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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA UFPB
CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DA NATUREZA CCEN
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PPGG
YGOR YURI DE LUNA CAVALCANTE
O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAO QUILOMBOLA: EXPERINCIAS NA
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA ANTNIA
SOCORRO DA SILVA MACHADO - COMUNIDADE NEGRA DE PARATIBE, PB
JOO PESSOA
2013
YGOR YURI DE LUNA CAVALCANTE
O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAO QUILOMBOLA: EXPERINCIA NA
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA ANTNIA
SOCORRO DA SILVA MACHADO - COMUNIDADE NEGRA DE PARATIBE, PB
Dissertao de Mestrado apresentada em
cumprimento s exigncias do Programa
de Ps-Graduao em Geografia
(PPGG), do Centro de Cincias Exatas e
da Natureza (CCEN) da Universidade
Federal da Paraba (UFPB), como
requisito parcial para obteno do ttulo
de Mestre em Geografia.
LINHA DE PESQUISA: Educao
Geogrfica
ORIENTADORA: Maria de Ftima
Rodrigues Ferreira
COORIENTADORA: Maria Adailza
Martins de Albuquerque
JOO PESSOA
2013
C376e Cavalcante, Ygor Yuri de Luna.
O ensino de geografia na educao quilombola: experincia na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia Socorro da Silva Machado - Comunidade Negra Paratibe,PB / Ygor Yuri de Luna Cavalcante.-- Joo Pessoa, 2013. 197f. : il.
Orientadora: Maria de Ftima Rodrigues Ferreira Coorientadora: Maria Adailza Martins de Albuquerque Dissertao (Mestrado) UFPB/CCEN
1. Geografia - ensino. 2. Educao geogrfica. 3. Educao quilombola. 4. Currculo escolar quilombola.
UFPB/BC CDU: 911:37(043)
quela que me guarda e me protege todos os dias e
noites de minha vida, Maria do Carmo Luna (IN
MEMORIAN) e quela que me aquece nos
momentos de frio e me acalma nos momentos de
calor, quando falo com a senhora, me esperando
para me ver. Minha Tia Laura. queles que nunca
tiveram oportunidade de saber ler e escrever, de
contar suas histrias, de seus valores, mas que me
alfabetizam a cada instante nestas pginas com suas
presenas de vida. queles que no fiz mais para
estar mais prximo, me deixa eternas saudades (in
memorian), Seu Antnio Albino (Antnio Chico) e
sua esposa, Dona Maria Nazar (N), grandes
amigo(a)s quilombolas. quele(a)s que construram
comigo este trabalho, lideranas quilombolas,
direo escolar, educadores e educandos da escola, e
familiares de Dona Antnia Socorro.
Dedico!
AGRADECIMENTOS
Tenho eternas saudades (in memorian) de Seu Antnio Albino (Antnio Chico) e sua
esposa, Dona Maria Nazar (N). Nossas conversas descontradas, nossos desabafos.
Nunca vou esquecer o carinho que sempre me receberam em sua casa, sempre me
trataram como um amigo fiel. Fica em minhas lembranas a ltima vez que conversei
com Dona Maria Nazar (N), apertou minha mo e riu para mim, assim como a ltima
conversa com Seu Antnio Albino (Antnio Chico), conversamos muito sobre sua
esposa, ele estava com saudades dela, no demorou, ele a encontrou, continua sempre
juntos, isso amor, no mundo material e imaterial!!! So esses dois amigo(a)s que me
liga aos quilombolas de Paratibe, a cada momento me completa cada vez mais!
Tambm no conseguiria sem o carinho, afeto e amor de minha Kalol, quando nos
momentos de desespero e frustrao, sempre esteve do meu lado, me d paz e fora para
seguir em frente.
Sei que Maria de Ftima Ferreira Rodrigues e a Maria Adailza Martins de Albuquerque,
alm de grandes amigas e provocadoras, me apresentaram nortes, horizontes
desafiadores para conquistar/explicar o que parecia inexplicvel. Suas crticas sinceras e
corretas fizeram perceber os erros e construir a partir deles, uma constante busca pela
essncia dessa investigao. Sempre tiveram tempo e pacincia para comigo, sempre me
deram fora para superar os desafios encontrados pelo caminho.
Direciono-me agora aos membros examinadores, pois a pesquisa feita tambm com
suas contribuies, sugestes e observaes em todo o percurso investigativo, so nesses
momentos que a pesquisa ganha mais corpo, vai mais alm, mostrando os melhores
caminhos para chegar ao objetivo nessa estrada sinuosa que nunca tem fim.
Quanto s lideranas quilombolas da Comunidade Negra Paratibe, Joseane, Monica e
tantas outras, me sinto eternamente grato por conhecer essas mulheres guerreiras que
lutam pela memria de Paratibe.
A todos aqueles que trabalham na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora
Antnia Socorro da Silva Machado que sempre me atenderam quando precisei de sua
ajuda em especial a Estela, Rosrio, Jandira, Marcos, Joelma, a(o)s educadora(e)s
Ivaneide Rosa, Sandra, Penha, Antnio, Ndja, Rivaldo, Rosane Fausto, Alcebiades, aos
familiares de Dona Antnia Socorro Genildo (Ded), Ivanildo (Ninil), Ivone (V),
Ivanilda (Mocinha), Roberto (Pel) e a todos aqueles que me ensinam muito de suas
experincias de vida.
Aos meus amigos e amigas que mostrar serem partes de minha famlia. Daquelas que
tenho como tias: Dona Alice e Dona Ins; aos meus irmos e irms: Paulo Henrique
Marques, Carol Queiroz, Anna Carla Queiroz, Yuriallis (Yuri de Xequer), Anbia de
Castro (Nubinha), Ivanilda Coriolano (Acar), Regis (Morcego), Gutemberg Silva
(Mazinho) e Wanessa Portella.
Ao GESTAR que me ajudou nos momentos que mais necessitei neste trabalho, com
franqueza e gentilidade, nos bons momentos em que pude estar com vocs e pela
companhia as idas Paratibe e ao Grilo: Jussara Santana, Diego Silvestre, Salom
Maracaj e Manoel Jnior.
As antroplogas do INCRA que sempre se dispuseram e colaboraram com a pesquisa,
sempre gentis em suas contribuies aos quilombolas: Maria Ester e Fernanda.
A todos os membros do NEABI pelo dilogo e oportunidades ao me proporcionar uma
nova viso de mundo a partir do continente africano e de uma educao antirracista com
educadores do Ensino Bsico.
Aos meus bravos colegas de trabalho do 5 Batalho do Corpo de Bombeiros Militar do
Estado da Paraba - 5 BBM que, em nossas conversas calorosas sempre confiaram em
mim.
Por fim, no posso esquecer-me daquelas pessoas annimas que me ajudaram
diretamente e/ou indiretamente nesta pesquisa, trabalhadores, estudantes, pessoas que
encontravam nas esquinas da vida, sempre dispostos a me ajudar de alguma maneira.
Agradeo!
Maracangalha
Eu vou pr Maracangalha
Eu vou!
Eu vou de liforme branco
Eu vou!
Eu vou de chapeu de palha
Eu vou!
Eu vou convidar Anlia
Eu vou!
Se Anlia no quiser ir
Eu vou s!
Eu vou s!
Eu vou s!
Se Anlia no quiser ir
Eu vou s!
Eu vou s!
Eu vou s sem Anlia
Mas eu vou!...
Dorival Caymmi
Resumo
Esta dissertao trata das contribuies da disciplina Geografia para uma educao
tnico-racial na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia Socorro
da Silva Machado (EMEFPASSM), que atende educandos do Ensino Fundamental II
oriundos do territrio quilombola da Comunidade Negra Paratibe (CNP), localizado na
zona sul da cidade de Joo Pessoa-PB. Nosso objetivo foi investigar as contribuies da
Geografia escolar para uma educao quilombola mediante investigao de campo
sobre as prticas educativas que foram trabalhadas em sala de aula pela educadora de
Geografia e seus educandos. O ensino de Geografia inserido em um contexto tnico-
cultural e poltico-ideolgico presente na escola, com educadores, educandos, direo
escolar e poder pblico municipal e na comunidade quilombola, com lideranas
quilombolas, apresenta-se como um dos elementos do currculo escolar formador de
cidados que possibilita uma leitura socioespacial de suas realidades vividas. Em busca
de uma melhor compreenso sobre o tema estudado, dividimos esta pesquisa em quatro
captulos, em cada uma delas so abordadas diferentes fundamentaes tericas,
dilogos e interpretaes que foram estabelecidas ou realizadas. No primeiro captulo
foi realizado uma discusso sobre o mtodo e os procedimentos metodolgicos a fim de
compreender a realidade vivenciada em uma perspectiva qualitativa. J o segundo
captulo trata do processo de construo territorial da referida comunidade quilombola,
relacionando sua realidade com outras comunidades quilombolas a partir de um resgate
histrico sucinto da educao para afrodescendentes e quilombolas como uma das
bandeiras de luta destes, e, como a Geografia escolar pode contribuir nessa modalidade
de educao. O terceiro captulo realiza uma investigao sobre a educadora fundadora
da escola em foco, enfatiza a relao do currculo escolar quilombola com a Lei
10.639/03 e suas influncias na identidade territorial quilombola e na luta contra o
racismo na escola, finalizando a partir de uma anlise sobre a formao dos educadores
de Geografia para uma educao quilombola. O quarto captulo procura mostrar a
pesquisa de campo realizada mediante uma investigao que, no primeiro momento se
torna descritiva, enquanto, no segundo momento, se faz uma anlise das prticas
escolares vivenciadas em sala de aula.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; Educao Quilombola; Currculo Escolar Quilombola.
Abstract:
This dissertation deals with the contributions of the geography subject for an ethno-
racial education at the Municipal School of Basic Education Professor Antonia Socorro
da Silva Machado ( EMEFPASSM ) , which serves students of the Elementary School
II, coming from the quilombola lands of Paratibes Black Community ( CNP ) , located
in the south region of Joo Pessoa city . Our goal was to investigate the contributions of
a scholar Geography to a quilombolas education through a field research about
educational practices that were studied by the geography teacher and her students in the
classroom. Geography teaching inserted in a context ethno-cultural and political-
ideological present in the school with educators, students , school board and municipal
and quilombola community with quilombola leaders , shows itself as one of the
elements of the school curriculum, training citizens which allows an understanding of
their socio-space living realities . In a pursuit of a better understanding of the studied
subject, this research is divided into four chapters , each one of them are addressed
different theoretical bases, dialogues and interpretations that have been established or
accomplished . In the first chapter was held a discussion about the method and the
methodological procedures in order to understand the reality experienced in a
qualitative perspective . The second chapter deals with the process of construction of
this territorial quilombola community , relating their reality with other quilombola
communities from a historical rescue summary of the education for African descent and
Quilombolas the political demands of them , and how the Geography subject can
contribute to this type of education . The third chapter conducts an investigation into the
founder and teacher of this school, emphasizes the relationship of the school curriculum
quilombola with Law 10.639/03 and its influences in quilombola territorial identity and
the struggle against racism in school , finishing from an analysis on the training of the
geography teachers for an quilombola education. The fourth chapter attempts to show
the field research conducted by an investigation that , at first becomes descriptive ,
while in the second phase, an analysis is made of the school practices experienced in the
classroom .
Keywords: Teaching Geography; Quilombola Education; Quilombo School
Curriculum.
LISTA DE MAPAS / IMAGENS
MAPA 01 Localizao do Bairro de Paratibe na cidade de Joo
Pessoa.................................................................................
46
MAPA 02 Uso e ocupao do Solo reivindicado pela Comunidade Negra
Paratibe em 1998...............................................................................
50
IMAGEM 01 Localizao territorial aproximada das cinco famlias da CNP
que povoaram o ento Stio Paratibe no atual Bairro
Paratibe...............................................................................................
49
IMAGENS 02 E 03 Limites territoriais da CNP e as faixas de terras no includas no
RTID.....................................................................................................
52
IMAGEM 04 Localizao da EMEFPASSM em reforma no ano de
2009.....................................................................................................
54
IMAGEM 05 Localizao da EMEFPASSM depois da reforma no ano de
2011......................................................................................................
52
IMAGEM 06 Localizao aproximada das trs casas de Dona Antnia
Socorro e da EMEFPASSM.............................................................
103
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 Foto de casas para serem vendidas pelo Programa Minha Casa,
Minha Vida...........................................................................................
51
FIGURA 02 Foto da placa informando terreno para ser vendido, ao fundo da
foto um prdio j em fase de acabamento.........................................
51
FIGURA 03 Foto da Escola Arlindo Bento de Morais de Ensino Fundamental
e Mdio (EJA) na Comunidade de Talhado Urbano em Santa
Luzia........................................................................................................
77
FIGURA 04 Foto da Escola Municipal Firmo Santino da Silva na
Comunidade Caiana dos Crioulos em Alagoa Grande......
77
FIGURA 05 Foto da frente da Escola Municipal Professora Antnia Socorro da
Silva Machado...............................................................
78
FIGURA 06 Foto do busto de Dona Antnia Socorro erguido em frente a
escola em sua homenagem..............................................................
78
FIGURA 07 E 08 Fotos das maquetes feitas pelos 9 A e B, respectivamente:
Paratibe antes e depois da urbanizao ............................
79
FIGURA 09 Foto do jardim da EMEFPASSM....................................................... 80
FIGURA 10 Foto do espao para guardar bicicletas, estudantes no ptio de
alimentao e ao funda da imagem, a cozinha...................................
80
FIGURA 11 Foto da sala da rdio da escola com o equipamento de
radiodifuso............................................................................................
80
FIGURA 12 Foto da rea de cultivo de horta pelos estudantes.............................. 80
FIGURAS 13 E 14 Fotos de cartazes apresentados no Projeto Comunidade
Quilombola Paratibe 2012: Beleza Negra, valorizando o resgate e
a histria de luta da CNP pela preservao de sua memria.........
91
FIGURA 15 Foto do rosto de Dona Antnia Socorro posto na Secretaria da
EMEFPASSM em sua homenagem...................................................
99
FIGURA 16 Foto do sobrinho-filho Roberto da Silva Santos (Pel) que mostra
o local da antiga Escola Dona Antnia...............................................
100
FIGURA 17 Foto do sobrinho-filho Roberto da Silva Santos (Pel) que mostra
o local da antiga casa de Dona Antnia Socorro...............................
100
FIGURA 18 Foto da educadora de Geografia, Senhora Ivaneide Rosa,
ministrando aula sobre o continente africano no 9 ano A e ao seu
lado uma estudante quilombola segurando o mapa do continente
africano....................................................................................................
143
FIGURA 19 Foto da apresentao de cartazes com o nome do projeto................ 145
FIGURA 20 Foto da vista parcial do ginsio poliesportivo com o secretrio de
educao discursando a respeito da valorizao dos
afrodescendentes e das comunidades quilombolas,
respectivamente......................................................................................
145
FIGURA 21 Foto dos produtos ecolgicos do Projeto Horta na Escola,
respectivamente.......................................................................................
146
FIGURA 22 Foto da atual presidente da Associao CNP, Monica Ferreira da
Silva em discurso, atrs um grupo de capoeira e ao fundo da
imagem educandos assistindo seu discurso.........................................
146
FIGURA 23 Foto da vista parcial de robs do Projeto Robtica na Escola........... 146
FIGURA 24 Foto do ptio interno mostrando alunos no momento da refeio, ao
fundo, exposio de fotos de pessoas quilombolas organizado pela
AACADE e maquetes sobre a CNP.........................................................
146
FIGURA 25 Foto dos estudantes danando o Canto das trs raas........................ 147
FIGURA 26 Foto do momento de dilogo entre educadores e lideranas
quilombolas. Da esquerda para a direita: educadora de matemtica
Maria Leonice ao lado de um educando quilombola. No meio a
educadora de Geografia Ivaneide Rosa. A direita da imagem, uma
das lideranas da CNP, Joseane Perreira (Ana) com seu filho e
sobrinha.........................................................................................................
147
FIGURA 27 Foto do momento em que os educadores homenageavam a
educadora falecida de Cincias, Maria do Socorro da Silva,
em comemorao ao Dia da Mulher realizado no dia 15 de
maro.....................................................................................
152
FIGURA 28 Foto do cartaz sobre o evento que ocorreu na escola sobre o
Seminrio de Meio-Ambiente e o quilombo de Paratibe no
ms de abril de 2013..............................................................
154
LISTA DE TABELAS E GRFICOS
TABELA 1 Estudantes quilombolas por idade (2012) 138
TABELA 2 Reconhecimento da construo predial/residencial pelos estudantes
quilombolas (2012)
140
GRFICO 1 Estudantes quilombolas e no quilombolas do turno da tarde
(2012)
138
GRFICO 2 Entrevistas semiestruturadas realizadas por ano escolar
(2012).
139
GRFICO 3 Grupos tnico-raciais entre os estudantes (2012) 139
GRFICO 4 Estudantes quilombolas que foram vtimas de preconceito racial
(2012)
140
GRFICO 5 Grupos tnico-raciais entre os educadores (2012) 142
LISTA DE SIGLAS
AACADE Associao de Apoio s Comunidades Afrodescendentes
ADCT Atos de Disposies Constitucionais Transitrios
AJA Alfabetizao de Jovens e Adultos
ASQ Agenda Social Quilombola
CETEB Centro de Ensino Tcnico de Braslia
CF Constituio Federal
CNE-CP Conselho Nacional de Educao da Cmara Plena
CNP Comunidade Negra Paratibe
CNNB Congresso Nacional do Negro Brasileiro
CONAQ Coordenao de Articulao das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DCNEEQEB Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Escolar Quilombola
na Educao Bsica
DF Distrito Federal
DOU Dirio Oficial da Unio
EJA Educao de Jovens e Adultos
EMEFPASSM Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia do
Socorro da Silva Machado
FCP Fundao Cultural Palmares
FNB Frente Negra Brasileira
GESTAR Grupo de Pesquisa: Territrio, Trabalho e Cidadania.
IES Instituies de Ensino Superior
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional
MEC Ministrio da Educao
MNB Movimento Negro Brasileiro
MNU Movimento Negro Unificado
NEABIS Ncleo de Estudos Afro-brasileiros e Indgenas
OIT Organizao Internacional do Trabalho
ONGs Organizaes No Governamentais
PBQ Programa Brasil Quilombola
PCNs Parmetros Currculos Nacionais
PMJP Prefeitura Municipal de Joo Pessoa
PNPIR Poltica Nacional de Promoo da Igualdade Racial
PVM Programa de Valorizao do Magistrio
RTID Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao
SECADI Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso.
SEPMJP Secretaria de Educao da Prefeitura Municipal de Joo Pessoa
SEPPIR Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial
TEN Teatro Experimental Negro
SUMRIO
CAPTULO 1 ............................................................................................................ 16
Do cho da pesquisa s dinmicas do conhecimento: mtodo e referencial
terico-metodolgico ................................................................................................. 16
1.1 Palavras para iniciar .......................................................................................... 16
1.2 A caminhada metodolgica na escola ................................................................ 24
1.3 A pesquisa documental: fontes tericas pesquisadas .......................................... 37
1.4 A pesquisa de campo: vivncias no cotidiano .................................................... 40
CAPTULO 2 ............................................................................................................ 45
A Comunidade Negra Paratibe, uma histria da educao sobre os negros e a
Geografia escolar na educao quilombola .............................................................. 45
2.1 O processo de construo do territrio da Comunidade Negra Paratibe .............. 45
2.2 As relaes raciais na educao: uma reviso histrica sobre uma educao
diferenciada para comunidades quilombolas ............................................................ 55
2.3 As contribuies do ensino de Geografia no contexto da pedagogia quilombola:
construo da cidadania e da identidade territorial quilombola ................................ 73
CAPTULO 3 ............................................................................................................ 94
A relao do currculo quilombola com a Lei 10.639/03 e a formao do educador
de Geografia em questo. .......................................................................................... 94
3.1 Da Escola de Dona Antnia Escola Municipal Professora Antnia Socorro da
Silva Machado: ....................................................................................................... 95
3.2 O currculo escolar quilombola em debate: desafios e conquistas na construo de
uma identidade territorial quilombola e na superao do racismo .......................... 106
3.3 Formao do educador de Geografia: prticas / metodologias educativas em sala
de aula .................................................................................................................. 123
CAPTULO 4 .......................................................................................................... 130
Uma anlise da prtica escolar do ensino de Geografia para o fortalecimento da
identidade territorial quilombola e da luta antirracista ........................................ 130
4.1 O acompanhamento em sala de aula: anlise da realidade encontrada .............. 130
4.2 As prticas do ensino de Geografia no Ensino Fundamental II: em busca de uma
identidade territorial quilombola e de uma luta antirracista .................................... 131
4.3 A pesquisa de campo em sala de aula: reflexes sobre o ensino de Geografia e
contradies da realidade social ............................................................................ 157
Outras palavras sem finalizao ............................................................................. 168
REFERNCIAS ...................................................................................................... 172
Apndice 01 .............................................................................................................. 184
Apndice 02 .............................................................................................................. 189
Apndice 03 .............................................................................................................. 192
Apndice 04 .............................................................................................................. 193
Anexo 01: Quadro atual da poltica de regularizao de territrios quilombolas no
INCRA ..................................................................................................................... 194
Anexo 02: Certido de Autorreconhecimento ............................................................ 195
Anexo 03: Delimitadas e demarcadas do RTID realizada pelo INCRA sobre o Territrio
Quilombola de Paratibe ............................................................................................. 196
Anexo 04: Normas Internas da EMEFPASSM .......................................................... 197
16
CAPTULO 1
Do cho da pesquisa s dinmicas do conhecimento: mtodo e referencial
terico-metodolgico
1.1 Palavras para iniciar
Este estudo sobre as contribuies da Geografia Escolar para uma educao
quilombola trata da relao Escola e Comunidade Quilombola que envolve duas
realidades, tanto o contexto das tenses curriculares do ensino-aprendizagem, quanto os
conflitos e contradies resultantes das questes tnico-raciais em um territrio
quilombola urbanizado.
Para construir essa narrativa, consideramos necessrio realizar breves
comentrios sobre a Comunidade Negra Paratibe (CNP) e a Escola de Ensino
Fundamental Professora Antnia do Socorro da Silva Machado (EMEFPASSM)1,
mesmo que esses itens sejam tratados de modo mais contundente em outro momento da
pesquisa. Ao discorrer sobre as inquietaes encontradas na pesquisa, se torna
necessria uma ateno aos adjetivos presentes no texto, para no empobrecer a
realidade e sentenci-la, mas sim para atingir o mago da palavra correta.
A Comunidade Quilombola estudada, segundo Cavalcante (2007), atualmente
conta com 130 famlias cadastradas na Fundao Cultural Palmares (FCP) e tem o
Certificado de Auto-Reconhecimento emitido por esse rgo governamental, em julho
de 2006. A CNP vem sofrendo com um rpido e agressivo avano da especulao
imobiliria, perdendo grande parte de seu territrio, com a expanso da malha urbana de
bairros e loteamentos populares adentrando seu territrio na dcada de 1980; com a
construo da Rodovia Estadual PB-008 (Joo Pessoa Jacum) na dcada de 1990; o
desmatamento da Mata da Portela2 (reserva de mata Atlntica com mangue) em 1990; e
1 A partir desse momento faremos uso da sigla CNP para nos referirmos a Comunidade Negra Paratibe e
da sigla EMEFPASSM, para nos referirmos a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora
Antnia do Socorro da Silva Machado. 2 A Mata da Portela conforme depoimentos dos moradores citados, inclusive, no Laudo Antropolgico
considerado o maior bem da comunidade. Cf: PERALTA, Rosa Lima. Desenvolvimento e
Sustentabilidade: Novas Interfaces para a luta Quilombola. Disssertao de Mestrado, UFPB PRODEMA,
2012 p. 63 h ttp://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2287
http://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2287
17
o surto de pragas em plantas frutferas que ocorreu tambm na dcada de 1990, (que
garantiam o sustento das famlias). Todas essas aes transformaram radicalmente as
relaes espaciais e raciais.
Quanto escola pesquisada, est atualmente inserida fora do territrio da CNP
de acordo com Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao (RTID)3, elaborado
pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), sobre o territrio
quilombola da Comunidade Negra Paratibe (CNP). Sabe-se que o terreno da escola
estudada, localizado entre a Rua Jacarand e/ou Rodovia Estadual PB-008, foi doado
pela Diretora Fundadora da referida escola, a educadora Antnia Socorro da Silva
Machado4, natural de Paratibe, Prefeitura Municipal de Joo Pessoa-PB, em 1972,
para a construo de uma escola.
Antes dessa doao desse terreno Prefeitura Municipal de Joo Pessoa,
segundo estudos realizados anteriormente sobre Dona Antnia Socorro, ela comeou a
ensinar sozinha em uma pequena escola ao lado de sua casa dentro de seu terreno,
dedicando-se apenas s pessoas da prpria comunidade (LIMA, 2010, p. 50), assunto
esse que iremos discutir melhor mais adiante.
primeira vista, a EMEFPASSM se apresenta como as outras escolas da Rede
Municipal de Ensino de Joo Pessoa. A escola tem como idade prioritria a faixa etria que varia
de 5 a 16 anos e a quantidade de educandos significativa, em especial no turno da tarde, quando
funciona o Ensino Fundamental II, com o 6 ano (turmas A, B e C); 7 ano (turmas A e B); 8 ano
(turmas A e B) e 9 no (turmas A e B) e parte do Ensino Fundamental I (4 e 5 anos).
Atualmente, a EMEFPASSM alm de oferecer vagas para o Fundamental I e II
durante a manh e tarde, respectivamente, tambm oferece vagas para o Ensino de
Jovens e Adultos (EJA) e Alfabetizao de Jovens e Adultos (AJA) noite. Assim,
atende crianas, jovens e adultos no s da CNP, mas tambm de bairros
3 O Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao (RTID) realizado por uma equipe de antroplogos
liderando por Maria Ester Fortes, do Servio de Regularizao de Territrios Quilombolas do Instituto
Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA - Superintendncia Regional 18 Paraba referente
ao territrio da Comunidade Negra Paratibe foi finalizado em novembro de 2012 e publicado no Dirio Oficial da Unio (D.O.U) no dia 26 de dezembro de 2012, tornando-o um documento pblico. Ele contm
a delimitao e a demarcao do territrio do quilombo pesquisado, que deixou de englobar grandes reas
que lhes pertenciam at ento, como resultado do avano agressivo e descontrolado da invaso da malha
urbana, causado pela forte especulao imobiliria. Em toda a rea ao redor da EMEFPASSM atualmente
h condomnios particulares e o prprio terreno em que est localizada a escola pertence Prefeitura
Municipal de Joo Pessoa PMJP, tornando, dessa forma, invivel incluir partes de reas, como essas
apresentadas, como pertencentes ao territrio quilombola de Paratibe. 4 Doravante denominada Dona Antnia ou Dona Antnia Socorro, nome pelo que a comunidade se refere
professora e que passamos a adotar neste trabalho.
18
circunvizinhos, contando com pouco mais de 1000 educandos matriculados at o
perodo pesquisado (maio de 2013). Tambm chama a ateno a quantidade de
educandos, quilombolas ou no, quanto s desistncias e transferncias ocorridas no ano
de 2012. A soma de 148 educandos, com ocorrncias dessa natureza referente ao
tempo investigado no ano de 2012 e nenhuma ocorrncia referente at o ms de maio de
2013, segundo as funcionrias da secretaria da escola. Atualmente a escola vem
desenvolvendo trabalhos educacionais em prol de uma educao antirracista e
procurando criar uma sintonia, mesmo que delicada e problemtica, de interesses em
comum com a comunidade quilombola.
A preocupao de fazer com que os Parmetros Currculos Nacionais (PCNs)
(BRASIL, 1998a) atendam a aos diversos segmentos educacionais no Brasil,
contemplando todas as temticas, levando em considerao a realidade vivida dos
lugares e nas instituies de ensino bsico, torna-se componente de ateno estudar as
expresses afrodescendentes.
A presente pesquisa tem como foco central, investigar contribuies da
Geografia escolar para uma educao quilombola a partir das prticas escolares
vivenciadas em sala de aula numa escola, nesse caso a EMEFPASSM5, que como j
foi ressaltado atende educandos oriundos do territrio quilombola da CNP.
No entanto, a pesquisa tambm envolvida em trs focos especficos que so,
compreender como o ensino de Geografia pode construir prticas escolares na Educao
Quilombola a partir da formao territorial da Comunidade Negra Paratibe, refletir
sobre o currculo quilombola e o papel do educador de Geografia e interpretar as
prticas de ensino de Geografia, considerando os limites e possibilidades da educadora
de Geografia.
Foi investigado do ponto de vista terico-metodolgico autores que formam
a base de argumentao deste trabalho a exemplo de Brando (1985a, 1985b, 1986),
Freire (1976, 2011a, 2011b), Apple (1986, 2008), Renato Santos (2009a, 2009b, 2010),
Anjos (2001, 2005a, 2005b), Serrano (2010), Carril (2006a, 2006b), DAdesky (2005),
Nascimento (1978, 1983), entre outros autores, a fim de tentar responder s inquietaes
desta pesquisa.
5Deixamos transparente nossa participao para com a educadora da disciplina de Geografia, contribuindo
no levantamento de referncias bibliogrficas e prticas pedaggicas com o intuito de enriquecer seus
referenciais tericos, metodolgicos e epistemolgicos, assim como analisar suas aulas.
19
A proposta de investigao e o referencial terico utilizado buscam desvendar os
contedos e as estratgias de ensino utilizadas na escola mencionada, que se diferencia
das demais escolas por atender educandos quilombolas; buscamos, portanto, investigar
uma educao que promova uma identidade territorial e tnico-cultural e a superao do
racismo por intermdio de uma pedagogia diferenciada para um pblico diferenciado.
Ou como afirma Muniz, trata-se de um:
[...] estudo, que se prope a refletir sobre as experincias e o processo educativo que o
quilombola promove percebendo se o currculo escolar aborda nos conhecimentos sistematizados desenvolvidos, somente a cultura dominante ou as questes raciais
reforando a cultura a que pertencem. E nesse ambiente de educao que se pretende
penetrar para pesquisar sobre a sua ao pedaggica (2011, p. 1).
Para tanto, a concretizao dessas experincias e desse processo educativo na
pedagogia quilombola parte de um percurso histrico de estudos sobre a frica e a
influncia desse continente nos desdobramentos temporais e espaciais no Brasil, destacando seu
papel histrico no processo de construo do territrio brasileiro e a formao plural do povo e de
sua cultura.
Iniciamos o primeiro captulo desta dissertao, apresentando uma discusso do
mtodo e dos procedimentos metodolgicos, utilizados na construo de toda a
discusso investigativa, mostrando as razes de nossos posicionamentos polticos e
ideolgicos, mas tambm reconhecendo os limites e as possibilidades investigativas
para tentar interpretar uma parte da totalidade social, uma vez que reconhecemos a
inexaurvel busca para compreender toda a realidade presenciada na escola pesquisada e
na CNP e, finalmente, apresentaremos uma anlise do que vem a ser o conceito de
territrio tnico ou territrio afrodescendente.
Dividimos a apresentao dos procedimentos metodolgicos em dois momentos:
o primeiro se refere s observaes tericas, com apresentaes de autores e
documentos que acreditamos ser relevantes para a pesquisa; e o segundo se refere s
estratgias da pesquisa de campo, tanto para descobrir sobre a fundao da escola em
foco, quanto para conhecer as contribuies da Geografia escolar na experincia inicial,
que a escola vem construindo em prol de uma educao quilombola.
No segundo captulo abordaremos a construo do processo territorial da CNP
at os dias de hoje, para tanto, recorremos as poucas pesquisas sobre quilombos urbanos
e ao auxlio de imagens de satlite e mapas; apresentaremos um recorte histrico sobre a
insero dos negros na educao, desde a colonizao at no incio do sculo XXI,
assim como as lutas e tenses para serem implementadas polticas pblicas de aes
20
afirmativas em educao nos territrios quilombolas; como ltimo tpico trazemos uma
discusso sobre o que vem a ser a educao quilombola e o papel da Geografia escolar
nessa modalidade de educao diferenciada.
Os dilogos entre a EMEFPASSM e a CNP sero investigados no/com o
trabalho de campo, a partir de uma pesquisa que procura participar da realidade escolar
no referido territrio quilombola.
A ausncia de trabalhos sobre o campo da Geografia escolar na pedagogia
quilombola dificulta um entendimento em comum e, dessa maneira, reconhecemos a
necessidade de convidar autores de diversas reas do conhecimento, que dialogam como
essa pesquisa, alm de outros que debatem a temtica, aproximando teorias de reas
afins. Portanto, a educao e a Geografia dialogaro em toda a pesquisa, tambm no
deixando de mencionar outras temticas no menos importantes para o debate.
Quanto ao terceiro captulo, traremos como pauta a EMEFPASSM com seus
elementos constituintes, como o currculo, com os seus dilemas e alternativas; os
educadores, com seus posicionamentos polticos e ideolgicos favorveis ou no, na
construo de uma educao diferenciada; a direo escolar e suas tentativas de criar
um dilogo, mesmo que atropelado, com as lideranas quilombolas e o livro didtico,
com seus contedos insuficientes para construir uma mentalidade crtica e poltica nos
educandos.
Dividimos o terceiro captulo em trs momentos, o primeiro se refere histria
sucinta da escola pesquisada e de sua fundadora, Dona Antnia Socorro; o segundo
momento se refere ao discurso sobre o que vem a ser um currculo, sua relao com a
Lei 10.639/03, e como utilizado na realidade escolar em Paratibe, e, o terceiro
momento, que se refere formao dos educadores, em especial os de Geografia com as
divergncias e convergncias polticas, assim como sua relao com os educandos, uma
vez sabendo da realidade problemtica estudantil enfrentada pela escola tratada.
No quarto captulo, nos lanamos nas experincias das aulas de Geografia
visando contribuir para uma educao quilombola na escola em foco, mediante a
formao da educadora de Geografia sobre a temtica em questo. Ressaltamos que
esta, mesmo com seus limites tericos, metodolgicos e epistemolgicos, buscou
superar as dificuldades e encontrou prticas que visa possibilitar o fortalecimento da
identidade territorial quilombola e da superao do racismo, assim como posssibilitou
um dilogo com educandos que no so quilombolas, promovendo assim uma educao
inclusiva, na qual esses educandos possam conhecer um ao outro e desmistificar valores
21
preconceituosos, de no privilegiar um em detrimento de outrem, que as identidades
juvenis dialoguem e percebam as expressividades de suas diferenas.
Este ltimo captulo est organizado em dois tpicos: o primeiro, descrevendo o
convvio entre ns e os sujeitos da escola e do quilombo que foi percebido em sala de
aula e no Quilombo Paratibe, destacando em cadernos de campo e em gravadores os
momentos mais significativos, ao observarmos, participarmos e articularmos em
conjunto com educadores, educandos, lideranas quilombolas e direo, os rumos da
construo de uma educao quilombola; No segundo momento, realizamos uma
anlise do que foi observado durante o convvio, por intermdio de autores que
discutem a importncia do trabalho de campo e a relevncia do continente africano
nessa escola. A anlise tem por finalidade tentar desvendar o que foi presenciado.
A compreenso da totalidade detalhada desta temtica quilombola,
evidentemente, no ser esgotada com esta pesquisa; ao contrrio, o trabalho possibilita
gerar novas inquietaes, novos olhares capazes de atentar e despertar para as relaes
racistas presentes nas escolas em geral e, em especial naquelas localizadas em territrios
quilombolas, ou que recebam alunos oriundos de quilombos. necessrio que surjam
debates acadmicos, com condies de desmistificar as falsas ideias de neutralidades
acadmicas e escolares e que apresentem possibilidades de militncia participativa ps-
pesquisa, que intelectuais militantes aprofundem suas teoria e prticas polticas, mesmo
apresentando algumas contribuies e elementos de autores que discutem a temtica da
pesquisa participante.
Fazemos meno tanto a Reis e Gomes (1996), quando estes comentam a
representao histrica das comunidades quilombolas para a sociedade brasileira atual
como [...] uma histria cheia de ciladas e surpresas, de avanos e recuos, de conflitos e
compromissos, sem um sentido linear, uma histria que amplia e torna mais complexa a
perspectiva que temos de nosso passado (p. 23); quanto a Gomes (2005), com suas
hidras e pntanos, ao reforar nossa preocupao de conhecer as lutas estratgicas de
sobrevivncia dessas comunidades quilombolas e o impacto que causaram e que ainda
causam sociedade brasileira. Neste sentido:
[...] metfora que assemelhava o quilombo Hidra de Lerna. Lembremos: a
Hidra no podia ser destruda, posto que de cada uma de suas cabeas
cortadas pelos oponentes renasciam outras duas. [...] Nosso ponto de partida
neste estudo foram justamente os pntanos onde moravam as hidras. [...]
Nossa preocupao foram tanto as hidras/quilombos como os
pntanos/cenrios socioeconmicos e demogrficos em que se constituram
suas experincias histricas (p. 35).
22
Outra questo importante se deve a constante mudana que estas comunidades
sofrem ao decorrer da transformao do sistema poltico brasileiro, assim nos referimos
ao uso comum e a diviso do territrio. Ao longo da histria do Brasil, essas comunidades
quilombolas, que se comportavam como hidras e pntanos, agora assumem uma nova forma de
resistncia aos novos interesses do capitalismo.
Esses descendentes quilombolas que antes utilizavam seus territrios a partir de uso
comum de terras, continha reas que tinnha significados particulares, como os terreiros das casas
ou alguma plantao particular, entretanto, no existiam cercas, eram independentes da lgica de
mercado. Atualmente se torna difcil manter essas caractersticas, tanto por uma questo de defesa
de seus territrios, quanto dos laudos antropolgicos sobre seus territoriais, elaborados pelo
Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) que, dessa maneira, terminam por
limitar o territrio.
Ao longo deste trabalho, destacamos a contribuio de alguns autores, a exemplo
de Callai (2011), que nos faz acreditar serem interessantes algumas provocaes que se
traduzem em indagaes iniciadas com os seguintes termos: como, para quem, para qu
e por qu? Ao realizar uma anlise geogrfica necessrio envolver todos os elementos
a fim de guiar uma leitura atenta dos desafios encontrados para uma educao
diferenciada de consolidao quilombola e antirracista, para no deixar a discusso
aleatria. Essa anlise geogrfica realizada a partir da Geografia Escolar, de uma
anlise social e espacial e de um dilogo interdisciplinar na/da escola.
Tambm nos interessa refletir sobre: quem so as personagens (educadores e
educandos) envolvidas nessa trama? Que escola essa? Que se apresenta como um
espao em que existem problemas e solues? Em que contexto essas personagens e
espaos se configuram?
So com essas inquietaes que a empreitada da relao ensino-aprendizagem
tomada pela grande tarefa do sujeito que pensa certo no transferir, depositar,
oferecer, doar ao outro (FREIRE, 2011a, p. 38-39), no entanto, de unir, de estimular
ao educando a produzir, a criar, a transformar a compreensao do que est sendo
comunicado. Com isso podemos perceber que, quem melhor que os educadores e
educandos quilmbolas em escolas quilombolas, ou mesmo educadores que lecionam em
escolas que atendem a educandos oriundos de territrios quilombolas, para sentir e
compreender a necessidade de construir uma identidade territorial quilombola,
23
combater/superar o racismo6 escolar e incentivar uma permanente incluso
escolar/social?
Pretendemos mostrar justamente o inverso de qualquer reducionismo, revelando
as constantes mutaes e as limitaes dos resultados, ao mesmo tempo em que
buscamos aproximar de uma verdade, de uma parcela da totalidade e aberto
diversidade terica e prtica que nunca se esgota, que procura mais ensaios e perguntas
do que respostas.
Como se do as reais estratgias de execuo de um estudo de Geografia que
atente para questes espaciais ao envolver uma educao quilombola na escola? Qual o
papel da escola e do poder pblico municipal que exerce sobre a realidade dos
educadores e dos educandos? Qual o papel dos educadores e da formao acerca dos
temas relacionados aos quilombolas e do ensino de Geografia com suas teorias e
prticas em sala de aula e em campo para os jovens educandos quilombolas? Existe
alguma interao entre a escola e a comunidade quilombola? Qual o papel de uma
educao diferenciada para a construo de sua cidadania e de sua identidade? Mais do
que isso, como a Geografia escolar, por meio de uma educao diferenciada para
quilombolas, exerce seu papel na formao cidad, no combate ao racismo e na
construo e fortalecimento de uma identidade territorial quilombola? Afinal, como esse
papel idealizado e como ele realmente exercido?
Diante desses questionamentos podemos, de forma geral, indagar por que as
realidades vivenciadas pelas comunidades quilombolas so desencontradas das polticas
pblicas de aes afirmativas em educao para seus descendentes? Ser pelo fato de
que muitas vezes essas polticas ignoram outros contextos sociais que esto mascarados
nessa relao como a violncia, ou at mesmo essas polticas pblicas serem construdas
sem primeiro compreender o que so e quem so essas comunidades quilombolas e seus
habitantes, entre outros? Por que ser que alguns segmentos da elite brasileira, muitas
vezes racistas, se incomodam com o que escolas em territrios quilombolas podem
construir no pensar desses jovens quilombolas, uma vez sabendo que a pedagogia
quilombola norteia um olhar antirracista e de fortalecimento de sua identidade,
6 De acordo com o Dicionrio Bsico de Filosofia (JAPIASS; MARCONDES, 2006, p. 234) a
etimologia da palavra Racismo significa: "(in. Racialism; fr. Racisme; al. Rassismus; it. Razzism).
Doutrina ou crena preconceituosa admitindo e afirmando a desigualdade das raas humanas
(consideradas independentemente dos cruzamentos, pois as identifica com etnia ou comunidade de
cultura) e que, na prtica, no s defende a existncia de raas superiores puras, mas se manifesta por
atitudes ou comportamentos estereotipados de xenofobia individual e coletiva. Ao pregar a inferioridade
racial, constitui uma perversidade moral. No sculo XIX, as ideias racistas buscaram uma fundamentao
cientfica (Gobineau).
24
resistindo aos interesses de dominao sobre os territrios quilombolas? A escola est
conseguindo atingir seus objetivos de formao de cidados crticos, que assumam uma
posio crtica no/do mundo? Que resultados sero apresentados, encontrados? Esses
resultados iro possibilitar uma condio melhor para se trabalhar uma educao
quilombola?
Deixamos aqui essas indagaes ao mesmo tempo que acreditamos nas
discusses realizadas nesta pesquisa, pois possibilita uma leitura e com interpretaes
sobre os territrios quilombolas e suas dinmicas, sobretudo no campo educacional.
1.2 A caminhada metodolgica na escola
Embora esta investigao seja conduzida por um pesquisador e, muitos
resultados conseguidos sejam frutos do seu trabalho de investigao, existe uma gama
de sujeitos envolvidos, sobretudo aqueles que compem a CNP e a EMEFPASSM,
sujeitos com os quais interatuamos ao longo da inquirio. A partir dessa assero e, em
decorrncia da trajetria empreendida, concordamos com Giocomelli (2001) sobre a
importncia da utilizao do ns, porque esta pesquisa envolve os mais variados
sujeitos:
Com efeito, houve, e h, momentos em que o eu seria pretensioso, at
arrogante, no apresentar ideias, umas consideraes, teorias, quase como se
elas tivessem nascido de mim mesmo: h ideias que so de todos, que vm
pela contribuio de muitos, e um ns narrador expressa melhor essa alma
coletiva. Mas h narraes, reflexes, perguntas, das quais o eu que tem
que assumir responsabilidade, e se oferecer, expondo-se, acolhida, crtica,
avaliao, e ao dilogo com os demais (p. 6).
Reafirmamos, portanto, que o processo de construo deste trabalho deu-se a
partir de interrelaes sociais, de uma prxis coletiva que se deu num contexto plural e
complexo. Procuramos nos colocar em todo o percurso da investigao, em contato com
os sujeitos sociais transformadores (educadores, direo escolar, educandoss, servidores
da escola, lideranas quilombolas, idosos, familiares, entre outros), por conseguinte
acreditamos que esses sujeitos investigados, no dinamismo da inquirio enriquecem a
anlise com seus conhecimentos. Com esta postura, negamos o positivismo da
neutralidade escolar. Buscamos manter um posicionamento aberto s crticas, de
maneira que possibilite expandir novos caminhos de inquirio nas pesquisas
bibliogrficas e nos trabalhos de campo.
25
Procuramos desse modo, ao investigar os tensionamentos existentes entre os
sujeitos estudados na escola pesquisada e na CNP, expor nossa opo terico-
metodolgica, quando nos somamos aos autores que nos trazem preocupaes com as
tenses histricas e dialticas. Como nos advertem Marx e Engels:
A histria nada mais do que a sucesso de diferentes geraes, cada uma
das quais explora os materiais, os capitais e as foras de produo a ela
transmitidas pelas geraes anteriores; ou seja, de um lado, prossegue em
condies completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de
outro lado, modifica as circunstancias anteriores atravs de uma atividade
totalmente diversa (1986, p. 71).
Nas argumentaes citadas, os sujeitos sociais mantm uma ligao com a
natureza enquanto componente primordial para a sua existncia. Essas [...] relaes
humanas com o mundo, [...] so no seu comportamento objetivo ou no seu
comportamento perante o objeto a apropriao do referido objeto, a apropriao da
realidade humana (MARX, 2006, p. 141), que em condies e circunstncias diferentes
esto presentes nas tenses histricas e dialticas.
Sobre as tenses histricas e dialticas, Demo (1995, p. 91) lembra que o
pressuposto fundamental para compreend-las como parte de uma contradio histrica,
mas tambm da formao social enquanto uma realidade decorrente do processo
histrico com alguma organizao, em que ocorrem fenmenos sociais em diferentes
escalas geogrficas.
Existe nessa realidade contraditria uma diversidade de elementos geogrficos e
histricos que se manifestam na escala local, regional e internacional, cujas
contradies exigem uma fora organizativa para ser superada. Lembramos agora da
complicada discusso sobre identidade tnico-cultural quilombola e a necessidade de
superao do racismo em escolas quilombolas, ou em escolas que atendem um pblico
quilombola.
Ao trazermos esse tema para o debate, queremos destacar que [...] no h
histria sem conflitos, mesmo porque histrico por causa dos conflitos, na vestimenta
tpica de certa fase e que se supera com ela [...] (DEMO, 1995, p. 91), logo, o contexto
conturbado demonstra uma constante luta de grupos sociais que buscam superar as
contradies histricas, mesmo reconhecendo que [...] a dialtica deve reconhecer sua
necessria modstia metodolgica. No explica tudo (DEMO, 1995, p. 93), assim,
reconhecemos que mesmo a dialtica marxista, apresentado aqui como mtodo basilar
nesta anlise, no pode dar conta de todas as respostas ou explicar toda a realidade,
26
porm acreditamos que a escola e a comunidade quilombola pesquisadas sejam um
terreno ubrrimo de contradies e conflitos sociais, polticos, educacionais, tnicos e
culturais.
O materialismo histrico dialtico fornece ferramentas para se pensar essas
contradies, embora reconheamos a necessidade de recorrer a autores que partilham
outras vises de mundo, que no seja necessariamente materialista-dialtico, dialogando
tambm com outros entendimentos a fim de encorpar meios de compreender, ou at
mesmo desvendar, a realidade encontrada.
Dando continuidade a reflexo na perspectiva do materialismo histrico dialtica
e destacando a relevncia de posicionamentos dos pesquisadores frente ao seu tempo e
aos temas investigados, apresentamos algumas observaes de Gramsci (1982) sobre a
importncia do intelectual na sociedade e na histria, quando esse autor reflete sobre a
especificidade do papel do intelectual, e sobre esse tema afirma que:
[...] nascendo no terreno originrio de uma funo essencial no mundo da
produo econmica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgnico,
uma ou mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e
conscincia da prpria funo, no apenas no campo econmico, mas
tambm no social e no poltico (p. 03).
Com isso, Gramsci (1982) aponta a distino entre as diferentes escalas e
especificidades do trabalho intelectual ao argumentar que [...] todos os homens so
intelectuais, poder-se-ia dizer ento: mas nem todos os homens desempenham na
sociedade a funo de intelectuais [...], desse modo afirma a no existencia de no-
intelectuais, mas existe uma relao desigual no [...] esforo de elaborao intelectual-
cerebral e o esforo muscular-nervoso (p. 07). preciso que o intelectual reflita sobre
as relaes dos grupos pesquisados para compreender suas relaes socioespaciais
desiguais. Esses intelectuais orgnicos ou sujeitos investigados da CNP e da
EMEFPASSM que se interligam com o trabalho, com os valores culturais e com a
organizao poltica do grupo pesquisado, fazem parte dessa trama que engendra o
saber popular e cria possibilidades de emancipao desses grupos subalternos. Na
tessitura da educao quilombola, isso se faz fundamental.
Em acatamento s escolhas e procedimentos terico-metodolgicos adotados na
pesquisa, selecionamos autores que cimentam a discusso terica a respeito do tema
pesquisado, ao mesmo tempo em que buscamos realizar um tratamento do tema
exausto, levando em conta a ideia da totalidade social.
27
De acordo com esse entendimento, utilizamos autores que discutem mecanismos
investigativos pedaggicos e curriculares, como Freire (2011a, 2011b), Brando (1985a,
1985b) Apple (1986, 2008) Silva e Silva; Moreira (1999, 1995); autores que tratam do
entendimento de uma educao quilombola, como Moura (2011), Par; Oliveira;
Velloso (2010), Miranda (2012) e Cunha (2011); autores que trazem contribuies ao
ensino de Geografia nas comunidades quilombolas, tais como Santos (2009a, 2009b,
2010), Anjos (2001, 2005a, 2005b), Serrano (2010) e Ratts (2010); autores que
discutem territrios tnicos, como Santos (2009a, 2009b, 2010), Carril (2006a, 2006b),
Campos (2001) e Anjos (2009a) e autores que discutem cultura como Laraia (2008),
DAdesky (2005); autores que discutem raa, identidade e etnia, como Ferreira (2009),
Poutignat (2011), Santos, (1984, 1999), Munanga (2005), Nascimento (1978, 1983),
Moura (1983), Schwarcz (1993, 1996) e DAdesk (2005).
Esses mecanismos investigativos de estudos centrais desta pesquisa, demonstram
a tentativa de responder inquietaes sobre a complexidade do tema, assim, envolve
reas que dialogam entre si e que precisam de uma ampliao a fim de tornar possvel
um estudo que contribua para os interesses dos sujeitos investigados.
Encaramos essa investigao ao mesmo tempo com confiana, mas tambm com
autocrtica, quando sabemos que no podemos nos curvar a verdades absolutas, a vises
reducionistas, no pretendemos enterrar novas possibilidades de estudos que podero
nascer com esta pesquisa, nem restringir nossa autonomia.
Cultivamos a observao para [...] aprimorar a percepo, refinar a
sensibilidade, ampliar horizontes de compreenso, comover-se diante de prticas,
pequeninas na sua forma, calorosas e desprendidas no seu ntimo (OLIVEIRA, 1998,
p. 19). Isso nos faz saber que no exerccio da anlise estamos constantemente
aprendendo a pesquisar e que a prtica nos aproxima de uma verdade, da perfeio, da
totalidade.
Quando o pesquisador, gegrafo, analisa espaos geogrficos, deve estar
consciente das informaes que pode fornecer ao poder do Estado de modo a permitir
aes subsequentes sobre as pessoas investigadas.
O modo de produo capitalista, ao se apropriar do espao geogrfico, procura assegurar
de forma cada vez mais eficiente, como instrumento de acumulao e de poder da (re)produo
infinita de mercadorias para circulao e consumo no espao global de forma que corresponda s
suas necessidades concretas. No entanto, importante realar que, mesmo no modo de produo
capitalista, a Geografia pode promover uma transformao social por parte daqueles que
28
pretendem transform-la para as necessidades reais de nossa sociedade e de nossa poca, desse
modo, fazer com que o espao geogrfico seja fruto tambm das reivindicaes de grupos
subalternos, como reflexo das contradies e dos conflitos existentes na lgica capitalista de
(re)produo. Essa observao nos faz compreender que [...] o capital descobriu o espao
geogrfico. Resta saber quando o descobriro os que se ope sua ditadura (MOREIRA, 1982,
p. 34).
Na mesma direo de apreciao, Lacoste (1988) preconiza que:
Uma vez que a pesquisa do gegrafo leva produo de um saber
estratgico, uma vez que pode a haver contradio entre os interesses da
populao que foi objeto das pesquisas e os de uma minoria que est em
condies de utilizar, em proveito prprio os resultados dessas pesquisas,
preciso encontrar o meio para que essa populao disponha, tambm, desse saber estratgico, a fim de que possa melhor se organizar e se defender (p.
173-174).
Nessa apreciao de Lacoste (1988), entendemos a necessidade de perceber que
somos agentes de informao e que temos um papel fundamental na compreenso das
relaes do poder; desse modo, compreendemos que preciso que os sujeitos
pesquisados sejam informados sobre o caminhar da investigao. Cabe a eles autorizar
ao pesquisador o acesso a informaes sobre sua vida e sobre a comunidade a que se
vinculam, da mesma forma que lhes compete autorizar a publicao de depoimentos e o
uso de imagens. A restituio de resultados s pessoas e s instiuies, parciais ou
completos, tambm instiga que o grupo pesquisado participe e colabore com a
investigao durante os estudos.
Cicourel (1980), ao estudar um grupo social, afirma que nos tornamos
estrangeiros aos olhos deles e, com isso, iniciamos um meio para entender as condies
do observador em dar um significado ao perceber e interpretar o outro e o outro, ao
observador. Chamamos a ateno para a relao pesquisador (observador) e pesquisado
(observado), que se configura em uma participao (observao) entre o estrangeiro e o
nativo, quando o pesquisador observa e tambm observado, transformando e sendo
transformado nessa realidade.
Adotamos nesta pesquisa o papel do participante como observador, condizente
com os estudos em comunidades, como norteia Cicourel (1980): [...] nos estudos de
comunidades, nos quais o observador constri relaes com os informantes lentamente
e onde pode usar mais tempo e energia na participao do que na observao (p. 11).
A aproximao desse tempo e dessa energia, tambm pode se dar na relao
ensino-aprendizagem, quando Freire (2011a), ao mencionar que:
29
[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. [...]
A capacidade de apreender, no apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para
transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a... [...] alm do
conhecimento dos contedos bem ou mal ensinados e/ou apreendidos,
implica tanto o esforo de reproduo da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento (p. 25; 67; 96).
a partir de uma educao ajustada com a realidade, de um olhar crtico que
requer uma participao ativa, uma interveno temporal e espacial no mundo que a
construo do conhecimento possa ocorrer numa relao interdependente. O ensino s
existe se houver pesquisa e s existe pesquisa se houver ensino. pesquisando que
aprendemos, que nos tornamos conscientes de nossa inconcluso e nos lanamos na
educabilidade, assim como nessa inconcluso que nos tornamos conscientes de nossa
realidade.
Essa inconcluso, continua Freire (2011b), faz parte do indivduo que continua
buscando uma concluso de uma realidade histrica que tambm no est pronta,
acabada. A educao nasceu aqui com uma constante busca de concluir sua inconcluso
na relao ser humano-mundo.
Alm de Freire (2011b), Brando (1985a) demonstra nfase sobre o ofcio do
educador nas relaes educativas entre dominadores e subalternos numa perspectiva
desigual de poder que existem ao cuidar do sentido de [...] educar, conscientizar,
organizar, participar, pesquisar, comprometer-se na verdade defronta-se com diferentes
modalidades de poder que existem tanto sobre, quanto nas prticas de ao (p. 86).
Outra questo apontada por esse autor diz respeito educao popular,
advertindo que ela aparece em meio a:
[...] um repertrio amorfo de tradies de indgenas, negros, camponeses e
desempregados, em meios de reivindicao da lgica e dos significados da
cultura, surgiram a partir da crtica do sentido poltico da educao e, antes
mesmo, da prpria cultura, logo, do domnio do saber (BRANDO, 1985a,
p.88).
Compreendemos que o homem, aquele que produz cultura, torna-se um ser
histrico, algum que a constri, resultado de um trabalho e dos significados
empregados que so definidos pela conscincia de afirmao.
Portanto, a cultura histrica, visto que a ao humana que constri histria a
mesma que faz cultura. Essa ao se deve ao trabalho e ao dilogo de transformar e
simbolizar o sujeito no mundo, em uma relao contraditria e desigual nas relaes de
poder, a cultura observada como:
[...] o produto do trabalho do homem sobre a natureza e leva mais em conta o
produto feito do que o trabalho inclusive o trabalho poltico do fazer que
30
cria e reproduz a cultura, agora se concebe uma ideia de cultura
subordinando-a s de: trabalho, como modo humano de ao consciente
sobre o mundo; histrico, como campo de realizao e produto do trabalho
do homem; dialtica, como a qualidade constitutiva das relaes entre
homem e a natureza e dos homens entre si, atravs de cujo movimento o ser
humano cria a cultura e faz a histria (BRANDO, 1985b, p. 21).
Essa capacidade de produzir cultura, como afirma Brando (1985b), permite-nos
fomentar um conhecimento coletivo, que comea a mostrar a verdadeira face dessas
pessoas, as formas concretas desse grupo tnico em ter a oportunidade de participar do
uso de seu saber sobre si mesmo e sobre o espao em que vivem. Por conseguinte, esse
grupo tnico no fica apenas na condio de sujeitos sociais pesquisados, mas tambm
assume uma postura de observador, de sujeito ativo, ao tomar noo de sua prpria
realidade que ensina e transforma outrem sobre seu mundo, reescrevendo sua histria,
retransformando seu espao e seu sentido.
Retomando a apreciao, Freire (1976) procura tratar o conceito de cultura como
uma ao do ser humano de transformao e criao que se faz sobre o mundo, uma vez
que a natureza no decorrer do tempo no fez e no far tal transformao e criao,
alm do seu contexto natural.
O ser humano, como ser criador e recriador, se relaciona com a natureza,
necessitando trabalh-la para produzir cultura, ou seja, o ser humano interliga a natureza
e a cultura; essa intermediao se d pelo desenvolvimento tecnolgico do seu trabalho;
alm disso, interessa-nos o comportamento como manuteno cultural de permanencias
e mudanas.
Laraia (2008) permite-nos perceber que o conceito de cultura possibilita a
interpretao da cultura dos descendentes quilombolas. Nessa reflexo apresentado o
ser humano como [...] resultado do meio cultural em que foi socializado (p. 45),
herdando desse modo um processo acumulativo de conhecimento que passa de gerao
a gerao, do esforo da comunidade e no apenas de um nico membro, entretanto,
para que isso tenha efeito, preciso contar com a participao de toda comunidade, com
o mesmo acesso s condies necessrias, que permitem sua criatividade na
transformao da natureza e na construo do conhecimento.
Essa condio de herana cultural sempre foi condicionada a grupos que vivem
sob comportamentos e valores que esto de acordo com os padres normativos da
comunidade, caso algum membro no corresponda e/ou desvie desses padres culturais
normativos, torna-se alvo de discriminao do grupo. Tambm essa mesma condio,
determina o modo como a comunidade deve ver e estar no mundo.
31
Desta forma, o modo de ver e estar no mundo de uma comunidade influencia
diretamente o modo de ver e estar de outras comunidades, ou seja, as culturas
hegemnicas promovem uma forma de impor o seu modo de vida como a nica correta
e/ou superior, afirmando que as outras culturas so erradas e/ou inferiores, assumindo
assim, um aspecto etnocntrico.
Outro aspecto para a discusso se apresenta quanto influencia da cultura sobre
as necessidades biolgicas na vida e na morte de membros da prpria comunidade,
como exemplo, a cura de doenas reais ou imaginrias.
Alm disso Laraia (2008), traz como reao contrria, a apatia, reao
comumente mal interpretada na cultura branca. Segundo esse autor:
[...] africanos removidos violentamente de seu continente (ou seja, de seu
ecossistema e de seu contexto cultural) e transportados como escravos para uma terra estranha habitada por pessoas de fentipo, costumes e lnguas
diferentes, perdiam toda a motivao de continuar vivos. Muitos foram os
suicdios praticados, e outros acabavam sendo mortos pelo mal que foi
denominado de banzo. Traduzido como saudade, o banzo de fato uma
forma de morte decorrente da apatia (p. 75).
Tambm resaltamos um terceiro aspecto, quanto mutabilidade da cultura na
histria e no espao: a cultura portanto dinmica. Essa mudana se deve aos choques
culturais entre geraes e entre culturas diferentes histrica e geograficamente, mas
tambm uma diversidade dentro do mesmo sistema cultural, no qual nem todos seguem
rigorosamente as condies culturais onipresentes.
O Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao do Territrio da CNP - Joo Pessoa
Paraba (BRASIL, 2012a) relata que os mais velhos lembram de Paratibe em tempos de outrora
como um [...] lugar de paz e tranquilidade (p. 78), viviam a partir de um calendrio natural do
meio-ambiente, com as safras influenciadas pelas estaes do ano, com as mars com as fases da
lua. Tambm exerciam outro calendrio por meio das festas religiosas para os santos So Pedro,
Santo Antnio, So Joo, SantaAna, Imaculada Conceio, das festas do coco-de-roda, da
ciranda, dos bailes de sanfona, dos banhos de rio, da lapinha, das romarias/excurses. Atualmente,
essas prticas culturais esto praticamente extintas, na maioria das vezes, s os mais velhos sabem
o valor que representam para a memria da comunidade. Tambm se soma a essa realidade o fato
de outras atividades culturais como a pesca, a destrapao7, a feira no Mercado Central ou no
Mercado de Oitizeiro8, o artesanato, a criaes de animais, os pequenos comrcios e os produtos
7 Processo de desfiar fios de algodo para transformar em bucha de pano, tambm chamado de trapo com
o objetivo de realizar limpeza domstica, muito utilizado na Comunidade Negra Paratibe. 8 O Mercado Central se refere ao Mercado Pblico no bairro Centro de Joo Pessoa, j o Mercado de
Oitizeiro se refere ao Mercado Pblico no bairro de Oitizeiro.
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alimentcios, ainda resistem no dia-a-dia dos mais antigos, passando aos poucos seus significados
simblicos e territoriais para os mais jovens.
Devemos salientar que o nosso olhar sobre o tema proposto, tanto nas leituras
de livros e documentos, quanto nos trabalhos de campo, objetiva a busca de explorar as
fontes necessrias para nos permitir analisar o contexto do ensino de Geografia como
disciplina escolar, que recorre ferramenta pedaggica, compreenso do territrio na
comunidade quilombola estudada.
Para compreender a importncia do territrio nas comunidades quilombolas, em
especial o quilombo urbano de Paratibe, procuramos abordar esse conceito por meio de
autores que discutem especialmente o conceito de territrio e, posteriormente,
discutiremos o conceito de territrios tnicos e/ou territrios quilombolas urbanos.
Alm disso, ampliaremos o debate e traremos autores que apresentam propostas de
como este pode ser trabalhado em sala de aula, alm disso, recorremos a fontes
documentais que tratam sobre a configurao territorial da CNP.
O territrio, considerado como o meio existencial de apropriao da constante
materializao histrica das relaes espaciais de poder, utilizado de maneira
contraditria e desigual em um trabalho projetado e conduzido pelo status quo. A partir
do momento em que existe uma relao espacial de poder, entre um indivduo e ou
grupo social com demais indivduos ou grupos sociais, surge a necessidade de construir
uma interao de identidades, conhecida como territorialidade, que significa um
sentimento coletivo relacionado ao territrio.
A relao entre espao e territrio interpretada por Raffestin, ao argumentar que o
primeiro anterior ao segundo, este ltimo se forma e se apoia a partir da apropriao concreta ou
abstrata do primeiro. O espao , portanto anterior, preexistente a qualquer ao. O espao , de
certa forma, dado como se fosse uma matria-prima (1993, p. 144). O territrio interpretado
como um espao produzido e utilizado, que foi investido trabalho de energia e de informao no
qual perpassam por relaes de poder. J a territorializao, interpretada enquanto construo do
territrio ou processo territorial, no qual se coloca uma funo para determinado espao. E a
territorialidade, interpretada como relao multidimensional entre o coletivo vivido no territrio,
manifestada em todas as aspectos espaciais e histricos (p. 144).
O processo de formao territorial compreendido por Moraes (2002), como
resultado de um processo histrico, d-se pela acumulao de formas sociais e pelas
intervenes e materialidades construdas em tempos anteriores como uma conquista
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espacial, um poder soberano, uma atividade produtiva de mercado, uma legitimao
nacional e internacional e uma identidade social com base espacial.
Pensando nesse contexto, Souza nos traz um o entendimento crucial sobre o
territrio, sua interpretao baseada como instrumento de exerccio de poder que o
territrio fundamentalmente um espao definido e delimitado por e a partir de relaes
de poder (2008, p.78). Com esta afirmativa, procura mostrar que essa relao de
importncia cabal para compreender sua gnese. desta forma que agora poderemos
compreender o espao definido e delimitado, onde quem domina ou influencia e como
domina ou influencia esse espao (p. 79); alinhado a esse argumento, traz-nos de forma
inseparvel dos conflitos e contradies sociais, a observao de quem domina ou
influencia quem nesse espao, e como (p. 79). Essa articulao se d de forma cada vez
mais complexa e em escalas diferentes.
Em sintonia com Souza (2008), Santos nos traz um ensaio sobre o territrio a
partir do uso, que o homem faz de forma desigual e contraditria, percebida como
categoria de anlise em que se revela o:
[...] conjunto de coisas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o
territrio tem que ser entendido como o territrio usado, no o territrio em
si. O territrio usado o cho mais a identidade. A identidade o sentido de
pertencer quilo que nos pertence. O territrio o fundamento do trabalho; o ligar da residncia, das trocas materiais e espirituais e do exerccio da vida. O
territrio em si no uma categoria de anlise em disciplinas histricas,
como a geografia. o territrio usado que uma categoria de anlise (2007a,
p. 14).
O que importa no o territrio em si, mas o uso do territrio que objeto de
anlise social, uma vez que o territrio usado formado por objetos e aes,
caractersticas bsicas do espao habitado dotado de funcionalidades simultneas
(SANTOS, 1994).
O uso do territrio contm a identidade e o cho, expressa os fatores basilares da
existncia de uma comunidade quilombola, onde est contida toda sua histria de
resistncia frente s aes de dominao/apropriao daqueles que detm o poder do
espao habitado que envolvido segundo Santos por:
[...] sua heterogeneidade, seja em termos da distribuio numrica entre
continentes e pases (e tambm dentro destes), seja em termos de sua
evoluo. Alis, essas duas dimenses escondem e incluem outra: a enorme
diversidade qualitativa sobre a superfcie da terra, quanto a raas, culturas,
credos, nveis de vida etc (1988, p. 15).
Santos (2007b), ao discutir territrios urbanos, percebe que nas redes urbanas, os
cidados vivenciam dois modos de pobreza. O primeiro modo gerado pelo fator
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econmico, desemprego, subemprego, trabalho precrio, que superpe ao segundo
modo gerado pelo fator territorial e habitacional. A partir do momento que relacionamos
essas redes sociais realidade de Paratibe, percebemos que essa associao expressa de
alguma maneira a realidade presenciada.
Nesse processo de urbanizao, Leferbvre (2001) lembra que a relao urbano-cidade no
pode ser dissociada das instituies de classe e de propriedade, com ideologias dominantes do
Estado, com o objetivo promover, de um lado, uma prtica social integrante, e por outro lado,
prticas de espaos segregados, perifricos da lgica da urbanizao da cidade.
Tal segregao leva a critrios importantes como os: [...] ecolgico (favelas, pardieiros,
apodrecimento do corao da cidade), formais (deteriorao dos signos e significaes da cidade,
degradao do urbano) [...], sociolgicos (nveis de vida e modo de vida, etnia, culturas e sub-
culturas etc) (LEFERBVRE, 2001, p. 98).
A abordagem realizada sobre o conceito de territrio, apoiada nos autores
apresentados, nos permite que possamos avanar no sentido de tentar compreender os
estudos sobre territrios tnicos e/ou afrodescendentes, em especial os territrios
quilombolas e suas territorialidades com seus sentimentos de pertencimento simblico e
cultural, mas tambm de precariedade socioespacial. Tambm nos permite discutir sobre
as prticas escolares para analisar o conceito de territrio tnico e/ou afrodescendente
em escolas quilombolas, ou escolas que atendem a estudantes quilombolas. Apoiamo-
nos em alguns autores que podem trazer respostas para nossas inquietaes, mas
tambm incitar novos questionamentos, de modo que possamos olhar os territrios
quilombolas a fim de compreender melhor seus aspectos sociais, histricos, espaciais,
polticos, tnicos e culturais.
Recorremos tambm s contribuies de Carril (2006a) sobre comunidades
descendentes de quilombos urbanos, ao compreender esse territrio tnico e/ou
afrodescendente, com base histrica na formao territorial que se consolida com
elementos identidrios, tnicos e culturais na relao sociedade/meio, no qual a lgica
capitalista determina a organizao dessa relao.
pensando dessa maneira que chama a ateno para os quilombos urbanos
enquanto espao de produo de [...] mo-de-obra barata, exrcito de reserva e no
conta com o mecanismo regulador cultural da defesa do meio-ambiente que
encontramos tradicionalmente (CARRIL, 2006a, p. 60).
Esse componente ambiental encontrado, normalmente, em comunidades
quilombolas rurais, em que se produz excedentes de seu plantio para o mercado
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consumidor e tem um passado comum de luta pelo acesso e usufruto da terra, apoiada
em uma identidade reconstruda. Para os quilombos urbanos frutos das relaes
capitalistas configuradas no espao da cidade, esse meio constitudo de hostilidade,
solidarizam-se na tentativa de conquistar uma autoimagem, uma autoestima positiva
frente realidade perversa da marginalizao social.
Carril (2006b) tambm observa que o territrio quilombola constitudo de
desigualdades socioespaciais e tnico-culturais que levam indivduos desse grupo,
composto em sua maioria por afrodescendentes em um espao excludo, a desenvolver
mecanismos de defesa sua autoidentificao enquanto descendentes quilombolas, isso
significa pensar a identidade como fator chave, para a condio de ser e de viver em seu
territrio. Ao longo do tempo, essa identidade vem sendo construda na luta ideolgica e
na escassez de recursos materiais.
Diante dessa realidade, em contraste com diferentes maneiras de uso da terra e
dos recursos do territrio, demonstra assim que o acesso terra representa uma histria
construda de trabalho e estratgias de sobrevivncia.
Campos se preocupa em realizar [...] um pequeno perfil das territorializaes e
territorialidades quilombolas (2011, p. 35). Podemos, a partir de algumas observaes desse
autor acerca do conceito de territrio em comunidades quilombolas urbanas no Brasil, traar um
perfil da realidade espacial da CNP e como a contextualizao pode ser tratada em sala de aula.
Essa territorialidade coberta de uma ao politizada do indivduo componente de seu
grupo, se pautava nos princpios de uma identidade espacial no qual o grupo se apropriava e
exercia uma ligao sensvel entre sua populao e outras. Por isso, a identidade espacial
construda no cerne do grupo.
Sobre o discurso de territrio e de territrio tnico, Anjos nos traz uma compreenso. O
territrio compreendido enquanto um espao dimensionado pelos fatores fsico e poltico que
contm gravado, em sua populao, as referncias culturais e simblicas e em que o Estado se faz
presente geralmente. J o territrio tnico se comporta enquanto um desdobramento do conceito
de territrio, de forma que:
[...] seria o espao construdo, materializado a partir das referncias de
identidade e pertencimento territorial, e, geralmente, a sua populao tem um
trao de origem comum. As demandas histricas e os conflitos com o sistema
dominante tm imprimido a esse tipo de estrutura espacial exigncias de
organizao e a instituio de uma autoafirmao poltica, social, econmica
territorial (2009, p. 115-116).
Contudo, a construo do territrio quilombola muitas vezes subordinada aos
interesses estatais e privados que objetivam sua dependncia territorial, para assim
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serem excludos desses interesses ou serem includos em um projeto que no condiz
com suas necessidades quilombolas.
Estabelecendo essas relaes de poder entre grupos de interesses antagnicos
(especulao imobiliria e os sujeitos quilombolas) para sua permanncia sobre o
territrio e sua territorialidade, vemos que seria melhor traar alguma discusso sobre o
perfil desse conceito, que pode ser utilizado na educao Geogrfica, no contexto da
pedagogia quilombola.
O ensino de Geografia nas escolas quilombolas, ou em escolas que atendem
educandos oriundos de territrios quilombolas, exerce importantes contribuies para os
educandos quilombolas, estimulando-os a perceberem a configurao espacial de seus
territrios na sociedade brasileira para, a partir disso, comearem a construir um
posicionamento poltico-ideolgico do/no mundo. Assim como tambm importante
para os educandos no-quilombolas, para que estes tenham conscincia do outro, da
diversidade cultural que se apresenta na escola e para que se possa construir, juntamente
com os demais sujeitos da escola, uma poltica multicultural de respeito s diferenas.
Para tanto, importante despertar nos educandos o interesse em construir conceitos como
territrio a partir de suas prprias experincias enquanto sujeitos sociais. Muito embora, para que
seja concretizada essa construo de conceitos, os educandoss devero [...] recorrer aos
conhecimentos desenvolvidos na escola e/ou fora dela e, com esse novo olhar, agora agraciado
pelos saberes escolares, possam analisar o espao geogrfico partindo de um saber sistemtico
(ALBUQUERQUE, 2010, p. 13).
Para tanto, a pesquisa foi realizada a partir de dois momentos distintos,
correspondentes e articulados, tanto na pesquisa documental quanto nos trabalhos de
campo. Esses momentos articulados na pesquisa se do mediante uma abordagem
qualitativa e, tratando algumas vezes da sua constituio basilar com os dados
quantitativos, apresentados a partir de dados coletados nas fontes j mencionadas em
forma de grficos, que traam um perfil tnico-racial referente aos sujeitos envolvidos
nessa investigao.
Essa abordagem qualitativa consolida-se numa diversidade de informaes que
do suporte ao termo qualitativo, muito embora esteja presente uma variada concepo
de direes de mtodos de pesquisa, que em nosso estudo de caso, implicaria em uma
compreenso dos acontecimentos no lugar em que essas pessoas constroem sua histria.
O pesquisador interpreta e tenta explicar em sua pesquisa, de modo cuidadoso, os
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resultados antes irrelevantes desses significados e trazer tona revelaes que eram
ocultadas.
De acordo com Chizzoti (2003), os pesquisadores que tratam a pesquisa de
modo qualitativo, entendem isso como uma contestao :
[...] neutralidade cientfica do discurso positivista e afirma a vinculao da
investigao com os problemas tico-polticos e sociais, declaram-se
comprometidos com a prtica, com a emancipao humana e a transformao
social, adensam-se as crticas aos postulados e exigncias das pesquisas
unicamente mensurativas (p. 09).
No entanto com relao dicotomia quantitativa/qualitativa, Bauer e Gaskell
(2008) amplia as discusses sobre as abordagens metodolgicas quando comentam que:
A mensurao dos fatos sociais depende da categorizao do mundo social.
As atividades sociais devem ser distinguidas antes que qualquer distino.
necessrio ter uma noo das distines qualitativas entre categorias sociais,
antes que se possa medir quantas pessoas pertencem a uma ou outra categoria
(p. 24).
Nesta pesquisa, mesmo que tratemos de dados quantitativos, como mencionado
anteriormente, eles so somados como um todo e analisados qualitativamente.
1.3 A pesquisa documental: fontes tericas pesquisadas
Direcionamos a pesquisa a partir de cinco eixos tericos, considerados para a
anlise investigativa dos dados colhidos mediantes fontes bibliogrficas, os quais sero
apresentados a seguir. Para esse momento, utilizamos instrumentos de compreenso
terico-metodolgica por intermdio de diversas fontes obtidas a partir da pesquisa
bibliogrfica, que ampara a construo terico-metodolgica da dissertao.
Como fontes documentais escritas recorremos a monografias, dissertaes, teses,
artigos e livros disponveis no Grupo de Pesquisa GESTAR: Territrio, Trabalho e
Cidadania, do qual participamos. Destacamos de modo especial os estudos que tm
como tema as comunidades quilombolas. Tambm consultamos o acervo das bibliotecas
(Central e Setorial) da UFPB; de outras Instituies de Ensino Superior (IES) e do
Portal da Capes. Alm dessas fontes, consultamos sites ligados s entidades
governamentais que esto relacionadas ao tema, como a Biblioteca Virtual Domnio
Pblico do Ministrio da Educao (MEC), o Portal da Fundao Cultural Palmares
(FCP), os documentos divulgados pelo Programa Brasil Quilombola (PBQ), entre
outros. Tambm acessamos sites independentes, onde observamos artigos cientficos e
documentos referentes ao tema.
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A pesquisa bibliogrfica e documental entrecruzam constantemente ao longo
deste estudo, suas fontes tericas estruturadas permitem desmistificar a realidade de um
cotidiano.
O primeiro eixo corresponde a matriz terica que sustenta a pesquisa, o mtodo,
que no trabalho se apresenta mediante o materialismo histrico dialtico. Existe um
dilogo com uma realidade dinmica e complexa que contextualiza as diferenas
(conflitos e contradies espaciais) que tanto a EMEFPASSM,