contra a fé pública eleitoral; contra a

propaganda eleitoral; contra o sigilo e exercício do voto; e contra os partidos

políticos.

Mesmo sendo a autora de uma elogiada classificação pela doutrina,

Fávila Ribeiro alerta sobre a dificuldade do trabalho:

É tarefa que se revela sobremodo difícil, dado que as categorias delituosas nem sempre se ajustam comodamente aos esquemas propostos, pois vária são as hipóteses que apresentam aspectos complexos, irradiando-se de uma para a outra direção, tendo-se de determinar os pontos preponderantes. (Ribeiro, pág. 623)

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O artigo 364 do Código Eleitoral trata dos crimes conexos (comuns e

eleitorais). É uma regra especial que atrai a competência da justiça Eleitoral

para o julgamento do crime comum, que é conexo. Ramayana (pág. 443)

exemplifica a denúncia por crime de mapismo (artigo 315, do CE) e por

quadrilha (artigo 288, do CP). Neste caso a petição inicial deve ser oferecida

perante o juiz eleitoral do local do fato, como dispõe o artigo 70 do Código de

Processo Penal, ou seja, o juízo da zona eleitoral onde está abrangido o bairro

no qual foram praticados os delitos.

De acordo com os artigos 287 do Código Eleitoral e 12 do Código

Penal, este último diploma se aplica subsidiariamente ao primeiro. Assim o CP

é tido como fonte secundária do direito penal eleitoral.

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CAPÍTULO III

Tem o crime eleitoral natureza jurídica de crime político?

Definir natureza jurídica não costuma ser das tarefas mais fáceis. A

doutrinadora Maria Helena Diniz, no livro Curso de Direito Civil Brasileiro,

conceitua o termo como a "afinidade que um instituto tem em diversos pontos,

com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de

classificação". Assim, definir a natureza jurídica de um instituto significa

determinar sua essência para classificá-lo num universo de figuras existentes

no Direito. É uma forma de localizar tal instituto topograficamente, identificando

em qual gênero ele pertence, numa relação espécie-gênero.

Para Maria Helena Diniz, por exemplo, a natureza jurídica da Caixa

Econômica Federal, ou seja, sua essência é uma sociedade de economia

mista. Muitas vezes, o instituto não é espécie de nada, pelo fato de ele ser o

gênero, daí se dizer que ele é sui generis, como a natureza jurídica da Ordem

dos Advogados do Brasil (OAB), posto que única em seu gênero.

O presente trabalho visa a responder a pergunta do título deste

cápitulo com base em tudo que até então foi abordado nesta monografia.

Pretende, portanto, identificar qual a natureza jurídica dos crimes eleitorais.

Que ele tem natureza de crimes especiais, não resta dúvida, uma vez que está

disciplina por um ramo específico dentro do ordenamento jurídico que é o

Direito Eleitoral.

O tema é controvertido quanto o enquadramento do crime eleitoral

como comum ou político. Primeiramente vale ressaltar que o legislador não se

preocupou em dirimir esta questão, uma vez que não conceitua estes termos.

Ao tratar o tema, busca-se, como já narrado anteriormente, a Lei de Segurança

Nacional para tratar de algumas diretrizes acerca do tema. O legislador

constituinte também não tomou para si tal função, citando expressamente o

termo crime político em apenas duas oportunidades sem se preocupar em

defini-lo. No mesmo sentido, não houve definição pelo Poder Legislativo do

que é crime eleitoral. Tais tarefas foram deixadas a cargo da doutrina e da

jurisprudência.

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A doutrina não é pacífica. A desembargadora Suzana de Camargo

Gomes chama a atenção para o fato de a Constituição brasileira estabelecer

que o preenchimento dos cargos eletivos do Poder Executivo e Poder

Legislativo decorre da manifestação do povo nas urnas eletrônicas, e como

consequência direta desta previsão constitucional,

(...) tem o Estado peculiar interesse no sentido de que a vontade dos cidadãos, manifestada através do voto de forma lídima, seja respeitada, dado que somente assim serão alçados aos postos representativos aqueles que legitimamente foram escolhidos, resguardando-se, por conseguinte, as instituições democráticas (Gomes, pág. 37)

Este argumento é suficiente para enquadrar o crime eleitoral como

espécie de crime político, uma vez que as condutas delituosas previstas na

legislação eleitoral ferem justamente as instituições democráticas. O

doutrinador Nelson Hungria, em Comentários ao Código Penal (pág. 187),

sabiamente defende esta posição ao afirmar que os crimes eleitorais “são

dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como

unidade orgânica das instituições políticas e sociais”.

Neste contexto, o voto deve ser entendido mais do que um direito

individual de cada cidadão, mas sim uma função pública. Assim se é um direito

votar, também é um dever a capacidade política ativa. A tutela penal eleitoral

está, portanto, no interesse das instituições representativas, isto é,

(...) no sentido da regularidade de atuação do Estado segundo o regime democrático indireto, cujo êxito está conceitualmente subordinado ao voto popular na seleção da elite ou dos right men a que devem ser confiadas a elaboração das leis e a suprema gestão da coisa pública. (Hungria, pág. 187)

A desembargador Suzana Gomes (pág. 38-39) afirma que a doutrina

estrangeira também acredita que ter os crimes eleitorais natureza de políticos.

(...) destaque a posição de Alberto Zucchetti ao afirmar que ‘trata-se, pois, de crimes de conteúdo objetivamente político, ex vi art. 8, última parte, CP, porque ofendem ou um interesse político do Estado ou um direito político do cidadão. De fato, o bem protegido por tal norma é o interesse do Estado ao correto

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desenvolvimento das consultas eleitorais nos vários momentos em que as consultas são preparadas e realizadas’.

Fávila Ribeiro também defende que a natureza dos crimes eleitorais é

uma subespécie dos crimes políticos, que os subdividiria ainda em crimes

militares. Para a doutrinadora, a inclusão dos crimes eleitorais na esfera de

especialização política não decorre somente da atitude assumida pelo

legislador de excluí-los do Código Penal, e inseri-lo em legislação especial,

mas sim “devido à própria natureza dos crimes eleitorais, afetando diretamente

as instituições representativas, estruturas básicas da organização política

democrática, que impõe sejam reconhecidos como crimes políticos.” (Ribeiro,

pág. 620)

No Estado democrático brasileiro, o poder emana do povo, como

determina o artigo 1º, p. ú, da Constituição de 1988. Na verdade, este poder

está nas mãos do conjunto de 138.242.323 cidadãos brasileiros, segundo

dados do Tribunal Superior Eleitoral referente a abril de 2012, que tem a

capacidade eleitoral ativa, ou seja, o direito-dever do voto. Previsto no artigo 14

da CRFB, o poder de sufrágio, segundo Fávila Ribeiro (pág. 620), “constitui o

órgão político primário, pelo qual, de modo exclusivo, é exercida a soberania

popular, para deliberar diretamente ou para eleger representantes”.

Vale ressaltar que nas duas alternativas democráticas, apontadas acima

pela doutrinadora, é intrínseca a manifestação dos cidadãos, estes entendidos

como todos aqueles que já requereram o alistamento eleitoral, tornando-se a

apto a votar. Muito bem se posiciona Fávila Ribeiro (pág. 621), para quem “o

sufrágio popular é, portanto, a energia política que vai assegurar o

funcionamento de instituições governamentais”.

É terminantemente contrário à democracia e ao ordenamento jurídico

brasileiro qualquer tipo de encobrimento da atividade do sufrágio, uma vez que

nela repousa a força vital do próprio regime político. Não é a toa que a

Constituição da República Federativa do Brasil classificou o “voto direto,

secreto, universal e periódico” como cláusula pétrea, no artigo 60, § 4, inc. II,

ou seja, não passível de qualquer proposta de modificação tendente a abolir

este direito.

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O voto no Brasil é, via de regra, obrigatório. Ao impor este dever o

Estado tem criar condições para garantir a liberdade individual de participação

política. Mesmo se a regra fosse o voto facultativo esta proteção teria de ser

assegurada pelas instituições brasileiras, num Estado onde o povo é o detentor

do poder. Nelson Hungria (pág. 187) pondera, que “ao cidadão há de sempre

ficar, necessariamente, a faculdade ou liberdade de escolha dos candidatos

aos cargos eleitorais”.

Portanto, vale ressaltar, que a obrigatoriedade, em última instância, é

no sentido do comparecimento no local de votação e “atuar” na urna, o que

não é sinônimo necessariamente de escolher um representante, já que nela

estão as teclas Branco e a possibilidade ainda de apertar numero que não está

atrelado a nenhum candidato ou partido.

A cláusula pétrea do artigo 60, da Constituição brasileira, é justamente

um exemplo da preocupação de se respeitar e fortalecer a possibilidade do

exercício do voto. Mas não pode acabar por ai. Os atentados contra o processo

eleitoral foram tema de legislação eleitoral, que previu um série de tipos penais

e sanções, de multa a pena privativa de liberdade. Isto porque tem o condão

de atingir diretamente a ordem política do Estado.

Outro exemplo de cuidado com o tema é que matérias que dizem

respeito ao Direito Eleitoral não podem ser criadas, modificadas ou excluídas

mediante medidas provisórias, como prevê o artigo 62, § 1º, alínea “a”, da

Constituição da República, e nem por leis municipais ou estaduais, mas tão

somente por leis federais. Isto porque a Carta Política estabeleceu,

privativamente, a União competência para legislar sobre a matéria, no artigo

22, inc. I.

Para a doutrinadora Fávila Ribeiro, os crimes políticos podem ser

dividido em duas categorias, uma que diz respeito aos crimes contra a

segurança nacional e a ordem política e social, mas também uma específica

na qual se enquadram os crimes eleitorais. Neste mesmo sentido, é o

entendimento do procurador regional eleitoral Artur Gueiros, em aula na sede

do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro:

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Os crimes eleitorais devem ser compreendidos como crimes políticos de segunda linha. Não visam, em termos imediatos, a mudança de um regime político ou a forma de governo, mas tem natureza política por atingir o bem jurídico relacionado a garantia da investidura dos cargos eletivos e legitimidade dos representantes dos poderes Legislativo e Executivo.

Assim, pode-se dizer que os crimes políticos podem se enquadrar sob

duas perspectivas, uma nos que atentam contra a segurança do Estado, isto é

sua integridade territorial e sua independência com relação aos demais

Estados; e outra que diz respeito ao sistema democrático, a legitimidade do

poder político, o exercício dos direitos político, o que inclui a capacidade

eleitoral passiva e a ativa. Assim, não resta dúvida de que os crimes eleitorais

estão inseridos nesta segunda perspectiva.

Apesar de existir importantes doutrinadores que classificam os crimes

eleitorais como políticos, há diversos que assim não entendem. Suzana Gomes

nomeia alguns, como Sebastião Oscar Feltrin, e Antonio Carlos Mathias Coltro,

assim como Joel José Cândido e Celso do Mello.

Em linhas gerais, o que estes doutrinadores defendem é que os delitos

eleitorais “visam apenas a proteger o processo eleitoral, o direito dos partidos e

dos cidadãos”, sendo que os agentes destas condutas objetivam somente

“fraudar o processo eleitoral, um direito individual ou tentar contra a

administração da Justiça Eleitoral” (Suzana Gomes, pág. 39). Para esta

corrente, assim, os tipos eleitorais não têm como objetividade a defesa do

Estado, mas apenas alguma vantagem durante o processo eleitoral.

O procurador de Justiça Marcos Ramayana (pág. 438) também neste

sentido se posiciona: “os crimes eleitorais atingem não a organização do

processo democrático eleitoral, atingindo os direitos públicos políticos

subjetivos ativos e passivos e a ordem jurídica da relação pública da

legitimidade política dos mandatos eletivos”.

Estes doutrinadores, acima citados, entretanto, não levam em

consideração de que qualquer ataque ao processo eleitoral tem reflexos

irrefutáveis na ordem política do Estado. Isto porque os crimes eleitorais, para

Ortolan (apud Fávila Ribeiro, pág. 622):

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(...) não assumem relevância pelo simples fato de estar sendo atingido um eleitor quando da manifestação de sua preferência em relação a um candidato ou partido, mas está sendo atingida a própria instituição política, que tem seus representantes designados a partir da vontade popular.

O argumento de que os crimes eleitorais, por se enquadrarem no

direito penal especial, não tira por si só a sua natureza de ilícito político, até

porque uma coisa é a topologia e competência dos órgãos para julgamento,

outra é a sua própria natureza jurídica, ou seja, sua essência.

Com relação à jurisprudência, uma decisão do Supremo Tribunal

Federal de relatoria do ministro Celso Antônio Bandeira de Melo (RTJ

33/509;63/5-6) sempre é citada pelos que defende a natureza jurídica de crime

comum dos crimes eleitorais. Mas, na verdade, a intensão desta Corte política,

nestes e em outros julgados sobre o tema, foi afirmar que os crimes eleitorais

não são crimes de responsabilidades e sim de crimes comuns.

O que se pretendeu, portanto, fazer foi apenas uma diferenciação

entre crimes de responsabilidade e crimes comuns, justamente para enfatizar

que a competência para julgamentos dos crimes eleitorais não é de orgãos

políticos, mas sim jurisdicionais.

Já o HC 42.108-PE, de 19.04.1965 (RTJ 32/614-626), julgado pelo

STF e de relatoria do ministro Evandro Lins e Silva, é bem esclarecedor sobre

esta distinção: “... a expressão crime comum e usada na Constituição em

contraposição a crime de responsabilidade.” No mesmo acórdão, o ministro faz

claramente esta diferença em outro trecho: “Crimes comuns são, portanto,

todos os que estão contemplados na legislação ordinária e não foram

especialmente definidos como de responsabilidade”.

Em diversos outros julgamentos, a Corte política limitou-se a

reconhecer que a utilização do termo “crimes comuns” é utilizada apenas em

contraposição a “crimes de responsabilidade” sob a égide da constituição, e

neste contexto, os crimes eleitorais são enquadrados como os primeiros.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, nunca afirmou que os crimes

eleitorais não tem natureza jurídica de crimes políticos. Tampouco na

jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral encontra posicionamente sobre a

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natureza jurídica dos crimes eleitorais. Cabendo, diante do silêncio do

legislador e magistrado, a doutrina tal tarefa, feita por meio dos argumentos já

trabalhados.

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CONCLUSÃO

O Direito Eleitoral, incluindo assim as condutas delituosas deste ramo

jurídico, infelizmente não ostenta uma variedade de estudos doutrinários

compatíveis com a sua importância junto à regulamentação do processo

eleitoral, que, no Brasil, está a cargo de um segmento especializado do Poder

Judiciário. Se comparado com outros ramos do Direito, são poucos os

doutrinadores que se dedicaram a investigação do tema. A legislação eleitoral,

sedenta por uma reforma, tampouco ajuda nesta tarefa. E os julgados que

serviriam para apontar especificamente a natureza jurídica dos crimes

eleitorais, por sua vez, também não possuem a clareza necessária para definir

a questão.

Apesar de toda esta dificuldade, conclui-se do estudo travado neste

trabalho monográfico que, por todo o exposto, os crimes eleitorais possuem

natureza jurídica de crimes políticos. Isto porque a objetividade jurídica tutelada

por estes crimes especiais está diretamente relacionada às instituições

políticas do Estado, o que inclui a proteção da violação da liberdade do direito

de sufrágio e da legitimidade das eleições. Só resguardando estes princípios

garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, é possível a

efetiva escolha, pelo povo, daqueles que ocupam os órgãos eletivos dos

Poderes Executivo e Legislativo.

Os mais jovens, que não possuem na memória o período ditatorial que

durou cerca de 20 anos na segunda metade do século XX, podem, numa

leitura rápida, não compreender a importância da possibilidade real e segura

de o brasileiro eleger seus representantes. O resultado legítimo das urnas

eletrônicas é fundamental para a manutenção das instituições democráticas.

E não só por conta da ditadura militar, mas a história brasileira está

marcada por episódios antidemocráticos, como no final do século XIX e início

do século XX, durante a República Velha, quando vigorava o sistema do

coronelismo, com a supremacia das oligarquias e o voto de cabresto. O voto

era aberto, os coronéis mandavam capangas para os locais de votação, com

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objetivo de intimidar os eleitores e ganhar votos. As regiões controladas

politicamente pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais.

Se ao relembrarmos estas passagens históricas tem-se, por uma

interpretação simplória, que a atual sociedade brasileira está mais “evoluída”

ou “avançada”, numa análise um pouco mais crítica, percebe-se que os crimes

ofensivos ao processo eleitoral e a legitimidade do voto continuam a ser

praticados. O que se alterou foi o modus operanti. Práticas autoritárias da

nossa cultura política ainda ameaçam a lisura do processo eleitoral, como o

assistencialismo político e a atuação político-eleitoral das milícias e do tráfico

de entorpecentes. A coerção de eleitores na comunidades do Rio é uma

batalha que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro tem travado nos

últimos pleitos. Ela se manifesta de várias formas.

Para exemplificar, a tática de impor aos eleitores, principalmente de

comunidades carentes, que tirassem fotografia no ato da votação para

assegurar que se estava votando num determinado candidato, violando

frontalmente a garantia do voto secreto e a própria legitimidade do processo

eleitoral, fez com que aquela Corte especializada proibisse o porte de aparelho

celular nas cabinas de votação, nas eleições gerais de 2010.

Nos “currais eleitorais do século XXI”, em vez da submissão da

clientela ao chefe político local, há o domínio de terras e gentes por grupos

criminosos. Em ofensa ao princípio da dignidade humana, o acesso limitado

aos direitos sociais constitucionais de moradia, trabalho, educação e saúde

para a população pobre fluminense é uma realidade e que fornece combustível

para dependência de centros sociais, entidades assistencialistas, máquinas

partidárias clientelistas e igrejas. A diferença é que, há um século, não havia

democracia.

E é neste ponto, fulcral do presente trabalho, que se encontra o

argumento irrevogável que enquadra os crimes eleitorais com natureza jurídica

de crime político. Só com um processo eleitoral probo há a permanência da

democracia. E isso demanda um conjunto de normas jurídico penal eleitorais,

que prevê sanções para as condutas gravosamente ofensivas, de toda sorte, à

legitimidade do pleito, sempre com respeito aos princípios penais de proteção

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ao individuo, como os da legalidade, da culpabilidade, da lesividade e da

humanidade.

Não é a toa que o procurador Marcos Ramayana (pág. 432) bem

preceitua: “A necessidade de preservar os direitos eleitorais e a declaração

jurisdicional de sua inviolabilidade pertencem à garantia da própria democracia

contemporânea”.

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