150
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO ÉTTORE DE LIMA O LIMITE ENTRE O DEVER DO CARGO PÚBLICO E A LIBERDADE DA VIDA PRIVADA DO SERVIDOR PÚBLICO Orientador: Prof. Dr. Raul Miguel Freitas de Oliveira RIBEIRÃO PRETO 2015

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

  • Upload
    vokhanh

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

ÉTTORE DE LIMA

O LIMITE ENTRE O DEVER DO CARGO PÚBLICO E A LIBERDADE

DA VIDA PRIVADA DO SERVIDOR PÚBLICO

Orientador: Prof. Dr. Raul Miguel Freitas de Oliveira

RIBEIRÃO PRETO

2015

Page 2: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

ÉTTORE DE LIMA

O LIMITE ENTRE O DEVER DO CARGO PÚBLICO E A LIBERDADE

DA VIDA PRIVADA DO SERVIDOR PÚBLICO

Monografia apresentada à Faculdade de Direito

de Ribeirão Preto como requisito para a

conclusão do Curso de Graduação em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Raul Miguel Freitas de

Oliveira

RIBEIRÃO PRETO

2015

Page 3: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

ÉTTORE DE LIMA

O Limite entre o dever do cargo público e a liberdade da vida privada do

servidor público.

Monografia apresentada à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto como requisito para a

conclusão do Curso de Graduação em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Raul Miguel Freitas de Oliveira

APROVADA EM:

BANCA EXAMINADORA:

________________________________

________________________________

________________________________

Page 4: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

RESUMO

LIMA, Éttore de. O limite entre o dever do cargo público e a liberdade da vida privada do

servidor público. 2015. 135 f. Projeto de Iniciação Científica do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Faculdade de Direito. Universidade de São

Paulo, São Paulo, 2015.

Servidores públicos com vínculo jurídico estatutário, submetidos ao controle normativo de

seus atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º

8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”. Estas limitações são justificadas,

no plano teórico, pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Desta forma, surgem tais deveres, instituídos pelo art. 116 da Lei n.º 8.112/1990, que

importam em um rol taxativo de cerceamento de direitos específicos para o servidor ocupante

de cargo público, uma vez que é por meio destes que o Estado exerce todos os serviços

públicos que lhe são incumbidos pela Constituição Federal. Portanto, os deveres se dão como

meio prático para a preservação dos princípios administrativos (legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência) estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal. Deste

mesmo modo, tem-se o rol de condutas proibidas, estabelecidas, em grau gravíssimo, pelo art.

132 da Lei n.º8.112/1990, mas também em outros artigos esparsos da mesma lei, com

gravidade diminuta. Para o sancionamento de tais proibições, se dá a maior punição

administrativa, que é a demissão do quadro funcional da Administração Pública. Entretanto, é

garantido ao servidor o direito ao processo administrativo disciplinar ante qualquer imputação

de penalidade por seus atos, o que respeita, também, princípios constitucionais processuais,

como o devido processo legal e a ampla defesa. Então, temos que a limitação da conduta

privada do servidor público se dá por conta do encargo inerente à função pública que exerce

ao tomar posse de seu cargo público. O tema foi estudado por meio de compilação doutrinária

sobre cada assunto e, por fim, foi exposto algumas jurisprudências exemplificativas do modo

a se verificar como o assunto é tratado na prática cotidiana dos tribunais brasileiros.

Page 5: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

ABSTRACT

LIMA, Ettore. The boundary between the duty of public office and the freedom of privacy of

public servants. 2015. 135 f. Scientific Initiation project of the National Scientific and

Technological Development Council - Law School. University of São Paulo, São Paulo, 2015.

Public employees with statutory legal relationship, subject to regulatory control their private

acts, must be bound by the duties and prohibitions imposed by Law No. 8,112 / 90, called

"Status of Civil Servants". These limitations are justified, in theory, the principle of

supremacy of public interest over private interest. This gives rise to such duties, imposed by

art. 116 of Law No. 8,112 / 1990 matter on an exhaustive list of restriction of specific rights

to the occupant server public office, since it is through them that the state exercises all public

services that are authorized by the Constitution Federal. Therefore, the duties are given as

practical means for the preservation of administrative principles (legality, impersonality,

morality, publicity and efficiency) established in art. 37 of the Federal Constitution. Likewise,

it has the list of prohibited conducts, established in very serious degree, by art. 132 of n.

º8.112 / 1990 Act, but also in other scattered articles of that same law, with miniature gravity.

For the sanctioning of such prohibitions, it takes the greatest administrative punishment,

which is the dismissal from the staff of the Public Administration. However, it is guaranteed

for the server, the right to administrative disciplinary proceedings before any imputation

penalty for his actions, which also respects, procedural constitutional principles such as due

process and legal defense. Thus, we have that the limitation of the private conduct of public

servants is due by inherent incumbency towards the public service which it practices once its

possession of his public office. The topic was studied by means of doctrinal build on each

subject and, finally, it was exposed some exemplary jurisprudences in an way to verify how in

fact this subject is handled in daily practice on Brazilian courts.

Page 6: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

O Leão e o Porco O rei dos animais, o rugidor leão, Com o porco engraçou, não sei por que razão. Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna (A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna): Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes, Poder de despachar os brutos pretendentes, De reprimir os maus, fazer aos bons justiça, E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça; Mas em vão, porque o porco é bom só para assar, E a sua ocupação dormir, comer, fossar. Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria, Soltavam contra ele injúria sobre injúria Os outros animais, dizendo-lhe com ira: Ora o que o berço dá, somente a cova o tira! E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais, Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais! Dos filhos para o génio olhai com madureza; Não há poder algum que mude a natureza: Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos O faça cortesão pelos seus vãos caprichos. Bocage, in Fábulas

Page 7: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 8

CAPÍTULO I: CONCEITO DE SERVIDOR PÚBLICO ...................................................................... 10

1. Agentes públicos ...................................................................................................................... 10

2. Cargo, emprego e função pública .............................................................................................. 16

CAPÍTULO II - RELAÇÃO JURÍDICA FUNCIONAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS .......................... 20

CAPÍTULO III – DO ILÍCITO ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ........ 24

1. O Ilícito e a responsabilidade ................................................................................................. 24

2. O Ilícito administrativo puro e a responsabilidade disciplinar ........................................... 31

CAPÍTULO IV – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ..................................................... 33

1. Linhas gerais do processo administrativo ............................................................................. 33

2. Processo Administrativo Disciplinar ..................................................................................... 36

3. Princípios ................................................................................................................................. 43

4. Legislação pertinente .............................................................................................................. 53

5. Sindicância e verdade sabida ................................................................................................. 53

CAPÍTULO V – DA RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PRIVADO E O DIREITO PÚBLICO ..................... 57

1. Os regimes de direito privado e de direito público ............................................................... 57

2. O Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado ....................... 59

CAPÍTULO VI – DEVERES FUNCIONAIS ...................................................................................... 63

CAPÍTULO VII - PROIBIÇÕES DISCIPLINARES ............................................................................. 79

CAPÍTULO VIII. DEMISSÃO ...................................................................................................... 107

CAPÌTULO IX. DEONTOLOGIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ................................................... 127

CAPÍTULO X. JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................... 135

CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 145

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 147

Page 8: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o liame sobre as condutas privadas dos servidores públicos

perante os deveres instituídos decorrentes do cargo ou função pública que exercem. Procura

estabelecer as consequências jurídicas de seus atos, sob o foco doutrinário e jurisprudencial.

Inicialmente, apresentamos a construção doutrinária acerca do conceito de servidor

público, explicando cada divisão específica, a saber: servidores estatutários, empregados

públicos, servidores temporários, militares e, por fim, particulares em colaboração com o

poder público.

Posteriormente, adentrando um pouco mais nesta análise, a monografia foca no estudo

da relação funcional dos servidores públicos, especificamente dos servidores estatutários, que,

por ocuparem cargo público, constituem o objeto deste trabalho. Faz-se a comparação com o

regime dos empregados públicos, que são celetistas, e da obtenção de direitos pelo servidor

estatutário perante seu Estatuto.

Seguindo a pesquisa, explica-se a doutrina acerca do ilícito como um todo e,

posteriormente, debruça-se sobre a divagação específica do ilícito administrativo. Assim, com

todo esse arcabouço teórico, pode-se estudar o processo administrativo disciplinar como um

todo, em todas as suas nuances. Desta forma, remete-se as linhas gerais do processo

administrativo, delimitando, cada vez mais o tema, até se chegar ao processo administrativo

disciplinar, considerando seus princípios e legislação pertinente.

Também se faz uma consideração acerca da dicotomia entre o direito privado e o

direito público, tema que, amplo sensu, é o cerne deste trabalho. Remete-se a clássica

dicotomia entre estes dois ramos do direito, além de apresentar conceitos mais modernos.

Também há a apresentação da teoria do interesse público e interesse privado, bem como a

supremacia desse em relação àquele.

Após, são analisados, um a um, todos os deveres funcionais e proibições impostas ao

servidor estatutário. Por fim, verifica-se as sanções cabíveis, com destaque para a demissão, a

sanção administrativa mais grave.

Page 9: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

9

Por fim, intencionando dar uma visão mais prática sobre o tema, tem-se a exposição de

alguns julgados exemplificativos, que seguem toda a visão doutrinária apresentada ao longo

de todo o trabalho.

Page 10: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

10

CAPÍTULO I: CONCEITO DE SERVIDOR PÚBLICO

1. Agentes públicos

A priori, com relação à terminologia, o vocábulo “servidor público” é usado na

Constituição Federal de 1988, Título III, Capítulo VII, seção I, Da Administração Pública,

para designar, de modo geral, as pessoas que prestam serviços públicos à Administração

Pública direta, autarquias e fundações públicas, tendo vínculo empregatício.

Entretanto, nesta mesma seção da Constituição Federal, há normas que contemplam a

Administração Pública direta e indireta, o que também, consequentemente, abrange as

empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado. Por isso

mesmo tais instituições, embora de caráter privado, venham a sofrer certas derrogações

características das instituições de direito público. Dessa forma, entende-se que “o Estado,

como pessoa jurídica, manifesta sua vontade por intermédio de pessoas físicas, que acendem

aos cargos, empregos e funções pública” (ARAGÃO, 2008, p. 1368), de modo a efetuar o

disposto na Magna Carta.

Portanto, “servidor público”, por meio de uma interpretação sistêmica da Constituição

Federal, é uma expressão empregada em dois sentidos, dependendo do contexto: em sentido

amplo, servindo para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às

entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício; e em sentido mais estrito,

sem abranger aqueles que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito

privado.

Resumindo:

O servidor público é uma pessoa física que atua como órgão de uma pessoa jurídica de direito público mediante vínculo jurídico de direito público, caracterizado pela investidura em posição jurídica criada por lei, pela ausência de função política, pela ausência de integração em corporações militares e pela remuneração proveniente de cofres públicos (JUSTEN FILHO, 2010, p. 854).

Sob outro olhar:

Page 11: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

11

O gênero servidores públicos compreende, basicamente, somado aos titulares de cargos comissionados, a figura daqueles que prestam serviços ao Estado em caráter permanente e com um vínculo de natureza profissional, os quais ingressam no serviço público mediante um processo seletivo especial, denominado concurso de provas e títulos, e que irão assumir um posto específico na Administração Pública chamado cargo público, dispondo de garantias especiais de permanência nos quadros estatais, como a estabilidade e a proteção do processo administrativo disciplinar e da sindicância como pressupostos obrigatórios procedimentais não só contra a perda de cargo, mas também para que seja imposta qualquer punição em caso de cometimento de irregularidades e transgressão das regras de conduta funcional (CARVALHO, 2011, p. 757).

Todavia, há outros tipos de pessoas que exercem a função pública, em sentido amplo,

tratadas em legislações que abrangem não somente a Administração Pública, mas também as

funções legislativas e jurisdicional do Estado. Além disso, existem as pessoas que prestam

serviços públicos, mas não tem vínculo empregatício com a Administração Pública.

Desta forma, como se pode observar, existe uma gama bastante grande de pessoas

físicas que prestam serviços ao Estado. Para uma análise classificatória deste tema, bastante

necessária para o entendimento que presta esta monografia, tomou-se como base a

classificação da doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro, mas sempre procurando abordar outras

visões de diferentes doutrinadores.

Por conseguinte, verificando a necessidade de abranger todas essas categorias de

servidores, passou a ser criada uma nova caracterização de pessoas, terminologicamente

chamadas de agentes públicos, cuja caracterização assim pode ser feita: “toda pessoa física

que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. (DI PIETRO,

2013, p. 585). Outra definição doutrinária de agente público se dá da seguinte forma: “toda

pessoa física que atua como órgão estatal, produzindo ou manifestando a vontade do Estado”

(JUSTEN FILHO, 2009, p. 704). Outra caracterização importante é feita deste modo:

“agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública

como prepostos do Estado” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 18). Fica claro que a divergência

neste ponto é pequena, pois o que ocorre é uma caracterização ampla das pessoas físicas que

prestam serviço ao Estado.

É importante ressaltar que o agente público, via de regra, não representa o Estado, uma

vez que ele atua como órgão Estatal. O entendimento é que “há uma única atuação jurídica,

no sentido de que o Estado produz atos jurídicos por meio de uma pessoa física, que forma e

Page 12: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

12

exterioriza para fins jurídicos a vontade estatal” (JUSTEN FILHO, 2010, p 825). Portanto, o

agente público não pode ser demandado em ações judiciais contra a Administração Pública.

Continuando, segundo a classificação de Maria Sylvia Di Pietro, há a noção de que o

artigo 37 da Constituição Federal, por meio dos seus diversos incisos, acaba por estabelecer,

quatro categorias de agentes públicos, a saber: agentes políticos, servidores públicos, militares

e particulares em colaboração com o Poder Público.

Os agentes políticos são:

os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, os

ocupantes dos cargos que compõe o arcabouço constitucional do Estado e, portanto,

o esquema fundamental do poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade

superior do Estado” (MELLO, 2008, p. 245).

A ideia de agentes políticos está intimamente ligada à de governo e função política.

Portanto, seriam os agentes políticos: Presidente de República, Governadores do Estado,

Prefeitos e seus Ministros e Secretários, Senadores, Deputados e Vereadores. São os agentes

que exercem as típicas atividades do governo, de direção e as que implicam a fixação de

metas, diretrizes ou de planos governamentais, decidindo o que é de mais importante em

relação à fins e meios de atuação Estatal. Tal poder é oriundo diretamente da soberania

popular.

Eles têm sua investidura obtida, majoritariamente, por meio de mandato eletivo obtido

pessoalmente através da eleição popular. Há, também, a investidura em cargo comissionado

pelo desempenho de função auxiliar mediata, como os ministros de Estado. Portanto, verifica-

se que a investidura não é o critério principal para a caracterização do agente político, mas

sim a competência constitucional de formular decisões políticas. Além disso, seu regime

jurídico é anômalo, não definido pela Constituição Federal. Deve-se observar que, neste caso,

a unidade de provimento é, de qualquer maneira, um cargo público em comissão, já que este

cargo político não decorre de provimento dado por meio de eleição.

Vale salientar que, segundo o entendimento doutrinário:

Page 13: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

13

os agentes políticos, como Ministros e secretários de Estado, não estão sujeitos a responsabilidade disciplinar em virtude das peculiaridades próprias de seus elevados cargos, podendo, todavia, seus atos irregulares ser enquadrados nas disposições e para os fins da Lei federal n.º 8.429/92 (CARVALHO, 2011, p. 765).

Os servidores públicos, em sentido lato, são “as pessoas físicas que prestam serviço ao

Estados e às atividades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante

remuneração paga pelos cofres públicos” (DI PIETRO, 2013, p. 587), compreendendo três

tipos: servidores estatutários, empregados públicos e servidores temporários.

Os servidores estatutários estão sujeitos à um regime jurídico próprio, chamado regime

estatutário, e ocupam os chamados “cargos públicos”. O regime estatutário é estabelecido por

lei por cada uma das unidades da federação e pode ser modificado unilateralmente, mas

sempre respeitando os direitos já adquiridos pelo servidor. Por meio do ato de posse, eles se

submetem a uma situação jurídica já previamente definida, pois tais normas são de ordem

pública, cogentes e, portanto, inderrogáveis por qualquer tipo de contrato pactuado entre o

servidor e a Administração Pública. Os servidores que “desenvolvam atividades exclusivas do

Estado”, conforme o artigo 247 da Constituição Federal, são considerados servidores

estatutários, pois gozam da devida estabilidade.

Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.

Os empregados públicos, que ocupam os chamados “empregos públicos”, são

contratados sobre o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Assim, como é

competência privativa para legislar sobre Direito do Trabalho, somente à União pode

modificar tais regras trabalhistas, de acordo com o artigo 22, I, da Constituição Federal.

Todavia, os empregados públicos ainda estão submetidos às normas constitucionais

específicas previstas no Capítulo VII, Título III, da Constituição Federal, apesar de serem

submetidos ao regime celetista. Tais normas constitucionais versam sobre: investidura,

acumulação de cargos, vencimentos, entre outros critérios e requisitos. Os servidores

integrantes dos quadros de funcionários das empresas públicas, sociedades de economia mista

e fundações privadas são regidos, via de regra, pelo regime celetista, como disposto pelo

artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.

Page 14: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

14

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços [...]

O terceiro tipo de servidor público, chamados servidores temporários, são contratados

visando o exercício de funções temporárias para satisfazer a necessidade do interesse público,

conforme estabelecido no artigo 37, IX, da Constituição Federal. Eles se submetem a um

regime jurídico especial, de acordo com a legislação de cada unidade da Federação. No

Estado de São Paulo, especificamente, a regulação deste regime veio com a Lei n.º 1.093 de

17 de julho de 2009. Já no âmbito federal, a contratação de servidores temporários está

disciplinada pela lei n.º 8.745 de 09 de dezembro de 1993.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Estes servidores públicos exercem função pública, mesmo em caráter temporário. Fica

evidente que o objetivo é o atendimento ao interesse público, como bem-dispõe a norma

constitucional. Portanto, tais servidores, assim como os de outros tipos, tem o encargo de

exercer uma atividade pública, sendo devidamente remunerados pelos cofres públicos para

tanto.

Situação específica tem os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às

endemias, previstas pelo artigo 198, § 4º da Constituição Federal.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

Page 15: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

15

§ 4.º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

Eles estão sujeitos ao regime da CLT, segundo disciplina a Lei n.º 11.350 de 2006

(salvo se, nos Estados, Distrito Federal e Municípios, dispuser ao contrário). Ademais, diz a

Lei que exercem emprego público, prevendo sua contratação mediante processo seletivo

público de provas e provas e títulos (e não por meio de concurso público, o que ficaria em

conformidade com o ordenamento jurídico), prevendo, além das formas tradicionais de perda

de cargo, mais uma: o descumprimento dos requisitos específicos fixados em lei.

Os militares, outra categoria de agentes públicos, correspondem às pessoas físicas

membros das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), tal qual descreve o artigo

142, § 3º da Constituição Federal, além das que fazem parte das Polícias Militares e Corpo de

Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios, tal qual preconiza o

artigo 42 da Constituição Federal.

Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º. Os membros das Forças Armadas são denominados militares [...]

VII – aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, VII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, XI, XIII, XIV e XV.

Eles têm regime jurídico estatutário próprio, definido pela legislação concernente aos

militares. Todavia, lhes são atribuídas algumas garantias do trabalhador privado, conforme o

mandamento do artigo 142, § 3º, inciso VIII, da Constituição Federal. Por outro lado, também

estão sujeitos a regras próprias do regime jurídico do servidor público.

Por fim, a última categoria dos agentes públicos é a dos particulares em colaboração

com o Poder Público. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, são as “pessoas físicas que

Page 16: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

16

prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração” (DI

PIETRO, 2013, p. 592), fazendo-os sob algumas maneiras específicas, que são:

a) por delegação do poder público, que, segundo o artigo 236 das Constituição

Federal, são os servidores que exercem função pública em seu próprio nome, sem vínculo

empregatício com o Estado. Porém, tem suas atividades por ele fiscalizadas, devido à função

pública que exercem. A remuneração que tais servidores recebem não advém dos cofres

públicos, mas sim dos terceiros usuários destes serviços. Os exemplos, além dos

exemplificados no referido artigo (serviços notariais e de registros), são, também, os

empregados das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, leiloeiros,

tradutores e intérpretes públicos.

b) por requisição, nomeação ou designação, quando se é necessário o exercício de alguma

função pública relevante em determinado momento. É o caso dos jurados, dos convocados

para serviço eleitoral, grupos de trabalho, etc. Tais pessoas não têm vínculo empregatício com

o Estado, e, geralmente, não são remuneradas para exercerem tais atividades.

c) como gestores de negócio, que são as pessoas que assumem alguma função pública em

caso de emergência, como em alguma catástrofe, epidemia, deslizamento de terras, enchente,

etc.

2. Cargo, emprego e função pública

Considerando as conceituações detalhadas acima, mister se faz a diferenciação de

cargo, emprego e função pública, já que os três vocábulos são empregados na Constituição

Federal acerca do trabalho dos agentes públicos. É importante não haver confusão acerca

destes conceitos, já que fazem referências à tipos de agentes públicos diferentes. Como bem

conceitua o doutrinador:

Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas. (MELLO, 2008, p. 250).

Page 17: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

17

Sobre outra ótica:

Cargo público é uma posição jurídica, utilizada como instrumento de organização da estrutura administrativa, criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral do Estado e por certas garantias em pró do titular (JUSTEN FIFHO, 2011, p 847).

O cargo público é usado para se dar a organização correta da Administração Pública,

uma vez que as atribuições da entidade ou órgão estatal é dividido entre todos os diversos

casos desta entidade ou órgão. Assim, verifica-se o caráter de ordem e sistematização,

característico da Administração Pública, somente possível graças ao emprego dos cargos

públicos. Por isto mesmo, o cargo público está sujeito a uma série de garantias, características

do regime público, que não encontram paralelos no direito privado.

Lembrando que somente a lei pode criar cargos públicos, tal qual dita o art. 48, X, da

Constituição Federal, sujeito a exceção somente no disposto no art. 84, VI, b, do mesmo texto

normativo. Esta lei deverá, além de criar o referido cargo, estipular todas as suas atribuições e

competências, deveres e direitos, bem como modo de investidura e as condições para o

exercício da atividade.

Art. 48 Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

X- X – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

A expressão emprego público é usada da mesma forma que o cargo público, todavia

sob outro regime jurídico. Portanto, o empregado público tem vínculo contratual regido pela

CLT, já o ocupante de cargo público tem vínculo contratual estatutário, regido pelo Estatuto

dos Funcionários Públicos, que no âmbito da União se dá pela Lei 8.112/90, que consolidou o

regime jurídico único.

Page 18: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

18

Nas pessoas jurídicas de Direito Público e em suas Administrações Indiretas,

convivem concomitantemente servidores que ocupam cargos públicos com servidores que

ocupam empregos públicos. Mas nas pessoas jurídicas de Direito Privado da Administração

Indireta, há somente empregos públicos.

É importante salientar que há, via de regra, a necessidade de se adotar o procedimento

do concurso público para a seleção de servidores que devam ser providos de cargos públicos

ou empregos públicos. Como bem acentua o doutrinador:

O concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos públicos de provimento efetivo ou emprego público (JUSTEN FILHO, 2011, p. 852).

Os casos em que existe a possibilidade de seleção de servidores para o provimento de

cargo ou emprego público, sem a necessidade de concurso público, se dá em razão dos cargos

de grande importância, oriundos do mais elevado escalão, tal qual acontece no Poder

Judiciário e no Tribunal de Contas. Nestes casos, eventual procedimento objetivo, como o

concurso público, poderia afastar o interesse da pessoa adequada para a ocupação do cargo ou

emprego público, bem como, porventura, selecionar pessoa que não seja de tamanha

confiança ou competência necessária.

Todavia, há servidores públicos que exercem funções que não correspondem às

individualidades do cargo público e do emprego público. Daí, decorre a ideia da função

pública, que tem um conceito residual, sendo o conjunto de atribuições às quais não

corresponde um cargo ou emprego. A função pública “é a atividade em si mesma, ou seja,

função é sinônimo de atribuição e corresponde às inúmeras tarefas que constituem o objeto

dos serviços prestados pelos servidores públicos. Nesse sentido, fala-se em função de apoio”

(CARVALHO FILHO, 2013, p. 611).

Deste modo, exerce função pública os servidores contratados temporariamente, à luz

do artigo 37, IX, da Constituição Federal, e as funções de chefia, assessoramento, ou outro

tipo de atividade permanente para o qual o legislador não criou cargo específico. Em geral,

Page 19: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

19

essa última hipótese corresponde aos cargos comissionados a que se refere o artigo 37, V, da

Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

É importante salientar que todo cargo tem função, pois toda unidade de atribuições a serem

exercidas por uma pessoa física da Administração deve ter uma ocupação e tarefas

predeterminadas. Entretanto, nem toda função implica na existência prévia de um cargo

público.

Page 20: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

20

CAPÍTULO II - RELAÇÂO JURÍDICA FUNCIONAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Assunto já pincelado no capítulo anterior, neste capítulo se abordará, com maior

profundidade a relação jurídica funcional relativa aos servidores públicos. Primeiramente, é

importante salientar que o vocábulo funcional tem relação com a atividade do servidor no

desempenho da sua função pública. Todavia, neste capítulo, se dará uma abordagem ao

contrato firmado entre a pessoa física e o Estado, para o exercício do trabalho estatal.

A justificativa para se ter uma relação jurídica específica entre o Estado e seus

servidores se dá, justamente, por causa de serem estes os executores da vontade Estatal, como

bem explica Edmir Netto de Araújo:

Talvez se explique a celeuma que se forma em torno da natureza jurídica do vínculo que une o agente público ao Estado em virtude de ser aquele o meio da ação estatal, o instrumento que dispõe o Estado para agir, ainda que não deva tratar o homem como meio. O fato é que o Estado, pessoa jurídica, apenas pode se fazer atuante por meio de pessoas físicas. Aí a importância vital do agente de Estado (ARAÚJO, 2005, p. 257).

Esta relação jurídica funcional, tecnicamente, pode ser qualificada como regime

jurídico funcional. Em linhas gerais, regime jurídico “é o conjunto de regras de direito que

regulam determinada relação jurídica”. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 598). Deste regime

jurídico se incidem os direitos e deveres que os servidores públicos terão.

A Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990 (alterada pela Lei n.º 9.527 de 10 de outubro

de 1997) instituiu o regime estatutário como regime jurídico único para os servidores públicos

Page 21: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

21

civis da União, bem como das autarquias e fundações públicas federais. Posteriormente, com

a Emenda Constitucional n.º 19 de 04 de junho de 1998, findou-se tal obrigatoriedade para

todas as categorias de servidores. Entretanto, posteriormente, com o julgamento da ADIn

2.135/00 – DF, suspendeu-se a redação de tal Emenda Constitucional, voltando a

obrigatoriedade do regime jurídico único para os servidores da Administração Pública Direta,

autarquias e fundações públicas.

Deste modo, a decisão do STF acabou por criar efeitos vinculantes para o futuro. Ou

seja, a partir do momento que foi reestabelecida a redação original do art. 39, caput, da

Constituição Federal, restabeleceu-se a decisão em face do regime futuro. Portanto,

concretamente, passou a existirem empregados públicos submetidos ao regime único, não

afetados pela decisão do STF, contratados durante o período de validade da alteração do art.

39, caput.

Portanto, o regime estatutário “é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica

funcional entre o servidor público estatutário e o Estado” (CARVALHO FILHO, 2013, p.

599), regido, como já dito, na Lei n.º 8.112/90, que regulamenta funcionalismo público civil

da União e se aplica em caráter subsidiário às demais entidades da Administração Pública.

Neste regime, é possível, perfeitamente, o surgimento de direito adquirido, que acontece

quando a lei relacionar o surgimento de algum direito ao suprimento de algum requisito.

Quando suprido o requisito, ocorre o direito adquirido.

Já os empregados públicos, por meio da imposição do art. 173, § 1º, II, da Constituição

Federal, são submetidos ao regime celetista.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1.º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Page 22: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

22

Um aspecto a ser ressaltado quanto à relação jurídica dos empregados públicos perante

o Poder Público, é que há normas constitucionais que influenciam no regime trabalhista

aplicável. Isso ocorre, pois, a Constituição se refere a “quaisquer servidores públicos”, o que,

interpretativamente, condiciona à inclusão dos empregados públicos.

O regime celetista, desta forma, sofre algumas influências do direito público. Tais

influências são descritas a seguir:

Constituídas de prerrogativas e sujeições que não se aplicam a empregados de empresas particulares, tais como a exigência de concurso para a admissão proibição de acumulação de cargos, funções e outros empregos públicos, limites de salários e outras. As derrogações não podem ser criadas (mas apenas adotadas) por Estados, Municípios e Distrito Federal, porque não possuem competência (reservada à União) para legislar sobre direito do trabalho. Assim, só se aplicam as derrogações decorrentes da Constituição Federal. (ARAÚJO, 2006, p. 266)

Isto se deve pois eles exercem atividade nas chamadas empresas governamentais

(sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas), que aplicam tal

regime “em razão da origem que têm e aporte aos recursos públicos para sua constituição,

limitações de ordem administrativa, reveladoras do interesse públicos que devem perseguir”

(GASPARINI, 2009, p. 173). Assim, fica claro que tais servidores ficam submetidos a uma

relação jurídica mista, com traços celetistas, contendo tanto obrigações como direitos

administrativos e constitucionais, inerentes às atividades públicas que exercem.

Vale ressaltar que, em qualquer relação contratual, os direitos e obrigações firmados

reciprocamente o momento da avença são imutáveis unilateralmente, constituindo, de

imediato, o patrimônio jurídico das partes. Contrariamente, em uma relação em que há o

liame da função pública, regida por um estatuto, o Estado pode alterar o regime jurídico de

seus servidores (é claro que há as ressalvas constitucionais, que garantem certos

impedimentos à atuação do Estado).

Portanto, aos servidores estatutários não há, via de regra, a garantia de que seu regime

jurídico continuará disciplinado pelas disposições vigentes no momento de seu ingresso ao

cargo público. Benefícios e vantagens podem ser suprimidos ulteriormente, bem como

aumentados do mesmo jeito. Assim, os direitos estatutários não ingressam de imediato ao

patrimônio jurídico deste tipo de servidor, tal qual acontece com um contrato regido pelo

regime celetista.

Page 23: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

23

O cargo público constitui uma posição jurídica cujo conteúdo é formado por um conjunto de determinadas competências, direitos e deveres de cunho funcional. Uma das características marcantes do regime jurídico próprio do cargo público é a possibilidade de alteração unilateral por parte do Estado. [...] Como a atuação do servidor público é um meio de satisfação das necessidades da comunidade, o direito autoriza a alteração unilateral pelo Estado das condições originais de atuação do servidor (JUSTEN FILHO, 2011, p. 903)

Mas isto não quer dizer que o servidor não adquira direitos oriundos do estatuto. Basta

que não haja nenhum impedimento, de modo que ele supra os pressupostos de aquisição.

Porém, faz-se necessária tal análise para concluir que tais direitos não irrompem do mesmo

modo que uma relação contratual trabalhista. Como diz o doutrinador, “não há propriamente

um contrato de trabalho entre referidos agentes e a Administração Pública. Uma vez

empossados em seus respectivos cargos públicos, tais agentes aderem às normas do estatuto

preexistente” (GOMES, 2012, p. 266).

Assim, fica claro que o regime estatutário serve para atender as exigências de um

vínculo em que não estão atendidos somente os interesses empregatícios, mas também para

atender as exigências que correspondem a interesses públicos elementares, uma vez que os

servidores públicos são os instrumentos estatais para sua atuação fática. Tal concepção é

muito importante para a continuação e concepção geral do presente trabalho.

Vale ressaltar a opção por este modelo que engloba tanto servidores regidos pelo

regime Estatutário quanto servidores regidos pelo regime Celetista, explicada pelo

doutrinador: “uma opção político-administrativa do ente federado, que poderá escolher pelo

regime estatutário ou misto, mas nunca exclusivamente celetista” (GASPARINI, 2009, p.

173).

Page 24: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

24

CAPÍTULO III – DO ILÍCITO ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA.

1. O Ilícito e a responsabilidade

O ilícito, segundo Edmir Netto de Araújo:

É uma categoria jurídica, não exclusiva de qualquer ramo do Direito, que compreende toda ação (ou omissão) humana antijurídica, culpável, envolvendo responsabilidades e sanções, e que pode assumir diferentes conotações (penal, civil, trabalhista, tributário, administrativo), conforme a área jurídica focalizada (ARAÚJO, 1941, p. 27).

Segundo José Cretella Jr, o “ilícito é toda ação humana, antijurídica, culpável, que

envolve responsabilidades e sanções (CRETELLA JUNIOR, 1980, p. 46). Portanto, verifica-

se que o ilícito é um tipo jurídico geral, que abrange grande parte dos campos do Direito, não

se limitando, somente, ao âmbito administrativo.

Seus elementos, conforme o exposto, são: ato ou omissão humanos, a infringência à

norma legal do ramo considerado, o dano e a responsabilidade. Ou seja: é, resumidamente, o

dever de alguém responder à algum desequilíbrio por ele causado na ordem natural-legal da

sociedade.

Enquanto no direito privado é comum a ideia de que o ato ilícito é antijurídico, sendo,

assim, um ato não jurídico, é errôneo dizer que dele não se produzem efeitos jurídicos, uma

Page 25: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

25

vez que o vocábulo “antijurídico” significa apenas a reprovação jurídica do ato, e não que não

produz efeitos. Deste modo, “o ato ilícito é jurídico porque produz efeitos jurídicos, ainda que

não aqueles pretendidos pelo agente” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 359).

Salienta-se, deste modo, que é o ato ou omissão humana que gera o ilícito, não

podendo relacioná-lo a qualquer fato decorrente de atividade da natureza. O desequilíbrio

causado pelo ilícito enseja a reparação do dano causado. Dano, segundo Edmir Netto de

Araújo, “é a consequência da perturbação causada pelo agente humano, podendo ser material

(patrimonial, físico) ou moral” (ARAÚJO, 1941, p. 23).

Especificamente quanto ao ilícito administrativo, concernente ao tema desta

monografia, tal ação ou omissão serão imputadas aos agentes administrativos que

desobedecerem a diplomas estatutários. Quanto aos servidores que tem a relação jurídica

conforme o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, seguem os mesmos parâmetros,

tal qual os motivos já definidos no capítulo anterior.

Anteriormente, considerava-se que o ato ilícito produzido pela função pública não

implicava na responsabilidade do Estado, haja vista que são as próprias pessoas físicas que

praticam tais atos, cabendo-lhes esta responsabilidade. Esta ideia, atualmente, caiu por terra.

O entendimento presente é de que a Administração Pública responde pelos atos antijurídicos

praticados por seus servidores. Deste modo, “o ato ilícito praticado no exercício da função

administrativa é jurídico (embora reprovável) e produz inúmeros efeitos jurídicos, entre os

quais a responsabilização do Estado” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 360).

Solucionada a questão do ato entramos da problemática específica do ilícito

administrativo. O ilício administrativo, deste modo, corresponde, portanto:

À ação ou omissão antijurídica, culpável, prejudicial, especialmente catalogada nos estatutos funcionais e outras normas que disciplinam a atividade dos agentes públicos. Essa ação ou omissão pode relacionar-se com a hierarquia, ou com as próprias condição funcional do agente público [...] ” (ARAÚJO, 1941, p. 100).

Continuando nesta exposição, temos que, ainda segundo a teoria de Edmir Netto de

Araújo, o ilícito administrativo puro se subdivide em: ilícito administrativo disciplinar,

quando atenta contra a ordem hierárquica; e o ilícito administrativo não disciplinar, quando

Page 26: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

26

atenta a boa ordem do serviço público, sem relação de hierarquia ou subordinação. O ilícito

administrativo não disciplinar também é chamado de funcional (ARAÚJO, 1994, p. 28).

Entretanto, dependendo do grau da conduta ilícita, pode-se, até mesmo, tipificá-la

como ilícito penal e cível. Isto acontece quando o campo de punição extrapola o direito

administrativo. Consequentemente, o servidor pode ser responsabilizado tanto no campo

administrativo, quanto penal e cível. Daí decorre o artigo 121 da Lei n.º 8.112/1990, que

assim dispõe:

Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

Ademais, o artigo 125 desta mesma lei diz que tanto as sanções civis quanto penais e

administrativas podem cumular-se, sendo independentes entre si. Por meio deste artigo pode-

se ter o questionamento se não há afronte a regra geral do Direito do non bis in idem, que diz

que “ninguém poderá ser punido mais de uma vez pela prática do mesmo fato” (COSTA,

2009, p. 114). Neste caso, tal regra somente se aplicaria se o servidor, praticando somente um

ilícito, fosse responsabilizado mais de uma vez em qualquer uma das esferas supracitadas.

Portanto, o artigo em questão não vai contra a regra do non bis in idem, pois refere-se à

aplicação de somente uma sanção por área do direito atribuída a responsabilidade.

Neste mesmo sentido há a Súmula n.º 19 do Supremo Tribunal Federal, cujo teor é: “É

inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que

fundou a primeira.

Mas é bastante comum, na prática, ocorrerem sanções nos campos administrativo e

penal, simultaneamente, uma vez que a conduta tipificada criminalmente também é tipificada

como ilícito administrativo. O ilícito administrativo penal é classificado na categoria dos

chamados crimes especiais (também chamados de oficiais ou funcionais), pois exigem um

elemento qualificatório do sujeito ativo: ser funcionário público (na Lei 8.112/1990, diz-se

servidor público). Portanto, é diferente dos crimes comuns, em que não há tal qualificação.

Ademais, em casos de coautoria, como prevê o artigo 30 do Código Penal, tal qualificação

pode ser comunicada ao particular.

Page 27: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

27

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Tais delitos podem ser classificados como impróprios ou próprios, de acordo com o

que versa o doutrinador:

Os primeiros, como p. ex. o peculato, seriam delitos comuns, mas qualificados e agravados pela condição de funcionário público ativo, fundamentando-se a agravante no dever funcional e moral de probidade administrativa (ou mesmo no prejuízo do Erário) que deve caracterizar a função pública. Já ou segundos pressupõem o exercício da função pública, propriamente dito, sem o que não seria possível a prática do comportamento delituoso (como ocorre, p. ex., com o crime de corrupção passiva); esse exercício é essencial para a configuração dessa classe de crimes (NORONHA, 1981, p. 257)

A regra, de modo geral, é que os ilícitos administrativos penais também sejam, de

modo geral, classificados como ilícitos administrativos. Portanto, a distinção entre os crimes

próprios ou impróprios se torna irrelevante para a caracterização do ilícito administrativo

penal.

Portanto, podemos considerar que os crimes previstos no Capítulo I do Título XI do

Código Penal (arts. 312 a 326), intitulado “Dos crimes praticados por funcionário público

contra a Administração em geral”, são considerados ilícitos administrativos penais. Também

são considerados os crimes previstos nas leis especiais, como os elencados na Lei 8.666/1993

(Lei das Licitações).

Todavia, deve-se ressaltar que nem sempre o ilícito administrativo penal será o “crime

contra a Administração praticado por funcionário”, tal qual estabelece o artigo 312 e seguintes

do Código Penal. Também podem ser enquadrados neste tipo de ilícito outras condutas, como

crimes comuns praticados eventualmente por funcionário (como desacato e desobediência) e

crimes definidos em Estatutos.

Quanto às contravenções penais, há os artigos 66 a 70, que estão no Capítulo VIII do

Decreto-lei federal n.º 3.688/1941, que cuidam das “Contravenções referentes à

Administração Pública”. O único tipo de contravenção que exige características especiais,

assim como os crimes, é o exposto no artigo 66, I.

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

Page 28: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

28

I-crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, dede que a ação penal não dependa de representação.

Todavia, também se pode caracterizar outras condutas contravencionais como ilícitos

administrativos, também. Eles serão na modalidade contravencional caso praticados por

funcionários públicos dentro da repartição, principalmente dentro do expediente. Nesse caso,

é caracterizado um delito administrativo impróprio, tal qual comentado acima. Assim, “trata-

se de ilícito administrativo contravencional, uma vez que é capitulado também,

ordinariamente, nos estatutos funcionais, sendo eventualmente punível nas duas esferas”

(ARAUJO, 1941, p. 43).

A responsabilidade, de maneira geral, é vinculada à ideia de imputabilidade a alguém

por conta de algum desequilíbrio causado na ordem natural das coisas. Além disso, por meio

dela, advém a percepção de que há a obrigatoriedade de ressarcimento ou reparação deste

desequilíbrio que fora causado pelo culpado, direta ou indiretamente, do dano material ou

moral. Ou seja, esta pessoa culpada é a responsável pela ação ou omissão danosa.

Isto posto, tem-se que tal desequilíbrio é, justamente, o ilícito. Assim, está fixada a

relação entre o ilícito e a responsabilidade. No campo administrativo, tem-se a

responsabilidade administrativa quando se tem a “infração de regras de conduta relativas a

trabalho e emprego dos agentes públicos, bem como às atividades pelos mesmos

desempenhados no exercício de suas funções” (ARAUJO, 1941, p. 54). Assim, acontece

quando, basicamente, o servidor viola as normas internas da Administração, tanto as

estabelecidas em Estatuto quanto em leis complementares ou qualquer outra normativa que

direciona a função que ele exerce. Esta responsabilidade administrativa pode ser classificada

em disciplinar ou funcional, tal qual o tipo de ilícito administrativo que a gerou, como já dito.

A responsabilidade administrativa advém, também, do interesse coletivo, que dá

elevado teor publicista aos serviços prestados pelos servidores. Por isso, a Administração

Pública é dotada de algumas prerrogativas para que o interesse público jamais seja mitigado

por desequilíbrios causados por atos dos servidores. Desta forma:

O Estado é uma pessoa jurídica de direito público e, como tal é um ente apenas abstrato. Nada pode realizar por si só, e sim por intermédio dos seus servidores. Estes, por serem realidades concretas e humanas, estão sujeitos a erros e

Page 29: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

29

imperfeições. Tais fragilidades, próprias do ser humano, adquirem gravidade ainda maior quando levadas ao gerenciamento da coisa pública (COSTA, 2008, p. 108).

Lembrando que:

Não há relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-se, a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento de deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de cargo ou ilícitos que correspondem a crimes e contravenções. Isso significa que a Administração dispõe de certa margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos previstos na lei, o que não significa posição de decisão arbitrária, já que são previstos critérios a serem observados obrigatoriamente (DI PIETRO, 2013, p. 674).

A responsabilidade civil acontece quando o servidor “no exercício de suas funções,

agindo de forma dolosa ou culposa, causa prejuízo à Fazenda Pública ou a terceiros. A forma

omissiva verifica-se quando o agente, tendo o dever legal de agir, omite-se” (COSTA, 2009,

p. 109). Existe, logicamente, a possibilidade de serem afetados, no decorrer do ilícito, tanto o

patrimônio público quanto o de um particular.

Este tipo de responsabilidade não precisa estar expressa nos Estatutos dos Servidores

Públicos. Ele advém, independentemente de qualquer outra normativa, da regra geral do

artigo 186 do Código Civil Brasileiro:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O ressarcimento ao Erário, quando se tratar de dano dolosamente causado pelo

servidor, será feito com base em desconto na remuneração ou proventos do servidor

responsável. Tal hipótese se dá no caso de o servidor não ter bens que assegurem a execução

judicial. Isto está disposto no artigo 46 da Lei n.º 8.112/1990.

Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao

Page 30: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

30

pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.

§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão.

§ 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela.

§ 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição.

Já no caso de prejuízos a terceiros, segundo o artigo 122, §2º, da Lei n.º 8.112/1990,

caberá ação regressiva contra o servidor, mas devendo ser proposta perante a Fazenda

Pública.

Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

§ 2o. Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.

A responsabilidade penal, oriunda do ilícito administrativo penal, é caracterizada pelo

comportamento enquadrado na tipificação penal, quando o servidor exerce suas funções ou,

em certos casos, até mesmo fora de suas funções. Assim, se constitui falta gravíssima, sendo

apurada tanto pelo Poder Judiciário quanto pela Administração Pública.

Desta forma, acaba a caracterização genérica do ilícito e da responsabilidade.

Devemos, a seguir, dando continuidade a esta monografia, adentrarmos no estudo específico

do ilícito e responsabilidade somente no âmbito Administrativo.

Antes disto, considerarmos mais uma visão doutrinária acerca do tema tratado:

Pelo exercício irregular de suas atribuições, não está o funcionário público sujeito a ser responsabilizado apenas pelo prisma disciplinar. Sujeita-se, igualmente, à responsabilidade civil e penal, consoante as normas do Direito Civil e da legislação penal, respectivamente” (COSTA, 2009, p. 170).

Page 31: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

31

2. O Ilícito administrativo puro e a responsabilidade disciplinar

Entretanto, existem condutas tipificadas somente como ilícito administrativo, que,

segundo Edmir Netto de Araújo, são denominadas ilícito administrativo puro. Para esta

modalidade, entende-se que a conduta foi menos ofensiva, não necessitando de uma sanção

penal, somente ofendendo um bem jurídico relativo ao funcionamento regular da

Administração Pública. Neste caso, não há a responsabilização concomitante nas áreas cível e

penal, mas somente na administrativa.

O ilícito administrativo puro está disposto, basicamente, nos Estatutos funcionais e nas

disposições normativas complementares. Mas também pode haver a incidência da

Consolidação das Leis do Trabalho e suas normas conexas, para o caso de agentes contratados

sob este regime.

Assim, em resumo, tal tipo de ilicitude é:

configurado pelas faltas que o agente pode praticar em relação à sua função e sua repartição, como faltas funcionais (deveres e proibições funcionais), disciplinares (desrespeito à hierarquia) e perturbações, em geral, ao serviço público (ARAUJO, 1941, p. 57).

Para estes casos, o método de apuração da responsabilidade não se dá por meio do

processo penal, como em um ilícito penal, bem como suas respectivas sanções não estão

estipuladas no Código Penal. O ilícito administrativo puro é julgado perante o processo

administrativo disciplinar, regido pela Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999 para os agentes

públicos federais. Ademais, sua sanção é dada pelos regimes legais que disciplinam

respectivamente tais servidores.

Portanto, o ilícito administrativo não tem interferência da jurisdição do Poder

Judiciário, a quem não compete o julgamento de faltas disciplinares e suas punições. Daí,

advém a hipótese de alguns autores falarem da existência da coisa julgada administrativa.

Consequentemente, a responsabilidade disciplinar decorre da obrigação que tem o

servidor público de arcar com as consequências da transgressão cometida. É “a obrigação que

tem o agente público de sofrer determinada punição, em razão de haver, nos termos do

regulamento próprio, cometido alguma transgressão” (COSTA, 2008, p. 108).

Page 32: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

32

É importantíssima a delimitação sobre quando começa e quando termina a

responsabilidade disciplinar. Nas esferas civil e penal tais delimitações estão definidas em lei,

o que não ocorre no âmbito administrativo.

No Direito Privado, a personalidade jurídica da pessoa física começa,

concomitantemente com sua responsabilidade, com o nascimento com vida (artigo 4 do

Código Civil), findando-se com a morte, apesar de certas obrigações poderem ser transmitidas

aos herdeiros. No Direito Penal, a responsabilidade inicia-se com a maioridade penal (artigo

27 Código Penal) e termina com a morte (artigo 107, I, Código Penal). Já no Direito

Administrativo Disciplinar, a construção doutrinária aponta para o sentido de que a

responsabilidade começa com o dia da investidura no cargo ou função, e termina no momento

da desinvestidura. Assim, o servidor não pode ser responsabilizado por conduta que cometeu

anteriormente ou posteriormente ao ocupar seu cargo ou função. Portanto, a responsabilidade

disciplinar existe enquanto durar o vínculo do agente ao Órgão Público.

Mister se faz a caracterização da responsabilidade dos agentes inativos, tanto por

aposentadoria quanto por disponibilidade. Eles estão sujeitos, caso tenham cometido

transgressão disciplinar, enquanto ainda estavam na ativa, à pena disciplinar de cassação da

aposentadoria ou da disponibilidade. Tal dispositivo é regulado pelo artigo 134 da Lei n.º

8.112/1990.

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Page 33: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

33

CAPÍTULO IV – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

1. Linhas gerais do processo administrativo

Processo é conceituado genericamente, tal qual as palavras do grande processualista

Cássio Scarpiella Bueno, como o “método de atuação do Estado (de um específico modelo de

estado, o Democrático de Direito [..]” (BUENO, 2013, p. 356). Todavia, visto como o modo

pelo qual o Estado aplica a lei, tal qual é o processo administrativo, também pode ser definido

como “o pedido de tutela jurisdicional a ser prestado diante de uma situação de lesão ou

ameaça” (BUENO, 2013, p. 356).

Entretanto, de acordo com as teorias mais atuais:

Processo deixou de ser um instrumento voltado à atuação da lei para passar a ser um instrumento preocupado com a proteção de direitos, na medida em que o Juiz, no Estado constitucional, além de atribuir significado ao caso concreto, compreende a lei na dimensão dos direitos fundamentais” (MARINONI, 2012, p. 413).

Resumidamente, o processo “é o conjunto ordenado de atos e termos procedimentais

entre si encadeados, que objetivam solucionar litígio ou pretensão resistida” (GUIMARÃES,

2006, p. 128). Fica, de qualquer forma, extremamente claro o enorme perfil publicista do

processo, cujo alguns elementos principais são comuns em todas as searas do Direito.

Historicamente:

a origem do processo administrativo, com as garantias do devido processo legal, está relacionada com o surgimento do Estado de Direito, com o reconhecimento da limitação política da autoridade do Estado e a declaração dos direitos fundamentais do indivíduo, pois aquelas garantias (do devido processo legal) nasceram inicialmente para o processo penal, com o advento da Carta Magna de 1215 (GRINOVER, 2009, p. 172).

A jurisdição, como um destes elementos, nada mais é do que o direito aplicável às

soluções de um conflito. Como diz Guimarães, “a jurisdição se verifica diante de conflito de

interesses, especialmente quando há ameaça de agressão a direito alheio, resistência a uma

Page 34: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

34

pretensão que se diz justa e legítima ou interesse lesado” (GUIMARÃES, 2006, p. 87). Para a

solução deste conflito, por conseguinte, é necessária a atuação do Estado.

Todavia, tal função jurisdicional não é, como parece, a princípio, exclusiva do Poder

Judiciário. Tanto o Executivo quanto o Legislativo também exercem tal função, resguardados

a execução de suas atividades primárias e respeitados os parâmetros legais.

No Poder Executivo, tanto os órgãos da Administração direta quanto indireta tem o poder

jurisdicional, constitucionalmente conferido. Por causa deste poder que a Administração pode

julgar, processualmente, seus servidores pela prática do ilícito administrativo ou de atos

contrários a deveres funcionais, independentemente do trâmite processual da mesma ação nas

esferas judiciárias.

As autoridades administrativas, quando aplicam o poder jurisdicional do Estado, também

ficam vinculadas às regras de competência ditadas pela lei, tal qual os Juízes do Poder

Judiciário. A competência é “a prerrogativa legal conferida ao julgador para atuar e que limita

o poder jurisdicional, conforme o caso, segundo a natureza da demanda, a qualidade da

pessoa, e o lugar onde os fatos ocorrera” (GUIMARÃES, 2006, p. 88).

Para provocar a Jurisdição Estatal, criou-se um instrumento próprio, denominado ação,

que é, basicamente, “o exercício do direito público subjetivo de provocar a tutela jurisdicional

do Estado” (GUIMARÃES, 2006, p. 88). Ou seja, é por meio da ação que o Estado se move

para decidir sobre o litígio em questão.

Essa “mobilidade” estatal é chamada de processo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica

o procedimento geral de todos os processos:

O processo (...) se instaura sempre mediante provocação de uma das partes (o autor) que, por ser titular de um interesse conflitante com o de outra parte (o réu), necessita da intervenção de uma terceira pessoa (o juiz), o qual, atuando com imparcialidade, aplica a lei ao caso concreto, compondo a lide. A relação jurídica é trilateral: as partes (autor e réu) e o juiz (DI PIETRO, 2013, p. 683).

Então, a Administração Pública também é provocada para exercer sua jurisdição por

meio de uma ação, a qual leva à instauração de um processo. Entretanto, no processo

administrativo, a provocação pode se dar tanto pela Administração Pública quanto pelo

interessado. A ação é proposta por quem soube da irregularidade, do ilícito administrativo.

Page 35: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

35

O “juiz”, neste caso, também é a própria Administração Pública, por meio de seus

órgãos superiores. Todavia, a Administração não pode ser parte e “juiz” ao mesmo tempo. Por

isso, suas decisões não têm poder de coisa julgada, o que é a principal diferença para a função

jurisdicional do estado.

Todavia, tem-se tido uma discussão doutrinária acerca da validade do processo na

Administração Pública, uma vez que ela exerce sua atividade por meio de atos

administrativos. Deste modo, se teria, somente, o procedimento, não constituindo o processo

em si. Tal entendimento é bastante simplista, à medida que o processo administrativo existe,

sim, abrangendo todos os procedimentos administrativos, tendo como finalidade a

manutenção do interesse público. Assim, se tratam de atos administrativos elencados e

conexos, que respondem por princípios comuns, objetivando um fim comum. Daí se dá a

caracterização do processo administrativo.

A lei n.º 9.784/99, conhecida como a lei geral do processo administrativo, não elenca

ritos processuais. Todavia, ela não o faz devido à enorme gama de processos contenciosos que

são resolvidos na seara administrativa, como, por exemplo, o lançamento fiscal, a isenção

tributária, a exigibilidade de crédito, a desapropriação, tombamento, concurso público,

julgamento de contas, infração à ordem econômica, apuração de irregularidades, o próprio

controle disciplinar dos servidores, entre outros processos.

Deste modo, fica impossível estabelecer ritos comuns para processos que necessitam

de procedimentos diferentes, dada sua complexidade individual única. Então, a lei estabelece

apenas normas gerais, parâmetros básicos a serem seguidos, de modo a respeitar os princípios

constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa.

Por isso, o processo administrativo realmente existe. Isto acontece à medida que ele

garante a jurisdicionalidade do Estado e o respeito ao interesse público, garantindo a

segurança jurídica por meio da Lei n.º 9.784/99. Desta forma, fechando o presente raciocínio,

“o processo administrativo, assim, deve ser entendido como instrumento efetivador da

autotutela administrativa” (GUIMARÃES, 2006, p. 94).

Ademais, a título de exposição, outra forma, menos técnica, de denominar o processo

administrativo é chama-lo de dossiê. Tal denominação é bastante generalista, uma vez que

formalmente o dossiê é apenas um conjunto de informações e documentos acerca de

determinado assunto ou pessoa, que baseiam certos atos administrativos.

Page 36: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

36

2. Processo Administrativo Disciplinar

O processo disciplinar surge como uma forma jurídica do Estado condicionar a

desenvoltura regular das atividades de seus funcionários. Este sistema punitivo serve de freios

e contra freios dos impulsos individuais dos servidores, que configuram o ilícito

administrativo puro. Portanto, o Direito Administrativo Disciplinar, bem como seu processo

administrativo, são ramos autônomos do Direito Administrativo, cujo objetivo nada mais é do

que estabelecer os deveres e proibições do comportamento do corpo funcional do Estado, por

meio do regramento destes atos, bem como suas respectivas punições.

Ou seja, “o processo administrativo disciplinar visa a apuração de infração disciplinar

cometida por agente público, podendo cominar-lhe determinada sanção administrativa

expressamente prevista em norma jurídica” (GOMES, 2012, p. 117). Sobre outro olhar, “no

processo administrativo disciplinar, busca-se apurar determinados atos ou condutas praticadas

por servidores que ofendam os princípios da Administração Pública” (SOUZA, 2012, p. 397).

Basicamente, existem duas formas de processo administrativo disciplinar:

o gracioso e o contencioso. O primeiro é feito pela própria Administração, por intermédio de seus órgãos, e não há garantia de independência e imparcialidade, portanto suas decisões não fazem coisa julgada; o segundo, pelo contrário, é feito por órgãos independentes e imparciais, o que leva suas decisões a ter força de coisa julgada. (SOUZA, 2012, p. 396).

Salientando que, no Brasil, somente existe o processo gracioso, no âmbito

administrativo, sendo que foi resguardado ao Poder Judiciário a atividade contenciosa.

O Processo Administrativo Disciplinar é uma das formas que um servidor público

estável pode perder seu cargo, como dispõe o art. 41 da Constituição Federal (Quanto ao

empregado público, a situação é um pouco diferente. O entendimento do Poder Judiciário vai

no sentido de que a rescisão do contrato de trabalho público depende de um processo

administrativo prévio. Todavia, alguns doutrinadores dizem que a estabilidade é exclusiva,

somente, de servidores públicos):

:

Page 37: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

37

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade

Tal ramo do Direito Administrativo tem sua explicação existencial decorrente da

necessidade da Administração Pública de organizar, controlar e corrigir suas ações, de modo a

garantir o bom funcionamento dos serviços públicos. Ele “serve para a apuração de falta

funcional do funcionário público, seja aquela praticada no exercício de suas atribuições, seja

aquela relacionada com as atribuições do cargo em que se ache investido” (artigo 148, Lei

8.112/90). Em outras palavras, “estando a Administração Pública sujeita a uma série de

limitações para o exercício de suas atividades, limitações essas que são correspondentes a

suas prerrogativas, é necessário que possua mecanismos de imposição dessas normas aos

servidores” (ARAGÃO, 2008, p. 1368).

Desta forma, devido à natureza jurídica dos serviços públicos existe a imposição de

peculiaridades próprias para a correta realização do serviço público. Por meio destas

imposições, surge o poder disciplinar do Estado, que se caracteriza como:

A faculdade de punir, internamente, as infrações dos servidores e demais pessoas que, por relação jurídica de qualquer natureza, se vinculam à administração e por isso sujeitam às normas de funcionamento do serviço que a integram, definitiva, temporária ou transitoriamente” (GUIMARÃES, 2006, p. 95).

Page 38: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

38

Portanto, o poder disciplinar se refere a atos de responsabilização funcional, tanto em

relação à utilização, pelo servidor, dos meios de produção quanto a sua conduta interna no

órgão em trabalha. Tem como escopo final a punição destas faltas, que acabam por prejudicar

a finalidade pública e o desempenho dos serviços públicos.

A aplicação deste poder disciplinar não é discricionária. Para isto, balizando a atuação

do Administrador hierarquicamente apto para o julgamento disciplinar, existe o processo

administrativo disciplinar. Mas a aplicação do poder disciplinar também está condicionada ao

interesse público, que é a justificativa que dá legitimidade a instauração do processo.

Além do mais, é valido ressaltar que o dever disciplinar serve, também, para afastar o

sentimento popular de impunidade funcional e, até mesmo, injustiça. Acima de tudo, assegura

ao Serviço Público e aos administrados o sentimento geral de segurança e cumprimento da lei.

O poder disciplinar é exercido de acordo com o sistema punitivo previsto na Lei n.º

8.112/90. Deste modo, ele:

Apoia-se no sistema de apuração da responsabilidade, pela adoção dos métodos conhecidos a técnica jurídica de verificação da verdade, e se relaciona com as sanções internas aplicadas aos funcionários públicos ou às pessoas que vivem na dependência imediata dos órgãos que integram a administração pública” (GUIMARAES, 2006, p. 96).

Portanto, o poder disciplinar é exercido por meio do processo administrativo

disciplinar. O servidor pode ser punido sem que o Judiciário autorize a Administração

Pública. Assim:

segue a imperatividade da observância de um padrão de comportamento dos que titularizam função ou cargo público, sujeitos a um estatuto consagrador de regras disciplinares que lhes impõe deveres (comportamentos positivos, uma obrigação de agir) e proibições (abstenção de comportamentos) e lhes conformam conduta funcional, em vista de que compete aos agentes públicos manifestar a vontade do Estado (teoria da imputação volitiva) perante os administrados e em face da ordem jurídica (CARVALHO, 2004, p. 1146).

O processo administrativo disciplinar aparece como uma arma de defesa do Estado

perante a atuação de seu servidor. Mas, ele não é um ramo isolado dentro do ordenamento

Page 39: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

39

jurídico. Existe, sim, a relação com outros ramos do Direito, tal qual o Direito Constitucional,

o Direito Penal, o Direito Processual (tanto civil quanto penal) e o Direito do Trabalho. A

associação destes campos jurídicos forma um enorme arcabouço legal para a defesa do

Estado, que ultrapassa o limite do Direito Administrativo, adentrando na jurisdição judiciária,

dependendo do ilícito cometido.

Todavia, o Processo Administrativo Disciplinar faz-se como ramo jurídico próprio,

não se confundindo com nenhum dos outros ramos acima comentados. Por exemplo: uma

infração disciplinar não pode ser considerada tal qual um ilícito penal, pois a disciplinar trata,

via de regra, de um direito disponível, enquanto a infração penal trata de um direito

indisponível, muito mais relevante sobre a ótica do Direito, devendo, desta forma, serem

aplicadas outras normas e outros princípios.

Neste sentido, salienta o doutrinador:

A hierarquia administrativa, que comporta vários escalões funcionais, permite esse controle funcional com vistas à regularidade no exercício da função administrativa. A necessidade de formalizar a apuração através de processo administrativo é exatamente para que a Administração conclua a apuração dentro dos padrões da veracidade (CARVALHO FILHO, 2013, p.987)

Em linhas gerais, o processo disciplinar é um subtipo de Processo Administrativo

Disciplinar. O adjetivo “disciplinar” orienta a espécie administrativa do processo, revelando

toda a investigação e pesquisa de irregularidades e provas, de modo a se obter a arguição de

autoria. Processo disciplinar deste modo, é “o conjunto de procedimentos e de averiguações

que têm o intuito de obter esclarecimentos e provas sobre a materialidade e a autoria das

irregularidades cometidas no âmbito da Administração Pública”. (GUIMARAES, 2006, p.

129).

Lembrando que a instauração do processo disciplinar se faz obrigatória, no âmbito

federal, quando o ilícito administrativo tiver como penalidade a “suspensão por mais de 30

dias, de demissão, de cassação de aposentadoria, de disponibilidade ou de destituição de cargo

em comissão”, tal qual preconiza o art. 146 da Lei n.º 8.112/90.

Basicamente, o processo disciplinar tem como finalidade: identificar os culpados,

relacionando suas devidas responsabilidades e aplicando suas devidas sanções; reparar os

Page 40: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

40

danos causados pelo ilícito administrativo; e, por fim, implementar medidas que evitem a

reincidência.

Resumidamente:

o poder disciplinar da Administração Pública, que constitui o poder-dever de impor sanções administrativas previstas em lei aos servidores faltosos, com vista a corrigir os seus desvios de comportamento nos casos de infrações não expulsórias ou desligar do serviço público os transgressores nas hipóteses mais graves passíveis de demissão (CARVALHO, 2004, p. 1146).

Em relação ao procedimento, tal processo é, basicamente, realizado por comissões

disciplinares estranhas ao órgão em que o agente público cometeu o ilícito. Assim, visa

garantir a imparcialidade de todo o processo, desde a instrução até o julgamento. Além disso,

tem-se entendido, jurisprudencialmente, que os integrantes de tais comissões devem ser

funcionários estáveis, não interinos ou exoneráveis, a fim de realmente garantir tal

imparcialidade.

Existe um poder-dever do superior hierárquico para aplicar a pena disciplinar quando

constar um ilícito. Todo servidor em condição hierárquica superior tem o poder de punir seu

subordinado que agiu ilicitamente, bem como o dever de fazer isto, ou mesmo comunicar a

alguma outra autoridade superior, que assim o faça. Este poder-dever é irrenunciável, não

tendo, a Administração, esta discricionariedade. Vale dizer que é, até mesmo, tipificado como

crime de condescendência criminosa, a não instauração imediata do processo administrativo

disciplinar a partir da consciência do ilícito administrativo.

Condescendência criminosa

Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Page 41: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

41

Da mesma forma, existe uma mesma obrigação para o servidor: assim que souber da

ocorrência de algum ilícito administrativo, deve, prontamente, comunicar ao seu superior, tal

qual dispõe o art. 116, incisos VI e XII da Lei n.º 8.112/90:

Art. 116. São deveres do servidor:

VI - Levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração;

XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Voltando à discussão específica do procedimento, tal processo tem, resumidamente,

cinco fases, previstas pelo art. 151 da Lei n.º 8.112/90: instauração, instrução, defesa,

relatório e decisão.

Art. 151: O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I – instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;

II – inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;

III- julgamento.

A instauração se dá a partir do despacho da autoridade competente (caso não haja

elementos suficientes para a instauração do processo, abre-se uma sindicância, a qual será

tratada mais à frente). Posteriormente, já autuado o processo, é encaminhado à comissão

processante, que o instaura mediante uma portaria (que conterá a descrição dos fatos e

dispositivos legais atingidos, bem como a indicação dos nomes dos servidores envolvidos).

Após, com o início da instrução, a comissão produz as provas que achar necessário,

notificando o acusado assim que finalizar tal procedimento. Inicia-se, assim, a fase de defesa,

em que o indiciado deve apresentar razões escritas, preferencialmente por meio de um

advogado. Consequentemente, a comissão apresenta seu relatório, que deve conter as

propostas de absolvição ou condenação, como lhe convir. Por fim, a fase da decisão é a que a

autoridade competente julga, podendo acolher, ou não, as opiniões do relatório. Caso não siga

o relatório, deverá expor os motivos de tal decisão.

Page 42: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

42

Após a instauração do processo disciplinar, existe a produção dos seguintes efeitos

processuais, explícitos na Lei n.º 8.112/90: interrupção da prescrição (segundo art.143, § 3º e

§ 4º); impossibilidade de pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária (art. 172);

obrigação de comunicação do indiciado de eventual mudança de endereço. Ademais, segundo

o art 152 do mesmo diploma legal, o prazo para finalização do processo é de 60 (sessenta)

dias, contados a partir do ato que constituir a comissão. É admitida a prorrogação por igual

prazo, se assim for necessário. O prazo para a defesa é de 10 (dez) dias, e de 20 (vinte) dias

caso haja mais de um indiciado no mesmo processo.

Concluído o processo, cabe, sempre prezado pelos princípios do contraditório e da

ampla defesa, recursos. Nesse caso, são admitidos os recursos hierárquicos, o pedido de

reconsideração e a revisão, admitida na legislação estatutária.

Quanto à atuação da comissão, temos que:

Forçoso epigrafar que não se pode aceitar o expediente desleal da comissão disciplinar de, depois de apresentada a defesa pelo acusado em face do teor das acusações formuladas na indiciação, serem arguidas imputações e fatos irregulares inéditos, no corpo de relatório final, com imediata remessa para julgamento pela autoridade competente, sem prévia oportunidade de defesa para o servidor imputado. Reside aí o cerceamento de defesa incontestável, haja vista que é direito do processado, decorrente das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, rebater fatos e argumentos desfavoráveis que lhe sejam opostos, inclusive para o fim de requerer a produção de novas provas ou de contraprovas pertinentes (CARVALHO, 2007, p. 882).

Vale salientar que o processo administrativo disciplinar somente é aplicado para

penalidades administrativa mais gravosas, passível da demissão. Isto está disposto no art. 146

da Lei n.º 8112/90:

Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar.

É valido salientar, também, que há um controle jurisdicional do processo

administrativo disciplinar, que “caracteriza-se como controle externo, a posteriori, repressivo

Page 43: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

43

ou corretivo” (MEDAUAR, 1993, p. 160). É um instrumento de controle importantíssimo,

não apenas para o processo disciplinar, mas para toda a atividade da Administração Pública.

Sintetizando, “o processo administrativo disciplinar, portanto, é o instrumento

utilizado pela Administração para exercer seu poder hierárquico e de direção no âmbito

disciplinar” (SOUZA, 2012, p. 398).

Lembrando, também, a finalidade da sanção ao servidor público, que tem como

escopo a salvaguarda aos princípios administrativos, mas também outras finalidades, como

bem acentua o doutrinador:

A sanção administrativa terá três objetivos que devem ser concatenados: o primeiro – assegurar a axiologia, a deontologia, o bom comportamento do administrador, do agente público; o segundo, obviamente, no não-respeito a essa deontologia, depurar o serviço público dos maus agentes; e o terceiro – balizar o comportamento, balizar a conduta que se quer ter dos servidores (MARQUES NETO, 2004, p. 805).

3. Princípios

No que tange aos princípios relativos ao Direito Administrativo Disciplinar, deve-se

atentar que todos os princípios básicos do Direito Administrativo, dispostos no art. 37, caput,

da Constituição Federal, também fazem parte desta matéria.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

Todavia, por se tratar de um direito processual, deve-se considerar, também, os

princípios processuais gerais, dispostos da Constituição Federal, de modo a se ter um

arcabouço normativo único do processo disciplinar.

Assim, segue a divagação sobre tais princípios, os quais abordaremos segundo o corte

temático desta monografia:

Page 44: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

44

1) Princípio do devido processo legal: está expresso no art. 5º, LIV, da Constituição

Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”. É considerado a base fundamental do processo administrativo, na

qual os outros princípios se sustentam. É, também, a garantia legal de que ninguém

será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de ampla defesa, hipótese

oriunda da concepção do Estado Democrático de Direito.

No âmbito administrativo, tal princípio está implícito no art. 143 da Lei n.º

8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Desta forma, “em todo o processo administrativo devem ser respeitadas as

normas legais que o regulam. A regra, aliás, vale para todo e qualquer tipo de

processo e, no processo administrativo, incide sempre, seja qual for o objeto”

(CARVALHO FILHO, 2013, p. 977).

Tal princípio, por ser de ordem Constitucional, transforma-se em direito

indisponível. Ou seja, a Administração Pública não pode agilizar o processo sem

observar os ditames legais, não podendo deixar de aplicar qualquer procedimento,

mesmo que seja a pedido do agente público.

O Supremo Tribunal Federal se pronunciou a respeito deste tema:

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 241.201. Relator: Ministro Celso de Mello, julgamento em 27.08.2002, DJ 20.09.2002).

Page 45: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

45

2) Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório: de modo geral, a ampla defesa

consiste em permitir a qualquer pessoa submetida à um processo o direito de ela

usar todos os meios possíveis admitidos no ordenamento jurídico. Ela deve ser

usada em todos os procedimentos que possa causar algum tipo de prejuízo ao

acusado.

Especificamente no processo administrativo disciplinar, tal princípio está

disposto no art. 143 e 156 da Lei n.º 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

Há, também, sobre o princípio em comento, posição jurisprudencial do

Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Participação ou gerência em empresa privada. Demissão de servidor público. Alegação de cerceamento de defesa não configurado. Observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Segurança denegada.

1. O procedimento transcorreu em estrita obediência à ampla defesa e ao contraditório, com a comissão processante franqueando ao impetrante todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. 2. É cediço que o acusado deve saber quais fatos lhe estão sendo imputados, ser notificado, ter acesso aos autos, ter possibilidade de apresentar razões e testemunhas, solicitar provas, etc., o que ocorreu in casu. É de rigor assentar, todavia, que isso não significa que todas as providências requeridas pelo acusado devem ser atendidas; ao revés, a produção de provas pode ser recusada, se protelatórias, inúteis ou desnecessárias. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9.076/DF. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 26.10.2004).

Lembrando que tal princípio é oriundo do art. 5º, LV, da Constituição Federal:

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral

são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”. Portanto, para a incidência desta ordem principiológica, se faz

necessária e existência de um conflito, fator que condiciona o início do processo

administrativo.

Page 46: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

46

3) Princípio do informalismo moderado: É também chamado de princípio do

formalismo moderado ou da obediência às formas e procedimentos. Significa,

basicamente, que é dispensável formas rígidas no processo administrativo

disciplinar, bastando que os atos processuais sejam compatíveis com a segurança

jurídica exigida. Tal princípio somente é mitigado com quando os atos praticados

estão dispostos em lei e quando se trata dos direitos dos acusados, pelos motivos

expostos nos princípios já assinalados.

Em outras palavras, “no silêncio da lei ou de atos regulamentares, não há para

o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos

administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais”

(CARVALHO FILHO, 2013, p. 980).

O objetivo deste princípio é apurar a realidade material dos fatos ditos nos

autos, tendo as provas produzidas durante o processo, desde que respeitados o

contraditório e a ampla defesa, maior relevância que os atos formais. Segundo

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o formalismo somente deve existir quando seja

necessário para atender o interesse público e proteger os direitos dos particulares”

(DI PIETRO, 2013, p. 691).

A previsão legal deste princípio se faz no art. 22 da Lei n.º 9.784/99 e no art 2º,

incisos VIII e IX da Lei n.º 9.784/99:

Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - Adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

Page 47: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

47

Todavia, este princípio não pode funcionar como desculpas para desleixos dos

administradores, não sendo fundamento, portanto, para a falta de zelo com o

andamento processual.

4) Princípio da verdade real e oficialidade: O princípio da verdade real também é

conhecido como princípio da verdade material. A verdade material é aquela que

resulta, realmente, dos fatos que constituíram o processo.

Por meio desta concepção, o processo disciplinar deve sempre buscar, como

objetivo maior e na medida que for possível, a verdade material, o que realmente

aconteceu. Portanto, tal processo não deve se limitar somente aos fatos narrados

pelos envolvidos, sendo que “o próprio administrador pode buscar as provas para

se chegar à sua conclusão e para que o processo administrativo sirva realmente

para alcançar a verdade incontestável” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 981).

Já o princípio da oficialidade indica que a própria Administração Pública tem

competência para a instauração e desenvolvimento do processo administrativo.

Também é conhecido como princípio do impulso oficial. Em outras palavras,

“cabe à Administração Pública, em função do interesse público existente, praticar

todos os atos necessários ao andamento do processo administrativo” (GOMES,

2012, p. 112).

Alguns doutrinadores, como a própria Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dizem

que o princípio da oficialidade é decorrente do princípio da verdade real. Por isso,

a exposição deles se faz no mesmo tópico, devido a tal nexo e suas consequências.

Há algumas decorrências destes princípios, que fazem o processo

administrativo disciplinar ter sua característica própria. A primeira delas é que a

Administração Pública pode produzir provas a qualquer tempo, objetivando atingir

esta realidade material e criado sua própria conclusão acerca dos fatos. Para isso,

pode produzi-las tanto de ofício como por provocação do interessado. Mas, mais

do que isso, tal princípio cria um dever à Administração, pois mesmo que não haja

provocação do interessado na produção da prova, o órgão público investigador

deve produzi-la, não importando se irá ou não beneficiar o acusado.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “esse princípio assegura a

possibilidade de instauração do processo por iniciativa da Administração,

independente de provocação do administrado e ainda a possibilidade de

Page 48: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

48

impulsionar o processo, adotando todas as medidas necessárias à sua adequada

instrução” (DI PIETRO, 2013, p. 689).

Ou seja, a Administração pode tomar tais atitudes mesmo que não haja

previsão legal, pois ela visa cumprir e executar o interesse público, sua principal

função. Entretanto, mesmo assim existem algumas previsões legais acerca da

oficialidade, principalmente esparsos na Lei n.º 9.784/99.

Por fim, relacionada ao exposto, há a Súmula n.º 473 do STF, que embasa,

também, tal princípio e justifica tais atos da Administração Pública, decorrentes do

autocontrole que ela tem sobre os atos administrativos:

Súmula n.º 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial

Deste modo, “o interesse da Administração em alcançar o objeto do processo e,

assim, satisfazer o interesse público pela conclusão calcada na verdade real, tem

prevalência sobre o interesse do particular” (CARVALHO FILHO, 2013. p. 981).

5) Princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade: O princípio da

presunção de inocência é oriundo primordialmente do processo penal, e dita a

norma geral de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória. Está previsto no art. 5º, LVII, da Constituição

Federal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Este princípio, aplicando no processo administrativo disciplinar, também

garante que, enquanto não houver decisão final condenatória, o acusado deve ser

considerado inocente, já que o ônus da prova, tal qual assinalado pelo princípio

anterior, é responsabilidade da Administração. Desta forma, somente caberão as

restrições legais ao acusado após sua condenação. Entretanto, pode-se utilizar-se

de atos cautelatórios quando não se tratar de medidas cautelares punitivas, como,

Page 49: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

49

por exemplo, o “afastamento preventivo que trata o art. 147 da Lei n.º 8.112/90,

considerando que não se trata de medida de caráter punitivo” (BRASIL, 2015, p.

18)

Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração. Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

Do mesmo modo, também se faz permitido o uso de medidas restritivas, tal

qual dispõe o art. 172 da Lei n.º 8.112/90:

Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

6) Princípio da motivação: É, de modo geral, uma forma de garantia da

Administração e dos administrados de que seja atendido o interesse público,

cerceada por toda a publicidade que é devida e esperada da Administração em seus

atos. Deste modo, os motivos de qualquer decisão administrativa devem ser

explicados, obrigatoriamente.

Basicamente, “acarreta o dever de a autoridade julgadora expor, de modo

explícito, os fundamentos de fato e de direito em que se alicerça a sua decisão”

(JUSTEN FILHO, 2011, p. 319). Portanto, não existe a autorização legal para

decisões imotivadas por parte da autoridade competente para decidir.

O dispositivo administrativo legal que trata deste princípio é o art. 50 da Lei n.º

9.784/99:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício;

Page 50: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

50

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

7) Princípio da gratuidade: Tal regra está prevista no art. 2º, parágrafo único, inciso

XI, da Lei n.º 9.784/99:

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

Portanto, a regra geral é da gratuidade dos atos processuais administrativos em

geral, a menos que haja previsão legal específica. Existe a Súmula n.º 373 do STJ,

“é ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso

administrativo”, e a Súmula Vinculante n.º 21 do STF, “é inconstitucional a

exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiros ou bens para

admissibilidade de recurso administrativo”, que aplicam tal princípio até mesmo

para a propositura de recursos no âmbito administrativo.

8) Princípio da atipicidade: como o ilícito administrativo tem que ter previsão legal,

há, somente, a exigência da antijuridicidade, diferentemente do Direito Penal, em

que há a exigência de se ter, concomitantemente, a atividade típica, antijurídica e

culpável. Isso ocorre, pois, a tipicidade nem sempre está presente no ordenamento

administrativo, haja vista que alguns ilícitos administrativos não são previstos com

precisão. Desta forma, consequentemente, a Administração deverá escolher, diante

dos fatos, a punição a ser aplicada ao servidos público, sempre motivadamente e

razoavelmente.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica, as razões pelas quais não há

discricionariedade da autoridade administrativa julgadora perante esta limitada

tipicidade:

Page 51: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

51

[...]diante do caso concreto, a discricionariedade será bastante reduzida pelo exame do motivo, ou seja, dos fatos que cercaram a prática do ato ilícito. Em matéria de servidor, por exemplo, circunstâncias como a natureza do cargo, as consequências para o serviço público, as repercussões sociais influirão necessariamente na decisão administrativa. O mesmo fato que seria considerado de pequena gravidade quando praticado por um servente, um datilógrafo, uma secretária, poderá assumir proporções muito maiores se praticado por um professor, um policial, um advogado público, que tem responsabilidades muito maiores inerentes à própria dignidade da instituição que pertencem (DI PIETRO, 2013, p. 695)

Este princípio, portanto, tem sua aplicação cerceada por outros princípios

administrativos, sendo bastante mitigado se comparado ao Direito Penal.

9) Princípio da Pluralidade de instâncias: é um princípio sumulado pelo STF por

meio das Súmulas n.º 346 e 473.

Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos.”

Súmula 473: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”

Significa que a Administração Pública pode rever seus atos em determinadas

situações: quando forem inconvenientes, inoportunos ou ilegais.

Considerando que é responsabilidade do superior hierárquico rever os atos de

seus subordinados, forma de controle comum em instituições hierarquizadas, então

o controle é feito tanto quanto forem as instâncias superiores. Ou seja, há recursos

hierárquicos cabíveis até a instância da autoridade máxima da Organização

Administrativa investigadora. Existe, ainda, a possibilidade de se recorrer, por

meio de reclamação administrativa, ao Supremo Tribunal Federal, conforme os

ditames do art. 103-A, §3º, da Constituição Federal.

Art. 103-A: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre

Page 52: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

52

matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

No âmbito federal o direito de recorrer foi limitado, segundo o art. 57 da Lei

n.º 9.784/99, a “três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”.

Por fim, esgotados os recursos administrativos, também se pode recorrer ao

Judiciário, que também exerce controle perante a Administração Pública.

10) Princípio da economia processual: baseia-se na ideia de que o formalismo

excessivo se faz inútil ao bom andamento do processo, que é apenas um

instrumento para se aplicar a lei.

Disso, tem-se o desdobramento de outro subprincípio, o do aproveitamento dos

atos processuais. Por meio deste desdobramento, tem-se aceito que é possível

resolver o processo quando se trata de nulidade sanável. Este é um entendimento

decorrente do art. 169, §1º, da Lei n.º 8.112/90:

Art. 169. Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo.

§ 1o O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo.

11) Princípio da participação popular: É um princípio bastante amplo e intrínseco em

vários ramos do Direito no ordenamento pátrio. Origina-se, em uma análise

maximizada, do art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal;

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Page 53: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

53

Na seara administrativa, não existe uma lei explícita que evidencie tal

princípio. Entretanto, entende-se que ele está implícito, como, por exemplo, nas

referidas consultas públicas, audiências públicas e a participação dos

administrados, todos estes, instrumentos citados na Lei n.º 9.784/00, do processo

administrativo.

Portanto, fica evidente a vontade legislativa em descentralizar a decisão

Administrativa, bem como fomentar seu controle por meio da iniciativa popular.

4. Legislação pertinente

Basicamente, a Constituição Federal regulamenta o processo disciplinar em seu

título IV (do Regime Disciplinar) e título V (do Processo Administrativo Disciplinar).

A Lei n.º 8.112/90 vem a regulamentar tais dispositivos, mas ainda apresenta algumas

lacunas. Por isso, há outras leis e diplomas normativos que integram o corpo

normativo do processo disciplinar, como:

• Lei n.º 9.784/99, que também regula o processo administrativo na

Administração Pública Federal, mas atua de forma subsidiária à Lei n.º

8.112/90;

• Lei n.º 8.429/92, que trata da improbidade administrativa, trazendo parâmetros

para a responsabilização de agentes públicos por atos de improbidade. Nesta

lei, há alguns aspectos do processo administrativo disciplinar.

• Diplomas normativos, como o Decreto n.º 5.480/05, que diz sobre o Sistema

de Correição do Poder Executivo Federal, e o Decreto n.º 5.483/05, que trata

da Sindicância Patrimonial, um instrumento que objetiva verificar se é

compatível o patrimônio do Servidor Público com base na renda que lhe é

auferida.

5. Sindicância e verdade sabida

Page 54: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

54

A sindicância é um método mais sumário de investigar qualquer tipo de ilícito

administrativo no Serviço Público. Ela é, basicamente, uma fase preliminar do

processo disciplinar, tal qual o inquérito policial no processo penal. Em outras

palavras, segundo José Cretella Júnior, a sindicância é:

o meio sumário de que se utiliza a Administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável (CRETELLA JÚNIOR, 1966, p. 153).

Em outras palavras:

A sindicância, por sua vez, é instaurada para dirimir dúvida porventura existente a respeito da ilicitude do ato e seu autor, deflagrando-se um procedimento investigatório para esclarecer tais pontos, visando, com isso, à instauração de processo administrativo disciplinar, caso não milite alguma excludente de ilicitude ou a prescrição da pretensão punitiva (SOUZA, 2012, p. 399).

A sindicância está prevista no art. 143 da Lei n.º 8.112/90, mas não há previsão

de seu procedimento:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Originalmente, a sindicância tinha apenas razão de ser como mero instrumento

apuratório, sem ter sanção. Ou seja, uma peça apenas informativa. Entretanto, a Lei n.º

8.112/90 legitimou a sindicância a ter uma sanção, tal qual exposto em seu artigo 146:

Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar.

Page 55: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

55

Então, para penalidades cuja suspensão seja inferior à 30 (trinta) dias, não é

preciso instaurar o processo disciplinar, bastando a sindicância, que nesse caso, como

apontado, tem um caráter punitivo.

Com relação ao procedimento da sindicância, não há uma previsão legal. Deve-

se atentar, somente, à aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Mas, quando há o propósito punitivo do ato, é importante seguir o rito do processo

disciplinar, bem como seus princípios e requisitos básicos aplicáveis.

Quando a sindicância tiver apenas caráter investigatório, ela integrará o

processo disciplinar como documento informativo, tal qual o inquérito no processo

penal. Neste caso, o processo disciplinar será instaurado por consequência da

conclusão da sindicância, tal qual preconiza o art. 153 da Lei n.º 8.112/90:

Art. 154. Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução. Parágrafo único. Na hipótese de o relatório da sindicância concluir que a infração está capitulada como ilícito penal, a autoridade competente encaminhará cópia dos autos ao Ministério Público, independentemente da imediata instauração do processo disciplinar.

Como diz o parágrafo único deste mesmo artigo, quando verificado o ilícito

penal pela sindicância, a autoridade investigadora deverá encaminhar os autos ao

Ministério Público Federal, independente do processo disciplinar a ser instaurado, a

fim de que sejam apuradas as consequências penais.

Resumidamente, a sindicância “consiste em procedimento que pode anteceder

o processo administrativo, tendo, por objetivo, a apuração de uma irregularidade cuja

prática seja de autoria conhecida ou desconhecida” (GOMES, 2012, p. 124).

Assim, sobre um outro olhar doutrinário, também de forma resumida, temos

que sempre que:

a Administração precisar colher dados, esclarecer fatos, elucidar situações, certificar-se sobre a ocorrência de eventual irregularidade, aprofundar ou detalhar o conhecimento, pode e deve instaurar sindicância de caráter meramente investigatório, para simples verificação preliminar, sem proposito imediato de aplicar punição (GUIMARÃES, 2006, p. 126).

Page 56: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

56

A verdade sabida, por outro lado, não tem mais aplicação no processo

disciplinar atual. Isto acontece devido a todos os princípios que o regulam, tal qual já

mencionados, principalmente o do contraditório e o da ampla defesa. Ela é “o

conhecimento pessoal e direto da falta pela autoridade competente para aplicar a pena”

(DI PIETRO, 2013, p. 702). Também pode ser conceituada como “ procedimento ou

expediente destinado à punição (e não propriamente a apuração) de infração

administrativa cometida por agente público” (GOMES, 2012, p. 125).

É uma forma mais ágil de punição, que não respeita os ritos legais, apenas o

convencimento da autoridade julgadora. É claro que uma apuração desburocratizada

dos fatos, que ensejem a uma pena proclamada por meios celeríssimos, é sempre bem-

vinda dentro do processo disciplinar. Todavia, tal método não respeita o mínimo

constitucional que garante a segurança jurídica, pois a defesa deve sempre ser ampla e

garantido o contraditório ao acusado. Nas palavras do jurista, “sumário ou

sumaríssimo pode ser o procedimento, não a defesa” (GUIMARÃES, 2006, p. 126).

Desta forma, não houve, dentro do ordenamento pátrio, diploma administrativo

legal que acolheu tal instrumento apuratório.

Page 57: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

57

CAPÍTULO V – DA RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PRIVADO E O DIREITO PÚBLICO

1. Os regimes de direito privado e de direito público

A priori, é importante salientar que regime jurídico tem uma conceituação bastante

complexa. Não significa somente os ramos do direito, pois em um mesmo regime

jurídico existe a possibilidade de integração de diversas normas jurídicas, oriundas dos

mais diversos diplomas legislativos.

Deste modo, podemos assinalar que esta expressão “é utilizada para indicar um

feixe de normas dentro do conjunto total do ordenamento jurídico” (JUSTEN FILHO,

2011, p.105). Como exemplificação, o próprio regime jurídico da atividade

administrativa, na prática, tem a incidência de normas tanto de direito público como de

direito privado.

Todavia, existe a famosa dicotomia entre o regime jurídico do direito público e do

direito privado. De acordo com tal situação, o regime jurídico de Direito Público

“consiste num conjunto de princípios e regras jurídicas que disciplinam poderes,

deveres e direitos vinculados diretamente à supremacia e à indisponibilidade dos

direitos fundamentais” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 105). Sob outra ótica doutrinária,

podemos apontar que o Direito Público: “reúne as normas e os preceitos jurídicos

destinados a resguardar e a satisfazer o interesse público nas mais variadas esferas de

especialidades” (GOMES, 2012, p. 33).

Por outro lado, o regime de direito privado tem como princípio maior a autonomia

privada, que, basicamente, é evidenciada nos dias atuais de forma bastante clara nos

institutos da “propriedade” e do “contrato”. Assim, cabe somente aos privados a

escolha de valores e a combinação e execução de interesses envolvidos em seus

negócios jurídicos. Deste modo, tem-se reconhecida a legitimidade perante eventual

conflito entre estes interesses.

O Direito Privado, portanto, “reúne as normas e os preceitos jurídicos destinados a

regular os interesses privados, ou seja, o relacionamento dos administrados entre si, e

Page 58: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

58

do Estado com os administrados, em questões que não envolvam o interesse público”

(GOMES, 2012, p. 33)

A clássica dicotomia entre Direito Público e Direito Privado tem origem romana,

segunda a seguinte passagem do Digesto: “publicum jus est quod as statum rei

romanae spectat, privatum, quod as singolorum utilitatem”. Desta forma, estende-se

que o direito público é aquele que diz respeito ao estado ou coisa romana; o privado,

às utilidades dos particulares.

O doutrinador faz a diferenciação:

Tornou-se, pois, tradicional a distinção entre o Direito Público (no qual o Estado é o titular do interesse) e o Direito Privado (no qual o indivíduo é o titular do interesse). Nesse sentido, o interesse público consiste na contraposição do interesse do Estado ao do indivíduo (como no Direito Penal, que opõe o ius puniendi do Estado ao ius libertatis do indivíduo); por outro lado, o interesse privado consiste na contraposição entre os indivíduos, em seu inter-relacionamento (como nos contratos celebrados na forma do Direito Civil (MAZZILLI, 2012, p. 47).

Como já dito acima, esta conceituação tem apresentado limitações práticas, pois

incidem, mutuamente, tanto regras de regime público como de regime privado em

situações fáticas. Portanto, atualmente a presente diferenciação tem apenas em escopo

mais didático. “O Direito Privado convive com o Direito Público. Pode-se dizer que

suas fronteiras não sejam tão claras como outrora. Um e outro ramo se inter-

relacionam e um empresta aos outros meios para a valoração das situações jurídicas”

(ARTE JURÍDICA, 2005, p. 258).

Costuma-se falar, na prática, que o regime de direito público é aplicado em

situações em que a grande maioria das normas que são aplicadas estão inseridas no

próprio direito público. Deste modo, visa-se evidenciar que os valores supra

individuais, que são de natureza indisponível, serão aplicados a este caso em

específico. Esse é o caso específico da atividade administrativa que, embora tenha a

incidência de normas de direito privado, tem como condão a sua qualificação dentro

da teoria do regime de direito público.

Na seara pública, existe uma funcionalização necessária, ou seja, um vínculo entre

as atividades da Administração Pública com a inevitável satisfação de todos os direitos

Page 59: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

59

fundamentais, o que culmina na garantia, outrora, da própria Democracia. Assim,

“todos os poderes jurídicos são instituídos e exercitados para a satisfação dos direitos

fundamentais e a promoção da democracia” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 108).

Por outro lado, os atos de particulares estão, da mesma forma, subordinados ao

regime particular, uma vez que o interesse em análise não tem a característica da supra

individualidade, mas muito pelo contrário. O que se encontra é a supremacia da

autonomia da vontade, sendo livre as escolhas a serem feitas.

Portanto, de maneira geral:

Nas matérias submetidas ao direito administrativo, este derroga inteiramente o direito comum; naquelas sujeitas ao direito privado, este é derrogado parcialmente pelo direito público, dando origem a um regime jurídico híbrido, em que as dificuldades de estudo se avolumam pela necessidade de criar-se sistema em que se harmonizem normas e princípios diversos: de um lado, a autonomia da vontade e a igualdade entre as partes; de outro, os privilégios e prerrogativas inerentes à posição de supremacia da Administração Pública sobre o particular (DI PIETRO, 1989, p. 91)

2. O Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado

O interesse público é, segundo a concepção mais antiga, o fim da Administração

Pública. Ou seja, todos os procedimentos administrativos, movendo sua jurisdição,

devem objetivar atender alguns pontos comuns, de inegável vantagem à sociedade

como um todo. Desta forma, o regime jurídico de direito administrativo teria como

escopo a proteção dos princípios da supremacia e indisponibilidade de interesse

público.

Assim, a supremacia do interesse público perante o privado deveria ser entendido

de modo a “prevalecer sobre os interesses privados dos administrados, observada

sempre a legalidade” (GOMES, 2012, p. 52).

Segundo a ótica de Francisco Guimarães, o interesse público teria o escopo de:

a) Proteger direitos dos administrados; b) Cumprir melhor os fins da administração;

Page 60: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

60

c) Demonstrar transparência dos atos praticados no âmbito da administração; d) Garantir a satisfação dos princípios que regem a administração pública;

(GUIMARAES, 2006, p. 92).

Todavia, apesar da tentativa do exímio doutrinador, ainda não há uma exata

conceituação, havendo discussão doutrinária acerca do tema. Afinal, o que se entende por

interesse público?

É inegável que, ao longo da história, tal conceito gozou de extrema importância e uso,

o que enfoca, acima de tudo, a natureza publicista do regime de direito administrativo. A

dicotomia entre interesse público e interesse privado existe em todos os países de tradição

romana do Direito. Entretanto, muitas vezes a supremacia e indisponibilidade do interesse

público foram usadas de maneira a extrapolar outros princípios constitucionais igualmente

importantes.

Deve-se considerar que a própria definição de interesse público já se faz bastante

complicada. É um conceito muito amplo, de difícil determinação. Entretanto, mesmo que

vagamente, alguns doutrinadores tentam a conceituação, definindo-o como “o interesse que se

sobrepõe aos interesses dos particulares” (GOMES, 2012, p. 33).

O interesse público admite, ainda, a classificação clássica em interesse público

primário e secundário. Entende-se por interesse público primário o bem de toda a

coletividade, de todos os cidadãos. Já o interesse público secundário se refere à vontade do

Estado, ao modo como os órgãos administrativos enxergam a atividade pública.

Entretanto, não se sabe, ao certo, se o vocábulo “público” se refere a vontade de todos

os cidadãos, a maioria do povo, ou a de um grupo específico com vontades próprias em

determinadas situações. É o caso de nem sempre o interesse público primário coincidir com o

interesse público secundário, como, de fato, deveria acontecer. É possível, entretanto,

observar que todas estas possibilidades de não convergência devem ser consagradas dentro de

uma caracterização de interesse público. Portanto, “não existe interesse público, mas os

interesses públicos, no plural” (CASSESE, 1989, p. 238).

Ou seja, todos estes interesses divergentes são considerados como públicos. Por exemplo, o

caso da construção de uma estrada que garantiria considerável melhoria para o trânsito de

uma região, mas que causaria grandes danos ambientais. Neste caso exemplificativo, há

interesse público tanto na construção da estrada como na conservação ambiental, mas tais

interesses conflitam entre si.

Page 61: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

61

Deste modo, basicamente, as críticas se remetem, tecnicamente, ao que é expresso na

seguinte assertiva:

a expressão interesse público se tornou equívoca, quando passou a ser utilizada para alcançar os também chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos ou os interesses difusos (MAZZILLI, 2012, p. 48).

Esta tamanha amplitude do conceito de interesse público causa enorme distúrbio em

seu uso prático. Como forma mais correta de sua utilização, deveriam ser consideradas as

condutas lícitas em face das ilícitas, de modo a beneficiar grupos de cidadãos que requerem

certas postura e atitude da Administração Pública.

Não se pode considerar o interesse público como de maior relevância que o interesse

privado, pois muitas vezes é o interesse privado de um grupo que justifica a atitude do Estado,

que se utiliza do argumento de interesse público para validar seus atos. Portanto, o que existe,

tal qual a relação de direito público e direito privado, é uma vinculação recíproca. Neste caso,

seriam dois interesses lícitos, igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico, sendo

impossível qualificados segundo qualquer regra hierárquica.

Ou seja, “um interesse deixa de ser privado quando sua satisfação não possa ser objeto

de alguma transigência. Recolocando o problema em outros termos, um interesse é público

por ser indisponível, e não o inverso” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 125).

Assim, adentramos em uma questão ética quanto ao uso prático do interesse público.

A supremacia do interesse público e sua consequente indisponibilidade tem sido usadas pelos

governantes como justificativa para a realização de práticas discricionárias, conferindo-lhes

autonomia para impor suas vontades individuais. É claro que isto viola toda a teoria de Estado

Democrático de Direito vigente atualmente, bem como a própria função do Direito

Administrativo.

O Direito Administrativo tem como cerne e escopo final a consolidação dos direitos

fundamentais, expressos na Carta Magna. O interesse público, participante do próprio Direito

Administrativo, deve ter a finalidade, também, de garantir os direitos fundamentais. Portanto,

a supremacia deste interesse não se faz absoluta.

Page 62: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

62

Todavia, se faz necessária e bastante consciente a análise doutrinária, que

segue:

Na sociedade atual, em que os interesses e as atividades econômicas privadas possuem enorme representatividade social, pode-se considerar interesse público e sua satisfação como a maior razão de existência do Estado e da Administração Pública, visto que, como regra, o Estado não mais prioriza a sua atuação em atividades típicas da iniciativa privada, reservando para si, unicamente, as atividades que considera prioritárias e cuja execução não é suscetível de atribuição aos particulares. Por tudo isso, as ações típicas da Administração Pública, representadas por atos administrativos, gozam de presunção de legitimidade, devendo sempre ser vistas como uma manifestação concreta do interesse público tutelado pelo Estado (GOMES, 2012, p. 54).

Page 63: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

63

CAPÍTULO VI – DEVERES FUNCIONAIS

Em linhas gerais, “os deveres funcionais representam normas de conduta (atitude

ativa) do servidor, apontando para ele a forma ideal e regulamentar para o desempenho de

suas atribuições públicas” (ARAÚJO, 1994, p. 59). Ou seja, são as atitudes relativas a

presença física do servidor na repartição, a sua boa conduta e o respeito às normas gerais a

que é submetido.

É evidente que, em sua conceituação, os deveres são bastante genéricos. Desta forma,

são “raros balizamentos ou parâmetros morais de comportamento, e não obrigações

objetivamente impostas, que possam ser com a mesma objetividade exigidas, nem que

ensejem sanção objetiva pelo seu descumprimento” (RIGOLIN, 2010, p. 116).

Tanto os funcionários contratados pelo regime estatutário quanto os contratados, pelo

regime celetista, devem observar tais deveres. Isto se dá por conta de ambos terem vínculo

com o Estado.

Ademais, é válido lembrar que tanto os deveres funcionais, quanto as proibições

funcionais, constituem um código de ética especial do servidor público, feito sob medida a

atividade funcional que exerce. Assim, por todo este arcabouço legal, se faz a há a construção

do Regime Disciplinar do Servidor Público.

É evidente que o processo disciplinar tem como objetivo a apuração da

responsabilidade do servidor por conta de infração por ele praticada. Todavia, essa infração

deve guardar relação com seu cargo em que esteja investido. Entretanto, há deveres que

limitam sua conduta na vida privada, à medida que a investidura em cargo público carrega

estas condutas obrigatórias para além do seu expediente normal de trabalho.

Sobre outro ponto de vista, é válido salientar, também, que a “determinação das

condutas que são obrigatórias para o servidor se presta a orientar seu próprio procedimento,

mas reflete antes de tudo a necessidade de que o cidadão tenha conhecimento dos próprios

direitos” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 910).

Page 64: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

64

Os deveres funcionais estão tipificados, basicamente, no art. 116 da Lei n.º 8.112/90.

Entretanto, devido à pluralidade de entes da Administração Pública, podem haver maiores

detalhamentos, algum tipo de complementação ou até mesmo outros deveres instituídos em

normativas internas de cada um deles, devido às suas características específicas.

O art. 129 do mesmo diploma legal diz que, verificado a desobediência à tais deveres

funcionais, mesmo que instituído em regramento interno, cabe as penalidades do art. 116.

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

Edmir Netto de Araújo faz uma classificação destes deveres, relacionando-os à uma

finalidade comum: Assim, há os deveres relativos à presença do servidor, que compreendem a

assiduidade, pontualidade e residência. Existem, também, os deveres relativos ao ambiente de

trabalho, que são a urbanidade e a cooperação e solidariedade. Por fim, há, também, os

deveres relativos à prestação de serviços em si, que abrange a observância das normas legais e

regulamentares, o dever de obediência às normas superiores, o dever de levar ao

conhecimento superior as irregularidades, o dever de diligência, o dever de sigilo sobre

assuntos de serviço e o dever de zelar pelo material em si.

É importante fazer uma prévia divagação a respeito destes deveres. Primeiramente,

deve-se considerar que eles constituem um rol taxativo, fechado, que se completa por si só

(excetuando-se outros legalmente previstos em diplomas legislativos específicos), uma vez

que se trata de cerceamento de direitos. Portanto:

sendo dispositivos que restringem direitos, somente restritivamente podem ser lidos e aplicados, nos exatos termos escritos na lei, sem a menor possibilidade de se sujeitar a interpretações ampliativas, sistemáticas, teleológicas ou finalísticas, históricas, generalizantes ou difusas (RIGOLIN, 2010, p. 263).

Assim, o servidor que não tivesse como garantia seus deveres escritos, não teria a

menor segurança para realizar seu trabalho cotidiano. Por isso, a não interpretação, nesse

caso, tem como finalidade o impedimento de qualquer atitude discricionária por parte de

Page 65: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

65

qualquer superior hierárquico, ou qualquer outra pessoa que porventura investigasse suas

condutas.

Todavia, de modo a seguir a classificação legal, abordaremos os deveres na sequencia

apresentada na Lei. Assim, seguindo tal viés, verificaremos, a seguir, cada um dos deveres

funcionais estipulados no art. 116 da Lei n.º 8.112/90.

1) Exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo: é relacionado à maneira

como o servidor exerce suas atividades, observados os parâmetros e exigências da

função pública. Deve o “servidor zelar pelo bom andamento e o sucesso dos

interesses da Administração” (ARAÚJO, 1941, p. 70). Dentro desta maneira,

devem ser observados quesitos de eficiência e rendimentos, verificando a

qualidade e a quantidade de produção. Essa valoração do trabalho do servidor,

todavia, deve ser verificada por meio da comparação perante os outros servidores

da mesma repartição. Ou seja, não se deve exigir um trabalho extraordinário de um

servidor que está sendo avaliado em um processo disciplinar, sendo que seus

colegas de trabalho não rendem igual ao exigido.

Desta forma, o “sujeito não está obrigado apenas a dedicar seus melhores

esforços, mas também se impõe a ele que obtenha o resultado final necessário ”

(JUSTEN FILHO, 2011, p. 913). Como dito, portanto, este dever está relacionado

com o dever da eficácia administrativa.

Para se caracterizar a infração disciplinar neste dever, é necessário que o

servidor exerça sua função, habitualmente, de forma desleixada. A infração é uma

conduta única, e assim deve ser encarada para a tipificação.

2) Ser leal às instituições a que servir: “a lealdade às instituições constitucionais e

administrativas a que o servidor estiver vinculado é pressuposto de um bom

desenvolvimento das relações de trabalho entre o Poder Público e seu agente”

(ARAÚJO, 1941, p. 64).

A lealdade significa, para o enquadramento neste dever, o zelo e observância

pelas regras e princípios norteadores da instituição a qual o servidor está conexo. É

uma condição básica para o bom funcionamento e desenvolvimento das relações

de trabalho entre a Administração Pública e seu servidor. Ela “consiste na intenção

Page 66: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

66

traduzida em atos concretos e efetivos. A mera intenção de ser leal não é

suficiente” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 913).

É válido lembrar, entretanto, que o termo lealdade, a princípio, pode assumir

várias conotações, como a colaboração básica entre o agente público e a

Administração e, até mesmo, a lealdade política entre o servidor e o regime de

direção do Estado (esta forma, normalmente, é exigida em regimes totalitários).

Como a liberdade de convicção política é garantida pela Constituição Federal,

no Brasil, por meio do seu art. 5º, tanto no caput quanto no inciso VIII, não há

como se falar em lealdade no sentido político.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Deste modo, o dever de lealdade deve ser entendido como, segundo Araújo:

respeito às normas jurídicas que disciplinam as instituições constitucionais e administrativas, abstendo-se o servidor de atividades contrárias ao regime instituído pela Constituição, em uma atitude ativa de colaboração com o serviço público (ARAUJO, 1941, p. 65).

Mas é claro que a lealdade também engloba o respeito à hierarquia. Deste

modo, deve-se respeitar as exigências hierárquicas, sujeitando-se a elas, como

forma de lealdade à instituição, à função exercida.

A lealdade também é verificada na comunicação do subordinado à autoridade

hierárquica de eventual falha que possa resultar em prejuízo a Administração

Pública, bem como qualquer ilícito. Esta falha no exercer da atividade

administrativa cotidiana pode ser tanto de caráter normativo quanto técnico.

Por fim, outro aspecto relevante da lealdade à instituição é o resguardo à

imagem institucional, que veda a sua utilização que não seja vinculada a fim

Page 67: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

67

exclusivamente de interesse público e ligado à atividade habitual do órgão ou

entidade ao qual o servidor exerça cargo ou função pública.

Mas, de modo geral, o dever de lealdade não se refere exatamente às pessoas,

como os dirigentes públicos, mas sim às instituições a que representam. Assim, o

dever de “exercer com zelo e dedicação” as atividades do cargo tem sua raiz

originária neste ponto.

3) Observar as normas legais e regulamentares: é dever do servidor a observância ao

ordenamento jurídico como um todo, sejam normas constitucionais bem como

normas infra legais. É um dever implícito na própria função pública. Portanto, é

passível de punição disciplinar o servidor que descumprir leis, regulamentos,

decretos, regimentos, portarias, instruções, resoluções, decisões vinculantes, etc.

Em outras palavras, trata-se “da necessidade do servidor cumprir e, mais que

isso, fazer cumprir a lei, nos quadrantes de sua competência, não lhe sendo

permitida a omissão” (ARAUJO, 1994, p. 66).

Caso tal norma seja evidentemente ilegal ou, até mesmo, inconstitucional, deve

buscar sanar tal ilegalidade pelos meios legais vigentes ou, dependendo do caso,

pela comunicação à autoridade administrativa.

Entretanto, caso a infração de descumprimento de normas legais se enquadre

em tipificação mais gravosa, o que é comum de acontecer, a autoridade que julgar

o caso deve decidir da absorção, ou não.

É claro que, para exercer adequadamente este dever, o servidor deve estar

sempre atualizado perante as mudanças do ordenamento jurídico, qualquer que

seja o documento legal que diga respeito à sua atuação e execução de seu serviço

público.

4) Cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais: os

servidores têm o dever de acatar as ordens advindas de servidores

hierarquicamente superiores. O fundamento a tal dever se dá, basicamente, na

presunção de legalidade dos atos administrativos e no poder hierárquico decorrente

da atividade estatal. Tal poder hierárquico cria, entre os servidores, uma relação de

subordinação, que é dada, na prática cotidiana, por meio do dever de obediência às

ordens hierárquicas.

Page 68: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

68

A hierarquia é “a relação de coordenação e subordinação entre órgãos e agentes

da Administração, necessária ao equilíbrio e à boa ordem da realização das tarefas

administrativas atividade essa que se pressupõe contínua, racional e ordenada”

(ARAUJO, 1994, p. 66). Portanto, basicamente, tal dever se deve a obedecer às

ordens superiores.

Todavia, quando tal ordem se faz manifestamente contrária ao ordenamento

jurídico, o servidor não tem o dever de obediência, em virtude, claramente, à

violação do princípio maior da legalidade. Mas, nesse caso, é necessário que o

servidor subordinado flagre o descumprimento legal do seu superior para justificar

sua desobediência, já que a simples suspeita de ilegalidade não é o bastante para a

fundamentação da desobediência.

Na hipótese de o servidor subordinado não ter conhecimento que a ordem

advinda de seu superior seja ilegal, e a cumpra, a responsabilização será, somente,

para o superior que proferiu a ordem.

Portanto, fica claro que o dever de obediência se dá somente a ordens legais, ou

seja, fundadas em diplomas legais legítimos, os quais sejam emanados por

autoridade competente, respeitando as formalidades exigidas, além, é claro, de ter

objeto lícito.

Caso a ordem seja manifestamente ilegal, verificável como um ato ilícito, o

servidor deve recusar-se a cumpri-la. Caso contrário, o servidor subordinado

também é responsável, respondendo pelas sanções cabíveis. A atitude correta deste

servidor, segundo o dever previsto inciso XII do mesmo artigo que estamos

analisando, é representar perante seu superior hierárquico (“representar contra

ilegalidade, omissão ou abuso de poder”).

Outro ponto relevante quanto a este dever o dever de obediência ou não de

ordem judicial pelo servidor. O fato dele cumprir ou não cumprir tal ordem não se

enquadra no dever discutido neste tópico, que é somente vinculado ao subordinado

e seu superior hierárquico. Todavia, isto não quer dizer que não haja sanção ao

servidor que descumprir ordem judicial. Muito pelo contrário.

Então, de forma sintetizada, “o servidor de hierarquia inferior tem o dever de

cumprir apenas as determinações legais dos superiores, sendo seu dever-poder a

recusa de cumprimento daquelas determinações que sejam ilegais. ” (JUSTEN

FILHO, 2011, p. 913).

Page 69: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

69

5) Atender com presteza: É também chamado de dever de diligência. Significa que, o

servidor deve agir de maneira prestativa ao público em geral, prestando

informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo, além de expedir

certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de

interesse pessoal, bem como atender às requisições para a defesa da fazenda

pública. Tal dever é oriundo do direito fundamental do art. 5º, XXXIV, da

Constituição Federal:

Art. 5º, XXXIV: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

Ou seja, o servidor tem, primordialmente, o dever de agir com a máxima

agilidade às solicitações dos Administrados, oriundo deste direito constitucional de

petição.

Pelo mesmo caminho vai à orientação da Lei n.º 8.112/90. Ela regulamenta tal

regra constitucional, prevendo a celeridade e prontidão ao atendimento de todos os

pedidos de informação solicitados por qualquer Administrado. É claro que há

exceções a tal regra, como o caso de documentos sigilosos, requisições à Fazenda

Pública ou à pessoa jurídica de direito público, relativos a processos judiciais ou

administrativos, entre outros casos.

Então, como verificado, configura o ilícito administrativo relativo a este dever

a conduta morosa ou injustificadamente lenta do servidor, durante sua atividade de

atendimento ao público.

Entretanto, alerta o doutrinador que:

Deve-se entender o dever de diligência em termos razoáveis. Quando não há prazo legalmente fixado para o cumprimento da determinação, o que é punível (além da

Page 70: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

70

omissão), é o descaso, a procrastinação do atendimento do pedido ou determinação, por negligência, ou mesmo dolo. (ARAÚJO, 1941, p. 71).

6) Levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver

ciência em razão do cargo: tal dever decorre do outro dever, já analisado, de

lealdade à instituição pública, cominado com o dever de observância à legalidade

dos atos praticados. Desta forma, surge a obrigação imputada ao servidor de

denunciar toda e qualquer irregularidade que porventura tome ciência em razão do

exercício de seu cargo ou emprego público.

É importante salientar que a responsabilização do servidor, decorrente deste

dever, se dá somente quando é verificada a ilicitude por causa do exercício do

cargo. Portanto, caso o conhecimento desta irregularidade seja feito em momento

pessoal do servidor, em que não esteja exercendo sua atividade profissional, não se

aplica tal responsabilização.

Entretanto, caso verifique-se que a representação do servidor público perante

outro não tem fundamento, sendo feita por picuinhas pessoais ou outros tipos de

perseguições, é o representante que viola outro dever: o de lealdade institucional.

Portanto, a comissão julgadora deverá verificar se não existe a má-fé do servidor

no ato da representação, para, somente depois, proferir a decisão com as devidas

sanções. A representação infundada pode ensejar em reparação por meio das

esferas cível e penal, dependendo do prejuízo por lá causado a terceiro.

Na esteira deste dever, o art. 126-A do Estatuto dos Servidores Públicos trouxe

uma devida proteção ao servidor que informar autoridade superior de

irregularidade:

Art. 126 – A: Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública.

7) Zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público: tal dever

compreende a economia de material, devendo, o servidor no exercício de suas

funções, economizar e gastar moderadamente o material de seu órgão. Portanto, o

Page 71: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

71

desperdício deve ser evitado ao máximo, tanto de materiais de uso corriqueiro para

o serviço quanto de materiais de uso de conservação da unidade.

Segundo Edmir Netto de Araújo, “deve-se evitar os gastos inúteis e a

dilapidação do patrimônio público, agindo-se com poupança e zelo no trato com os

materiais do órgão em que trabalha” (ARAUJO, 1941, p. 72).

Ademais, existe a responsabilidade de conservação do patrimônio público pelo

servidor. O termo “patrimônio público”, neste caso, abrange tanto os materiais

acima citados, quanto outros, que abrangem bens permanentes da Administração

Pública, como, por exemplo: imóveis, móveis, automóveis, etc. Deste modo, o

servidor também tem o dever de preservar tais bens públicos, agindo com zelo e

cuidado.

Em relação à caracterização para a responsabilização do servidor mediante

infração deste dever, deve ser comprovada se a conduta realmente indica o

desleixo, por meio de culpa. Caso o ato seja manifestamente doloso, a conduta

poderá ter outras qualificações, previstas no art 117, XVI, e no art. 132, X:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares;

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

Quando a conduta ilícita culposa causar danos mínimos ao patrimônio público,

em atenção ao princípio da insignificância, não se faz necessário a instauração do

processo disciplinar.

8) Guardar sigilo sobre assunto da repartição: para assuntos internos ao órgão

público, deve-se atentar no zelo ao sigilo destas informações. Esses assuntos são

os que somente dizem respeito à atividade da função pública executada, de modo a

não comprometer a eficácia do trabalho.

Se faz necessário que a Comissão investigadora avalie o aspecto subjetivo

desta conduta. O sigilo, nesse caso, refere-se aos assuntos formais e informais

oriundos do órgão. Por isso, está conduta enquadra-se somente na modalidade

culposa. Caso seja verificado o dolo, haverá o enquadramento em outra

Page 72: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

72

modalidade, prevista no art. 132 da Lei n.º 8.112/90, em que o servidor obtém

informações por conta do cargo que ocupa, a qual será analisada mais a frente.

Além disso, quanto aos dados protegidos por sigilo bancário, fiscal e

telefônico, estes gozam de uma maior carga protetiva do ordenamento jurídico. Por

isso, a violação ao seu sigilo configura crime, tipificado no art. 325 do Código

Penal.

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:

I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

A Lei do Acesso à Informação, Lei n.º 12.527/11, em seu art. 32, estabelece,

também, hipóteses de responsabilização do servidor, seguindo esta mesma linha de

dever de sigilo sobre os assuntos da repartição:

Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar:

I - recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;

II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública;

III - agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à informação;

Page 73: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

73

IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;

V - impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem;

VI - ocultar da revisão de autoridade superior competente informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e

VII - destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos concernentes a possíveis violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado. [...]

9) Manter conduta compatível com a moralidade administrativa: os servidores têm

como dever basearem-se em padrões éticos, específicos da atividade

administrativa que exercem. Tal conduta advém da própria Constituição Federal,

em seu artigo 37.

Essa conduta deve começar pelo cuidado do servidor perante a si próprio,

como diz Edmir Netto de Araújo:

seja no exercício de suas atribuições públicas, seja no procedimento cotidiano, em sua vida privada, mas sem desrespeitar-se, é claro, a liberdade e a privacidade de cada um, na aplicação desta determinação. Mas, imagine-se um professor primário que viva habitualmente embriagado ou frequentando casas de prostituição, em uma cidade pequena; ou, ainda, um contador fazendário dado ao vício de jogos de azar (ARAÚJO, 1941, p. 63).

A moralidade significa, basicamente, uma forma de controle e balizamento de

condutas externa ao indivíduo, de acordo com as regras morais no meio social em

que está inserido.

No caso de o meio ser a Administração Pública, há uma moralidade específica,

devido ao exercício da função pública.

Este é um ponto bastante importante para a presente monografia, pois refere-se

à dicotomia entre a liberdade das atitudes privadas do servidor em contraponto à

moralidade administrativa de sua repartição. A princípio, seus atos privados

imorais que não repercutam, tanto de forma direta, quanto de forma indireta, na

sua vida funcional, não ferem a moralidade administrativa. Todavia, tais atos ainda

ferem a moralidade comum da sociedade.

Page 74: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

74

Desta forma, o possível descumprimento da ética social não afeta, via de regra,

a moralidade da Administração Pública. Todavia, tais condutas ainda são passíveis

de sanções por códigos de ética profissionais, mas não pela via disciplinar.

Baseados no princípio constitucional da moralidade administrativa, existem

diversos outras tipificações de ilícitos administrativos, como os próprios artigos

117 e 132 da Lei n.º 8.112/90, por exemplo.

Todavia, o ilícito do presente dever, posto no art. 116, somente será utilizado

para enquadramento de condutas que não sejam tipificadas em ato infracional mais

específico. Assim, tal artigo fica restrito ao uso subsidiário, de forma

complementária.

É importante salientar que tal dever admite modalidade tanto dolosa quanto

culposa. Por isso, seu enquadramento admite séria avaliação.

Então, por fim, toda conduta privada de um servidor público que seja

desvinculada à função pública não será punível por meio desta sanção disciplinar,

mas poderá ser sancionada por conta de eventuais Códigos de Ética Profissionais.

Como exemplo, no âmbito federal, temos o Código de Ética Profissional do

Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, instituído pelo Decreto n.º

1.171/91.

Entretanto, pensando em uma situação diversa, caso a conduta realmente venha

a ofender a moralidade administrativa, poderá, sim, ser enquadrada neste dever,

bem como em outros específicos.

10) Ser assíduo e pontual no serviço: é o dever de estar, nos dias e horários

estabelecidos, no local de trabalho. É, de amplo sensu, o dever de manter a

continuidade do serviço público, de modo que não seja efetuado nenhum dano a

qualquer administrado. Materialmente, tal dever é efetuado, sempre respeitando os

termos da Lei n.º 8.112/90, no ato de muitos chefes de repartições estipularem

horários de trabalho, por meio de diretivas internas.

Nesse contexto, ser assíduo significa, basicamente, o servidor estar e

comparecer com regularidade e exatidão no local de desempenho da função

pública. Já a qualificação “pontualidade” relaciona-se com a observância dos

horários de trabalho. Portanto, deste dever posto divergem essas duas obrigações.

Page 75: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

75

É importante salientar que faltas e atrasos, desde que justificados, não

configuram este ilícito administrativo. Para esta configuração, é importante que

não haja a justificação, ou, caso haja, que não seja aceita pelo servidor que ocupa

diretamente a chefia. Neste caso último, tal recusa a justificação deverá ser

motivada.

Caso sejam descontados valores da remuneração mensal do servidor, devido

aos atrasos e faltas, isto nada tem relação com a incidência do processo disciplinar.

Ou seja, o correto é, segundo o próprio artigo 44 da Lei. 8.112/90, aplicar-lhe os

descontos relativos, bem como a punição disciplinar, se for este o caso em questão.

Art. 44. O servidor perderá:

I – a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado;

II – a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subsequente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata.

Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso furtuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício.

Como o artigo acima descreve, segundo uma interpretação literal, não há

tolerância alguma para o caso da impontualidade e da inassiduidade. Portanto,

apenas uma vez descumprido o dever em questão, já se abre a possibilidade de

instauração do processo disciplinar. É claro que, na prática, é necessária maior

ponderação nesta questão, devendo ser observada se a prática é comumente

reiterada. Assim, deve-se aplicar, para o caso concreto, o princípio da

razoabilidade.

Outra questão pertinente ao tema é que a “assiduidade” exposta neste dever não

tem relação com a infração da “inassiduidade habitual”, do art. 132, III, da Lei n.º

8.112/90. Outra confusão que não deve ser feita diz respeito à “pontualidade” aqui

discutida com o “dever de ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia

autorização do chefe imediato”, disposto no art. 117 da mesma lei. Todavia, é

evidente que o servidor, ao afrontar este último dever, também afronta,

Page 76: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

76

consequentemente, o dever da pontualidade. Então, deve-se observar a frequência

dos fatos, já que se o comportamento se fizer isolado, não haverá a necessidade de

aplicação do dever em questão neste item, como já dito.

Finalizando a divagação acerca deste tema, tem-se o problema da inassiduidade

por conta de participação de greve pelo servidor público. O entendimento que se

faz é que, caso a greve seja declarada ilegal pelo Poder Judiciário e,

consequentemente, o servidor se recuse a voltar a sua função corriqueira, ocorrerá,

sim, uma ofensa ao presente dever. Em casos diversos, tanto na greve legal, como

na greve ilegal, mas com retorno do servidor ao trabalho, logicamente não haverá

tal afronta.

Portanto, resumindo este dever, temos que ele representa:

o bom cumprimento dos deveres inerentes à frequência, quer comparecendo pontualmente ao serviço, quer desempenhado continuamente as suas funções, salvo as ausências legalmente permitidas, pois a prestação dos serviços públicos é essencial ao êxito da Administração. (ARAÚJO, 1941, p. 60)

11) Tratar com urbanidade as pessoas: urbanidade significa cortesia, civilidade,

cordialidade, entre outros sinônimos possíveis. “No seu trato com os demais

servidores (hierarquicamente superiores e inferiores) e com os não servidores, o

sujeito tem o dever do tratamento cortês” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 912).

Portanto, tal dever significa que o servidor deve agir de modo respeitoso durante o

trato diário com os administrados, bem como colegas de trabalho, tanto superiores

ou inferiores hierarquicamente.

A cortesia “compreende o compromisso de promover a dignidade alheia por

meio de condutas respeitosas e atenciosas” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 912). Esta é

um dever oriundo de o servidor ter a responsabilidade de agir de acordo com as

atribuições exigidas do próprio Estado, pois é ele quem faz suas vezes, na prática.

Ou seja, a exigência de padrões de conduta acontece devido à função pública.

Ademais, cada cargo exige um grau maior de responsabilidade do servidor neste

sentido, mas todos os cargos e funções devem a observância à urbanidade.

Page 77: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

77

É importante verificar se a conduta do servidor, quando de modo não cordial,

foi praticada no ambiente de trabalho. Em caso positivo, cabe o enquadramento no

ilícito administrativo acerca deste dever. Já se tal conduta ocorreu no âmbito da

vida privada do servidor, não se pode exigir tal dever.

Além disso, até mesmo a urbanidade tem uma limitação. Não é exigido de o

servidor tratar as outras pessoas de forma extremamente polida, mas sim somente

no mínimo exigível para a manutenção de um bom ambiente de trabalho e que não

desrespeite o próximo.

Por fim, é valido especificar que não há um meio definido para acontecer o

desacordo com tal dever. Portanto, a conduta do servidor pode se dar de várias

formas, tanto pessoalmente, quanto por meios eletrônicos, telefone, papeis e, até

mesmo, de formas gestuais. Tal dever é obrigatório a todo momento, não se

tolerando seu descumprimento nem mesmo quando for em forma de revide a

qualquer gesto descivilizado de terceiros.

Portanto, “quem se torna violento ou grosseiro no trato com o público ou

companheiros de trabalho, infringe este dever, que persiste da mesma forma, em

relação a superiores ou inferiores hierárquicos” (ARAÚJO, 1941, p. 62).

12) Representar contra a ilegalidade, omissão ou abuso de poder: os próprios

servidores têm o dever de fiscalizar a Administração Pública. A representação é

um instrumento que permite o cumprimento deste dever, sendo um documento

cuja única formalidade exigida seja a escrita. Nele devem ser expostos os fatos que

indiquem a ilicitude administrativa do caso.

Entretanto, tal dever tem que ser considerado com ponderamento:

O que se exige é a comunicação de irregularidades em relação ao serviço, de que o servidor teve conhecimento em decorrência do exercício de suas funções, objetivando boa ordem no serviço público, e não exercer abusivamente essa prerrogativa obrigatória, criando um regime de declarações e interferências abusivas e indevidas em repartições e serviços que não os seus próprios, com inegáveis reflexos negativos para a Administração. (ARAÚJO, 1941, p.70)

Tal dever pode ser confundido com o dever acima exposto, no tópico “6”.

Entretanto, há diferenças substanciais entre os dois, pois o presente dever trata da

Page 78: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

78

questão específica de representação contra autoridade hierarquicamente superior,

enquanto o outro dever trata de uma questão mais genérica da representação.

Este dever abrange três hipóteses de incidência. A primeira delas é quando há a

ilegalidade, quando ocorre qualquer ato em que haja desrespeito às normas legais

que os servidores estejam submetidos. Neste caso, é importante entender a

ilegalidade de forma lato senso, de modo que ela abranja não somente leis, mas

qualquer ato normativo que incida sobre o dever funcional do servidor.

Outra hipótese se dá no caso de omissão, quando o servidor não faz o que

juridicamente é obrigado a fazer. Como dito anteriormente, do ponto de vista

disciplinar, somente para omissões que acarretem desrespeito às normas e

princípios jurídicos cabe a representação. Quando o desrespeito é contra deveres

morais, deontológicos, não se dá o condão da representação.

A terceira hipótese é relativa ao abuso de poder. Do abuso de poder, decorrem

outros desdobramentos. O primeiro é o excesso de poder, caracterizado quando o

agente público vai além de suas funções específicas. A segunda é o desvio de

finalidade, quando o servidor pratica atos sem considerar o interesse público ou,

até mesmo, com objetivo diferente daquele previsto legalmente.

A consumação do ilícito do servidor que descumprir o dever de representar

ocorre no momento em que ele tem conhecimento do ato de seu superior e, mesmo

assim, não faz a representação. A abstenção de representação deste servidor deve

ser caracterizada pelo dolo, ou seja, ele deve ter ciência de que a conduta de seu

superior foi ilegal. Caso contrário, não se configura o ilícito perante tal dever. Ou

seja, não se admite a modalidade culposa.

É claro que, mesmo com a representação no processo disciplinar, não se exclui

a possibilidade de representação em possíveis ações em nível Penal e, até mesmo,

instauração de processo Civil.

Page 79: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

79

CAPÍTULO VII - PROIBIÇÕES DISCIPLINARES

As infrações disciplinares, de modo geral, são classificadas segundo a tipificação da

Lei 8.112/90. É possível classifica-las em quatro grupos:

1) Infrações leves: são as que desobedecem aos deveres descritos no art 116, tratados

no capítulo anterior, ou se adequam as proibições do art. 117, dos incisos I a VIII e

XIX, os quais são aplicadas as penalidades de advertência e suspensão.

2) Infrações médias: estão taxadas no rol do art. 117. Incisos VXII e VXIII, além da

prevista no art. 130, § 1º, e são puníveis exclusivamente com suspensão

3) Infrações graves: estão elencadas no art. 117, incisos IX a XVI, e no art. 132,

incisos II, III, V, VII, IX, e XII.

4) Infrações gravíssimas: são as infrações previstas no art. 132, incisos I, IV, VIII, X

e XI, as quais são aplicadas as sanções de demissão. Neste caso, fica proibido o

retorno do servidor expulso ao serviço público federal.

Especificamente, no artigo 117 do Estatuto dos Funcionários Público Civis, Lei n.º

8.112/XX, estão inseridas as proibições. Elas são, basicamente, deveres negativos do servidor,

ou seja, atos que “ele não pode fazer ou praticar, representando, portanto, um freio (atitude de

abstenção, inércia) à conduta do agente em relação ao Poder Público em geral, em relação à

própria repartição onde trabalha e à forma de prestação de seus serviços à pessoa jurídica

estatal” (ARAÚJO, 1941, p. 73). Tal qual a metodologia aplicada a esta monografia,

analisaremos tais proibições, uma a uma, uma vez que dizem respeito à condutas que podem

conflitar com a vida privada do servidor:

1) Ausentar-se do serviço durante o expediente, sem previa autorização do chefe

imediato: está prevista no art. 117, inciso I, da Lei n.º 8.112/90. Por tal proibição,

devem os servidores cumprir exatamente a jornada de trabalho fixada para seu

cargo ou função. Neste caso, basicamente, “é vedado deixar de comparecer ao

serviço sem causa justificada” (ARAUJO, 1941, p. 97). Como regra geral, a

jornada é de oito horas diárias, excetuando-se os cargos comissionados que, por

serem de confiança, sujeitam-se a um regime de dedicação integral.

Portanto, para assegurar o cumprimento desta jornada de trabalho, a lei

assegura a punição ao servidor que ausentar-se de seu local de trabalho sem a

Page 80: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

80

devida autorização de seu superior hierarquicamente direto. É uma ferramenta

complementar ao dever instituído no art. 116, X, acima descrito, concernente ao

dever de “ser assíduo e pontual ao serviço”, pois pune, também, a saída

injustificada ao serviço.

É importante salientar que, neste caso específico, a intenção da norma é a

proteção a toda a estrutura hierárquica da repartição pública, mantendo seu

funcionamento cotidiano em ordem. Assim, quando o ato do servidor não ofender

tal funcionamento ou a hierarquia, não ocorre a caracterização desta proibição. A

caracterização, desta proibição, portanto, ocorre mesmo que seja perante um único

ato, não sendo necessária a conduta reiterada de saídas injustificadas.

Verificado a conduta contrária a tal proibição, o chefe hierárquico responsável

deverá descontar a remuneração do servidor, proporcionalmente ao período em que

estava injustificadamente ausente, de acordo com o art. 44, inciso II, da Lei n.º

8.112/90.

Art. 44. O servidor perderá:

I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado;

II - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata.

Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício.

2) Retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou

objeto da repartição: esta proibição está disposta no art. 117, inciso II, a intenção é

manter objetos e documentos públicos no ambiente de trabalho, de forma a manter

sempre presente os instrumentos necessários para a prática da atividade pública

diária.

Como salienta o doutrinador:

Page 81: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

81

O agente é realmente responsável pelo material a si confiado, que é destinado exclusivamente à utilização no serviço público, quando menos porque sua aquisição é feita com recursos advindos dos tributos recolhidos pela coletividade. Da mesma forma, não devem ser retirados da repartição, sem autorização da autoridade competente, os documentos e objetos da mesma, noção ampla, que envolve qualquer material (exceto dinheiro) pertencente à Administração, nem podem os materiais serem utilizados em serviços particulares do funcionário ou de terceiros, caso em que esse ilícito poderá, havendo dolo, até qualificar-se criminalmente (peculato, arts. 312 e 313, CP), ou caracterizar ato de improbidade, para os fins da Lei 8.429, de 2.6.92 (art. 9.º, IV) (ARAÚJO, 1941, p. 97).

Desta forma, tal norma proíbe qualquer retirada destes objetos por parte dos

servidores, sendo que tais objetos devem ser considerados no sentido amplo, o que

abrange tudo, desde veículos, equipamentos, móveis, autos administrativos, entre

outros. Daí decorre a proibição, também, do uso destes objetos na vida particular

do servidor público.

Esta proibição não aceita tanto a modalidade dolosa quanto culposa, uma vez

que o inciso não faz distinção. Mas, para a qualificação na modalidade culposa, é

necessário grande discernimento e razoabilidade da autoridade julgadora, de modo

a verificar a vontade do servidor quanto ao uso do objeto.

Neste sentido, tem-se o caso de o servidor realizar seu trabalho em casa, na

chamada modalidade “home office”. Neste caso, somente pela análise seca da

tipificação desta proibição, já haveria o enquadramento do servidor, mesmo se a

intenção fosse a posterior restituição do material. Por isso, deve-se usar de uma

grade razoabilidade para o enquadramento de qualquer conduta a esta proibição.

Entretanto, caso o servidor tenha recebido a autorização da autoridade

competente, ele pode, sim, retirar o objeto. Entretanto, o uso deste objeto sempre

deverá ser de acordo com o interesse público, e seu uso nunca, poderá ir contra o

interesse público. Caso isto aconteça, pode haver a caracterização de outras

infrações disciplinares, como a do art. 117, IX e XVI, que trata do valimento do

cargo e utilização de recursos públicos para fins particulares, e do art. 132, IV e X,

que diz da improbidade administrativa e dilapidação do patrimônio público.

3) Recusar fé a documentos públicos: especificada no inciso III do art. 117, tal

proibição vai de encontro aos termos do art. 19, II, da Constituição Federal.

Page 82: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

82

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - recusar fé aos documentos públicos;

Portanto, segundo este dispositivo em análise, é proibido a qualquer servidor

público se negar a dar veracidade e legitimidade aos documentos públicos. Dessa

forma:

Os documentos públicos, como os atos administrativos, têm exatamente a característica primordial, que os diferencia dos documentos particulares, de serem dotados de fé pública, ou seja, presumem-se legítimos e verdadeiros até a prova irrefutável em contrário (ARAUJO, 1941, p. 98).

Mas é evidente que esta proibição não se faz cabível quando justificável, como,

por exemplo, quando o documento apresentar indícios de falsidade, contendo

rasuras ou qualquer tipo de alteração grosseira e duvidosa, bem como quando as

cópias não forem autenticadas, por exemplo.

4) Opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução

de serviço: relatado no inciso IV do art. 117, tal proibição se faz justificável para

evitar que o servidor impeça o andamento de qualquer documento ou processo de

competência da Administração Pública. Isto ocorre por conta de todos os

princípios regulamentadores do próprio Direito Administrativo, como a celeridade

e a impessoalidade, por exemplo.

Além do mais, outro viés desta proibição se refere ao impedimento do servidor

de criar óbices ao direito de peticionar junto à Administração Pública de qualquer

administrado.

Outra característica marcante é o impedimento de que o servidor atue

morosamente em suas tarefas perante documentos e processos, o que pode criar

qualquer tipo de prejuízo ao administrado. É claro que, para casos devidamente

motivados, há o cerceamento desta proibição. Assim, em linhas gerais, “o

Page 83: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

83

dispositivo visa salvaguardar o bom andamento dos serviços administrativos e

mesmo preservar sua moralidade” (ARAUJO, 1941, p. 99).

Por fim, também há um viés hierárquico nesta proibição, à medida que o

servidor não pode opor-se injustificadamente a executar o serviço incumbido por

seu superior. Assim, esta proibição não é somente relativa a atividade pública

exterior, se fazendo, também, dentro da própria repartição. Como exceção ao

cumprimento da ordem hierárquica, deve-se atentar ao dever já explicado,

concernente ao não cumprimento de ordem manifestamente ilegal, previsto no art.

112, IV, da lei em análise.

5) Promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição: disposto

no inciso V, tal proibição veda a perturbação da ordem no local de trabalho.

Assim, limita as opiniões excessivas a respeito da repartição e dos outros

servidores, tanto elogiosas como críticas, de forma a conservar a ordem pública.

É claro que fazer elogios e críticas são normais em qualquer ambiente de

trabalho, e não incentivar isto não é a intenção de proibição deste dispositivo. O

que se deseja resguardar é a boa ordem, evitando excessos.

Nesta proibição se enquadra, também, a coação político partidária. Nesse

sentido, “o que se veda é a ação política ostensiva, no serviço, para si ou para

terceiros, especialmente sob forma de coação ou aliciamento com objetivos

eleiçoeiros” (ARAÚJO, 1941, p. 94).

Para ser enquadrada nesta proibição, a conduta do servidor deverá causar

prejuízo a atividade pública, prejudicando o atendimento aos administrados.

6) Cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o

desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado:

está inserida no inciso VI, tal proibição, é caracterizada pela vedação do servidor

de transferir atividades próprias de agentes públicos, não importando se são suas

ou de qualquer subordinado, a qualquer pessoa que não integra o corpo funcional

da Administração Pública. A exceção, como bem apresentada no texto do inciso,

se dá quando há previsão feita em lei.

Entretanto, quando existe a impossibilidade de cumprimento da atividade pelo

servidor e ele realmente necessita da ajuda de terceiros estranhos à Administração

Pública, tal proibição é afastada. Do mesmo modo, fugindo a legalidade estrita,

Page 84: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

84

quando o servidor imputa função que ele não seja competente a terceiro, também

não é aplicada esta proibição.

Portanto, tal qual o ensina o doutrinador:

A investidura ou contratação para o serviço público é sempre realizada intuitu personae, não podendo certamente o cargo ou função públicos ser objeto de cessão, herança ou qualquer tipo de sucessão. Da mesma forma, as atribuições que constituem o círculo de competências desse cargo ou dessa função: por isso andou bem o legislador federal ao deixar claro que também não se pode atribuir a outro servidor atividades estranhas a seu cargo ou função, exceto em caso de emergência ou transitoriedade (art. 117, XVII) (ARAÚJO, 1941, p. 98).

7) Coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional

ou sindical, ou a partido político: esta proibição está inserida no inciso VII,

referindo-se a atitude de chefe de repartição que possa constranger subordinados,

com a finalidade de se associarem a partidos políticos ou organizações sindicais.

Esse constrangimento, feito por meio do uso irregular do poder hierárquico, pode

ser feito por meio ameaças, favorecimentos, promessas, ou outros tipos de

opressões diversas.

Para a caracterização e enquadramento da conduta neste inciso, uma

circunstância deve ser considerada: tal ilícito administrativo somente pode ser

cometido pelo servidor que ostenta a hierarquia no local de serviço. Entretanto, é

claro que não se pode proibir que se façam convites de participação, ou se expresse

a opinião a respeito de alguma entidade partidária ou sindical durante o expediente.

Além do mais, é necessário a observância de não adentrarmos na vida pessoal

do servidor público quanto a este aspecto. Por mais que seja proibida a pressão e o

constrangimento, nada se pode fazer se o convencimento de participação a algum

partido político ou entidade sindical foi de forma voluntária do servidor

subordinado, e esta atitude não esteja vinculada a repartição pública.

Por fim, se faz preciso observar que a proibição em tela se faz presente a

qualquer cidadão, como bem diz o art. 5º, XX e 8º, V, da Constituição Federal.

Dessa forma, como se faz menção a qualquer cidadão, os servidores públicos

também estariam incluídos.

Page 85: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

85

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

8) Manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge,

companheiro ou parente até segundo grau civil: tal norma está inserida no inciso

8º. Ela tem como escopo a proteção dos princípios da moralidade e impessoalidade

na relação de trabalho na repartição pública. Assim, busca-se manter a confiança

entre chefes e seus subordinados, impedindo que haja assuntos relativos a questões

familiares durante o exercício da função, bem como o favorecimento a algum

parente.

Nesse sentido:

as relações de parentesco podem prejudicar a imparcialidade das decisões, a predominância do interesse público, ou mesmo a moralidade administrativa, pela potencialidade de favorecimentos pessoais que poderá acarretar o fato de parentes mais próximos terem exercício em órgãos públicos, uns sob as ordens dos outros. (ARAÚJO, 1941, p. 87)

Portanto, a intenção desta proibição é, claramente, evitar o nepotismo nas

repartições públicas. Posteriormente, houve a promulgação do Decreto n.º

7.203/2010, que trata da vedação do nepotismo em âmbito da administração

pública federal, especificamente em seu art. 3º e 4º.

Art. 3º. No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento, para: I - cargo em comissão ou função de confiança; II -atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e III - estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes. § 1º Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.

Page 86: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

86

§ 2º As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal. § 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade. Estabelecidos os critérios de vedação, em seu art, 4º, inciso I, o Decreto tratou da exceção aplicável aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo. Senão vejamos: Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as nomeações, designações ou contratações: I - de servidores federais ocupantes de cargo de provimento efetivo, bem como de empregados federais permanentes, inclusive aposentados, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo ou emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão ou função comissionada a ocupar, além da qualificação profissional do servidor ou empregado;

Verificando-se o exposto, evidencia-se que tal proibição atinge somente

os servidores ocupantes de cargos comissionados e em funções de confiança. A

contratação de parentes para cargos subordinados se faz aceitável, somente,

para cargos de provimento efetivo.

Outra especificidade a ser relatada é quando há cargos de hierarquia

intermediários entre um indivíduo e outro, com parentesco. Neste caso, não há

o enquadramento nesta proibição. O mesmo acontece quando parentes

assumem cargos do mesmo nível hierárquico.

Além disto, devemos levar em consideração a Súmula Vinculante n.º 13

do Supremo Tribunal Federal, que amplia as hipóteses de vedação ao

parentesco, à medida que amplia o grau de parentesco proibido para a

contratação de subordinados.

Súmula vinculante n.º 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica ivestido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Page 87: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

87

Todavia, muito antes disto, o poder judiciário já caminhava no sentido

de proibir tal fato, tal qual podemos observar na jurisprudência que segue:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NEPOTISMO – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 – DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. [...] 3. Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com 'dedicação e eficiência'. 4. O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública. 5. O fato de a Resolução 7/2005 - CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede – e nem deveria – que toda a Administração Pública respeite os mesmos princípios constitucionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato normativo. 6. A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992. 7. Recurso especial provido (REsp 1.009.926/SC, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe de 10.2.2010). Seguindo o clamor social pelo resgate à moralidade administrativa, em 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 13207, ampliando as hipóteses de vedação ao nepotismo (direto ou cruzado) e vinculando toda a administração pública federal à obediência de sua aplicação. 207 Súmula Vinculante STF nº 13 - A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Neste sentido, tal proibição somente se aplica quando é verificada a culpa do

chefe imediato. Caso seja verificado o dolo, a tipificação que se faz, segundo

orientação jurisprudencial, é de improbidade administrativa, cuja pena é mais

severa, de demissão.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. CÂMARA MUNICIPAL. FILHA DE VEREADOR. PRESIDENTE. DOLO GENÉRICO CARACTERIZADO. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992. 1. O nepotismo caracteriza ato de improbidade tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, sendo atentatório ao princípio administrativo da moralidade.

Page 88: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

88

2. Dolo genérico consistente, no caso em debate, na livre vontade absolutamente consciente dos agentes de praticar e de insistir no ato ímprobo (nepotismo) até data próxima à prolação da sentença.

3. Não incidência da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (REsp 1.286.631/MG, , Rel. Ministro Castro Meira, DJe de 22.08.2013)

9) Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da

dignidade da função pública: estabelecida no inciso IX, esta proibição objetiva a

punição de atitudes dos servidores que vão contrárias ao interesse público, que tem

como finalidade real o favorecimento do interesse privado, tanto em benefício

próprio ou de terceiros.

Ou seja, basicamente:

O indivíduo desonesto poderá valer-se do cargo ou função para lograr qualquer forma de vantagem ou privilégio, comerciando sua qualidade funcional, em troca de vantagens e benefícios, praticar atos e tomar iniciativas que não teriam sido praticadas se não fossem aquelas vantagens. Esses privilégios e vantagens poderão ser diretos ou indiretos, concedidos por constrangimento ou troca de favores. (ARAÚJO, 1941, p. 83).

Para a caracterização deste ilícito é imprescindível a sobreposição do interesse

particular sobre o interesse público. Desta forma, a comissão investigativa da

afronta a esta proibição deverá valer-se da intencionalidade e consciência do

servidor para a tipificação do ato infracional, de modo que, materialmente,

comprove-se que o interesse particular fora mais atendido.

Ademais, o servidor, tal qual observamos no “tipo” deste inciso, deverá se

utilizar do cargo para ir contra tal proibição. Deverá, também, valer-se de todas as

prerrogativas inerentes a seu cargo, buscando obter vantagens que não sejam do

interesse público, mas sim de seu interesse privado, ou de terceiros. Desta forma,

somente o servidor público poderá usar de seu cargo para conseguir tais benefícios.

Outrossim, quanto a conduta do servidor, pode ser tanto relacionada com suas

funções legais, quanto relacionada às funções de outro servidor, que o primeiro

usou para atingir o objetivo particular. Neste caso, especificamente, o servidor

engana, aparentando ser competente para desenvolver tal serviço.

Esta proibição em análise somente se configura na modalidade dolosa, quando

o servidor tem consciência e vontade de usar seu cargo para o benefício particular.

Se ocorrer a modalidade culposa, a tipificação mais adequada se faz por meio de

Page 89: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

89

outra infração, aquela já descrita do Art. 116, III, da Lei n.º 8.112/90, que trata de

observar as normas legais e regulamentares.

Ainda se faz necessário frisar que, no caso de o benefício particular ser de

terceiros, não se faz necessário ter promessa de qualquer tipo de gratificação ou

retribuição, uma vez que a norma não a exige. Deste modo, independente se o

servidor auferiu benefício ou não, a infração é concretizada. Basta a prática da

irregularidade com o escopo de beneficiar particular para a tipificação da conduta.

Neste sentido, há orientação jurisprudencial do STJ:

o ilícito administrativo de valer-se do cargo para obter para si vantagem pessoal em detrimento da dignidade da função pública, nos termos do art. 117, IX da Lei 8.112/90 é de natureza formal, de sorte que é desinfluente, para sua configuração, que os valores tenham sido posteriormente restituídos aos cofres públicos após a indiciação do impetrante; a norma penaliza o desvio de conduta do agente, o que independe dos resultados (MS 14.621/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 30.6.2010).

10) Participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não

personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou

comanditário: esta proibição, inserida no inciso X, diz a respeito da atuação do

servidor como gerente ou administrador de sociedade privada ou, ainda, exercer o

comércio. Há, todavia, exceções legalmente permitidas.

Segundo a conceituação doutrinária:

a participação em entidades particulares, especialmente quando tenham ou possam vir a ter relações jurídicas ou contratuais com a Administração, pode criar, no desempenho da atribuição pública, situações dúbias e conflitantes para o servidor, levado a optar entre a atitude imparcial daquele que realiza o interesse público e a atitude indigna e tendenciosa que favorecerá o seu interesse particular (ARAÚJO, 1941, p. 84).

Basicamente, são dois os objetos tutelados por esta norma: a dedicação do

servidor perante o serviço público e a prevenção de possíveis conflitos de

interesses entre os poderes do cargo público e do patrimônio particular dos

servidores.

Para uma melhor análise deste dispositivo, temos que considerar a classificação

dada pelo Código Civil às pessoas jurídicas de direito privado, em seu art. 44.

Page 90: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

90

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.

[...]

Portanto, à medida que se refere a participação em sociedades, existe o

afastamento da possibilidade de enquadramento desta proibição para as empresas

individuais, previstas no inciso VI do art. 44 do Código Civil.

As sociedades são as pessoas jurídicas constituídas por meio de um contrato,

em que seus membros se obrigam, mutuamente, a contribuir, tanto na forma de

bens quanto na forma de serviços, para a atividade econômica que será exercida.

Por fim, existe a partilha do resultado entre os membros da sociedade.

Tais sociedades podem ser classificadas em empresárias e simples, de acordo

com a forma como operam. As empresárias exercem a atividade econômica

profissionalmente, de uma forma organizada com viés a produção e circulação de

bens ou serviços. Já as sociedades simples exercem as outras atividades que não se

enquadram na caracterização das sociedades econômicas, como as atividades

intelectuais, científicas, literárias, artísticas, entre outras.

Outra característica importante na divagação sobre as sociedades se refere à

personificação. Sociedades personificadas são as que tem seus atos constitutivos, o

contrato social, inscritos em registro próprio e na forma legal. As sociedades

empresarias devem registrar seus atos constitutivos no Registro Público de

Empresas Mercantis, que fica sob responsabilidade das Juntas Comercias de cada

Estado da federação. Por outro lado, as sociedades simples devem registrar seus

Page 91: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

91

atos constitutivos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, segundo os artigos

abaixo extraídos do Código Civil:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

As sociedades não personificadas não têm atos constitutivos inscritos em

registro próprio. Desta forma, consequentemente, não possuem personalidade

jurídica própria. Sua regulação ocorre por meio de contratos firmados entre os seus

membros, o que condiciona a não ter oponibilidade a terceiros. Outra característica

deste tipo de sociedade é que não há proteção aos bens dos sócios e, assim, eles

respondem diretamente pelas dívidas contraídas pela sociedade.

Quanto a organização das sociedades, o Código Civil autoriza a instituição de

variados modos, como a sociedade em comum, a sociedade em conta de

participação, a sociedade simples, a sociedade em nome coletivo, a sociedade em

comandita simples e a sociedade limitada, também chamada de sociedade

anônima.

Para cada tipo societário acima descrito existem regras específicas, com

consequências diferentes para os sócios e todas as outras pessoas que se

relacionam com a sociedade. Todas estas formas são inseridas na expressão

“sociedade privada”, do texto do inciso X do art. 117 da Lei n.º 8.112/90. A

exceção se faz às cooperativas, conforme parágrafo único deste mesmo

dispositivo.

Page 92: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

92

É importante salientar que as associações, fundações, organizações religiosas e

partidos políticos não estão inseridos dentro do conceito de sociedade. Portanto, se

faz lícita a gerencia e administração dos servidores nestes tipos de entidades.

Outra peculiaridade é que o texto normativo é taxativo ao proibir a gerência e

administração em sociedades. Porém, de nada ele fala sobre ser sócio,

integralizando cotas sócias. Deste modo, entende-se que é lícito um servidor

público atuar como cotista em sociedade privada. Todavia, verificando-se que o

servidor realmente atua na sociedade como gerente ou administrador, apesar de

sócio, caracteriza-se, sim, o enquadramento na presente normativa.

Então, em linhas gerais, a conduta do servidor de somente participar de

reuniões ou assembleias societárias, na qualidade de acionista ou sócio, não

configura, por si só, a proibição do inciso X. Ainda mais que o próprio servidor

fiscalize as atividades da sociedade, ainda não é suficiente para a caracterização,

pois é uma atividade inerente a participação em sociedade.

Neste diapasão, segue o acórdão prolatado pela 1ª Turma do Tribunal Regional

Federal do Distrito Federal:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS DA PORTARIA INSTAURADORA DA COMISSÃO E DO PAD. ATENDIMENTO. ELEMENTOS BALIZADORES DO ATO ADMINISTRATIVO NÃO DESCONSTITUÍDOS. PENALIDADE DE DEMISSÃO MANTIDA.

[...] 4. O servidor demitido do serviço público não apresentou elementos de convicção que o eximisse da responsabilidade de infringir proibição de participar de gerência e administração de sociedade privada (art. 117, X, da Lei n. 8.112/90). 5. Para a configuração da infração não é necessário que o servidor figure de direito no contrato social, estatuto ou perante órgãos tributários. O enquadramento é, precipuamente, fático e não apenas de direito. Havendo prática de atos gerenciais ou de administração por parte do servidor, configura-se a vedação legal. E no caso, a prova é farta neste sentido. 6. Não comprovada qualquer ilegalidade ou desvio de finalidade do ato administrativo que impôs a pena de demissão do serviço público à autora, uma vez que os elementos balizadores da decisão administrativa que gerou a Portaria de demissão não foram desconstituídos no processo judicial e não houve qualquer irregularidade no procedimento instaurado administrativamente. 7. Apelação a que se nega provimento. (AC 266/BA, Desembargadora Ângela Catão, TRF 1ª Região, 1ª Turma, e-DJF1 de 14/09/2012).

Page 93: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

93

A responsabilização do servidor depende, em resumo, da caracterização da

atividade de gerência na sociedade. A simples constatação da designação de seu

nome no quadro social não basta, bem como se ele estiver designado como

administrador ou gerente, mas não exercer este empenho de fato. Assim, é dever

da Comissão esta apuração, meio necessário para a tipificação. A Comissão deverá

observar o período de tempo, pois somente a partir da data em que o servidor

começou seu efetivo exercício no funcionalismo público é que começa a valer tal

proibição.

Também há um parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que diz

sobre o caso em questão:

Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.237/2009: 148. É interessante notar que os verbos típicos que compõem a proibição administrativo-disciplinar, “participar” e “exercer”, no âmbito penal estão normalmente identificados àquilo que a doutrina e a jurisprudência qualificam como crime habitual, o qual é caracterizado por abalizada doutrina com os seguintes contornos: [...] 152. No caso da proibição administrativo-disciplinar em análise - embora a imprevisível realidade social possa eventualmente demonstrar o contrário - pode-se dizer que, ao menos em regra, um ato único ou mesmo os atos dispersos e esporádicos de gestão, distribuídos ao longo de cinco anos, dificilmente atingiriam de maneira especialmente grave a regularidade do serviço e a indisponibilidade do serviço publico, legitimando a aplicação da ultima ratio no âmbito administrativo.

Deste modo, existem outros casos que excepcionam tal proibição, como

a participação do servidor em conselhos de administração de sociedade

privada, além de fiscal de empresas e entidades que a União tenha parcela do

capital social, tanto direta como indiretamente.

Além disso, a outra hipótese de exceção é a de gozo de licença para

trato de interesses particulares, tal qual dispõem o art. 9º da Lei 12.813/03:

Art. 9o Os agentes públicos mencionados no art. 2o desta Lei, inclusive aqueles que se encontram em gozo de licença ou em período de afastamento, deverão:

I - enviar à Comissão de Ética Pública ou à Controladoria-Geral da União, conforme o caso, anualmente, declaração com informações sobre situação patrimonial, participações societárias, atividades econômicas ou profissionais e indicação sobre a existência de cônjuge, companheiro ou parente, por consanguinidade ou afinidade,

Page 94: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

94

em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, no exercício de atividades que possam suscitar conflito de interesses; e

II - comunicar por escrito à Comissão de Ética Pública ou à unidade de recursos humanos do órgão ou entidade respectivo, conforme o caso, o exercício de atividade privada ou o recebimento de propostas de trabalho que pretende aceitar, contrato ou negócio no setor privado, ainda que não vedadas pelas normas vigentes, estendendo-se esta obrigação ao período a que se refere o inciso II do art. 6o.

Parágrafo único. As unidades de recursos humanos, ao receber a comunicação de exercício de atividade privada ou de recebimento de propostas de trabalho, contrato ou negócio no setor privado, deverão informar ao servidor e à Controladoria-Geral da União as situações que suscitem potencial conflito de interesses entre a atividade pública e a atividade privada do agente.

No art. 3º, inciso I, da Lei n.º 12.813/13, também há a conceituação de

conflito de interesse durante o exercício de cargo ou emprego no Poder

Executivo Federal:

Art. 3o Para os fins desta Lei, considera-se:

I - conflito de interesses: a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública;

Assim, existe a dispensa de lesão ao patrimônio público para a

ocorrência de obtenção de vantagem pelo servidor público, ou até mesmo

terceiro, e a caracterização de conflito de interesse.

Em caso de licença do servidor público, quando ele é dispensado para

tratar de assuntos de interesse particular, mantendo seu vínculo empregatício

com a Administração Pública, existe a legislação específica sobre o caso, tal

qual dispõe o art. 5º da Lei n.º 12.813/ 2013.

Art. 5º. Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas;

Page 95: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

95

II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe; III - exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas; IV - atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de interesses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão; VI - receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento; e VII - prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado. Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses estabelecidas neste artigo aplicam-se aos ocupantes dos cargos ou empregos mencionados no art. 2º ainda que em gozo de licença ou em período de afastamento.

Conclui-se, desta forma, que não é vedada a atuação comercial ou

mesmo a participação em sociedades pelo servidor licenciado. Todavia, é

importantíssimo observar que esta participação não deva colidir com o

interesse público, tal qual dita a lei acima. Se isto for verificado, ocorre a

responsabilização administrativa nos ditames da Lei n.º 8.112/90.

Quanto à atividade comercial, neste inciso também há tal proibição.

Considerando que empresário é todo aquele que exerce profissionalmente

atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou

serviços, segundo o art. 966 do Código Civil, a atividade comercial também se

insere nesta definição. Portanto, ao servidor também é vedada a atividade

comercial, mesmo que de forma individual.

Da mesma forma do caso de gerência ou administração do servidor em

sociedade privada, existem as mesmas exceções para o caso da atividade

comercial. Portanto, igualmente, se faz necessário que se comprove o efetivo

exercício comercial, sendo que o mero registro como empresário não basta para

a tipificação. Da mesma forma, afasta-se a qualificação quando os atos de

comércio forem feitos de maneira esporádica, sem efetivo costume.

Page 96: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

96

Especificamente quanto a atividade rural, que pode ser exercida de

forma empresarial ou não, de acordo com os ditames legais do Código Civil,

também existem as mesmas regras. Ou seja, aquele servidor que atue como

gerente ou administrador de sociedade rural, fazendo de forma habitual,

profissional e organizada, com escopo de produzir ou circular bens ou serviços,

será enquadrado na proibição deste inciso X, em tela.

11) Atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo

quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistências de parentes até

segundo grau, e de cônjuge ou companheiro: proibição do incido XI, mas muito

parecida com a do inciso IX, do valimento do cargo. Tal dispositivo objetiva,

acima de tudo, proteger a moralidade e a impessoalidade da Administração

Pública.

Esta proibição caracteriza-se pelo ato do servidor de atuar em nome de terceiro

perante entidade ou órgãos estatais, valendo-se, para isso, de seu prestígio, respeito

ou relacionamento com colegas de trabalho. Neste caso, o servidor pode atuar com

ou sem instrumento de mandato, por isso sendo considerado procurador ou

intermediário.

Ao tentar praticar o ato, mas o servidor não é reconhecido como gostaria, não

usufruindo de sua condição, respeito ou prestígio, não há o enquadramento no tipo

desta proibição. Todavia, esta conduta ainda pode ser penalizada, já que se faz

como infração sujeita a pena de expulsão.

Para haver a caracterização da infração, não se exige que o servidor obtenha o

sucesso almejado em sua diligência, nem mesmo a licitude do interesse tutelado,

bem como da comprovação da obtenção da vantagem indevida ao terceiro.

Somente se faz necessária a possibilidade de que a diligência do servidor possa

ocasionar um tratamento diferenciado ao terceiro por ele ajudado.

A infração também não se configura, conforme faz ressalva o próprio texto

legal, se o servidor atua como procurador de parente, com a limitação de ser até de

segundo grau, ou de cônjuge ou companheiro. Mas a incidência destas hipóteses se

Page 97: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

97

faz somente se for no caso de se pleitear benefícios previdenciários ou

assistenciais.

Todavia, a Comissão investigativa deve analisar com todo o cuidado possível

nos casos de transgressão a tais proibições, uma vez que é habitual laços de

coleguismo e amizades dentro de um mesmo ambiente de trabalho. A comissão

também deverá observar se não a conduta não se qualifica, de forma mais gravosa,

no crime de advocacia administrativa, relatado no art. 321 do Código Penal.

Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:

Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Como a penalidade prevista para este ilícito administrativo é a demissão, a

Comissão, deve agir com razoabilidade em seu julgamento.

Todavia, verificando as consequências de tais atos, temos que:

é extremamente prejudicial ao bom desempenho da Administração este tipo de tráfico de influência, quando o agente se vale de sua qualidade de funcionário público, de suas amizades e de seu livre trânsito pelas repartições, do coleguismo, clientelismo, ou troca de favores, para advogar causas particulares junto aos órgãos públicos, ainda mais quando ocupa funções de relevo nos quadros administrativos, e, com isso constrange o colega ao atendimento. O interesse público deve prevalecer, em vez disso, pois os princípios morais indicam que o funcionário estipendiado pelo Estado não pode praticar atos ou criar situações que venham a prejudicar o Estado. (ARAÚJO, 1941, p. 86).

12) Receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão

de suas atribuições: esta proibição é a do inciso XII, sobre de quando o servidor

recebe vantagem de qualquer tipo, podendo ser tanto em valor pecuniário ou não,

de modo que o faça agir irregularmente de acordo com suas atribuições do cargo.

Page 98: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

98

Todavia, se a propina é destinada para que o servidor execute seu serviço de

modo que exceda sua competência, ou seja ilegal, existe a possibilidade de se

configurar outra infração, disposta no inciso IX do art. 117 desta mesma lei,

chamado de valimento de cargo. Neste sentido, há o parecer da Advocacia Geral

da União:

Parecer-AGU nº GQ-139: O contexto do regime disciplinar e a positividade do transcrito inciso XII, mormente o sentido que se empresta à expressão ´em razão de suas atribuições´, induzem ao entendimento de que o recebimento de propina, comissão, presente ou qualquer modalidade de vantagem é decorrente das atribuições regularmente desenvolvidas pelo servidor, sem qualquer pertinência com a conduta censurável de que resulte proveito ilícito.

Portanto, como nas outras proibições em que a pena seja de expulsão, o

enquadramento neste dispositivo deve ser feito com muita cautela. Assim, deve-se,

primeiramente, verificar a hipótese de recebimento dos valores como forma de

agradecimento ou gratidão por bons serviços prestados pelo servidor. Caso isto

seja o caso, talvez o enquadramento em uma infração mais leve, tal qual a disposta

no art. 116, inciso IX, que diz sobre manter conduta compatível com a moralidade

administrativa, seja a solução mais correta.

Entretanto, caso o valor recebido pelo servidor seja de pequena monta, existe,

sim, a caracterização do ilícito, da mesma maneira. Portanto, o valor da propina

não é base para a tipificação da conduta, já que mesmo que ela seja irrisória, ainda

existe a possibilidade da troca de favores e vantagens.

O que realmente se deve comprovar é a intenção consciente do servidor, que

agiu de modo a obter a vantagem indevida. Agora, da mesma forma que a propina,

a vantagem obtida não precisa ser vultosa, de grande monta ou de grande

proporção. Se a vantagem ocorreu em detrimento da função pública, mesmo que

de forma ínfima, já se faz configurada a conduta gravosa, ofendendo os princípios

constitucionais inerentes à Administração Pública.

Entretanto, deve-se observar o princípio da razoabilidade para a tipificação

deste caso, de modo que em certos casos se afaste o potencial ofensivo de qualquer

presente recebido pelo servidor. Assim, para gratificações menores, que não

Page 99: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

99

ultrapassem o valor de R$100,00 (cem reais), segundo o Código de Conduta da

Alta Administração Federal, em seu art. 9º, não há o enquadramento na infração

disciplinar.

Art. 9º É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade. Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que: I - não tenham valor comercial; ou II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Neste mesmo sentido, existe, também, o disposto na Resolução n.º 3, de 23 de

Novembro de 2000, da Comissão de Ética Pública:

1. A proibição de que trata o Código de Conduta se refere ao recebimento de presentes de qualquer valor, em razão do cargo que ocupa a autoridade, quando o ofertante for pessoa, empresa ou entidade que: I – esteja sujeita à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a autoridade; II – tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que possa ser tomada pela autoridade, individualmente ou de caráter coletivo, em razão do cargo; III – mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a autoridade; ou IV – represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de pessoas, empresas ou entidades compreendidas nos incisos I, II e III. 2. É permitida a aceitação de presentes: I – em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade que se enquadre em qualquer das hipóteses previstas no item anterior; II – quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas. 3. Não sendo viável a recusa ou a devolução imediata de presente cuja aceitação é vedada, a autoridade deverá adotar uma das seguintes providências: I – tratando-se de bem de valor histórico, cultural ou artístico, destiná-lo ao acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para que este lhe dê o destino legal adequado; II - promover a sua doação a entidade de caráter assistencial ou filantrópico reconhecida como de utilidade pública, desde que, tratando-se de bem não perecível, se comprometa a aplicar o bem ou o produto da sua alienação em suas atividades fim; ou III - determinar a incorporação ao patrimônio da entidade ou do órgão público onde exerce a função. 4. Não caracteriza presente, para os fins desta Resolução: I – prêmio em dinheiro ou bens concedido à autoridade por entidade acadêmica, científica ou cultural, em reconhecimento por sua contribuição de caráter intelectual; II – prêmio concedido em razão de concurso de acesso público a trabalho de natureza acadêmica, científica, tecnológica ou cultural; III – bolsa de estudos vinculada ao aperfeiçoamento profissional ou técnico da autoridade, desde que o patrocinador não tenha interesse em decisão que possa ser tomada pela autoridade, em razão do cargo que ocupa.

Page 100: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

100

5. É permitida a aceitação de brindes, como tal entendidos aqueles: I –que não tenham valor comercial ou sejam distribuídos por entidade de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos ou datas comemorativas de caráter histórico ou cultural, desde que não ultrapassem o valor unitário de R$ 100,00 (cem reais); II – cuja periodicidade de distribuição não seja inferior a 12 (doze) meses; e III – que sejam de caráter geral e, portanto, não se destinem a agraciar exclusivamente uma determinada autoridade. 6. Se o valor do brinde ultrapassar a R$ 100,00 (cem reais), será ele tratado como presente, aplicando-se-lhe a norma prevista no item 3 acima. 7. Havendo dúvida se o brinde tem valor comercial de até R$ 100,00 (cem reais), a autoridade determinará sua avaliação junto ao comércio, podendo ainda, se julgar conveniente, dar-lhe desde logo o tratamento de presente.

A despeito, portanto, da verificação e da apuração dos fatos pela Comissão, é

importante, por fim, a consideração sobre se houve ou não configuração de ato de

improbidade administrativa. Para isso, deve a comissão verificar a gravidade da

infração, de modo a se observar se cabe ou não o disposto no art. 9º, inciso I, da

Lei n.º 8.429/92:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

Outro documento de relevância legal que deve ser observado é a Convenção

Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos

(OEA), que em seu art. IV, a, também faz referência ao tema:

Art. VI. A) a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

Assim, também deve-se considerar as hipóteses de enquadramento no crime de

corrupção, tipificado no art. 132, inciso XI, da Lei n.º 8.112/90. Lembrando que a

Page 101: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

101

Comissão, caso verifique que seja o caso de enquadramento em algum crime

contra a administração pública, deverá encaminhar os autos para o Ministério

Público, de modo que se tome as devidas medidas.

13) Aceitar comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro: esta proibição,

inserida no inciso XIII, veda que o servidor trabalhe para Estado estrangeiro.

Assim, se garante a lealdade e o compromisso que deve ser inerente ao

funcionalismo público brasileiro ao seu Estado pátrio.

Deste modo:

a defesa ou tratativa de interesse estranho à Administração, seja privado ou público (no caso estrangeiro), é ainda a atividade vedada, pois o interesse público não pode ser afetado por tais problemas, que podem até envolver questão de soberania (ARAÚJO, 1941, p. 87).

Tal proibição somente será excepcionada no caso de haver lei que garanta a

hipótese de haver comissão, pensão ou relação de emprego do servidor público

federal com Estado estrangeiro.

14) Praticar usura sob qualquer de suas formas: esta proibição está no art. XIV.

Primeiramente, deve-se salientar que usura é um interesse excessivo que se dá na

cobrança exagerada de juros, sendo maior que a taxa legalmente estipulada.

Também pode ser considerada como lucro excessivo, muito maior que o comum,

habitual, a avareza, a ambição desmensurada.

É importante a verificação do conceito legal de usura, definido no art 4º da lei

1.521 de 26 de dezembro de 1951:

Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Page 102: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

102

Deste modo, a proibição deste inciso se dá perante a conduta do servidor de

realizar negócios jurídicos com outros servidores ou administrados, cobrando, para

isto, juros exorbitantes e, assim, obtendo um lucro excessivo. Esta conduta,

entretanto, deve estar vinculada ao exercício de seu cargo, uma vez que tal conduta

executada na vida privada do servidor não configura esta infração.

Sobre a prática da usura, há entendimento do já extinto Departamento

Administrativo do Serviço Púbico (DASP), em sua formulação n.º 286:

Pratica usura o funcionário que, aproveitando-se da precária situação financeira de colega, compra-lhe a preço vil, para revenda, mercadoria adquirida em Reembolsável mediante desconto em folha.

15) Proceder de forma desidiosa: é uma infração disciplinar prevista no inciso XV, que

tem como objetivo punir o servidor público que age de forma desatenta,

descuidada ou desleixada em seus afazeres diários. É a negligência, o relaxo, o

descaso, sendo caso de demissão.

A desídia:

trata-se de falta que se caracteriza pelo cometimento reiterado de pequenas irregularidades, indisciplinas, insubordinações, assumindo um sem-número de formas, violando os deveres de lealdade, diligência, zelo, pontualidade e outros; denotando o desinteresse do indivíduo em relação à Administração, ao seu serviço, aos colegas de trabalho, ao interesse público (ARAÚJO, 1941, p.99).

É uma infração que está sujeita a pena de demissão. Por conta disto, tal qual as

demais infrações que tem essa sanção, a Comissão deverá utilizar-se dos princípios

da proporcionalidade e razoabilidade para a tipificação da conduta. Assim, ela

deverá verificar a gravidade das consequências de seus atos, bem como a

repercussão disto no interesse público.

É uma conduta que não tem caracterização dolosa, uma vez que: se o servidor

agir com o interesse específico de atingir o interesse público, diminuindo a

eficiência administrativa, poderia haver outra tipificação específica.

Isso acontece por causa da clássica classificação da conduta culposa, que pode

ser subdividida em imprudência, imperícia ou negligência. Portanto, na proibição

em questão, o servidor agirá de modo que sua eficiência seja diminuída, mediante

Page 103: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

103

o recebimento de algum outro benefício, pecuniário ou não. Assim, ocorre algum

tipo de negligência, imprudência ou imperícia.

Analisando tal conceito sobre a necessidade de uma conduta reiterada, ou não,

para a configuração da infração, chegamos a seguinte conclusão: apenas uma única

conduta já admite a tipificação em ato de desídia, já que é uma conduta gravosa

que vai contra o interesse público da Administração Pública. Mas isto ocorre em

caráter excepcional, pois, via de regra, a dissidia é considerada como um

comportamento reiterado de desleixo por parte do servidor, tal a definição que

segue:

[...] Desídia (e). É falta culposa, e não dolosa, ligada à negligência: costuma caracterizar-se pela prática ou omissão de vários atos (comparecimento impontual, ausências, produção imperfeita); excepcionalmente poderá estar configurada em um só ato culposo muito grave; se doloso ou querido pertencerá a outra das justas causas. […] (CARRION, 1994, p. 362).

Entretanto, a regra da conduta reiterada não se aplica ao caso de reincidência.

Ou seja, não é necessário que o servidor tenha tido punição anterior devido a atos

de desatenção ou desleixo para haver o enquadramento na proibição da conduta

desidiosa.

Todavia, também deve-se considerar as hipóteses de exclusão de culpabilidade,

como no caso de o servidor agir de forma desidiosa por causa de problemas

familiares, doenças, incapacidade física ou mental, entre outros casos. Nesta

hipótese, exclui-se a culpabilidade pois não é possível exigir conduta diversa do

servidor em seu ambiente de trabalho, devidos a estes casos específicos, o que

implica na descaracterização da infração.

Ademais, outra questão que merece análise, é que a desídia não tem relação

com casos de ausência do servidor no local de trabalho, bem como com condutas

de negação de cumprimento de ordens do servidor ou de condutas em que ele seja

responsável. Estes, e outros casos, podem ser enquadrados em outras tipificações

específicas.

Page 104: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

104

16) Utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades

particulares: tal proibição do inciso XVI tem como escopo a proteção da

moralidade e da impessoalidade na Administração Pública. Ou seja, os recursos,

bem como o funcionalismo público, não podem ser usados em atividades de

caráter particular, a proveito pessoal de qualquer servidor.

Portanto, os bens públicos e material humano da Administração devem servir a

somente para os fins dos serviços públicos, legalmente definidos. A vedação se faz

a qualquer uso destes bens e servidores fora do regulamentado em legislação.

A gravidade desta proibição é sobre a intenção do servidor de beneficiar-se dos

recursos públicos em proveito próprio, por causa da atividade que ele exerce.

Assim, deste modo, se faz a caracterização da conduta dolosa.

Como tal artigo acarreta pena de demissão, deve, a Comissão, ser orientada

pelo princípio da razoabilidade na tipificação da conduta. Ou seja, a medida que

forem verificadas apenas condutas ínfimas, que causem pequenos danos

patrimoniais ou não interfiram em grande monta nos serviços públicos, não se deve

aplicar a penalidade prevista. Entretanto, existe, claramente, a possibilidade de

tipificação em outras condutas, menos gravosas.

Inversamente, é preciso evidenciar que também é possível a tipificação em

condutas com repercussões mais gravosas para o servidor, como no caso de

enquadramento na tipificação de improbidade administrativa:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

IV - improbidade administrativa;

17) Cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em

situações de emergência e transitórias: esta proibição, escrita no inciso XVII da lei,

remete a situação de atuação do servidor de modo a desordenar as atividades do

serviço público.

Esta desordem refere-se à situação de um servidor ter que realizar atividades

não previstas em qualquer regulamento ou lei, que disciplina seu cargo. Deste

Page 105: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

105

modo, realizando tais atividades não disciplinadas, ocorre afronte aos princípios

administrativos da impessoalidade e eficiência.

Portanto, o servidor somente poderá atuar dentro das atividades legalmente

especificadas para seu cargo ou função, podendo, caso isto não ocorra, configurar a

conduta de desvio de função.

Portanto, a proibição do desvio de função é caracterizada pela atribuição ao

servidor público de atividade diversa da prevista para seu cargo. Quem comete a

infração disciplinar, neste caso, é o superior hierárquico do servidor público que

praticou o desvio de função, uma vez que é ele quem ordena os afazeres a seu

subordinado. Deste modo, é ele quem deve atentar-se as competências do cargo de

seu subordinado.

É válido salientar que, durante o exercício de função em que o servidor não é

competente para tal, ele, porventura, realizar uma conduta administrativamente

ilícita, existe, sim, a sua responsabilidade, podendo responder pelo ilícito efetuado.

Desta forma, o servidor que é incumbido de realizar atividade que foge de sua

alçada pode se opor a praticá-la, mesmo que tal ordem tenha advindo de um

superior hierárquico. Neste caso, é imprescindível que a ilegalidade seja manifesta,

ou seja, tal conduta esteja fora das atribuições legais e regularmente previstas.

Todavia, tal qual diz o texto legal, existe uma situação de exceção. É o caso de

ocorrerem emergências ou situações transitórias. Neste caso, o superior hierárquico

deverá fundamentar sua decisão, baseando-se no interesse público como fator de

excepcionalidade.

18) Exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou

função e com o horário de trabalho: esta proibição se encontra no inciso XVIII.

Faz referência à proibição de acumulação de cargo e o exercício de qualquer

atividade privada que tenha o potencial de conflitar com o interesse da

Administração Pública.

Esta proibição não deve ser confundida com a vedação de acumulação de

cargos públicos, disposta no art. 132, XII, desta mesma lei, e acima analisado. A

proibição em tela se debruça sobre o caso de choque entre o cargo público e a

atividade privada, diferentemente da acumulação de vários cargos públicos.

Fora isto, os atos concernentes à vida privada do servidor não estão na seara de

responsabilização do direito administrativo, mas somente se não existir nenhuma

Page 106: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

106

vinculação com o cargo que ele exerce. Entretanto, por meio desta proibição,

também, há a opção de responsabilização na vida privada por meio da seara

administrativa, também.

Além disso, existe a necessidade de se apurar a responsabilidade do servidor

por causa da atividade privada e suas atribuições. Ou seja, quando os atos privados

forem praticados de forma que comprometa a função pública, existe, da mesma

forma, a possibilidade de responsabilização administrativa.

Mas, mais uma vez, a Comissão deverá analisar a gravidade dos atos. Ou seja,

deverá verificar os prejuízos causados pelo servidor, bem como os benefícios que

ele recebeu em detrimento da Administração Pública, sejam eles de ordem

financeira ou não. Somente assim, com base nestes dados, poderá se verificar a

verdadeira ofensividade do ilícito administrativo em questão.

Portanto, a Comissão deverá usar os princípios da razoabilidade e

proporcionalidade como ferramentas de mensuração da infração disciplinar. É

claro que a punição máxima não poderá ser aplicada quando ocorrer apenas uma

prática isolada, bem como a que não tenha como consequência grande prejuízo à

Administração Pública. Por outro lado, deverá ser aplicada a pena máxima quando

verificar a conduta reiterada e de grande lesividade à Administração Pública.

Deste modo, é evidente que a lei visa não somente proibir o exercício da

atividade privada que se mostra incompatível com o cargo ou função do servidor,

mas também evitar que ele exerça atividade em horário que não seja compatível

com o exercício de seu cargo ou função. Então, deste modo, visa-se tutelar o

Serviço Público.

19) Recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado: proibição do

incido XIX que visa a sanção de servidor que recusa, injustificadamente, atualizar

seus dados cadastrais perante os registros e base de dados funcionais.

Para configurar este ilícito, é necessária a notificação do servidor almejando a

atualização de seus dados. Portanto, não basta apenas que ele tenha algum dado

incorreto ou incompleto no banco de dados da Administração.

É bastante proveitoso salientar que existe a obrigação do servidor envolvido

em processo disciplinar em comunicar à Comissão seu local de residência,

devendo atualizá-la caso mude, segundo o art. 162 da Lei n.º 8.112/90.

Page 107: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

107

Art. 162. O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à

comissão o lugar onde poderá ser encontrado.

Então, caso isto não aconteça existe a possibilidade de enquadramento nesta

proibição aqui discutida. Todavia, deve-se ter a ressalva de observar se o servidor

não poderá ser encontrado facilmente em seu local de trabalho e, além do mais, se

tal omissão foi feita de modo doloso ou culposo.

CAPÍTULO VIII. DEMISSÃO

O Art. 132 da Lei n. 8.112/90 prevê uma série de hipóteses em que existe a previsão

de pena de demissão do servidor público:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

Page 108: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

108

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Estas infrações são a despeito de condutas consideradas mais graves. Nestes casos, as

sanções previstas de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, que é a “extinção do

vínculo jurídico mantido com o servidor jurídico aposentado ou em disponibilidade como

punição por infração por ele praticada quando em atividade, a que fosse cominada sanção de

demissão” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 982), e destituição de cargo em comissão ou função

comissionada, que é “a extinção do provimento no cargo em comissão como punição por

conduta reprovável, a que seja cominada sanção de suspensão ou demissão” (JUSTEN

FILHO, 2011, p. 982), também se equiparam a pena de demissão.

Conceitualmente, “a demissão consiste na extinção do provimento em cargo efetivo,

com sua consequente vacância, como sanção pela prática de conduta reprovável” (JUSTEN

FILHO, 2011, p. 981).

Já Celso Antônio Bandeira de Mello define demissão como “a exclusão do servidor

como medida punitiva. Trata-se da mais grave sanção infligível ao funcionário e aplica-se a

quem infringiu deveres funcionais, revelando-se inconveniente com o serviço” (BANDEIRA

DE MELLO, 2002, p. 40)

Em outras palavras:

a demissão é a penalidade máxima a que poderá sujeitar-se o servidor, na esfera administrativa atingindo-o integralmente em sua condição funcional, que é unilateralmente encerrada através do ato demissório, ressaltando-se, ainda, que em certos casos, poderá o servidor ficar impedido temporariamente de ser investido em cargo ou função no serviço público, como na hipótese de aplicação, em decorrência de condenação judicial, dessa interdição temporária de direito (incapacidade temporária para o exercício de cargo ou função pública) prevista pelos arts. 47, I; 55 e 56 do Código Penal (ARAÚJO, 1941, p. 200).

Page 109: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

109

Antes de uma análise mais aprofundada sobre cada hipótese, mister se faz a

diferenciação entre demissão e exoneração. O acerto seguinte deixa bem claro as diferenças:

enquanto a demissão é ato de caráter punitivo, representando uma penalidade aplicada ao servidor em razão de infração funcional grave, a exoneração é a dispensa do servidor por interesse deste ou da Administração, não havendo qualquer conotação de sentido punitivo. O suporte fático da demissão é, portanto, inteiramente diverso do suporte da exoneração: na primeira, é a prática de uma infração grave, e, na segunda, o interesse do servidor ou da Administração (CARVALHO FILHO, 2013, p. 677).

Assim, superada a diferenciação, continuamos com a divagação acerca da demissão,

que é o ato administrativo mais apropriado de análise perante o tema desta monografia.

Devido à gravidade das condutas referidas no presente artigo se faz necessário, via de

regra, a comprovação da modalidade dolosa da conduta. Somente a conduta de desídia, que

faz referência o art. 132, XIII, pode aceitar a modalidade culposa em sua tipificação.

Nos crimes contra a administração pública se faz necessário ter a condenação criminal

transitada em julgado para ocorrer a responsabilização administrativa. Portanto, tal ilícito

somente será tipificado e passível de sanção após o transito em julgado, não podendo a

Comissão apurar o fato antes da decisão judicial.

Neste sentido, há o parecer da AGU, com caráter vinculante, que segue:

18 (…) a demissão, com fundamento no inciso I do art. 132, deve ser precedida de decisão judicial transitada em julgado.

(Parecer-AGU GQ 124, vinculante).

A Comissão, durante a espera sobre o proferimento da decisão judicial, deverá analisar

se a conduta pode ser caracterizada sobre outro tipo de ilícito administrativo, de modo que se

deixe de responsabilizar o servidor por conta de crimes contra a Administração Pública. Caso

isto não seja possível, aí sim a Comissão suspenderá o processo, esperando a decisão do juízo

competente.

É importante salientar que esta medida não reflete a falta de independência entre as

searas administrativas e penal. Ocorre que, para que haja a caracterização de crime contra a

Page 110: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

110

Administração Pública, é indispensável a ocorrência do trânsito em julgado da sentença

condenatória do servidor público.

Lembrando que os crimes contra a Administração Pública estão descritos no Código

Penal, desde o art. 312 até o art. 326, além, é claro, de outros, previstos em legislação

extravagante, como crimes contra a licitação, crimes contra o abuso de autoridade, etc. Nesse

caso, “pode-se entender que os fatos puníveis não são apenas os crimes funcionais

catalogados pelo (...). Código Penal, a todo e qualquer crime contra a Administração”

(ARAÚJO, 1941, p. 201).

Durante o início da apuração da conduta ilícita, caso a Comissão se depare com

indícios de crimes contra a Administração Pública, é importante que ela remeta os

documentos comprobatórios para a autoridade policial competente, bem como para o

Ministério Público, de modo que sejam adotados os procedimentos cabíveis no caso concreto.

Caso haja a condenação, existe o efeito acessório de perda do cargo. Mas isto somente

ocorre no caso de a condenação ter como penalidade um ano ou mais de reclusão ou detenção

e, cumulativamente, se o juiz decidir sobre a perda do cargo. Portanto, o servidor é destituído

do cargo mediante decisão judicial, que é proferida pelo Juiz competente para o caso, segundo

o art 92 do Código Penal:

Art. 92 - São também efeitos da condenação

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Quanto ao inciso II, sobre o abandono de cargo, existe um conceito legal sobre tal ato,

instituído nos arts. 138 e 140 do Estatuto dos Servidores Públicos:

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Page 111: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

111

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que:

I - a indicação da materialidade dar-se-á:

a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias;

b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o período de doze meses;

II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento.

O abandono de cargo tem sua sanção advinda “da inobservância do dever de

assiduidade posto a cumprimento de todos os servidores” (DUARTE NETO, 2011, p. 211).

Analisando tal conceito, é possível concluir que existem três situações que podem

configurar a materialização do abandono de cargo: a intencionalidade, a continuidade e o

prazo mínimo.

Quanto a intencionalidade, é função da Comissão a análise da conduta acerca do

“animus abandonandi”, que pode ser por dolo direto ou eventual. Todavia, a intenção de

abandono de forma permanente do servidor não é exigida, bastando a intenção de abando

temporário. É função da Comissão fazer, também, a mensuração de eventuais justificativas

sobre o abandono do cargo, bem como verificar se foi protocolado, pelo servidor, algum

pedido de afastamento motivado. Deste modo, poderia ocorrer uma infração diferente, como a

inobservância do dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço, configurada no art. 116,

X, do Estatuto em análise.

A Comissão também deve, obrigatoriamente, considerar o requisito objetivo para a

configuração do abandono de cargo, que é o prazo de 31 (trinta e um) dias consecutivos,

incluídos os finais de semana, feriados e dias de ponto facultativo, sem que o servidor apareça

em seu serviço. Quanto a contagem do prazo prescricional para que a Administração possa

penalizar o servidor pelo abandono do cargo, começa a ser contado após o prazo objetivo dos

31 dias de ausência consecutiva do serviço.

Page 112: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

112

Assim:

A infração disciplinar de abandono de cargo, prevista no art. 138 da Lei Federal n.º 8.112/90, é instantânea de efeitos permanentes, isto é, já é consumada, com perfeita reunião dos elementos da definição legal da transgressão administrativa, no 31º dia de faltas consecutivas ao serviço do acusado, embora os efeitos da falta administrativa com data de consumação já configurada possam prolonga-se no tempo permanentemente, se o servidor não mais retomar o exercício funcional depois da deserção do trintídio (CARVALHO, 2012, p. 153)

Outrossim, a justificativa de ausência do serviço por motivos pessoais, de foro íntimo,

não afasta a intencionalidade de tal infração. Mais do que isso, este argumento evidencia o

maior interesse individual privado do servidor perante o interesse público, o que acaba por

reforçar ainda mais a configuração de abandono de cargo.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração é que o servidor deve estar no

efetivo exercício de seu cargo, de modo que realmente se configure a infração disciplinar.

Caso o servidor retorne ao seu trabalho, após passado o prazo objetivo de 31 dias, não

há a hipótese de desconfiguração do ilícito. Portanto, não existe esta discricionariedade para a

remissão do ilícito cometido.

Além disto, o Código Penal prevê um ilícito penal muito parecido com o abandono de

cargo, o crime de abandono de função, posto no art. 323 do Código Penal:

Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta prejuízo público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 2º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Page 113: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

113

Para a caracterização do crime existe a exigência de prejuízo a regularidade do serviço

público, o que dá maior gravidade à conduta, explicando o motivo de existir a tipificação

criminal. No caso de abandono de cargo, este elemento não se faz presente.

Assim, “o abandono de cargo tem uma conceituação administrativa que difere da

tipificação criminal, mas, ausentes os elementos característicos do crime, poderá ser punível,

ainda assim, com demissão” (ARAÚJO, 1941, p. 213).

Quanto à inassiduidade habitual, do inciso III, refere-se à ausência, de modo

injustificado, do servidor. Esta ausência não é caracterizada como um abandono, mas sim tal

qual a definição do art. 139 e 140, I, alínea “a”, da Lei n.º 8.112/90.

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que:

I - a indicação da materialidade dar-se-á:

a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias;

Veja bem, segundo a definição legal, esta infração tem como característica a ausência

do servidor por período igual ou superior a 60 (sessenta) dias, por um período objetivo de 12

(doze) meses, sem qualquer tipo de justificação. A contagem se dá somente pelos dias úteis, e

os 12 meses não devem, obrigatoriamente, coincidir com o ano civil, uma vez que a lei não

faz nenhuma referência a este fato.

Assim, tem-se, claramente, a diferenciação entre inassiduidade habitual e o abandono

do cargo, que não se configura somente com a confirmação da ausência do servidor por mais

de 30 dias, mas sim com a constatação do aspecto subjetivo, do “ânimus abandonandi” por

parte do agente. Por conseguinte, deve a Comissão buscar os elementos de diferenciação e

enquadramento legais.

Agora, quanto à improbidade administrativa, é uma forma específica e qualificada de

desrespeito ao princípio administrativo constitucional da moralidade. O vocativo

Page 114: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

114

“improbidade” significa a “falta de probidade, ruindade, mal caráter, maldade (DICIONÁRIO

AURÉLIO, 2015). Os atos de improbidade estão citados na própria Constituição Federal, no

art. 37 § 4º.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Como já dito, também, o legislador do Estatuto dos Funcionários Públicos Federais,

em seu art. 132, IV, também tipificou como ilícito administrativo o ato de improbidade.

Todavia, deve-se observar que tal ato de improbidade se dá somente quando vinculado

à execução de função pública, ou seja, que tenha alguma relação com o cargo público.

Portanto, os atos da vida privada do servidor público, que não repercutirem no âmbito

público, tanto direta como indiretamente, não poderão ser enquadrados como atos de

improbidade administrativa. Todavia, tais atos poderão, ainda, serem considerados imorais

para o padrão social vigente.

Posteriormente, foi editada a Lei n.º 8.429/92, chamada Lei da Improbidade

Administrativa. Nesta lei é tratada, especificamente, as repercussões cíveis dos atos de

improbidade, sem deixar de considerar, é claro, as devidas sanções na seara administrativa e

penal.

Ademais, tal lei estabelece as sanções de todas as espécies ali qualificadas como atos

ímprobos. Deste modo, não houve exaurimento nenhum da competência das entidades

administrativas na punição deste ilícito. O que houve foi, apenas, uma maior delimitação das

competências.

Então, as práticas de ato de improbidade poderão ter sanções administrativas, de

acordo com o parâmetro da Lei n.º 8.112/90, caso nesta tipificação se enquadrem. Poderão

sofrer sanções cíveis, quando for o caso de enquadrar-se nas hipóteses da Lei n.º 8.492/92.

Poderão, ainda, sofrerem sanções penais, haja vista que há a tipificação específica no Código

Penal.

Page 115: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

115

O que se vê é que:

Quase instintivamente se conhece o homem ímprobo, e o improbus administrator, como o indivíduo desonesto, de mau caráter, perverso, que no trabalho se aproveita dos descuidos de confiança dos superiores, da ingenuidade alheia ou das facilidades que sua posição no serviço público lhe propicia para a prática de fraudes e satisfação de interesses escusos, próprios ou de outrem: portanto, desonestidade, abuso, fraude e má-fé, em atos comissivos ou omissivos (ARAÚJO, 1941, p. 214).

Portanto, pode haver a apuração concomitante de atos de improbidade tanto na esfera

cível, quanto na penal e na administrativa. A seara administrativa investigará as faltas

funcionais, caracterizadas pelo ilícito administrativo, de uma conduta de improbidade

administrativa. No âmbito cível, se apurará as repercussões cabíveis da Lei n.º 8.429/92. Por

fim, a instância penal apurará pelos procedimentos a ela concernentes, a eventual prática de

um crime.

É essencial salientar que durante a apuração pelas vias administrativas, o processo

administrativo é o instrumento legal correto a ser usado. Faz-se importante esta constatação

pois na própria Lei da Improbidade Administrativa há a previsão de procedimento específico

que, como já dito, deve ser usado somente para apurações de responsabilidades no âmbito

cível.

Deste modo, na Lei de Improbidade Administrativa, foram citados três tipos de atos

que caracterizam esta conduta: os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); os que

causam prejuízo ao Erário (art. 10) e os que atentam contra o princípio da administração

pública (art. 11). O que se vê, claramente, é uma conceituação genérica em cada uma destas

espécies, a medida que nos próprios artigos existem incisos que vão conceituando de forma

mais específica o ilícito em comento:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser

Page 116: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

116

atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

Page 117: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

117

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei.

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

XVI a XXI – vedado

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

Page 118: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

118

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

O que se nota, vide as denotações acima, é que o desrespeito a qualquer princípio

regente da Administração Pública presente na norma, prescindido de enriquecimento ilícito do

agente público ou prejuízo do erário, configura a improbidade administrativa. Os atos

previstos no art. 9 (prejuízo ao Erário) e art. 11 (atentar contra os princípios da Administração

Pública) serão sempre na forma dolosa. Entretanto, também se aceita a forma culposa no que

tange ao prejuízo do Erário para a responsabilização na seara cível.

A Comissão deverá, segundo o art. 15 da Lei de Improbidade Administrativa,

comunicar o Ministério Público e o Tribunal de Contas que está instaurando o processo

investigatório disciplinar. Tais órgãos irão designar representantes para acompanhar o

processo.

Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

O enriquecimento ilícito por aquisição de bens desproporcionalmente aos rendimentos

ou à evolução patrimonial, que é outra hipótese da improbidade administrativa da Lei n.º

8.429/92, significa a aquisição de bens, de qualquer natureza, pelo agente. Estes bens serão

destinados para benefício próprio ou de terceiros, sendo caracterizado pela

Page 119: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

119

desproporcionalidade em comparação com a renda regularmente auferida pelo próprio

servidor.

Esta compatibilidade patrimonial é verificada pela comparação dos rendimentos do

servidor, declarados à Secretaria da Receita Federal, com suas despesas. Caso as despesas

sejam maiores que a receita, deduz-se que há omissão de rendimentos, ou seja, receitas não

declaradas. Assim, existe a indicação de possível variação patrimonial sem rendas que a

baseiem, com a presunção relativa da veracidade. O investigado tem a opção de produzir

provas perante a Administração com a finalidade de descaracterizar o referido ilícito.

Consequentemente, cabe à Administração efetuar a comprovação da desproporcionalidade

patrimonial do agente, decorrente, é claro, do exercício de sua função pública.

É evidente que a Comissão também deve agir no sentido de comprovar o dolo, bem

como considerar os princípios administrativos da razoabilidade e proporcionalidade para a

tipificação do ilícito de improbidade. O que concernir ao âmbito fiscal não deverá ser levado

em consideração na investigação administrativa disciplinar. Pode acontecer, muitas vezes, de

ocorrerem erros por parte do servidor ao declarar ao Fisco seus rendimentos, o que não

acarreta no ilícito disciplinar. Portanto, a Comissão deve se atentar a tal fato, agindo de modo

cauteloso.

Da mesma forma, pode muito bem um servidor ter seu patrimônio acrescido de modo

vultoso, mas que, de fato, não tenha relação com o exercício público. Por exemplo, tal ganho

pode ser advindo de uma herança, de uma atividade particular, de uma valorização natural de

seus bens, dentre outras possiblidades. Assim, cabe ao agente a comprovação de não relação

entre o aumento de seu patrimônio com o exercício da atividade pública.

Todavia, continuando em nossa divagação sobre as hipóteses que acarretam a pena de

demissão ao servidor público, chegamos a parte do inciso V, da incontinência pública e

conduta escandalosa na repartição. A incontinência significa, grosseiramente, a falta de

moderação, de cometimento. Ela é o “comportamento ostensivamente desregrado e dissoluto

do servidor, que pode incompatibilizá-lo com o serviço ou com os colegas de trabalho,

prejudicando o respeito e a credibilidade indispensáveis aos serviços públicos” (ARAÚJO,

1941, p. 215).

Para se caracterizar esta infração é mister que a incontinência seja de forma pública,

que outras pessoas a vejam. Esta conduta, também, deve ocorrer no âmbito da repartição

Page 120: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

120

pública ou, ainda, estar relacionada com o exercício das atribuições do servidor. É neste

ponto, último, que tal conduta se relaciona com a vida privada do servidor, podendo acarretar

a punição de demissão do cargo público do mesmo.

Desta forma:

A boa conduta do funcionário não se restringe à repartição pública e se estende a sua vida privada. E esta deve mais se afirmar conforme mais alto seja o cargo por ele ocupado. Portanto, a incontinência pública e escandalosa, e assumindo a forma habitual, ou mesmo esporádica, dada a sua gravidade e repercussão social, gera a infração de dever de boa conduta que se exige do funcionário, com reflexos na função pública, mesmo fora da repartição pública. Sirvam de exemplo o jogo e a embriaguez habitual, desordens provocadas com mulheres em locais suspeitos, casas de tolerância ou boîtes, ou atitudes contrárias ao decoro público que suscitam a intervenção da Polícia. Então, configura falta punível se ficar afetado o bom nome do funcionário, e, especialmente, do serviço público. Isso porque o funcionário público traz consigo sempre a qualidade de agente público cujo bom nome deve resguardar” (BANDEIRA DE MELLO, 1969, p. 470).

A conduta escandalosa, por sua vez, está relacionada muito mais à infração de âmbito

moral, ao desrespeito da moralidade social vigente. A conduta escandalosa não precisa ser

cometida publicamente, diferentemente da incontinência, mas precisa, ainda assim, ser feita

no âmbito da repartição. As práticas escondidas que também ofendam a moral, tal qual atos de

conotação sexual, também devem ser enquadrados como condutas escandalosas. Não se faz

necessária a conduta reiterada para a tipificação neste ilícito.

Em relação à insubordinação grave em serviço, seu escopo é a preservação da relação

hierárquica de toda a estrutura da organização administrativa. A insubordinação significa,

basicamente, a rebeldia, a indisciplina. Ou seja, “consiste em desobediência a ordens

superiores, mas com reações ostensivas e até violentas, e outros atos que procurem ferir a

hierarquia, o respeito e o prestígio das autoridades superiores ao servidor” (ARAÚJO, 1941,

p. 215). Sob outra perspectiva, “a insubordinação é verificada através da avaliação do

relacionamento do servidor com seus colegas de serviço, com os superiores hierárquicos e

com o público em geral” (DUARTE NETO, 2011, p. 213). Assim, a insubordinação qualifica

o servidor que desrespeite ordem de seu superior que seja direta e pessoal e que não seja

ilegal.

Por sua vez, a indisciplina é a inobservância de uma ordem não específica ao servidor

em específico. Neste caso, a ilegalidade da ordem deve ser manifestamente visível, a todos

Page 121: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

121

perceptível. Caso esse seja a hipótese, o não cumprimento acaba por não implicar em falta

funcional.

Neste caso, como a punição é a demissão, a infração deve ser caracterizada de forma

grave, mensurada pela consequência de seus atos. Em caso contrário, deverá enquadrar-se no

art. 116, IV, da Lei n.º 8.112/90, que trata do dever de cumprir as ordens superiores, exceto

quando manifestamente ilegais. Além disso, este ato infracional deve ser praticado em

serviço, não tendo qualquer relação com a vida privada do servidor.

Disposto no inciso VII, no que tange à ofensa física, em serviço, a servidor ou

particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem, também tem relação com a vida

privada do mesmo. Isto de dá pois tal proibição visa a boa conduta do servidor perante

terceiros, em que se enquadram qualquer pessoa que sofra a agressão injusta, tanto servidores

colegas de trabalho como administrados. Como bem explica o doutrinador:

não se coaduna a prática de agressões físicas com o dever de boa conduta, posto a cumprimento a todos os servidores. Clarividente que a aplicação desta penalidade não se restringe a agressões porventura cometidas dentro das repartições públicas, pois que inúmeras categorias de servidores exercem suas atividades externamente (DUARTE NETO, 2011, p. 213)

No inciso VIII há a disposição sobre a aplicação irregular de dinheiros públicos,

visando a garantia da destinação correta de verbas públicas. É “dar a dotações públicas

aplicação diversa da permitida ou determinada pelas leis e normas que regem a matéria como,

p.ex., as referentes a orçamentos públicos, processamento de defesa pública, [...]” (ARÚJO,

1941, p. 216).

Esta proibição é veiculada especificamente aos servidores que tenham essa

competência. Para a consumação deste ilícito, pouco importa o destino que se tenha dado o

dinheiro. O que vale é a destinação contrária a proposta em lei. Esta, também, não é uma

proibição que tenha muita relevância para a vida privada do cidadão. Por isto, daremos pouco

enfoque nesta monografia.

Por outro lado, a proibição do inciso IX, da revelação de segredo do qual se apropriou

em razão do cargo, já tem implicações no âmbito privado do servidor, como analisaremos a

seguir.

Page 122: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

122

No exercício de suas atribuições os servidores lidam, muitas vezes, com informações

de caráter sigiloso. Então, a lei, por meio do dispositivo em questão, tem a finalidade de coibir

a revelação deste segredo, por conta do exercício de sua função pública.

A revelação, ou seja, o ato de declarar, se trata especificamente do segredo relativo aos

atos da Administração Pública. Já o aspecto “sigiloso” da informação significa, basicamente,

a segurança social, a inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem, bem como da

própria vida privada, de todas as pessoas. Portanto, a informação divulgada, por parte do

servidor público, deve ter o caráter sigiloso para haver, realmente, a caracterização deste tipo

de proibição.

Caso a informação revelada não tenha o caráter sigiloso, irá ocorrer, por outro lado, a

quebra do dever funcional de guardar sigilo sobre assuntos da repartição, já descrito nesta

monografia e qualificado no art. 116, VIII, da Lei n.º. 8.112/90.

Neste mesmo entendimento, há disposição na Lei n.º 12.527/11, a chamada Lei de

Acesso à Informação, que define que quando o servidor goza de acesso à informação sigilosa

ele deve guardá-la em segredo, tal qual dispõe o art. 25.

Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção.

§ 1o O acesso, a divulgação e o tratamento de informação classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que tenham necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente credenciadas na forma do regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes públicos autorizados por lei.

§ 2o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo.

§ 3o Regulamento disporá sobre procedimentos e medidas a serem adotados para o tratamento de informação sigilosa, de modo a protegê-la contra perda, alteração indevida, acesso, transmissão e divulgação não autorizados.

Em relação ao inciso X, sobre a lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio

nacional, esta norma tem o escopo claro de proteger o patrimônio público. Nela, são descritas

duas condutas: a lesão ao patrimônio público e a dilapidação do patrimônio nacional.

Page 123: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

123

A lesão ao patrimônio público relaciona-se a perda do dinheiro público. Portanto, esta

regra aplica-se especificamente aos servidores que tenham o poder de gerenciar os recursos

monetários da Administração Pública. O efetivo dano ao erário é fundamental para que esta

proibição seja concretizada de fato.

Já a conduta de dilapidar o patrimônio nacional tem mais relação com o desperdício, a

má conservação do bem público. Assim, tal infração pode ser cometida por qualquer servidor,

independentemente de ter poderes especiais ou não. Os bens públicos, neste caso, podem ser

considerados de modo geral, não somente o dinheiro, tal qual na conduta anterior.

As duas condutas desta norma somente aceitam a modalidade dolosa. Se forem

cometidas culposamente, por meio de negligência, imprudência e imperícia, não terá, o

servidor, cometido infração disciplinar.

A corrupção, dita no inciso XI, tem a mesma caracterização da corrupção passiva, dita

no Código Penal, em seu art 317.

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Portanto, corromper, neste caso, é o ato de quem perverte, deprava, tanto a si próprio

como a terceiro. Disciplinarmente, tal conduta deverá ser inerente à função pública que o

servidor exerce, de modo que, concretamente, ele venha a auferir vantagens a si mesmo ou a

outras pessoas.

Outra questão importante é que o servidor deverá agir de maneira irregular para

infringir esta proibição. Ou seja, a medida que o servidor recebe vantagem indevida para a

Page 124: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

124

realização de ato regular, esta conduta será caracterizada como outro tipo de ilícito funcional:

receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas

atribuições, de acordo com o art. 117, XII da Lei n.º 8.112/90.

A outra proibição, inciso XII, que trata da acumulação ilegal de cargos, empregos ou

funções públicas, busca a efetivação do que dispõe a Constituição Federal acerca da

acumulação de cargos, empregos ou funções públicas, tal qual seu art. 37, inciso XVI:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

Deste modo, a regra geral é a impossibilidade de acumulação de cargos, independente

do âmbito federativo do servidor público, embora haja exceções. A acumulação ilegal dos

cargos será apurada por meio do rito sumário, como dita o art. 133 da Lei n.º 8.112/90.

Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração;

II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório;

III - julgamento.

Page 125: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

125

§ 1o A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula do servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções públicas em situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das datas de ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico.

§ 2o A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164.

§ 3o Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento.

§ 4o No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3o do art. 167.

§ 5o A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo.

§ 6o Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados.

§ 7o O prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem

§ 8o O procedimento sumário rege-se pelas disposições deste artigo, observando-se, no que lhe for aplicável, subsidiariamente, as disposições dos Títulos IV e V desta Lei.

É importante salientar, também, que neste caso, a pena aplicada de demissão irá atingir

todos os cargos que estão relacionados à acumulação indevida. Ainda, caso o servidor tenha

recebido por um período de tempo em que não esteve efetivamente trabalhando, é importante

a Administração buscar a restituição desta quantia.

Concluindo, também se faz necessário dizer que “o art. 117 (...) descreve vedações

funcionais cuja inobservância poderia enquadrar-se em outras hipóteses de demissão previstas

pelo art. 132, ao lado, em outros incisos, de proibições que não acarretam essa penalidade”

(ARAÚJO, 1941, p. 217).

Page 126: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

126

Page 127: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

127

CAPÌTULO IX. DEONTOLOGIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

A deontologia trata da ética profissional, uma ética aplicada especificamente sobre

determinadas atividades decorrentes da profissão analisada. Consta que o termo foi criado

como um neologismo pelo teórico Jeremy Bentham, objetivando “designar uma ciência

conveniente, isto é, uma moral fundada na tendência de seguir o prazer e fugir da dor e que,

portanto, prescindia de todo apelo à consciência, ao dever, etc.” (LAZZARINI, 1996, p. 58).

Sob outro enfoque, a deontologia também pode ser caracterizada como:

ciência do que é justo e conveniente que o homem faça, do valor a que visa e do dever da norma que dirige o comportamento humano, no que coincide a Deontologia com a ciência da moralidade da ação humana ou com a ética” (LAZZARINI, 1996, p. 58).

Desta forma, anterior ao estudo da deontologia, mister se faz o estudo da ética. Isso

ocorre porque o próprio conceito de deontologia decorre do conceito de Ética. Entretanto, a

ética carece de uma definição precisa, sendo comum o entendimento do que ela trata, mas se

faz dificílima a sua delimitação conceitual. Todavia, existem alguns apontamentos dignos de

nota, o qual se verificará a seguir.

Deve-se elucidar, primeiramente, que a ética é um campo da filosofia, que objetiva o

estudo dos atos praticados por qualquer pessoa, bem como a reflexão sobre o sentido de tais

condutas, a luz dos valores próprios de cada indivíduo. Dessa maneira, a ética permite assumir

a responsabilidade de cada pessoa acerca de sua conduta cotidiana, tendo em vista, também, o

campo da moral e das regras.

Fica evidente, na tentativa acima, que o conceito de ética abrange outros conceitos,

como o de valores, moral e regras. Por isso, é extremamente difícil e abstrata a conceituação

deste ramo da filosofia. Todavia, proporcional a tamanha dificuldade é a tamanha importância

deste conceito na análise deontológica no campo do Direito Administrativo, especialmente no

que se refere aos servidores públicos investidos de função pública.

Alguns doutrinadores tentaram executar a conceituação da ética, tal qual merece nota e

fica exposto a seguir:

Page 128: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

128

Etimologicamente, a palavra ética origina-se do termo grego ethos, que significa o

conjunto de costumes, hábitos e valores de uma determinada sociedade ou cultura. Também

podemos definir ética como “a teoria ou ciência do comprometimento moral dos homens em

sociedade” (VÁSQUEZ, 1983, p. 12). Outra tentativa de definição: “a ética é uma

investigação geral sobre aquilo que é bom, com o objetivo de aperfeiçoar o ser humano”

(PONTES, 2007, p. 03). Sob outro olhar, a ética é:

a ciência de uma forma específica de comportamento humano, de comportamento moral dos indivíduos na sociedade, ou seja, a forma como as pessoas agem e se relacionam na comunidade. Ela começa a existir a partir do instante em que questionamos a ação ou conduta que pretendemos praticar. É, pois, interior, psicológica e subjetiva. É um fenômeno intrinsicamente humano, pois somente nós, seres humanos, possuímos capacidade de refletir sobre a ação que praticaremos, preocupando-se precisamente com os reflexos que irá produzir em relação à nós mesmos e ao grupo no qual o comportamento será externado. A ética é a forma primeira de verificação da nossa conduta procedida pela nossa consciência. (PINHO, 2012, p. 04)

Então, a ética é um conceito subjetivo indeterminado, que abrange o caráter intrínseco

do ser humano e somente por ele pode ser implementada, pois advêm da vontade humana de

agir.

A ética é composta por, basicamente, dois fatores: os valores e as normas. Pode-se

dizer que, na prática, a ética se faz presente pela somatória destas duas variáveis. Ao firmar

valores próprios, o indivíduo expõe ao mundo o que acredita e acha correto e, à medida que

estabelece normas, cria mecanismos para a prática de tais valores.

Segundo a doutrinadora: “valores são tudo aquilo que afirmamos merecer ser

buscado” (PINHO, 2012, p. 09). Portanto, são todos os conceitos considerados

importantíssimos, de maior relevância e, portanto, que devem receber maior valoração

subjetiva de cada indivíduo. Temos, como exemplo de valores, a felicidade, o bem-estar, a

justiça, a generosidade, entre outros.

Já as normas têm o escopo de efetivar um valor. Nesse caso, são consideradas da

mesma forma que regras. As regras, portanto:

enunciam obrigações ou proibições aplicáveis às várias situações e problemas encontrados na vida do grupo a que se dirige. Em geral, procuram traduzir os valores e princípios em orientações concretas para a ação. (PINHO, 2012, p. 09)

Page 129: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

129

A medida que a ética se faz presente, é possível a sua confusão perante outros

conceitos, como a moral e o próprio Direito. Assim, é importantíssima a diferenciação entre

ética e moral e Direito para compreensão do tema. É comum a confusão acerca destes

institutos, já que ambos têm bastante em comum.

Todos eles delimitam e valorizam condutas humanas. O Direito é, basicamente, uma

sistematização de leis advinda de uma concretização de costumes de um grupo específico.

Tais costumes são baseados nos princípios morais aceitos pela sociedade. Para efetivar tais

costumes, o Direito utiliza-se de ações coercitivas. Então, começa, neste ponto, a

diferenciação destes institutos que provêm de uma mesma origem teórica.

A ética é um princípio permanente, já que é universal, sendo de caráter teórico, tendo

como objeto os costumes e tradições da sociedade em que está inserida. A moral, por outro

lado, se refere a condutas específicas, cerceadas por um caráter temporal, à medida que tem

uma conotação cultural, se fazendo, propriamente, o objeto da ética. Portanto, a moral está

dentro da ética, tal qual a consciência individual se faz presente perante uma consciência

coletiva, consolidada perante os padrões valorativos presentes na sociedade em questão.

O Direito, nesta toada, tem extrema relação com a ética e a moral. Entretanto, ele

utiliza-se, como já dito, de condutas coercitivas para a implementação de suas leis. Tanto a

ética como a moral não têm este escopo. Ambas são oriundas da liberdade, preceito básico

para existirem, pois garante o poder de escolha humano. Então, o Direito não pode impor que

uma pessoa tenha sua conduta pautada na moralidade. Existem, como exemplo, inúmeras

condutas imorais que são aceitas pelo ordenamento jurídico, como: embriaguez, escândalos

desmedidos, manter relações com prostitutas, tentativa de suicídio, entre outras.

É claro que muitas vezes as condutas consideradas imorais também são consideradas

ilegais, não aceitas pelo Direito e, portanto, passível de utilização da força para punição. Daí

decorre a relação intrínseca entre Direito, moral e ética. Mas, como acima analisado, estes três

conceitos não constituem a mesma coisa. São, tecnicamente, diferentes.

Todas estas teorias são aplicáveis, a luz do recorte dogmático desta monografia,

perante os princípios deontológicos dos servidores públicos. Tais princípios foram

compilados por meio do Decreto n.º 1.117/94 (chamado de Código de Ética Profissional do

Page 130: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

130

Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal), mas também estão presentes na Lei n.º

8.112/90, bem como na própria Constituição Federal.

Como dito, a deontologia trata do conjunto de deveres profissionais. Estes deveres são

pautados, basicamente, em padrões éticos. Neste caso, há uma junção de ética com moral, à

medida que adequa os valores e regras de um grupo perante os valores e regras da sociedade,

criando o Código de Deontologia. Tais códigos são “os tratados de deveres, daquilo que é

aprovado ou reprovado, correto ou incorreto, referente ao exercício de uma determinada

profissão” (PINHO, 2012, p. 12). Abordando o tema sob outro viés, temos que “as relações de

trabalho devem ser pautadas por normas e regras coletivamente construídas: porém, isso não

significa que os sujeitos não sejam capazes de estabelecer valores por si próprios” (PINTO,

2012, p. 03).

No caso dos servidores públicos, seus deveres profissionais estão expressos em lei,

mas suas condutas éticas também devem ser observadas, à medida que seus atos perfazem a

atuação da Administração Pública perante seus administrados. Estes profissionais devem agir

com a dignidade e o zelo concernentes à função que ocupam, bem como serem leais à

Administração Pública e ter compromisso com a sociedade, beneficiária de seus serviços.

Portanto, tamanha a importância dos atos dos servidores que estes, eticamente, transbordam a

mera consciência pessoal, devendo ser controlada pela própria sociedade, pelo próprio

Direito. Então:

A ética profissional coadunada à ética pessoal consiste, portanto, em uma forma de ser no mundo, que é apreendida e incorporada pelo homem e só assim poderá ser posta em prática em casa, no meio social, nas organizações de trabalho e em todos os momentos de sua vida e não apenas quando for conveniente para resultar em benefícios particulares. O espírito de cooperação, cordialidade, honestidade e respeito devem permear o comportamento de todos aqueles que trabalham com e para o público, independentemente de ocuparem cargo de provimento efetivo ou em comissão. Assim, é interessante observar o sentido da expressão “servidor público” que, em sua versão mais singela, significa estar a serviço da coletividade (PINHO, 2012, p. 18).

O Decreto n.º 1171/94 estabelece um padrão de comportamento ético e moral para

todos os servidores por ele abrangidos, tendo, como consequência, a tentativa de padronização

destas condutas na vida particular do mesmo, independentemente do cargo ocupado.

Page 131: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

131

Assim, decorre a indagação se o Direito pode interferir nas condutas morais dos

servidores público, à medida que a obrigação deles com a Administração Pública poderia

derrogar a regra geral de não intervenção do Direito na moralidade individual de cada pessoa.

Neste caso, o Direito poderia limitar condutas privadas do servidor, além do campo restrito da

sua atividade na repartição em que atua, de modo a forçar certas condutas consideradas

exemplares?

A regra geral é que não. A Administração não pode punir administrativamente o

servidor público por conta de suas atitudes imorais em sua vida privada. “Não interessa o

comportamento do servidor público fora da repartição, se não há vínculo com suas atribuições

funcionais” (PONTES, 2007, p. 05). Entretanto, o Decreto n.º 1171/94 diz de forma diversa

em seus incisos I e VI, Secção I do Capítulo I:

Inciso I – A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

Inciso VI – A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional.

Como interpretar estas normativas, sabendo que o princípio da intimidade e

privacidade são considerados invioláveis pela Constituição Federal, como bem-dispõe o art.

5º, inciso X:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Deve-se buscar orientação no princípio da legalidade, também instituído na Carta

Constitucional por meio do art. 5º, inciso II:

Page 132: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

132

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Desta forma, fica entendido que o Decreto n.º 1171/94, por não ter natureza de lei,

deve ser considerado, dentro da escala normativa, como hierarquicamente inferior, o que

acarreta em sua apreciação após a prévia consideração dos textos normativos considerados

hierarquicamente superiores.

Portanto, o princípio da intimidade e privacidade, por estarem instituídos no texto

constitucional, tem primazia valorativa perante o exposto no Decreto n.º1171/94. Desta

forma, vemos que a conduta privada do servidor público deve ser protegida, por conta de ser

um direito constitucional, não podendo a Administração Pública punir administrativamente o

servidor por atos imorais por ele praticados que não tenham vínculo direto com o serviço

público que exerça.

Diferentemente ocorre quando estes atos têm, sim, relação com a atividade que o

servidor exerce. Assim, “não basta, para fins de responsabilização funcional, que o ato seja

cometido fora da intimidade do servidor. Para tal responsabilização, é preciso haver um

vínculo entre o comportamento particular e imoral com a atribuição do servidor público”

(PONTES, 2007, p. 07)

Então, resumidamente, se o comportamento do servidor público em sua vida privada

não acarretar desmoralização para a Administração Pública, não há motivo de sancionamento

administrativo. A intimidade e a privacidade de qualquer pessoa, o que inclui os servidores

públicos, gozam de proteção dada pela Constituição Federal.

O Decreto n.º 1171/94, neste sentido, não deve ser analisado sob o prisma do princípio

da legalidade. Como, a intimidade da vida privada do servidor é resguardada. Mas, para fins

de promoções dentro da carreira exercida pelo servidor nos quadros funcionais da

Administração Pública, as condutas éticas, consideradas de acordo com a referida normativa,

tem enorme peso.

Page 133: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

133

Então, mesmo que um servidor adúltero, por exemplo, não seja punido

administrativamente, uma vez que esta conduta não implica, diretamente, do vínculo com a

Administração Pública, tal ato poderá ser considerado, sim, para questões de promoções.

Assim “deve-se ressaltar, ainda, a importância da mudança de comportamento de todo agente

público no sentido de identificar-se com o fim social da Administração Pública e lutar para a

obtenção de todas as finalidades almejadas pelo Estado Democrático de Direito”

(GONÇALVES, 2011, p. 02). Neste mesmo sentido:

Quando tal Código estabelece, logo no Capítulo I do Anexo, algumas “Regras Deontológicas”, quer dizer que o servidor público está envolto em um sistema onde a moral tem forte influência no desenvolvimento da sua carreira pública. Assim, quem passa pelo serviço público sabe ou deveria saber que a promoção profissional e o adequado cumprimento das atribuições do cargo estão condicionados também pela ética e, assim, pelo comportamento particular do servidor. (PINHO, 2012, p. 19)

Esta mesma diferenciação se aplica para a separação entre as normas aplicáveis ao

servidor por meio da Lei n. 8112/90 e o Código de Ética dos Servidores. A lei, por sua própria

natureza, institui uma condição coercitiva. Neste sentido, o servidor adere a ela de maneira

impessoal, externa, uma vez que a lei lhe é imposta pelo Estado sem qualquer tipo de consulta

prévia. Diferentemente, o Código de Ética advém de um preceito de liberdade de escolha, não

impondo ao servidor qualquer característica coercitiva, mas apenas dando ao mesmo uma

base de regramentos éticos e morais para o balizamento de condutas pessoais.

Ou seja, “o Código de Ética cria regras deontológicas de ética, isto é, cria um sistema

de princípios e fundamentos da moral, daí porque não se preocupa com a previsão de punição

e processo disciplinar contra o servidor antiético” (PONTES, 2007, p. 13). Entretanto, muitas

vezes, é comum que as condutas consideradas antiéticas pelo Decreto n.º 1.171/94 também

sejam consideradas passíveis de punições administrativas, tipificadas como ilícito

administrativo.

Além disso, os princípios da moralidade e da lealdade dos servidores públicos também

devem ser analisados pelo viés de sua deontologia profissional. A lealdade perante a

instituição significa: “ter compromisso público com ela; é, em suma, assumir conduta que vai

beneficiar a instituição e o desenvolvimento de sua função. O servidor público leal e

compromissado com a sua instituição fica preocupado todos os dias com a imagem dela”

Page 134: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

134

(PONTES, 2007, p. 08). Já a moralidade trata do conjunto de regras jurídicas tiradas do

interior da Administração Pública, existindo por conta da atividade pública exercida.

Como verificou-se, a moralidade e a lealdade são princípios básicos da Administração

Pública, instituídos na Carta Constitucional por meio do art. 37, caput. Todavia, estes

princípios, advindos de uma ética profissional, também se encontram tipificados em

legislação ordinária, como, por exemplo, na Lei n.º 8.112/90. Nesta lei, especificamente,

temos diversas condutas consideradas como deveres dos servidores públicos civis da união,

instituídos, como já analisado nesta monografia, no art. 116.

Portanto, o dever de “ser leal às instituições que servir”, “exercer com zelo e

dedicação as atribuições do cargo”, “observar as normas legais e regulamentares”, entre

outros, são tipificações do princípio da moralidade e lealdade, acima de tudo. Dá-se, assim,

uma coesão entre todos os textos normativos do ordenamento jurídico pátrio relativos ao tema

aqui discutido. O que importa é a ética da categoria, que é protegida por leis e pelo Código de

Ética, tendo como pressupostos princípios constitucionais gerais.

Neste sentido:

Pode-se dizer que os fundamentos a justificação das ações e atitudes se fazem presentes na ética da convicção através de leis morais que não toleram desvios ou ideais de vida coletiva a serem realizados. Esta ética, absoluta, presume o caráter universal de suas obrigações e se apresenta de forma incondicional e unívoca, dito de outro modo, uma convicção não se negocia (PINTO, 2012, p.02)

Page 135: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

135

CAPÍTULO X. JURISPRUDÊNCIA

Completando e seguindo a abordagem metodológica proposta para esta monografia,

seguem algumas decisões exemplificativas acerca do entendimento de tribunais brasileiros

sobre a temática do presente trabalho. Foram priorizadas as decisões do Supremo Tribunal

Federal e do Superior de Justiça, por serem instâncias superiores. Entretanto, devido à relação

com o assunto tratado, também se utilizou de acórdão de Tribunal de Justiça.

A pesquisa teve como objeto o rol dos deveres do art. 116 da Lei 8.112/90, uma vez

que estes caracterizam o cerne do funcionalismo público, carregados de todo arcabouço de

princípios inerentes à Administração Pública. Nestes casos, verifica-se a análise e o

julgamento das condutas de servidores públicos que praticaram atos que influenciam, direta

ou indiretamente, em sua liberdade privada, em sua vida cotidiana fora do expediente de

trabalho.

Portanto, seguem os respectivos acórdãos, cada qual com o destaque, em negrito, ao

entendimento que está de acordo com o que foi estudado nesta monografia. É visível que o

entendimento majoritário dos tribunais, independente da peculiaridade fática de cada caso,

condiz com a doutrina estudada.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR CONDENADO NA ESFERA PENAL. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DEVER DO SERVIDOR: "PROCEDER NA VIDA PÚBLICA E PRIVADA, DE FORMA QUE DIGNIFIQUE A FUNÇÃO PÚBLICA". LIMITE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. FALTA DE INDICAÇÃO DE MÁCULA NO REFERIDO PROCEDIMENTO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. O impetrante não aponta qualquer vício na instauração do procedimento administrativo disciplinar, limitando-se a argumentar sobre sua impossibilidade por cuidar-se de "repetição da ação penal". Limitação de apreciação do Poder Judiciário. A independência entre as esferas penal e administrativa é fartamente consagrada (doutrina e jurisprudência). No procedimento administrativo, o impetrante responde por transgressão ao dispositivo que determina ser dever do servidor proceder na vida pública e privada de forma que dignifique a função pública. Recurso desprovido. (grifo nosso)

Page 136: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

136

(STJ, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 17/09/2002, T5 - QUINTA TURMA)

Neste caso, fica evidente a valoração de padrões éticos perante a conduta privada do

servidor público, independente do princípio da privacidade. O dever do servidor de manter

conduta compatível com a moralidade administrativa foi o cerne do julgamento, sendo

preterido para o julgamento da conduta do servidor público. Desta forma, a conduta do

servidor, em sua vida privada, teve relação com a Administração Pública, afetando, para

tanto, a sua moralidade perante a sociedade.

Também é possível verificar o entendimento da separação e independência entre as

esferas penal e administrativas, teoria já bastante consolidada em nosso ordenamento, tal qual

exposto pelo julgado.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO INTELECTUAL, AO EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PORTARIA SRF Nº 695, DE 21/07/1999. EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DE SUPERIOR HIERÁRQUICO PARA QUE AUDITORES E TÉCNICOS DA RECEITA MINISTREM CURSOS NA ÁREA FISCAL, MESMO QUE FORA DO HORÁRIO DE EXPEDIENTE. ILEGALIDADE. I – Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto pela UNIÃO, em face de sentença que concedeu a segurança para determinar que a autoridade impetrada se abstenha de impor qualquer espécie de punição ao impetrante – Auditor da Receita – pelo exercício de seu direito de ministrar cursos sobre REPETRO, independentemente de autorizações de qualquer tipo, arcando o mesmo com o ônus pecuniário decorrente de eventuais faltas ao serviço, tal como requerido na inicial. II – A Administração pode disciplinar através de atos normativos condutas do servidor relacionadas ao seu exercício profissional, entretanto, não lhe cabe dispor sobre situações e atividades exercidas pelo servidor em sua vida privada. A exigência de autorização prévia para ministrar cursos não encontra respaldo na Lei nº 8.112, de 11/12/1990, sendo importante destacar que não há qualquer vedação nesse sentido no art. 117 daquela norma. III – O Direito deve sempre garantir ao homem o exercício máximo de suas capacidades e a busca de uma vida plena. Nesse âmbito, incluem-se as liberdades máximas do indivíduo, dentre os quais a autodeterminação, a livre manifestação do pensamento; a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura prévia; o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Veja-se que a limitação dessas liberdades básicas tem implicações até no direito de propriedade, pois é através do trabalho que o homem adquire meios para exercê-lo. IV – O servidor tem dentre os seus deveres o de ser assíduo e pontual ao serviço (art. 116, X, da Lei nº 8.112/1990). Desse modo, o impetrante não tem o direito de ministrar cursos durante o horário de expediente, pois, ao fazê-lo, ainda que compense tais horas ou sofra o corte do ponto, está prejudicando os interesses da Administração e da própria sociedade. Não poderá, entretanto, subsistir o processo administrativo disciplinar, porque a imputação ali é apenas quanto à falta de autorização superior, e não quanto à eventual infração decorrente de faltas ou atrasos ao serviço. V – Apelação e remessa necessária parcialmente providas. (grifo nosso)(TRF-2 - AMS: 56556 RJ 2003.51.01.021916-9, Relator: Desembargador Federal ANTONIO CRUZ NETTO,

Page 137: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

137

Data de Julgamento: 01/04/2009, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::16/04/2009 - Página::29/30)

O caso em tela versa sobre o direito de o servidor público ministrar aulas em sua vida

particular. No caso, o Tribunal entendeu que há um limite de atuação da Administração

Pública, no sentido de não interferir na conduta da vida privada de seu servidor. Este

entendimento está de acordo com o exposto nesta monografia, à medida que o fato do

servidor ministrar cursos não vincula, necessariamente, esta atividade com a atividade

exercida por ele mesmo durante seu expediente público. Ademais, ministrar cursos, de modo

algum, desmoraliza a Administração Pública. Muito pelo contrário, é, até mesmo, uma

atividade incentivada pelo Estado, no sentido de ser atividade educacional.

Como argumento concreto, o Tribunal utilizou-se do dever de assiduidade.

Considerando que o servidor não deixe de cumprir com sua obrigação e carga horária perante

a Administração, pouco importa o que faz durante seu período em que se encontra fora da

repartição pública, a menos que esta conduta tenha vínculo com seu cargo público.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA PARA TRATAMENTO DE INTERESSES PARTICULARES. LC 58/2003. PRAZO MÁXIMO DE 3 (TRÊS) ANOS - DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. ANIMUS ABANDONANDI CONFIGURADO. LEGALIDADE DO ATO IMPUGNADO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado por Niedja Agra de Araújo contra ato do Defensor Público Geral do Estado da Paraíba, no qual se objetiva a anulação do ato de demissão no serviço público, em virtude de decisão proferida em processo administrativo disciplinar. 2. O Mandado de Segurança detém entre seus requisitos a demonstração inequívoca de direito líquido e certo pela parte impetrante, por meio da chamada prova pré-constituída, inexistindo espaço para dilação probatória na célere via do mandamus. 3. O Tribunal de Justiça denegou a ordem ao fundamento de que a servidora não tem direito líquido e certo, "pois não apresentou qualquer documento que ateste o deferimento de licença sem vencimento para tratar de assuntos pessoais no ano de 2004, muito menos qualquer ato administrativo que indicasse que a Administração deferiu ou não o pedido, além do excesso de prazo do afastamento da impetrante (oito anos), em desrespeito ao comando do artigo 89 da LC 58/2003" (fl. 115, e-STJ). 4. Inexiste nulidade no acórdão que aprecia a questão à luz da legislação aplicável, dos fatos e das provas produzidas nos autos. Ora, a recorrente não estava no gozo de um direito absoluto e eterno, lembrando que é dever do servidor público observar as normas legais e regulamentares, ser assíduo e pontual ao serviço, bem como manter conduta compatível com a moralidade administrativa. 5. Não havendo direito líquido e certo a amparar a pretensão da recorrente, deve ser mantido o aresto proferido na origem. 6. Recurso Ordinário não provido. (grifo nosso)(STJ - RMS: 45989 PB 2014/0166040-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/03/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2015)

Page 138: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

138

Neste julgamento, o Superior Tribunal de Justiça acabou por considerar que o

afastamento da servidora pública, em um período de tempo bastante superior ao concedido

pela Administração Pública, enseja, sim, a devida demissão, penalidade imposta após todo o

devido trâmite do processo administrativo disciplinar. Para tanto, considerou o dever exposto

no art. 116, X, da Lei n.º 8.112/90, da assiduidade e pontualidade ao serviço. Desta maneira, o

STJ acabou por denegar a segurança, mantendo a decisão do Defensor Público Geral do

Estado da Paraíba, autoridade impetrada na respectiva ação judicial.

Como base legal para o amparo da decisão do Colendo Tribunal, temos o art. 132, III,

da já citada lei, que diz que o abandono de cargo é motivo para a demissão do servidor

público.

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. PENA DE DEMISSÃO. IMPOSIÇÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE NO ÂMBITO PENAL. PENALIDADE DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO. 1. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem nortear a Administração Pública como parâmetros de valoração de seus atos sancionatórios, por isso que a não observância dessas balizas justifica a possibilidade de o Poder Judiciário sindicar decisões administrativas. 2. A Lei 9.784/1999 dispõe que “Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. 3. O cerceamento de defesa é inexistente, em face de ato de presidente da comissão que indefere pedidos que, a seu critério, não influem para o esclarecimento dos fatos, mercê de não demonstrado o eventual prejuízo alegado. 4. In casu: a) A Comissão Disciplinar sugeriu a aplicação de uma pena de suspensão pelo prazo de 90 dias; b) O ato administrativo fundou-se no fato de que “67- Também ficou comprovado o envolvimento do indiciado Ermino Moraes Pereira, ocupante do cargo de Assistente de Administração, SIAPE nº 07071912, residente e domiciliado na Cidade Nova VI, WE nº 46-B, nº 371, no Município de Ananindeua-Pa, nas irregularidades, por ter auxiliado a empresa ACTT na liberação de certidões junto a Superintendência Regional do INCRA do Pará, bem como por não ter levado ao conhecimento da autoridade competente que a empresa ACTT era gerida e funcionava na casa do servidor Jorge Bartolomeu Pereira Barbosa. 68- O servidor em questão também foi denunciado pelo Ministério Público Federal, pois é réu no Processo Judicial nº 2006.39.02.000204-4, verbis: [ ] A seu turno, ERMINO MORAES PEREIRA, vulgo Chumbinho, exercia importante papel na liberação dos documentos, em favor de interessados na aquisição de cadastros de terras públicas, dada a inegável influência exercida perante o corpo de servidores do INCRA em Belém, mesmo estando afastado de suas atribuições originais, em virtude de ter sido cedido à assessoria de imprensa do deputado federal Jose Priante”; c) Embora seja reiterada nesta Corte a orientação no sentido da independência das instâncias penal e administrativa, e de que aquela só repercute nesta quando conclui pela inexistência do fato ou pela negativa de sua autoria (MS 21.708, rel Min. Maurício Corrêa, DJ 18.08.01, MS 22.438, rel. Min. Moreira Alves, DJ 06.02.98), não se deve ignorar a absolvição do recorrente na Ação Penal nº 2006.39.02.00204-0, oriunda do Processo

Page 139: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

139

Administrativo Disciplinar nº 54100.001143/2005-52, sob a justificativa de falta de provas concretas para condenação do recorrente, a qual merece a transcrição, in verbis: “Neste ato, ABSOLVO os réus ALMIR DE LIMA BRANDÃO, ERMINO MORAES PEREIRA e JOSÉ OSMANDO FIGUEIREDO, por inexistir prova bastante de seu concurso para a prática da infração penal (art. 386, inc. V, CPP), consoante fundamentação.”; d) É consabido incumbir ao agente público, quando da edição dos atos administrativos, demonstrar a pertinência dos motivos arguidos aos fins a que o ato se destina [Celso Antônio Bandeira de Mello – RDP90/64]; e) Consoante disposto no artigo 128 da Lei nº 8.112/90, na aplicação da sanção ao servidor devem ser observadas a gravidade do ilícito disciplinar, a culpabilidade do servidor, o dano causado ao erário, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Em outras palavras, a referida disposição legal impõe ao administrador a observância dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação de sanções; f) A absolvição penal, que, in casu, ocorreu, nem sempre vincula a decisão a ser proferida no âmbito administrativo disciplinar, sendo certo que não há comprovação, no caso sub judice, da prática de qualquer falta residual de gravidade ímpar capaz de justificar a sua demissão; g) Na hipótese dos autos, conforme o relatório do Processo Administrativo Disciplinar, o recorrente teria, supostamente, facilitado a liberação de documentos aos interessados na aquisição de cadastros de terras públicas, em razão de sua influência, mesmo estando afastado de suas atribuições originárias; h) Mercê de o delito acima, que é grave, não ter sido comprovado no âmbito Penal, não se tem notícia da prática de outros atos irregulares por parte do recorrente, podendo-se afirmar que se trata de servidor público possuidor de bons antecedentes, além de detentor de largo tempo de serviço prestado ao Poder Público; i) Ex positis, dou provimento ao presente recurso ordinário em mandado de segurança para desconstituir a pena de demissão cominada a Ermino Moraes Pereira e determinar sua imediata reintegração ao quadro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido para desconstituir a penalidade de demissão imposta ao ora recorrente. (grifo nosso) (STF - RMS: 28208 DF , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 25/02/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 19-03-2014 PUBLIC 20-03-2014)

Este julgado trata de um caso excepcional, em que a esfera administrativa influenciou

na esfera penal, mesmo sendo consolidado o entendimento de independência entre elas. No

caso, a Administração Pública absolveu o acusado em seu processo administrativo, por falta

de provas. Deste modo, o servidor, figurando como réu no processo penal, acabou sendo

também absolvido nesta instância, à medida que para esta punição também faltaram provas.

Portanto, fica evidente que existe exceções para as regras de independência da Justiça Penal e

da Administração Pública, em seu caráter sancionador, de modo que exista, realmente, coesão

no sistema jurídico pátrio. Pois bem, ao final dos dois processos, o resultado final se deu em

sentido do respeito aos princípios administrativos da razoabilidade e proporcionalidade, tão

carentes de respaldo na atualidade, em muitos casos.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREVENÇÃO. NÃO CONHECIDO AGRAVO REGIMENTAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7/STJ. PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO. DESNECESSIDADE DE

Page 140: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

140

VINCULAÇÃO COM O EXERCÍCIO DO CARGO PÚBLICO. IMPOSIÇÃO OBRIGATÓRIA DA PENA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - "É irrecorrível o despacho que determina a redistribuição ou atribuição dos autos, haja vista tratar-se de ato meramente ordinatório bem como inexistir conteúdo decisório apto a causar gravame às partes" (STJ, AgRg na Rcl 9.858/CE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, DJe de 25/04/2013). II - A reversão do entendimento exposto no acórdão acerca da existência da prática do ato imputado como ímprobo exige, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. III - Da mesma forma, a apreciação da conduta, para fins de exame sobre a configuração ou não de ato de improbidade administrativa, exige o revolvimento da matéria fático-probatória dos autos, de modo que incide, também sobre a pretensão, o enunciado da Súmula n. 7/STJ. IV - O art. 11 da Lei n. 8.429/92 descreve como ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, "qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência [...]". V - A Primeira Seção consolidou entendimento no sentido de que a caracterização dos atos previstos no art. 11 da Lei n. 8.429/92 depende tão somente da configuração de dolo lato sensu ou genérico, dispensando, portanto, a prova de dano ao erário (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin; EREsp 654.721/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon). VI - Na espécie, ainda que a realização de concurso público no lugar de outrem não guarde estreita relação com a atividade de advogado da União, utilizou-se o recorrente do prestígio do cargo quando da tentativa de persuasão do Delegado atuante no caso, o que, a toda evidência, contraria o inciso I do art. 11 da Lei n. 8.429/92. VII - Ademais, este Superior Tribunal de Justiça já expressou que "a conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar necessariamente vinculada com o exercício do cargo público" (MS 12.660/DF, Rel. Ministra Marilza Maynard). VIII - Restando comprovada a prática do ato imputado ao recorrente no que se refere à utilização de documento falso de identificação, para fins de prestar concurso público em lugar de outro candidato, torna-se obrigatória a imposição da sanção instituída pela norma aplicável à espécie. IX - Negado provimento ao recurso especial e não conhecido o agravo regimental interposto do despacho que acolheu a prevenção. (grifo nosso) (STJ - REsp: 1431157 PB 2014/0013194-1, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 23/10/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2014)

O Julgado em questão demonstra o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em

utilizar das medidas sancionadoras em atos de improbidade administrativa. O ato do servidor

público se utilizar do prestígio do cargo que ocupa para obter vantagem se enquadra nas

hipóteses de improbidade administrativa elencadas na Lei n.º 8429/92. Neste caso, o Tribunal

entendeu não haver a necessidade da vinculação do ato com o exercício da profissão, uma vez

que, realmente, não havia relação com a atividade exercida pelo servidor, ora recorrente. Isto

se faz de maneira lógica, pois somente o ato de tirar vantagem do cargo que ocupa, por conta

de seu prestígio a ele investido, já desmoraliza a Administração Pública, bem como vai contra

seus princípios. Esta vantagem, mesmo não tendo relação fática quanto ao exercício de sua

função, tem uma relação moral com ela. O fato do servidor tentar obter vantagem provém de

ser ocupante deste cargo público. O prestígio é decorrente do cargo, não da pessoa do

Page 141: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

141

servidor. Pois bem, fica ai evidenciada a relação do caso com o Administração Pública, o que

justifica a decisão do STJ.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por Ângela Maria Ferreira contra ato do procurador-geral da República. Informa a impetrante que foi submetida a processo administrativo disciplinar em virtude de seu suposto envolvimento em fatos ilícitos no estado do Acre, denominados, pela imprensa local, "Escândalo da Santa Casa”. Sustenta que a sindicância que precedeu o processo administrativo disciplinar teve o objetivo de apurar sua responsabilidade apenas nos atos relacionados ao dito "Escândalo", qual seja, mais precisamente, o oferecimento de propina a servidor do Cartório do Registro de Imóveis (fls. 04). A comissão sindicante concluiu pela veracidade dos fatos imputados à servidora, e, com base nesse fundamento, foi determinada a abertura de processo administrativo disciplinar. A comissão processante instaurada concluiu que a servidora "não praticara os fatos que lhe eram imputados e não cometera a infração prevista no art. 117, inciso XI, da Lei n.º 8.112/90" (fls. 07). No entanto, para espanto da impetrante, ela foi indiciada por fatos diversos daqueles que originaram a abertura da sindicância e do processo administrativo disciplinar. Alega, preliminarmente, que o processo administrativo que deu origem ao ato impugnado é nulo, por cerceamento de defesa. Nesse sentido, ressalta que pôde produzir provas quando o processo administrativo foi instaurado. Contudo, como o de indiciamento trouxe fatos diversos daqueles contidos na fase de instauração, requereu produção de novas provas, a fim de se defender em relação aos novos fatos. Tal pleito foi indeferido. Afirma que, "ao proceder desta forma a Comissão reabriu a fase de instauração do Processo Administrativo Disciplinar sem reabrir a fase de instrução, passando de imediato para defesa da acusada, que ficou impossibilitada de produzir provas relacionadas às novas imputações que lhe estavam sendo feitas" (fls. 18).Caso ultrapassada a preliminar, sustenta, no mérito, que as apontadas violações que serviram de base para sua demissão - art. 117, VIII, X, XV, XVI, e art. 116, I, II, III e X, todos da Lei 8.112/1990 - não ocorreram. Pede, cautelarmente, seja determinada sua reintegração ao cargo de analista processual do Ministério Público da União. Nas informações, o procurador-geral da República rebate as alegações expostas na inicial. É o relatório. Decido. Reconheço, inicialmente, que a matéria é deveras complexa, especialmente em virtude da volumosa quantidade de informação trazida pelo processo administrativo instaurado contra a servidora impetrante. Numa análise meramente perfunctória, vejo plausibilidade na pretensão disposta na inicial. A impetrante alega, preliminarmente, que o processo administrativo seria nulo porque o despacho de indiciamento teria considerado fatos diferentes daqueles apurados na fase de sindicância e, por consequência, no ato de instauração do processo administrativo. Colho da decisão em que o procurador-chefe da Procuradoria da República no Acre decidiu instaurar processo administrativo disciplinar contra a impetrante: "Trata-se de Sindicância Investigatória instaurada mediante a Portaria PR/AC nº 26, de 20 de dezembro de 2004, para apurar eventual participação e responsabilidade funcional das servidoras [...] e ÂNGELA MARIA FERREIRA [...], nos eventos supostamente criminosos do chamado 'Caso Santa Casa'............................................Por sua vez, relativamente à conduta da servidora ÂNGELA MARIA FERREIRA, entendeu aquele Colegiado Inquisitório que ela 'infringiu os deveres funcionais previstos (no) artigo 116, incisos II, III e IX, bem como o art. 117, inciso XI, todos da Lei 8.112/90, fazendo-se imperativa a instauração de Inquérito Administrativo Disciplinar [...]............................................A razão da apuração da presente Sindicância Preparatória decorreu das notícias fartamente veiculadas nos meios de comunicação local dando conta de suposta fraude em uma operação de compra e venda de um imóvel pertencente à SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO ACRE-SCMA, com vistas a fraudar execução fiscal federal, além de implicar em outros tantos delitos, estratagema este que envolveria, inclusive, a participação de duas servidoras lotadas na PR/AC, sendo uma delas - ÂNGELA MARIA FERREIRA - acusada do gravíssimo crime de corrupção ativa." (Fls. 444-445) Na decisão, ficou deliberado o

Page 142: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

142

seguinte: "Com estas considerações, acolho integralmente as conclusões da Comissão de Sindicância, para, com base no que dispõem os artigos 143, 145, III, e 146, todos da Lei Federal nº 8.112/90, determinar a instauração de PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, em face da servidora ÃNGELA MARIA FERREIRA [...], para apurar a responsabilidade funcional da mesma por inobservância dos deveres funcionais de ser leal às instituições a que servir - artigo 116, II, RJU -, observar as normas legais e regulamentares - artigo 116, III, RJU - manter conduta compatível com a moralidade administrativa - artigo 116, IX, RJU -, e da infringência da proibição de atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro - artigo 117, XI, RJU -, ficando a mesma passível de aplicação das penas administrativas cominadas em lei." (Fls. 447-448). Por sua vez, o despacho em que o secretário-geral do Ministério Público Federal deferiu a constituição de comissão processante foi expresso nos seguintes termos: "Em exame perfunctório dos autos percebem-se fortes indícios de que a servidora ÂNGELA MARIA FERREIRA tenha, de fato, oferecido quantia elevada em dinheiro (R$ 30.000,00) a escrivão da 1a Serventia de Registros Públicos de Rio Branco para liberar a venda de imóvel sujeito a duas penhoras. Tal conduta, além de configurar crime de corrupção ativa, também violaria a proibição contida no art. 117, XI, da Lei 8.112/90."(Fls. 457) Por derradeiro, a notificação feita à servidora no início do processo administrativo disciplinar foi assim lavrada: "NOTIFICA Vossa Senhoria de que, consoante Ata de Instalação e Pauta de Audiências em anexo, foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar voltado a apurar os fatos noticiados na Sindicância Administrativa nº 1.10.000.000396/2004-25, em que Vossa Senhoria figura como acusada, podendo, em razão disso, obter vista do procedimento em tela, inclusive cópias, bem como acompanhar pessoalmente ou por procurador constituído, todos os demais atos a serem praticados no decorrer do apuratório."(Fls. 51) Tais trechos são minimamente elucidativos para demonstrar que a sindicância e a instauração do processo administrativo disciplinar tomaram como referência os fatos específicos relativos ao chamado "Escândalo da Santa Casa", que geravam a responsabilidade funcional da servidora decorrente do suposto ato de ter oferecido propina a funcionário de cartório. A notificação feita no início do processo administrativo, que dava conhecimento à servidora impetrante de que ela poderia formular defesa, ao fazer referência aos fatos apurados durante a sindicância, restringia o campo de aplicação da defesa aos fatos relacionados ao chamado "Escândalo da Santa Casa". Entretanto, a peça de indiciamento (fls. 263-274) não achou responsabilidade da servidora pela violação do art. 117, XI, que guardava relação direta com o dito "Escândalo", mas com outras violações dos deveres dos servidores públicos, em especial o contido no art. 117, X (participação efetiva e ativa na administração da Santa Casa), XVIII (incompatibilidade entre as atividades de diretora jurídica da Santa Casa e o cargo de analista processual do Ministério Público Federal), XV (negligência com o exercício da função pública ao preterir os encargos de natureza pública em prol de tarefas de caráter particular, com o intuito de atender interesses próprios e de terceiros), XVI (uso de recursos materiais públicos para fins particulares), todos da Lei 8.112/1990.Nos termos expostos na peça de indiciamento:" conclui-se: a servidora Ângela Maria Ferreira, Analista Processual [...] não praticou fato capaz de justificar o indiciamento dela no artigo 117, inciso XI, da Lei 8.112/90 [...].Entretanto, remanescem em tese configuradas, em desfavor da servidora Ângela Maria Ferreira, condutas que se amoldam aos incisos I, II, III e X do artigo 116; e X, XV, XVI e XVIII do artigo 117, combinados com o artigo 132, inciso XIII, todos da Lei 8.112/90."(Fls. 264) De fato, após ter sido intimada de tal peça de indiciamento, a impetrante requereu produção de novas diligências, pedido que foi rigorosamente negado pela comissão processante, nos seguintes termos: "Às 15:00 horas do dia (16) dezesseis de junho de 2005, na sala 10 da SOTC-2º Oficio da PR/RO, onde se encontra instalada a Comissão Processante, reuniram-se os servidores que dela fazem parte, deliberando-se: I - PELO indeferimento do requerimento que solicitou a necessidade de juntada a posteriori das avaliações funcionais e das oitivas de testemunhas, uma vez que a conduta desidiosa descrita no Inciso XV do art. 117 da Lei 8.112/90 está devidamente fundamentada em provas colhidas no decorrer da

Page 143: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

143

instrução e expressamente indicadas na peça de indiciamento de fls. 273/284."(Fls. 310) Vale dizer que o relatório final da comissão processante imputou responsabilidade à impetrante por violação dos mesmos dispositivos apontados na peça de indiciamento, com expressa exclusão do inciso XI do art. 117 da Lei 8.112/1990 (fls. 364 e 386).Por enquanto, a alegação de cerceamento de defesa me convence, uma vez que à impetrante deveria ter sido destinado momento para produção de provas e defesa, após sua intimação do conteúdo da peça de indiciamento, em relação aos fatos que não possuíam relação direta e necessária com o chamado "Escândalo da Santa Casa", o que não ocorreu. Ante o exposto, defiro a liminar, para, nos termos da inicial, "determinar a reintegração da Impetrante ao cargo de Analista Processual do MPU até julgamento final do processo" (fls. 34). Comunique-se à autoridade coatora. Em seguida, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.Brasília, 05 de maio de 2006.Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator (Grifo nosso)(STF - MS: 25910 DF , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 05/05/2006, Data de Publicação: DJ 18/05/2006 PP-00006)

Neste julgado, fica claro o entendimento do Ministro em relação ao entendimento de

que houve cerceamento de defesa, uma vez que a servidora fora acusada de fatos diferentes

daqueles apurados na sindicância. Trata-se de um caso que se debruça sobre os tramites

processuais do processo administrativo disciplinar, tendo uma sindicância preliminar para a

apuração dos fatos.

Desta forma, como já explicado nesta monografia, quando a sindicância tiver apenas

caráter investigatório, ela integrará o processo disciplinar como documento informativo, tal

qual o inquérito no processo penal. Neste caso, o processo disciplinar será instaurado por

consequência da conclusão da sindicância, tal qual preconiza o art. 153 da Lei n.º 8.112/90.

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. RECEBIMENTO DE VANTAGENS - ART. 117, IX E XII DO RJU. COMPROVADO. DENÚNCIA CRIMINAL. NÃO RECEBIDA. INÉPCIA DA INICIAL. SITUAÇÃO QUE NÃO DESCONSTITUI AUTORIA OU QUE NEGA FATOS IMPUTADOS. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. AVALIAÇÃO DAS PROVAS. INSUBSISTÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de impetração contra ato de demissão de servidor público pelas violações previstas nos incisos IX e XII do art. 117 da Lei n. 8.112/90; a demissão está relacionada com ampla apuração de faltas funcionais em processos de liberação de verbas para municípios por parte de Ministério setorial. 2. As conclusões da comissão processante (fls. 1109-1245) são claras ao indicar o valimento do cargo para obter vantagens para si e para outrem. Foi apurado que o servidor recebeu agrados na forma de viagens, dinheiro (emprestado ou dado), em ofensa à proibição do art. 117, XII da Lei n. 8.112/90 e que, em contrapartida, oferecia informações especiais para pessoas de quem se considerava amigos, inclusive com elas se encontrando fora da repartição em ambientes informais e em outras cidades. 3. O fato de não ter havido recebimento da denúncia criminal por inépcia na sua inicial - questão de forma - de modo algum significa que haveria negativa de autoria ou dos fatos que foram imputados. Ademais, as duas esferas são independentes, na locução

Page 144: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

144

do art. 125 da Lei n. 8.112/90. Precedente: MS 17.873/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, publicado no DJe de 2.10.2012. 4. A análise do acervo probatório juntado aos autos não permite inferir, de plano, a alegação de que o servidor não teria se desviado de suas obrigações funcionais; ao contrário, as alegações não encontram provas contrárias às conclusões firmadas por meio do relatório pela comissão processante (fls. 1109-1245), da nota técnica da autoridade (fls. 1263-1273) e do parecer jurídico (fls. 1276-1292). 5. O depoimento central para firmar a convicção da comissão processante foi obtido por meio de prova emprestada de inquérito conduzido pela Polícia Federal; o referido empréstimo foi precedido de autorização judicial, assim como a prova pode ser contraditada em depoimento pelo impetrante, bem como por meio de defesa escrita. Respeitados tais ditames, o Superior Tribunal de Justiça tem aceito o empréstimo de provas. Precedente: MS 17.472/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, publicado no DJe em 22.6.2012. 6. Foi comprovado nos autos que houve a fruição de benefício pessoal que somente seria possível por meio do cargo público - e, logo, a violação ao art. 117, XII da Lei n. 8.111/90 - o qual, inclusive, possuía grau de chefia; em tal circunstância, por força do art. 132, XIII do Regime Jurídico Único (RJU), deve ser aplicada a penalidade de demissão. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado. (grifo nosso)(STJ , Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 13/11/2013, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)

No caso em tela, o servidor público fora acusado, perante uma sindicância, de receber

propina, comissão ou qualquer vantagem, tendo como razão a sua atribuição no cargo público,

para valer-se de interesses de terceiros perante a Administração Pública (art. 117, XII, da Lei

n.º 8.112/90). O Tribunal considerou que houve, sim, todas as exigências do processo

administrativo disciplinar, o que resultou na sanção de demissão do servidor público. Desta

forma, fora denegada a segurança, de modo que o Tribunal deu razão à decisão da

Administração Pública.

Page 145: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

145

CONCLUSÃO

Como já diz o jurista, “não é fácil punir alguém no Brasil; não é fácil punir alguém em

Estados de Direito. É difícil, dá muito trabalho e exige muito cuidado” (RIGOLIN, 2008, p.

254). Realmente, esta frase descreve o cerne do processo administrativo disciplinar, a

investigação acerca das condutas dos servidores públicos.

Esta monografia objetivou traçar toda a teoria doutrinária acerca do mecanismo de

investigação e sancionamento utilizado pela Administração Pública para a punição de seus

servidores, ocupantes, especialmente, de cargos públicos. Além disso, foram expostos, ao

final, alguns julgados exemplificativos acerca do entendimento e aplicação do tema por parte

do Poder judiciário.

A conclusão a que se chegou é que existe uma enorme carga de deveres impostos ao

servidor, devido à função pública que exerce, o que limita, bastante, sua liberdade privada.

Deveres como, por exemplo, o de manter conduta compatível com a moralidade

administrativa, acabam por exigir uma postura do servidor em sua vida privada que, em

qualquer outro emprego, não seria exigido com tanta força. É por meio do servidor público

que a Administração se manifesta. Então, pode-se dizer que o servidor representa moralmente

a Administração, tanto no expediente de trabalho, como também fora dele.

Desta forma, um servidor público ocupante de cargo público que zele pela aplicação

de normas e leis não pode infringir essas mesmas normas e leis quando não está trabalhando.

Mas, do mesmo modo, qualquer outro servidor, mesmo que não ocupe cargo que tenha a

finalidade de verificação de aplicação das leis, também tem o dever de respeitá-las em sua

vida privada. Isto acontece pois ele é vinculado à Administração Pública, que determina o

regramento geral da sociedade. Então, ele, o próprio servidor, é o instrumento que determina

o regramento, uma vez que é ele quem age em nome da Administração. A Administração

pública não existe, se não na forma das pessoas físicas que exercem os serviços públicos em

seu nome.

Assim, o processo administrativo disciplinar existe como o método de correição da

Administração perante os desvios funcionais de seus servidores. Tem o condão de apurar os

ilícitos administrativos cometidos, aplicando-lhes a devida punição, sendo a demissão a maior

de todas. Ele tem a função de garantir o interesse público na execução dos serviços públicos,

Page 146: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

146

evitando, por exemplo, a conduta do servidor favorecer a particulares que não deveriam obter

tal benefício.

As proibições às condutas dos servidores públicos também aparecem como limitadores

de sua vida privada, uma vez que as tipificações podem se estender a esse âmbito,

ultrapassando os limites da repartição pública em que o servidor atua, como, por exemplo, as

seguintes proibições: valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em

detrimento da dignidade da função pública; participar de gerência ou administração de

sociedade privada; receber propina, entre outros casos.

Portanto, verifica-se a enorme preocupação com a conduta do servidor em sua vida

privada. O próprio Estatuto dos Servidores Públicos, ao expor todos os deveres e proibições,

explicita este controle, consubstanciando objetivamente ilícitos administrativos possíveis de

serem praticados fora do âmbito da Administração Pública.

Outro aspecto a ser considerado são as regras deontológicas dos servidores públicos

que, apesar de não terem força coercitiva, também devem ser consideradas em diversos

fatores. Constituem um código de ética profissional, que orientam a categoria profissional no

exercício de sua profissão, tanto no que concerne no espaço da repartição pública quanto ao

momento privado do servidor. Estas orientações devem ser consideradas e valoradas para

promoções do servidor em sua carreira, consistindo, assim, seu caráter punitivo indireto, caso

não respeitadas: a estagnação da carreira do servidor.

Portanto, o servidor público, ocupante de cargo público, tem deveres legais e éticos

que lhe limitam a sua conduta na vida privada. Tem, também, proibições que lhe limitam esta

conduta. Este cerceamento acontece por causa da responsabilidade inerente do cargo que

ocupa, carregado pela imagem e moralidade da Administração Pública. O servidor é a

imagem da Administração Pública perante a sociedade, e sua conduta privada deve condizer e

valorar tal imagem.

Page 147: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

147

BIBLIOGRAFIA

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Regime Disciplinar dos Servidores Públicos. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 24, n. 12, p. 1368-1374, dez. 2008.

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

______. O Ilícito Administrativo e seu processo. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, v. II.

BARROS JÚNIOR, Carlos Schmidt de. Do poder Disciplinar na Administração Pública. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1972.

BRASIL. Controladoria Geral da União. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.unifesp.br/reitoria/cpp/images/CPP/documento/manual/manual-pad.pdf>. Acesso em 10 jun. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9.076/DF. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 26.10.2004.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 14.621/DF. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 20.06.2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 14.27-/PA. Relator: José Arnaldo da Fonseca, DJ de 17.09.2002.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 45989/PB. Relator: Herman Benjamin, DJ de 06.04.2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1431157/PB. Relator: Ministro Nefi Cordeiro, DJ de 23.10.2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 19.703/DF. Relator: Ministro Humberto Martins, DJ de 13.11.2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 28208/DF. Relator: Ministro Luiz Fux, DJ de 20.03.2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25910/DF. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 18.05.2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 241.201. Relator: Ministro Celso de Mello, julgamento em 27.08.2002, DJ 20.09.2002

Page 148: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

148

BRASIL. Tribunal Regional Federal-2. Apelação em Mandado de Segurança nº 56556/RJ. Relator: Desembargador Federal Antônio Cruz Netto, DJ de 16.04.2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal Bahia. Ação Civil nº 266/BA. Relatora: Desembargadora Angela Catão, DJ de 14.09.2012.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1.

CANEZIN, Claudete Carvalho (coord.). Arte Jurídica. Curitiba: Juruá, 2005. v. 1.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Disciplina da Prescrição Administrativa da Pretensão Punitiva no Ilícito Disciplinar de Abandono de Cargo Público. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 153-162, mar. 2012.

______. O Princípio do Administrador Competente e a Composição do Colegiado de Sindicância Punitiva no Sistema da Lei Federal n.º 8.112/90. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 20, n. 10, p. 1146-1155, out. 2004.

______. Problemas pertinentes ao Enquadramento Jurídico da Conduta do Servidor Público Acusado em Processo Administrativo Disciplinar. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 23, n. 12, p. 881-886, dez. 2007.

______. Responsabilidade Disciplinar dos Agentes Políticos. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 27, n. 11, p. 757-765, nov. 2011.

CASSESE, Sabino. Le basi del diritto amministrativo. Torino: Einaudi, 1989.

COSTA, José Armando da. Direito Administrativo disciplinar. 2. ed. Rio de janeiro: Forense, 2009.

______. Direito Disciplinar: temas substantivos e processuais. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a Obrigação de Indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980.

______. Tratado de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1966. v. 6.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

______. Do Direito Privado na administração pública. São Paulo: Atlas, 1989.

DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Lei 8.112/90 Comentada. 10. ed. São Paulo: Método, 2009.

DUARTE NETO, Claudionor. O Estatuto do Servidor Público (Lei n.º 8.112/90), à luz da constituição e da jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.

GOMES, Fábio Bellote. Elementos do Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Page 149: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

149

GONÇALVES, Maria Denise Abeijon Pereira. Ética na Administração Pública: algumas considerações. In: Âmbito jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9538&revista_caderno=4.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios Processuais e Princípios do Direito Administrativo no Quadro de Garantias Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2009.

GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

______. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

______. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

LAZZARINI, Álvaro. Ética e Sigilo profissionais. Rio de Janeiro, 1996.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.

MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Processo Disciplinar e Sindicância. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 20, n. 11, p. 803–810, nov. 2004.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

NETTO, Luísa Cristina Pinto e. A contratualização da função pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, vols. 1 e 4. ed. Saraiva, 1981.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.

______. Teoria da Improbidade Administrativa. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010.

PINHO, Raquelina C. Arruda. Ética nas relações interpessoais e profissionais. Poder Judiciário do Estado do Ceará – serviço de treinamento, 2012.

PINTO, Rodrigo Serpa. Uma análise epistemológica do conteúdo das regras deontológicas do código de ética do servidor público federal do Brasil. II Colóquio Internacional de Epistemologia e Sociologia da Ciência da Administração, 2012.

PONTES, Bruno Cézar da Luz. Ética e compromisso do servidor público federal. Revista da Advocacia-Geral da União, 2007.

Page 150: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... atos particulares, devem sujeitar-se aos deveres e proibições impostas pela Lei n.º 8.112/90, chamada de “Estatuto dos Servidores Públicos”

150

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

______. Processo Administrativo Disciplinar. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 251-259, abr. 2008.

SOUZA, Alberto Aparecido Gonçalves de. Processo Administrativo Disciplinar: o exercício do contraditório e da ampla defesa em confronto com a súmula vinculante n.º 05 do Supremo Tribunal Federal. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 28, n. 4, p. 395-426, abr. 2012.

VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A, 1983.