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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROPGPq CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PROPGEO LAURA MARY MARQUES FERNANDES O CEARÁ TURÍSTICO: POLÍTICA DE REGIONALIZAÇÃO E GOVERNANÇA NOS DESTINOS INDUTORES FORTALEZA CEARÁ 2014

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE PRÓ … · 2 LAURA MARY MARQUES FERNANDES O CEARÁ TURÍSTICO: POLÍTICA DE REGIONALIZAÇÃO E GOVERNANÇA NOS DESTINOS INDUTORES Tese apresentada

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA PROPGPq

    CENTRO DE CINCIAS E TECNOLOGIA - CCT PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PROPGEO

    LAURA MARY MARQUES FERNANDES

    O CEAR TURSTICO: POLTICA DE REGIONALIZAO E GOVERNANA NOS DESTINOS INDUTORES

    FORTALEZA CEAR 2014

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    LAURA MARY MARQUES FERNANDES

    O CEAR TURSTICO: POLTICA DE REGIONALIZAO E GOVERNANA NOS

    DESTINOS INDUTORES

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Geografia do Programa de Ps-Graduao em Geografia do Centro de Cincias e Tecnologia da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutora em Geografia.

    Orientadora: Prof. Dra. Luzia Neide M.T. Coriolano

    FORTALEZA CEAR

    2014

  • 3

  • 5

    DEDICATRIA

    Dedico esta tese minha me, Luiza Marques.

    Ao meu filho, Pedro Marques Costa.

    Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano, minha

    orientadora.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    O Doutorado foi antecedido por mudanas intensas na minha vida.

    Realizao de um sonho foi tambm perodo que tornou gestos de apoio e ateno

    mais preciosos. Sou grata a todos que me ajudaram, me torno ainda mais confiante

    nessa fora que chamo de Deus e mantenho a inquietao em aprender. Sou muito

    grata:

    minha me Luiza, uma das melhores pessoas que conheo, pelo amor,

    apoio e incentivo.

    Ao meu filho Pedro, tesouro que no me pertence, por simplesmente

    existir.

    s minhas irms Fernanda e Cristine pelas palavras de incentivo. Tudo

    tem uma histria, assim agradeo ao meu irmo George que muito me ajudou no

    Mestrado construindo o caminho na produo da pesquisa cientfica que me trouxe

    ao Doutorado.

    Aos meus sobrinhos, Joo, Ana Luiza e Matteo. Vidas que se iniciam, so

    fontes de inspirao.

    minha orientadora, Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano pela dedicao ao

    trabalho de orientao. Muito obrigada Professora, pelos ensinamentos, por

    destacar minhas qualidades positivas. Obrigada pela solidariedade, amizade e

    confiana. Meu respeito e admirao.

    Aos amigos e todas as pessoas que em algum momento me ajudaram,

    direta ou indiretamente, no perodo do Doutorado, especialmente: Jean Franois,

    Adriana, Ana Clia, Ana Clvia, Ana Cristina,Ana Maria, Cldio, Colombo,

    Conceio, Fred,Jefferson, Juraci Gutierres, Lena, Marcelo,Maria lia, Nilson, Pedro

    Srgio, Rafael, Rebouas, Rosaline,Rozania, Tereza Neuma e Tiago.

    Ao caro Tomaz Joca Noleto, pela amizade desinteressada, pela presena

    constante, pela serenidade e muitas risadas nos poucos momentos de lazer.

  • 7

    Ao Sr. Manuel Coriolano e Fbio Coriolano pela cordialidade com que me

    recebem na residncia da famlia.

    Aos professores Eustgio Dantas, Paulo Henrique Oliveira,Horcio Frota,

    Hildemar Brasil e Ana Arajo pelas crticas e sugestes feitas ao projeto de tese.

    Aos professores Daniel Pinheiro, Everaldo Melazzo e Fbio Perdigo

    pelas contribuies em sala de aula e tratamento cordial.

    Aos professores da banca examinadora da tese que aceitaram o convite

    para este momento to importante para mim, e certamente, para minha orientadora,

    pois sou sua primeira doutoranda: Agileu Gadelha, ClertonMartins, Daniel Pinheiro,

    Fbio Perdigo, Francisco dos Anjos, Maione Cardoso e Sylvio Bandeirade Mello.

    Aos profissionais e funcionrios das instituies com quem obtive

    documentos e informaes.

    Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico- FUNCAP pela concesso da bolsa de estudo.

    Jlia e Adriana da secretaria do PROPGEO pela habitual cordialidade e

    presteza.

    Aos entrevistados, sem eles a tese no se efetivaria.

  • 8

    RESUMO

    O espao geogrfico cearense torna-se locus de turismo e de polticas pblicas que

    incentivam o desenvolvimento da atividade. Neste estudo parte-se da premissa que

    o turismo gera territorialidade de forma desigual no espao geogrfico cearense e

    prtica social e atividade socioeconmica que ocasiona transformaes diversas nas

    regies tursticas. fenmeno socioeconmico com contedo material e simblico,

    atividade recente com produo cientfica que leva atualizao de conceitos e que

    na regionalizao do turismo a governana proposta de democratizao na gesto

    pblica e possibilita a socializao da poltica. A tese trata da governana nos

    destinos indutores do desenvolvimento turstico regional do Cear: Fortaleza,

    Aracati, Jijoca de Jericoacoara e Nova Olinda. Tem como objetivo principal estudar a

    governana no processo de regionalizao por meio das instncias de governana

    locais: os grupos gestores dos destinos indutores. Tambm so objetivos da tese

    identificar que papis os grupos gestores tm desempenhado nas polticas pblicas

    de turismo nos destinos indutores e nas regies tursticas, conhecer desafios,

    contribuies, dificuldades e conflitos que os grupos gestores enfrentam para

    efetivao da governana pela regionalizao. Buscou-se realizar estudo crtico,

    encontrar as determinaes e contradies inerentes ao fenmeno estudado,

    entendendo que a relao entre sujeito investigador e investigado se inicia na

    escolha do problema. Realizaram-se reviso de literatura, pesquisa documental,

    entrevistas e aplicao de questionrios. Os resultados da pesquisa revelaram que

    possvel avanar na governana apesar da desarticulao dos grupos gestores em

    consequncia de mudanas poltico-administrativas. E ainda que as dificuldades na

    efetivao da governana esto relacionadas ao pouco reconhecimento dos

    governos s instncias de governana e que a estratgia de destino indutor regional

    no produziu os resultados pretendidos pela poltica. Deste modo, verificou-se a

    confirmao das hipteses da tese: o incremento da governana incipiente, os

    investimentos se concentram na implantao de infraestrutura, equipamentos e

    servios voltados ao turismo, a despeito de ainda existirem muitas deficincias nos

    destinos indutores; os grupos gestores foram institudos para descentralizar o poder

    de deciso relacionado ao turismo, mas no conseguem atuar da forma pretendida,

    os grupos gestores dos destinos indutores so institudos, mas no se mantm

    articulados e pouco contribuem para o desenvolvimento do turismo nas regies do

    Cear. Conclui-se que a efetivao da regionalizao e da governana necessita de

    direcionamento e de realizaes. A estrutura de governana proposta implica

    compatibilizar a autonomia das instncias de governana, legitimar politicamente

    esses sujeitos e definir instrumentos que dificultem a mudana de encaminhamento

    da organizao da governana a cada eleio. Para ocorrer o desenvolvimento

    regional so necessrios planos e projetos regionais e no apenas priorizao de

    destinos indutores.

    Palavras- chave: Turismo. Regionalizao. Governana. Destino indutor. Grupo

    gestor.

  • 9

    ABSTRACT

    Ceara's geographic area becomes a space for tourism and public policies that

    stimulate growth of this activity. We started with the premise that tourism generates

    territoriality in an uneven way in Ceara's geographic area; that it is a social practice

    and a socio-economic activity which causes various changes in the tourism regions,

    a socio-economic phenomenon with symbolic and material content, a recent activity

    with scientific production that leads to renewing concepts and that, in the process of

    regionalizing, governance is a way to democratise public management and to make

    possible socialisation of politics. The thesis deals with governance of the inductors

    destinations of regional development of tourism in the state of Ceara: Fortaleza,

    Aracati, Jijoca de Jericoacoara and Nova Olinda. The main objective is to study the

    governance of inductors destinations in the regionalization process. Also identify the

    role of managers groups in tourism policies in inductors destinations and tourist

    areas. Knowing the challenges, contributions, difficulties and conflicts that such

    organizations face in the execution of governance. We attempted to realize a critical

    study, to find the determinations and contradictions inherent to the subject studied,

    understanding that the relation between the research subject and investigated

    subject begins with the selection of the problem. We realized literature reviews,

    document research and interviews. The results of the study revealed that it is

    possible to progress in the governance; it also showed that they disarticulate due to

    politico-administrative changes, that difficulties in the application of governance are

    related to the low level of recognition of governments for the managers groups and

    that the regional destinations inductors strategy did not produce the results intended

    by the political establishment. Thus, we verified the confirmation of our hypotheses:

    although many deficiencies still exist in the inductors destinations, investments are

    being concentrated upon the infrastructures, equipments and services related to

    tourism, while the increase of governance is incipient, managers groups were

    established to decentralize of decision making power, but fail to work as intended

    managers groups inductors destinations are established but not maintained

    articulated, their contribute to the development of tourism in the regions of Cear is

    not significative. The realization of regionalization and governance needs direction

    and accomplishments, and the proposed governance structure implies making

    compatible the autonomy of managing organs, to legitimize these subjects in a

    political way, to determine ways that could hamper the governance structure policy

    changes with each election. To occur regional development projects and regional

    plans are necessary on a regional level and not only for inductors destinations.

    Key-words: Tourism. Regionalization. Governance. Inductor destination. Managers

    groups.

  • 10

    LISTA DE SIGLAS

    ABAV Associao Brasileira de Agncias de Viagens

    ABEOC Associao Brasileira das Empresas de Eventos

    ABIH Associao Brasileira da Indstria Hoteleira

    ABRASEL Associao Brasileira de Bares e Restaurantes

    ACETER Associao Cearense do Turismo no Espao Rural e Natural

    AMHT Associao dos Meios de Hospedagem e Turismo do Cear

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIT Feira Internacional de Turismo de Milo

    BNB Banco do Nordeste do Brasil

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    BNTM Brazil National Tourism Mart

    BTL Bolsa Turismo de Lisboa

    CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

    CEC Centro de Eventos do Cear

    CEDE Conselho Estadual de Desenvolvimento Econmico

    CIC Centro Industrial Cearense

    CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas

    EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental

    EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo

    EMCETUR Empresa Cearense de Turismo

  • 11

    ENANPEGE Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em

    Geografia

    FC&VB Fortaleza Convention and Visitors Bureau

    FDI Fundo de Desenvolvimento Industrial do Cear

    FIFA FdrationInternationale de Football Association

    FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste

    FITUR Feira Internacional de Turismo de Madrid

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IDM ndice de Desenvolvimento Municipal

    IDS ndice de Desenvolvimento Social

    IDS-R ndice de Desenvolvimento Social de Resultado

    IPECE Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear

    IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Arquitetnico Nacional

    IPLANCE Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear

    ISIC International Standard Industrial Classification

    ITB Feira Internacional de Turismo de Berlim

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    MTur Ministrio do Turismo

    OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

  • 12

    OIM Organizao Internacional para as Migraes

    OMT Organizao Mundial do Turismo

    PAC Programa de Acelerao do Crescimento

    PDTIS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentvel

    PIB Produto Interno Bruto

    PLAMEG Plano de Metas Governamentais

    PNC Programa Nordeste Competitivo

    PNMT Programa Nacional de Municipalizao do Turismo

    PRODETUR Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo

    PRODETURIS Programa de Desenvolvimento do Turismo do Litoral do Cear

    PROURB Programa de Desenvolvimento Urbano e Gesto de Recursos

    Hdricos

    PRT Programa de Regionalizao do Turismo

    RAIS Relao Anual de Informaes Sociais

    Redturs Rede de Turismo Comunitrio da Amrica Latina

    RMF Regio Metropolitana de Fortaleza

    SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    SEP Secretaria de Portos

    SEPLAN Secretaria de Planejamento

    SEPLAG Secretaria do Planejamento e Gesto do Cear

    SETUR Secretaria do Turismo do Cear

    SEUMA Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza

  • 13

    SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste

    Turisol Rede Brasileira de Turismo Solidrio e Comunitrio

    UHs Unidades Habitacionais

    UIOOT Unio Internacional dos rgos Oficiais de Turismo

    USTTA United States Travel and Tourist Administration

  • 14

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Centro de Eventos do Cear - CEC .......................................................... 38

    Figura 2: Bondinho de Ubajara, CE .......................................................................... 47

    Figura 3: EMCETUR, Fortaleza ................................................................................ 47

    Figura 4: Orla martima de Fortaleza ........................................................................ 48

    Figura 5: Aeroporto Internacional de Fortaleza - Pinto Martins ................................ 52

    Figura 6: Aeroporto de Cruz nas proximidades de Jericoacoara.............................. 57

    Figura 7: Aeroporto de Aracati ................................................................................. 57

    Figura 8: Aeroporto de Juazeiro do Norte - Orlando Bezerra de Menezes .............. 58

    Figura 9: Participao das regies brasileiras na emisso de turistas para o Cear

    em 2010 .................................................................................................................... 79

    Figura 10: Principais mercados emissores internacionais para o Cear via Fortaleza

    em 2010 .................................................................................................................... 80

    Figura 11: Municpios cearenses mais visitados pelos turistas via Fortaleza 2012 100

    Figura 12: Oferta hoteleira nos municpios tursticos do Cear - 2012 ................... 105

    Figura 13: Fases tericas do Turismo - paradigmas de Thomas S. Kuhn .............. 112

    Figura 14: Macrorregies Tursticas - Principais ncleos regionais e ncleos

    tursticos .................................................................................................................. 201

    Figura 15: Regies tursticas do Cear - Programa de Regionalizao do Turismo

    ................................................................................................................................ 202

    Figura 16: Mapa das regies tursticas do Cear/2013 .......................................... 203

    Figura 17: Cear: regies e destinos prioritrios .................................................... 205

    Figura 18: Localizao dos destinos indutores do Cear ....................................... 216

    Figura 19: Orla martima de Fortaleza .................................................................... 219

    Figura 20: rea Interna do Mercado Central, Fortaleza. ........................................ 220

    Figura 21: Centro Drago do Mar de Arte e Cultura - Fortaleza ............................. 220

    Figura 22: Sede urbana de Aracati ......................................................................... 221

    Figura 23: Rua principal de Canoa, Broadway ....................................................... 222

  • 15

    Figura 24: Falsias e cone de Canoa Quebrada, Aracati ...................................... 223

    Figura 25: Trecho de acesso Jericoacoara ......................................................... 223

    Figura 26: Vila de Jericoacoara. Jijoca de Jericoacoara ........................................ 224

    Figura 27: Vila de Jericoacoara. Jijoca de Jericoacoara ........................................ 225

    Figura 28: Sede do municpio de Nova Olinda ....................................................... 226

    Figura 29: Faixa no prdio do centro de visitantes de Nova Olinda ....................... 227

    Figura 30: Oficina de Espedito Seleiro ................................................................... 227

    Figura 31: Loja de Espedito Seleiro ....................................................................... 228

    Figura 32: Fundao Casa Grande ........................................................................ 228

    Figura 33: Smbolo das pousadas domiciliares em Nova Olinda ........................... 229

    Figura 34: Integrao dos projetos ......................................................................... 267

  • 16

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Demanda turstica do Cear .................................................................... 78

    Quadro 2: Valores de investimento efetuados por estrangeiro pessoa fsica 2010-

    2013 .......................................................................................................................... 88

    Quadro 3: Autorizaes concedidas a estrangeiros no Cear e pas de origem ...... 89

    Quadro 4: Oferta hoteleira nos municpios tursticos do Cear: dezembro 2012 ... 103

    Quadro 5: Etapas para implantao dos Programas de Municipalizao e de

    Regionalizao ........................................................................................................ 188

    Quadro 6: Destinos indutores do desenvolvimento turstico regional no Brasil ...... 197

    Quadro 7: Regies tursticas do Cear 2013 e 2009 ............................................. 204

    Quadro 8: Regies dos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional . 209

    Quadro 9: Destinos indutores e resultados globais e dos indicadores que

    contemplam emprego e renda dos ndices de Desenvolvimento Social IDS de

    resultado e do Desenvolvimento Municipal IDM ................................................... 212

    Quadro 10: Rede Tucum nos destinos indutores do desenvolvimento turstico

    regional ................................................................................................................... 214

    Quadro 11: Evoluo da populao dos destinos indutores - 2000/2010 .............. 217

    Quadro 12: PIB por setor 2010 ............................................................................... 218

    Quadro 13: Agenda dos grupos gestores no Cear ............................................... 269

    Quadro 14: Dimenses e variveis do ndice de competitividade .......................... 278

    Quadro 15: ndice de competitividade do turismo nacional .................................... 280

    Quadro 16: Boas prticas nos destinos indutores do desenvovlimento turstico

    regional ................................................................................................................... 284

    Quadro 17: Os dez destinos tursticos em alta ....................................................... 286

    Quadro 18: Avaliao sobre quem exerce influncia na tomada de deciso

    relacionada ao turismo na cidade ............................................................................ 297

    Quadro 19: Coeso entre integrantes dos grupos gestores ................................... 300

  • 17

    SUMRIO

    LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 10

    LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 14

    LISTA DE QUADROS ............................................................................................... 16

    INTRODUO .......................................................................................................... 19

    PARTE I - A INVENO DO CEAR TURSTICO .................................................. 33

    1 REORDENAMENTO SOCIOESPACIAL E TURISMO NO CEAR .................... 35

    1.1 Marcos da construo do Cear turstico ...................................................... 40

    1.2 Ocupao histrica e econmica do Estado na insero do turismo ............. 62

    1.3 Impactos do turismo no Cear ....................................................................... 76

    1.4 Mobilidade de turistas no espao cearense ................................................... 85

    2 A OPO METODOLGICA E O CAMINHO PERCORRIDO ......................... 107

    2.1 Epistemologia do turismo e aproximao do fenmeno estudado ...............110

    2.2 A produo do conhecimento pela pesquisa ...............................................119

    PARTE II TURISMO, POLTICA PBLICA E REGIONALIZAO NO CEAR 126

    3 TURISMO E POLTICA PBLICA ................................................................... 127

    3.1 Concepes do turismo em Geografia ......................................................... 133

    3.2 Polticas pblicas e turismo na estrutura governamental ............................. 142

    4 REGIO E REGIONALIZAO NO TURISMO DO CEAR ............................ 159

    4.1 Regionalizar: articular lugares tursticos em busca de competitividade ....... 163

    4.2 Regionalizaes do territrio cearense para o turismo ................................ 199

  • 18

    PARTE III GOVERNANA E GRUPOS GESTORES DOS DESTINOS INDUTORES DO DESENVOLVIMENTO TURSTICO DAS REGIES CEARENSES

    ................................................................................................................................ 233

    5 GOVERNANA COMO POSSIBILIDADE DE SOCIALIZAO DA POLTICA...... .................................................................................................... 235

    5.1 Concepes de governana......................................................................... 238

    5.2 Governana: grupos gestores nos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional no Cear ................................................................................ 263

    6 GOVERNANA E COMPETITIVIDADE NA REGIONALIZAO DO TURISMO ..

    ...........................................................................................................................273

    6.1 A competitividade na regionalizao

    ...........................................................................................................................276

    6.2. Dinmica e (des) construo dos espaos de governana nos destinos

    indutores do Cear ............................................................................................288

    CONCLUSO ......................................................................................................... 318

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 329

    APNDICES ........................................................................................................... 351

  • 19

    INTRODUO

    Esta tese tem como objeto de anlise o turismo no Cear com nfase na

    regionalizao e governana nos destinos indutores do desenvolvimento turstico

    regional. Estudam-se regionalizao no turismo, relaes contraditrias das

    polticas, prtica discursiva e governana o que implica compreender as diretrizes da

    gesto do turismo propostas pelo Governo Federal por meio do Programa de

    Regionalizao do Turismo - PRT. A rea de abrangncia da pesquisa engloba

    todos os destinos indutores do desenvolvimento do turismo regional no Cear no

    mbito do PRT: Fortaleza, Aracati, Jijoca de Jericoacoara e Nova Olinda. Cidades

    localizadas em regies tursticas distintas e que apresentam diferentes experincias

    de desenvolvimento do turismo.

    O Cear definido como turstico por consecutivos governos desde a

    dcada de 1980, o que indica que o turismo uma das atividades indutoras do

    crescimento socioeconmico do estado. O Cear Turstico remete ao territrio

    cearense, mas, muito mais a uma imagem projetada do estado como destino de

    frias, de investimento de negcios, contrapondo-se imagem das dificuldades com

    as secas e com as carncias socioeconmicas. As polticas de turismo esto no

    centro do processo de modernizao do estado do Cear que privilegia tambm a

    indstria e o agronegcio.

    A concretizao de projetos pblicos voltados ao turismo produz o espao

    geogrfico cearense mudando, principalmente, a Metrpole Fortaleza, lugar de

    destaque no apenas no Nordeste, mas no pas. O Cear reinventado para a

    atividade turstica se moderniza e diz respeito ao movimento dos fluxos de pessoas

    para lazer e trabalho. O Cear torna-se destaque socioeconmico na produo de

    territorialidade e de relaes com outras metrpoles recebendo fluxos de empresas

    areas nacionais e internacionais e cruzeiros martimos. As atividades ligadas ao

    turismo se desenvolvem de forma seletiva, portanto desigual no espao geogrfico e

    nas regies tursticas.

    Fortaleza e outros municpios litorneos so destaque no interesse dos

    fluxos internacionais e nacionais. A hegemonia de Fortaleza resultado das polticas

  • 20

    pblicas e privadas que investem tornando certas regies dinmicas e competitivas.

    O lazer e o turismo tambm so desenvolvidos nas serras e no serto cearense,

    porm em escala menor de fluxo de pessoas e de investimento. Entre os 20

    municpios mais visitados em 2012, conforme pesquisa da demanda turstica via

    Fortaleza, esto no litoral os dez primeiros que representam em torno de 51% do

    fluxo total: Caucaia, Aquiraz, Beberibe, Aracati, Jijoca de Jericoacoara, Paraipaba,

    So Gonalo do Amarante, Cascavel, Paracuru e Trairi. Os municpios das serras e

    do serto que compem a lista so: Sobral, Canind, Guaramiranga, Maranguape,

    Juazeiro do Norte e Maracana (SETUR/CE, 2014)1. A referncia ao Cear turstico

    no de um Cear homogneo, pois nem Fortaleza, o principal destino turstico do

    Cear totalmente turstica, como no homogneo o Nordeste turstico, o Brasil

    agrrio ou o Brasil agroexportador.

    Imagens do Cear Turstico so projetadas pelo marketing dos governos

    estaduais com a inteno de despertar interesse em investimentos, ampliar os fluxos

    de turistas que visitam o Cear. So veiculadas imagens da beleza natural que

    destacam o semirido e divulgam de forma atrativa as muitas horas de sol e a m

    distribuio das chuvas. Diversas imagens so atribudas a um mesmo lugar, assim

    nas aes de marketing o Cear turstico o Cear prspero. Aes promocionais

    do Estado e publicitrias de empresrios realam atributos positivos da terra

    cearense, as riquezas do patrimnio cultural com destaque para o artesanato, a

    culinria e a hospitalidade do povo, alm da modernidade dos equipamentos e da

    qualidade dos servios disponveis no estado, embora haja muito a ser melhorado

    na prestao de servios tursticos e nas condies sociais do estado, estas esto

    aqum do desejado pela populao.

    Importantes iniciativas voltadas ao turismo so desenvolvidas antes dos

    anos 1980 como a criao da Empresa Cearense de Turismo EMCETUR, a

    implantao do bondinho de Ubajara, do Centro de Convenes Edson Queiroz e

    dos hotis municipais. Mas a atividade turstica entra no centro de interesses dos

    governos do Cear, principalmente, a partir dos anos 1980. Na dcada de 1990 o

    rgo oficial de turismo transformado em Secretaria de Estado e se implanta o

    Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo PRODETUR/CE

    1 Indicadores Tursticos 1995/2013. SETUR/CE, 2014.

  • 21

    responsvel pela estruturao da atividade. Com o Programa de Desenvolvimento

    do Turismo - PRODETUR em diferentes fases: PRODETUR I, II e PRODETUR

    Nacional so executadas aes diversificadas como a reestruturao do terminal de

    passageiros do Aeroporto Internacional Pinto Martins, ampliao do acesso ao litoral

    Oeste, ampliao e implantao do sistema de esgotamento sanitrio e

    abastecimento d'gua em trechos do litoral Oeste. Os municpios de Aracati e Cruz

    passam a contar com aeroportos em virtude das atividades tursticas nas praias de

    Canoa Quebrada e Jericoacora.

    O Cear turstico se diversifica, investe-se no segmento de negcios e

    eventos, assim em 2012, o Governo do Estado inaugura o Centro de Feiras e

    Eventos, projeto de aproximadamente R$ 580 milhes. O sistema virio da

    Metrpole foi modificado com construo de tneis e viadutos para viabilizar o

    acesso a essa rea equipada para o turismo. Procede-se ampliao do terminal de

    passageiros do Porto do Mucuripe tendo em vista o turismo de cruzeiros e a

    requalificao urbana da Metrpole.

    A deciso poltica dos governos de priorizar o turismo resulta em

    intervenes na mobilidade urbana. Instala-se um Cear turstico totalmente

    diferenciado do Cear das dcadas de 1950 a 1970, embora antigos problemas

    persistam tanto na Metrpole quanto no serto semiarido e no litoral, a exemplo das

    ocupaes desordenadas, saneamento bsico precrio, transporte urbano e novos

    problemas estejam surgindo, como a violncia e as drogas. No serto, a questo da

    gua persiste em razo das secas peridicas e da forma como a questo

    administrada sendo um dos grandes problemas enfrentados pela populao e pelos

    governos. As polticas pblicas no Cear privilegiam grandes projetos considerados

    estruturantes para o estado como o Porto do Pecm. No turismo, as polticas no

    so diferentes, o modelo de desenvolvimento pautado na lgica da modernizao

    espacial.

    A opo pelo turismo no Cear relaciona-se s mudanas na economia

    mundial geradas pela crise industrial que pem em evidncia os servios. O capital

    se desloca dos pases centrais para pases onde a mo de obra encontra-se

    desorganizada e sem forte poder de barganha. H reordenamento espacial do

    turismo mundial com o redirecionamento de indstrias para pases em

  • 22

    desenvolvimento que mobiliza fora de trabalho de alto nvel para pases pobres e

    perifricos ao capital, o que exige equipamentos e instalao de espaos de lazer e

    turismo para atendimento a essa demanda. O Cear e outros estados do Brasil

    passam pela experincia da industrializao tardia. Com a liberao do tempo dos

    trabalhadores nos pases centrais o capitalismo incorpora o lazer e o turismo

    tambm como oportunidade de garantir a reproduo da fora de trabalho alm da

    acumulao. A dinmica do capital e as particularidades histricas do Cear

    contextualizam o desenvolvimento do turismo no estado.

    A disperso dos fluxos tursticos evolui e no se d mais apenas dos

    pases centrais aos perifricos, mas tambm no sentido oposto. O pblico brasileiro,

    por exemplo, considerado importante no consumo turstico dos Estados Unidos, da

    Frana e de outros pases. Os habitantes do hemisfrio norte buscam o litoral

    tropical, sendo o litoral motivao importante tambm para os brasileiros que

    buscam o Nordeste. A regio Nordeste que oscilou do protagonismo, ao ser lugar da

    primeira capital do Brasil, perda de poder poltico e econmico para o Sudeste,

    tem no turismo forma de ascenso no cenrio nacional. Passa a ser vista no

    apenas como regio pobre e local de sada de trabalhadores, mas tambm como

    regio de entrada de turistas, principalmente, brasileiros. O Nordeste do Brasil,

    destino turstico de regio perifrica mundial, internamente, assume ares de espao

    polarizador e na diviso internacional do trabalho incorpora a atividade de servios:

    o turismo.

    Fazer turismo implica deslocamento do lugar de residncia, necessrio

    ir ao lugar escolhido: o destino turstico. No h possibilidade de transferncia

    distncia, fazer turismo pressupe consumo da viagem e o lazer. As conquistas dos

    trabalhadores por tempo livre e por frias pagas geram perspectiva de lazer e

    turismo. O tempo livre usado para fazer turismo torna-se mercadoria, revertendo

    conquistas dos trabalhadores ao consumo em viagem. Mas a experincia de fazer

    turismo est para alm do deslocamento e da compra de mercadoria, pois envolve

    expectativas de quem viaja e realiza troca cultural em relaes sociais entre

    visitantes e visitados. Fazer turismo vivenciar experincias de estar em outro lugar

    que no o do cotidiano.

  • 23

    O Cear se destaca como destino turstico de sol e praia, negcios e

    eventos e aventura. O passeio ainda a maior motivao da demanda turstica via

    Fortaleza, representa 46,81%, em 2013. Mas a motivao para eventos aumenta na

    demanda total em 2013, quando fica em torno de 11,5%. Em 2009, o segmento de

    eventos representava 7,3% da demanda total (SETUR, 2014). O segmento de

    negcios e eventos passa a receber mais ateno e investimentos como a reforma

    do Centro de Convenes e a implantao do Centro de Feiras e Eventos que

    qualifica a cidade de Fortaleza e o Cear para a concorrncia de grandes eventos

    nacionais e internacionais. Gestores hoteleiros habilitam os hotis com instalaes e

    servios para realizar eventos. O segmento de eventos transformado em

    importante segmento para o estado e o Cear em um dos destinos tursticos

    nacionais mais procurados pelos brasileiros.

    A demanda via Fortaleza nacional e internacional de 3.141.406 turistas

    em 2013. A taxa de ocupao hoteleira tem tido movimento ascendente e com

    percentuais de 57,4% e 69,2% nos anos de 2006 e 2013, respectivamente. O

    turismo desempenha papel importante na economia do Cear, o setor de servios

    representa cerca de 70% da economia cearense e a participao do turismo de

    15,6% em 2013. A participao da renda gerada pelo turismo no Produto Interno

    Bruto - PIB de 11,1% em 2013.

    Investimentos de grande envergadura voltados ao turismo tm sido feitos

    pelos sucessivos governos na busca de gerao de emprego e renda. A iniciativa

    privada tambm investe nas atividades tursticas, assim a oferta hoteleira do Cear

    de 27.836 unidades habitacionais UHs. Em maio de 2010 so registrados 2.519

    prestadores de servios tursticos em Fortaleza: agncias de viagens, meios de

    hospedagem, organizadoras de eventos, transportadoras tursticas, cooperativas de

    txi, guias de turismo, restaurantes e boxes de artesanato. No estado, so

    aproximadamente 117.997 empregos na hotelaria e alimentao em 2006, 129.990,

    em 2011 e 140 mil em 2013 (SETUR, 2013).

    As associaes de classe representam setores chave na

    operacionalizao do turismo. a mobilizao dos empresrios que dependem da

    articulao dos setores pblicos, pois o negcio, qualquer que seja, est instalado

    em uma cidade, em uma regio e interage com a forma como o espao turstico

  • 24

    ordenado. O setor privado no Cear se organiza e os empresrios fundam sees

    estaduais da Associao Brasileira de Agncias de Viagens ABAV-CE, Associao

    Brasileira da Indstria Hoteleira - ABIH-CE, Associao Brasileira das Empresas de

    Eventos - ABEOC-CE, Associao Brasileira de Bares e Restaurantes - ABRASEL,

    alm da Associao dos Meios de Hospedagem e Turismo do Cear AMHT,

    Associao Cearense de Turismo no Espao Rural e Natural ACETER e o

    Fortaleza Convention & Visitors Bureau, por exemplo. Fruns que renem setores

    pblicos, privados e a sociedade civil se organizam: Frum de Turismo do Cear,

    Frum de Cultura e Turismo do Cariri, Frum do Litoral Leste, entre outras

    entidades. Essas entidades fortalecem diferentes atividades e a governana no

    turismo, denotando a capacidade de organizao e articulao da sociedade.

    Essas informaes atestam a relevncia que o turismo alcana no Cear,

    no entanto, a instalao de equipamentos tursticos e o fluxo de turistas promovem

    segregao espacial, acarretam a sada de comunidades pesqueiras das praias. A

    paisagem dos lugares se urbaniza, comunidades modificam hbitos, ocorre

    desmantelamento de atividades tradicionais e privatizao do espao litorneo. Os

    impactos so irreversveis e no acompanhados apenas de gerao de riqueza para

    as populaes residentes. A apreciao do turismo no se restringe ao aumento da

    demanda e da oferta turstica, pois so gerados custos para a sociedade com a

    apropriao do espao geogrfico, assim as mudanas decorrentes nas vidas das

    populaes e no ambiente fsico devem ser levadas em conta.

    Com o turismo, ambientes so alterados, os preos das mercadorias

    aumentados, modos de ser e fazer das populaes visitadas modificados, ambientes

    degradados, aumenta a produo de lixo, o consumo de gua e de energia.

    Investidores lucram, o Estado recolhe impostos e contribuies e a populao local

    usufrui de empregos formais e informais, apesar de alguns postos de trabalho serem

    sazonais. O ritmo do crescimento dos lugares intenso e o turismo acelera o

    processo e gera lucros que so distribudos de forma desigual. O desempenho do

    turismo beneficia a muitos, mas h que se interrogar como esto divididos esses

    benefcios e qual a relao custo benefcio para os interessados: governos,

    empresrios e comunidades, ou seja, o que est crescendo, para quem e a que

    custo. A ocupao desordenada, as mudanas socioculturais, a destruio do solo,

    consumo de gua e energia e o consumo da natureza precisam ser contabilizados.

  • 25

    Os custos da explorao da atividade ficam com a natureza e, em grande

    parte, com os habitantes e o lugar. Os governos priorizam as polticas de turismo,

    instigam investidores a ampliar os investimentos nas atividades tursticas, a exemplo

    de resorts e hotis, pois buscam divisas e impostos e os residentes nem sempre so

    prioridade. Quando os governos alteram o foco das polticas e investidores se

    deslocam para outros pases e lugares as pessoas e pequenos investidores que

    passaram por transformaes irreversveis no podem sair, pois no tm a

    mobilidade dos investidores. A companhia livre para se mudar, mas as

    consequncias da mudana esto fadadas a permanecer. Quem for livre para fugir

    do lugar livre para escapar das consequncias, como explica Bauman (1999). Para

    o autor (1999) esses so os esplios mais importantes da vitoriosa guerra espacial,

    explicada por Santos (2006), como competitividade dos lugares.

    No Cear, por meio de polticas pblicas so implantadas infraestruturas

    orientadas para o crescimento do turismo. As polticas privadas de turismo tm

    gerado empregos nos mercados formal e informal por desencadearem

    transformaes com efeito multiplicador. Alimentos e bebidas, por exemplo, so

    reas que mais empregam no Cear, conforme dados do Cadastro Geral de

    Empregados e Desempregados CAGED (SETUR, 2012). No entanto, algumas

    transformaes esto distantes dos objetivos de desenvolvimento social, pois so

    direcionadas ao mercado e no s pessoas. A atividade turstica permeada de

    contradies, gera concentrao de riqueza que implica escassez para outros nos

    destinos receptores. O desenvolvimento do turismo no Nordeste e no Cear segue o

    eixo convencional voltado ao mercado e lucros, e o eixo alternativo desenvolvido por

    comunidades voltado para a defesa do meio ambiente e ao combate pobreza.

    O turismo adquire importncia no Cear como demonstram as paisagens

    urbanas da Metrpole Fortaleza e de vrios municpios tursticos. Hotis municipais

    do lugar a empreendimentos de hospedagem da iniciativa privada: pousadas,

    hotis, resorts que avanam em quantidade, qualidade e requinte. So oferecidos

    servios tursticos como: restaurantes, bares, cafs, barracas de praia, casas de

    restaurao especializadas nas quais se encontra da comida local japonesa,

    italiana, chinesa e especialidades da cozinha brasileira. E ainda segmentos do

    turismo esportivo como surf, windsurf, kitesurf, asa delta, parapente que oferecem

  • 26

    servios para a prtica dessas modalidades. H porm, a necessidade de preparar

    as localidades para apoiar as especificidades dos segmentos de turismo.

    relevante investigar o fenmeno turstico que integra movimento em

    escala global e local, gera impactos sociais, ambientais, econmicos e polticos e

    outros resultados de forma intensa. A anlise do Cear sob a perspectiva do turismo

    exige pensar as consequncias decorrentes da atividade, pois o fenmeno turismo

    impulsionado por polticas pblicas e privadas se apropria de espaos.

    A Constituio Federal brasileira considera o turismo fator de

    desenvolvimento social e econmico promovido pela Unio, Estados, Distrito

    Federal e Municpios (art. 180, CF/88) conferindo importncia atividade. A

    descentralizao da gesto e o estmulo participao da sociedade acontecem

    desde os anos 1990 com a reforma gerencial do Estado e quando o turismo

    expresso como atividade significativa para o crescimento do Brasil. Em decorrncia,

    o Programa de Municipalizao e, em seguida, o de Regionalizao enfocam a

    participao efetiva dos gestores municipais e lideranas locais indicando forma

    descentralizada de gerir o turismo pela poltica da governana.

    No Brasil, a regionalizao no turismo institucionalizada na poltica

    pblica de turismo pelo governo federal, a partir de 2003, definindo a regio como

    escala territorial para a gesto do turismo. Apresentada ao pas em 2004, sugere a

    articulao dos lugares tursticos em regies, portanto estudar a regionalizao do

    turismo como proposta nacional remete ao processo iniciado h uma dcada.

    Ratificada na Lei 11.771 de 2008, chamada Lei Geral do Turismo, sendo objetivo do

    Sistema Nacional do Turismo, conforme Decreto n 7381/2010.

    Com a meta de estruturao de 65 destinos tursticos com padro de

    qualidade internacional do Plano Nacional do Turismo Uma viagem de incluso

    2007- 2010 surge o chamado destino indutor, definido como aquele capaz de induzir

    o desenvolvimento turstico regional. Assim, alm da regio que agrupa municpios,

    a regionalizao passa a utilizar a figura do destino indutor do desenvolvimento

    turstico regional. A partir dos recortes territoriais, surgem as instncias de

    governana: a regional e a municipal, esta ltima denominada de grupo gestor do

    destino indutor.

  • 27

    Trabalhar o tema governana no turismo remete perspectiva de

    execuo de polticas que levem a resultados de interesse das populaes

    residentes. estudar uma forma proposta na poltica pblica de turismo de como o

    Estado e a sociedade podem operar diminuindo a distncia entre governantes e

    governados. Significa pesquisar atores, estruturas e processos na perspectiva do

    exerccio da governana. Entendendo-se governana como compartilhamento de

    poder entre Estado e sociedade.

    Nesse raciocnio, governana implica formas participativas de tomada de

    deciso e para este estudo optou-se por pesquis-la por meio dos grupos gestores

    dos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional. Os grupos so

    formados por pessoas que representam diferentes segmentos e interesses nos

    destinos indutores. A base poltica constituda pela articulao entre Estado e

    sociedade organizada com foco na colaborao e competitividade dos destinos e

    das regies tursticas como objetivo a ser alcanado, unidade de contrrios.

    Diante de projetos tursticos governamentais, privados e comunitrios,

    experincias denotam o envolvimento de pessoas na construo de outra forma de

    fazer o turismo. A tese que se elabora se desenvolve a partir do cenrio apresentado

    que demonstra altos investimentos pblicos e privados na oferta de infraestrutura,

    equipamentos e servios com resultados perceptveis e pouco avano no

    compartilhamento do poder e integrao por meio da regionalizao, apesar das

    polticas terem indicativos de descentralizao e participao.

    A pesquisa decorre de reflexes a partir da vivncia profissional e da

    realizao de estudos da pesquisadora sobre turismo nas reas de planejamento e

    marketing no Cear e no Brasil. E da verificao da apropriao do espao

    geogrfico cearense pelo turismo e o papel desempenhado pelos governos com

    polticas territoriais que implantam infraestruturas como o Porto do Pecm, barragem

    do Castanho, Aqurio, aeroportos, rodovias e incentivam polticas privadas para

    tornar o Cear ncleo receptor do turismo levando a se identificar o Cear turstico,

    moderno e prspero em contraposio ao Cear arcaico e pobre.

    Cresce o turismo convencional operado por pequenos, mdios e grandes

    empresrios e o turismo alternativo, contra-hegemnico desenvolvido por

  • 28

    comunidades e gestores que planejam e operacionalizam o turismo comunitrio.

    Iniciativas tm sido realizadas envolvendo periferias, bairros e comunidades que

    promovem o turismo a exemplo da Rede de turismo comunitrio, como a Rede

    Brasileira de Turismo Solidrio e Comunitrio Turisol, da Rede Cearense de

    Turismo Comunitrio Rede Tucum, da Rede de Turismo Comunitrio da Amrica

    Latina, Redturs. Os resultados dessas experincias reforam a ideia que iniciativas

    gestadas localmente contribuem na realizao de projetos que resultam em mais

    benefcio para os residentes colaborando para o desenvolvimento social. So formas

    diferenciadas de arranjo das foras produtivas desenvolvendo outra ordem

    econmica e social na sociedade capitalista possvel pelo processo de

    democratizao e organizao local.

    O turismo como atividade transdisciplinar influencia atividades

    socioconmicas que incidem nos lugares sendo a governana grande desafio.

    Gerenciar territrios para o turismo implica estabelecer diretrizes e prioridades,

    sobretudo promover articulaes na esfera pblica, privada e entre essas e a

    populao residente, de difcil articulao e envolve a governana tema da tese.

    A ineficincia da gesto das metrpoles que continuam intensamente

    inchadas, desumanizadas, apresentando dificuldades para mobilidade urbana,

    algumas violentas e inseguras d espao ao surgimento da gesto territorial do

    turismo como poltica compensatria para implantao de servios urbanos bsicos,

    por serem ncleos receptores do turismo. Dessa forma, as polticas de turismo

    acabam por suprir deficincias estruturais dos ncleos receptores: implanta-se

    infraestrutura, cria-se delegacia para turistas, discute-se a valorizao da cultura e a

    conservao dos ambientes devido a importncia dada aos turistas em detrimento

    da populao. A inverso na ordem dos valores da gesto territorial acirra os

    problemas. Entretanto, ncleos receptores de turismo ainda enfrentam dificuldades

    pela precariedade dos servios urbanos e a dinmica do turismo no ajuda na

    soluo de problemas locais, ao contrrio, muitas vezes, agrava a situao.

    A elaborao da tese se insere na produo acadmica que exige viso

    terica e crtica da realidade. A pesquisadora no dissimula a perspectiva da

    contribuio do turismo para o desenvolvimento social do Cear, tanto na busca de

    mais benefcios para as populaes dos ncleos receptores, quanto na perspectiva

  • 29

    do acesso ao turismo. No se trata de mercantilizao da cincia, mas de

    compromisso social. A pesquisadora apoia-se nas seguintes premissas:

    O turismo como atividade gera territorialidade de forma desigual no

    espao geogrfico cearense;

    A desigualdade de apropriao do espao geogrfico pelo turismo se

    d no mbito do estado, das regies tursticas e dos municpios;

    O turismo como prtica social e atividade socioeconmica gera

    transformaes diversas nas regies tursticas;

    O turismo fenmeno socioeconmico tem contedo material e

    simblico;

    O turismo atividade recente como produo cientfica e leva

    atualizao de conceitos;

    A governana proposta de democratizao do poder na gesto

    pblica e possibilidade de socializao da poltica.

    inegvel a importncia da atuao das populaes residentes como

    sujeitos nos projetos de desenvolvimento. Iniciativas demonstram a possibilidade de

    fazer o turismo com o envolvimento de comunidades, o que no significa apenas

    acertos e harmonia, mas conflitos e avano na sociedade. No desenvolvimento do

    turismo comunitrio as pessoas do lugar se apoderam e gerenciam as atividades e

    o turismo incentivado em busca de desenvolvimento social.

    A concepo com a qual a pesquisadora comunga implica em

    determinadas escolhas tericas e metodolgicas para a realizao da tese. A partir

    da problemtica elaborada e tendo em vista que se busca fazer anlise que v alm

    das aparncias dos fatos, trabalha-se com as categorias movimento, totalidade e

    contradio em uma pesquisa crtica-dialtica. Entende-se o turismo como prtica

    social que comporta objetividade e subjetividade, dimenso espacial e histrica. A

    problemtica conduz s categorias, conceitos e noes para o estudo: turismo,

    regionalizao, regio, regio turstica e governana.

  • 30

    no contexto de investimentos pblicos e privados no turismo apoiado

    em polticas que se investiga a governana - distribuio do poder nas decises

    relacionadas ao turismo, na dinmica da regionalizao turstica. Para viabilizar a

    operacionalizao da pesquisa opta-se pelos destinos indutores da

    regionalizao. Centra-se a ateno nas instncias de governana locais que

    so os grupos gestores dos destinos indutores para estudar questes ligadas

    regionalizao, especificamente, governana no turismo: dificuldades,

    conflitos, estratgias e desafios que a governana envolve. A partir dessa

    problemtica definiram-se como questionamentos norteadores da tese:

    A institucionalizao dos grupos gestores concretiza a descentralizao

    do poder?

    Os destinos indutores do desenvolvimento turstico regional tm

    conseguido induzir o desenvolvimento do turismo nas regies?

    Que desafios enfrentam os grupos gestores dos destinos indutores na

    efetivao da governana?

    Quais as mudanas decorrentes da regionalizao do turismo nos

    destinos indutores?

    Questionamentos, leituras, observao dos fatos e vivncia profissional

    em projetos do turismo levam elaborao das seguintes hipteses:

    O incremento do turismo intenso e desigual enquanto o incremento

    do compartilhamento do poder entre governos, sociedade organizada e

    populao residente incipiente no turismo.

    Os grupos gestores foram institudos para descentralizar o poder de

    deciso relacionado ao turismo, mas no tm o apoio necessrio e no

    conseguem efetivar as aes pretendidas, assim a descentralizao do

    poder de deciso no se efetiva.

    Os grupos gestores dos destinos indutores so institudos, mas no se

    mantm articulados.

  • 31

    A tese voltada compreenso da governana nos territrios para o

    turismo, particularmente regionalizao, tem como objetivos:

    Estudar no processo de regionalizao a governana nos destinos

    indutores do desenvolvimento turstico regional pela instncia de

    governana local.

    Identificar que papis os grupos gestores tm desempenhado nas

    polticas pblicas de turismo nos destinos indutores da regionalizao na

    construo de espaos de governana.

    Conhecer desafios, contribuies, dificuldades e conflitos que os

    grupos gestores enfrentam para efetivao da governana pela

    regionalizao.

    Verificar os resultados alcanados pelo processo de regionalizao nos

    destinos indutores.

    A tese est estruturada em trs partes. Inicia-se com esta introduo na

    qual so apresentadas problematizao, premissas, questionamentos, hipteses e

    objetivos que do origem ao estudo. Explicitam-se a justificativa, o cerne e a

    estrutura do trabalho.

    Na Parte I intitulada a inveno do Cear turstico explica-se o que se

    denomina Cear turstico com respaldo das transformaes urbanas e implantao

    de equipamentos e servios especficos instalados, sobremaneira, na capital, mas

    tambm no interior. Explanam-se a ocupao do territrio cearense e a formao

    econmica do estado com o intuito de contextualizar a opo pelo turismo desde a

    deciso governamental de insero do estado no contexto do turismo globalizado

    produo do espao socialmente construdo o que demonstra a concretizao do

    Cear turstico com a instalao de equipamentos modernos e mobilidade de

    turistas. Demonstra-se que o territrio cearense no produzido de forma

    homognea para o turismo. A prioridade do turismo nas polticas e projetos pblicos

    observvel nas paisagens da metrpole Fortaleza, do litoral e de lugares

    direcionados atividade, confirmando o discurso do governo que o turismo

    relevante na economia do estado. Teoriza-se sobre a mobilidade no turismo

  • 32

    inserindo-a na discusso sobre mobilidade e migrao temporria, discorre-se sobre

    mobilidade turstica, apresenta-se suporte terico sobre o conceito exemplificando-o

    a partir da mobilidade dos turistas que visitam o Cear com amparo nos dados de

    pesquisas da demanda turstica. A mobilidade dos fluxos tursticos est atrelada ao

    conjunto de equipamentos e servios que demonstra a concretizao do Cear

    turstico. Na segunda seo da Parte I apresentam-se a construo da opo

    metodolgica e o caminho percorrido para realizao da tese. Detalham-se a reviso

    de literatura, na qual se recorre a literatura nacional e internacional, e a pesquisa

    documental, bem como a pesquisa de dados primrios realizada por meio de

    observao, entrevistas e questionrios.

    Na Parte II, turismo, poltica pblica e regionalizao no Cear

    apresentam-se estudos sobre o turismo na literatura do Turismo e da Geografia e

    concepes de poltica pblica. Essa parte concentra algumas opes tericas da

    tese nela so abordadas categorias e conceitos importantes para fundamentao da

    pesquisa, em especial, regio e regio turstica e processo de regionalizao. A

    categoria regio tem como foco as discusses geogrficas, estuda-se o conceito de

    regio turstica a partir dos tericos do Turismo e como forma de estruturao oficial

    da gesto do turismo no Brasil. Abordam-se o recorte espacial, a estrutura de gesto

    e a base operacional do processo de regionalizao. So apresentadas experincias

    de turismo de iniciativas locais nos destinos indutores. Finaliza-se a Parte II com a

    compartimentao do territrio cearense para o turismo, com foco na regionalizao.

    So apresentadas as regies tursticas do Cear e os destinos indutores do

    desenvolvimento turstico regional.

    Na Parte III a governana tema central, dando continuidade ao tema

    regionalizao j introduzido ao longo da Parte II. Apresentam-se diferentes

    abordagens sobre governana e competitividade. Atenta-se para a relao dialtica

    das proposies da poltica pblica: premissa da sustentabilidade em busca de

    competitividade por meio da governana. Explanam-se os resultados da pesquisa

    sobre governana realizada junto aos representantes dos grupos gestores dos

    destinos indutores do desenvolvimento turstico regional. Em seguida, apresentam-

    se as concluses que so o cerne da tese com os achados da pesquisa, resultados

    da verificao das hipteses levantadas e do alcance dos objetivos pretendidos.

  • 33

    PARTE I - A INVENO DO CEAR TURSTICO

    Somos to curiosos que achamos bonito o tempo nublado, que outros consideram carregado e ameaador. Estamos aqui por pura teimosia e fomos capazes de construir um ethos das sobras, das perdas e da falta que tem na inventiva e na habilidade, seus pontos altos... Apesar de tudo, cantamos, danamos... Tiramos partido das pequenas coisas, o que no nos faz mesquinhos, mas diz de nossa fome e da nossa resistncia. (Gilmar de Carvalho)

    Nesta primeira parte da Tese explicam-se as razes da inveno do

    Cear turstico, como e porque o turismo priorizado e concretizado compondo o

    cenrio poltico-econmico do estado. Mostra-se a contribuio do turismo na

    acelerao dos processos de produo do espao. Apresentam-se formas imediatas

    de manifestao do turismo no Cear, so processos polticos conflituosos e

    contraditrios. Remonta-se no tempo entendendo as atividades econmicas no

    Cear suportes para a insero do turismo no estado. Interrelacionam-se fatos para

    identificar as determinaes e a essncia do fenmeno estudado. O turismo

    atividade econmica visvel e diferenciada da sociedade de consumo, moderna e

    globalizada e torna-se fenmeno ao ser objeto de pesquisa cientfica. No Cear

    realidade emprica e objeto de estudo quando teses so elaboradas e produzem

    teorias, categorias de anlise, conceitos, definies que passam a compor o

    referencial terico que o explica cientificamente.

    O turismo assume posio concreta na histria corrente do Cear e

    apresenta desdobramentos significativos no espao e na sociedade, no presente e

    futuro do estado estabelecendo possibilidades para estudo no mbito da Geografia,

    pois como afirma Santos (1988, p.57), a Geografia deve preocupar-se com as

    relaes presididas pela histria corrente e explica que a relao social, por mais

    parcial que parea [...] contm parte das relaes que so globais. [...] E nessa

    concepo que se analisa a atividade turstica no Cear. Compreendendo que a

    histria que se passa, neste exato instante, em um lugarejo qualquer, no se

    restringe aos limites desse lugarejo. Essa histria no se restringe aos

    acontecimentos do presente, conecta-se tambm aos acontecimentos pretritos,

  • 34

    haja vista o espao geogrfico ser formado por um conjunto indissocivel, solidrio

    e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no

    considerados isoladamente, mas como um quadro nico no qual a histria se d.

    Esclarece ainda o autor, que no comeo era a natureza selvagem [...] objetos

    naturais, que ao longo da histria vo sendo substitudos por objetos fabricados [...]

    tcnicos, [...], depois cibernticos [...] (SANTOS, 2009, p.63). O espao geogrfico

    modificado com a implantao de equipamentos para prestao de servios de lazer

    e turismo no contexto da segunda natureza, pois turismo implica consumo e

    produo de espao.

    So apresentadas tambm a opo metodolgica, a orientao terica e

    os passos da pesquisa. E ainda, as teorias e definies que orientam a concepo

    explicativa do Cear turstico. As categorias historicidade, contradio e totalidade

    so recorrentes no decorrer do estudo.

  • 35

    1. REORDENAMENTO SOCIOESPACIAL E TURISMO NO CEAR

    O Cear se insere mais nitidamente no contexto da mundializao do

    capital com os estados do Nordeste brasileiro pela industrializao tardia aps os

    anos 1950 e com o turismo no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990 quando

    so intensificadas as polticas pblicas de acolhimento s empresas internacionais,

    inclusive as de turismo. No Brasil dos anos 1990 ocorre abertura poltica e

    econmica quando assume o primeiro presidente de governo civil aps a ditadura

    militar (de 1964) que, entre outras medidas, facilita a entrada de capital estrangeiro.

    Com a interligao do espao geogrfico mundial possvel pelo

    desenvolvimento tecnolgico, em especial, com telecomunicaes e transportes, a

    distncia deixa de ser entrave para a mobilidade das pessoas e do capital. O

    capitalismo entra na fase de mundializao exacerbada e promove reestruturao

    do modo de produo, assim estabelece-se nova diviso territorial do trabalho. A

    partir da dcada de 1960, as inovaes nas tecnologias dos transportes tornaram

    mais fcil o deslocamento da produo, para reas com salrios baixos e fraca

    organizao do trabalho (HARVEY, 2011, p.58). No Cear, a economia antes

    ancorada na pecuria extensiva, na agricultura de sequeiro e no extrativismo vegetal

    d lugar reestruturao produtiva que enfatiza a indstria, o agronegcio e o

    turismo. O turismo integra o movimento mundial, assim a anlise se faz

    compreendendo-o como integrante de vrias relaes e de diferentes determinaes

    e externalidades que se apresentam em diferentes escalas. O setor tercirio cresce

    e sobre a importncia dos servios no Brasil, Santos (2006, p. 21), avalia que na

    insistncia, naquele tempo e ainda hoje, em interpretar o territrio e as cidades a partir do enfoque da industrializao. a maior parte dos trabalhos sobre territrio e a urbanizao da Amrica Latina. A industrializao no explica, uma cpia absolutamente grotesca, uma cpia miservel do modelo do norte que impediu uma interpretao mais correta do processo de organizao do espao e do processo de urbanizao. Nenhuma cidade brasileira nasceu ou de qualquer pas latino-americano cresceu ou se organizou a partir da industrializao. A industrializao constitui apenas um dos elementos que, todavia, foi tomado como central nas hipteses de trabalho e no trabalho. por isso que o tercirio sempre foi visto como residual, tanto por marxistas como por Rostowianos. Esse tercirio que depois aparece metamorfoseado em marginalidade uma forma esquisita de tratar a realidade urbana, mais tarde vai dar lugar ao famoso setor informal.

  • 36

    O autor enftico ao analisar as cidades brasileiras e afirma que no Brasil

    a indstria no foi responsvel pela produo das cidades, mas o setor tercirio.

    Portanto, diferente da Europa. Afirmao em sintonia com Lefebvre (2001, p.17)

    para quem h casos de ampliao macia da cidade e urbanizao (no sentido

    amplo do termo) com pouca industrializao. Este seria o caso de Toulouse, o que

    ocorre em geral nas cidades da Amrica do Sul e da frica. (LEFEBVRE, 2001).

    O Cear turstico compe, simultaneamente, a economia do estado com o

    Cear agrrio e industrial. Dessa forma, registram-se 207 meios de hospedagem,

    10.680 unidades habitacionais (apartamentos) e 26.419 leitos em 2012. (SETUR

    2014). O espao cearense apropriado por atividades voltadas ao turismo.

    Ao longo das ltimas dcadas, novos objetos passam a compor a

    paisagem do Cear: hotis, pousadas, barracas, velas de windsurf e de kite surf,

    elicas, para citar alguns exemplos. De um lado, os sistemas de objetos

    condicionam a forma como se do as aes, e, de outro lado, o sistema de aes

    leva criao de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes

    (SANTOS, 1994, p.111). o que ocorre na concretizao do Cear turstico quando

    o territrio cearense passa a ser reestruturado para produzir fixos tursticos para

    receber fluxos. O espao reunio dialtica de fixos e de fluxos (SANTOS, 1994,

    p.110). E comporta outras categorias, entre elas: regio, territrio, paisagem e lugar

    que podem ser operacionalizadas no estudo do turismo.

    Em alguns ncleos receptores de turismo no Brasil e no mundo a

    produo agropecuria e a industrial se tornam atrativos tursticos, como as rotas de

    vinhos, engenhos, perfumarias, confeces, calados fortalecendo a produo local

    com o aumento do consumo decorrente do fluxo turstico. A produo do espao

    parte integrante de relaes entre processos sociais, econmicos e polticos que se

    apresentam espacialmente. A materializao desses processos vincula-se a

    processos histricos e a relao entre sociedade e natureza permeada de conflitos

    e de interesses. O espao dinmico, concreto e abstrato, e se apresenta conforme

    estgios das foras produtivas. Inicialmente, predomina no Cear o turismo de sol e

    praia, em seguida, desenvolvem-se o turismo de aventura, ecoturismo, de negcios

    e eventos que se tornam ncoras, notadamente, para Fortaleza e outras cidades

  • 37

    cearenses. Situao que, consequentemente, influencia no sistema de aes e se

    materializa no espao geogrfico.

    O fenmeno turstico se impe e se insere na economia cearense apoiado

    por polticas pblicas e privadas. O estudo de documentos oficiais mostra a ao

    estatal, tome-se como exemplo a mensagem do governador Assembleia

    Legislativa em 2001. Nossos esforos na rea do turismo tm-se concentrado no

    objetivo de tornar o Cear uma das principais portas de entrada do fluxo turstico

    internacional do pas [...] (SEPLAG, 2001, p.9)2. Outra fonte reafirma a importncia

    dada ao turismo pelo governo estadual a publicao Cear em Nmeros, 2003:

    O turismo cearense, a partir de 1995, recebeu tratamento especial do governo como ao estruturadora capaz de causar impactos sobre a base fsica estadual e com efeitos multiplicadores na economia, contribuindo para o aumento das oportunidades de trabalho e alternativas de gerao de renda (IPECE, 2003, p.127).

    Pode-se afirmar que do ponto de vista dos projetos estruturantes os

    governos estaduais no ficam no discurso, as polticas se materializam e o Cear

    turstico se concretiza, conforme mensagem do governador Assembleia

    Legislativa, em 2013 que informa as aes realizadas:

    Sendo vocao natural do Cear e setor de importante efeito multiplicador para crescimento da economia do Estado, o Turismo recebeu investimentos em 2012 da ordem de 259 milhes, oriundos de recursos do Governo Estadual e Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES e Banco Interamericano de Desenvolvimento BID. Tais recursos aplicados na consolidao da infraestrutura turstica asseguraram, em 2012, as inauguraes do Centro de Eventos, tneis de acesso, aeroporto de Aracati, Teatro Carlos Cmara, Caminhos de Assis, Ponte dos Ingleses, e a execuo das obras do Centro de Eventos de Iguatu e Crato, duplicao da CE-040 e CE-085 e requalificao de outras estradas, aeroporto de Jericoacoara, Aqurio Cear, saneamento das Praias de Porto das Dunas e Cumbuco (SEPLAG, 2013, p.19).

    3

    O Centro de Eventos mencionado na mensagem do governador

    Assembleia Legislativa de 2009 como outra aposta de infraestrutura turstica no

    Estado [...] (SEPLAG, 2009, p.14). O governo ao privilegiar o turismo de negcios e

    eventos agrega contedo ao turismo no estado construindo o Centro de Eventos do

    2 Disponvel em:

    http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2011.pdf. Acesso em: 05/maio/2013. 3 Disponvel em:

    http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2013.pdf. Acesso em: 05/maio/2013.

    http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2011.pdfhttp://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2013.pdf

  • 38

    Cear CEC em Fortaleza, ilustrado na Figura 1. No interior do estado altera o

    conjunto de equipamentos para o turismo, a forma determinada pelo contedo

    diversifica o turismo no Cear. A regio do Cariri, no interior do estado, recebe um

    Centro de Convenes e aeroportos regionais so construdos na serra e no litoral.

    Figura 1: Centro de Eventos do Cear - CEC Fonte: Divulgao/SETUR, 2014.

    O Centro de Eventos do Cear reconhecido como um dos melhores

    equipamentos do gnero no pas com o prmio Os dez mais do turismo 4, categoria

    Espao para Eventos - 2013. Considerado o segundo maior espao para feiras e

    eventos no Brasil, primeiro no Nordeste. O projeto foi iniciado em agosto de 2009, e

    inaugurado em 2012, com investimentos de R$ 580 milhes. Destes, R$ 58,5

    milhes foram custeados pelo Ministrio do Turismo.5

    O estado passa por grandes transformaes, os governos do Cear

    realizam projetos com o objetivo de moderniz-lo. So construdos o porto do

    Pecm, o aude Castanho e o Canal do Trabalhador. Amplia-se o aeroporto Pinto

    Martins, desenvolvem-se projetos de permetros irrigados. So dados incentivos

    agroindstria para produo de frutas frescas e flores para exportao; h

    fortalecimento dos setores txtil e caladista, tanto na Regio Metropolitana de

    4 O ttulo faz parte da premiao Os dez mais do turismo, criada h 28 anos pelo Grupo Travel

    News, e agracia equipamentos, empresas, gestores pblicos, empresrios, executivos, e jornalistas especializados que se destacam na indstria do turismo no Brasil. SETUR/CE, 2013 5 Centro de eventos do Cear abre as portas para o pblico. MTur, 16/agosto/2012. Disponivel em:

    http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20120816.html. Acesso em: 16/mar/2014.

    http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20120816.html

  • 39

    Fortaleza - RMF como em regies interioranas com incentivos fiscais. A indstria

    chega ao serto, notadamente, o setor caladista.

    A atuao do setor tercirio expressiva e os servios tursticos

    representam importante parcela do setor e perspectivas de crescimento. O tercirio

    domina a economia do Cear que se insere no processo de mundializao do

    capital. Os problemas sociais persistem, assim afirma Coriolano (2006, p.70):

    Apesar das mudanas no Cear, notadamente as produzidas nas estruturas econmicas e tecnolgicas nesses ltimos 30 anos, pouco mudou nas condies sociais da maioria da populao. O poder aquisitivo e a renda da maior parte dos cearenses no mudaram substancialmente e esse o maior desafio que o Governo tem para enfrentar, at como forma de fazer o turismo acontecer nos termos que ele se prope.

    Atividade recente no Cear, o turismo apresentado como relevante para

    o desenvolvimento econmico e social do estado tanto pelo setor pblico quanto

    pela iniciativa privada. No entanto, a exemplo de todas as atividades desenvolvidas

    sob o capitalismo, o turismo atividade econmica realizada para acumulao do

    capital, traz na gnese desigualdade, essncia desse modo de produo que nas

    mesmas relaes nas quais se produz a riqueza se produz tambm a misria; que

    nas mesmas relaes nas quais h desenvolvimento das foras produtivas h uma

    fora produtora de represso [...] (MARX, 2007, p.112). Portanto, o debate em torno

    da capacidade dos sujeitos, em especial, governos e empresrios que fazem a

    atividade gerar renda e diminuir a pobreza precisa ser analisado.

    Por meio da execuo de polticas de turismo voltadas ao

    desenvolvimento social pode-se desenvolv-la na busca de mitigar os impactos

    negativos e beneficiar mais os residentes. Nesse sentido, o compartilhamento do

    poder com as populaes na elaborao dessas polticas tema relevante e

    necessrio. Alguns residentes vo alm, assim comunidades tm optado pelo

    turismo alternativo em detrimento do turismo convencional para participar

    diretamente dos benefcios gerados pela atividade.

  • 40

    1.1 Marcos da construo do Cear turstico

    Para explicar a integrao do Cear ao turismo aborda-se a escala local e

    as relaes com as escalas nacional e global. Discute-se o processo de turistificao

    e, em seguida, se faz retrospectiva breve de alguns aspectos da histria e da

    economia do Cear, local relegado no processo de colonizao do pas, depois

    associado seca e pobreza e que nas ltimas dcadas se torna um dos destinos

    tursticos mais procurados no Brasil, pelos brasileiros. Essa retrospectiva denota a

    produo socioespacial para o turismo quando se constri um Cear moderno que

    se urbaniza, se volta ao turismo e se realinha para entrada na modernidade pelos

    servios. Paviani (2006) chama a ateno que na urbanizao, o termo moderno se

    volta configurao da cidade, em termos de edificaes arrojadas [...] poucas

    vezes se v a utilizao do termo modernidade ao desenvolvimento social, ao

    aparelhamento de hospitais [...] (2006, p. 94). Assim, o Cear que avana para se

    tornar moderno, ainda mantm padres de ineficincia na prestao de servios

    bsicos.

    A produo social passa por constantes movimentos. Para entender a

    integrao do Cear economia nacional e mundial se estuda o processo histrico

    que contempla atividades econmicas desenvolvidas no estado e o contexto poltico

    de dcadas mais recentes que deu origem ao que se est chamando de Cear

    turstico, entendido no de forma isolada, mas conectado, interdependente,

    associado ao processo socioeconmico. Afirma Coriolano (2006), que o turismo

    inserido nesse contexto, quando os fluxos tursticos reproduzem as contradies da

    sociedade, mostrando que tambm os espaos do turismo so seletivos, que as

    relaes socioespaciais so marcadas pelo signo da dependncia e da explorao

    econmica. Chesnais (1996, p.203) menciona vantagens de localizao utilizadas

    no turismo e explica que a maioria das cadeias de hotis que atuam como

    empresas-rede utilizam franquias tornando-se eficiente na obteno de menor custo

    e mximo de lucro para as grandes empresas. No Cear, encontram-se

    empreendimentos hoteleiros internacionais e tambm empresas nacionais e

    independentes locais e familiares.

  • 41

    O turismo se articula gerando possibilidade para ativar economias dado o

    efeito multiplicador e a capacidade que tem de agregar valor s atividades

    tradicionais e modernas. Lida com prestao de servios de pessoas para pessoas,

    portanto gera postos de trabalho, insere pessoas com diferentes nveis de instruo.

    Apesar das possibilidades de valorizar culturas e tradies agiliza transformaes

    socioculturais, modifica territrios e segrega espaos.

    Trabalhadores temporrios e ocasionais, baixa remunerao, elevado

    nmero de horas trabalhadas e baixo grau de sindicalizao caracterizam o trabalho

    no turismo. Dessa forma, os dados sobre a implantao de equipamentos tursticos,

    aumento do fluxo turstico, gerao de empregos entre outros, demandam

    detalhamento e aprofundamento, inclusive informaes sobre impactos

    socioambientais, condies de trabalho, faixa salarial, origem dos empregados, por

    exemplo.

    O turismo pode ser importante poltica para o alcance dos objetivos do

    milnio, particularmente com relao erradicao da extrema pobreza e da fome,

    garantia de sustentabilidade ambiental e ao estabelecimento de uma parceria

    mundial para o desenvolvimento6 como sinaliza o Plano Nacional do Turismo,

    apesar de ser atividade contraditria. Coriolano (2006, p. 215) explica que o turismo:

    Faz parte da dinmica atual da mundializao do capital, que cria territorialidades, como forma de responder as crises da acumulao global, envolvendo alm do mercado, o Estado e a sociedade civil [...] apesar de concentrar lucro, riqueza e renda, termina por criar oportunidades de ganhos aos trabalhadores e aos lugares mais pobres.

    Comunidades que desenvolvem o turismo alternativo buscam obter

    ganhos diretos com o turismo, sem a intermediao de terceiros. Atuam como

    protagonistas no planejamento e na operacionalizao das atividades tursticas no

    territrio. Becker (1996a, p.2) afirma que o turismo hbrido no sentido em que ele

    ao mesmo tempo, um enorme potencial de desenvolvimento e um enorme

    potencial de degradao socioambiental, na ausncia de uma regulao adequada

    para o setor. Interpreta-se a coexistncia de lados contraditrios como movimento

    dialtico, assim as atividades tursticas reproduzem as contradies da sociedade e

    tambm so oportunidades para prover a subsistncia de parcelas da populao e

    6 Plano Nacional do Turismo 2007/2010 uma Viagem de Incluso (MTur, 2007, p.15)

  • 42

    de comunidades perifricas. Com o turismo vendem-se e consomem-se

    diferentes regies do globo. Para Meliani (2011, p.1):

    O turismo vende os lugares que produz como mercadoria que tem valor de uso pela satisfao de experincias imaginadas e, do mesmo modo que qualquer outra mercadoria os vende na perspectiva de lucro obtido por meio da explorao da mais-valia dos trabalhadores.

    No entanto, a viagem de turismo possui componentes subjetivos. H no

    fazer turismo motivaes que induzem as pessoas a se deslocarem e sarem

    temporariamente do lugar de residncia. Faz parte do movimento que envolve o

    turismo o que lembra Claval (2010): a viagem questiona nossa identidade, nossas

    crenas. Contemporaneamente, as razes para viajar so multiplicadas, no entanto

    ainda constante a curiosidade do desconhecido, diferente, indito, imprevisto, a

    procura do outro. O turismo atividade terciria inserida no modo de produo

    capitalista, tambm uma prtica social, fenmeno que se apresenta com forte

    tendncia de crescimento, por isso preciso estud-lo e buscar diretrizes que

    norteiem a evoluo para se consolidar como poltica de desenvolvimento regional.

    A totalidade do fenmeno turstico contempla o fator econmico, mas tambm, o

    carter simblico, o imaginrio daqueles envolvidos no universo das viagens: os

    turistas, os que trabalham no turismo e os residentes em geral. Viajantes se

    divertem, ao passo que para outras pessoas turismo significa trabalho e para outras

    convvio, pois residentes convivem com forasteiros no mesmo territrio.

    Para alm das produes espaciais, o movimento de turistas nos lugares

    proporciona contato entre povos de diferentes culturas e nesse contato as pessoas

    no saem ilesas, nem residentes, nem visitantes. Ocorrem assimilaes culturais, e

    quando o cearense nega ou no prestigia a cultura local acaba por assimilar a dos

    estrangeiros visitantes.

    A entrada do Cear na lgica do consumo por meio do turismo se d com

    mais intensidade a partir do Governo das Mudanas7 liderado pelo empresrio

    Tasso Jereissati oriundo do Centro Industrial Cearense CIC. Perodo que

    representa o rompimento com a poltica tradicional dos coronis e compreendido

    como tempo de subordinao da poltica aos objetivos de mercado e de expanso

    dos negcios privados estaduais, na busca de ndices satisfatrios de crescimento

    7 Governos de Tasso Jereissati 1987-1990, 1995- 1998, 1999-2002 e de Ciro Gomes 1991-1994

  • 43

    econmico e de alternativas para o desenvolvimento estadual (BONFIM, 2002, p.

    36). Contrastando com a maioria das anlises sobre o perodo do governo das

    mudanas Bandeira e Silva Neta (2008, p.9) chamam ateno para as semelhanas

    entre as medidas adotadas pelo referido governo e as adotadas no governo de

    Virglio Tvora,

    Tanto as aes de modernizao e eficincia da mquina pblica, quanto as interferncias em infraestrutura e criao de estrutura econmica so bastante similares s diretrizes e aes do PLAMEG I e II

    8. At mesmo o

    FDI Fundo de Desenvolvimento Industrial, um dos mecanismos mais eficazes utilizados pelo governo Tasso em seu programa de modernizao industrial do Cear, foi criado no governo Virglio. Tasso adotou de forma plena a poltica industrial e de infraestrutura econmica de Virglio, promovendo apenas em seu terceiro mandato algumas mudanas formais na legislao. As similaridades descritas sugerem que o coronel Virglio Tvora foi o principal formulador e executor do projeto de modernizao do Cear na segunda metade do sculo XX e que suas proposies foram posteriormente adotadas com pontuais alteraes pelos governantes que o sucederam apresentando-se como mudancistas

    Esse perodo confere notoriedade ao Cear no cenrio poltico nacional.

    Coriolano (1998, p.66-67) ao estudar as polticas de turismo a partir da dcada de

    1970 enfatiza que no final dos anos 1980 que o turismo passa a ser considerado

    um dos eixos prioritrios de propulso da economia cearense. Portanto, a

    construo da ideia do Cear turstico se intensifica a partir dos anos 1980 quando

    os Governos Estaduais passam a investir e incentivar o desenvolvimento da

    atividade e a imagem do Cear passa a ser associada modernizao:

    A formulao de uma retrica de evocao a mudanas mantm sua eficcia simblica a partir do momento em que os atores polticos imprimem uma temporalidade [...] Concorre tambm para a instaurao de uma nova temporalidade a imagem do Cear projetada para o restante do Pas. [...] (BARREIRA, 2002, p.69).

    Na dcada de 1990 o discurso poltico utiliza e refora a ideia do moderno

    como algo melhor que se anuncia em contraposio ao arcaico que deve ser

    substitudo. Como assinala Latour (1994, p.15): quando as palavras moderno,

    modernizao e modernidade aparecem, definimos, por contraste, um passado

    arcaico e estvel.

    Se antes interessava destacar a seca no Nordeste, o que contribui para

    estabelecer uma questo regional no pas, o que interessa nesse momento criar

    8 Plano de Metas Governamentais PLAMEG

  • 44

    imagem positiva do Cear. O esforo governamental tornar o Cear moderno. O

    incentivo industrializao, ao agronegcio e ao turismo mostra o processo de

    modernizao local. A inteno tornar o estado competitivo no mercado global, da

    a implantao da infraestrutura urbana e turstica com instalao de equipamentos

    para lazer e, consequentemente, a acelerao da modernizao e alinhamento do

    Cear globalizao. Em meio pobreza do Cear comprovada nos ndices sociais,

    o turismo passa a ser prioridade para o governo como um dos vetores em busca de

    desenvolvimento.

    A ideia que os pases subdesenvolvidos podem se beneficiar com o

    turismo se desenvolve fortemente nos anos 1960. Em 1963, na Conferncia das

    Naes Unidas o turismo internacional declarado como atividade que pode dar

    efetiva contribuio para os pases subdesenvolvidos. A Unio Internacional dos

    rgos Oficiais de Turismo UIOOT, organismo que antecede a Organizao

    Mundial do Turismo OMT, desenvolve intensa ao voltada aos pases

    subdesenvolvidos, com apoio financeiro do Banco Mundial, sujeito global. Grandes

    centros tursticos so construdos nos cinco continentes. Regies de diversos pases

    so transformadas em estruturas de receptivo para os fluxos de turistas. A

    mobilidade turstica se apresenta como movimento alternativo de deslocalizao das

    populaes assalariadas sem precedente na histria (Lanfant, 2004).

    Os turistas comeam a chegar ao Cear de forma espontnea nos anos

    1970. Espontnea, pois chegam por conta prpria, sem maior apelo promocional. O

    turismo se intensifica nos anos 1990 quando j eclodira no mundo, especialmente na

    Europa e Amrica do Norte, o turismo massivo das dcadas de 1950 e 1970 que se

    apropria cada vez mais do espao geogrfico intensificando as territorialidades

    tursticas. A forma como o turismo se desenvolve tributria das transformaes

    mundiais e do modelo de desenvolvimento adotado no estado. Bonfim (2002)

    referindo-se ao Centro Industrial Cearense CIC esclarece que no existia um

    projeto de desenvolvimento estabelecido pelos empresrios:

  • 45

    Tal projeto foi concebido paulatinamente, a medida que os anos os eventos foram se delineando no horizonte poltico. Contudo, sua existncia, na forma do programa de obras estruturantes e dos mecanismos de incentivo fiscal criados pelo Governo do Estado resultado de uma orientao poltica maior que foi trazida para o interior do aparelho de estado cearense ainda em 1987 e que representa o que denominaremos aqui, singularidade cearense decorrente da antecipao de uma agenda de modernizao do Brasil, no mais pela via do Estado, mas pelo mercado, expanso da indstria, servios e captao de recursos privados para incrementar o desenvolvimento regional (BONFIM, 2002, p.36).

    No segundo mandato de Tasso Jereissati, 1995-1998, os projetos

    estruturantes foram priorizados nas polticas pblicas. Entre os projetos esto na

    economia rural a agricultura irrigada e a agroindstria, a concluso do aude

    Castanho, a interiorizao do desenvolvimento industrial, o Programa de

    Desenvolvimento Urbano e Gesto de Recursos Hdricos - PROURB, a

    implementao do Complexo Industrial e Porturio do Pecm e o investimento no

    turismo. No incio dos anos 1990, o Programa de Desenvolvimento do Turismo do

    Litoral do Cear PRODETURIS, desenvolvido em 1989, serve de base para o

    Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo PRODETUR. O

    PRODETUR prioriza, inicialmente, parte do litoral cearense. Cerca de dez anos

    depois os governos estaduais avanam na poltica de turismo e levam recursos e

    projetos para outras reas do estado. O contexto poltico de meados dos anos 1980

    gera a retrica que vincula o Cear imagem de lugar prspero, que se despede da

    pobreza e do arcaico dando lugar ao Cear moderno (BONFIM, 2002, p. 56-57).

    O PRODETUR/NE estrutura os estados nordestinos para o turismo. No

    Cear, o PRODETUR/CE implantado com destaque em relao aos demais

    estados. O sucesso do PRODETUR no Nordeste desperta interesses de outras

    regies e assim o PRODETUR torna-se PRODETUR nacional. O pas investe no

    turismo, o que era poltica regional passa a ser nacional. Diz Barreira (2002, p.70-

    71) que as referncias ao governo do Estado com suas estratgias peculiares de

    ao abrangem o crescimento do setor turstico. As estratgias locais voltadas para

    a eficcia administrativa, o enfoque nos temas mudana e modernidade esto, por

    sua vez, alinhados s estratgias nacionais, esclarece o autor. O turismo

    apresentado pelos governos como prioridade na economia cearense. O Cear

    turstico se junta ao agrrio e industrial o que remete ex