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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA GISELLE FIRMINO TORRES DE SOUSA FISSURAS LABIOPALATINAS NO BRASIL: PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS AO RETARDO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Natal/RN 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Este trabalho teve como objetivo identificar a prevalência de fissuras labiopalatinas no Brasil e o efeito de fatores sociodemográficos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

GISELLE FIRMINO TORRES DE SOUSA

FISSURAS LABIOPALATINAS NO BRASIL: PREVALÊNCIA E FATORES

ASSOCIADOS AO RETARDO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO NO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Natal/RN

2017

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GISELLE FIRMINO TORRES DE SOUSA

FISSURAS LABIOPALATINAS NO BRASIL: PREVALÊNCIA E FATORES

ASSOCIADOS AO RETARDO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO NO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências

da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Área de concentração: Saúde Coletiva

Orientador: Angelo Giuseppe Roncalli da Costa

Oliveira

Natal/RN

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Odontologia

Sousa, Giselle Firmino Torres de.

Fissuras labiopalatinas no Brasil: prevalência e fatores

associados ao retardo do tratamento cirúrgico primário no

Sistema Único de Saúde / Giselle Firmino Torres de Sousa. -

Natal, 2017.

90f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em

Saúde Coletiva.

Orientador: Angelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira.

1. Fenda labial. 2. Fenda palatina. 3. Epidemiologia. 4.

Cirurgia. 5. Serviços de Saúde. 6. Sistema Único de Saúde. I.

Oliveira, Angelo Giuseppe Roncalli da Costa. II. Título.

RN/UF/BSO BLACK D585

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Giselle Firmino Torres de Sousa

FISSURAS LABIOPALATINAS NO BRASIL: PREVALÊNCIA E FATORES

ASSOCIADOS AO RETARDO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO NO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Saúde Coletiva.

Aprovada em: ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________

Profº. Drº. Angelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Orientador

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Clelia de Oliveira Lyra

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Membro Interno

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Maria Alice Pimentel Fuscella

Universidade Potiguar

Membro Externo

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação a todas as crianças e famílias que convivem com algum tipo de

anomalia congênita. A construção deste trabalho e os acontecimentos recentes me ensinaram a

conhecer um pouco sobre a dura realidade que vivem, me ensinando a olhar as dificuldades da

vida de uma maneira diferente.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da vida, por ter me dado perseverança e sabedoria

para superar os desafios e, principalmente por ter colocado no meu caminho pessoas

abençoadas que me permitiram chegar ao final desta jornada.

À minha mãe Expedita por ter me ensinado o valor da educação, da honestidade e da

responsabilidade. Princípios que me ajudaram a chegar até aqui.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelo privilégio de ser mestre em Saúde

Coletiva formada por esta casa.

Ao meu orientador, Angelo Roncalli, por toda a ciência e paciência a mim dedicados. Foi uma

honra partilhar dos seus ensinamentos. Suas orientações ao longo desses dois últimos anos de

mestrado foram essenciais para que este trabalho se concretizasse. Obrigada pela sua confiança

e atenção.

Ao meu marido Sávio pelo amor, apoio e compreensão. Por ter suprido minhas limitações e

me dado força para não desistir no meio do caminho. Ao meu filho Lucas, pela paciência e

disponibilidade de compartilhar comigo seus conhecimentos de inglês e de informática. Ao

meu filho Mateus pelo cuidado e carinho quando o cansaço atingia a mãe estudante.

Merecidamente, vocês receberam dos meus colegas de curso o apelido de equipe de apoio.

A todos os docentes que fazem o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva pelo

empenho e dedicação. Além de tantos outros conhecimentos adquiridos, aprendi a

importância da saúde coletiva e de uma educação libertadora para a construção de uma

sociedade mais justa. Obrigada por ampliarem meus horizontes. Mais do que professores,

vocês foram exemplos e me deram a certeza de ter feito a escolha certa.

À minha querida equipe de trabalho da Clínica infantil do Departamento de Odontologia por

todo estímulo e solidariedade. A Isabelita pela ajuda na escolha do tema da pesquisa. A

Káthia e Lêda pelo trabalho dobrado para que eu pudesse assistir às aulas e escrever esta

dissertação. A Halissa, Jacqueline, Sonemy, Juliana e Sergei pelo apoio, pelos conselhos e

pela amizade. Esta conquista não teria sido possível sem a ajuda de vocês.

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Aos colegas do curso pela troca de saberes e pelo companheirismo. Amenidades e leveza

tornaram meus dias mais felizes. Agradecimentos especiais a Camila Alves, Rayanne, Aila,

Jefferson, Renato, Ariane e Paulo. Foi muito bom dividir esses momentos com vocês.

Aos demais colegas de trabalho dos diversos setores do Departamento de Odontologia,

docentes e técnicos administrativos pelas palavras de incentivo, pelo coleguismo e pela

constante disponibilidade.

A todos os familiares e amigos que mesmo não tendo sido aqui nomeados, me incentivaram,

torceram ou rezaram por mim. Obrigado por entenderem minhas ausências ao longo desse

período.

A todos vocês, minha eterna gratidão!

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“— É pecado sonhar?

— Não, Capitu. Nunca foi.

— Então por que essa divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e

parte nossos sonhos?

— Divindade não destrói sonhos, Capitu. Somos nós que ficamos

esperando, ao invés de fazer acontecer."

(Machado de Assis - Dom Casmurro)

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RESUMO

Este trabalho teve como objetivo identificar a prevalência de fissuras labiopalatinas no Brasil e

o efeito de fatores sociodemográficos e dos indicadores socioeconômicos municipais no retardo

do tratamento cirúrgico primário desta morbidade, no âmbito do Sistema Único de Saúde, no

período de 2009 a 2013. Para tal, foi conduzido um estudo ecológico que utilizou dados do

Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e do Atlas de

Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Foram incluídos nascidos vivos com fissuras labiopalatinas dos 5.565 municípios brasileiros

nos anos de 2009 a 2013, registrados no sistema de informações sobre nascidos vivos (SINASC)

e portadores de fissuras labiopalatinas que realizaram cirurgias de lábio e/ou palato que constam

dos registros do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), no mesmo período.

Foram calculadas taxas de prevalência de fissuras labiopalatinas para Brasil, para as cinco

regiões e para as 27 unidades federativas, referentes a cada ano e ao quinquênio do estudo. O

retardo do tratamento foi avaliado utilizando como parâmetro as idades recomendadas pela

American Cleft Palate-Craniofacial Association (12 meses para as cirurgias de lábio e 18 meses

para as de palato). Os dados referentes ao retardo do tratamento foram analisados por meio de

estatística descritiva, de análise bivariada, do cálculo das razões de prevalência e da regressão

multinível de Poisson com variância robusta. Para todos os testes foi adotado um nível de

significância de 5%. Os resultados mostraram que a prevalência média de fissuras

labiopalatinas no período foi de 5,86 por 10.000 nascidos vivos, com importantes diferenças

regionais e entre unidades federativas. A prevalência do retardo para as cirurgias primárias de

lábio foi de 66,4% e para as cirurgias de palato 71,2%. As regiões Norte e Nordeste

apresentaram os piores percentuais de retardo. Não-brancos apresentaram uma probabilidade

27% maior de retardo nas cirurgias de fissuras palatinas e 40% nas de fissuras de lábio. A

análise multinível identificou influência da raça e do IDH no retardo da cirurgia primária de

lábio, e de IDH e índice de Gini no retardo da cirurgia de palato. Ficou evidente a importância

da determinação social no retardo das cirurgias primárias de fissuras labiopalatinas.

Palavras-chave: Fenda labial. Fenda palatina. Epidemiologia. Cirurgia. Serviços de Saúde.

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ABSTRACT

This study aimed to identify the prevalence of cleft lip and palate in Brazil and the effect of

demographic factors and municipal socioeconomic indicators on the delay of primary surgical

treatment of this morbidity in the Brazilian Health System (SUS), from 2009 to 2013. An

ecological study was conducted using data from the Department of Informatics of the Brazilian

National Health System (DATASUS) and the Human Development Atlas of the United Nations

Development Program (UNDP). We included live births with cleft lip and palate from the 5,565

Brazilian municipalities in the years 2009 to 2013, registered in the National Live Birth System

(SINASC), and patients with cleft lip and palate that performed lip and / or palate surgeries that

appear in the records of the Hospital Information System of the Ministry of Health (SIH / SUS),

in the same period. Prevalence rates of cleft lip and paltate for Brazil were calculated for five

natural geographic regions and for the 27 federative units, with relation to each year and to the

five years of the study. The treatment delay was evaluated using the ages recommended by the

American Cleft Palate-Craniofacial Association (12 months for lip surgeries and 18 months for

palatal surgeries). The data regarding the treatment delay were analyzed through descriptive

statistics, bivariate analysis, prevalence ratios and multilevel Poisson regression with robust

variance. For all tests, a significance level of 5% was adopted. The results showed that the

average prevalence of cleft lip and palate in the period was 5.86 per 10,000 live births, with

important regional differences and between federative units. The prevalence of delay for lip

primary surgeries was 66.4% and for palatal surgeries was 71.2%. The North and Northeast

regions had the worst percentages of delay. Non-whites had a 27% greater probability of delay

in cleft palate surgeries and 40% in cleft lip surgeries. The multilevel analysis identified the

influence of race and of Municipal Human Development Index on the delay of primary lip

surgery, and of Municipal Human Development Index and of Gini index on the delay of the

palate surgery. The importance of social determination in the delay to primary surgeries of cleft

lip and palate was evident.

Key words: Cleft lip. Cleft palate. Surgery. Epidemiology. Health Services Accessibility.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Desenho esquemático representando uma vista oclusal da maxila, colocando o

forame incisivo como ponto focal e estratégico do sistema de classificação de

fissuras labiopalatinas proposto por Spina et al. (1972). ..................................... 23

Figura 2 Súmula esquemática das fissuras que acometem a maxila e o lábio superior.

Fissuras do palato primário (grupo I – fissuras pré-forame incisivo), fissuras do

palato primário e secundário simultaneamente (grupo II – fissuras transforame

incisivo) e fissuras do palato secundário (grupo III – fissuras pós-forame incisivo).

............................................................................................................................. 24

Figura 3 Tipos de fissuras orofaciais segundo a classificação de Spina et al. (1972),

modificada por Silva-Filho et al. (1992). ............................................................ 25

Figura 4 Esquema para a construção do banco de dados para a avaliação do retardo no

tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas no SUS...................... 51

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Quadro-síntese com taxas de prevalência de fissuras labiopalatinas dos principais

estudos realizados no Brasil ................................................................................ 30

Quadro 2 Distribuição dos hospitais habilitados pelo SUS para a realização de

procedimentos integrados de reabilitação estético-funcional dos pacientes

fissurados. ............................................................................................................ 41

Quadro 3 Classificação das fissuras labiopalatinas de acordo com a CID - 10 .................. 44

Quadro 4 Variáveis independentes sociodemográficas e socioeconômicas municipais

incluídas no estudo com suas respectivas dimensões, descrições, categorias e

escalas de medida. Brasil, 2017........................................................................... 49

Quadro 5 Procedimentos para fissuras labiopalatinas correspondentes a cirurgias primárias

de queiloplastia e palatoplastia no período de 2009-2013, Brasil, 2017.. ........... 52

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Anomalia congênita

ACPA American Cleft Palate-Craniofacial Association

AIH Autorização de Internação Hospitalar

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados

à Saúde, décima revisão

CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DNV Declaração de Nascido Vivo

ECLAMC Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas

EUA Estados Unidos da América

FL Fissura de Lábio

FLP Fissura de Lábio e Palato

FO Fissura Orofacial

FP Fissura Palatina

HRAC/USP Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São

Paulo

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IC Intervalo de Confiança

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IPDTOC International Perinatal Database of Typical Orofacial Cleft

MS Ministério da Saúde

OMS Organização Mundial da Saúde

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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RIPSA Rede Interagencial de Informações para a Saúde

RRTDCF Rede de Referência no Tratamento de Deformidades Craniofaciais

RP Razão de Prevalência

SAS Secretaria de Atenção à Saúde

SIGTAP Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e

Órteses, Próteses e Materiais especiais do SUS

SIHD Sistema de informação Hospitalar Descentralizado

SIH/SUS Sistema de Informações Hospitalares do SUS

SINASC Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos

SUS Sistema Único de Saúde

TFD Tratamento Fora de Domicílio

UF Unidade Federativa

WHO World Health Organization

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 15

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17

2 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 20

2.1 CONCEITO ......................................................................................................... 20

2.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA E ETIOLOGIA .................................................. 21

2.3 CLASSIFICAÇÃO .............................................................................................. 22

2.4 EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................. 26

2.4.1 Incidência e prevalência .................................................................................... 26

2.4.2 Perfil epidemiológico mundial .......................................................................... 26

2.4.3 Raça, sexo, tipo e lado afetado.......................................................................... 27

2.4.4 Associação com outras anomalias .................................................................... 28

2.4.5 Estudo de prevalência no Brasil ....................................................................... 28

2.5 ASPECTOS ANATÔMICOS E IMPLICAÇÕES ESTÉTICAS, FUNCIONAIS E

PSICOSSOCIAIS ................................................................................................ 30

2.6 TRATAMENTO ................................................................................................. 34

2.6.1 Tratamento cirúrgico primário ........................................................................ 35

2.6.2 Retardo no tratamento cirúrgico primário ..................................................... 37

2.7 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E A ATENÇÃO À SAÚDE DOS

PORTADORES DE FISSURAS LABIOPALATINAS ..................................... 39

2.8 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE E FISSURAS

LABIOPALATINAS NO BRASIL..................................................................... 42

3 OBJETIVOS ...................................................................................................... 45

3.1 OBJETIVO GERAL............................................................................................ 45

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................. 45

4 METODOLOGIA ............................................................................................. 46

4.1 PREVALÊNCIA DAS FISSURAS LABIOPALATINAS ................................. 46

4.1.1 Características da pesquisa .............................................................................. 46

4.1.2 População de estudo .......................................................................................... 46

4.1.3 Fontes de dados .................................................................................................. 46

4.1.4 Variáveis dependentes ....................................................................................... 47

4.1.5 Variáveis independentes ................................................................................... 47

4.1.6 Tratamento e análise de dados ......................................................................... 47

4.1.7 Aspectos éticos ................................................................................................... 48

4.2 RETARDO NO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO DAS FISSURAS

LABIOPALATINAS........................................................................................... 48

4.2.1 Características da pesquisa .............................................................................. 48

4.2.2 População de estudo .......................................................................................... 48

4.2.3 Fontes de dados .................................................................................................. 48

4.2.4 Variável dependente .......................................................................................... 49

4.2.5 Variáveis independentes ................................................................................... 49

4.2.6 Tratamento e análise de dados ......................................................................... 50

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4.2.7 Aspectos éticos ................................................................................................... 53

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................... 54

5.1 CAPÍTULO 1 ...................................................................................................... 54

5.2 CAPÍTULO 2 ...................................................................................................... 65

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 82

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 83

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15

APRESENTAÇÃO

Até o meu ingresso na pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, meu contato

com o tema das fissuras labiopalatinas foi restrito a algumas aulas da graduação do Curso de

Odontologia, uma vez que, minha experiência profissional em consultório privado e na

Estratégia de Saúde da Família, não me deu a oportunidade de conviver com portadores desta

malformação congênita.

Minha motivação para pesquisar sobre o tema surgiu em 2015 ao participar de uma

reunião no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN) a convite da Professora

Isabelita Duarte Azevedo, colega de trabalho no setor de Clínica Infantil do Departamento de

Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituição onde ocupo o cargo

de odontóloga desde dezembro de 2012. A referida reunião teve a participação do diretor

médico e de médicos neonatologistas do HUOL, de representantes do Departamento de

Odontologia da UFRN, do Município de Natal e do Estado do Rio Grande do Norte e discutiu

o credenciamento da Universidade Federal do Rio grande do Norte a um programa de atenção

aos fissurados do Estado.

Nesta oportunidade, tomei conhecimento de que desde 2013 os portadores de fissuras

labiopalatinas do Rio grande do Norte precisavam se deslocar para outros estados a fim de

realizar cirurgias primárias de fechamento do lábio e palato, recebendo um baixo valor de

incentivo financeiro por parte do Estado; e da complexidade e longa duração do tratamento,

que pode envolver diversas especialidades, durar até duas décadas de vida e requerer até 21

cirurgias.

Chamou minha atenção o fato de o Estado não ter dados oficiais sobre o número de

pacientes que necessitavam realizar as cirurgias reparadoras primárias, nem tampouco, sobre as

demais necessidades reabilitadoras de uma condição tão complexa.

Ao realizar a revisão da literatura, compreendi a importância da realização das cirurgias

primárias no tempo oportuno para redução das sequelas advindas deste defeito congênito para

a qualidade de vida dos portadores de fissuras labiopalatinas e dos seus familiares. Surgiu,

então, a ideia de investigar qual a dimensão do retardo no tratamento cirúrgico no Sistema

Único de Saúde e que fatores poderiam influenciar no atraso da realização deste tratamento.

Inicialmente, pensei em realizar um estudo sobre a situação do Estado do Rio Grande

do Norte. Uma conversa com meu orientador, o Professor Angelo Giuseppe Roncalli, me

mostrou a possibilidade de realizar um estudo a nível nacional utilizando dados secundários

disponibilizados pelo Departamento de Informática do SUS. A princípio nossa ideia era de

realizar um linkage probabilístico, que permitiria acompanhar a situação da criança com fissura

desde o seu nascimento até a realização das cirurgias primárias. Definimos então, o período de

cinco anos de estudo tendo como limite o ano de 2013, visto que, embora o Sistema de

Informações Hospitalares do SUS apresentasse dados mais recentes, este era o último ano que

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o Sistema Nacional de Nascidos Vivos disponibilizava dados sobre os nascidos com fissuras

labiopalatinas no Brasil.

No entanto, para realização do linkage probabilístico fazia-se necessário a utilização de

dados primários com nome e outras informações que permitissem a identificação do paciente.

Estes dados não estão disponíveis para download no DATASUS. Fizemos algumas tentativas

de obtenção destes dados junto ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde, porém,

apesar de haver a possibilidade de liberação destes dados para fins de pesquisa após o

cumprimento de alguns critérios, não conseguimos ter acesso aos mesmos.

Diante disso, decidimos realizar a pesquisa a partir dos dados secundários e utilizar a

técnica de linkage determinístico com os objetivos de investigar as taxas de prevalência de

fissuras labiopalatinas no Brasil, mensurar o retardo no tratamento cirúrgico realizado no

âmbito do SUS, e analisar o efeito do contexto sociodemográfico e socioeconômico municipal

no retardo do tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas.

A presente dissertação traz o resultado de dois estudos e é apresentada na forma de

seções. A introdução e a revisão de literatura é comum ao dois estudos. A metodologia está

dividida em duas partes: a primeira explica o método utilizado para obtenção das taxas de

prevalência no Brasil e a segunda detalha como foi feito o estudo do retardo no tratamento

cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas. Os resultados e discussão são apresentados nos

capítulos 1 e 2 na forma de dois artigos científicos. O primeiro artigo foi aceito para publicação

pelo periódico Brazilian Oral Research em 13 de fevereiro de 2017. O segundo encontra-se em

fase final de elaboração para publicação em periódico a ser definido. Por último, apresentamos

as considerações finais sobre os dois estudos realizados e algumas recomendações para

melhoria dos registros e para facilitar o acesso dos pacientes ao tratamento.

Espera-se que os resultados desta pesquisa possam ajudar a suprir a escassez de dados

oficiais, fornecendo subsídios para o planejamento de políticas públicas na área de fissuras

labiopalatinas e que possa despertar em outros pesquisadores o interesse por esse importante

campo da saúde coletiva que apresenta ainda tantas questões a serem esclarecidas.

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17

1 INTRODUÇÃO

As fissuras orofaciais (FO), que incluem as fissuras de lábio (FL), as fissuras de palato

(FP) e as fissuras de lábio e palato (FLP) são os defeitos congênitos mais comuns da região

craniofacial. Podem se apresentar de forma isolada ou como componentes de uma síndrome.

Sua etiologia é complexa e envolve diversos fatores genéticos e ambientais. Afetam

aproximadamente 1 a cada 700 nascidos vivos (DIXON et al., 2011; GIL-DA-SILVA-LOPES;

MONLLEÓ, 2014; MOSSEY et al., 2011).

As alterações anatômicas presentes nas fissuras labiopalatinas causam efeitos sobre a

fala, a audição, a aparência e a cognição. A reabilitação dos pacientes portadores desta

malformação exige cuidados clínicos e cirúrgicos especializados desde o nascimento até a idade

adulta. Os custos em termos de morbidade, cuidados de saúde, distúrbios emocionais, exclusão

social e desemprego resultam em um grande fardo para a saúde, a qualidade de vida e o bem-

estar socioeconômico dos indivíduos afetados, de suas famílias e da sociedade (ALONSO et

al., 2009; WHO, 2002, p. 2).

Além dos relevantes impactos médicos, sociais e psicológicos, complicações

relacionadas a problemas de alimentação e infecções de ouvido em crianças afetadas por essas

fissuras podem resultar em aumento significativo de morbidade e de mortalidade infantil em

nações menos desenvolvidas, onde barreiras ao tratamento ainda existem (AMSTALDEN-

MENDES; GIL-DA-SIVA-LOPES, 2006; CONWAY et al., 2015; WEHBY et al., 2006).

A correção das fissuras labiopalatinas é altamente complexa. Na maioria dos casos,

múltiplas cirurgias são necessárias. A cirurgia reparadora primária é a primeira etapa da

abordagem terapêutica do portador de fissura labiopalatina e pode reduzir fortemente as

sequelas estéticas e funcionais. O protocolo cirúrgico depende do tipo, do grau e da severidade

da fissura e, ainda, da condição clínica do paciente. A realização da cirurgia corretiva primária

no período preconizado é essencial ao bom prognóstico do tratamento (ALONSO et al., 2009;

FREITAS et al., 2012a).

Os tipos específicos de cirurgias reparadoras e a época em que serão realizados os

procedimentos variam, ainda, de acordo com a filosofia seguida por cada equipe (NEVILLE et

al., 2009, p. 4). No que diz respeito à idade recomendada para realização das cirurgias primárias

de lábio e palato, os principais centros de tratamento de anomalias craniofaciais brasileiros

seguem os padrões estabelecidos pela American Cleft Palate-Craniofacial Association (ACPA)

que recomenda que a cirurgia primária de lábio (queiloplastia) deve ser realizada dentro dos

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primeiros 12 meses de vida, ou o mais precocemente possível, desde que seja considerado

seguro para a criança, e a cirurgia de palato (palatoplastia) até a criança completar 18 meses

(ACPA, 2009, p. 16; QUEIRÓS et al., 2013).

No Brasil, a atenção a portadores de anomalias craniofaciais tem custeio

predominantemente público e a distribuição geográfica dos centros de referência para

reabilitação destas anomalias é irregular, com concentração na região Sudeste. Assim, pacientes

de muitas localidades, necessitam percorrer longas distâncias para ter acesso ao tratamento

(MONLLEÓ; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006).

O aumento do número de centros de excelência nos locais de origem dos pacientes é

uma das estratégias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para melhoria

da qualidade da assistência prestada na área de anomalias craniofaciais. No entanto, a falta de

um programa de vigilância de base populacional e estudos de prevalência com amostras

pequenas e estatísticas hospitalares resulta em dados escassos e dispersos sobre anomalias

craniofaciais na população brasileira e pode dificultar a gestão de serviços de saúde nesta área

(MONLLEÓ; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006).

No que diz respeito ao acesso ao tratamento cirúrgico primário das fissuras de lábio e/ou

palato e ao retardo relacionado a este tratamento no Brasil, os estudos encontrados na literatura

são poucos e, na maioria das vezes, restritos a pacientes que procuraram atendimento em centros

especializados (COUTINHO et al., 2009; FRANCO; GONÇALVES; FRANCO, 2000;

FONTES et al., 2013; SILVA, 2010).

O Ministério da Saúde do Brasil conta com importantes sistemas de informação em

saúde cujos dados podem servir para a análise e avaliação epidemiológica; além de fornecer

subsídios para melhores decisões políticas, planejamento, administração, monitoramento e

avaliação de programas de saúde (MELLO JORGE; LAURENTI; GOTLIEB, 2010).

Recentemente, dois estudos estimaram a prevalência de nascidos vivos com fissuras

labiopalatinas no Brasil a partir de dados de dois dos principais sistemas de informação em

saúde brasileiros. O estudo de Rodrigues et al. (2009), utilizou como fonte o Sistema Nacional

de Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de

Saúde (SIH/SUS) e observou uma taxa de prevalência de 0,36 por 1.000 para o período de 1998

a 2002. Abreu et al. (2016) utilizaram o SINASC e identificaram uma taxa de prevalência de

4,86 por 10.000 para o período de 2000 a 2013 e uma tendência de aumento desta anomalia nas

regiões menos desenvolvidas do país. Ambos os estudos utilizaram as regiões geográficas

naturais como unidade de análise, sem detalhar as taxas de prevalência por unidade federativa

ou por tipo de fissura labiopalatina.

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Neste sentido, estudos de prevalência que incluam a distribuição detalhada das fissuras

labiopalatinas e uma investigação mais aprofundada do retardo no tratamento cirúrgico

primário, com a inclusão da análise dos fatores individuais e contextuais, podem preencher

parte da lacuna existente nesta área do conhecimento e fornecer subsídios para o planejamento

de políticas públicas de saúde direcionadas para as áreas mais críticas, reduzindo as iniquidades

relacionadas ao tratamento reabilitador primário dos fissurados e melhorando a condição de

saúde desta parcela da população estigmatizada e, por vezes, excluída pela sociedade.

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20

2 REVISÃO DA LITERATURA

A presente revisão bibliográfica apresenta o referencial conceitual e teórico que

auxiliará na compreensão da problemática relacionada ao retardo no tratamento cirúrgico dos

portadores de fissuras labiopalatinas no Brasil. Inicialmente a revisão aborda conceitos, formas

de apresentação clínica, etiologia e a classificação mais utilizada pelos profissionais de saúde

para descrever as diferentes variações morfológicas destas fissuras. A seguir, o tópico

“Epidemiologia” explica a escolha da “Prevalência” como medida de frequência e a forma de

cálculo para a referida malformação; o perfil epidemiológico mundial; aspectos referentes à

raça, sexo, tipo e lado afetado; e a associação desta malformação com outras anomalias. Em

seguida são descritos os resultados dos principais estudos de prevalência de fissuras de

labiopalatinas realizados no Brasil. A revisão segue com o tópico “Aspectos anatômicos e

implicações estéticas, funcionais e psicossociais” que descreve como as alterações anatômicas

causadas pelas fissuras de lábio e/ou palato podem impactar na saúde e qualidade de vida dos

seus portadores e familiares. No tópico “Tratamento” a revisão aponta a complexidade do

tratamento, a dificuldade de realizar estudos sobre os custos com o tratamento desses pacientes,

os objetivos da reabilitação, os problemas de acesso e as consequências da não realização do

tratamento cirúrgico primário e do seu retardo. O tópico seguinte “O Sistema Único de Saúde

e a atenção à saúde dos portadores de fissuras labiopalatinas no Brasil” mostra como vem sendo

feita a atenção à saúde dos portadores das fissuras envolvendo o lábio e/ou o palato desde a

criação do SUS e evidencia a irregular distribuição geográfica dos hospitais habilitados para

este tratamento. Por fim, o tópico “Sistemas de informação em saúde e fissuras labiopalatinas

no Brasil” aborda como as fissuras de lábio e/ou palato e seu tratamento cirúrgico podem ser

identificados nos sistemas de informação disponíveis no Brasil.

2.1 CONCEITO

A palavra “fissura”, de etimologia latina, significa fenda, abertura. Em patologia, este

termo é genérico e denota qualquer abertura anatômica inata que diverge do normal. Essas

fissuras podem manifestar-se em qualquer região da face e do crânio, no tecido mole e/ou o

esqueleto. As formas mais comuns acometem o lábio e/ou palato e recebem a denominação de

“Fissuras labiopalatinas” (SILVA FILHO; FREITAS, 2007, p. 17).

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Estas malformações se estabelecem precocemente na vida intrauterina, entre a 4ª e a 12ª

semana de gestação, como resultado de distúrbios no crescimento ou nas fusões dos múltiplos

processos teciduais que formam a face e a cavidade oral (FREITAS et al., 2012a; GARIB et al.,

2010; NEVILLE et al., 2009, p.1).

2.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA E ETIOLOGIA

As fissuras orofaciais podem se apresentar de duas maneiras: como uma deformidade

isolada ou como parte do fenótipo de uma síndrome (FREITAS et al., 2012). A distinção entre

as formas sindrômicas e não sindrômicas tem significantes implicações para determinar o

manejo e prevenir a recorrência por pacientes e familiares (SAAL, 2002).

As fissuras isoladas ou não-sindrômicas são as anomalias craniofaciais mais comuns em

humanos e são clinicamente conhecidas pela ampla diversidade morfológica que ocasiona

impactos anatômicos de severidades variadas. As formas mais comuns envolvem o rompimento

de tecidos planos acima do lábio, se estendendo para as narinas e/ou palato (DIXON et al.,

2011; FREITAS et al., 2012a; MURRAY, 2002).

As formas isoladas, sem outras alterações cognitivas ou estruturais aparentes,

correspondem a aproximadamente 70% das fissuras orofaciais e resultam da interação de

múltiplos fatores (herança multifatorial), incluindo fatores genéticos e ambientais e frequente

histórico de recorrência familiar. As demais fissuras orofaciais são conhecidas como formas

sindrômicas e podem aparecer como componente de mais de 300 síndromes, podendo ser

provocadas por genes mutantes únicos, anormalidades cromossômicas ou agentes teratógenos

(DIXON et al., 2011; MOORE; PERSUD; TORCHIA, 2012; MURRAY, 2002; SETÓ-

SALVIA; STAINER, 2014).

Os avanços da genética humana contribuíram muito para o esclarecimento das fissuras

orofaciais sindrômicas, de modo que, aproximadamente 75% das síndromes que apresentam

estas fissuras como característica primária tem sua causa genética esclarecida (LESLIE;

MARAZITA, 2013). No entanto, com relação às formas não-sindrômicas ou isoladas, com

exceção da história familiar, poucas associações fortes foram estabelecidas (WATKINS et al.,

2014).

Quanto aos fatores ambientais, hábitos relacionados ao estilo de vida, como alta

frequência de fumo materno e consumo excessivo de álcool no primeiro trimestre gestacional

têm sido associados com o maior risco de nascimento de crianças com fissuras orofaciais

(WATKINS et al., 2014). Outros fatores de risco como as alterações endócrinas (diabetes,

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obesidade e baixo peso), as infecções virais, os medicamentos (anticonvulsivantes) e os

teratógenos (solventes e agrotóxicos) também foram investigados, mas, devido a questões

metodológicas, seus resultados foram inconclusivos (GIL-DA-SILVA-LOPES; MONLLEÓ,

2014).

Mossey et al. (2011) afirmam que não há evidências consistentes de tendências

temporais, por condição socioeconômica ou sazonalidade. No entanto, um estudo de caso-

controle realizado nos Estados Unidos da América (EUA), com 2.551 nascidos com

malformações congênitas dos tipos defeitos do tubo neural, fendas orofaciais e anomalias

cardíacas conotruncais, observou associação positiva significante entre estes defeitos

congênitos e baixas condições socioeconômicas individuais e familiares. O estudo revelou,

ainda, uma associação entre fenda palatina e ocupação materna (YANG et al., 2008).

Schüler-Faccini et al. (2002) mencionam que algumas características sociais, políticas

e econômicas presentes em países em desenvolvimento podem aumentar o risco de exposição

a potenciais riscos teratogênicos a que uma mulher grávida possa estar exposta. Dentre estas

características, os autores apontam: baixos níveis educacionais e econômicos; escassos recursos

para a saúde e pesquisa; alta incidência de doenças infecciosas e carenciais; qualidade ambiental

precária; prática frequente de automedicação; proibição da interrupção da gestação e ainda,

condições de trabalho insalubres durante a gravidez.

No que diz respeito aos fatores de proteção, muitos estudos demonstraram que a

ingestão periconcepcional de ácido fólico e de multivitaminas podem reduzir o risco de fissuras

orofaciais (CARMICHAEL et al., 2012; MOLINA-SOLANA et al., 2013; SOUZA; RASKIN,

2013; WEHBY; MURRAY, 2010). Um estudo de coorte irlandês sugere que suplementos de

ácido fólico têm um papel significante na prevenção de fendas labiais e/ou palatinas quando

utilizado pelas mães durante as doze primeiras semanas de gestação (KELLY; O’DOWD;

REULBCH, 2012).

2.3 CLASSIFICAÇÃO

As amplas variações morfológicas entre as fissuras orofaciais levaram à necessidade de

agrupá-las, definindo uma padronização para melhorar a comunicação entre os diversos

profissionais envolvidos no tratamento. No intuito de descrever estas fissuras, diversos sistemas

de classificação já foram propostos. Atualmente, a classificação mais utilizada é a de Spina et

al. (1972) modificada por Silva Filho em 1992. Esta classificação utiliza como referência

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anatômica o forame incisivo, ponto de união entre os palatos primário e secundário, e divide as

fissuras orofaciais em quatro grandes grupos (FREITAS et al., 2012a; NUNES, 2005). A

divisão das fissuras labiopalatinas a partir do forame incisivo está ilustrada nas Figuras 1 e 2.

Figura 1 - Desenho esquemático representando uma vista oclusal da maxila, colocando o forame incisivo

como ponto focal e estratégico do sistema de classificação de fissuras labiopalatinas proposto por Spina

et al. (1972).

Fonte: https://fissuraeaudicao.wordpress.com

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Figura 2 - Súmula esquemática das fissuras que acometem a maxila e o lábio superior. Fissuras do

palato primário (grupo I – fissuras pré-forame incisivo), fissuras do palato primário e secundário

simultaneamente (grupo II – fissuras transforame incisivo) e fissuras do palato secundário (grupo III –

fissuras pós-forame incisivo).

Fonte: Trindade e Silva Filho (2007)

De acordo com a classificação de Spina, os prefixos pré, trans e pós-forame incisivo,

referem-se respectivamente às fissuras de lábio (FL), com ou sem comprometimento do rebordo

alveolar; às fissuras de lábio e palato (FLP), comprometendo a maxila em toda a sua extensão,

incluindo o palato primário e o palato secundário; e às fissuras de palato secundário (FP). Em

relação à extensão, as fissuras são subclassificadas em completa e incompleta, quando alcançam

ou não o forame incisivo e, quanto à lateralidade, em unilateral, bilateral e mediana

(ALVAREZ, 2010). As fissuras desvinculadas do forame incisivo são denominadas de fissuras

raras da face. Os tipos de fissuras, segundo a classificação de Spina et al. (1972) modificada

por Silva-Filho et al. (1992), estão ilustrados na Figura 3.

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Figura 3 - Tipos de fissuras orofaciais segundo a classificação de Spina et al (1972), modificada por

Silva-Filho et al (1992).

Fonte: Trindade e Silva Filho (2007)

As fissuras oblíqua, transversa, naso-ocular, de lábio inferior, de mandíbula e de nariz

são denominadas fissuras raras da face, compondo o grupo IV da classificação de Spina

(NUNES, 2005).

As fissuras de lábio e/ou palato também podem se manifestar como defeitos mais leves

como fendas cicatriciais afetando apenas o vermelhão do lábio (cicatriz de Keith) ou fissuras

submucosas, uma forma subclínica, onde pode ocorrer um defeito na musculatura do palato

mole e/ou no tecido ósseo do palato duro, com a manutenção da integridade da mucosa

(ALVAREZ, 2010; FREITAS et al., 2012a; NUNES, 2005).

Muitos estudos epidemiológicos, consideram que as fissuras labiais e as labiopalatinas

têm uma origem embriológica comum, diferindo apenas quanto ao grau de severidade e dividem

as fissuras orofaciais em apenas dois grupos: fissuras de lábio com ou sem envolvimento do

palato e fissuras palatinas isoladas. No entanto, as evidências sugerem que a gravidade da

doença pode não ser o único fator de distinção entre os dois fenótipos (WATKINS et al., 2014).

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2.4 EPIDEMIOLOGIA

2.4.1 Incidência e Prevalência

Incidência e prevalência são medidas que têm sido utilizadas para descrever a frequência

de fissuras orofaciais na literatura científica. No entanto, medir a verdadeira incidência de

fissuras orofaciais e de outros defeitos congênitos é praticamente impossível devido à

dificuldade em determinar os casos incidentes, que muitas vezes, resultam em abortos

espontâneos ainda no primeiro trimestre de gestação e ainda, devido à dificuldade de definir

qual é a população que se encontra em risco (número de concepções). Nesse sentido, a medida

sugerida para quantificar a frequência de defeitos congênitos nas pesquisas é a prevalência

(WATKINS et al., 2014).

No caso das fissuras orofaciais, essa medida é representada pela proporção do número

de casos de fissuras orofaciais entre nascidos vivos, abortos espontâneos (20 semanas ou mais

de gestação) e abortos induzidos (independentemente da idade gestacional) sobre o número de

nascidos vivos em um determinado período de tempo. Esta estimativa é normalmente expressa

por 10.000 nascidos (WATKINS et al., 2014).

2.4.2 Perfil epidemiológico mundial

A deficiência nos registros e nos sistemas de vigilância do nascimento, principalmente

nos países em desenvolvimento, faz com que muitos países não conheçam a frequência de

fissuras orofaciais na sua população (MOSSEY et al., 2011).

Além disso, em muitas regiões onde esta informação está disponível, os dados são

negativamente afetados pela variação que ocorre em relação às fontes de amostra (hospitalar x

populacional), ao período de tempo, aos métodos de apuração, aos critérios de

inclusão/exclusão e à flutuação de amostragem, o que restringe a validade e comparabilidade

da prevalência de nascidos com fissuras orofaciais entre os países (MOSSEY et al., 2011). Os

resultados disponíveis indicam que fissuras orofaciais podem surgir em cerca de um em 700

nascidos vivos e uma média de 220.000 novos casos por ano no mundo (MOSSEY et al., 2009).

Uma pesquisa realizada pelo IPDTOC (International Perinatal Database of Typical

Orofacial Clefts) avaliou registros do período de 2000 a 2005 de 30 países e encontrou uma

prevalência média de 9,9 casos de fissuras labiopalatinas por 10.000 nascidos. A maior taxa de

prevalência foi verificada no Japão (20,0 por 10.000). Países como Canadá (11,5 por 10.000),

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Estados Unidos (10,2 por 10.000) e Austrália (9,7 por 10.000) também apresentaram elevadas

taxas de prevalência para as fissuras orofaciais (IPDTOC Working Group, 2011).

Na América do Sul, foi verificada uma prevalência de 5,06 por 10.000 nascidos para as

fissuras palatinas isoladas e de 13,7 por 10.000 para as fissuras que envolvem o lábio, com ou

sem envolvimento do palato, no período compreendido entre 2004 e 2008 (WHO, 2014, p. 114).

2.4.3 Raça, sexo, tipo e lado afetado

A frequência e o padrão das fissuras orofaciais variam, consideravelmente, de acordo

com o grupo étnico e a área geográfica de origem. Em geral, populações de origem asiática ou

indígena americana têm a prevalência mais elevada (1/500), populações caucasianas têm

prevalências intermediárias (1/1000), enquanto que, populações de origem africana apresentam

as menores prevalências de fissuras orofaciais (1/2500) (CROEN et al, 1998; WHO, 2002, p.5,

MOSSEY et al., 2009; IPDTOC Working Group, 2011).

Estudos envolvendo imigrantes do Japão e China para os EUA indicaram que os

migrantes apresentam taxas de prevalência de fissura de lábio e/ou palato mais próximas

daquelas do seu local de origem do que da área para a qual se mudaram (CHING; CHUNG,

1974; CROEN et al., 1998).

Em relação ao sexo, as fissuras de lábio com ou sem envolvimento do palato, são mais

frequentes no sexo masculino, enquanto que, as fissuras palatinas isoladas são mais comuns no

feminino. Resultados de um grande estudo mostraram que entre as fissuras de lábio com ou sem

envolvimento do palato associadas a outros defeitos congênitos, essas proporções de sexo são

bastante reduzidas (WHO, 2003, p. 18; DIXON et al., 2011).

Com relação à diferença de prevalência para cada tipo de fissura orofacial, existe uma

variação geográfica significativa. Tal variação é mais aparente para a fissura de lábio, com ou

sem fissura de palato, do que para a fissura de palato isolada (MOSSEY et al., 2011). Um estudo

apontou que, em todo o mundo existe uma variação de seis vezes na prevalência de nascimentos

com fenda labial, com ou sem fenda palatina e uma tripla variação, em relação aos nascimentos

com fenda palatina (IPDTOC Working Group, 2011; MOSSEY et al.,2011).

No que diz respeito à lateralidade, fissuras unilaterais ocorrem significativamente mais

frequentemente que as fissuras bilaterais numa proporção de aproximadamente 4:1 (SHAPIRA

et al., 1999). Entre as fissuras unilaterais, as que afetam o lado esquerdo são mais frequentes

que as que afetam o lado direito em uma proporção de 2:1 (DIXON et al., 2011). Em um estudo

realizado no Brasil por Souza e Raskin (2012), 1.012 pacientes com FLP foram avaliados,

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destes 30,1% apresentavam fissuras bilaterais. Entre os afetados por fissura unilateral, 65.9%

tinham o lado esquerdo afetado. Shapira et al. (1999) sugerem que a explicação para esta

diferença pode estar no maior aporte de sangue para o lado direito nos estágios iniciais de

formação do embrião devido a uma maior pressão sanguínea na artéria carótida interna.

2.4.4 Associação com outras anomalias

No que diz respeito à frequência de associação com outras anomalias, a proporção de

indivíduos varia bastante entre os estudos, mas, em geral, são mais frequentes em pessoas com

fissuras palatinas isoladas do que naquelas com fissuras que envolvem o lábio, com ou sem

envolvimento do palato (WHO, 2002, p.19).

Alguns estudos apontaram a Síndrome de Pierre Robin e a doença cardíaca congênita

como as malformações mais comumente associadas com as fissuras labiopalatinas (FREITAS

e SILVA et al., 2008; SANDRINI et al., 2006; CERQUEIRA et al., 2005).

Um estudo realizado com 1.838 portadores de fissuras orofaciais em um centro de

referência do estado do Paraná identificou fissuras orofaciais sindrômicas em 15,3% dos

pacientes. Nesses pacientes as anomalias mais comumente associadas foram: anomalias do

sistema nervoso central (33,3%); anomalias de membros (29,8%); anomalias do sistema

cardiovascular (20,6%) e; anomalias do sistema musculoesquelético (17,7%). A maioria dos

pacientes (87,2%) teve mais de um sistema afetado (SOUZA; RASKIN, 2013).

2.4.5 Estudos de prevalência no Brasil

O estudo pioneiro sobre a prevalência de malformações labiopalatais no Brasil foi o

realizado por Nagem Filho, Moraes e Rocha (1968). Os autores examinaram 13.249 escolares

da cidade de Bauru - SP e encontraram uma prevalência de 1,54 por 1.000 nascidos.

Outro estudo conduzido por Souza, Buchalla e Laurenti (1987) analisou 12.782 registros

de nove maternidades brasileiras, sendo sete localizadas no estado de São Paulo, uma no Rio

de Janeiro e uma em Santa Catarina e verificou uma prevalência de 0,42 por 1.000.

Loffredo, Freitas e Grigolli (2001) levantaram os registros de casos de fissuras

orofaciais em recém-nascidos do período de 1975 a 1994 usando como fonte os dados o

Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-

USP), o Ministério da Saúde (Departamento de Informática do SUS - DATASUS) e o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estimaram uma taxa de prevalência de 0,19 por

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1.000 nascidos vivos. Neste estudo 26% das fissuras observadas eram palatinas isoladas,

enquanto que, 74% eram fissuras de lábio, com ou sem envolvimento do palato. As regiões

Centro-oeste, Sudeste e Sul foram as que apresentaram as maiores taxas. Os pesquisadores

constataram ainda que a prevalência desta malformação aumentou em 2,58 vezes em 20 anos.

Um estudo de Freitas et al. (2004) investigou a distribuição dos tipos de fissuras orais

entre 803 pacientes que procuraram atendimento no Hospital de Reabilitação de Anomalias

Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), em Bauru/SP, no ano 2000 e

observou o predomínio da fissura completa de lábio e palato (37,1%), seguida da fissura de

palato isolada (31,7%) e fissura de lábio isolada (28,4%). O sexo feminino foi ligeiramente

mais afetado pela fissura de palato (53%) enquanto que o masculino foi o mais afetado pelos

demais tipos de fissuras (60%).

Uma importante fonte de monitoramento de defeitos congênitos no Brasil é a rede de

hospitais que trabalham em colaboração com o Estudio Colaborativo Latino Americano de

Malformaciones Congénitas (ECLAMC). Contudo, as maternidades brasileiras que fazem parte

deste programa não chegam a alcançar uma cobertura de 4% dos nascimentos do país

(MONLLEÓ, 2008).

Monlleó (2008) menciona que, exceto pelo ECLAMC, os demais estudos sobre

prevalência, características clínicas, história natural, fatores de risco e necessidades sociais e de

saúde de pessoas com anomalias craniofaciais no Brasil são restritos a pacientes avaliados em

hospitais e/ou serviços específicos.

Um estudo conduzido por Rodrigues et al. (2009), utilizando dados do Sistema Nacional

de Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de

Saúde (SIH/SUS) encontrou uma taxa de prevalência de 0,36 por 1.000 entre os nascidos vivos

com fissuras orofaciais no período de 1998 a 2002. As maiores taxas foram verificadas nas

regiões Sul (0,43 por 1.000) e Centro-oeste (0,40 por 1.000), enquanto que, a região Norte

apresentou a menor taxa (0,26 por 1.000).

A análise de prontuários clínicos de 778 pacientes com fissura orofacial não sindrômica

tratados no centro de reabilitação de anomalias craniofaciais de Minas Gerais entre 1992 e 2008

mostrou um total de 49,1% de fissuras labiopalatinas, 26,6% de fissuras labiais, 24,4% de

fissuras palatinas e 0,3% de fissuras raras da face (PARANAÍBA et al., 2011).

Coutinho et al. (2009) avaliaram o perfil epidemiológico de 1.216 crianças portadoras

de fissura labial e/ou palatina não sindrômica atendidas em um centro de referência do Nordeste

brasileiro no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2005. Nesta amostra 48,7% dos

pacientes apresentaram fissura labiopalatina, 27,6% apresentaram fissura palatina e 23,7%

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apresentaram fissura labial. Houve predomínio do sexo masculino (57,4%), de fissura do tipo

completa (66,2%) e de fissuras unilaterais afetando o lado esquerdo (49,2%).

O estudo conduzido por Souza e Raskin (2013) verificou uma prevalência de 0,99 por

1.000 nascidos no estado do Paraná para o período de 2002 a 2008. Quanto ao tipo de fissura,

dos 1.198 pacientes analisados, 55% dos pacientes eram portadores de fissura labiopalatina

(FLP), fissura labial (FL) estava presente em 23,8% e 21,2% tinham fissura palatina (FP).

Abreu et al. (2016) avaliaram a prevalência de fissuras labiopalatinas do período de

2000 a 2013 e observaram uma prevalência global de 4,85 por 10.000 nascidos vivos. Neste

estudo, as regiões Sul e Sudeste apresentaram as maiores taxas de prevalência de fissuras de

lábio e/ou palato, enquanto que, a região Nordeste apresentou a menor taxa ao nascimento.

Os principais estudos indicando taxas de prevalência de fissuras labiopalatinas

conduzidos no Brasil estão resumidos no quadro 1.

Quadro 1 - Quadro-síntese com taxas de prevalência de fissuras labiopalatinas dos principais estudos

realizados no Brasil.

Autoria, ano de

publicação Fonte

Período de

estudo

Prevalência por

1.000 nascidos

Nagem Filho,

Moraes e Rocha

1968

Exame visual direto de 13.249

escolares de Bauru -SP 1968 1,54

Souza, Buchalla e

Laurenti

1987

12.782 registros de nove maternidades

brasileiras (7 – SP, 1 - RJ, 1 - SC)

Agosto de

1981 a julho

1982

0,42

Loffredo, Freitas e

Grigolli

2001

HRAC-USP, DATASUS e IBGE 1975 - 1994 0,19

Rodrigues et al.

2009 SINASC e SIH/SUS 1998 - 2002 0,36

Abreu et al.

2016 SINASC 2000 - 2013 0,48

2.5 ASPECTOS ANATÔMICOS E IMPLICAÇÕES ESTÉTICAS, FUNCIONAIS E

PSICOSSOCIAIS

As fissuras orofaciais (FO) são caracterizadas pela descontinuidade das estruturas do

lábio, palato, ou ambos, podendo ocorrer em diferentes locais da cavidade oral e da face, com

extensão variável. As alterações anatômicas podem ocasionar implicações estéticas, funcionais

e psicossociais nos indivíduos afetados (MONTAGNOLI et al., 2005; FREITAS et al., 2012a).

Nos portadores de fissuras envolvendo o lábio, a estética facial sofre um grande impacto.

Nos casos de envolvimento do rebordo alveolar, alterações dentárias também podem estar

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presentes e agravar o problema. Nas fissuras labiopalatinas completas unilaterais observa-se

assimetria nasal e nas labiopalatinas bilaterais completas há um aumento da convexidade do

terço médio da face e prognatismo da pré-maxila. As únicas fissuras que não apresentam

comprometimento estético são aquelas que afetam exclusivamente o palato (FREITAS et al.,

2012a).

O primeiro e mais urgente desafio a ser abordado no manejo dos portadores de fissuras

envolvendo o lábio e/ou palato é o da alimentação no período neonatal. As dificuldades de

alimentação presentes variam de acordo com as estruturas acometidas e com a extensão da

fissura (AMSTALDEN-MENDES; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006; FREITAS et al., 2012b).

Segundo Silva et al. (2008), as alterações nas fissuras orofaciais não se resumem à

alteração do palato que dificulta a alimentação do recém-nascido, nem tampouco à alteração

estética na fissura labial, mas, incluem também alterações funcionais na deglutição, na fala, na

audição, no crescimento e desenvolvimento craniofacial e na respiração nasal. Infecções de

ouvido e das vias aéreas, perda auditiva condutiva e anomalias dentais também são frequentes

(FREITAS et al., 2012a; TANNURE et al., 2012).

Nas fissuras envolvendo o palato, a deficiência na pressão intraoral negativa dificulta o

reflexo da deglutição, levando a uma sucção ineficiente e à regurgitação do leite para a cavidade

nasal. No caso das fissuras que afetam o lábio, a principal dificuldade alimentar está

relacionada ao selamento labial inadequado. Engasgos, obstrução das vias aéreas,

incoordenação da sucção-respiração-deglutição, fadiga e baixa ingestão volumétrica de leite

são dificuldades normalmente relatadas pelas mães destes lactentes (AMSTALDEN-

MENDES; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006; CAMPILLAY; DELGADO; BRESCOVICI,

2010).

Problemas relacionados com a alimentação desses recém-nascidos podem interferir no

seu desenvolvimento global, bem como, na programação das etapas cirúrgicas, que geralmente,

dependem do bom estado nutricional e adequado desenvolvimento físico da criança.

Orientações aos pais e familiares e o uso de recursos como mamadeiras, bicos específicos e

placas obturadoras de palato podem reduzir as complicações decorrentes do baixo ganho de

peso antes da correção cirúrgica (ALMSTADEN-MENDES; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006;

SILVA et al., 2008).

Deformidades anatômicas associadas a disfunções do mecanismo velofaríngeo

presentes nas fissuras labiopalatinas podem comprometer a produção e a inteligibilidade da

fala. Distúrbios na fala, mais especificamente na articulação dos sons podem interferir na

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interação do indivíduo com o meio em que vive (SILVA et al., 2008; PALANDI; GUEDES,

2011).

A disfunção tubária e a comunicação entre as cavidades bucal e nasal presentes nas

fissuras palatinas tornam as crianças que têm esta anomalia mais susceptíveis a infecções

recorrentes de ouvido que, em longo prazo, podem levar a hipoacusia (diminuição da

sensibilidade auditiva) e perda auditiva condutiva. Uma vez que uma via auditiva perfeita é

fundamental para a aquisição da linguagem falada, é essencial que estas crianças sejam tratadas

o mais precocemente possível (FREITAS et al., 2012b; SILVA et al, 2008).

Além destas complicações, a filtragem e o aquecimento deficiente do ar inspirado,

aliado à dificuldade de umidificação, predispõe a criança com fissura palatina a infecções das

vias aéreas, causando resfriados comuns, rinofaringite, faringoamigdalite, bronquite e até

pneumonia (FREITAS et al., 2012b).

As evidências sugerem que um maior número de anomalias dentárias está presente na

dentição permanente de indivíduos fissurados. As alterações mais frequentes são agenesias

dentárias, dentes supranumerários e anormalidades de forma da coroa dental (TANNURE et

al., 2012). Um estudo realizado por Riis, Kjaer e Molsted (2014) relatou anormalidades dentais

envolvendo os diferentes tipos de fissuras. Nas fissuras de lábio, os autores observaram uma

maior frequência de incisivos laterais supranumerários; malformações de raízes foram

observadas nas fissuras palatinas; enquanto que, agenesias foram mais comuns nas fissuras

envolvendo lábio e palato.

As más oclusões observadas em indivíduos com fissuras apresentam peculiaridades que

as diferencia das irregularidades oclusais presentes em indivíduos sem fissuras. Em geral,

pacientes com fissuras simultâneas de palato primário e secundário apresentam agenesias e mau

posicionamento dental; defeito ósseo no rebordo alveolar; e deficiência sagital e transversal

maxilar, induzidas pelas cirurgias plásticas reconstrutivas. Grande parte desses indivíduos

apresenta acentuada discrepância esquelética nos sentidos anterossuperior, transversal e vertical

(FREITAS et al., 2012b, GARIB et al., 2010).

Uma criança que nasce com fissura orofacial terá que conviver com uma condição que

tem consequências na aparência facial, no desenvolvimento dentário e na fala. A aparência

facial e/ou fala divergentes podem dificultar a aceitabilidade social e acarretar problemas

psicossociais e emocionais nestas crianças (FERAGEM; BORGE; RUMSEY, 2009). Além

disso, dor, sofrimento, rompimento com a vida familiar, com o emprego e com a frequência

escolar e a situação de dependência em que se encontra o portador de fissura orofacial ao longo

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de duas décadas de tratamento podem causar nesses indivíduos efeitos adversos sobre a

sensação de autodeterminação ou locus de controle (MOSSEY et al., 2011).

Uma revisão sistemática avaliou as implicações psicossociais de portadores de fissuras

orofaciais e verificou que dificuldades têm sido relatadas em relação a problemas de

comportamento, satisfação com a aparência facial, depressão e ansiedade, e, ainda, problemas

relacionados à baixa autoestima, aprendizagem e relações interpessoais em alguns tipos de

fissuras (HUNT et al., 2005).

A qualidade de vida de crianças de 2 a 5 anos portadoras de fissuras orofaciais a partir

da percepção dos pais foi avaliada por Filgueira et al. (2015). Os autores identificaram que as

maiores dificuldades da criança estão relacionadas à pronúncia de palavras e faltas à creche.

Entre as dificuldades enfrentadas pela família, a ausência ao trabalho foi a mais relevante. Neste

estudo os pais/responsáveis enfatizaram as necessidades de comunicação e alimentação destas

crianças, considerando a aparência uma questão secundária.

Kramer et al. (2009) avaliaram a qualidade de vida de crianças de 8 a 12 anos portadoras

de fissuras orofaciais e de suas famílias e observaram que o impacto negativo na qualidade de

vida mostrou-se maior nas famílias com crianças portadoras de fissuras de palato ou

labiopalatina que nas das crianças com fissura de lábio. Quanto ao sexo, os meninos mostraram

experimentar uma qualidade de vida inferior à das meninas. A maioria das limitações de

qualidade de vida em meninos com fissuras orofaciais foi representada por dificuldade de

interação social com seus pares ou cuidadores e problemas na formação da personalidade,

problemas que podem afetar o desempenho escolar dessas crianças. Neste estudo foi observado

que em todas as dimensões analisadas os pais estimaram uma qualidade de vida mais baixa para

os seus filhos do que a referida pela própria criança.

No que diz respeito à experiência vivenciada pelos pais de crianças com fissuras

orofaciais, um estudo de revisão identificou choque, culpa, raiva, tristeza, ansiedade e

preocupação como sentimentos relatados pelos pais no pré e pós-natal, em diferentes países e

culturas (NELSON et al., 2011).

A mortalidade geral e específica de indivíduos com fissuras labiopalatinas foi avaliada

por Christensen et al. (2004). Os autores verificaram que lactentes com essa malformação têm

um risco aumentado de morte nos primeiros anos de vida, e ainda, que este tipo de anomalia

congênita está associado com um risco aumentado de mortalidade, pelas principais causas

(câncer, doença cardiovascular, suicídio e acidente), desde a infância até os 55 anos de idade.

Laurenti et al. (2014) analisaram as causas de mortalidade em 238 nascidos com

anomalia congênita (AC) em hospitais do município de São Paulo e observaram uma alta

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mortalidade infantil por AC (29,8%). Neste grupo as AC do sistema nervoso, representadas por

casos de anencefalia e hidrocefalia, estavam entre as causas de morte nos primeiros momentos

após o parto e AC do sistema circulatório predominaram entre as mortes mais tardias. As

fissuras de lábio e/ou palato não foram identificadas entre as causas específicas de morte no

grupo estudado.

2.6 TRATAMENTO

Os indivíduos afetados pelas fissuras orofaciais necessitam de tratamento imediato ao

nascimento e de acompanhamento até atingir a maturidade esquelética, em torno dos 18 anos

de idade. Sua reabilitação integral exige intervenção multidisciplinar envolvendo as seguintes

especialidades: cirurgia (plástica, bucomaxilofcial e ortognática), ortodontia, fonoaudiologia,

psicologia e prótese (removível e fixa), e ainda o envolvimento de profissionais de serviço

social, genética, pediatria, otorrinolaringologia e nutrição (SILVA, 2010).

A reabilitação dos portadores de fissuras orofaciais tem como objetivos específicos a

normalização da estética facial, a integridade do palato primário e secundário, fala e audição

normalizadas, permeabilidade das vias aéreas, oclusão de classe I com função mastigatória

normal, saúde dental e periodontal e desenvolvimento psicossocial normal (CAMPBELL;

COSTELLO; RUIZ, 2010).

O tratamento ideal das fissuras labiopalatinas deve incluir a cirurgia primária para

fechamento do defeito, tratamento ortodôntico, fonoterapia e cirurgias secundárias e terciárias

para refinar o resultado cirúrgico inicial (MAGEE JUNIOR; BURG; HATCHER, 2010). Este

tratamento é complexo e oneroso, pois requer acompanhamento multiprofissional, de longo

prazo e o emprego de alta tecnologia (MONLLEÓ, 2004).

A grande variedade clínica das fissuras orofaciais, com seus diversos graus de

severidade e associação ou não com síndromes ou outros defeitos congênitos, resulta em

diferentes protocolos de tratamento. Em geral, a reabilitação é um processo longo que inclui

cuidados clínicos e cirúrgicos especializados. Tal tratamento inicia-se pelo reparo cirúrgico da

lesão e, muitas vezes, exige múltiplas cirurgias, procedimentos de alta complexidade e alto

custo (FREITAS et al., 2012a).

Não identificamos na literatura científica nenhum estudo sobre a média de custos com

o tratamento de reabilitação de uma criança portadora de fissura orofacial no Brasil. Um estudo

realizado nos EUA examinou o uso de serviços e despesas com seguro de saúde de crianças

com e sem fissura orofacial para o período de 2000 a 2004 e verificou que a diferença dos custos

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médios anuais (custos incrementais) do cuidado com crianças fissuradas foi de US $ 13.405,

oito vezes superior às crianças não afetadas (BOULET et al., 2009).

Pavri e Forrest (2013) mencionam que a grande variação nos padrões de atendimento e

o longo período de tratamento tornam difícil avaliar com precisão o custo de reabilitação de

pacientes com fissuras orofaciais. Os autores também relatam que os estudos internacionais não

podem ser extrapolados devido às diferenças nos sistemas de saúde.

2.6.1 Tratamento cirúrgico primário

No longo e complexo processo de tratamento das fissuras labiopalatinas, a

queiloplastia e a palatoplastia representam as primeiras cirurgias plásticas reparadoras a serem

executadas (BERTIER; TRINDADE; SILVA FILHO, 2007). A cirurgia primária de reparo

labial, ou queiloplastia, é necessária para reconstruir a estrutura e as funções normais do lábio,

corrigir a deformidade nasal e construir o assoalho do nariz. A cirurgia primária do palato, ou

palatoplastia, deve ser feita para fechar o defeito do palato e criar um adequado funcionamento

do mecanismo velofaríngeo para a produção normal da fala (CASSELL; DANIELS; MEYER,

2009).

Segundo Kruse (2005), a correção cirúrgica do palato tem quatro objetivos principais:

(1) proporcionar uma melhor motricidade oral e deglutição, favorecendo um adequado ganho

ponderal; (2) permitir um crescimento maxilofacial adequado e uma aparência facial normal;

(3) tornar o mecanismo de fechamento do esfíncter velofaríngeo adequado, com o

desenvolvimento de uma voz sem hipernasalidade e de um fala sem alterações articulatórias

compensatórias e; (4) proteger a tuba auditiva, favorecendo a ventilação da orelha média, com

redução das otites médias e de suas repercussões na audição e na linguagem.

Além do fechamento cirúrgico primário do lábio e palato, muitos pacientes necessitam

de cirurgias secundárias como: queilopastia secundária e faringoplastia aos 5 anos, enxerto

ósseo alveolar entre 7 a 9 anos, cirurgia ortognática entre 13 e 15 anos e rinoplastia secundária

aos 15 anos. A reabilitação deve incluir ainda tratamento clínico de fonoaudiologia e

odontologia para acompanhamento dos impactos das fissuras que envolvem o palato sobre a

fala e a oclusão dentária (ALONSO et al., 2009; FREITAS et al., 2012a).

Mossey et al (2011) mencionam que a mortalidade infantil e o acesso a cuidados entre

os portadores de fissuras orofaciais variam bastante entre os diferentes países e dentro de um

mesmo país, de modo que, algumas fendas podem permanecer não reparadas na idade adulta.

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Monlleó e Gil-da-Silva-Lopes (2006) referem que os países em desenvolvimento

apresentam problemas de ordenação e hierarquização do sistema de saúde e de iniquidade de

acesso aos serviços, o que torna a atenção às anomalias craniofaciais fora do alcance de muitos

pacientes e famílias que não podem pagar pela reabilitação sem o apoio do governo.

De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), duas

modalidades de assistência são preferencialmente observadas em países em desenvolvimento.

A primeira refere-se aos centros de excelência, caracterizados por atendimento eficiente e

grande volume de pacientes, capazes de assistir a populações oriundas de diferentes localidades.

A segunda modalidade refere-se à assistência prestada pelas organizações não governamentais

(ONGs) que oferecem tratamento por meio de missões, nas quais equipes de cirurgiões e outros

profissionais fazem visitas a locais onde existem recursos humanos ou infraestrutura limitados

(SHAW; SEMB, 2007).

Embora os cuidados prestados pelas ONGs possam representar a única opção de

tratamento para muitas famílias carentes, este tipo de assistência pode apresentar alguns

inconvenientes como a realização da cirurgia após o período indicado, serviços rudimentares e

a falta de continuidade do tratamento pós-cirúrgico. Tais questões podem ter implicações éticas

e comprometer o resultado do tratamento reabilitador (MONLLEÓ; GIL DA SILVA LOPES,

2006; MOSSEY et al., 2011).

Além da dificuldade de acesso a serviços médicos, a pobreza, a ignorância, o

analfabetismo, influências sociais e culturais e o medo dos pais de submeterem suas crianças

ao procedimento cirúrgico estão entre as razões apontadas para o não reparo cirúrgico das

fissuras labiopalatinas (MOSSEY et al., 2011).

Segundo Wehby (2013), o impacto causado pelas fissuras orofaciais nos indivíduos

afetados e suas famílias pode variar de acordo com alguns fatores, incluindo efeitos individuais

e familiares (p. ex. situação socioeconômica dos pais), características da vizinhança (p. ex.

qualidade das escolas, disponibilidade e qualidade dos profissionais de saúde com experiência

no tratamento de pacientes com fissuras orais e redes de apoio social) e fatores relacionados ao

país como: características do sistema de saúde e políticas relacionadas à cobertura de saúde,

acesso e qualidade da assistência médica.

Crianças não operadas podem sobreviver, no entanto, elas poderão enfrentar, além da

deformidade facial, problemas ao se alimentar, falar, ouvir e problemas psicológicos, tais como

a baixa autoestima e a depressão. Muitas crianças se tornam reclusas, interagindo apenas com

os familiares, algumas deixam de frequentar a escola. Desse modo, os indivíduos não

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reabilitados são susceptíveis a estigmatização, exclusão social e obstáculos ao emprego

(MOSSEY et al., 2011).

2.6.2 Retardo no tratamento cirúrgico primário

A correção cirúrgica primária é fundamental na abordagem terapêutica das fissuras

labiopalatinas. O protocolo depende do tipo de fissura e do estado de saúde da criança e

idealmente deve restaurar eficientemente as funções incluindo a fala, a mastigação, a respiração

e a estética, ao mesmo tempo em que preserva o potencial de crescimento normal da área

envolvida. Para um melhor prognóstico, a idade recomendada para realização de cada

procedimento deve ser considerada (FREITAS et al., 2012a; SHI; LOSEE, 2015).

A época de realização da intervenção cirúrgica primária é tão importante para o

tratamento reabilitador que a distribuição etária dos pacientes que receberam a primeira cirurgia

de fissura é considerada como um indicador simples do acesso ao tratamento. Nos países mais

pobres, o indicador é a proporção de crianças de 1 ̶ 4, 5 ̶ 9, 10 ̶ 14 e mais de 15 anos que tiveram

suas fissuras reparadas. Nos países mais ricos, onde o tratamento ocorre mais precocemente e

os registros são melhores, diferenças de idade na reparação cirúrgica primária podem evidenciar

desigualdades no tratamento entre grupos raciais, étnicos ou de diferentes condições

socioeconômicas (MOSSEY et al., 2011).

A American Cleft Palate-Craniofacial Association (APCA) recomenda que a cirurgia

primária de lábios (queiloplastia) deve ser realizada dentro dos primeiros 12 meses de vida, ou

o mais precocemente possível, desde que seja considerado seguro para a criança; e que a

cirurgia de palato (palatoplastia) seja realizada até a criança completar 18 meses (ACPA, 2009).

O protocolo utilizado pelo maior centro brasileiro para tratamento de fissuras de lábio

e de palato, o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da universidade de São

Paulo (HRAC- USP), recomenda cirurgias mais precoces: reparo cirúrgico do lábio aos 3 meses

e cirurgia reparadora do palato, aos 12 meses de idade (FREITAS et al., 2012a).

Um estudo multicêntrico realizado no Brasil identificou que, além da falha no

atendimento, o principal fator responsável pelo atraso cirúrgico das cirurgias primárias foram

condições relacionadas à saúde do afetado como: anemia, doenças e baixo ganho de peso

(AMSTALDEN-MENDES et al., 2011). Amstalden-Mendes, Magna e Gil-da-Silva-Lopes

(2007) identificaram o baixo ganho ponderal como o principal fator de atraso cirúrgico na sua

amostra, recomendando atenção ao estado nutricional da criança para realização da correção

cirúrgica na idade adequada.

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A idade recomendada para a realização do fechamento cirúrgico do palato varia de

imediatamente após o nascimento até os 6 anos de idade. Discute-se que o reparo precoce pode

inibir o crescimento facial, em contrapartida, o reparo tardio pode causar significativas

restrições à fala adequada. Atualmente, a maioria dos cirurgiões indica que esta cirurgia seja

realizada entre 9 e 18 meses (BURG et al., 2016).

A palatoplastia também reduz a frequência de otite média nos portadores de fissuras

envolvendo o palato (SILVA et al., 2008). Kruse (2005) demonstrou uma tendência de

diminuição de desfechos otológicos desfavoráveis na idade escolar entre os pacientes que se

submeteram a palatoplastia precocemente, antes dos 24 meses de idade.

Palandi e Guedes (2011) compararam indivíduos que realizaram correção cirúrgica do

palato em diferentes idades e concluíram que o retardo na realização desta cirurgia interfere de

forma negativa na emissão da fala desses pacientes.

Carlson et al. (2016) mencionam que portadores de fissuras envolvendo o palato que

vivem em países de baixa renda, por submeterem-se à palatoplastia tardiamente, sofrem com

um aumento da carga de doenças e com sequelas negativas significativas, devido à fissura não

reparada e que, por outro lado, os próprios fatores ambientais associados às fissuras de lábio

e/ou palato (desnutrição materna, exposição à poluição e tabagismo, estressores sociais e

pobreza em geral) são reflexo dos determinantes sociais da saúde.

Franco D., Gonçalves e Franco T. (2000) analisaram os dados oficiais de cirurgias por

fendas labiais e/ou palatais do período compreendido entre 1995 e 1999 no Brasil e observaram

um grande número de pacientes da faixa etária entre 10 e 19 anos. Segundo os autores, este

maior percentual de pacientes acima da faixa etária habitual de tratamento primário poderia

significar que o primeiro atendimento estaria sendo realizado após a idade ideal.

Outro estudo avaliou o acesso ao tratamento de 1.216 crianças que procuraram o

principal centro de referência em anomalias craniofaciais do nordeste brasileiro, Instituto de

Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), localizado na cidade de Recife,

Pernambuco, no período de 2002 a 2005 e identificou que 48,9% das crianças tinham mais de

24 meses quando realizaram a primeira consulta médica especializada (COUTINHO et al.,

2009).

O acesso ao tratamento cirúrgico também foi avaliado em um estudo com 390 crianças

de 0 a 12 anos que procuraram atendimento no Núcleo de Atendimento Integrado ao Fissurado

do estado do Ceará entre os anos 2008 a 2009. Os resultados indicaram que 43,3% das crianças

não haviam realizado a cirurgia corretiva de lábio antes dos cinco anos de idade e que 79% não

haviam tido acesso à palatoplastia antes de atingir a idade escolar (SILVA, 2010).

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Fontes et al. (2013) descreveram as características demográficas de um grupo de 125

pacientes que participaram da chamada cirúrgica de uma organização não governamental no

estado de Alagoas em 2008 e identificaram que 71,2% dos portadores de fissuras que

compareceram a esta ação não tinham realizado a cirurgia primária antes dos dois anos de idade.

Sérios problemas de acesso ao tratamento cirúrgico especializado foram detectados,

especialmente entre os pacientes residentes em áreas rurais.

2.7 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E A ATENÇÃO À SAÚDE DOS PORTADORES

DE FISSURAS LABIOPALATINAS

O Brasil conta com o Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1990, cuja legislação

orienta o estabelecimento de um acesso universal e equitativo aos diversos serviços de saúde.

O advento do Sistema Único de Saúde aumentou o acesso aos cuidados de saúde para uma

parcela substancial da população brasileira, no entanto, o apoio estatal ao setor privado, a

concentração de serviços de saúde em regiões mais desenvolvidas e o subfinanciamento crônico

vêm dificultando sua completa implementação (PAIM et al., 2011).

No que diz respeito à atenção aos portadores de anomalias craniofaciais no SUS, a

primeira iniciativa ocorreu em 1993, com a criação de mecanismos para o pagamento da

correção de fissuras labiopalatais e realização de implante dentário ósseo-integrado na tabela

do sistema de informações hospitalares (SIH/SUS). No ano seguinte, o Ministério da Saúde

publicou as normas para o credenciamento de serviços para realização desses procedimentos

no âmbito do SUS (MONLLEÓ; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006).

A normatização dos hospitais para realização da reabilitação estética funcional dos

portadores de má-formação labiopalatal no SUS ocorreu através da portaria SAS/MS N.º 62 de

19 de abril de 1994. Essa portaria definiu que esses hospitais devem possuir os seguintes

serviços: otorrinolaringologia, fonoaudiologia, psicologia, serviço social, clínica médica,

pediatria, fisioterapia, enfermagem, nutrição, cirurgia bucomaxilofacial e plástica, anestesia,

odontologia (odontopediatria, ortodontia, prótese e implantodontia) e atendimento familiar

(BRASIL, 1994).

Posteriormente, no período entre 1998 e 2002, foi criada a Rede de Referência no

Tratamento de Deformidades Craniofaciais (RRTDCF) com o objetivo reduzir a iniquidade no

acesso e ordenar a oferta de serviços no SUS. Esta rede é formada por hospitais credenciados

para a realização de procedimentos integrados de reabilitação estético-funcional de portadores

de fissuras orofaciais (MONLLEÓ, 2004).

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A criação da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade em 2001 consistiu

numa tentativa do Ministério da Saúde para ordenação da referência interestadual e garantia de

acesso dos pacientes a procedimentos de alta complexidade (MONLLEÓ; GIL-DA-SILVA-

LOPES, 2006).

Os procedimentos de alta complexidade regulados por essa central são financiados pelo

Fundo de Ações Estratégicas e Compensação e os pacientes que se encaixam no perfil devem

ser incluídos no programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Tal programa fica sob a

responsabilidade do estado/município de origem, devendo oferecer consulta, tratamento

ambulatorial/hospitalar/cirúrgico previamente agendado, passagens de ida e volta para o local

onde será realizado o tratamento para pacientes e acompanhantes (caso necessário) e ajuda de

custo para alimentação e hospedagem (BRASIL, 1999).

A avaliação dos cuidados de saúde prestados aos portadores de anomalias craniofaciais

dentro e fora da RRTDCF mostrou que, apesar do grande número de unidades que realizam o

atendimento de portadores de fissuras orofaciais no Brasil, disparidades regionais e problemas

de ordenação e hierarquização estão presentes. Esta situação faz com que muitos pacientes

sejam tratados tardiamente ou permaneçam sem tratamento. Além disso, a falta de coordenação

do cuidado, a distância geográfica e os custos das viagens podem fazer com que muitas famílias

não deem seguimento ao tratamento (MONLLEÓ; GIL-DA-SILVA-LOPES, 2006, 2009).

O estudo de Franco D., Gonçalves e Franco T. (2000) chama a atenção para a

concentração superior a 80% das cirurgias de fendas labiais e/ou palatais no estado de São Paulo

nos anos de 1998 e 1999, uma vez que, existem outros centros de referência espalhados pelo

Brasil com profissionais capacitados e com uma alta demanda de pacientes.

Atualmente, existem no Brasil 28 hospitais habilitados pelo SUS para a realização de

procedimentos integrados de reabilitação estético-funcional dos pacientes fissurados, 19 destes

estão localizados nas regiões Sul e Sudeste (DATASUS, 2016). A distribuição dos centros de

atendimento credenciados pelo Ministério da saúde do Brasil por região, unidade federativa e

município está ilustrada no quadro 2.

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Quadro 2 - Distribuição dos hospitais habilitados pelo SUS para a realização de procedimentos

integrados de reabilitação estético-funcional dos pacientes fissurados.

Região

geográfica UF Município Estabelecimento de saúde

Norte TO Araguaína Hospital Regional de Araguaína

Nordeste

BA Salvador Hospital Santo Antônio

CE Fortaleza Hospital Infantil Albert Sabin

PE Recife IMIP Instituto Materno lnfantil

PI Teresina Hospital São Marcos

Centro-Oeste

DF Brasília Sarah Brasília

MS Campo Grande FUNCRAF

MT

Cuiabá

Hospital Geral Universitário

Hospital Universitário Júlio Müller

Sudeste

MG Alfenas Hospital Universitário Alzira Velano

Belo Horizonte Hospital da Baleia

RJ Rio de Janeiro SMS Hospital Municipal Nossa Senhora do

Loreto

SP

Araraquara Santa Casa de Araraquara

Bauru Hospital de Reabilitação de Anomalias

Craniofaciais de Bauru

Campinas SOBRAPAR Campinas

Itapetininga FUNCRAF Itapetininga

Piracicaba Santa Casa de Piracicaba

São Bernardo do Campo FUNCRAF São Bernardo do Campo

São José do Rio Preto Hospital de Base de São José do Rio Preto

São Paulo

HC da FMUSP Hospital das Clínicas São Paulo

Hospital São Paulo Hospital de Ensino da

UNIFESP São Paulo

Sul

PR Curitiba Hospital do Trabalhador

RS

Canoas Hospital Universitário ULBRA

Caxias do Sul Hospital do Círculo

Lajeado Hospital Bruno Born

Porto Alegre Hospital Nossa Senhora Conceição S.A.

SC Florianópolis Hospital Infantil Joana de Gusmão

Joinville FHSC Hospital Regional Hans Dieter Shimidt

Fonte: DATASUS, 2016.

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2.8 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE E FISSURAS LABIOPALATINAS NO

BRASIL

Entre os sistemas de informação em saúde brasileiros, destaca-se o Sistema Nacional de

Nascidos Vivos (SINASC), implantado oficialmente a partir de 1990 com o objetivo de

melhorar o controle estatístico de eventos vitais e possibilitar a elaboração de indicadores de

saúde mais fidedignos. Este sistema utiliza como fonte de dados a Declaração de Nascido Vivo

(DNV), que é um documento padronizado pelo Ministério da Saúde, preenchido em todo o

território nacional, para todas as crianças nascidas em estabelecimentos de saúde ou em

domicílio, imprescindível para realização do registro civil (NUNES; PEREIRA; QUELUZ,

2010; NHONCANSE; MELO, 2012).

O Brasil não possui um sistema de informação de base populacional para a vigilância

dos defeitos congênitos, no entanto, a inclusão do campo 34, específico para o registro de

presença ou não de malformação congênita e/ou anomalia cromossômica à DNV, em 1999,

permitiu que as anomalias detectadas ao nascimento passassem a ser relatadas e o código

referente à anomalia, de acordo com a CID-10, fosse informado (GEREMIAS; ALMEIDA;

FLORES, 2009, NUNES; PEREIRA; QUELUZ, 2010).

Compete ao médico diagnosticar as anomalias congênitas. Todas as anomalias

observadas devem ser registradas, sem hierarquia ou tentativa de agrupá-las em síndromes.

Deve ser feita a descrição detalhada no campo específico para anomalia ou defeito congênito

na DNV. A codificação qualificada das anomalias descritas deverá ser realizada em um segundo

momento, quando todas as anomalias descritas são codificadas e digitadas no SINASC por

pessoas capacitadas para esta função (BRASIL, 2011; LUQUETTI; KOIFMAN, 2010).

Quanto à cobertura do SINASC, o indicador F10 da Rede Interagencial de Informações

para a saúde no Brasil (RIPSA) que mede a relação quantitativa entre nascidos vivos informados

por esse sistema e aqueles estimados por projeções demográficas indicou que esta era de 92,1%

no ano de 2005, com relevantes variações regionais e melhores coberturas no Sul e Sudeste.

Em 2010 esse percentual foi de 95,9% para o Brasil, ficando em torno de 99% nas regiões Sul

e Sudeste (RIPSA, 2012; MELLO JORGE; LAURENTI; GOTLIEB, 2007, 2010).

No que diz respeito à incompletude, o número de campos “brancos” na variável

referente à presença de malformação congênita e/ou anomalia cromossômica chegou a 8,3% no

ano de 2006 no Brasil (MELLO JORGE; LAURENTI; GOTLIEB, 2010).

Outro importante sistema de informação em saúde é o Sistema de Informação Hospitalar

do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), implantado pelo Ministério da Saúde em 1981 com a

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finalidade de registrar todos os atendimentos provenientes de internações hospitalares que

foram financiadas pelo SUS, gerando relatórios para que os gestores possam fazer os

pagamentos dos estabelecimentos de saúde. A Autorização de Internação Hospitalar (AIH) é o

documento utilizado para registrar estes atendimentos realizados em nível hospitalar

(DATASUS, 2016a).

Embora o SIH/SUS consista de uma base de dados administrativa; fornece informações

diagnósticas, demográficas e geográficas para cada internação hospitalar que podem ser

utilizadas para ampliar a produção de conhecimento no campo da Saúde Coletiva (VIACAVA,

2002; BITTENCOURT; CAMACHO; LEAL, 2006).

O SIH/SUS coleta mais de 50 variáveis relativas às internações, entre estas,

identificação e local de residência do paciente, procedimentos realizados, diagnóstico, motivo

da alta, valores devidos, dentre outras. Através do diagnóstico principal, segundo a CID - 10, é

possível identificar a causa da internação do paciente (DATASUS, 2017a).

A identificação dos procedimentos de cirurgias de fissuras labiopalatinas no SIH/SUS

pode ser feita pelo código da CID - 10 do diagnóstico principal que levou à internação e/ou pelo

código do procedimento. Os códigos de procedimentos cirúrgicos para fissuras de lábio e/ou

palato são definidos no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos

e OPM (órteses, próteses e medicamentos epeciais) do SUS (SIGTAP) como procedimentos do

Grupo 04 “Procedimentos cirúrgicos”, subgrupo 04 “Cirurgia das vias aéreas superiores, da

face, da cabeça e do pescoço”, forma de organização 03 “Anomalias crânio e bucomaxilofacial”

(DATASUS, 2016b).

As Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas fazem parte do

Capítulo XVII da CID-10, com códigos que vão do Q00 ao Q99. As fendas de lábio e/ou palato

são incluídas no agrupamento Q35-Q37 (DATASUS, 2017b). No SINASC, os códigos das

fissuras labiopalatinas, assim como, das demais anomalias congênitas, são especificados

utilizando-se até 4 caracteres, sendo permitido o registro de mais de um código (SÃO PAULO,

2008). Os códigos da CID -10 utilizados para descrever as fissuras labiopalatinas nestes

sistemas de informação em saúde, bem como, suas subdivisões nesta classificação, estão

detalhados no quadro 3.

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Quadro 3 - Classificação das fissuras labiopalatinas de acordo com a CID - 10

Tipo de fissura labiopalatina Código CID-10

Fenda palatina Q35

Fenda do palato duro Q35.1

Fenda do palato mole Q35.3

Fenda do palato duro com fenda do palato mole Q35.5

Fenda da úvula Q35.7

Fenda palatina não especificada Q35.9

Fenda labial Q36

Fenda labial bilateral Q36.0

Fenda labial mediana Q36.1

Fenda labial unilateral Q36.9

Fenda labial com fenda palatina Q37

Fenda do palato duro com fenda labial bilateral Q37.0

Fenda do palato duro com fenda labial unilateral Q37.1

Fenda do palato mole com fenda labial bilateral Q37.2

Fenda do palato mole com fenda labial unilateral Q37.3

Fenda dos palatos duro e mole com fenda labial bilateral Q37.4

Fenda dos palatos duro e mole com fenda labial unilateral Q37.5

Fenda do palato com fenda labial bilateral, não especificada Q37.8

Fenda do palato com fenda labial unilateral, não especificada Q37.9

Fonte: CID - 10, 2008.

As informações provenientes dos mais diversos sistemas de informação em saúde

utilizados no Brasil englobam aspectos relacionados à situação de saúde da população,

incluindo dados sobre mortalidade, morbidade, procedimentos ambulatoriais e hospitalares,

dentre outros e apresentam-se como ferramentas tecnológicas bastante valiosas para melhoria

dos processos de gestão (DANIEL, 2013).

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3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Investigar a prevalência e o retardo no tratamento cirúrgico reabilitador primário de nascidos

vivos com fissuras labiopalatinas e os fatores associados ao retardo, no Brasil, no período de

2009 a 2013.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Identificar as taxas de prevalência de fissuras labiopalatinas entre nascidos vivos por

unidade federativa e região geográfica natural.

2. Correlacionar a prevalência de fissuras labiopalatinas com o número de Autorizações

de Internação Hospitalares aprovadas e os recursos investidos no tratamento de fenda

labial e/ou palatina no Sistem Único de Saúde.

3. Mensurar o retardo na intervenção cirúrgica primária de pacientes com fissuras

labiopalatinas no Sistema Único de Saúde por tipo de fissura.

4. Avaliar o efeito do contexto sociodemográfico e dos indicadores socioeconômicos

municipais no retardo do tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas no

Sistema Único de Saúde.

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4 METODOLOGIA

Esta seção é formada por dois tópicos, relativos aos dois estudos que foram

conduzidos, o primeiro com relação à prevalência de fissuras labiopalatinas e o segundo diz

respeito ao estudo sobre a prevalência e fatores associados ao retardo no tratamento cirúrgico

primário das fissuras.

4.1 PREVALÊNCIA DAS FISSURAS LABIOPALATINAS

4.1.1 Características da pesquisa

Estudo observacional, transversal e ecológico, que utilizou dados secundários

individuais e agregados da base de dados do Sistema de Informações de Saúde disponibilizados

pelo Departamento de Informática do SUS - DATASUS.

4.1.2 População de estudo

Nascidos vivos com fissuras labiopalatinas dos 5.565 municípios brasileiros nos anos

de 2009 a 2013, registrados no sistema de informações sobre nascidos vivos (SINASC).

4.1.3 Fontes de dados

Os dados referentes ao número de nascidos vivos com e sem fissuras labiopalatinas por

residência da mãe do período de 1º. de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013 foram obtidos

no Sistema de Informação sobre Nascidos (SINASC), no sítio do DATASUS.

A presença de fissura labiopalatina foi identificada no banco de dados do SINASC pelos

códigos da CID-10: Q35 (fenda palatina), Q36 (fenda labial) e Q37 (fenda labial com fenda

palatina), tendo como origem o registro do preenchimento do campo referente à detecção de

anomalias ou defeitos congênitos das declarações de nascidos vivos (DNV).

O número de procedimentos para o tratamento de fenda labial e/ou palatina de todas as

unidades fedrativas, bem como, o valor dos gastos com este tratamento no SUS, no período de

2009 a 2013, foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) por meio de

tabulação utilizando o programa Tabnet. Tais informações foram provevientes dos dados

consolidados das AIH aprovadas por local de residência no respectivo período.

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4.1.4 Variáveis dependentes

As variáveis de desfecho desta primeira etapa do estudo foram a taxa de prevalência de

fissuras labiopalatinas entre nascidos vivos no Brasil por residência da mãe e a correlação da

prevalência de fissuras labiopalatinas com o número de Autorizações de Internação

Hospitalares aprovadas e recursos investidos no tratamento de fenda labial e/ou palatina no

Sistem Único de Saúde (SUS) por local de residência.

4.1.5 Variáveis independentes

A taxa de prevalência de fissura labiopalatinas entre nascidos vivos por residência da

mãe foi analisada por tipo de fissura labiopalatina, região natural (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste

e Centro-Oeste) e unidade federativa (26 estados e o Distrito Federal).

A correlação da prevalência de fissuras labiopalatinas com o número de Autorizações

de Internação Hospitalares aprovadas e recursos investidos no tratamento de fenda labial e/ou

palatina no Sistem Único de Saúde foi analisada segundo a região geográfica natural e a unidade

federativa de residência.

4.1.6 Tratamento e análise dos dados

Os arquivos com os dados de todas as declarações de nascidos vivos entre os anos de

2009 a 2013, disponibilizados pelo site do DATASUS no padrão .dbf, foram baixados,

conferidos e posteriormente expandidos para .dbc utilizado o software livre Tabwin 3.2. Estes

dados foram organizados em um banco utilizando o programa Stata 14 e foi realizada a análise

de dados perdidos e atípicos (outliers).

Posteriormente, no banco com dados provenientes do SINASC, foram calculadas taxas

de prevalência de fissuras labiopalatinas para Brasil, para as cinco regiões naturais para as 27

unidades federativas referentes a cada ano e ao quinquênio do estudo. O cálculo desta taxa foi

feito dividindo-se o número de nascidos vivos com fissuras labiopalatinas por residência da

mãe pelo total de nascidos vivos no mesmo ano e local, multiplicado por 10.000.

A análise estatística que avaliou a correlação entre o número de nascidos com fissura

labiopalatina e o número de procedimentos para tratamento de fendas de lábio e/ou palato por

local de residência no Brasil foi realizada utilizando o coeficiente de correlação de Pearson.

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4.1.7 Aspectos éticos

O estudo utilizou informações provenientes de bancos de dados de domínio público,

dispensando, portanto, a etapa de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

4.2 RETARDO NO TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO DAS FISSURAS

LABIOPALATINAS

4.2.1 Características da pesquisa

Estudo observacional e transversal que utilizou dados secundários individuais e

agregados.

4.2.2 População de estudo

Portadores de fissuras labiopalatinas que realizaram cirurgias primárias de lábio e/ou

palato, no âmbito do SUS, no período de 2009 a 2013, que constam dos registros do SIH/SUS.

4.2.3 Fontes de dados

Os arquivos com todos os procedimentos hospitalares realizados no período de 2009 a

2013 foram baixados do sítio do DATASUS, sendo provenientes do Sistema de Informações

Hospitalares Descentralizado (SIHD). Tais informações foram oriundas das informações

reduzidas das Autorizações de Internação Hospitalares (AIH).

Os procedimentos cirúrgicos para fissuras de lábio e/ou palato foram identificados no

banco de dados através do código da CID-10 do diagnóstico principal que motivou a internação:

Q35 (fenda palatina), Q36 (fenda labial) e Q37 (fenda labial com fenda palatina). Outras

informações foram também coletadas dos arquivos reduzidos da AIH: (a) unidade federativa e

município onde o procedimento foi realizado (b) código do procedimento realizado (c) ano de

competência e data de internação (d) município de residência (e) data de nascimento (f) idade,

sexo e raça do paciente.

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As variáveis socioeconômicas dos municípios brasileiros foram obtidas do Atlas de

Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),

com dados extraídos do Censo Demográfico do ano de 2010.

4.2.4 Variável dependente

A variável de desfecho desta etapa do estudo foi o retardo na realização da cirurgia

primária das fissuras labiopalatinas no âmbito do SUS no período de 2009 a 2013. Este retardo

foi avaliado para a realização de cirurgias de fissuras de lábio e para as cirurgias de fissuras de

palato utilizando como parâmetro, as idades recomendadas pela American Cleft Palate-

Craniofacial Association (ACPA). Desse modo, o estudo considerou que houve retardo nas

cirurgias de lábio (labioplastia) realizadas após os 12 meses de idade e nas cirurgias de palato

(palatoplastia) realizadas após os 18 meses de vida.

4.2.5 Variáveis independentes

As variáveis independentes sociodemográficas e socioeconômicas municipais utilizadas

para avaliação do retardo do tratamento cirúrgico primário de fissuras labiopalatinas no Sistema

Único de Saúde estão detalhadas no quadro 3.

Quadro 4 - Variáveis independentes sociodemográficas e socioeconômicas municipais incluídas no

estudo com suas respectivas dimensões, descrições, categorias e escalas de medida. Brasil, 2017.

Tipo Variável Descrição Categorias/Escala

Sociodemográficas

Sexo

Caracterização genética e

anátomo-fisiológica dos seres

humanos

Masculino

Feminino

Raça/Cor

Cor ou raça declarada pela pessoa

segundo as seguintes opções:

branca, preta, amarela, parda ou

indígena

Brancos

Não-brancos

Desenvolvimento

Humano e

Qualidade de vida

Índice de

Desenvolvimento

Humano

Municipal

(IDHM)

Média geométrica dos índices das

dimensões Renda, Educação e

Longevidade, com pesos iguais.

0 a 1

Desigualdade Índice de Gini

Grau de desigualdade existente na

distribuição da renda

domiciliar per capita. Seu valor

varia de 0 a 1, assumindo o valor 0

quando não há desigualdade

alguma e o valor 1 quando há o

0 a 1

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Tipo Variável Descrição Categorias/Escala

mais extremo grau de

desigualdade possível. O universo

de indivíduos é limitado àqueles

que vivem em domicílios

particulares permanentes.

Educação

Taxa de

analfabetismo da

população de 15

anos ou mais de

idade

Razão entre a população de 15

anos ou mais de idade que não

sabe ler, nem escrever um bilhete

simples e o total de pessoas nessa

faixa etária, multiplicado por 100.

Percentual

Renda e Pobreza

Proporção de

pobres

Proporção dos indivíduos com

renda domiciliar per capita igual

ou inferior a R$ 140,00 mensais,

em reais de agosto de 2010.

Percentual

Renda per capita

média

Razão entre o somatório da renda

de todos os indivíduos residentes

em domicílios particulares

permanentes e o número total

desses indivíduos. Valores em

reais de 1o. de agosto de 2010.

Reais

Trabalho

Taxa de

desocupação aos

18 anos de idade

ou mais

Razão entre a População

economicamente ativa de 18 anos

ou mais desocupada e a população

economicamente ativa de 18 anos

ou mais multiplicado por 100.

Percentual

Fonte: IBGE/DATASUS; ONU, 2016.

4.2.6 Tratamento e análise dos dados

No Sistema de Informação Hospitalar Descentralizado as Autorizações de Internação

Hospitalar (AIH) encontram-se separadas por mês de processamento e unidade federativa.

Foram selecionados os arquivos dos 12 meses das 27 unidades federativas dos 5 anos de

interesse para o estudo com dados de todas as AIH pagas relativas a procedimentos cirúrgicos

realizados do período de 2009 a 2013. Foi feito o download destes arquivos que estavam

disponibilizados no formato .dbc. Após a conferência dos arquivos baixados, foi observado que

o arquivo referente ao mês de setembro de 2009 do estado do Acre não estava disponível. Desse

modo, foram baixados 1619 arquivos de dados.

A seguir os arquivos disponibilizados no formato .dbc foram expandidos para .dbf

utilizado o software livre Tabwin 3.2. Os arquivos em formato .dbf foram agrupados por

unidade federativa gerando um total de 27 arquivos. Posteriormente os 27 arquivos foram

agrupados em um único arquivo com um total de 57. 840.587 registros de AIH reduzidas com

96 campos. Os campos que não tinham interesse para o estudo foram excluídos produzindo um

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arquivo menor que continha 24 campos. Depois disso, foram excluídos todos os registros onde

o campo de diagnóstico principal que gerou a internação não correspondia aos códigos CID-10

de fissuras labiopalatinas (Q35- Fenda palatina, Q36 - Fenda labial e Q37- Fenda labial com

fenda palatina) gerando um arquivo com 40.259 registros.

Logo depois, os dados provenientes dos arquivos reduzidos das AIH foram organizados

em um banco de dados utilizando o programa Stata 14 e foi realizada a análise de dados perdidos

e atípicos (outliers). Em seguida, este banco foi integrado a um outro banco com dados

provenientes do Atlas de Desenvolvimento Humano com dados socioeconômicos municipais

do ano 2010 utilizando a técnica de linkage determinístico.

O esquema para a construção do banco de dados individuais associados às variáveis de

contexto está ilustrado na Figura 4.

Figura 4 - Esquema para a construção do banco de dados para a avaliação do retardo no tratamento

cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas no SUS.

Fonte: Própria

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Uma vez que, nos arquivos provenientes da AIH reduzida, a idade do paciente é

disponibilizada em anos de vida, para identificação da idade do paciente em meses (necessária

a um melhor diagnóstico do retardo do tratamento cirúrgico primário das fissuras

labiopalatinas), foi realizado o cálculo utilizando a diferença entre a data de nascimento e a data

de internação.

Para a análise do retardo do tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas,

foram selecionados os procedimentos de fissuras labiopalatinas que correspondiam a cirurgias

primárias de queiloplastia e palatoplastia, baseado na tabela unificada do sistema de

gerenciamento da tabela de procedimentos, medicamentos e OPM (órteses, próteses e materiais

especiais) do SUS em vigor para o período do estudo. Os procedimentos incluídos na análise

do retardo deste tratamento e os respectivos códigos do CID-10 estão descritos no quadro 4.

Quadro 5 - Procedimentos para fissuras labiopalatinas correspondentes a cirurgias primárias de

queiloplastia e palatoplastia no período de 2009-2013, Brasil, 2017.

Código do

procedimento Nome do procedimento

Códigos

CID-10

04.04.03.007-6 Palato-labioplastia uni ou bilateral em dois tempos ou

Labioplastia unilateral em 2 tempos

Q35, Q36 e Q37

04.04.03.009-2 Palatoplastia parcial / total Q35 e Q37

04.04.03.010-6

Palatoplastia parcial/total em paciente com deformidade

craniofacial ou

Palatoplastia primária em paciente com anomalia crânio e

bucomaxilofacial

Q35 e Q37

04.04.03.015-7

Reconstrução total de lábio em paciente com deformidade

craniofacial ou

Reconstrução total de lábio em paciente com anomalia

crânio e bucomaxilofacial ou

Queiloplastia em paciente com deformidade craniofacial

Q36 e Q37

04.04.03.020-3 Tratamento cirúrgico de labio leporino (inclui fissura

labiopalatal) Q36

Fonte: SIGTAP/DATASUS

A análise do retardo foi realizada a partir do código do diagnóstico principal que

motivou a internação (CID-10), do código do procedimento realizado e da idade, em meses, em

que o paciente portador de fissuras labiopalatina foi submetido à cirurgia primária.

As variáveis independentes socioeconômicas que indicavam o Índice de

Desenvolvimento Humano, o Índice de Gini e e as condições de escolaridade, habitação, renda

e pobreza dos municípios foram categorizadas a partir da distribuição em tercis. Optou-se por

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esta estratégia para evitar um número de municípios muito grande ou muito reduzido por

categoria.

Os dados foram analisados através da estatística descritiva, com a descrição das

frequências absolutas e relativas, médias e desvios padrão. Posteriormente foi realizada a

análise bivariada e o cálculo das RP (Razões de Prevalência) e por último, a análise de regressão

multinível de Poisson com variância robusta, com o uso do software Stata 14. Todos os testes

foram realizados considerando um limite de significância estatística de 5%.

4.2.7 Aspectos éticos

O estudo utilizou apenas dados de domínio público de acesso irrestrito, sem a

identificação dos indivíduos, dispensando, portanto, a aprovação por parte do sistema CEP-

CONEP.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Embora a presente dissertação apresente um único objeto – as fissuras labiopalatinas –

a abrangência do objetivo geral, levou à necessidade de dividí-la, a partir deste ponto, em dois

capítulos.

O primeiro capítulo traz os resultados e a discussão dos objetivos específicos

“Identificação das taxas de prevalência entre nascidos vivos por unidade federativa e região

geográfica natural” e “Correlação da prevalência de fissuras labiopalatinas com o número de

Autorizações de Internação Hospitalares aprovadas e recursos investidos no tratamento de

fenda labial e/ou palatina no Sistema Único de Saúde” e é apresentado na forma de um artigo

aceito para publicação em 13 de fevereiro de 2017, pelo periódico Brazilian Oral Research.

O segundo capítulo apresenta os resultados e discussão dos outros dois objetivos

específicos: “Mensuração do retardo na intervenção cirúrgica primária de pacientes com

fissuras labiopalatinas no Sistema Único de Saúde por tipo de fissura” e “Avaliação do efeito

do contexto sociodemográfico e dos indicadores socioeconômicos municipais no retardo do

tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas no Sistema Único de Saúde” na forma

de um artigo em construção.

5.1 CAPÍTULO 1

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5.2 CAPÍTULO 2

Fatores associados ao retardo no tratamento cirúrgico primário de fissuras

labiopalatinas: uma análise multinível.

Factors associated with delayed primary surgical treatment of cleft lip and palate: a multilevel

analysis.

Giselle Firmino Torres de Sousa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Angelo Giuseppe Roncalli

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Abstract

This study analyzed the delay of the primary surgical treatment of patients with cleft lip and

palate in Brazil performed under the Brazilian Health System (SUS), and the effect of the

sociodemographic context and municipal socioeconomic indicators on the access to this

treatment. The ages recommended by the American Cleft Palate-Craniofacial Association (12

months for lip surgeries and 18 months for palatal surgeries) were used as parameters. The

Decentralized Hospital Information System provided data on all hospital authorizations forms

paid for primary lip and/or palate surgeries for the period 2009-2013. The municipal

socioeconomic data for the year 2010 was gathered from the Atlas of Human Development.

The prevalence of delay of lip primary surgeries was 66.4% and of the palatal surgeries was

71.2%. The North and Northeast regions had the worst percentages of delay. Non-whites had a

greater probability of delay in cleft palate surgeries with RP = 1.27 (1.21-1.33) and those in

cleft lip surgeries with RP = 1.40 (1.30-1.50), considering a Level of statistical significance of

5%. The multilevel analysis identified influence of race and of Human Development Index on

the delay of primary surgery of lip, and of Human Development Index and of Gini index on the

delay of the palate surgery. The importance of social determination in the access to primary

surgeries of cleft lip and palate was evident.

Key words: Cleft lip, Cleft palate, Surgery, Epidemiology, Health Services.

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Resumo

Este estudo analisou o retardo do tratamento cirúrgico primário de portadores de fissuras

labiopalatinas, no Brasil, no âmbito do SUS, e o efeito do contexto sociodemográfico e de

indicadores socioeconômicos municipais no acesso a esse tratamento. Foram utilizados como

parâmetro as idades recomendadas pela American Cleft Palate-Craniofacial Association (12

meses cirurgias de lábio e 18 meses para as de palato). O Sistema de Informação Hospitalar

Descentralizado forneceu dados de todas as Autorizações de Internação Hospitalar pagas para

cirurgias primárias de lábio e de palato relativas ao período 2009-2013. Os dados

socioeconômicos municipais do ano 2010 foram provenientes do Atlas de Desenvolvimento

Humano. A prevalência do retardo para as cirurgias primárias de lábio foi de 66,4% e para as

cirurgias de palato 71,2%. As regiões Norte e Nordeste apresentaram os piores percentuais de

retardo. Não-brancos apresentaram maior probabilidade de retardo nas cirurgias de fissuras

palatinas com RP = 1,27 (1,21-1,33) e nas de fissuras de lábio com RP = 1,40 (1.30-1,50),

considerando um nível de significância estatística de 5%. A análise multinível identificou

influência da raça e do IDH no retardo da cirurgia primária de lábio, e de IDH e índice de Gini

no retardo da cirurgia de palato. Ficou evidente a importância da determinação social no acesso

às cirurgias primárias de fissuras labiopalatinas.

Palavras- chave: Fenda labial, Fenda palatina, Cirurgia, Epidemiologia, Serviços de Saúde.

Introdução

As fissuras labiopalatinas são as malformações congênitas mais comuns na região

craniofacial. Afetam cerca de um em 700 nascidos vivos, com uma média de 220.000 novos

casos por ano em todo o mundo 1. Além da importância epidemiológica, estas malformações

têm impacto social, psicológico e econômico, uma vez que os custos provenientes das fissuras

labiopalatinas em termos de morbidade, cuidados de saúde, exclusão social e desemprego

resultam em um grande fardo para a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar socioeconômico

dos indivíduos afetados, de suas famílias e da sociedade 2,3.

As alterações anatômicas, caracterizadas pela descontinuidade das estruturas do lábio,

palato, ou ambos, podem causar problemas estéticos, funcionais e psicossociais 4. As alterações

funcionais incluem: dificuldades de alimentação e deglutição, efeitos sobre a fala, problemas

de audição, restrição ao crescimento e desenvolvimento craniofacial, alterações dentais e

infecções de ouvido e vias aéreas5-8. As implicações psicossociais relatadas na literatura são:

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problemas de comportamento, insatisfação com a aparência facial, depressão, ansiedade, baixa

autoestima, dificuldades de aprendizagem e de relacionamento interpessoal 9.

Trata-se, portanto, de uma condição complexa que, na maioria dos casos, necessita de

um tratamento longo, multiprofissional, especializado, e de múltiplas cirurgias 3,4. Não existe

consenso na literatura quanto ao melhor protocolo a ser seguido. O protocolo cirúrgico vai

depender do tipo de fissura e do estado de saúde da criança. A cirurgia reparadora primária é a

primeira etapa da abordagem terapêutica do portador de fissura labiopalatina e pode reduzir

fortemente sequelas estéticas e funcionais 4,10. Em contrapartida, a realização desta cirurgia

após o período recomendado pode interferir com o desenvolvimento normal da fala, com a

aceitabilidade social e o desempenho escolar das crianças afetadas 11.

A época de realização da intervenção cirúrgica primária é tão importante para o

tratamento reabilitador dos portadores de fissuras labiopalatinas que a distribuição etária de

realização da primeira cirurgia é considerada um indicador simples de acesso. Nos países mais

pobres, considera-se a proporção de crianças que tiveram suas fissuras reparadas nas faixas

etárias de 1–4, 5–9, 10–14 e mais de 15 anos. Nos países mais ricos, onde o tratamento ocorre

mais precocemente e os registros são melhores, diferenças de idade na reparação cirúrgica

primária podem evidenciar desigualdades entre grupos raciais, étnicos ou de diferentes

condições socioeconômicas 1.

Problemas com a organização dos serviços, desigualdade no acesso aos cuidados e

incerteza na obtenção do tratamento são generalizados em todo o mundo. A falta de recursos

coloca o tratamento cirúrgico básico fora do alcance de milhares de crianças residentes em

países em desenvolvimento. Este fato pode aumentar as taxas de mortalidade neonatal nesses

países devido a complicações relacionadas à desnutrição e a infecções nas crianças portadoras

de fissuras labiopalatinas mais graves 1,12.

No Brasil, desde 1993, a atenção à saúde de portadores de fissuras labiopalatinas é

financiada pelo governo, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1998, o Ministério da

Saúde criou a Rede de Referência no Tratamento de Deformidades Craniofaciais (RRTDCF)

com o objetivo reduzir a iniquidade no acesso e ordenar a oferta de serviços no SUS 13.

Atualmente, esta rede é formada por 28 hospitais credenciados para a realização de

procedimentos integrados de reabilitação estético-funcional de portadores de fissuras

labiopalatinas 14. No entanto, apesar do grande número de unidades que realizam esse

atendimento no Brasil, disparidades regionais e problemas de ordenação e hierarquização estão

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68

presentes fazendo com que muitos pacientes sejam tratados tardiamente ou permaneçam sem

tratamento 15,16.

Os principais centros de tratamento de anomalias craniofaciais brasileiros seguem os

padrões estabelecidos pela American Cleft Palate-Craniofacial Association (ACPA) que

recomenda que o fechamento cirúrgico primário do lábio deve ser realizado dentro dos

primeiros 12 meses de vida, ou o mais precocemente possível desde que seja considerado

seguro para a criança, e o fechamento cirúrgico do palato até a criança completar 18 meses de

idade 18. Tratamento adequado e no tempo oportuno, segundo as diretrizes estabelecidas pela

ACPA, e o acesso ao cuidado cirúrgico das fissuras labiopalatinas foram recentemente

colocados entre as principais prioridades na agenda de pesquisa pelo Centers for Disease

Control and Prevention (CDC) nos Estados Unidos da América 19.

Apesar do reconhecimento pela literatura científica dos benefícios que a realização dos

cuidados cirúrgicos primários das fissuras labiopalatinas no período adequado pode trazer,

estudos nacionais relacionados à esta temática são escassos e restritos a pacientes que

procuraram atendimento em centros especializados 20,21. Diante disso, este artigo tem como

objetivo avaliar o retardo do tratamento cirúrgico primário de nascidos vivos com fissuras

labiopalatinas, no Brasil, no período de 2009 a 2013 e o efeito do contexto sociodemográfico e

dos indicadores socioeconômicos municipais no acesso a esse tratamento.

Método

Neste estudo foram analisadas as AIH pagas pelo SUS, em todo o país, para

procedimentos de cirurgias primárias de correção de fissuras labiopalatinas do período

compreendido entre 2009 e 2013. O retardo para a realização de cirurgias primárias de fissuras

de lábio e de palato foi avaliado utilizando como parâmetro as idades recomendadas pela

American Cleft Palate-Craniofacial Association (ACPA). Desse modo, considerou-se que

houve retardo nas cirurgias de lábio realizadas após os 12 meses de idade e nas cirurgias de

palato realizadas após os 18 meses.

Os arquivos com as informações reduzidas de todos os procedimentos hospitalares

realizados no período de 2009 a 2013 foram baixados do Sistema de Informação Hospitalar

Descentralizado no sítio do Departamento de Informática do SUS gerando um total de de 57.

840.587 registros.

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69

Foram excluídos os campos que não tinham interesse para o estudo e selecionados

apenas os registros onde o campo de diagnóstico principal que gerou a internação correspondia

aos códigos CID-10 de fissuras labiopalatinas (Q35- Fenda palatina, Q36 - Fenda labial e Q37-

Fenda labial com fenda palatina) gerando um arquivo com 40.259 registros. Estes registros

apresentavam, além do campo com o diagnóstico principal, outras informações como: código

do procedimento realizado; data de nascimento, idade, sexo e raça do paciente; município de

residência do paciente; ano de competência e data de internação; unidade federativa e município

onde o procedimento foi realizado.

As cirurgias primárias de queiloplastia e palatoplastia foram identificadas pelos códigos

do procedimento de acordo com a tabela unificada do sistema de gerenciamento da tabela de

procedimentos, medicamentos e OPM (órteses, próteses e materiais especiais) do SUS. Os

dados das AIH pagas para procedimentos de cirurgias primárias de lábio e palato foram então

organizados em um banco de dados adequado à análise estatística. Para permitir um melhor

diagnóstico do retardo do tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas, a idade do

paciente, disponibilizada na AIH em anos de vida, foi transformada em meses utilizando a

diferença entre a data de nascimento e a data de internação. Este banco de dados foi integrado

a outro com dados provenientes do Atlas de Desenvolvimento Humano com dados

socioeconômicos municipais do ano 2010 através de um linkage determinístico.

As variáveis de contexto incluídas no estudo foram Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDHM), taxa de analfabetismo aos 15 anos ou mais, índice de Gini, proporção de

pobres, taxa de desocupação aos 18 anos ou mais e renda per capita.

Os dados relacionados ao retardo foram analisados por meio da estatística descritiva,

com a descrição das frequências absolutas e relativas. Foi realizada a análise bivariada e o

cálculo das RP (Razões de Prevalência) e, por último, a análise de regressão múltipla de Poisson

com variância robusta, com o uso do software Stata 14. Todos os testes foram realizados

considerando um limite de significância estatística de 5%.

Resultados

O total de procedimentos cirúrgicos autorizados para o tratamento de fissuras

labiopalatinas no Sistema Único de Saúde, no período de 2009 a 2013, foi de 40.259

procedimentos. A distribuição das idades de realização das cirurgias primárias, segundo o tipo

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de fissura labiopalatina, mostrou que a maioria das cirurgias é realizada após os 18 meses de

vida e que as cirurgias labiais são realizadas mais precocemente (Figura 1).

Figura 1. Distribuição do tempo desde o nascimento até a cirurgia primária, segundo o tipo de fissura

labiopalatina entre 2009 e 2013. Brasil, 2017. Fonte: SIHD/DATASUS

O retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas foi avaliado a

partir da análise da idade de realização de 7.902 procedimentos de queiloplastia primária e

15.216 palatoplastias, autorizadas pelo SUS, entre os anos de 2009 e 2013.

Os dois primeiros anos mostraram os piores percentuais de retardo para ambos os tipos

de fissuras. O ano de 2011 apresentou resultados mais favoráveis em relação ao retardo do

tratamento. No entanto, essa redução não se manteve nos anos seguintes. A média do retardo

do tratamento no quinquênio estudado manteve-se acima de 65% para as cirurgias primárias de

fissuras labiais e superior a 71% para as cirurgias primárias de fissuras palatinas. Os resultados

por ano de competência da AIH podem ser observados na Figura 2.

2 0 .1 0

7 .3 71 2 .9 0

2 0 .3 0

4 .9 6

7 .8 7

7 .6 0

1 3 .0 2

1 0 .0 5

1 5 .9 0

2 8 .8 0 1 6 .3 0

1 1 .2 0

1 4 .3 0

1 3 .2 0

8 .2 0

1 0 .8 0

1 2 .7 0

1 6 .8 02 0 .6 0

2 6 .9 0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Labial Palatina Labiopalatina

Até 6 meses De 6 a 12 meses De 12 a 18 meses

De 1,5 a 4 anos De 5 a 9 anos De 10 a 14 anos

15 anos ou mais

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Figura 2. Prevalência de retardo na cirurgia primária de fissura labiopalatina entre 2009 e

2013, de acordo com o tipo de fissura. Brasil, 2017. Fonte: SIHD/DATASUS

O estudo identificou que o retardo foi maior para o tratamento cirúrgico primário das

fissuras palatinas do que para o tratamento das fissuras labiais em todas as cinco regiões

naturais. As regiões Norte e Nordeste apresentaram os piores resultados em relação ao retardo

no tratamento dos dois tipos de fissuras labiopalatinas analisados, enquanto que a região

Sudeste apresentou os menores percentuais de retardo, com melhores resultados para as

cirurgias labiais que para as palatinas. A prevalência de retardo nas cirurgias de fissuras

labiopalatinas entre 2009 e 2013, de acordo com a região natural de residência do paciente e o

tipo de fissura, está ilustrada na Figura 3.

67.367.9

66.9

65.1 65.366.4

76.475.6

66.865.8

67.5

71.2

40

45

50

55

60

65

70

75

80

2009 2010 2011 2012 2013 Total

Labial Palatina

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Figura 3. Prevalência de retardo na cirurgia primária de fissura labiopalatina entre 2009 e 2013, de

acordo com a região e tipo de fissura. Brasil, 2017. Fonte: SIHD/DATASUS

A análise bivariada das variáveis sociodemográficas mostrou significância estatística na

associação da variável sexo com o retardo da realização da cirurgia primária de lábio e da

variável raça (p<0,001) com o retardo na realização de ambas as cirurgias (queiloplastia e

palatoplastia). O retardo no tratamento cirúrgico primário da fissura de lábio mostrou-se 7%

mais prevalente no sexo feminino. Em relação à variável raça, os resultados mostraram que o

retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras palatinas é 27% mais prevalente em

pacientes não-brancos em relação a pacientes brancos enquanto que, para as cirurgias primárias

de lábio, esse retardo em não-brancos é ainda maior, chegando a 40%.

Todas as variáveis socioeconômicas municipais incluídas no estudo mostraram

significância estatística em relação ao retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras de

lábio e de palato na análise bivariada. Para ambos os tipos de fissuras, as razões de prevalência

do retardo no tratamento cirúrgico primário mostraram-se maiores em pacientes residentes em

municípios de menor IDH, maior taxa de analfabetismo aos 15 anos de idade, maior índice de

83.8

69

55.5

61.7

65.7 66.4

86.6

75.2

66.2 67.670.9 71.2

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil

Labial Palatina

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Gini, maior percentual de pobreza, de desocupação aos 18 anos ou mais e rendas mais baixas.

As frequências absolutas e relativas e razões de prevalência (IC 95%) do retardo no tratamento

cirúrgico primário de fissuras labiais e palatinas no SUS, no período de 2009 a 2013 estão

descritas na Tabela 1.

Tabela 1. Frequência absoluta e relativa, significância estatística e razão de prevalência (IC 95%) do retardo no

tratamento cirúrgico primário de fissuras labiopalatinas no SUS, no período de 2009 a 2013, Brasil, 2017.

Retardo no traamento cirúrgico de fenda Labial Retardo no traamento cirúrgico de fenda Palatina

Variável n % p RP (IC95%) n % p RP (IC95%)

Sexo

Masculino 2.933 64,6 1 4.372 70,6 1

Feminino 2.261 69,1 0,015 1,07 (1,01-1,13) 3.858 72,0 0,384 1,02 (0,98-1,06)

Raça

Brancos 1.246 54,1 1 3.048 65,2 1

Não-Brancos 2.045 75,8 <0,001 1,40 (1.30-1,50) 2.885 82,8 <0,001 1,27 (1,21-1,33)

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M)

0,731 ou mais 1.886 58,3 1 3.473 66,2 1

0,647 a 0,731 1.278 64,1 0,002 1,12 (1,04-1,20) 2.456 71,1 0,006 1,07 (1,02-1,13)

Até 0,646 2.030 77,7 <0,001 1,33 (1,25-1,42) 2.301 80,6 <0,001 1,22 (1,15-1,28)

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade

Até 7,57 1.642 57,5 1 3.587 66,3 1

7,58 a 16,86 2.274 71,5 <0,001 1,24 (1,17-1,32) 2.845 74,6 <0,001 1,13 (1,07-1,18)

16,87 e mais 1.278 72,0 <0,001 1,14 (1,16-1,35) 1.798 77,1 <0,001 1,16 (1,10-1,23)

Índice de Gini

Até 0,506 599 52,2 1 1.778 64,7 1

0,507 a 0,544 1.394 63,6 <0,001 1,11 (1,08-1,34) 2.625 70,1 0,008 1,08 (1,02-1,15)

0,545 e mais 3.201 71,6 <0,001 1,21 (1,26-1,50) 3.827 75,6 <0,001 1,17 (1,10-1,23)

Proporção de pobres

Até 7,90 1.886 58,3 1 3.571 65,5 1

7,91 a 30,90 2.055 70,4 <0,001 1,21 (1,13-1,28) 2.916 75,9 <0,001 1,16 (1,10-1,22)

30,91 e mais 1.253 75,6 <0,001 1,30 (1,21-1,39) 1.743 77,2 <0,001 1,18 (1,11-1,25)

Taxa de desocupação aos 18 anos de idade ou mais

Até 5,80 1.017 55,5 1 1.937 63,8 1

5,81 a 7,50 656 62,1 0,025 1,11 (1,01-1,23) 2.065 72,2 <0,001 1,13 (1,06-1,20)

7,51 e mais 3.521 71,5 <0,001 1,29 (1,20-1,38) 4.228 74,7 <0,001 1,17 (1,11-1,23)

Renda per capita média

R$ 802 e mais 1.886 58,3 1 3.473 66,2 1

R$ 438 a R$ 801 1.898 70,3 <0,001 1,20 (1,13-1,28) 2.813 74,0 <0,001 1,12 (1,06-1,17)

Até R$ 437 1.410 75,1 <0,001 1,28 (1,20-1,38) 1.944 77,7 <0,001 1,17 (1,11-1,24)

RP= Razão de Prevalência; IC: Intervalo de Confiança, p=valor de “p”

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74

Tabela 2. Modelo de regressão multinível de Poisson para o retardo no tratamento cirúrgico primário de fissura

labial no SUS, entre 2009 e 2013, de acordo com fatores individuais e contextuais. Brasil, 2017.

Modelo Nulo Modelo 1 (n=4.999) Modelo 2 (n=4.999)

Variáveis (n=7.810) RP (IC 95%) p RP (IC 95%) p

Nível Individual

Sexo

Masculino 1 -

Feminino 1,06 (0,99-1,14) 0,092 - -

Raça

Brancos 1 1

Não-Brancos 1,29 (1,18-1,41) <0,001 1,19 (1,08-1,31) <0,001

Nível de Contexto

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

0,748 e mais 1

Até 0,747 1,32 (1,01-1,73) 0,046

Analfabetismo em 15 anos ou mais

Até 6,07 1

6,08 e mais 0,87 (0,67-1,15) 0,335

Índice de Gini

Até 0,528 1

0,528 e mais 1,09 (0,93-1,29) 0,271

Efeitos Fixos

Coeficiente (IC 95%) -0.46 (-0.52; -0.41) -0,64 (-0,72;-0,57) -0,71 (-0,78;-0,62)

Efeitos aleatórios

Variância (IC 95%) 0.031 (0.017-0.054) 0,021 (0,009-0,047) 0,014 (0,005-0,037)

LR test (x2, p-value) 76.6 (<0.001) 26,6 (<0,001) 12,7 (<0,001)

IC = Intervalo de Confiança; RP = Razão de Prevalência; LR = Likelihood Ratio

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75

Tabela 3. Modelo de regressão multinível de Poisson para o retardo no tratamento cirúrgico primário de fissura

palatina no SUS, entre 2009 e 2013, de acordo com fatores individuais e contextuais. Brasil, 2017.

Modelo Nulo Modelo 1 (n=8.164) Modelo 2 (n=11.552)

Variáveis (n=11.552) RP (IC 95%) p RP (IC 95%) p

Nível Individual

Raça

Brancos 1 - -

Não-Brancos 1,25 (1,18-1,33) <0,001 -

Nível de Contexto

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

0,748 e mais 1

Até 0,747 1,10 (1,01-1,20) 0,022

Índice de Gini

Até 0,528 1

0,528 e mais 1,09 (1,01-1,19) 0,037

Efeitos Fixos

Coeficiente (IC 95%) -0,34 (-0,38;-0,31) -0,42 (-0,46;-0,38) -0,44 (-0,48;-0,39)

Efeitos aleatórios

Variância (IC 95%) 0,012 (0,007-0,022) 0,002 (0,000-0,019) 0,007 (0,003-0,014)

LR test (x2, p-value) 48,1 (<0,001) 0,45 (0,251) 18,8 (<0,001)

IC = Intervalo de Confiança; RP = Razão de Prevalência; LR = Likelihood Ratio

Nas duas modelagens, as variáveis relativas às taxas de analfabetismo, pobreza,

desemprego e renda foram excluídas por colinearidade. No modelo para fissura labial (Tabela

2), permaneceram significativas a raça (para o nível individual) e IDH para o contexto. Para a

fissura palatina (Tabela 3), apenas as variáveis de contexto IDH e Gini permaneceram

significativas.

Discussão

O Sistema Único de Saúde (SUS), assim como os sistemas de saúde de vários países

europeus, orienta-se pelo princípio de acesso universal e igualitário. A justiça social nos

serviços de saúde é um princípio presente na Constituição Federal brasileira de 1988 e traduz-

se como igualdade no acesso entre indivíduos socialmente distintos 22. No entanto, esta

igualdade no direito ao acesso não assegura, por si só, o uso equânime dos meios de prevenção

e de tratamento colocados à disposição da sociedade 23.

No Brasil, apesar dos avanços na expansão da oferta e cobertura dos serviços de saúde

obtidos com a implantação do SUS, disparidades sociais e regionais ainda persistem. Pessoas

mais pobres, de baixa escolaridade, afrodescendentes, indígenas e residentes das regiões Norte

e Nordeste apresentam maiores dificuldades de acesso aos serviços de saúde 24.

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76

A metodologia utilizada neste estudo não permitiu a análise da condição

socioeconômica individual dos portadores de fissuras labiopalatinas, devido à ausência destas

variáveis no banco de dados de indivíduos. No entanto, os resultados da análise multinível

mostraram a importância da determinação social no retardo do tratamento primário das fissuras

labiopalatinas no nosso país. As variáveis raça (no nível individual) e IDHM (no nível do

contexto) influenciaram no retardo na realização da cirurgia primária de lábio. O IDHM e o

Índice de Gini (ambos no nível do contexto) tiveram influência no retardo na realização da

cirurgia primária de palato.

Os resultados mostraram um forte efeito da variável raça sobre o retardo no tratamento

das fissuras labiopalatinas no período avaliado. A desigualdade étnico-racial constitui-se como

um importante eixo no estudo das desigualdades em saúde. Embora a classificação por grupo

racial não seja útil enquanto categoria biológica, esta constitui-se como um importante

constructo social que determina identidades, acesso a recursos e a valorização na sociedade. No

Brasil tal desigualdade decorre, principalmente, de um contexto histórico de escravidão de

afrodescendentes que deixou marcas na posição social de sucessivas gerações da população

negra 25.

O campo cor/raça faz parte das informações registradas pelos sistemas brasileiros de

informação em saúde desde 1995/1996 25. As categorias de classificação de raça seguem

aquelas adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Portaria n.

3.947/GM. Diário Oficial da União 1999; 14 jan). Apesar do alto número de informações

perdidas no registro da variável raça observado neste estudo (36,4% para procedimentos de

queiloplastia e 29,5% para procedimentos de palatoplastia), a grande diferença em relação à

prevalência observada no retardo da cirurgia primária das fissuras labiopalatinas entre os

pacientes não-brancos e brancos deixa evidente a desigualdade étnico-racial no acesso ao

tratamento, resultante, provavelmente, de diferenças socioeconômicas neste grupo.

A desigualdade entre grupos raciais em relação ao retardo no tratamento cirúrgico

primário das fissuras labiopalatinas também foi observada nos Estados Unidos da América em

estudo realizado por Cassel, Daniels e Meyer 26. No referido estudo, crianças de mães negras e

de mães hispânicas tiveram, respectivamente, 70% e 14% menos chance de realizar a cirurgia

primária até os 18 meses que crianças de mães brancas.

Além da desigualdade social, desigualdades regionais também foram observadas neste

estudo. Travassos, Oliveira e Viacava 22 mencionam que o acesso aos serviços de saúde no

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77

Brasil é fortemente influenciado pela condição social das pessoas e pelo grau de

desenvolvimento econômico do local onde residem.

Neste estudo observamos que quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano do

município, maior a prevalência de retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras labiais

e palatinas. Carlson et al. 27 analizaram a relação entre o acesso tardio à palatoplastia primária

após os 24 meses e o PIB per capita em 11 países em desenvolvimento (Gana, Etiópia,

República Democrática do Congo, Madagascar, China, Índia, Nicarágua, Bolívia, Paraguai,

Peru e México) e constataram uma forte correlação negativa entre o status de renda nacional e

o acesso tardio à cirurgia primária de fissura palatina, indicando um alto grau de desigualdade

no acesso à cirurgia, particularmente nos países de média e baixa renda.

A American Cleft-Palate Association recomenda que a gestão dos pacientes com qualquer

tipo de anomalia craniofacial seja fornecida por uma equipe interdisciplinar de especialistas que

acompanhe um número suficiente de pacientes a cada ano para manter experiência clínica no

diagnóstico e tratamento17. Segundo Silva 28, redes regionalizadas e integradas de atenção à

saúde oferecem uma condição estrutural mais adequada à efetivação da atenção integral, e reduz

os custos dos serviços por proporcionar sua utilização de forma mais racional.

O Brasil conta com uma Rede de Referência no Tratamento de Deformidades

Craniofaciais (RRTDCF). No entanto, a grande disparidade observada entre as regiões

geográficas naturais, em relação ao retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras

labiopalatinas, deixa evidente a existência de problemas na ordenação da oferta de serviços de

alta complexidade nesta área.

O estudo de Monlleó e Gil-da-Silva-Lopes 15 revelou uma concentração de centros de

tratamento integrantes da RRTDCF na Região Sudeste e um número insuficiente destas

unidades nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Segundo os autores, este fato pode

alimentar um importante fluxo de pacientes que buscam atendimento em instituições distantes

do seu local de residência. Esta situação parece não ter sido alterada nos últimos anos.

Atualmente, dos 28 hospitais habilitados pelo SUS para a realização de procedimentos

integrados de reabilitação estético-funcional de fissurados, 19 estão localizados nas regiões Sul

e Sudeste, e apenas cinco no Norte e Nordeste 14. Esta disparidade pode ajudar a explicar os

maiores percentuais de retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas nas

regiões Norte e Nordeste observados neste estudo.

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78

Quanto ao tipo de fissura labiopalatina, maior retardo foi observado para o tratamento

cirúrgico primário das fissuras de palato. Este fato pode ser explicado, em parte, pela maior

frequência de anomalias adicionais e associação com síndromes nas crianças com fissuras de

palato do que naquelas que apresentam fissuras de lábio, com ou sem envolvimento do

palato2,29.

Devemos também considerar o fato de que as cirurgias reparadoras de palato são

procedimentos mais complexos, que requerem maior experiência cirúrgica e anestésica por

parte da equipe hospitalar e que podem desenvolver complicações operatórias graves. Tais

dificuldades podem fazer com que muitos centros de tratamento optem por não operar as

fissuras palatinas mais complexas, reduzindo ainda mais a disponibilidade deste serviço 30.

Um estudo realizado na Carolina do Norte (EUA) observou que 88% das crianças com

fissuras de lábio tiveram suas fissuras reparadas dentro do prazo recomendado pela ACPA,

enquanto que, entre aquelas que apresentavam fissura de palato, este percentual foi bem menor

(58%). No mencionado estudo, as crianças com fissuras isoladas apresentaram uma

probabilidade 15% maior de receber cirurgia até os 18 meses que crianças com múltiplas

anomalias, independentemente do tipo de fissura 26. No estudo conduzido por Abbott,

Kokorowski e Meara11, também nos Estados Unidos da América, pacientes com diagnóstico de

fenda labial com fenda palatina realizaram o reparo cirúrgico mais tardio que aqueles que

apresentavam apenas fenda palatina, resultando possivelmente da maior complexidade da

fenda.

Este estudo apresenta como limitação o fato de não incluir a análise de fatores individuais

relacionados à situação clínica do paciente como o grau de severidade da fissura, a associação

com outros defeitos congênitos ou síndromes, baixo peso ao nascer e prematuridade; fatores

que podem ter relação com a realização do tratamento cirúrgico mais tardio. Tais informações

estão disponíveis no SINASC, mas não no SIH/SUS. A falta de integração entre as informações

presentes nos diversos sistemas de informação em saúde podem, como no caso deste estudo,

limitar as análises. O uso da técnica do linkage probabilístico poderia ser uma opção para

identificar eventos não disponíveis em uma das duas fontes 31. No entanto, o uso desta técnica

requer a utilização de dados primários com identificação do nome, sendo de difícil liberação

pelos órgãos de vigilância à saúde.

Outra limitação apresentada pelo estudo diz respeito à cobertura do SIH/SUS, cujas

informações estão restritas às internações realizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde –

SUS (hospitais públicos e privados conveniados), excluindo as hospitalizações custeadas

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diretamente ou cobertas por seguros privados de saúde. Entretanto, é importante ressaltar que

tal cobertura é estimada em torno de 80% do total de internações do país, apresentando

variações regionais32.

Quanto aos pontos positivos do estudo, podemos destacar: o fato de este ser o primeiro

estudo sobre o retardo do tratamento cirúrgico primário de fissuras labiopalatinas de

abrangência nacional; a inclusão de dados individuais e não apenas agregados; e o uso do

código do diagnóstico principal (de acordo com a CID-10) vinculado ao código do

procedimento cirúrgico, aumentando a confiabilidade do dado.

As circunstâncias culturais, econômicas e sociais nas quais uma criança com fissura

labiopalatina nasce irá determinar as sequelas finais decorrentes desta anomalia congênita.

Embora crianças não operadas possam sobreviver, elas poderão enfrentar, ao longo de suas

vidas, além da deformidade facial, problemas ao se alimentar, falar, ouvir, baixa autoestima,

depressão, estigmatização, exclusão social e obstáculos ao emprego1. Temos que considerar

que quanto mais a reparação cirúrgica primária for retardada, maiores serão os impactos destas

condições na saúde e qualidade de vida dessas crianças e dos seus familiares.

O estudo identificou que o retardo no tratamento cirúrgico primário das fissuras

labiopalatinas no âmbito do Sistema Único de Saúde é maior em crianças que vivem em um

contexto socioeconômico desfavorável e de maior desigualdade, evidenciando a determinação

social no retardo deste tratamento. É incontestável que o Estado deve garantir, através do SUS,

a atenção à saúde nesta área. No entanto, para a garantia do acesso à saúde dos portadores de

fissuras labiopalatinas no tempo oportuno no Brasil, aumentar a oferta de serviços pode não ser

suficiente. É essencial que haja uma ampla articulação intersetorial com a implantação de

políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade que assegure a igualdade no direito

de acesso ao tratamento e promova a melhoria das condições de vida e de saúde desses pacientes

e de suas famílias.

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82

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo identificou no Brasil uma prevalência média de fissuras labiopalatinas

inferior à média mundial e uma grande irregularidade na distribuição da frequência desta

malformação entre as regiões naturais e as unidades federativas.

Foi observado um alto percentual de retardo no tratamento cirúrgico primário das

fissuras labiopalatinas, com piores resultados nas regiões mais pobres do Brasil e nos

municípios com pior IDH e maior desigualdade social.

Diante desse resultados, sugerimos algumas medidas no sentido de melhorar os

registros e tentar reduzir as inequidades no tratamento dos portadores de fissuras labiopalatinas

no Sistema Único de Saúde:

Treinamento dos profissionais envolvidos no registro, codificação e digitação das

anomalias congênitas nos estabelecimentos de saúde e no SINASC, priorizando as

unidades federativas onde foram observadas as taxas de prevalência mais baixas;

Redefinição do número e distribuição geográfica dos hospitais habilitados para

tratamento estético funcional dos portadores de fissuras labiopalatinas;

Estruturação de hospitais regionais e capacitação de profissionais de centros menores

para a realização de procedimentos cirúrgicos mais complexos;

Estabelecimento de uma rotina para referência de recém-nascidos com fissuras

labiopalatinas em todos os hospitais maternidades;

Integração formal entre as maternidades, as centrais de regulação municipais, estaduais

e nacionais de modo a garantir a oferta do tratamento cirúrgico primário no tempo

oportuno;

Apoio financeiro às famílias de portadores de fissuras labiopalatinas a partir de uma

análise da situação socioeconômica familiar.

O presente estudo traz importantes contribuições sobre a prevalência e o retardo

no tratamento cirúrgico primário das fissuras labiopalatinas no âmbito do SUS. No

entanto, é importante considerar que, apenas a primeira etapa do complexo tratamento

das fissuras labiopalatinas foi avaliado e que, diante das dificuldades de acesso

observadas, é possível que as demais etapas da reabilitação estejam sendo

negligenciadas. Desse modo, o tema das fissuras labiopalatinas constitui-se como uma

área da Saúde Coletiva que carece ainda de muitas questões a serem esclarecidas.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Este trabalho teve como objetivo identificar a prevalência de fissuras labiopalatinas no Brasil e o efeito de fatores sociodemográficos

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