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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA JULLIANE MICHELLE FREIRE DE ALMEIDA O CAPITALISMO PERIFÉRICO COMO LOCUS DE REFLEXÃO E AÇÃO: DO DESENVOLVIMENTISMO AO NEOLIBERALISMO Natal, RN 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NORTE CENTRO DE ... · Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

JULLIANE MICHELLE FREIRE DE ALMEIDA

O CAPITALISMO PERIFÉRICO COMO LOCUS DE REFLEXÃO E AÇÃO:

DO DESENVOLVIMENTISMO AO NEOLIBERALISMO

Natal, RN

2016

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JULLIANE MICHELLE FREIRE DE ALMEIDA

O CAPITALISMO PERIFÉRICO COMO LOCUS DE REFLEXÃO E AÇÃO:

DO DESENVOLVIMENTISMO AO NEOLIBERALISMO

Monografia de Graduação apresentada

ao Departamento de Economia da

UFRN como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em

Economia.

Orientador: Prof. Dr. Marconi Gomes da Silva

Natal, RN

2016

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Serviços Técnicos

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN BCZM

Almeida, Julliane Michelle Freire de.

O capitalismo periférico como locus de reflexão e ação: do desenvolvimentismo ao

neoliberalismo / Julliane Michelle Freire de Almeida. - Natal, 2016.

56f: il.

Orientador: Prof. Dr. Marconi Gomes da Silva.

Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Economia. Curso de

Graduação em Ciências Econômicas.

1. Economia - Monografia. 2. Desenvolvimento econômico - Monografia. 3.

Subdesenvolvimento – Monografia. 4. Capitalismo periférico – Monografia. 5.

Neoliberalismo – Monografia. I. Silva, Marconi Gomes da. II. Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 338.1

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JULLIANE MICHELLE FREIRE DE ALMEIDA

O CAPITALISMO PERIFÉRICO COMO LOCUS DE REFLEXÃO E AÇÃO:

DO DESENVOLVIMENTISMO AO NEOLIBERALISMO

Monografia de Graduação apresentada

ao DEPEC/UFRN como parte dos

requisitos para obtenção do título de

Bacharel em Economia

Aprovada em: __/__/____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Dr. Marconi Gomes da Silva

Orientador (a)/DEPEC UFRN

__________________________________________

Prof. Dr. Denílson da Silva Araújo

Examinador/ DEPEC UFRN

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai, José Braz de Almeida, sábio pescador Areia-

Branquense. (in memoriam).

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AGRADECIMENTOS

Ao meu companheiro Fernando Costa Filho pelo incentivo e dedicação diária a

esta árdua caminhada para a compreensão da ciência política e econômica.

Ao meu filho, Fernando Costa Neto por compreender todas as ausências

necessárias a um graduando.

Aos meus colegas de trabalho e amigos Dagmar Nascimento e Macielde dos

Santos pela compreensão e apoio.

Aos meus professores pelos ensinamentos diários aliados ao estímulo da análise

crítica, fomentado mais perguntas do que respostas.

A minha família em nome de minha Mãe Mônica Lucia e meus irmãos, pela

presença e apoio fraternos.

Aos Amigos feitos ao longo da trajetória do curso, em destaque as “Economets”

e aos colegas de viagem do “Eco Tur”, por tornar a vida acadêmica mais leve.

Ao Professor e Orientador Marconi Silva a quem pude admirar desde o primeiro

dia de aula pelo seu rigor teórico e compromisso com o que faz, por tanta sensibilidade

e compreensão dos limites e possibilidades de um aprendiz.

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“A história da sociedade até os nossos dias é a história da

luta de classes”

(Karl Marx)

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RESUMO

O presente estudo tem como propósito a análise da periferia capitalista sob a perspectiva

da reflexão teórica e da ação política com vistas ao desenvolvimento. Para tanto,

privilegiou o estudo da abordagem cepalina e da teoria da dependência em dois períodos

históricos: o primeiro, compreendendo do imediato Pós-Segunda Guerra até o declínio

do acordo de Bretton Woods e o segundo, o que se seguiu a este momento, mas,

especialmente a década de 1990. O estudo foi desenvolvido, valendo-se do método de

análise baseado na perspectiva materialista da história. Desse modo, resgata-se a

emergência dessas teorias, a partir da realidade material que está na base do seu

surgimento. Ao se colocar em foco o período desenvolvimentista como objeto de

reflexão teórica, destacam-se os elementos básicos da teoria do subdesenvolvimento, a

construção teórica cepalina e as duas abordagens da teoria da dependência: a marxista –

secundada no debate intelectual – e a de Cardoso e Faletto – que assumiu uma espécie

de “pensamento único” sobre a dependência. Quando se põe em relevo o período pós-

desenvolvimentista, são evidenciadas as mudanças no plano das ideias das abordagens

cepalina e da dependência, bem como o “novo” modelo de desenvolvimento que

emergiu como produto das “novas” ideias: o Modelo Liberal Periférico. A pesquisa

adota duas hipóteses centrais: 1) no período desenvolvimentista, a Cepal desempenhou

um papel ímpar distanciando-se do papel de uma instituição integrante da estrutura da

Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, no período de vigência do

neoliberalismo, passou a se comportar como real integrante da estrutura da ONU; 2) a

teoria da dependência prendeu-se às determinações estruturais do capitalismo. Por isso,

aceitou que, a partir de dado momento do período desenvolvimentista, o ingresso do

investimento estrangeiro direto com o respaldo de ditaduras militares constituiu-se a via

única para o desenvolvimento periférico, enquanto no período neoliberal, defendeu que

o que fora estabelecido no Consenso de Washington seria a possibilidade única de

desenvolvimento para os países periféricos. A título de consideração final, é possível

afirmar que o desenvolvimento da pesquisa permitiu aumentar o grau de confiança nas

hipóteses norteadoras do estudo.

Palavras-Chave: Cepal; Dependência; Economia periférica; Subdesenvolvimento

Desenvolvimentismo; Neoliberalismo.

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ABSTRACT

In this present study, the purpose was establish the deep analyse about capitalist

periphery from the theoretical perspective and the political action about the

development. For this, decided the approach study “Cepalina” and the Dependency´s

Theory in two historical periods: the first, immediate after the Second World War until

the Bretton Woods´ breach of contract and the second, what followed of this moment,

more specificallythe decade of 1990. The study was develop, for method of analysis

based in perspective materialistic historic. This way, were rescue the emergence of these

theories, from the material reality that be in base of your emergence. Putting in focus

the development period in theoretical reflection like object, stand out the basic elements

of music theory under-development, the theoretical “Cepalina” construction and two

approaches of theory of dependency: the marxist – based in intellectual debates - and

Cardoso and Faletto – that assume the single thought about dependency. When we put

in evidence the period after-development, are demonstrated the changes in plans of

ideas about approach study “Cepalina” and Dependency, as well as ”new” model of

development that emerge as product of “new” ideias: The Model Liberal peripheral. The

research adopt two mains hypothesis: 1) in development period, the Cepal had a unique

role dissociating itself like a institution that take part of United Nations’ structures.

However, in neoliberalism’s period of duration, its take part of real integrat of United

Nations’ structures; 2) Theory of Dependency attached to the structural determinations

of capitalism. Therefore, accepted that, from the one moment of development´s period,

the foreign direct investment with support of military dictatorships represent the unique

way for peripheral development, while in neo-liberal period, defend that was established

in Washington Consensus will be the unique possibility of development for peripherical

pays. Like final consideration, is possible to say that the development to research

allowed increase the degree of confidence in hypothesis guided in this study.

Keywords: Cepal, Dependency, Periferical economy, Under-development,

developmentalism, Neo-liberalism.

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LISTA DE SIGLAS

BM Banco Mundial

BNDS Banco Nacional de Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe

FMI Fundo Monetário Internacional

IED Investimento Externo Direto

MBAG Metas e Bases para a Ação do Governo

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

PAEG Plano de Ação Econômica do Governo

PED Programa Estratégico de Desenvolvimento

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

SALTE Saúde, Alimentação, Transporte e Energia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12

1. A EMERGÊNCIA DAS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO ....................... 16

1.1 A crise de 1929: base real da crítica à teoria econômica predominante ........ 16

1.1.1 A crise de 1929 e seu reflexo na economia mundial ...................................... 16

1.1.2 Planos Econômicos e fortalecimento dos EUA.............................................. 19

1.1.3 Crise da teoria econômica dominante ............................................................ 20

1.2 (Pós) Segunda Guerra Mundial e a consolidação da Hegemonia Americana 22

1.2.1 Segunda Guerra Mundial ............................................................................... 22

1.2.2 Plano Marshal e Doutrina Trumam, a consolidação da Hegemonia Americana

................................................................................................................................. 23

1.3 A América Latina: campo de experimento e de formulação

desenvolvimentista .................................................................................................... 23

2 DESENVOLVIMENTISMO: EMERGÊNCIA E DECLÍNIO ............................. 25

2.1 Elementos básicos da teoria do subdesenvolvimento ....................................... 25

2.2 A elaboração cepalina da relação centro-periferia .......................................... 27

2.3 Abordagens da dependência .............................................................................. 29

2.3.1 As visões da dependência tratadas como secundárias .................................... 29

2.3.2 A visão dominante da dependência: Cardoso e Falletto ................................ 33

3 BRASIL: do ocaso desenvolvimentista à vigência do modelo liberal periférico.. 40

3.1 Do desenvolvimentismo à primeira década perdida: breves considerações .. 40

3.2 O Brasil e o domínio neoliberal ......................................................................... 43

3.2.1 A “nova” teoria da dependência ..................................................................... 43

3.2.2 A “nova” CEPAL ........................................................................................... 46

3.3 Brasil: a vigência do modelo liberal periférico ................................................ 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................54

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INTRODUÇÃO

Muitos foram os acontecimentos políticos, sociais e econômicos ocorridos neste

último século. No período de 1900 a 2000, o mundo viveu momentos muito importantes

para sua história: descobertas tecnológicas, ruptura de paradigmas, realinhamento de

potências econômicas, etc. Dentre os principais eventos para a análise político-

econômica, listam-se a Primeira Guerra Mundial, que ocorreu nos anos de 1914 a 1918,

e a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu nos anos de 1939 a 1945. Ambas formaram a

“Grande Guerra” com o envolvimento de quase todas as nações e a participação efetiva

de todas as grandes potências com seu grande potencial bélico de destruição.

Outro evento histórico de grande relevância foi a crise econômica de 1929 – a

maior crise de superprodução do capitalismo, que teve nos Estados Unidos a sua

origem. O capitalismo apontando suas contradições encontrava-se em sua fase

imperialista vivendo a sua antítese histórica.

A junção destes acontecimentos, originados no epicentro econômico do

capitalismo, transbordaram para o mundo, mesmo que em maiores proporções para uns

do que para outros. A América Latina sofreu com regimes de intolerância política e no

plano do desenvolvimento, tornando-se distante em relação aos países de capitalismo

central, bem como aprofundou a desigualdade de renda interna.

As teorias de subdesenvolvimento têm sua origem nesses fenômenos políticos e

econômicos. O capitalismo em busca de respostas à desigualdade que ele próprio

engendra não conseguiria mais conter as demandas vindas da periferia e as exigências

por distribuição de renda advinda da maioria dos países semicoloniais.

O liberalismo vivenciará suas primeiras crises e suas potências precursoras serão

questionadas. O fantasma socialista advindo do rápido desenvolvimento da Rússia,

então União Soviética, através da utilização de uma produção planificada que

contrariava os métodos anárquicos da produção capitalista, colocaria em evidência os

processos de produção usados nos países periféricos, que buscavam cada vez mais sua

industrialização e desenvolvimento.

Nesse contexto, surgiram as principais teorias de desenvolvimento. Na tentativa

de um resgate da credibilidade no sistema capitalista era preciso barrar a alternativa

socialista com políticas que se aproximassem do ideal de bem estar e de distribuição de

renda.

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Para as grandes potências capitalistas, era necessário a formulação de métodos

que não propusessem a ruptura com o sistema, que discutissem os problemas dentro de

seus marcos e possibilidades, de modo a construir um receituário que ao ser seguido

pelos países de capitalismo periférico permitiriam alcançar o tão almejado

desenvolvimento.

A principal difusora destas teorias na América Latina e no Brasil foi a CEPAL,

que trouxe uma visão de desenvolvimento estruturalista, que defenderá além das

políticas de fortalecimento do parque industrial produtivo e a necessidade de

investimento em infraestrutura com a construção de rodovias, portos, energia, entre

outros. Seu ideal de desenvolvimento baseava-se na distribuição de renda como

proposta principal. Caracterizou as economias periféricas como especializadas e

heterogêneas e criticou o modelo primário-exportador que servia, em última instância

para aumentar os diferenciais de desenvolvimento entre o centro e a periferia, em

decorrência dos diferenciais de produtividade e da deterioração dos termos de

intercâmbio.

Dentre as principais vertentes das teorias de desenvolvimento existentes no

Brasil, podem ser destacadas as teorias da dependência desenvolvidas por intelectuais

como Theotônio dos Santos Ruy Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso e Enzo

Faletto, entre outros. Apesar de utilizarem a mesma nomenclatura, seus

posicionamentos e conceituações eram bastante distintos entre os seus principais

expoentes. De um lado, uma leitura mais à “direita”, trazida por Fernando Henrique e

Enzo Faletto, em sua principal obra intitulada “Dependência e Desenvolvimento na

América Latina”. De outro, uma leitura mais à esquerda, pela lavra de intelectuais como

Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, como os principais teóricos da vertente

marxista. Ademais, a CEPAL representou um pensamento mais perto do “centrismo”

político.

A questão fundamental da presente pesquisa é a retomada do debate a respeito

das possibilidades de desenvolvimento periférico partindo da abordagem da CEPAL e

da teoria da dependência em períodos históricos distintos: o primeiro, compreendendo

do imediato Pós-Segunda Guerra até o declínio do acordo de Bretton Woods e o

segundo, após este momento, mas, especialmente a década de 1990.

O objetivo geral da pesquisa é a apresentação da periferia capitalista como locus

de reflexão e ação, a partir da abordagem cepalina e da teoria da dependência.

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Com vistas a dar conta de tal objetivo geral, o trabalho se propõe a cumprir os

seguintes objetivos específicos:

1) Realizar um resgate sobre a emergência dessas teorias, buscando no seu

nascedouro, os processos políticos que foram fundamentais para o seu surgimento. Este

objetivo será analisado no primeiro capítulo da pesquisa;

2) Analisar o período desenvolvimentista como objeto de reflexão teórica. Logo,

serão enfocados os elementos básicos da teoria do subdesenvolvimento, a construção

teórica cepalina e duas abordagens da teoria da dependência: a marxista – secundada no

debate intelectual e a de Cardoso e Faletto – que assumiu uma espécie de pensamento

único sobre a dependência. Este objetivo será tratado no segundo capítulo;

3) apresentar a reflexão a temática do desenvolvimento sob duas perspectivas: o

desenvolvimento no plano das ideias e no plano das ações. No plano das ideias, discute-

se as abordagens cepalina e da dependência, nesse caso pela lavra de um dos seus

expoentes nos anos 1990. No plano das ações, toma-se o Brasil como recorte espacial

que expressa a trajetória de desenvolvimento dos países periféricos, mesmo

reconhecendo que cada país apresenta especificidades em relação aos demais. Assim,

aborda-se o período desenvolvimentista, a partir de um breve retrospecto dos principais

planos econômicos; a década primeira “década perdida” e período pós-

desenvolvimentista, com a adoção de um “novo” modelo de desenvolvimento: o

Modelo Liberal Periférico. Este objetivo será tratado no terceiro capítulo.

A pesquisa adota duas hipóteses centrais: 1) no período desenvolvimentista, a

Cepal desempenhou um papel ímpar do ponto de vista teórico e do ponto de vista

político, ao se distanciar do papel que “deveria” assumir como parte integrante da

estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU). De outra parte, no período de

vigência do neoliberalismo, passou a se comportar como real integrante da estrutura da

ONU; 2) a teoria da dependência prendeu-se às determinações estruturais do

capitalismo. Por isso, na versão Cardoso/Faletto aceitou que a partir de meados dos anos

1950, a única possibilidade de desenvolvimento periférico seria pelo investimento

estrangeiro direto e pela ascensão de ditaduras para estabelecer ganhadores e

perdedores. No período neoliberal, defendeu, na versão de Cardoso, que o que fora

estabelecido no Consenso de Washington seria a possibilidade única de

desenvolvimento periférico.

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A pesquisa consiste em revisão de parte da literatura expressiva sobre o tema em

pauta e encontra-se estruturada em três capítulos, conforme já apresentado nos objetivos

específicos, além desta introdução e das considerações finais.

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1. A EMERGÊNCIA DAS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

1.1 A crise de 1929: base real da crítica à teoria econômica predominante

1.1.1 A crise de 1929 e seu reflexo na economia mundial

O surgimento das teorias econômicas tem sua base material nas condições

sociais e econômicas vigentes, refletindo a necessidade de responder às demandas

políticas engendradas pelos sistemas econômicos. As teorias do desenvolvimento

econômico seguem este preceito, ao observar sua gênese, “onde e quando” emergiram

encontra-se em seu arcabouço social e conjuntural, um cenário de profunda recessão

econômica no qual se teorizou buscando soluções e modelos que norteassem uma

possível resolução para as crises cíclicas de superprodução1 engendradas pelo

capitalismo. Este fenômeno é produto da anarquia da produção capitalista, na qual há

desequilíbrio entre demanda e oferta, inicialmente no setor de bens de capital

estendendo-se para o setor de bens de consumo. As consequências mais severas das

crises são: o desemprego em massa, redução de salários, queda na produção e falência

das empresas.

A chamada Grande Depressão, que eclodiu em 1929, caracterizou-se como o

mais longo período de recessão econômica, a crise mais intensa vivenciada pelo sistema

capitalista, que devastou a economia mundial. De acordo com a teoria marxista estas

crises são cíclicas e acontecem cada vez mais e em formatos mais intensos. As suas

constantes sucessões, levaria a uma ruptura do próprio sistema capitalista. Segundo

relata Frieden (2008, p. 191):

O colapso econômico de 1929 foi único em termos de profundidade e

amplitude. Já houvera crises cíclicas antes, mas nunca como essa. A

economia dos países industrializados permaneceu desintegrada por mais de

cinco anos, com uma redução de 1/5 na produção e o desemprego atingindo

¼ da força de trabalho. Crises financeiras e cambiais se reproduziram no

mundo todo em um intervalo de semanas, fazendo com que economias

inteiras afundassem juntas. Nenhumas das principais nações foi poupada

(FRIENDEN, 2008, p.191).

1Superprodução: situação na qual vários capitalistas e ramos diversos da economia encontram

dificuldades para vender toda a sua produção, o que leva a uma condição generalizada pela qual a

produção total excede a demanda total. Devido ao caráter não planejado da concorrência capitalista, só

por acaso, ou pela idealização teórica, uma situação de equilíbrio pode predominar em todos os ramos da

produção, com uma correspondência precisa entre produção e demanda e a realização dos cálculos

capitalistas. (Bottomore, 2001).

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A debâcle de 1929 atingiu severamente a economia mundial. Todos foram

afetados, alguns em menores proporções, outros quase que integralmente. Assim como

o efeito de uma pedra lançada ao rio, o abalo é sentido com mais força, nas

proximidades que a cerca. Assim ocorreu com a crise. Países que estavam localizados

no epicentro do capitalismo mundial, sofreram as consequências mais severas desta

crise, com grande destaque para os Estados Unidos que entre 1929 e 1933 apresentavam

mais de 13 milhões de desempregados. No período, 70 milhões de títulos foram

lançados ao mercado sem encontrar uma contrapartida da demanda, 5 mil bancos

pararam de funcionar, 85 mil empresas decretaram sua falência, foi reduzida à metade a

produção industrial e agrícola daquele país, tamanho o feito desta crise. Em apenas três

semanas tudo o que o mercado tinha levado 18 meses para alcançar foi perdido. A

produção industrial de 3 meses sofreu uma redução de 10% e 20% nas importações. A

situação girava como uma bola de neve e as atividades iam parando, gerando falência,

que geravam números absurdos de desempregados. As potências europeias foram

chamadas pelos EUA a quitar os enormes empréstimos que haviam feito desde a

Primeira Guerra Mundial, além dos empréstimos concedido pelos Estados Unidos

haviam também os investimentos. Essa busca dos Estados Unidos pelo regresso de seus

capitais desestabilizou os principais países da Europa que tiveram seus sistemas

financeiros falidos, transformando uma branda recessão em uma severa crise

(SANDRONI, 2008, p.382)

Encontramos este relato em

Nos anos 1920, os EUA gozavam de tal prosperidade que o presidente do

Hebert Hoover disse em 1928: “Na América estamos mais perto da vitória

final sobre a pobreza do que nunca na história de qualquer nação”. Um ano

depois ocorreu a quebra de Wall Street: as ações despencaram e milhares de

empresas faliram. Em 1932, mais de 13 milhões de americanos estavam sem

emprego. Os EUA cobraram os enormes empréstimos que haviam feito à

Europa, e os bancos europeus faliram. Na maior parte da década muitos

países em todo mundo entraram em grave depressão (ROSA, 2013. p.152).

O primeiro país europeu a ser atingido foi a Inglaterra. Apresentou um índice

de desemprego que chegou a 23%. A Alemanha com uma tradicional política de

austeridade atingiu um elevado índice de 44% em sua taxa de desemprego.

Aglomerados econômicos importantes como a Citröen, o Banco Nacional do

Comércio e a Companhia Geral de Transporte na França foram fortemente afetados.

Processos semelhantes seguiram-se na Itália, Reino Unido, Austrália e Países baixos. O

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Japão, no período de 12 meses foi duramente afetado pelo corte nos empréstimos e

quedade 43% no preço da Seda. No Brasil a mais marcante manifestação avassaladora

da crise foi a destruição de 80 milhões de sacas de café, principal produto de exportação

do país compradas pelo governo federal na tentativa de diminuir os estoques e sustentar

o seu preço que caía vertiginosamente. Mas não foi apenas no Brasil que encontramos

esta destruição direta da produção, como método de regulação de mercado. Ela também

ocorre no Canadá com seu trigo e com o algodão nos Estados Unidos. O aumento das

tarifas alfandegárias impactou severamente no comércio internacional, agudizando

ainda mais esta crise econômica e foi assim por toda a década, com muitos países em

todo o mundo enfrentando grave depressão. Não podendo deixar de excepcionar a

economia soviética. A queda brusca nos preços das commodities e a redução da

demanda europeia e norte-americana, atingiram severamente os países produtores.

Dentre as medidas econômicas tomadas por países como Brasil, Argentina, Austrália e

Canadá foi a desvinculação de suas moedas ao padrão vigente, o padrão ouro, o que se

mostrou mais impactante. Porém, dadas as proporções destas economias, muito

pequenas, e de pouco impacto, não gerou inicialmente nenhuma reação de outros países

(SANDRONI, 2008, p382).

A economia planificada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, por

sua vez, respondeu bem à “Grande Depressão”, chegando a registrar, em 1930, 20% de

crescimento econômico anual. No texto segundo (CHOMA, 2008, p.03)

Nos anos em que a economia capitalista entrou em depressão, a economia da

URSS se encontrava em plena expansão. Entre 1929 a 1940, a produção

industrial soviética triplicou, subindo de 5% dos produtos manufaturados no

mundo para 18%. No mesmo período Inglaterra, França e EUA viram sua

fatia cair de 59% para 52%. Se naqueles anos o sistema capitalista condenava

milhões à pobreza, na URSS não havia desemprego. Isso porque a URSS não

era parte do mercado mundial capitalista. Apesar das profundas deformações

burocráticas provocadas pelo stalinismo, a economia estatal planificada

demonstrou todo seu potencial e a jovem república soviética se transformou

de um país atrasado e agrário numa grande potência econômica mundial

(CHOMA, 2008, p.03).

Este advento da economia soviética preocupou os países hegemônicos. Afinal a

União Soviética apresentava um modelo além crises? Que modelo era este? Estes foram

alguns dos muitos questionamentos feitos por vários países, que buscavam soluções

econômicas para além do neoliberalismo. As teorias neoliberais não conseguiam mais

dar respostas à economia mundial.

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1.1.2 Planos Econômicos e fortalecimento dos EUA

Em 1933, o presidente dos Estados Unidos, Franklim Roosevelt, adotou o New

Deal, com o intuito de combater a Grande Depressão. O plano era baseado na

intervenção do Estado no processo produtivo, por meio de um audacioso plano de obras

públicas, com o objetivo de atingir o pleno emprego, indo contra toda a solidificada

tradição neoliberal americana. As táticas do presidente se assemelharam a uma guerra,

como foi dito em um pronunciamento. Ele tomaria o controle do sistema financeiro do

país, decretando o embargo do ouro e desvalorizando o dólar para favorecer as

exportações. O controle se estendeu à bolsa de valores e à subscrição das sociedades

anônimas. Na busca por recursos para o Estado instaurou uma sobretaxa progressiva

sobre as rendas.O National Industrial Recovery Act determinou a redução das horas de

trabalho sem diminuição do salário, procurando assim, levar a uma maior absorção da

mão de obra desempregada. Foi criado um salário mínimo nacional e decretada a

liberdade de organização sindical e a convenção coletiva de trabalho. Instituiu-se o

seguro social em parte financiado pelos patrões. Para reanimar a construção civil e

combater o desemprego, criou-se o programa da casa própria. A política agrícola foi

regulamentada, onde o governo assumiu as dívidas dos pequenos proprietários e

ofereceu facilidade de credito e prêmios para os fazendeiros que se engajassem nas

metas governamentais. A execução do New Deal contou com forte oposição dos

industriais e dos setores conservadores da sociedade norte americana, que denunciavam

a intervenção do Estado na economia como um processo de socialização na vida

nacional. (SANDRONI, 2008, p.592).

Um dos principais méritos do New Deal foi ir na contra mão dos métodos

aplicados em crise, dentre eles a deflação, que mostrou toda a sua ineficácia agudizando

as crises nos países que mantiveram as políticas ortodoxas.

Novas teorias se constituem como necessárias para explicar e superar este

momento de depressão que a economia americana e mundial passavam e foi através de

John Maynard Keynes que ocorreu a crítica ao contundente modelo clássico vigente, a

qual basicamente pregava o livre comércio. Keynes apontou a necessidade da

intervenção do Estado, como agente de investimento.

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20

Por que as soluções antigas não estavam funcionando? Como Keynes previu,

a menor flexibilidade dos preços e salários era um indicador de que a

economia do pós guerra não mais responderia a um colapso como antes. Os

oligopólios que cortavam nas vendas mantendo os preços altos passaram

Faproduzir menos do que em condições normais, os sindicatos que

defendiam os salários altos à custa de um nível de emprego menor,

restringiram a oferta de trabalho. As empresas e sindicatos com poder de

mercado podiam produzir menos e vender a preços mais altos, tornando

ociosos trabalhadores e máquinas. Nos setores que se aproximavam das

condições de 1914, como o agrícola os preços despencaram, enquanto

fazendeiros continuavam a produzir tanto quanto antes ou ainda mais. “Mas o

mecanismo purgativo ortodoxo que deveria ter sido ativado pela grande

depressão não funcionava mais para muitos setores e não estava conseguindo

reavivar o crescimento econômico” (FRIEDEN, 2008, p. 198).

1.1.3 Crise da teoria econômica dominante

A teoria liberal passa a ser questionada, constando-se como um modelo falido

que não mais conseguia dar respostas às demandas sociais existentes, assim como a

autoridade política e econômica da Inglaterra que não se sustentava nem se justificava

mais, principalmente com o advento da ascensão dos Estados Unidos e da Alemanha no

Pós-Guerra.

Com a crise na ordem liberal e a desconfiança na tese das finanças saudáveis, a

ideia do Estado mínimo entrou em descrédito, abrindo espaço para viabilizar a aceitação

de um Estado ativo e interventor. No Brasil isso se demonstrava através da aplicação do

modelo varguista de intervenção. Medidas semelhantes foram implementadas por

Getúlio Vargas, bem como nos Estados Unidos com o New Deal, pela Social

democracia escandinava e pelo nacional socialismo Alemão. Entretanto, serão

principalmente os países primários exportadores os maiores defensores das teorias do

desenvolvimento (BASTOS & BRITO, 2010, p.11).

A teoria do desenvolvimento econômico em uma perspectiva materialista da

história é fruto de seu tempo, das condições sociais e ideológicas. Seu surgimento se

deu no período do pós-guerra, momento histórico caracterizado por fortes pressões

sociais e políticas, em níveis nacionais e internacionais, em busca do desenvolvimento

de países que eram considerados “inferiores” em relação ao seu atraso material e

econômico se se comparasse aos países ricos. A crise do entreguerras e a própria

organização da vida econômica nos diversos países, enfraqueceram o dogma liberal

(BASTOS & BRITO, 2010, p.09).

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É neste contexto que surgem as principais teorias de desenvolvimento,

destinadas a países que passam a ser considerados “em desenvolvimento”.

CHANG (2004), em seu livro “Chutando a escada”, discorre sobre a

emergência destas teses e seus principais teóricos. Segundo o autor,

Com o fim da Segunda Guerra mundial, quando o desenvolvimento dos

países pós-coloniais passou a ser um tema importante, a abordagem histórica

prosperou muito entre os criadores da “economia do desenvolvimento”.

Estudiosos como Arthur Lewis, Walt Rostow e Simon Kuznets formularam

suas teoria sobre “estágios” de desenvolvimento econômico com base num

conhecimento profundo da história da industrialização nos países

desenvolvidos. (CHANG, 2004, p. 20).

Nesta linha de argumentação, importante destaque é dado por CHANG (2004).

A “Tese do Desenvolvimento Tardio” do historiador econômico russo-americano

Alexander Gerschenkron, que argumentava que o ritmo continuamente crescente do

desenvolvimento tecnológico impunha aos países que estavam empreendendo a

industrialização, a criação de veículos institucionais mais eficazes para mobilizar o

financiamento industrial.

O auge destas teorias acontece na década de 1960, período onde surgem

coletâneas, que tinham por principal objetivo transmitir aos países em desenvolvimento

as lições extraídas das experiências históricas das nações desenvolvidas. (CHANG,

2004, p.20).

O fantasma socialista, com o crescimento da União Soviética, também teve seu

papel no fortalecimento das teorias desenvolvimentistas e foi na Guerra Fria que ficou

desnudado o posicionamento de combate político e teórico das teorias emergentes,

propondo um inédito e vigoroso programa de apoio ao desenvolvimento dos países

atrasados. Esses acontecimentos corroboraram a crise da teoria econômica

convencional.

As discussões das peculiaridades das economias “Latino Americanas” tem seu

auge no fim da Segunda Guerra. Este é o momento em que os países de capitalismo

central discutem a necessidade de estabelecer uma “receita pronta” para o

desenvolvimento.

Em MAURO (2007), observa-se que a América Latina inseriu-se inicialmente

no mercado mundial como colônia, exportadora comandada e explorada de acordo com

as demandas externas das metrópoles.

A teoria neoclássica encontrava-se em momentos de crise. Os modelos

neoliberais não atendiam às demandas econômicas destes países, enquanto que o

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principal problema macroeconômico contemporâneo dos países de capitalismo central

girava em torno do emprego. Para a grande maioria do resto do mundo a questão do

desenvolvimento econômico era seu grande desafio.

As teorias clássicas e neoclássicas de crescimento econômico consideram o

comércio internacional um mecanismo essencial para difusão dos frutos

desse processo. Isto é, através do livre comércio os ganhos de produtividade

são transmitidos recíproca e cumulativamente pela economia pela economia

internacional, beneficiando todos os países que compõe esse mercado

mundial (GONÇALVES, 1998, p. 68).

Surgiram inúmeros grupos de pesquisas em oposição. Seu instrumental era

criticado e apontado como insuficiente e inadequado para analises de países em

desenvolvimento.

1.2 (Pós) Segunda Guerra Mundial e a consolidação da Hegemonia Americana

1.2.1 Segunda Guerra Mundial

De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela

destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado,

pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos

(MARX,2002, p. 51).

O advento das Guerras Mundiais pode ser considerado um acontecimento

político e econômico engendrado pelas potências, com o intuito de destruição de forças

produtivas em momento de crise. Com o fim da segunda guerra Mundial foram

estabelecidos novos parâmetros sociais e políticos para a economia mundial. Dentre

estes parâmetros foi possível observar um realinhamento político e econômico dos

principais países de capitalismo central, o que transbordou em consequências políticas e

econômicas aos países de capitalismo periférico.

A Europa vai ter que mudar completamente sua perspectiva. Quase todos os

países europeus, pelo menos os países centrais da Europa Ocidental, tinham

grandes impérios. E eles vão passando por um muito lento processo de

desintegração dos Impérios, que às vezes acontece de forma, vamos dizer

assim, pacífica, e um pouco comandada pelo país dominante. A Inglaterra em

alguns momentos percebe que não tem condições de aguentar a luta e acaba

de certa forma dizendo que concede a independência [...]. Ou você vai ter

processos tremendamente violentos. Acho que um dos exemplos mais claros

é a guerra da Argélia, que deixa um milhão de pessoas mortas e vai se

processar na década de 60. Mas é um processo que vai continuando até os 70,

entra nos anos 80, e ainda existem pequenas coisinhas que não foram

resolvidas. Então, isso é um resquício de guerra, diz a professora em ‘A

humanidade no Pós Segunda Guerra’ (AQUINO, 2005,p.02).

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As principais potências dominantes da época eram, Alemanha, Japão,

Inglaterra e França. Porém, o país que mais se beneficiou deste conflito foi os EUA,

considerado o grande vencedor desta Guerra. Por conseguinte, nota-se uma contestação

por parte de alguns países principalmente os da América Latina que passaram a

questionar, formular e não mais aceitar a sua condição de subjugo e semicolônia dos

países imperialistas.

1.2.2 Plano Marshal e Doutrina Trumam, a consolidação da Hegemonia Americana

Na busca por soluções econômicas para reerguer a economia, os Estados

Unidos atuavam com pioneirismo. Sendo assim, através do plano Marshal retomavam

sua política de investimentos nos países europeus ocidentais que se encontravam

arruinados pelo fim da Segunda Guerra. No plano Marshall, caberia aos Estados Unidos

o controle monetário e fiscal dos países participantes. É sabido que estes investimentos

já eram uma prática dos Estados Unidos antes da grande depressão. A diferença agora

era a busca pela hegemonia política com a doutrina Trumam, através da qual buscava

exercer uma dominação nesses países para a erradicação total do comunismo, que se

alastrou principalmente após as crescentes experiências de economias planificadas.

A ajuda e os empréstimos do governo norte-americanos foram a primeira

contribuição do país para o crescimento da Europa Ocidental e do Japão após

a guerra. Imediatamente após o conflito, os Estado Unidos enviaram mais de

US$ 10 bilhões como assistência emergencial à Ásia e à Europa. Em grande

parte, a ajuda se deu pelo fornecimento de comida e de outras necessidades

básicas a populações muitas vezes famintas. O plano Marshall e o programa

japonês paralelo se destinava a reconstrução econômica. Os custos, cerca de

US$14 bilhões, correspondiam a mais de 5% do PIB norte-americano de

1948; (...) No primeiro ano de funcionamento, a assistência do Plano

Marshall era de 3% a 6% da renda nacional da maioria dos países europeus

beneficiados e, em média, significava ¼ de seus investimentos totais. Em

alguns países menores, a ajuda do Plano Marshall correspondia a mais de

1/10 da renda nacional (FRIEDEN, 2008, p. 291).

1.3 A América Latina: campo de formulação e de experimento desenvolvimentista

No Brasil e América-Latina as teorias de desenvolvimento chegam

principalmente através da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), órgão

regional das nações Unidas criado em 1948 com o objetivo de elaborar estudos

alternativos para o desenvolvimento dos países latino americanos.

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A CEPAL surge no momento em que se encerrava um dos capítulos mais

dramáticos da história da humanidade, a Segunda Grande Guerra, iniciando-

se uma era em que o poderio bélico, deflagrado pelo lançamento da bomba H

em Hiroshima e Nagasaki, ditaria as novas relações sociais em nível global.

O mundo via-se dividido em dois grandes blocos: um formado pelos países

socialistas que se aglutinavam em torno da União Soviética (URSS), grande

responsável pela vitória sobre a Alemanha nazista; e o outro, formado pelos

países capitalistas, hegemonizado pelos Estados Unidos. A configuração

desses blocos determinaria a conformação política, econômica e militar do

mundo nas décadas subsequentes. No mundo capitalista, muitos países

haviam saído recentemente de processos de descolonização. É o caso da

América Latina, que possuía vários Estados nacionais consolidados, um

processo de industrialização em andamento e uma complexa estrutura de

classes, com a burguesia industrial fazendo parte do bloco no poder. Diante

das crescentes tensões, geradas pela insatisfação das ex-colônias, frente às

relações internacionais desiguais e da eminente ameaça comunista, os países

capitalistas centrais apontavam para a real necessidade de convencer os

países subdesenvolvidos de que as possibilidades de progresso estavam

abertas para todos. (MAURO, 2007, p.164).

Observa-se assim a origem e a finalidade destas teorias, chegando nos países

pobres como uma fórmula pronta, uma espécie de receita de bolo a ser seguida, onde ao

final atingiriam o tão sonhado desenvolvimento econômico, bastava apenas organizar

seus três setores produtivos, primário secundário e terciário. Enquanto não fosse

alcançado seria “normal” conviver com estruturas econômicas em um mesmo país de

caráter avançado e primário, sendo desenvolvimento e subdesenvolvimento partes de

um mesmo processo. Acreditou-se que o subdesenvolvimento seria uma espécie de pré-

estágio para o desenvolvimento.

A América Latina, apesar de ser uma zona de Estados independentes desde o

século XIX, sente-se identificada com as aspirações de independência

econômica dos antigos povos coloniais e deseja também uma independência

política real diante das pressões diplomáticas e intervenções políticas e

militares diretas da Inglaterra, sobretudo até 1930, e dos Estados Unidos

particularmente depois da 2º Guerra. (SANTOS, 1998, p. 02).

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2 DESENVOLVIMENTISMO: EMERGÊNCIA E DECLÍNIO

2.1 Elementos básicos da teoria do subdesenvolvimento

Dentro do arcabouço das teorias de subdesenvolvimento surgidas

principalmente após a Segunda Guerra, não é possível encontrar homogeneidades em

suas definições e nomenclaturas o que se encontra é um complexo de teorias e

definições, não sendo isto um privilégio exclusivo das teorias do subdesenvolvimento,

mas inerente à ciência que está sempre em busca de explicações e entendimentos

estáticos para situações que estão sempre em movimento.

A teoria do subdesenvolvimento apresenta três elementos básicos que serão

abordados no decorrer desse tópico.

Inicialmente abordaremos sobre o papel da poupança que constitui um dos

pilares da teoria econômica do desenvolvimento.

Consegue-se detectar um retorno ao pensamento clássico. Quanto à relação

entre a velocidade da acumulação diretamente ligada com a capacidade de poupança,

trazendo novamente a Lei de Say, ou lei dos mercados, que afirmava que a economia é

regida pelo lado da oferta.

Alguns autores investigam os efeitos da escassez de poupança sobre a inflação

e/ou déficit externo e seus impactos limitantes sobre o processo da acumulação. Em

Mynt encontra-se que o problema do crédito e do financiamento, não seria propriamente

a falta de poupança. O dilema estaria localizado principalmente na organização,

distribuição e aplicação adequada do crédito existente. (BASTOS e BRITO, 2010).

Os autores discutem que dentre as principais características atribuídas as

economias subdesenvolvidas é a carência de poupança, que pode ocorrer por inúmeros

fatores. Comumente são apresentados a ausência da acumulação de capital, a influência

de padrões de consumos de países desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos. A

poupança de uma elite existente nos países subdesenvolvidos seria depreciada pelo

consumo dos produtos dos bens de luxo, consequência da influência do padrão de

consumo dos países desenvolvidos. Esta peculiaridade impactaria em outro elemento

fundamental da teoria e será o segundo elemento: comércio exterior.

O tratamento dado ao comércio exterior nas estratégias protecionistas tem por

objetivo o amadurecimento e o fortalecimento do mercado interno. Nas formulações de

políticas pelos intelectuais da época, era comum vermos proposições de políticas

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econômicas com práticas protecionistas principalmente com relação às importações.

Essas políticas eram usadas como estratégia para o desenvolvimento. Uma grande

demonstração dessas práticas no Brasil foram as políticas de substituição das

importações com a utilização de métodos de proteção de setores específicos com

barreiras quantitativas e/ou tarifárias. O entendimento da política de substituição das

importações não apontava para práticas de caráter liberal.

As diferenças entre os níveis de vida, quando muito amplas e conhecidas,

exercem uma pressão que eleva a propensão ao consumo nos países mais

pobres. De acordo com o pensamento clássico, a falta de equilíbrio no

comércio internacional só perdura porque alguns países persistem viver

acima de suas possibilidades (BASTOS e BRITO, 2009, p. 25).

Segundo Bastos e Brito, para Mynt a problemática estaria localizada no

crédito, ele defende a existência de um “gargalo” que estaria localizado tanto na

distribuição do crédito necessário à produção, como nas aplicações adequadas para à

poupança existente.

Em Marx encontra-se uma análise sobre o desenvolvimento e o comércio

exterior, fazendo uma distinção entre os países onde a indústria moderna estava mais

desenvolvida e países secundários onde anteriormente o capitalismo “estava confinado a

poucos setores da sociedade” usando a presença de expansão das ferrovias nestes países

para exemplificar o grau de desigualdade econômica entre o produtor e real e o

exportador e o aumento na miséria da população nas nações exportadoras.

Em geral, as ferrovias deram, é claro, um imenso impulso para

odesenvolvimento do comércio exterior, mas o comércio em países que

exportam produtos principalmente primários aumentou a miséria das massas.

Não apenas o novo endividamento, contraído pelo governo por conta das

ferrovias, aumentou o volume de tributos que pesam sobre o povo, mas a

partir do momento em que cada produto local passa a poder ser convertido

em ouro cosmopolita, muitos artigos anteriormente baratos, porque

invendíveis em certo grau, tais como frutas, vinho, peixes, carne, etc,

tornaram-se demandados e foram retirados do consumo do povo, enquanto

por outro lado, a produção em si, quero dizer, o tipo específico do produto,

foi alterado de acordo com a sua maior ou menor suscetibilidade para

exportação, enquanto que anteriormente era principalmente adaptado para seu

consumo in loco. [...]. Todas as mudanças foram muito úteis para o grande

proprietário de terras, o usurário, o comerciante, para as ferrovias, os

banqueiros e assim por diante, mas muito tristes para o produtor real.

(MARX apud DE PAULA, 2014, p.181).

Na análise de PAULA (2014), em um breve resumo, o que Marx está

afirmando é que a instalação de ferrovias nos países sem uma indústria desenvolvida -

em especial no caso dos países exportadores de produtos primários - acaba tendo como

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consequência a aceleração da subordinação da economia desses países à lógica da

exportação ou, em outras palavras, aos processos de acumulação de capital das

economias industrializadas que compram estes produtos. Ainda que favorecesse o

comércio exterior, fossem úteis para os comerciantes, banqueiros e para as próprias

companhias ferroviárias, levava à “miséria das massas”, à “retirada dos produtos do

consumo local” e ao “prejuízo para os produtores”. Aqui já existe a indicação de uma

diferenciação entre os países “líderes do capitalismo” e aqueles “que exportam

principalmente produtos primários” e uma diferenciação qualitativa, onde o mesmo

processo – a instalação de ferrovias – leva a resultados opostos.

Por último e não menos importante citado por BASTOS E BRITO (2010), o

último elemento: o papel das externalidades. É neste ponto que acontece a ruptura com

a análise marginalista, a divergência acontece na necessidade de intervençãode grandes

projetos de investimentos, em oposição ao gradualismo econômico, ou até mesmo a

inexistência da intervenção por parte do Estado.

Para que o desenvolvimento ocorresse seriam necessários alguns fatores que o

autor Rosestein-Rodan, BASTOS E BRITO (2010) chamou de indivisibilidades. Para

ele três indivisibilidades dão origem às economias externas:

Do lado da oferta, indivisibilidades da função de produção, particularmente

do capital social; este deve preceder o investimento produtivo, criando

necessariamente capacidadeociosa;indivisibilidade da demanda, ligando-se à

ideia de que as decisões de investimento são interdependentes, o que oferece

risco a um investidor individual; indivisibilidade da oferta de poupança

(BASTOS e BRITO, 2010, p.26).

Dessa forma, haveria um alto retorno das ações sociais governamentais, uma

redução do risco privado servindo como um estimulador para os investimentos

privados, a atuação no consumo de massa gera produção em quantidades elevadas que

se deslancharia uma quantidade para investimentos. Para um melhor entendimento será

importante uma análise da elaboração cepalina.

2.2 A elaboração cepalina da relação centro-periferia

A Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), criada pela

organização das Nações Unidas (ONU) analisa o desenvolvimento econômico pela ótica

da distribuição de renda condicionada pela produtividade do trabalho. Difere de outros

pensamentos e por entender que o desenvolvimento tem de ser associado ao crescimento

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da renda dos habitantes. Mesmo com esse entendimento, o debate cepalino se limita a

uma discussão dentro dos marcos do capitalismo. Sendo assim, não seria correto afirmar

o seu posicionamento enquanto marxistas, para isso precisariam propor a ruptura do

sistema capitalista.

Caracterizam-se centro e periferia de acordo com a entrada e participação na

produção capitalista, sendo a periferia atrasada do ponto de vista tecnológico e

organizativo. Este atraso irá refletir diretamente na difusão do progresso técnico.

Em outros termos, entende-se que centros e periferia se constituem

historicamente como resultado da forma pela qual o progresso técnico se

difunde na economia mundial. Nos centros, os métodos indiretos de produção

gerados pelo progresso técnico se difundem em um período de

temporelativamente breve, pela totalidade do aparelho produtivo. Na

periferia, parte-se de um atraso inicial e, no transcorrer da fase dita do

‘desenvolvimento para fora’, as técnicas novas só são implantadas nos

setores exportadores de produtos primários e em algumas atividades

econômicas diretamente relacionadas coma exportação, as quais passam a

coexistir com setores atrasados, no que diz respeito à penetração das novas

técnicas e ao nível da produtividade do trabalho. (RODRIGUEZ, 1986, p.

37).

Outro ponto da análise cepalina de bastante lucidez e contribuição teórica para

o entendimento dos centros e da periferia é a análise e divisão das estruturas produtivas

entre especializada e heterogênea e diversificada. Caracteriza a periferia como

especializada por destinar parte importante dos recursos ao setor exportador de produtos

primários ao custo de uma demanda crescente e diversificada que para ser atendida

importa seus bens e serviços. Paralelo a isto sua estrutura é heterogênea por conter em

uma mesma estrutura setores que atingem o mais alto nível de produtividade e setores

que ainda obtém índices baixíssimos de produtividade e utilização de tecnologias

arcaicas e antiquadas, se constituindo assim heterogênea, ao passo que nas economias

de capitalismo central encontra-se estruturas produtivas diversificadas e homogêneas.

Observamos em Porcile (2010) a formulação teórica destes conceitos:

O conceito de heterogeneidade estrutural foi desenvolvido pela CEPAL para

explicar porque as economias em desenvolvimento mostram níveis

extremamente elevados de subemprego e de assimetrias na produtividade do

trabalho, tanto entre setores como no interior dos mesmos. É importante

mencionar que diferenças de produtividade são normais e existem em todas

as economias. Alguns setores mostram maior dotação de capital e intensidade

da inovação; a produtividade é, portanto, maior e tende a crescer a taxas mais

altas do que no resto da economia. A geração de vantagens via inovação e

oligopólios é normal no capitalismo [...] Mas o que singulariza as economias

em desenvolvimento é o fato de que a magnitude das assimetrias de

produtividade é muito mais elevada e persistente, e atinge a uma maior

parcela da força de trabalho (PORCILE, 2010, p. 65).

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Definindo assim na divisão internacional do trabalho o papel da periferia de

exportador de bens primários e ao centro de tecnologias e bens industriais, com forte

desemprego e desequilíbrios externos ocasionados pelos desajustes entre o aumento da

demanda por importações e redução da demanda externa por produtos primários. Como

já foi citado, a periferia não consegue acompanhar a evolução tecnológica do centro e,

por isso, o hiato do atraso não consegue ser superado (PORCILE, 2010, p.65).

Não menos importante o texto trás um elemento que serviu para diagnosticar a

situação das diversas economias jovens da América Latina: a sua condição determinada,

pois mesmo eliminando barreiras estruturais os países de capitalismo periférico estarão

sempre em desvantagem devido a deterioração dos termos de troca, expressão

empregada por Raul Prebisch.

A queda da relação de intercâmbio traz implícito o fato de que, nas

economias periféricas, a renda média aumenta menos do que a produtividade

do trabalho ou, em outras palavras, que essas economias “perdem” parte dos

frutos de seu próprio progresso técnico, “transferindo-os” parcialmente para

os grandes centros. Segundo se argumenta, “essa transferência” pode ser de

pouca importância para as economias centrais, mas terá normalmente um

sensível efeito negativo sobre o desenvolvimento daquelas que compõem a

periferia do sistema econômico mundial (RODRIGUEZ, 1986, p. 40).

Dentre as situações colocadas, a proposta que a Cepal faz, seria uma

planificação da economia e destaca que isto seria necessário somente na periferia, pois

não está se colocando como crítica à anarquia e caráter cíclico do capitalismo, apenas

afirma que para o restabelecimento e superação de gargalos, seria necessário uma

política de desenvolvimento recorrendo ao uso da programação.

2.3 Abordagens da dependência

2.3.1 As visões da dependência tratadas como secundárias

No arcabouço das Teorias de Desenvolvimento também situavam-se os

teóricos da vertente marxista. Apesar de inúmeras tentativas de isolar e de deturpar as

suas elaborações, esses pensadores deixaram seus registros. Na década de 1960, eventos

importantes aconteceram para recrudescer o debate do desenvolvimento nos países da

América Latina, com destaque para a Revolução Cubana, convém tomar conhecimento

destes fatos importantes para a economia e política, para uma melhor análise

conjuntural. Vejamos:

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30

De fato, é possível dizer que a vitalidade das análises sobre a dependência

latino-americana surgiu precisamente dos inúmeros debates realizados em

torno ao assunto, impulsionados pela conjuntura específica pela qual passava

a América Latina – que, entre tantas expressões, vivia o impacto da

Revolução Cubana em 1959; era palco da ideologia nacional-

desenvolvimentista; assistia a ascensão das lutas de massas, interrompida no

Brasil pelo golpe de 1964, que forçou o exílio de vários intelectuais para a

Argentina, México e, principalmente, Chile, país que, por sua vez, logo

viveria a chegada de Salvador Allende e a Unidad Popular ao poder, sendo

ainda o país sede da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e

também do Centro de Estudios Socioeconómicos (CESO) da Universidad de

Chile, dois núcleos importante de análises sobre o subdesenvolvimento e a

dependência; tudo isso numa América Latina que também foi protagonista

das lutas travadas mundialmente em 1968 (PRADO, 2010, p. 69).

Entender de forma crítica qual seria o papel econômico de países como Chile,

Argentina e Brasil no contexto mundial, tornava-se vital para a formulação das políticas

econômicas destes países.

Mas como foi dito antes, muitas foram as deturpações teóricas. Prado (2010)

em seu trabalho, “História de um Não-Debate: a trajetória da teoria marxista da

dependência no Brasil” afirma:

No Brasil, [...} essa história foi diferente. Aqui, na verdade, houve um não-

debate, e em seu lugar existiu uma leitura unilateral em relação às

contribuições vinculadas ao marxismo e à luta revolucionária latino-

americana. Tais contribuições, além de terem sido alvo da censura e da

perseguição política, sofreram um sistemático trabalho de deturpação

intelectual, no qual o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso

teve um papel central, contando também com a conivência de diversos

intelectuais de peso e com uma tenaz inércia intelectual, que apenas

recentemente tem sido rompida (PRADO, 2010, p. 69).

As ideias de Cardoso eram facilmente difundidas nas universidades e nas rodas

de debates, não enfrentava problemas com a censura na época, porém o mesmo não

acontecia com os autores que reivindicavam o marxismo.

Dentre os autores de linha mais marxista assumiram papel de destaque:

Theotônio dos Santos, Gunder Frank e Ruy Mauro Marini. Este último, em seu trabalho

“dialética da Dependência” que reconhece o grau de peculiaridade gerador de

impeditivos para que o capitalismo na América Latina se desenvolvesse tal qual em

outros países, reconhecendo o papel subordinado das economias periféricas que a esta

altura já sentia a desilusão do desenvolvimento do capitalismo de forma autônoma e

nacional, admitindo que a expansão das economias periféricas está diretamente

subordinada à das economias de capitalismo central.

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31

Segundo Duarte (2007), a partir ‘destes condicionantes’ haveria 3 formas

históricas de dependência:

A primeira seria a dependência colonial, caracterizada pela exportação de

produtos naturais e na qual o capital comercial e financeiro, associado aos

estados colonialistas, domina as relações entre a Europa e as colônias. A

segunda seria a dependência financeiro-industrial, caracterizada pela

dominação do grande capital nos centros hegemônicos e cuja expansão se

deu por meio de investimentos na produção de matérias-primas e produtos

agrícolas para seu próprio consumo; nesse sentido a produção, por ser voltada

à exportação, era determinada de acordo com a demanda dos centros

hegemônicos. A terceira seria a dependência tecnológico-financeira,

caracterizada pela presença de corporações multinacionais que investem na

indústria voltada para o mercado interno dos países subdesenvolvidos; nesse

caso, a possibilidade de gerar novos investimentos depende da existência de

recursos financeiros em moeda estrangeira para a compra de máquinas não

produzidas internamente, de forma que tal compra é limitada pelos recursos

provenientes do setor exportador e pelas imposições dos monopólios e

patentes (DUARTE, 2007, p.07).

Marini, segundo MAURO (2007) baseava-se na Lei Geral da Acumulação

Capitalista de Marx, que explora a ideia da mudança do eixo de exploração da mais-

valia, da mais valia absoluta para a mais-valia relativa:

Segundo Marini (2000), outra grande contribuição da América Latina ao

capitalismo mundial, e talvez a mais importante, está relacionada ao

deslocamento do eixo de acumulação nas economias industriais, da produção

da mais-valia absoluta para a mais-valia relativa, deixando esta de depender

simplesmente do prolongamento da jornada de trabalho ou do aumento da

intensidade do mesmo, que constantemente levam a revolta dos

trabalhadores. Essa mudança qualitativa ocorre devido ao barateamento dos

meios de subsistência que chegam aos países industriais, o qual leva,

necessariamente, à diminuição do valor da força de trabalho. Significa,

portanto, a diminuição do tempo de trabalho necessário para o operário

produzir seu salário, e reproduzir assim, suas condições de vida. Conforme

explicou Marx, a diminuição do trabalho necessário leva necessariamente ao

aumento do tempo excedente, que é aquele em que o operário produz a mais-

valia, ou seja, tempo de produção que não se reverterá para o trabalhador e

que será apropriada pelo capitalista. Trata-se, portanto, da exploração

(MARINI apud MAURO, 2007, p.169).

Outro importante entendimento é a formação e existência do exército de

reserva como característica do capitalismo e como potencial mantenedor da situação de

exploração. Partindo deste pressuposto, verificamos que a existência do exército

industrial de reserva constitui-se para os países periféricos um fator de geração de

excedentes que irão ser transferidos para os países de capitalismo central, entendendo

que este ditame é determinado pela divisão internacional do trabalho, dado que os países

periféricos não possuem condições de produzir ou desenvolver tecnologias que os

permita produzir bens com alto valor agregado, para conseguir competir com os países

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de capitalismo central. Sendo assim, o alto grau de exploração da força de trabalho seria

o único caminho para produzir os excedentes. (DUARTE, 2007, p.10).

Teotônio (2012) trouxe um marco importante no entendimento das teorias,

como, por exemplo, que subdesenvolvimento não era a ausência de desenvolvimento.

Ainda segundo o autor, os dois fenômenos eram produto do capitalismo, em que não

necessariamente um era produto ‘do outro’, mas que poderiam ocorrer paralelamente e,

no caso dos países subdesenvolvidos, poderiam nunca conhecer o desenvolvimento.

Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado da

superação do domínio colonial e do aparecimento de burguesias locais

desejosas de encontrar o seu caminho de participação na expansão do

capitalismo mundial. A teoria da dependência, surgida na segunda metade da

década de 1960-70, representou um esforço crítico para compreender a

limitação de um desenvolvimento iniciado num período histórico em que a

economia mundial estava já constituída sob a hegemonia de enormes grupos

econômicos e poderosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte deles

entrava em crise e abria oportunidade para o processo de descolonização

(SANTOS, 2012, p. 9).

Marini também afirmou ao escrever que sua principal diferença de análise com

a CEPAL, era não visualizar o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como duas

partes. Considera dois fenômenos diferentes, antagônicos, mas que ao mesmo tempo,

dialeticamente se completam. Assim, segundo Mauro (2012):

Além de fornecedores das demandas dos países centrais, especialmente, de

matérias-primas e alimentos, contribuem decisivamente para que esses países

desloquem o seu eixo de acumulação da mais-valia absoluta para a mais-valia

relativa. Isto significa que sua acumulação passa a depender mais do aumento

da capacidade produtiva do trabalho do que simplesmente da exploração do

trabalhador. Contraditoriamente, essa mesma produção que contribui para a

mudança qualitativa nos países centrais, está assentada aqui, em uma maior

exploração dos trabalhadores (MAURO, 2012, p. 174).

As relações de dependência e subordinação são condições necessárias aos

países de capitalismo central para manterem os países de capitalismo periférico na

condição de semicolônias, cumprindo o papel de abastecer suas “metrópoles” com

produtos primários. Assim, afirmava Marini:

A dependência é entendida como uma relação de subordinação entre nações

formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção

dasnações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar

areprodução ampliada da dependência. O fruto da dependência só pode assim

significar mais dependência e sua liquidação supõe necessariamente a

supressão das relações de produção que ela supõe (MAURO, 2012, p. 174).

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33

2.3.2 A visão dominante da dependência: Cardoso e Falletto

Após a Segunda Guerra Mundial, acreditou-se que alguns países da América

Latina, dentre eles o Brasil, conseguiriam de forma “autônoma” almejar o tão sonhado

desenvolvimento econômico, com a aliança estabelecida entre o populismo e o

nacionalismo com objetivo único e foco em um projeto nacional de desenvolvimento.

No Brasil, o modelo Varguista se utilizou de um forte controle político da

economia, promovendo uma intervenção estatal nas taxas de câmbio favorecendo as

importações em detrimento da insatisfação dos setores exportadores. Vargas tinha por

objetivo fomentar intensamente a industrialização brasileira “suplantando” o modelo de

substituição das importações que daria lugar a uma nascente indústria produtora de bens

de capitais, utilizando as divisas acumuladas durante a crise de 1929 e as políticas

protecionistas durante a Segunda Guerra. A disponibilidade de mão de obra também se

constituía um elemento em favor dos teóricos do desenvolvimento que apontavam o

remanejamento dos trabalhadores do campo, que possui um alto contingente

populacional, para a cidade, equilibrando a distribuição de renda e suprindo a demanda

por operários na cidade. De acordo com os teóricos defensores do desenvolvimentismo,

na década de 1950, em países como Argentina, México, Chile, Colômbia e Brasil,

alguns pressupostos sustentavam este credo de que o desenvolvimento seria possível

(CARDOSO e FALETTO, 1970). Assim,

Não se poderia negar que, em princípios da década de 1950, estavam dados

alguns dos pressupostos para este novo passo da economia latino-americana.

[...] 1) um mercado interno suficiente para o consumo dos produtos

industriais, formado desde o século passado pela integração da economia

agropecuária ou mineira ao mercado mundial; 2) uma base industrial formada

lentamente nos últimos 80 anos, que compreendia indústrias leves de

consumo (alimentícias, têxteis etc) e, em certos casos, a produção de alguns

bens relacionados com a economia de exportação; 3) uma abundante fonte de

divisas constituída pela exploração agropecuária e mineira; 4) fortes

estímulos para o crescimento econômico [...] graças ao fortalecimento do

setor externo a partir da segunda metade da década de 1950; 5) a existência

de uma taxa satisfatória de formação interna de capitais em alguns países,

como, por exemplo, na Argentina. (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 10-

11).

Atribuía-se principalmente à politica, a tarefa de alavancar o desenvolvimento,

com a criação de instituições fomentadoras do desenvolvimento alinhadas com as ideias

vigentes na busca do convencimento da burocracia estatal na tomada das decisões que

alavancassem o desenvolvimento.

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A teoria da dependência na interpretação de Cardoso e Faletto surge como um

contraponto a teoria desenvolvimentista. Segundo esta abordagem era preciso rever o

aspecto dinâmico das teorias do desenvolvimento, reavaliar a possibilidade de ascensão

e crescimento vislumbrada pelos países da periferia. Naquele momento buscava-se criar

instituições públicas que fomentassem o desenvolvimento, com o papel de convencer a

burocracia estatal das “novas ideias”. O Estado concentrava sua política na absorção de

tecnologias para diversificação da produção e promoção da infraestrutura e, assim,

vislumbrava a possibilidade de finalizar o processo de substituições das importações. E,

assim, poder iniciar a produção de bens de capital.

A vertente da teoria da dependência levava em consideração a não acumulação

primitiva de capital, pelos países semicoloniais como elemento crucial para o

desenvolvimento ou para ausência do próprio, entendendo que na maioria dos países de

capitalismo central a etapa de industrialização já estava concluída e era formada por

grandes grupos hegemônicos. O capitalismo encontrava-se em sua fase imperialista com

novos elementos inseridos na economia, a exemplo do mercado financeiro. Dessa

forma, aquele “corolário” de desenvolvimento aplicado à América Latina, só tenderia a

ampliar o fosso de atraso das economias periféricas. Para melhor entendermos a

distinção entre as duas vertentes, vejamos:

Diferentemente do desenvolvimentismo, a Teoria da Dependência não

enxerga subdesenvolvimento e desenvolvimento como etapas de um processo

evolutivo, mas sim como realidades que, ainda que estruturalmente

vinculadas, são distintas e contrapostas. Dessa forma, o subdesenvolvimento

passava a ser visto como um produto do desenvolvimento capitalista mundial

sendo, por isso, uma forma específica de capitalismo. Do ponto de vista

estritamente econômico, essa nova teoria entendia que as relações estruturais

de dependência estavam para além do campo das relações mercantis – como

acreditavam os teóricos desenvolvimentistas – se configurando também no

movimento internacional de capitais, em especial na figura dos investimentos

direto estrangeiros e na dependência tecnológica. A esses fatores, somava-se

o imperialismo, que na medida em que permeava toda a economia e

sociedade dependentes, representava um fator constitutivo de suas estruturas

sócio-econômicas. Era a conjunção desses distintos mecanismos que

integravam, de forma subordinada, a economia latino-americana à economia

internacional (DUARTE, 2007, p. 3).

A teoria da dependência apresentada por Cardoso e Faletto, através de sua

perspectiva weberiana, trás uma crítica à teoria cepalina, contrapondo-se ao

entendimento da CEPAL de crescimento para dentro, propagado em sua tese de

“capitalismo autônomo”. Cardoso e Faletto defendiam a presença e a importância do

mercado internacional - que à época no Brasil ainda era um elemento novo em seus

estudos de consequências e avanços para o desenvolvimento do país – utilizando em seu

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trabalho o exemplo do México e seu crescimento econômico que se utilizou do

Investimento Externo Direto – IED, como condição necessária ao desenvolvimento.

Cardoso e Faletto defenderão em seu trabalho essa vertente. Vejamos:

No plano econômico tem sido frequente condicionar a possibilidade de

desenvolvimento na América Latina à continuação de perspectivas favoráveis

para os produtos de exportação; e têm sido precisamente as condições

favoráveis do comércio exterior as que perderam impulso depois do boom da

Coréia e foram substituídas nitidamente por conjunturas desfavoráveis, que

se caracterizam pela continua deterioração dos termos de intercâmbio. Frente

a essa situação, colocou-se como alternativa complementar a redefinição dos

termos de cooperação internacionais, seja através de programas de

financiamento exterior ao setor público, seja através de uma política de

sustentação de preços; tais soluções não chegaram, entretanto, a se

concretizar de forma satisfatória para o desenvolvimento (CARDOSO, 1970,

p. 14).

Dentre as elaboradas críticas ao modelo de desenvolvimento, principalmente o

desenvolvido pela CEPAL, Cardoso e Faletto criticam o aspecto endógeno da economia

deixando claro que só foi possível pela reunião de condições favoráveis, já mencionadas

anteriormente neste trabalho. Nacionalmente, a conjuntura que se via era o

descontentamento do setor agrário e latifundiário que facilmente aliava-se aos setores

industriais e financeiros, setores estes que se encontravam pressionados pelas massas

que se uniam em buscas de melhores salários, colocando em questão o estado populista.

Em Cardoso e Faletto pode-se observar como se expressará a dependência na

relação dos países de capitalismo central com a periferia:

Desse modo reforça-se o setor industrial e define-se uma pauta peculiar de

industrialização: uma industrialização baseada em um mercado urbano

restringido, mas suficientemente importante, em termos da renda gerada, para

permitir uma “indústria moderna”. Evidentemente, esse tipo de

industrialização vai intensificar o padrão de sistema social excludente que

caracteriza o capitalismo nas economias periféricas, mas nem por isso

deixará de converte-se em uma possibilidade de desenvolvimento, ou seja,

um desenvolvimento em termos de acumulação e transformação da estrutura

produtiva para níveis de complexidade crescente. Esta é simplesmente a

forma que o capitalismo industrial adota no contexto de uma situação de

dependência. (CARDOSO e FALETTO, 1970, p.124).

A manifestação deste capitalismo dependente na periferia acontece através do

IED principalmente do setor manufatureiro, com laços que vão além do sistema de

importação-exportação. Os grandes investimentos estrangeiros vão ditar a pauta de

desenvolvimento no país.

No período conhecido como desenvolvimentismo acreditava-se em um

fortalecimento do Estado e das políticas protecionistas e pensava-se que essas políticas

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norteariam o crescimento econômico do país. Mas, o que de fato ocorreu, foi um

realinhamento destas políticas de vertentes mais nacionalistas para atender à grande

presença do capital externo no Brasil, o que ocasionou um alto endividamento de curto

prazo aos credores do exterior.

A partir desse período, as medidas econômicas, baseadas em financiamento

estatal buscaram beneficiar, em alguma medida, o capital nacional, notadamente

privado, mas parte fundamental das decisões econômicas, como as decisões de

investimento, era controlada pelo capital externo, com consequências para as economias

periféricas. Remessas de capital para o exterior eram podiam ser feitas regularmente,

mesmo esse capital tendo sido gerado na economia dependente.

Em âmbito mundial do capitalismo, os grupos estrangeiros atuavam em busca

de novos mercados para expandir e escoar suas produções. A partir da década de 1950,

as corporações passaram a ser investidoras, acontecendo a transferência dos capitais do

centro para a periferia e os investidores externos atuavam diretamente na periferia,

beneficiando-se das políticas protecionistas originárias do processo de substituição das

importações. Estas transações e a voracidade do capital, já haviam sido bem

compreendidas e explicadas por Lenin (1931) em sua obra que debate principalmente o

surgimento do imperialismo como uma fase superior do capitalismo. Vejamos:

O novo imperialismo distingue-se do velho, primeiro porque, em vez da

aspiração de um só império crescente, segue a teoria e a prática de impérios

rivais, cada um deles guiando-se por idênticos apetites de expansão política e

de lucro comercial; segundo, porque os interesses financeiros, ou relativos ao

investimento de capital, predominam sobre os interesses comerciais (LENIN,

1931, p. 44).

Cardoso e Faletto (1970) fazem um destaque para diferenciar este “modelo de

capitalismo” das economias de enclave, pois mesmo sob essa forte influência de ação e

decisão do mercado externo sobre a economia nacional, o consumo era interno gerando

forte tendência ao reinvestimento local. Indiretamente isto irá contribuir com a expansão

do mercado local. Mas, não é possível afirmar que existe autonomia, pois a relação

entre a economia nacional e os centros dinâmicos se estabelecem no próprio mercado

interno.

Mantendo-se a coerência em afirmar a existência de uma economia periférica,

industrializada, dependente e semicolonial.

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A política vigente também é um elemento de bastante destaque no contexto

teórico abordado o excesso de instabilidade econômica e política impactaram o

desenrolar das decisões econômicas.

O esquema político de sustentação dessa nova forma de desenvolvimento no

qual se articulam a economia do setor público, as empresas monopolistas

internacionais e o setor capitalista moderno da economia nacional requer que

se consiga estruturar um adequado sistema de relações entre os grupos sociais

que controlam tais setores econômicos; este sistema necessita uma expressão

política que possibilite a ação econômica dos distintos grupos que abrange.

Com efeito, para essa forma de desenvolvimento supõe-se o funcionamento

de um mercado cujo dinamismo baseia-se, principalmente, no incremento das

relações entre produtores [entre as próprias empresas] que se constitui nos

“consumidores” mais significativos para a expansão econômica. Em

consequência, para aumentar a capacidade de acumulação desses ‘produtores-

consumidores’ é necessário conter as demandas reivindicatórias das massas.

Isto é, a política de redistribuição que ampliaria seu consumo tornara-se

ineficaz e mesmo, em determinadas condições, perturbadora do

desenvolvimento (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 130).

A exclusão econômica passa a ser assumida como inevitável na economia

brasileira, tendo abrangência para além das massas mais pobres. No contexto de

exceção, a pequena burguesia também seria excluída do processo político e econômico.

Com a ditadura, a política foi reordenada, como exprimem Cardoso e Faletto, passando

de um regime democrático representativo para um regime autoritário corporativo, com o

comando maior das organizações nacionais ficando sob responsabilidade de instituições

militares, da burocracia pública, da burguesia internacional e da grande burguesia

nacional.

O programa que o primeiro presidente militar - Castelo Branco – adotou ao

assumir o poder foi o Programa de Ação Econômica do Governo. Neste Plano,

A questão da necessidade de reformas foi retomada com a ditadura, porém,

[...] sob uma roupagem marcadamente conservadora. A política econômica

do novo regime militar, sob o comando inicial de Castelo Branco, após a

deposição do governo João Goulart em abril de 1964, foi ditada pelo

Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), vigente no triênio 1964-

1966, [...] foi lançado como um plano de curto prazo emergencial, com o

objetivo de enfrentar os desequilíbrios econômicos e a crise decorrente dos

anos anteriores. [...] os objetivos do PAEG eram: acelerar o ritmo de

desenvolvimento econômico, conter o processo inflacionário, atenuar os

desníveis econômicos e setoriais e regionais, assegurar oportunidades de

emprego produtivo a mão-de-obra e corrigir a tendências aos déficits do

balanço de pagamentos, especialmente em vistas das dificuldades que

imprimiam a capacidade de importar, dificultando a continuidade do processo

substitutivo de importações. [...] o programa acentuava a importância da

recuperação das taxas de crescimento da economia, estando o combate à

inflação condicionado a não ameaçar o ritmo da atividade produtiva

(CARDOSO, 2012, p. 212).

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Dentro do regime militar, as políticas econômicas não formavam consenso.

Cardoso e Faletto citam duas vertentes dentro do regime que não se conciliavam. Uma

seria a favor do desenvolvimento racional e moderno, estimulada pelos grandes grupos

industriais e financeiros em sua maioria internacionalizada. A outra que atua de forma

excludente, em medidas relativas, do desenvolvimento capitalista em países

dependentes, enfatizando o caráter nacional das tarefas e problemas a serem cumpridos

e resolvidos no curso do desenvolvimento (CARDOSO e FALETTO, 1970).

A necessidade de um regime autoritário, fosse ele comandado por militares ou

civis, se fazia necessário em países dependentes para garantir a estabilidade da

economia e a continuidade das políticas econômicas. (CARDOSO e FALETTO, 1970,

p.138).

Apesar de sua validade teórica, alguns foram os críticos das afirmações de

Cardoso e Faletto. Observa-se em DUARTE (2007), uma crítica no que se refere à obra

que elaboraram sobre a dependência e desenvolvimento na américa latina, onde

argumenta que o modelo apresenta limitações no tocante à distribuição de renda e à

‘necessidade de deixar clara a defesa da abertura de mercado e do Estado mínimo.

Em primeiro plano, destacamos as considerações relativas à distribuição de

renda. Como apontamos nos parágrafos anteriores, a distribuição de renda,

para os autores, não se configura como um entrave ao desenvolvimento, já

que é algo próprio ao desenvolvimento capitalista. Nesse sentido,

entendemos que o desenvolvimento, feito dessa forma - qual seja, através da

associação de uma classe burguesa ao capital internacional – só tenderá a

ampliar a precária distribuição de renda, uma vez que esses países se

submeteriam a controlar setores com baixo valor agregado, o que

aprofundaria a deterioração dos termos de troca e consequentemente, a

pressão sobre a classe trabalhadora. De outro lado, essa associação teria

como pressuposto a abertura ao capital externo, tanto no sentido de suprir as

necessidades de divisas, quanto no de garantir os investimentos diretos,

necessários à modernização da estrutura produtiva. Ora, tal abertura nada

mais é que uma idéia inicial de desregulamentação e flexibilização dos

mercados, o que, na verdade, abriria as portas para a expansão da valorização

de capitais na esfera financeira, em detrimento do investimento produtivo.

(DUARTE & GRACIOLLI, 2007, p. 5).

Não resta dúvida para os que se dedicam a estudar as teorias do

desenvolvimento, com o foco no Brasil, que o pensamento de Cardoso e Faletto se

constituiu como pensamento dominante. Apesar de demonstrarem claramente em seus

escritos seu posicionamento de direita, alguns importantes nomes críticos da economia

vieram por referendá-los e que mesmo com as tentativas de referendá-los, os marxistas,

mesmo em uma situação delicada de elaborarem uma discussão dentro dos marcos do

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capitalismo, ainda assim fizeram suas elaborações sem romper com os pensamentos de

esquerda.

A Cepal por sua vez, pode-se afirmar que tem seu auge teórico nas teorias do

desenvolvimento e que muitas vezes mesmo sendo confundida com os marxistas sempre

deixou muito clara suas posições centristas.

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3 BRASIL: do ocaso desenvolvimentista à vigência do modelo liberal periférico

3.1 Do desenvolvimentismo à primeira década perdida: breves considerações

A economia brasileira no período de 1930 a 1980 foi marcada por intenso

dinamismo, com a ampliação do mercado de trabalho e aumento dos salários dos

trabalhadores, políticas baseadas na ampliação e na diversificação da capacidade

produtiva, com a estratégia da industrialização substitutiva de importações. Estes

elementos permitiram a criação de uma economia urbano-industrial no Brasil.

Outra característica marcante desse período foram as elaborações de planos

econômicos. Alguns mais restritos, a exemplo do plano Salte,(iniciais para Saúde,

Alimentação, Trabalho e Energia), lançado pelo governo Dutra, em 1950. Esse plano foi

um dos primeiros no Pós-Segunda Guerra e propôs-se a fazer uma programação de

gastos do governo para setores considerados prioritários como os da saúde alimentação,

transporte e energia.

A criação do BNDE no Governo Vargas, em 1952, também foi um importante

instrumento para o planejamento brasileiro, através do fornecimento de suporte técnico

e financeiro ao setor privado.

Em 1956, através das bases fornecidas pela comissão formada por CEPAL e

BNDE surge o Plano de Metas e se constitui um marco no planejamento, que tem entre

outros méritos o de estabelecer metas ao setor privado.

Em 1963, o então ministro do Planejamento, Celso Furtado, no governo

parlamentarista de João Goulart elaborou o Plano Trienal, que dentre suas principais

metas tinha o propósito de promover um desenvolvimento econômico rápido e a

estabilização do nível de preços.

Em 1964, com a instauração da ditadura no Brasil foi criado o Plano de Ação

Econômica do Governo (PAEG), com caráter ortodoxo e traços predominantemente

liberais. Visava a implementação das políticas do regime militar. Nesse período, houve

ainda o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED) que foi basicamente a criação de

um programa de investimentos em áreas estratégicas. Em sequência veio o documento

Metas e Bases para Ação do Governo (MBAG) que não pretendia se constituir como

um plano, mas constituiu-se em uma espécie de ‘declaração de princípios’ com o

propósito de alçar o Brasil à condição de potência econômica. Tal documento deveria

ser seguido e complementado pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs).

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O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) tinha como meta uma taxa de

crescimento econômico que estivesse entre 8% a 9% ao ano, com uma inflação anual

abaixo de 20% e um aumento de US$ 100 milhões nas reservas cambiais. Seu principal

objetivo era preparar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do Brasil nas

próximas décadas com ênfase em setores como transportes e telecomunicações, além de

prever investimentos em ciência e tecnologia e a expansão das indústrias naval,

siderúrgica e petroquímica. Para isso, articulava empresas estatais, bancos oficiais e

outras instituições públicas na elaboração de políticas setoriais. Logo em seguida, veio o

II PND vigente no período de (1975-1979).

O II PND acabou se constituindo em um dos mais importantes planos

econômicos brasileiros, pois foi instituído no fim do período que ficou conhecido como

milagre econômico, no qual o Brasil apresentou taxas de crescimento superiores a 10 %

ao ano. Esse ciclo de crescimento econômico deu lugar a um período de desaceleração e

crise desencadeada pelo primeiro choque do petróleo. Nesse período, houve um intenso

aumento da dívida externa brasileira. Este plano foi o último plano do ciclo conhecido

como desenvolvimentista e considerado um dos mais amplos programas de intervenção

estatal na economia brasileira, considerando-se sobretudo o contexto em que foi adotado

e as modificações que promoveu na estrutura produtiva do país.

Enfim, o recorte histórico do início da década de 1930 ao final da década de

1970 foi marcado pela forte presença do Estado atuando em setores como os de

infraestrutura, insumos básicos e crédito. Essa atuação estatal gerou grande expectativa

de que através do dinamismo econômico haveria a promoção do bem estar e a melhoria

da distribuição da renda nacional, porém, o que se observou foi um intenso fomento à

acumulação privada de capitais, a formação de uma estrutura produtiva mais

diversificada, um mercado de trabalho pouco estruturado e uma distribuição de renda

profundamente desigual.

Com o ocaso do período desenvolvimentista, o Brasil viveu a sua primeira

década perdida. A ditadura militar iniciada em 1964, não conseguiu mais se sustentar

com base no elevado crescimento econômico, que fora por longo período seu esteio de

legitimação. A década de 1980 foi marcada por estagnação e crise econômica, pela

estagnação da renda per capita, pela regressão dos investimentos e pela transferência de

recursos reais e financeiros para o exterior.

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A década de 1980 passou a ser considerada, segundo parte da literatura

econômica, como uma primeira década perdida para a economia brasileira.

Tal denominação foi cunhada em virtude da reduzida taxa de formação de

capital fixo, do declínio do incremento da produção e da reduzida capacidade

da economia nacional de gerar postos de trabalho suficientes para incorporar

os contingentes populacionais que anualmente ingressavam no mercado de

trabalho. (SILVA, 2008, p.106).

O mundo também sofria com a decretação da moratória mexicana e recessão

estadunidense que com o aumento das taxas sobre os produtos importados prejudicou a

venda de commodities por países fornecedores como Brasil. É dentro desta perspectiva,

discutida com brevidade neste tópico, que se apresenta a releitura da economia política

dos anos 1980 no Brasil.

A década de 1980 foi marcada pelo esgotamento do modelo brasileiro, com

toda a sua complexidade em diversidade e extensão territorial. Porém, pode-se ver

indícios claros que se propõem a justificar tais acontecimentos.

Os anos que antecederam a década de 1980 foram marcados por taxas de

crescimento em torno de 6% ao ano, a partir do financiamento e da implementação de

planos econômicos elaborados e conduzidos pelo Estado. O padrão ouro foi finalmente

extinto em 1971. O modelo de organização da produção fordista em crise deu lugar ao

novo modelo denominado pós-fordista ou modelo flexível (Toyotismo), baseado na

tecnologia da informação.

Os principais condicionantes externos ao crescimento atuaram negativamente à

dinâmica econômica do país: a dinâmica tecnológica, o ciclo econômico e o ciclo de

crédito, bem como a ação do país hegemônico que tinha o propósito de estabelecer a

‘diplomacia do dólar’.

Aqui, vale destacar a seguinte afirmação de Carneiro (2002).

O fato de o financiamento de longo prazo na economia brasileira depender da

poupança compulsória doméstica e da poupança externa acarretou, diante da

inadequação da primeira, uma dependência recorrente dos financiamentos

externos. A rigor, não se constituiu no país um sistema de financiamento de

longo prazo com base na poupança interna, sujeitando o crescimento ao

ciclos de créditos internacionais. As várias interrupções destes

financiamentos e, sobretudo, aquela de maior intensidade nos anos 1980

conduziram a estagnação e a hiperinflação (CARNEIRO, 2012, p.39).

Algumas foram as interpretações e vertentes de pensamentos na época.

Segundo Carneiro, foram três as principais:

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A primeira diagnosticava que, na raiz do pequeno dinamismo, estava a

incompatibilidade entre crescimento doméstico e transferência de recursos

reais para o exterior. Numa posição intermediária, temos a tese da

possibilidade de retomada do crescimento condicionada à sua reorientação,

para compatibilizá-lo com a restrição externa. Por fim, no outro extremo,

estava a postura na qual se ressaltava a ausência de obstáculo externo ao

crescimento. (CARNEIRO, 2012, p.141).

A dívida pública brasileira aumentou de tamanho nesse período. O setor

público brasileiro experimentou profundo processo de endividamento tanto externo

quanto interno. O padrão de ajustamento da economia baseado nos cortes de

investimentos, como ferramenta de ajuste fiscal, trouxe para a economia brasileira o que

naquele período estava sendo comum a América Latina: alto nível de desemprego,

elevados índices de inflação, o aumento da dívida externa e a perda do poder de compra

da população.

A ausência de um padrão de crescimento sustentado provocou a estagnação da

economia brasileira e, em muitos setores, o retrocesso do que se havia conquistado.

Assim encerrou-se a primeira década de tentativa de restabelecimento da ordem

democrática no Brasil. A década seguinte, foi marcada por mudanças no ideário

econômico e, por conseguinte, nas propostas de política com vistas à instauração de um

‘novo’ modelo de desenvolvimento para o País.

3.2 O Brasil e o domínio neoliberal

3.2.1 A “nova” teoria da dependência

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto ficaram conhecidos como os

“autores da dependência”, tamanha a repercussão de seu livro intitulado “Dependência e

Desenvolvimento na América Latina”. Esses escritos serão discutidos neste trabalho.

Questionamentos sobre a forma como se daria esta “nova dependência” constituem uma

revisão da obra de Cardoso e Falleto.

A “nova dependência” nasce da necessidade, segundo os citados autores, de

inserir novos conceitos, englobar termos e pensamentos que não existiam ou não

haviam sido ainda solidificados. O primeiro conceito, e mais importante para a

discussão nesse trabalho, é o conceito de desenvolvimento, que ameniza sua densidade

para juntar-se a novas percepções, como ética, sustentabilidade, ecologia entre outros

elementos que não estavam inseridos em sua primeira elaboração. Outro elemento

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central desta nova “dinâmica” de pensamento é a busca por fugir dos elementos

“determinísticos da teoria”. Na verdade, o ponto nevrálgico é a crítica à teoria do

imperialismo de Lenin. Cardoso (1995) considera a possibilidade do desenvolvimento

na periferia do capitalismo, aliado a um fator também já apresentado neste trabalho que

é a “diminuição” do poder do Estado, afirmando então a necessidade de fortalecimento

da burguesia nacional e implantação do chamado Estado Mínimo, através do que

Fernando Henrique chamou de parcerias criativas, do surgimento de novos atores

sociais, como ONGs, novas opções políticas, etc. Desse modo, seria possível chegar-se

ao desenvolvimento.

O próprio termo “desenvolvimento” passou por uma revisão conceitual em

relação ao entendimento que se tinha das teorias do desenvolvimento elaboradas até os

anos de 1960. Observamos que houve, com base em Cardoso (1995), uma ampliação do

significado do termo, a partir da década de 1990. O conceito de Desenvolvimento ganha

nova amplitude. “Perpassando” a teoria do desenvolvimento, passa a englobar vários

aspectos, estando entre os mais destacados o conceito de “desenvolvimento

sustentável”, a preocupação com a sustentabilidade e o debate ecológico, sustentado na

tríade de desenvolvimento social, ambiental e econômico. Segundo Cardoso,

O desenvolvimento parece um processo fragmentário. Deixa de ter a força

fundadora e unificadora que tinha nos anos 60. Isso leva a uma multiplicação

conceitual, nem sempre fácil de seguir. Fala-se de desenvolvimento

sustentável, de desenvolvimento social, [...] de desenvolvimento humano, de

desenvolvimento com equidade (CARDOSO, 1995, p.149).

A respeito do debate ecológico, Cardoso afirmava ter sido este um dos

elementos que “desfez a simplicidade da hipótese original”, pois não basta buscar o

crescimento, é necessário garantir sua sustentabilidade. Cardoso afirma que mesmo em

países desenvolvidos o crescimento trazia problemas reais e, sendo assim, seria

necessário refletir sobre crescimento e o desenvolvimento que se quer, pautando as

políticas de desenvolvimento não apenas na dinâmica econômica.

A globalização também entra agora nos escritos, passando a ser um tema

relevante. Mesmo com a compreensão de que ela já existia muito antes da década de

1990, é a partir dessas novas leituras da economia, que o termo se torna vigente e

pulsante.

Elementos que não estavam bem definidos, agora passam a ser melhor

compreendidos em sua importância e em seu papel na economia, são eles: a presença do

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capital financeiro e a expansão das multinacionais, no novo momento da globalização

como os mais fortes elementos presentes no “capitalismo” periférico. Seria ingenuidade

e desconhecimento histórico acreditar que a influência do capital financeiro só se

manifesta na década de 1990, o que faz com que se questione o verdadeiro ineditismo

ou a necessidade dessa revisão. Mas podemos afirmar que esse processo se deu de

forma mais intensa na periferia a partir das últimas décadas, pois os fenômenos

ocorridos no epicentro do capitalismo indubitavelmente ocorrerem na periferia com

menor intensidade e maior intervalo temporal, e não necessariamente se manifestam da

mesma forma.

Segundo Cardoso (1995), haveria uma dependência global, pois não apenas a

periferia sofreria com essa condição de dependência, mas os países de capitalismo

central também estavam sujeitos a resultados não muito satisfatórios com esta dinâmica

de interdependência entre os países. Desse modo,

A necessidade de criar "defesas" em relação ao jogo especulativo das moedas

não é uma necessidade exclusiva dos países em desenvolvimento. Se os

fluxos de capital são disputados por países ricos e pobres, já que flutuam em

obediência exclusiva às oportunidades de ganhos de curto prazo, todos

encontram aí um nítido ponto de encontro de interesses. A comunidade

internacional tem interesse comum em dotar-se de mecanismos para, ao

mesmo tempo, combater os efeitos adversos da globalização e preservar as

possibilidades que a globalização encerra, de geração de maior riqueza em

escala internacional. (CARDOSO, 1995, p. 151).

Seguindo esta linha de raciocínio, os benefícios da globalização dependeriam

de escolhas corretas, atribuindo um papel fundamental por parte das economias

periféricas que buscassem ter um olhar mais criterioso e elaborado para a economia

internacional, pois serão eles que definirão as possiblidade de progressos no longo

prazo.

A problemática do desemprego continua presente tanto nos países

desenvolvidos quanto nos países subdesenvolvidos, No Brasil, Cardoso(1995) atribui

esse fenômeno à modernização de alguns setores da produção, que gerou a substituição

de trabalhadores por máquinas e exigiu maior qualificação para os setores que ainda

demandavam grandes quantidades de mão de obra, sendo nesta perspectiva que dentre

as propostas de uma política de “ação” constava a educação e a qualificação dos

trabalhadores.

Outro ponto bastante relevante na “nova análise” de Cardoso (1995), em seu

discurso sobre a dependência, corresponde ao poder conferido ao Estado, poder que não

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se resumia apenas ao aspecto político, mas também ao econômico. Em seu

entendimento, o Estado presente na década de 1960 era fomentador do desenvolvimento

da economia e das políticas definidas e implantadas na época deveriam ser balizadas

pelo seu fortalecimento. A partir da década de 1980 aconteceria exatamente o contrário.

O Estado perde sua força, chegando-se a afirmar que ele se constitui como um obstáculo

ao progresso e deveria resumir-se a ações concretas com os meios concretos que

possuísse, atendendo às demandas básicas da população. Neste novo contexto, se

deveria passar o papel principal na economia às empresas privadas. Estas é que seriam

os principais agentes econômicos, cabendo a elas as decisões e execuções relacionadas à

economia. O que pode ser visto através deste tipo de argumentação e defesa é uma clara

defesa do Estado Mínimo que se constitui em uma das principais colunas do

pensamento liberal.

O principal destaque para este documento elaborado por Fernando Henrique foi

a sua escancarada defesa da liberalização da economia brasileira, pontuando-a como

necessidade para que chegássemos ao desenvolvimento.

Compreendemos que o desafio do desenvolvimento exige intenso trabalho

interno. As reformas são bem conhecidas: a estabilização econômica num

quadro de equilíbrio de contas públicas, a privatização e a liberalização

comercial, a criação de infra-estrutura adequada e de um sistema financeiro

ágil e moderno, a disponibilidade de qualidade gerencial, a recondução do

Estado ao seu campo prioritário de atuação na prestação de serviços básicos,

em particular em educação e saúde. (CARDOSO, 1995, p. 154).

Com estas afirmações, Fernando Henrique se dissocia definitivamente do

suposto pensamento marxista e/ou das ideias desenvolvimentistas que permearam o

país, deixando clara a sua receita de governo, claramente aplicada em seu mandato

como presidente do Brasil no período de 1995 a 2002.

3.2.2 A “nova” CEPAL

A criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), como

órgão multilateral das Nações unidas no ano de 1948, propiciou um grande avanço na

formulação das políticas econômicas, marcando sua atuação propositiva e formuladora

no cenário econômico e político do Brasil e da América Latina.

A importância da Cepal para o desenvolvimentismo no Brasil e América

Latina, atuando como escola formuladora de teorias que se tornaram vigentes no

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período que ficou conhecido como “desenvolvimentista” é reconhecida e registrada na

história. Esse período estendeu-se precisamente até a década de 1960. Este

entendimento da postura e colaboração da CEPAL é reconhecido por pesquisadores e

cientistas sociais.

Atualmente, algumas perguntas em relação a esta atuação da CEPAL se fazem

necessárias: quais eram suas formulações na década de 1990, qual foi seu papel na

formulação das teorias que tiveram vigência à época? Partindo-se das respostas às

questões anteriores, é possível ainda caracterizá-la como escola formadora de

pensamento, formulações e opiniões?

A apatia política e propositiva dos órgãos reguladores sempre foi de

conhecimento geral. Entretanto, na década de 1960 a CEPAL se propôs a ir além dos

meros encontros para discussões e elaborações incipientes. A CEPAL no período do

desenvolvimentismo aparecia de forma atuante. Seus pensadores formulavam dentro de

seus marcos e se propunham a pensar alternativas para a economia da América Latina,

tendo como princípio a distribuição de renda como elemento básico ao

desenvolvimento. Atuava politicamente buscando convencimentos e mudanças de

pensamento com a burocracia governamental existente na América Latina, pois não

bastava permanecer no campo das ideias, era preciso que estas ganhassem força para ser

implementadas.

Há autores, como vemos em Almeida e Corrêa (2011), que contestam a versão

de que haveria uma “nova” Cepal. Afirmam que os posicionamentos políticos da

CEPAL na década de 1960 constituíram uma exceção, pois por tratar-se de um órgão

multilateral, assim como os mais outros quatro órgãos regionais criados pela ONU, foi

criada com o restrito fim de contribuir para o desenvolvimento econômico da América

Latina, apenas coordenando as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as

relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo.

Sendo assim, não caberia a ela o papel de questionar ou ir contra as visões

dominantes da época. É em 1990, com a publicação do trabalho intitulado

“Transformação produtiva com equidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da

América Latina e do Caribe nos anos 90” que realmente cumprirá o papel para o qual

foi criada. O documento publicado, apesar de seu caráter genérico, tinha seu ponto de

partida no retrocesso regional das economias da América Latina e Caribe,

principalmente se comparado ao período Pós-Segunda Guerra. Reencontrar esses

caminhos perdidos e o fortalecimento da democracia eram os desafios da década de

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1990, que agora colocava a “necessidade” de um “desenvolvimento sustentável”. As

premissas contidas neste documento representaram um marco nos escritos da CEPAL e

deu seu posicionamento.

No contexto em que veio a público, o documento

“TransformaciónProductiva” emblematizou uma importante mudança de

rumos na concepção da CEPAL, uma vez que se trata de um documento

oficial, que contava, portanto, com a concordância dos países membros. O

momento de divulgação dessas ideias coincide, em conjuntura, com a

realização da conferência organizada pelo Instituto de Economia

Internacional em 1989, em Washington, evento no qual um trabalho

apresentado por John Williamson – Sênior Fellow do mesmo instituto –

acabou por cunhar a expressão “Consenso de Washington”, para expressar

um conjunto de pontos de política econômica que vinham sendo adotados

pelos países da América Latina e Caribe. Neste sentido, o Consenso era ao

mesmo tempo uma síntese do que estava em curso, bem como uma

recomendação de “boa prática” de política. (ALMEIDA FILHO e CORRÊA,

2011, p. 97).

Os termos disciplina e reforma fiscal, aparecem nos documentos da CEPAL

bem como no trabalho apresentado e defendido no Consenso de Washington que foi

constituído basicamente sob três pilares: austeridade fiscal, privatização e liberação do

mercado. Dentre as justificativas para tais orientações podemos observar,

A defesa de cada um desses princípios, segundo Stiglitz (2002), partia da

seguinte visão: a) os déficits públicos acumulados na década de 1980 tinham

levado a maioria dos países latino-americanos à beira da hiperinflação, logo

era preciso restabelecer a disciplina fiscal; b) os governos dos países em

desenvolvimento gastavam energia demais administrando empresas estatais,

cujos produtos e serviços poderiam ser oferecidos de maneira mais eficiente

pelas empresas privadas; c) a liberação do mercado (remoção da interferência

do governo nos mercados financeiros e de capitais, e eliminação do

protecionismo comercial) era vista como a melhor maneira de estimular o

aumento da produtividade pela melhor alocação dos recursos. (STIGLITZ

apud PEREIRA, 2011, p. 136).

Os escritos da CEPAL e do Consenso de Washington demonstram um

alinhamento dos dois pensamentos. O texto cepalino da década de 1990, assim como o

documento do Consenso de Washington, defende a competitividade real pela via do

mercado, através da abertura e ampliação das exportações, a limitação do Estado ao

papel de regulador, mostrando a contradição dos dois períodos. Durante a vigência do

período desenvolvimentista a presença do Estado era considerada fundamental,

entretanto, agora a Cepal, do mesmo modo que o CW, apresenta uma proposta de

Estado com papel limitado, chegando a avaliar que a sua participação na economia

atrapalharia o progresso.

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Nesse período, que agora leva em consideração o fenômeno da globalização, o

pensamento cepalino, ficou conhecido na literatura econômica como constitutivo do

“neo-estruturalismo” cepalino. Além da perceptível mudança no entendimento do

órgão, mudou também a estratégia, que a partir de 1990 passou a focar as “estratégias

microeconômicas”, pregando a minimização do Estado para que o capital privado

tivesse liberdade para se organizar, principalmente dando passagem ao capital externo.

Dentro desta perspectiva, existem autores que afirmam que a CEPAL não

deixou de ser uma escola de pensamento independente, e sim que ainda não havia um

alinhamento com os outros órgãos multilaterais que também atuam com missões

institucionais relacionadas ao desenvolvimento, tais como o Fundo Monetário

Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), a Organização Mundial do Comércio

(OMC) e o restante das quatro comissões regionais. Estas posicionaram-se muito mais

fortemente alinhadas com as premissas baseadas no desenvolvimento sustentável, nas

políticas de governança, nas políticas de estabilização da inflação, evento comum nas

periferias e o reflexo das reavaliações das teorias econômicas que defendiam o bem

estar social nos centros e que também passaram a ser reavaliadas em suas viabilidades.

3.3 Brasil: a vigência do modelo liberal periférico

A década de 1990 ficou reconhecida pela história econômica como a segunda

década perdida, em referência a de 1980 que teria sido a primeira.

Alguns elementos compuseram esta afirmação. Inicialmente observamos o

baque experimentado pelo modelo de substituição de importações que sofreu

forte golpe devido à ruptura do anterior padrão de financiamento. A abertura

comercial das importações de mais de 1.300 produtos, que antes recebiam

tarifas para adentrarem o comércio brasileiro, produtos esses que possuíam

similares nacionais. A justificativa era que a abertura comercial aumentaria a

competitividade brasileira, não apenas em seu aspecto tecnológico como

também em sua produtividade. Uma das consequências desta abertura foi

uma elevação na importância da pauta dos itens com maior grau de

elaboração a exemplo dos insumos elaborados e dos bens de capital.

(CARNEIRO apud SILVA, 2008, p. 110).

Após o período desenvolvimentista, foi adotado um modelo de cunho

neoliberal na sociedade brasileira com o apoio das elites, por falta de força e

organização política do operariado brasileiro para barrá-lo. A derrocada do socialismo

real e de seu principal representante a União Soviética também trouxe graves

consequências para o crescimento do Brasil. Essas políticas traziam em seu arcabouço

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perspectivas neoliberais como investimentos a curto e curtíssimo prazo com discursos

de defesa da globalização como condição necessária a uma reinserção mundial. Tal

processo iniciou-se no governo de Fernando Collor. Mas,

Na realidade, foi com o início do governo de Fernando Henrique Cardoso

que a reestruturação adquiriu maior celeridade. O conjunto de políticas de

cunho liberal que nortearam a estabilização monetária, a abertura comercial e

a reforma do Estado constituíram-se em poderoso instrumento para a

valorização de capitais e a uma breve retomada do crescimento econômico,

no curto período de 1994 a 1998, no Brasil. Ao mesmo tempo, uma série de

medidas legais adotadas em simultaneidade à situação de crise econômica e

desemprego forçaram os trabalhadores a aceitarem a reestruturação, em

muitos casos na condição de co-partícipes (ALVES apud SILVA, 2008 p.

119).

Outro importante elemento foi a abertura da conta capital com consentimento

institucional e flexibilização das leis tributárias, para que os capitais externos

aplicassem ou repatriassem seus capitais do Brasil. Todas essas facilidades estiveram

associadas a condições estruturais e conjunturais altamente favoráveis no Brasil na

década de 1990. Em Silva (2008), vemos claramente estas condições:

Em primeiro lugar, a existência de capitais disponíveis para tal no mercado

internacional, após um longo período de retração do crédito internacional.

Em segundo, as próprias condições do país: a convivência com a estabilidade

de preços, as elevadas taxas de juros durante toda a década de noventa e a

implementação de um vigoroso processo de privatização de empresas estatais

dos setores industrial, de serviços industriais e bancos estaduais com

permissão para a participação de capitais forâneos. Além disso, uma

importante alteração na legislação foi a equiparação constitucional da

empresa de capital nacional à estrangeira. Então, diante deste conjunto de

facilidades houve efetivamente razoável afluxo de capitais para o Brasil.

(SILVA, 2008, p. 112).

A palavra de ordem do liberalismo aplicado no Brasil na década de 1990 foi a

flexibilização das relações trabalhistas, pois caberia ao próprio mercado de trabalho

regular os níveis de emprego e salário. Essas medidas fragilizaram as leis que

regulamentavam as relações entre trabalho e capital como parte do receituário da

diminuição da participação do Estado na economia.

Partindo do pressuposto de que trabalhadores e empresários assumem

posições de poder simétricas, conferir a estes últimos todas as facilidades

jurídicas para flexibilizarem a alocação e a remuneração da força de trabalho,

bem como promover o afastamento sistemático do Estado das relações de

trabalho, através da redução do poder da Justiça do Trabalho na mediação

entre os trabalhadores e o empresariado. (SILVA, 2008, p.115).

No âmbito da produção na década de 1990, o elemento central foi o da

reestruturação produtiva ocorrida não somente no Brasil, mas também no mundo, sendo

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o Japão um dos países que mais se destacaram em sua implementação. Outra forma de

implementação no Brasil desse processo ocorreu principalmente através das

multinacionais advindas de países que já haviam passado pela reestruturação. Essas

empresas aplicaram este método em suas filiais ao redor do mundo.

Efetivamente, a partir do início da década de noventa houve uma forte

pressão governamental para que houvesse modernização das empresas. A

ideia era que a reestruturação não deveria cingir-se a meras ações

empresariais adotando inovações tecnológicas e/ou organizacionais, mas que

deveria adquirir caráter sistêmico, por isso era necessária a atuação

governamental no sentido de desencadear tal processo. Para tanto, em

meados de 1990, o Plano Collor I além de promover a política de abertura

[...] adotou um conjunto de medidas sob a denominação de “Diretrizes Gerais

para a Política Industrial e de Comércio Exterior” (PICE). Constituíam

instrumentos da nova política: O Programa de Apoio à Capacitação

Tecnológica (PACTI), o Programa de Competitividade Industrial (PCI) e o

Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), além dos Grupos

Executivos de Políticas Setoriais com vistas à ação articulada do Estado e

representações do empresariado e dos trabalhadores para a promoção da

reestruturação setorialmente (SILVA, 2008, p. 118).

Havia a necessidade de promover uma abertura do mercado nacional, a partir

dos conceitos de globalização, desenvolvimento sustentável, parcerias criativas que

visavam diminuir a participação do Estado na economia, e implementar o Estado

mínimo. As políticas de restruturação produtiva e flexibilização trabalhista que

trouxeram a precarização do trabalho, a readequação da legislação tributária e cambial e

a falência do modelo de substituição das importações, não estão dissociadas. Ao

contrário, constituíram-se parte da implantação da política neoliberal no Brasil na

década de 1990.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por propósito o estudo da periferia capitalista a partir de

elaborações teóricas e de ações de política econômica que visaram o desenvolvimento,

tendo por foco a América Latina e o Brasil. Dado que um estudo desta natureza exige

escolhas, optou-se por centrar a pesquisa na elaboração teórica cepalina e na teoria da

dependência, ao mesmo tempo em que “se deu voz” a teóricos marxistas que foram

“silenciados” no debate sobre as possibilidades do desenvolvimento em contexto

periférico. Foram escolhidos dois períodos históricos: o da vigência do

desenvolvimentismo (da década de 1930 ao final da década de 1970) e o período da

adoção de um modelo de matiz liberal periférica (a partir da década de 1990) para

análise segundo o método fundado no materialismo histórico.

Mantendo fidelidade ao método utilizado, antes da apresentação das teorias do

desenvolvimento, buscou-se em eventos do período de entreguerras que constituíram

“fios” que permitiram apresentar a crise da economia e da teoria econômica vigente à

época, bem como a emergência do ideário desenvolvimentista. A vigência desta

perspectiva teórica, por sua vez, também somente pôde ser compreendida a partir da

interação de condicionantes externos e internos à própria realidade periférica.

O embate teórico sobre o desenvolvimento foi fortemente travado de fins da

década de 1940 ao final da década de 1970. Durante parte do período, o debate teve a

clara hegemonia do pensamento cepalino. Entretanto, a ruptura de pactos populistas e a

ascensão de ditaduras no continente latino americano, além de mudanças da cena

econômica e política mundial, provocaram o continuado enfraquecimento deste ideário.

Pensadores brasileiros de orientação marxista foram postos à margem do debate, de

modo que produziram obras que foram publicadas em outros países, ao mesmo tempo

em que permaneceram ignoradas no Brasil por longo período. Por sua vez, a teoria da

dependência de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, tendo por base o estudo da

realidade de alguns países latino americanos, foi guindada à condição de uma espécie de

“pensamento único” sobre a dependência. Segundo esta elaboração teórica, a “nova

dependência” ocorreu a partir de meados da década de 1950, com o declínio dos pactos

populistas e a adoção de uma nova perspectiva de desenvolvimento baseada no

investimento estrangeiro direto (IED), na montagem do tripé capital estrangeiro-capital

nacional estatal-capital nacional privado, bem como na ascensão de ditaduras para

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(re)definir ganhadores e perdedores no âmbito do desenvolvimentismo sob

autoritarismo.

Defende-se que no citado contexto, em sintonia com as hipóteses formuladas no

presente trabalho, a Cepal desempenhou um papel ímpar, distanciando-se da função de

instituição integrante da estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU) e

constituiu-se em efetiva escola de pensamento. De outra parte, a teoria da dependência,

na versão Cardoso-Faletto, prendeu-se às determinações estruturais do capitalismo,

aceitando a via que vigorou como a possibilidade única para o desenvolvimento

periférico.

Entretanto, o fim do acordo de Breton Woods, a emergência de um capitalismo

crescentemente financeirizado, a retomada da hegemonia norte americana, após forte

contestação, o fim da Guerra Fria e o desmonte da União Soviética, reservaram

perspectivas sombrias para os países periféricos após uma primeira década perdida – a

de 1980. Nesse novo contexto, o ideário apresentado como solução única para a crise

enfrentada por estes países foi a adoção de um velho modelo, apresentado como a fina

flor dos novos tempos: o neoliberalismo.

Neste novo contexto, ocorreu, conforme uma das hipóteses formuladas pela

pesquisa, uma infeliz aproximação na chamada “nova Cepal” com a “nova teoria da

dependência” pela a aceitação, embora com diferenças em nuances, do ideário emanado

do Consenso de Washington. Logo, passou-se à defesa da abertura comercial e

financeira, da elevação da produtividade, do equilíbrio fiscal, do controle obsessivo da

inflação e da redução do tamanho do Estado na economia, etc. Em outras palavras, a

“nova Cepal” assumiu a condição de efetiva agência da ONU, logo a defesa da estrutura

de poder interestatal vigente em escala mundial e a “nova teoria da dependência”, pela

lavra de Fernando Henrique Cardoso, aceitou novamente a imposição estrutural como a

via única para o desenvolvimento dos países periféricos. Assim, defende-se que, a título

de consideração final, é possível afirmar que o desenvolvimento da pesquisa permitiu

aumentar o grau de confiança nas hipóteses norteadoras do estudo.

Já caminhando para o final, volta-se, brevemente, à tradição intelectual que foi

silenciada no passado: a marxista. Os pensadores brasileiros e latino-americanos têm

refletido incansavelmente sobre a realidade capitalista mundial, bem como sobre a

realidade dos países periféricos. Entretanto, deve ser destacado que estes intelectuais

atuam, essencialmente, sob uma perspectiva revolucionária, portanto, sem o propósito

de uma ação propositiva nos marcos do capitalismo. Na verdade, o real propósito é a

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promoção da derrocada capitalista e a instauração de uma sociabilidade pautada na

igualdade. Assim foi no passado sob a vigência desenvolvimentista e assim tem sido

sob a vigência do modelo liberal periférico. Assim continuará sendo enquanto persistir a

sociabilidade capitalista.

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293 p. Tese [Doutorado em Ciências Sociais da UFRN].