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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES POS-GRADUAÇÃO LATU SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CONTOS DE FADAS: SUA EFICÁCIA COMO FERRAMENTA DA ARTETERAPIA NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS Por: Damáris Vieira Novo Orientadora: Profª Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2010

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES POS-GRADUAÇÃO ...estudar a “anatomia comparada da psique”. São nos mitos, contos, lendas que aparecem grande quantidade de material cultural, onde

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

POS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADAS: SUA EFICÁCIA COMO FERRAMENTA DA

ARTETERAPIA NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Por: Damáris Vieira Novo

Orientadora:

Profª Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

POS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADAS: SUA EFICÁCIA COMO FERRAMENTA DA

ARTETERAPIA NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre - Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Arteterapia em Educação e Saúde.

Por: Damáris Vieira Novo

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AGRADECIMENTOS

Aos meus amigos Elizabeth Cotta Mello e Maddi Damião Jr. pela confiança e incentivo.

À minha amiga Sônia d’Azevedo pelo apoio e carinho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu companheiro e parceiro de todas as horas, Pedro Nelson, pelo apoio, confiança e espontaneidade.

Dedico, também, aos meus filhos Fabiano e Priscilla, e a minha mãe, Noemi, pelos momentos alegres e criativos.

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RESUMO Os contos de fada são recursos que podem ser utilizados como ferramentas eficazes para educação de adultos nas empresas. Há muito tempo, as empresas têm procurado minimizar os problemas gerados nas relações interpessoais entre seus funcionários, investindo em programas para desenvolvimento das equipes. Na maioria das vezes esses programas não atingem os objetivos propostos, pois necessitam de maior sensibilização e envolvimento das pessoas. Os recursos da arte, utilizados nos programas para a educação de adultos, têm demonstrado bons resultados, especialmente os contos de fadas, que sensibilizam os participantes, pois atuam estimulando a criatividade, resgatando seus aspectos infantis, espontâneos, positivos, ajudando-os a utilizar esse potencial no ambiente profissional, além de facilitar a interação interpessoal e o trabalho em equipe. O objetivo deste trabalho é, a partir de uma pesquisa bibliográfica, demonstrar que a narrativa dramatizada é o método mais adequado para utilização dos contos de fadas como ferramenta da Arteterapia na educação para adultos.

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METODOLOGIA

O procedimento metodológico utilizado para elaboração deste trabalho foi a

pesquisa bibliográfica com apoio de textos da Internet.

Como ponto de partida, tomou-se como base teórica a Psicologia Analítica de

Carl Gustav Jung e Marie-Louise Von Franz, além de outros autores que são citados

no decorrer deste trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

CONTOS E ARTERAPIA

CAPITULO II

CONTOS PARA ADULTOS

2.1 Os contos e as relações interpessoais no trabalho 2.2 A utilização de contos e as fases de desenvolvimento de grupos

CAPITULO III

REFLEXÕES SOBRE UM CONTO

3.1 O conto: Branca de Neve e os Sete Anões 3.2 Relacionando o conto ao trabalho em equipe

CAPÍTULO IV

O CONTO E O CONTADOR

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

FOLHA DE AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO

Os contos de fadas constituem-se em recursos valiosos para a compreensão

da complexidade da alma humana, pois tratam de questões existenciais com as

quais convivemos no nosso dia a dia e que são relevantes em nosso processo de

desenvolvimento psicológico. A partir do referencial da Psicologia Analítica de C. G.

Jung e de outros autores, podemos explorar a interpretação simbólica desses contos,

extraindo deles, elementos para sua utilização, de forma mais criteriosa, no processo

arteterapêutico e na educação de crianças e de adultos.

Os contos estão relacionados ao um mundo mágico onde é possível imaginar

e sonhar. A arte da literatura e de ouvir histórias é uma grande e poderosa fonte de

instrumento criativo, pois desafia o indivíduo, nos dias de hoje, a buscar leituras que

expressam o mergulhar na magia, no mistério e na sabedoria do ser.

O uso da arte na história em um contexto terapêutico e educacional vem

ocupar um espaço de criação, pois facilita o contato com as emoções devido o seu

universo de imaginar. As histórias propiciam a construção do desenvolvimento

cognitivo da criança e do adulto, além de restabelecer a compreensão entre tempo,

espaço x real e o imaginário. Os contos funcionam como elementos essenciais para

viver, baseados no autoconhecimento que eles proporcionam diante da vida e

ajudam a construir recursos capazes de associar questões de comportamentos a um

fato.

Com base nessas reflexões, o tema do presente estudo examina a

importância da utilização dos contos de fadas como ferramenta da Arteterapia na

educação para adultos em empresas. Sua questão central busca analisar o método

mais adequado para essa utilização.

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O tema sugerido é de grande relevância, pois os programas para

desenvolvimento das relações interpessoais para funcionários em que as empresas

têm investido, muitas vezes não atingem os objetivos propostos porque necessitam

de maior sensibilização e envolvimento das pessoas. Os programas onde são

utilizados os recursos da arte na educação de adultos tem demonstrado bons

resultados, especialmente os contos de fadas, que sensibilizam os participantes, pois

atuam estimulando a criatividade, resgatando seus aspectos infantis, espontâneos,

positivos, ajudando-os a utilizar esse potencial no ambiente profissional, além de

facilitar a interação interpessoal e o trabalho em equipe. Sendo assim, se torna

essencial o estudo do método mais adequado para utilização dos contos de fadas

como ferramenta na educação para adultos.

Esta pesquisa tem como objetivo, portanto, apresentar e discutir o método

mais eficaz para utilização dos contos como instrumento da Arteterapia na educação

para adultos em empresas.

O capítulo I demonstra as relações do conto com a Arteterapia e sua

importância no processo de ajuda para o autoconhecimento e desenvolvimento

humano.

O segundo capítulo refere-se à utilização do conto para o desenvolvimento de

equipes de trabalho e a melhoria nas relações interpessoais. São apresentadas,

também, algumas teorias para identificação da fase de desenvolvimento do grupo

como instrumento para facilitar a escolha e narração do conto adequando-o à

situação.

O capítulo III apresenta o conto da Branca de Neve e os Sete Anões como

exemplo para análise e reflexão com grupos de profissionais em empresas.

E, no quarto e último capítulo, é abordado o papel do contador de histórias e

as qualidades necessárias para que se torne um bom narrador, assim como a

importância da escolha adequada do conto e as variáveis que ele deve conhecer

para que a história contada atinja seus objetivos.

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Este trabalho não tem a pretensão de apresentar soluções mágicas para as

questões levantadas, mas apresenta um estudo teórico para servir como tema de

reflexão para os profissionais arteterapeutas e/ou facilitadores que lidam com as

relações interpessoais e desenvolvimento de grupos nas organizações.

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CAPÍTULO I Contos e Arterapia

Conto de fada é aquilo que recolhe e exprime os desejos mais profundos e as ânsias mais secretas dos homens, e o lugar em que os desejos se realizam e as ânsias são ultrapassadas. (PIERI, 2002, p.130)

Desde os primórdios, os contos fazem parte da vida humana, havendo indícios

que alguns temas principais se reportam a milhares de anos a.C. e mantêm-se

praticamente inalterados. Mesmo atualmente, com toda tecnologia e informação, as

histórias, os contos, as lendas continuam nos atraindo. O Bem e o Mal, nos contos

de fadas, são representados por príncipes, princesas, fadas, bruxas e monstros que

encantam, até hoje, crianças e adultos.

Os contos de fada eram uma forma de ocupação espiritual essencial, daí a

oferecerem uma imagem das estruturas psíquicas. Para Jung os “mitos e contos de

fadas expressam processos inconscientes. A narração dos contos revitaliza esses

processos e restabelece a simbiose entre consciente e inconsciente” (apud

CEZARETTI, 1989, p.24). Os contos, além de divertir, ajudam a transmitir valores e

costumes para elaboração da vida por intermédio de situações conflitantes e

fantásticas.

De acordo com Adolf Bastian (apud VON FRANZ, 1990), os temas mitológicos

derivam de “pensamentos elementares” da espécie humana, que são congênitos a

cada indivíduo e aparecem com variações diferentes em qualquer parte do mundo.

Segundo Bastian, os pensamentos elementares não são “vistos”; muitos

pensamentos nacionais demonstram a existência de pensamento básico subjacente.

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A idéia de Bastian se aproxima da teoria junguiana de arquétipo1 e imagem

arquetípica, “sendo o arquétipo a disposição estrutural básica para produzir uma

certa narrativa mítica, a imagem específica sob a qual o arquétipo toma forma, sendo

denominada ‘imagem arquetípica’.” (VON FRANZ, 1990, p.17) Mas o arquétipo não é

somente um pensamento elementar, é mais que isso, é também uma fantasia, uma

imagem, uma emoção e um impulso elementar dirigido a alguma ação típica.

Segundo Von Franz (1990), a origem dos contos de fadas parece residir em uma

potencialidade humana arquetípica. Por definição, os arquétipos são motivos que

ordenam, de maneira típica, os elementos psíquicos em imagens.

Os pastores, lenhadores e caçadores, há muito tempo atrás, passavam uma

boa parte de suas vidas sozinhos nos campos, montanhas e florestas e,

repentinamente, eram assaltados por uma visão interior intensa, que os

sobressaltava por inteiro. Retornavam a sua aldeia e relatavam o que havia lhes

acontecido a todos que os ouviam interessados. A partir daí, iam criando histórias e,

mais tarde, os contos fantásticos. No caso dessas visões espontâneas, compreende-

se o pensamento mítico como essencialmente elementar e arquetípico.

A psicologia analítica de junguiana se interessa por contos de fada porque,

para Jung (apud VON FRANZ,1990, p. 25), é nos contos de fada que se pode

estudar a “anatomia comparada da psique”. São nos mitos, contos, lendas que

aparecem grande quantidade de material cultural, onde se podem obter as estruturas

básicas da psique humana. Jung (apud ARAÚJO, 1980) nos diz que certas lendas,

mitos e símbolos tem origem na infância da humanidade, época em que faltavam

recursos intelectuais e o homem era voltado ao sobrenatural, surgindo a necessidade

psicológica de encontrar soluções mágicas para lidar com uma realidade limitadora.

Deste modo, o inconsciente coletivo conservaria uma necessidade de retorno às

origens do homem revivendo experiências anteriores da humanidade.

1 Arquétipos são padrões de comportamento pertencentes à espécie humana que fazem com que os indivíduos tenham uma forma de perceber a realidade e a conduta de uma maneira coletiva. Para Morgan, “arquétipos são temas poderosos que auxiliam as pessoas a dar sentido às suas experiências e são utilizados repetidamente para criar padrões de significado” (MORGAN,1996, apud NOVO 2008, p. 40)

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Os contos de fadas representam um recurso essencial no processo de

desenvolvimento humano, pois são símbolos do inconsciente, são uma

representação dos problemas gerais humanos e suas possíveis soluções. A escolha

do conto preferido ajuda a revelar os conflitos de cada um, a forma de superá-los e

como recuperar a harmonia existencial. Os contos se dispõem a uma análise mais

incisiva da personalidade, facilitando a emersão de sentimentos inconscientes que

revelam a verdadeira personalidade, especialmente se os participantes escolherem e

incorporarem personagens, que na prática junguiana conhecemos como “imaginação

ativa”2.

A utilização dos contos de fadas como recurso na Arteterapia facilita o

processo do autoconhecimento, pois desmascara no indivíduo a “persona”, a

fachada social, destinada a agradar e, coloca em evidência, o eu interior, levando em

conta sempre a problemática individual e o momento de vida da pessoa.

A Arteterapia trabalha com diversas modalidades expressivas. É a prática de

cuidar do ser humano por intermédio da arte para ajudá-lo a realizar o seu processo,

de forma criativa. É um caminho de ajuda que, ao mesmo tempo em que acolhe,

estimula novas possibilidades que só podem ser alcançadas experimentando. Na

experiência, o papel do arteterapeuta é fundamental, pois seu desafio é ter a

sensibilidade para perceber as necessidades do cliente, sintonizando-se com ele,

auxiliando-o no seu processo.

Brito afirma que

Enriquecer o setting terapêutico com diversas modalidades expressivas é uma atitude de investimento na criação, um compromisso de cuidar, para que a imaginação possa fluir, o coração confiar ... (BRITO, 2008, p.27)

2 “A Imaginação Ativa significa, como diz a expressão, que as imagens têm vida própria e que os eventos simbólicos se desenvolvem, eles também, segundo a sua lógica interna, ou seja, se, como é óbvio, a razão consciente não interfere. Tal método é utilizado para extrair os diferentes conteúdos inconscientes, a fim de que, uma vez que se tenham tornado visíveis, o Eu possa confrontar-se com eles em vez de ser de diversos modos assediado por eles”. (PIERI, 2002, p.235-36)

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A imaginação se materializa, a partir da tomada de consciência, revelando o

ser interior e permitindo a transformação do sujeito à medida que ele aprende a se

conhecer. Os símbolos que aparecem nos contos de fada possibilitam a integração,

na consciência, de conteúdos que antes eram inconscientes, estruturando e

informando.

Os contos de fadas, como visto anteriormente, são recursos bastante

poderosos e eficazes que auxiliam o arteterapeuta no intuito de revelar os conflitos

do cliente, mostrar a forma de superá-los e como recuperar a harmonia existencial.

Nos trabalhos com Arteterapia em grupos, a utilização dos contos aproxima os

componentes do grupo, pois trocam experiências, um ajuda o outro, se identifica com

as questões do outro, propiciando o auto e heteroconhecimento. Cabe ao

arteterapeuta agir como facilitador desse processo.

Para Mont’Alverne

a grande contribuição das histórias está em seu poder de ativar nosso imaginário. É por isso que uma história bem contada prende tanto a atenção de crianças e adultos num mundo cheio de opções como internet, TV, videogames e outros brinquedos eletrônicos. São momentos preciosos aqueles em que a voz de outra pessoa nos narra aventuras extraordinárias ou mesmo casos de família. A imaginação voa para lugares distantes e exóticos, onde dominamos espaço e tempo, onde tudo pode acontecer.(MONT’ALVERNE, 2010, p.2)

Jesus Cristo e Buda são exemplos de grandes mestres contadores de

histórias, assim como os sacerdotes e anciãos de várias tradições que souberam

narrar histórias ao redor de fogueiras e congressos tribais. Graças a essas imagens

e símbolos, ouvintes do mundo inteiro puderam chegar a concepções mais profundas

da vida. (FELDMAN e KORNFIELD, 1994).

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Por intermédio dos contos, das histórias, as pessoas interagem umas com as

outras, se identificam e aprendem a se perceber sob um prisma diferente,

vislumbrando novas perspectivas de vida. Ouvir contos e histórias contadas por

outras pessoas, aprender com elas, é como iluminar seu próprio entendimento.

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CAPITULO II Contos para adultos

Os contos podem conduzir o sujeito à sua própria realização pessoal, desde

que ele compreenda a sua mensagem. Para tal, deve ouvi-los ou lê-los deixando que

as imagens e as sensações surjam livremente, como num sonho, sem interpretar o

sentido da história ou dos símbolos. É importante experimentar internamente o que

os personagens sentem.

Por causa das barreiras mentais e dos juízos de valor que sufocam os

sentimentos, os adultos sentem maior dificuldade a, instintivamente, predispor-se a

escutar histórias. É preciso estar em sintonia com o conteúdo do conto e

acompanhar atentamente as menores aventuras, mesmo que, a princípio, não as

compreenda. Sentir prazer com a magia dos contos exige humildade por parte do

leitor ou do ouvinte, e é necessário acreditar nas “verdades” que a história traz.

A mensagem do conto aparece com sutileza e ilumina lentamente, por dentro, o

leitor ou o ouvinte. À medida que vai sendo lida ou contada, a história se transforma

num reflexo de nós mesmos. O conto é a história de quem a lê ou ouve e, o leitor ou

ouvinte é o personagem do conto.

Depois de ter lido ou ouvido a história, é preciso que o leitor ou ouvinte deixe

que ela ecoe dentro de si, para que possa experimentar as suas correlações. A

reflexão sobre o significado da história facilitará a integração de suas mensagens na

vida pessoal do leitor ou ouvinte.

2.1 Os contos e as relações interpessoais no trabalho

Os contos para adultos, especialmente com objetivos voltados para o trabalho,

não podem ser escolhidos ao acaso. Dependendo da mensagem que se deseja

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transmitir, os contos são grandes aliados, como facilidadores, na sensibilização dos

participantes.

No ambiente de trabalho, onde os profissionais passam grande parte do seu

tempo, muitos têm dificuldades no relacionamento com superiores, pares e

subordinados. Os programas de desenvolvimento de equipes e relações

interpessoais são meios que as empresas utilizam como forma de dirimir esse

problema, mas nem sempre esses programas atendem os objetivos organizacionais.

Percebe-se que é preciso que as pessoas estejam envolvidas e, para tal, necessitam

estar sensibilizadas.

Os contos, como recursos da arte para educação de adultos, quando utilizados

nos programas de desenvolvimentos de grupos, facilitam a sensibilização dos

componentes. As histórias e contos estimulam a criatividade, a espontaneidade,

facilitando o desabrochar do potencial positivo, melhorando o relacionamento

interpessoal, a cooperação, o trabalho em equipe.

E, para que a utilização de contos dê melhores resultados nos trabalhos com

grupos, se faz necessária a “leitura do grupo” nos programas para desenvolvimento

interpessoal ou trabalho em equipe.

2.2 A utilização de contos e as fases de desenvolvimento de grupos

O trabalho com grupos exige do arterapeuta-facilitador o entendimento das

relações interpessoais. O facilitador deve saber fazer a “leitura” do grupo, isto é, em

que fase o grupo se encontra, para que ajude os seus componentes no processo de

desenvolvimento utilizando os recursos da arte que se fizerem necessários. Neste

estudo, serão utilizados os contos como recurso da arte para educação de adultos.

A maior contribuição na formulação de teorias sobre as fases do

desenvolvimento de grupos e na forma de interagir entre as pessoas foi de Kurt

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Lewin. “A vida de um grupo passa por várias fases e em cada uma delas, os

membros atuam de forma diferente duplamente: em relação à etapa de vida do grupo

e em relação aos demais componentes” (Moscovici, 2002, p.125).

Para Lewin (apud NOVO, 2008), a experiência vivida pelo grupo se constitui

na resultante da transformação das forças atuantes em um comportamento ativo, em

oposição ao comportamento estático individual.

De acordo com Novo, outros autores, como Bion e Schutz, além de Lewin,

também desenvolveram teorias sobre as fases de desenvolvimento de grupos:

Bion (1970) criou o conceito de mentalidade de grupo e cultura de grupo para falar do que é comum a um grupo estabelecido a partir das divergências individuais. Schutz (1989) enfatizou as modificações intersubjetivas provocadas nas interações entre os indivíduos. O que une estes três autores é a compreensão que cada um tem a respeito das fases de desenvolvimento de um grupo. Eles entendem que o grupo não é uma junção de pessoas semelhantes, mas se constitui através da interdependência de fatores dinâmicos. O grupo adquire uma forma com propriedades e realidades diferentes das propriedades e realidades dos indivíduos que o compõem. Um todo dinâmico surge da interação entre o campo de forças de um indivíduo atuando sobre outro indivíduo, modificando as condutas dos mesmos. (NOVO, 2008, p. 65-66)

Para cada autor, o desenvolvimento de um grupo é dividido nas fases inicial,

intermediária e final. A fase inicial, para Lewin, é identificada como o momento em

que o grupo está se estruturando. Na fase intermediária ocorre a mudança-

experimentação e, no momento final, tem-se a passagem para a ação.

De acordo com Schutz, o grupo, na fase inicial de desenvolvimento,

experimenta sentimentos de estar dentro ou fora, situação na qual as pessoas ainda

não estabeleceram uma interação de fato. Para ele, a fase intermediária caracteriza

o início do processo de mudança interna no grupo, e as demonstrações de poder ou

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submissão são mais explícitas. As lideranças emergem e os papéis ficam mais

definidos. E, a fase final, é caracterizada por relações que são estabelecidas de

forma mais íntimas.

Para Bion, na fase inicial, o grupo espera o apoio e o direcionamento por parte

do coordenador. Nessa fase de estruturação, as relações, tendem a ser mais

superficiais. A fase intermediária é caracterizada com interações mais confrontativas

e, na fase final, há o aprofundamento das relações.

As fases não ocorrem em seqüência estruturada, da inicial até a final. Caso já

possua um relacionamento anterior à sua estruturação, um grupo pode iniciar sua

estruturação pelo estágio final.

No quadro a seguir, será apresentado, com mais detalhes, cada fase com seu

respectivo autor.

Fases de Desenvolvimento de Grupo

LEWIN SCHUTZ BION

Degelo – Fase de estruturação do grupo, conhecimento do grupo. Quebra do gelo inicial, ansiedades, resistências.

Inclusão – Busca de atenção, aceitação; ser reconhecido pelos demais membros do grupo. Refere-se a “estar dentro” ou “estar fora”. Fase de estruturação do grupo.

Dependência - Apelo por apoio e direção do coordenador. Confiança e estrutura definidas.

Expressão de fraqueza, inadequação, ao invés de trabalhar no problema ou assunto.

Experimentação/ Mudança – Início do processo de feedback, troca entre os participantes, início de mudança. (Mudança interna, compreensão do outro).

Controle – Tomada de decisão entre os indivíduos, demonstração de autoridade e poder ou submissão e docilidade. Utilização dos sentimentos de competência, inteligência, pelos membros do grupo, visando influenciar ou exercer poder.

Luta - Interações confrontativas insistentes e zangadas. Ataques e depreciação.

Fuga - Desligamento, retirada ou envolvimento do diminuído.

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Congelamento – Momento de reflexão sobre tudo o que ocorreu. Passagem para a ação.

Abertura – Sentimentos mútuos de amar e ser amado. Relações mais íntimas e pessoais, estabelecimento de vínculos. Relações de proximidade e afastamento.

União – Relações pessoais mais íntimas. Apoio a outro membro ou ao grupo.

Fonte: NOVO (2008, p. 67), adaptado de Moscovici.

Relacionando os contos com as fases de desenvolvimento de um grupo, em

que fase o arterapeuta-facilitador pode utilizar-se dos contos de fadas como recurso?

Em qualquer fase, dependendo do conto escolhido e da maneira como será utilizado.

Em fases iniciais não é aconselhável a dramatização dos personagens do conto, pois

o grupo ainda está em estruturação, as pessoas pouco se conhecem e não ficam à

vontade para se expor representando personagens. Nessa fase é mais adequada

sua narração.

Em trabalhos com profissionais de empresas, para sensibilizá-los à

participação, à importância da cooperação, os contos escolhidos devem apresentar

temas que os levem a refletir sobre essas questões.

Observando a narrativa de contos e histórias em vários grupos, a autora deste

trabalho percebeu que os participantes se envolviam na narrativa quando havia

dramatização no relato do contador. E mais, além de tornar-se interessante e

comovente, dependendo da história que era contada, as pessoas davam maior

credibilidade ao conto.

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CAPITULO III Reflexões sobre um conto

Como exemplo de conto para reflexão das diferenças individuais, da

importância da ética, do trabalho em equipe, dos valores do grupo em prol de um

objetivo comum, será descrito, neste trabalho, o conto da Branca de Neve e os Sete

Anões.

O conto de fadas Branca de Neve e os Sete Anões é originário da tradição

oral alemã. Com algumas diferenças das várias versões antes popularizadas, para

este trabalho, foi escolhida a história contada pelos irmãos Grimm e adaptada pela

autora.

3.1 O conto: Branca de Neve e os Sete Anões

Era uma vez uma rainha que costurava, no inverno, ao lado de uma janela de negro ébano. Ao lançar o olhar para a neve, picou o dedo com a agulha, e três gotas de sangue pingaram sobre a neve, o que a deixou admirada e a fez pensar que, se tivesse uma filha, gostaria que fosse "alva como a neve, com os lábios rubros como o sangue e e os cabelos negros como o ébano da janela".

Não tardou e a rainha teve uma filha de descrições idênticas ao seu pedido: branca como a neve, com os cabelos negros como o ébano e os lábios vermelhos como o sangue. Mas, tão logo sua filha veio ao mundo, a rainha morreu. O pai deu à filha o nome de "Branca de Neve", e logo tornou a casar, com uma mulher arrogante e vaidosa, possuidora de um espelho mágico que só falava a verdade.

Constantemente a nova rainha consultava seu espelho, perguntando quem era a mais bela do mundo, ao que ele sempre respondia: "Senhora rainha, vós sois a mais bela". Mas Branca de Neve cresceu e, um dia, sua madrasta perguntou: "Quem é a mais bela de todas?", e o espelho não tardou a dizer: "Você é bela, rainha, isso é verdade, mas Branca de Neve possui mais beleza."

Cheia de inveja, a rainha contratou um caçador e ordenou que matasse Branca de Neve e lhe trouxesse seu coração como prova, na esperança de voltar a

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ser a mais bela. O caçador ficou inseguro, mas aceitou o trabalho. Pronto para matar a bela princesa, o caçador desistiu ao ver que ela era a moça mais bela que já havia encontrado, e rapidamente a mandou fugir e se esconder na floresta. Para enganar a rainha, entregou a ela o coração de um jovem veado. A rainha assou o coração e o comeu, acreditando ser de Branca de Neve, mas, ao consultar o espelho mágico, ele continuou a dizer que Branca de Neve era a mais bela.

Branca de Neve correu bosque adentro; quando estava muito cansada, adormeceu profundamente numa clareira. No dia seguinte, quando acordou, continuou fugindo até que encontrou uma casinha no meio do bosque. Dentro, tudo era pequeno: mesas, cadeiras, camas. Por todo o lado reinava a desordem e tudo estava muito sujo. Como era muito gentil, limpou toda a casa e, cansada pelo esforço que fez, adormeceu na cama dos donos, que eram anões.

Ao anoitecer, chegaram os donos da casa. Eram os sete anõezinhos, voltando da mina de diamantes onde trabalhavam. Levaram um susto, mas logo se acalmaram ao perceber que era apenas uma bela moça, e que a mesma tinha arrumado toda a casa.

Quando a princesa acordou, eles se apresentaram: Soneca, Dengoso, Dunga (o único que não tinha barbas e não falava), Feliz, Atchim, Mestre e Zangado. Cada um deles tinha características de temperamento próprias. Soneca – estava sempre cansado e cochilando; Dengoso – era inseguro, tímido, sensível; Dunga – se vestia como criança, era desligado, brincalhão, distraído; Feliz – estava sempre de bem com a vida, era autoconfiante e alegre; Atchim – tinha sempre alguma doença que o impedia de trabalhar direito, estava sempre espirrando, somatizando; Mestre – era muito organizado, sempre sabia tudo, gostava de comandar; Zangado – era mal humorado, não gostava de submeter-se à ordens, era teimoso.

Apesar das diferenças de temperamento, eram muito unidos e valorizavam a ajuda aos outros. Por isso, ao serem informados dos problemas da princesa, eles resolveram tomar conta dela e a deixaram ficar.

A malvada rainha não tardou a saber, por meio do seu espelho mágico, que Branca de Neve estava viva e continuava a ser a mulher mais bonita do reino. Decidiu, então, acabar pessoalmente com a vida da princesa. Disfarçou-se de mascate, e ofereceu um laço de fita a Branca de Neve, que aceitou. A rainha ofereceu ajuda para amarrar o laço em volta da cintura de Branca de Neve e, ao fazê-lo, apertou-o com tanta força que Branca de Neve desmaiou. Quando os anões chegaram e viram a princesa sufocada pelo laço de fita, rapidamente o cortaram e ela voltou a respirar.

A rainha, mais uma vez, descobriu que Branca de Neve não havia morrido. E, enlouquecida de fúria, decidiu usar outro método: uma maçã enfeitiçada. Dessa vez disfarçou-se de uma pobre-velhinha-indefesa-feiosa e ofereceu-lhe a maçã. Branca de Neve ficou em dúvida, mas a rainha cortou a maçã ao meio e comeu a parte que não estava enfeitiçada. A princesa aceitou e comeu o outro pedaço, enfeitiçado. Ele

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inchou dentro da garganta de Branca de Neve e esta ficou sem ar. Quando os anões chegaram e viram a princesa no chão, tentaram ajudá-la, mas não sabiam o que causara aquilo, e pensaram que estava morta. Por achá-la tão linda, os anões não tiveram coragem de enterrá-la, e a puseram em um caixão de vidro.

Certo dia, um príncipe que andava pelas redondezas, avistou o caixão de vidro, e dentro, a bela donzela. Ficou tão apaixonado, que perguntou aos anões se podia levá-la para seu castelo, ao que eles aceitaram e os servos do príncipe a colocaram na carruagem. No caminho, a carruagem tropeçou, e no pulo que deu, o pedaço de maçã que estava na garganta de Branca de Neve saiu, e ela pôde novamente respirar, abriu os olhos e levantou a tampa do caixão.

O príncipe a pediu em casamento. O feliz casal encaminhou-se para o palácio do príncipe e foram felizes para sempre.

3.2 Relacionando o conto ao trabalho em equipe

Na utilização de contos com grupos em empresas, é importante que os

componentes, após ouvir o conto, o relacione com situações que os levem a refletir,

sensibilizando-os para a integração da equipe e um resultado mais eficaz.

No conto da Branca de Neve e os Sete Anões podem-se abordar as questões

éticas, os sentimentos negativos, as características dos personagens e as relações

que estabelecem entre si, que culminam por ocasionar situações tanto de conflitos

quanto de cooperação nas empresas.

Para Von Franz, o herói ou heroína nos contos

são menos humanos, ou seja, não possuem a vida humana interior da psique. Não falam para si mesmos, não tem dúvidas, não vacilam nem tem reações humanas. (...) A heroína continuará a ser torturada; suportará todo o seu sofrimento até que consiga atingir seu objetivo. (...) os heróis folclóricos são formas do tipo preto no branco, são como clichês, com tendências muito mais características, tais como argúcia, capacidade de sofrimento, lealdade etc., e as figuras assim se mantém até o fim da história. (VON FRANZ, 1985, apud ALT, 2000, p. 41)

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Durante toda a história é assim que nossa heroína – a Branca de Neve – se

comporta: suporta tudo, é leal, para, ao final, ser recompensada. No entanto, as

características negativas, que não aparecem na princesa, mas que existem em cada

um de nós, aparecem na figura da madrasta.

As ações da madrastra, por exemplo, podem ser estudadas com o grupo,

relacionando-as à questões éticas. Tem profissionais que fazem de tudo para

manter-se no cargo ou em posições de poder nas organizações.

Na interpretação junguiana, a madrastra representa os aspectos sombrios da

Branca de Neve, suas características negativas. Com a saída do castelo e tendo que

enfrentar as dificuldades, a princesa descobre sua finalidade, sua missão interior

autêntica. Isso faz com que a luta entre o bem e o mal deixe de ocupar o centro de

sua vida, pois Branca de Neve tem que viver uma realidade “fora do castelo”. O

casamento com o príncipe, completa e integra o masculino (animus3) e o feminino

(anima4) e a heroina pode tornar-se ela mesma.

O encontro do principe e da princesa representa o despertar de um para o

outro, implicando, simbolicamente, na maturidade. Significa não só a harmonia

interior, mas a integração com o outro. A chegada no tempo certo, no momento

adequado, do principe, pode ser interpretada com o nascimento de um ego mais

fortalecido.

Com referência aos anões, cada um tem um temperamento que o ouvinte

facilmente pode identificar como seu ou de alguém que conhece. O arterapeuta-

facilitador pode trabalhar com o grupo, a importância do autoconhecimento e o

aceitar e conviver com as diferenças individuais. Além disso, cada participante

apreende que tem um pouco do temperamento de cada personagem. 3 Animus – masculinidade existente no psiquismo da mulher. “Esta masculinidade é inconsciente e manifesta-se, de ordinário, como intelectualidade mal diferenciada e simplista. (...) O animus opõe-se à própria essência da natureza feminina que busca, antes de tudo, relacionamento afetivo.” (SILVEIRA, 1981, p.96) 4 Anima – feminilidade inconsciente no homem. “Esta feminilidade inconsciente no homem, indiferenciada, inferior, manifesta-se, na vida ordinária, por despropositadas mudanças de humor e caprichos.” (SILVEIRA, 1981, p.93)

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Diversas análises podem ser feitas relacionando o conto com o que os

componentes do grupo trazem como reflexões. O papel do arteterapeuta-facilitador é

aproveitar o que emerge do grupo, ajudando-os no desenvolvimento interpessoal.

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CAPÍTULO IV O conto e o contador

Para Wagner (2010, p. 2), “o conto é um relato em prosa de fatos fictícios”.

Toda história se inicia apresentando um estado de equilíbrio. Depois, aparece um

conflito seguido de vários episódios e termina com a resolução deste conflito.

Os contos tem um núcleo narrativo, com ação central e mantém uma relação

de suspense. A descrição é usada para apresentação dos personagens, do tempo e

do lugar.

De acordo com Wagner,

os tempos verbais são muito importantes para a construção e a interpretação dos contos. Os pretéritos perfeito e imperfeito predominam na narrativa, enquanto o presente aparece no diálogo e nas descrições. (WAGNER, 2010, p.2)

As diferenças culturais e as características particulares de cada sujeito,

mesmo em diferentes épocas, podem encontrar em diversas formas de

manifestação, os mesmos sentimentos, que não são históricos-culturais. O contador

de histórias, em interação com o outro, transforma-se em uma espécie de recurso

para a transmissão de mensagens e informações. Ele passa a ser um personagem,

dando vida à narração. Ele dá voz à palavra, valorizando-a com entonações, volume

e gestos. Suas apresentações são caracterizadas por um estilo próprio e por uma

forma especial de transmitir o conto.

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O contador de histórias dá nova vida a personagens que ficam guardados nos

livros e nas mentes, e essa é, sem dúvida, a sua principal função. Ele cria imagens

no ar materializando a palavra e se transforma, ele mesmo, na própria palavra. Ele

empresta sua voz, seus gestos, sua interpretação e suas memórias aos

personagens, aos cenários, ao mágico, dando-lhes vida.

Daí a importância da preparação dos contadores de histórias, que não podem

descuidar de seu repertório, sua voz e outras habilidades, tornando, o momento de

ouvi-los, prazeroso.

Para Malba Tahan (1964), em “A Arte de Ler e Contar Histórias”, um bom

contador de histórias deve possuir algumas qualidades, tais como: cuidado em

relação à história e conhecer as técnicas para narrá-la por tê-las aprendido

voluntariamente.

Mont’Alverne assevera que

Um bom contador de histórias deve ter uma voz tão bem articulada e projetada, a fim de que todos possam ouvi-lo; deve ter o corpo tão aprumado, que, mesmo sentado, todos possam vê-lo; e, sobretudo, deve contar uma boa história – mas que seja breve – para que todos possam amá-lo. (MONT’ALVERNE, 2010, p.2)

O contador de histórias tem o dom de parar o tempo abstrato colocando no

seu lugar o tempo vivido. Ao se ouvir um conto, uma história, o tempo deixa de ser

marcado pelas horas, minutos, segundos. O ouvinte entra numa espécie de escuta

desatenta, num estado de escuta flutuante, que o possibilita vivenciar o presente, a

entrar no lugar onde o tempo não existe, em que se encontram o que é narrado, o

narrador e o ouvinte. A escuta flutuante presente conduz o ouvinte a um estado de

graça, o qual é alcançado pela suspensão do tempo exterior, ato necessário para

entrar no tempo mítico do mundo interior.

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Busatto afirma que

Ouvir histórias atiça algo que foi esquecido pela urgência da modernidade, por não ser mais experienciado, e da qual se foi separado, talvez sem saber, e lançado nas brumas do tempo com venda nos olhos, preocupado apenas em estar-na-ação, e nunca fora-da-ação, acionando outras formas de ver. A escuta flutuante é um fora-da-ação. Uma senda que conduz à dimensão do sagrado. Esta atitude de quietude interna, silêncio interior, de se deixar levar pelo embalo dos contos pode proporcionar um contato com o vazio que tudo contém, com o silêncio que traz significações. Pode-se chamar isto de êxtase, Tao, Self. Seja qual for o nome que se atribui a essa vivência, o que faz sentido é que ela conduz ao centro, e proporciona, mesmo que seja por segundos, a certeza de que se faz parte de algo muito maior que a realidade visível. Proporciona um alento para o espírito e uma confortável sensação de estar bem, feliz e em paz. É algo que só é possível sentir, nunca descrever. E quem a viveu bem sabe, e todos um dia já sentiram isso, mesmo que seja por um instante, um instante só. Não só as histórias se aproximam desse estado de espírito. Às vezes uma música, um gesto, ou um movimento da natureza, se encarregam de ligar o ser ao seu eu. (BUSATTO, 2010, p.3)

A escolha do conto a ser narrado é fundamental para que atue como

instrumento terapêutico, de aprendizagem. Especialmente, ao ser narrado oralmente,

o conto ou a história deve penetrar no simbólico, deve ter uma função.

De acordo com Jauss (1994), avalia-se o valor estético de uma obra literária

pelo tanto que ela estende o “horizonte de experiência” do leitor ou ouvinte. Muitos

dos contos da tradição oral têm como característica fazer “soar sua voz” no leitor ou

ouvinte, provocando uma “mudança de horizonte”. Isso se dá pela sua estrutura

arquetípica, que se manifesta por uma expressão atemporal e que, portanto, se

mantém atual. Ela ultrapassa a dimensão intelectual e prática, e aproxima o sujeito

do mítico e do divino. Conclui-se, então, que narrar histórias sob essa perspectiva

implica numa postura transpessoal, porque coloca o leitor ou ouvinte conectado com

níveis diferentes de realidades.

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Ciente desta dimensão ao narrar, o contador de histórias pode provocar

importantes transformações no interior do ouvinte. Entretanto, se ele como narrador,

não tiver sido tocado, iluminado pelo conto escolhido, dificilmente expandirá esta luz,

agindo no ser do ouvinte. Se não acreditar no poder das histórias, do que elas

podem transmitir em sentimentos, elas não serão mais que passatempos sem

significados.

O conto provoca ecos no interior das pessoas. Uma narrativa simbólica

expande os sentidos do ouvinte, pois estabelece, por intermédio do artístico, uma

experiência estética e espiritual.

A habilidade do contador de histórias, sua voz, reforça a capacidade

transformadora dos contos, que funcionam como ponte entre o mítico e a realidade.

A narrativa e o simbólico funcionam como uma força que une e sintetiza as

experiências humanas, pois agem como mediadores entre consciente e inconsciente,

sonho e realidade, natureza e cultura.

Ao narrar histórias, Abramovich reconhece que “se descobrem palavras

novas, se entra em contato com a música e com a sonoridade das frases, dos

nomes. Capta-se o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção”

(ABRAMOVICH, 1991, p. 18).

Entretanto, essa descoberta só ocorrerá se o conto ou a história for bem

contada e isso requer que o contador se prepare antecipadamente.

Ribeiro assevera que

estudar a história previamente proporcionará, no momento de contá-la, segurança, tranqüilidade e naturalidade. Além do que, se errarmos, nos perdermos em algum trecho, saberemos sair do enrosco com facilidade. Ter a história clara na mente nos permite fazer interferências e formar imagens rápidas em torno de detalhes soltos e imprescindíveis à estética e à visualização. Só podemos contar

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aquilo que sabemos, acontecimentos sobre os quais temos um relativo domínio, uma certa familiaridade. Se eu não procurar saber mais dos medos, dúvidas, fraquezas, desejos e sentimentos dos personagens, que tipo de emoção eu vou conseguir produzir com minha narração? (RIBEIRO, 2002, apud SILVA e MARGONARI, 2010, p. 5)

O contador, para ser bem sucedido, deve preparar-se, estudar o enredo da

história, conhecer sua seqüência, as características dos personagens para inserir-

lhes a emoção necessária, o que dará maior veracidade à narrativa. Além disso, é

importante que preste atenção às palavras que utiliza, à sua própria respiração, aos

momentos de silêncio, a sua linguagem corporal e ao seu olhar.

Segundo Fox e Girardello,

Há um grande consenso com relação à maneira de preparar uma história para ser narrada, desde o clássico The Art of the Storyteller, de Marie Shedlock (publicado pela primeira vez em 1915, e ainda em uso nas universidades norte-americanas), até publicações contemporâneas. Quando trabalhamos a partir de uma história escrita, assim que o contador tenha feito sua escolha do conto, é recomendável mergulhar na história, lendo-a duas ou três vezes. Mesmo que trabalhemos com uma história ouvida de outro narrador, o conselho geral é o de que identifiquemos o "esqueleto" da narrativa. Notamos que é melhor reduzir um conto a um número mínimo de "estágios" - encontrar os pontos de virada da narrativa, as diferentes fases da ação. É possível, especialmente no caso do contador principiante, memorizar uma história com cerca de meia-dúzia de "estágios". Algumas pessoas anotam as etapas da história numa folha de papel ofício, e depois resumem essas notas para o tamanho de um cartão-postal. Outras preferem criar fortes imagens mentais -- como cenas congeladas -- associadas a cada estágio. O que definitivamente não ajuda, e na verdade atrapalha, é tentar escrever o texto completo da história. (...) a noção de decorar um texto completo vai contra a idéia de que as histórias precisam de espaço para se expandirem (ou se contraírem) em seu contato único com cada platéia específica. É claro que haverá algumas frases-chave que o contador gostará de recordar com precisão, Muitas vezes, o começo e o fim da história exigem uma preparação mais cuidadosa; ou talvez as palavras de um verso ou de um

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encantamento mágico precisem ser decoradas. Mas em geral as palavras surgirão especialmente para cada grupo particular de ouvintes. (FOX e GIRARDELLO, 2010, p.15)

Na verdade, o importante é que o narrador treine, pratique, se aproprie do

conto, tornando-o seu. Muitas vezes surgem, durante a narração da história,

perguntas. Nesse caso, o contador deve estar preparado, agindo com

espontaneidade, o que faz com que os ouvintes apreciem ainda mais o que está

sendo contado.

O ambiente, o momento, o clima e o tamanho do grupo são fatores que o

narrador precisa conhecer e estar preparado para lidar. Ele deve permitir que o conto

tenha vida nas mentes dos ouvintes.

Os recursos externos tais como: música de fundo, alguns objetos e aromas,

também contribuem para que a “contação” da história para adultos seja bem

sucedida. A criatividade do contador de histórias é fundamental para que o conto

seja ouvido como uma atividade prazerosa e se obtenha os resultados almejados.

Enfim, não existem características que descrevam um bom narrador de

contos. Cada contador tem seu próprio estilo para narrar histórias, mas sua

personalidade não deve interferir entre o conto e seus ouvintes. Ou seja, o conto não

é um meio que deva utilizar para sentir-se envaidecido.

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CONCLUSÃO

As reflexões descritas neste trabalho nos remete à conclusão que, lidar com a

fantasia nos contos, é um recurso essencial no processo do desenvolvimento

humano. Por intermédio dos contos e das histórias, se penetra nas dimensões

profundas da psique, no inconsciente. A leitura ou a narração oral de um conto é

favorecida pelas imagens simbólicas, que ilustram nossos conflitos internos.

A energia criadora e a sabedoria estão profundamente presentes nos contos e

seu conteúdo arquetípico pode ajudar o sujeito no processo da realização de sua

humanidade.

Apesar de as pessoas, especialmente nas grandes cidades, serem

massificadas pelas informações tecnológicas, elas ainda se encantam com os

contos, sua magia, seu poder sobrenatural, que atrai e desperta o interesse pela

leitura e pela narrativa.

Para enfrentar e dominar problemas psicológicos, rivalidades, dependências

infantis, é importante que o sujeito entenda o que se passa em seu inconsciente. Os

contos remetem à imaginação, às dimensões que não seriam descobertas por si só.

Os contos tem significados diferentes para cada pessoa e os significados se

modificam para ela mesma, em diversos momentos da vida. Por isso, o

arteterapeuta-facilitador em empresas, tem papel fundamental no resgate dessa

cultura tradicional. Ao utilizar a oportunidade do trabalho com grupos para contar

histórias, ele está estimulando o imaginário dos componentes, ajudando-os a se

autoconhecerem. Para tal, é importante que selecione contos ou histórias que sejam

adequados aos objetivos que ele pretende alcançar e identifique a fase de

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desenvolvimento que o grupo se encontra. Além disso, deve escolher contos ou

histórias que motive e envolva o grupo.

Um fator preponderante para o sucesso da “contação” da história é a

interpretação oral que o narrador dá ao conto. Sua voz, seus gestos, facilitam a

entrada do ouvinte no mundo mágico do seu inconsciente, ajudando-o a

compreender a si mesmo e a desenvolver-se como ser humano, mantendo relações

interpessoais harmoniosas seja no ambiente familiar, no ambiente de trabalho ou

social.

Especialmente nas empresas, foco deste trabalho, os contos, quando

utilizados para sensibilização de mudanças comportamentais, propiciam melhoria

das relações interpessoais, gerando a cooperação e maior eficácia nos resultados do

trabalho.

34

BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1991.

ALT, Cleide Becarini. Contos de fadas e mitos: um trabalho com grupos numa abordagem junguiana. São Paulo: Vetor, 2000.

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BRITO, Natália de Sá. Da criação à terra, da terra à voz, mito e arteterapia, cuidado com a casa do ser. Monografia de conclusão de curso apresentada ao ISEPE como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Rio de Janeiro, 2008.

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MONT’ALVERNE, Rosana. Era uma vez... o poder transformador das histórias. <http://www.culturainfancia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&catid=100:artigos-e-teses&id=508:era-uma-vez-o-poder-transformador-das-historias-&Itemid=142> Data de acesso : 30/01/2010.

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INDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

CONTOS E ARTERAPIA 11

CAPÍTULO II

CONTOS PARA ADULTOS

2.1 Os contos e as relações interpessoais no trabalho 16

2.2 A utilização de contos e as fases de desenvolvimento de grupos 17

CAPÍTULO III

REFLEXÕES SOBRE UM CONTO

3.1 O conto: Branca de Neve e os Sete Anões 21

3.2 Relacionando o conto ao trabalho em equipe 23

CAPÍTULO IV

O CONTO E O CONTADOR 26

CONCLUSÃO 32

BIBLIOGRAFIA 34

FOLHA DE AVALIAÇÃO 37

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Instituto A Vez do mestre Título da Monografia: Contos de Fadas: sua eficácia como ferramenta da

Arteterapia na educação de adultos Autora: Damáris Vieira Novo Data da entrega: 28 de fevereiro de 2010 Avaliado por: Fabiane Muniz Conceito: