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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LILIAN DE SOUZA MACHADO A CORPOREIDADE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LILIAN DE SOUZA MACHADO

A CORPOREIDADE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL

CURITIBA

2013

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LILIAN DE SOUZA MACHADO

A CORPOREIDADE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso,

apresentado ao Curso de Pedagogia da

Faculdade de Ciências Humanas, Letras

e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná,

como requisito para obtenção do grau de

Pedagogo (a).

Orientadora: Prof.ª Jocian Machado Bueno.

CURITIBA

2013

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Dedicatória

Dedico o presente trabalho a Deus, pois é Ele é quem nos dá o sopro

da vida, a minha avó Adelaide Cristina Mozeleski Marczaokoski (In memoriam),

pessoa que me ensinou a ter opinião própria, ao meu avô Estanislau

Marczaokoski Sobrinho (In memoriam) que apesar de seu pouco estudo era

um homem sábio; e a Professora Orientadora Jocian Machado Bueno que

com todo o seu conhecimento, conseguiu desde o início do curso, me inspirar,

aliado ao conteúdo, a seguir em frente, fazendo a leitura do meu Eu, para que

eu conseguisse chegar até aqui. E, que no decorrer da caminhada se tornou

além de mestre, uma grande amiga.

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Agradecimentos

Agradeço em especial ao meu marido Renan Fabrício dos Santos

Machado, que sempre esteve ao meu lado com muita paciência, respeito,

zelo, amor e dedicação; e a minha mãe Leoni Marczaokoski, que sempre

ouviu e opinou nessa caminhada, com muito carinho, tenacidade e afeição.

Aos amigos que compreenderam a minha ausência em vários momentos.

À Salete Haluche Paul e Anneliese Alcoba Ruiz, pessoas que me deram a

oportunidade de ingressar e crescer profissionalmente na instituição em que

atuo; à Coordenadora Pedagógica Cristiane Sliva, que me ensinou que sorrir

é o melhor remédio, às colegas professoras do Colégio Dom Bosco. A minha

querida amiga Gisleine Stawicki. As amigas, Amanda de Cássia dos Santos

Andrade Côrrea, Gelsi Roling e Vanusa Emília Borges, as quais sempre foram

companheiras, mesmo nas adversidades, durante todo o percurso. E, as

Professoras do curso de Pedagogia da Universidade Tuiuti do Paraná, que com

carinho levarei por toda vida.

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Epígrafe

“Nós nos tornamos nós mesmos através dos outros”

Lev Vygotsky

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RESUMO

A representação da corporeidade na prática pedagógica em sala de aula é um assunto pouco discutido e explorado. O problema desse estudo (de que forma a concepção de corporeidade do professor que atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental é representada na sua pratica pedagógica em sala de aula?) foi sendo construído a partir de questionamentos e inquietações que foram surgindo decorrentes de observações e vivências em sala de aula, nas realizações das práticas pedagógicas com os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Definindo como objetivo geral: Identificar de que forma o professor de anos iniciais do Ensino Fundamental representa sua concepção de corporeidade no desenvolvimento de sua prática pedagógica em sala de aula. E, como objetivos específicos: compreender o sentido do termo corporeidade em suas diferentes concepções; discutir a forma do homem lidar com sua corporeidade em diferentes contextos sociais; apresentar a relevância da corporeidade no processo educativo e verificar a representação que o professor que atua com anos iniciais do Ensino Fundamental tem sobre corporeidade e sua expressão na prática pedagógica de sala de aula. Foi realizada a pesquisa bibliográfica e de campo, com entrevista e questionário com docentes dos anos iniciais. Constatou-se que a questão de corporeidade ainda é pouco compreendida em sua relação com as práticas pedagógicas, enquanto concepção histórico-cultural a ser aplicada em sala de aula, com predomínio de uma concepção desenvolvimentista, na qual o corpo se coloca aligeirado em sala de aula. E que é necessário refletir muito acerca da temática, ainda mais por se tratar de anos iniciais, fase tão importante como qualquer outra para o desenvolvimento integral do aluno, na perspectiva de superar conceitos atuais.

Palavras-chave: corpo, corporeidade, representação, prática pedagógica, sala de aula, anos iniciais.

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Sumário

1 INTRODUÇÃO 8

2 COMPREENSÃO DA CORPOREIDADE 9

3 CONCEPÇÕES DE CORPOREIDADE 15

4 O CORPO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 25

5 PESQUISA DE CAMPO 28

5.1 REPRESENTAÇÃO DE CORPOREIDADE DOS PROFESSORES 30

6 CONSIDERAÇÕES 38

REFERÊNCIAS 41

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1 INTRODUÇÃO

A representação da corporeidade na prática pedagógica em sala de

aula é um assunto pouco discutido e explorado. A problemática desse estudo

(de que forma a concepção de corporeidade do professor que atua nos anos

iniciais do Ensino Fundamental é representada na sua prática pedagógica

em sala de aula?) foi construído a partir de questionamentos e inquietações

que foram surgindo decorrentes de observações e vivências em sala de aula,

nas realizações das práticas pedagógicas com os alunos dos anos iniciais do

ensino fundamental.

Verificando que essa temática é pouco abordada no curso de

graduação, tal constatação despertou o desejo de conhecer melhor questões

referentes às concepções do professor sobre corporeidade, as suas atitudes

e as dos alunos em sala. Pois o aluno possui um corpo que necessita de

movimento, de auxílio, de estímulo e muitas vezes é reprimido, principalmente

no ensino tradicional, e poderia ser estimulado para seu desenvolvimento

integral ocorrer da forma mais natural possível. Baquero (1998) cita a versão

original de Vygotsky em sua obra sobre aprendizagem, comentando que a

aprendizagem escolar representa

a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro mais capaz” (VYGOTSKY, 1988 apud BAQUERO, 1998, p. 133).

Instigada pela temática, buscou-se a compreensão de como o professor

dos anos iniciais do Ensino Fundamental representa sua concepção de

corporeidade através de sua prática pedagógica em sala de aula.

O presente estudo acerca do tema A Corporeidade na prática

pedagógica, tem como base teórica autores como Gonçalves (1997), Berge

(1988), Le Boulch (1982), Ferreira & Thompson (2002), Freire (1997) e Bueno

(2003), os quais tratam sobre o tema da corporeidade e permitem esclarecer

questões fundamentais para esta investigação. Nesta busca de como se dá

a representação da corporeidade, é preciso entender como foi a construção

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do conceito de corporeidade e o significado do termo corporeidade em suas

diferentes concepções. Também é importante discutir a forma do homem lidar

com sua corporeidade em diferentes contextos sociais para poder apresentar

a relevância da corporeidade no processo educativo; verificar a representação

que o professor que atua com anos iniciais do Ensino Fundamental tem sobre

corporeidade e sua expressão na prática pedagógica de sala de aula.

Procura-se aqui: compreender de que forma a concepção de

corporeidade do professor que atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental é

representada na sua pratica pedagógica em sala de aula?

Movidos por esta inquietação, define-se como objetivo geral: Identificar

de que forma o professor de anos iniciais do Ensino Fundamental representa

sua concepção de corporeidade no desenvolvimento de sua prática pedagógica

em sala de aula.

Definimos então como objetivos específicos: compreender o sentido

do termo corporeidade em suas diferentes concepções; discutir a forma do

homem lidar com sua corporeidade em diferentes contextos sociais; apresentar

a relevância da corporeidade no processo educativo e verificar a representação

que o professor que atua com anos iniciais do Ensino Fundamental tem sobre

corporeidade e sua expressão na prática pedagógica de sala de aula.

A pesquisa decorrerá de partes, as quais a pesquisadora discorrerá

acerca da temática indicada. São elas, ensaios sobre a compreensão

da corporeidade, concepções selecionadas para serem brevemente

contempladas, a pesquisa de campo e a apreciação dos supostos resultados

da entrevista realizada e com o desfecho nas considerações da pesquisadora.

2 COMPREENSÃO DA CORPOREIDADE

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Bueno (2003) contextualiza a corporeidade numa aproximação

histórico-filosófica do corpo. Na filosofia, o estudo do corpo rendeu grandes

discussões no decorrer da história e tal aproximação permite-nos compreender

o tema central desta pesquisa. Segundo Gonçalves (1997) apud Bueno

(2003) averiguações a respeito da corporeidade tiveram início na Antiguidade,

considerando a Grécia como berço principal, com destaque do estudo de

alguns filósofos como Platão, Sócrates e Aristóteles.

Para a Educação física, campo do conhecimento que se apropriou

deste tema, segundo Bueno (2003), pode-se dizer que a corporeidade, em

termos epistemológicos, tem suas raízes em três correntes filosóficas: o

idealismo, a fenomenologia e o materialismo.

No idealismo, nos estudos de Platão (428 a. C. – 347 a.C), afirmava-

se a separação distinta entre corpo e alma, sendo o corpo mortal, local de

transição da existência no mundo e alma como imortal, voltada para o mundo

espiritual e racional, que se opõe ao movimento, consequentemente da

corporeidade. Portanto, “o corpo, no idealismo, é um corpo secundário, ilusório,

que depende, acima de tudo, da alma e do espírito. É um corpo dualista,

privilegiado pelas ideias acima da matéria”. (BUENO, 2003, p.18)

Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) percebia o homem como uma certa

quantidade de matéria, o corpo, que o torna apto a agir, moldado numa forma,

a alma, estabelecendo diferentes funções da alma e aspectos do intelecto,

colocando os sentidos como indispensáveis para o processo do conhecimento.

Mas, sua visão era dicotomizada, “já que via a somatória do corpo sobre a

alma, em uma progressão linear” (BUENO, 2003, p.19). Tal separação entre

corpo e mente persistiu até a Idade Média.

Deu-se mais importância para o estudo do corpo, mas somente no

século XVIII, com Descartes (1596 – 1650), com o pensamento moderno,

o qual coloca a razão humana e a valorização do indivíduo, como livre e

autônomo, em oposição às instituições religiosas. Mas, ainda dicotomiza corpo-

mente quando afirma “É certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual sou o

que sou é completa e verdadeiramente diferente do meu corpo, e que ela pode

ser ou existir sem ele” (DESCARTES, 2000, p. 61 apud BUENO, 2003, p.21).

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Neste século, no Brasil, devido a época de industrialização no país,

o corpo era adestrado e dicotomizado, como força para a produção da força

de trabalho, justificado pedagogicamente pela defesa da estimulação precoce

de habilidades e comportamentos para as futuras gerações de trabalhadores.

A força e o vigor físico eram valorizados como importantes para o corpo

saudável.

Rousseau, no século XVIII, sua visão de corpo era voltada para o

desempenho em favorecimento da alma. Corpo este, manipulado, dócil,

voltado para a habilidade, modelável e treinável, mas obediente a normas

estabelecidas por instituições coercitivas e disciplinadoras como a escola, o

hospital e o exército.

Na fenomenologia, baseado nos ensinamentos de Descartes e Kant,

tenta-se superar a oposição entre realismo e idealismo, tendo como sucessor

Merleau-Ponty (século XX), desmistificando o corpo-matéria, a favor de um

corpo mais totalizado, integrado.

Ferreira (1998) apud Bueno (2003, p. 22) declara que “a partir deste

momento, as civilizações modernas apontam para a questão da corporeidade,

percebendo o homem como uma unidade indissociável para sua existência”.

Merleau-Ponty aponta o corpo como veículo do ser vivo no mundo,

justificando que a consciência do corpo é feita através do mundo. Colocando

o corpo como habitante no espaço e no tempo, e que, através do dele é que

temos consciência dos objetos. Merleau-Ponty (1999, p.175) apud Bueno

(2003, p. 23) afirma: “Eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo,

ou melhor, eu sou meu corpo”.

No materialismo, baseado em Marx (1818 – 1883), enfatiza-se o corpo

como possibilidade de unificar e transformar o homem à luz de uma visão

histórico-crítica. Aponta o homem como ser ativo que cria a realidade material e

social em que está inserido, ao mesmo tempo em que esta realidade age sobre

ele, construindo sua essência histórica. Marx parte da práxis material para

a compreensão da práxis humana, assegurando que a produção do homem

o distingue de todos os animais. É pelo trabalho que o homem se coloca e

imprime ao objeto sua vontade, sua consciência. É por meio do corpo que o

homem atua, se tornando humano por sua atividade produtiva. Associando as

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categorias da contradição e alienação à corporeidade, no sistema capitalista, o

corpo passa a ser escravo.

Contradição esta, que busca a unidade do homem, presente na

revolução social, representada pelo racionalismo e tecnicismo da sociedade

industrial contemporânea, mas que ainda mantém a visão dicotomizada de

corpo e mente.

A atividade produtiva do homem, que é de construir, é transformada

pelo tempo de trabalho e absorvida pelo sistema capitalista, alienando o

homem de suas raízes humanas e também de sua corporeidade.

O corpo que tem a capacidade de criar e transformar a natureza, agora se torna um corpo automatizado, com tarefas a cumprir, alienado e deformado pelas condições precárias de movimento a que se submete, pois o capitalismo tem a única intenção de fazer com que o corpo subsista como força de trabalho apenas. O trabalho mecanizado, quantificado no modo de produção capitalista, gerou um corpo autônomo, a serviço da produção. O corpo é, assim, solicitado a substituir um real encontro com o outro e o relacionamento humano, em lugar de expressão da totalidade humana, assume a forma de relações entre mercadorias. (BUENO, 2003, p.24)

Na Modernidade, a racionalização, com a instrumentalização, tornou-se

uma nova forma de colonização. Sendo o sistema impondo seu jogo dominador

por intermédio da economia e da política.

(...) a primeira metade do século XX [até 1950] foi marcada por grandes destruições (...) I e II Guerras Mundiais, reprodução da miséria no mundo e desconsideração do ser humano (...) também tornou-se o século da crítica da Modernidade, que apontou as crises e as razões desta crise. O progresso tecnológico da sociedade industrial deveria ser orientado para um interesse de desenvolvimento social com a distribuição das riquezas. (...) O poder econômico, impulsionado e legitimado pela ciência e pela técnica, passou a dominar o homem num ser econômico unidimensional. Assim, o projeto iluminista, que previa a libertação do ser humano das escravidões, tornou-o escravo das forças que ele mesmo imprimiu ao processo histórico. O ser humano perdeu o controle de sua razão e ela já não está a serviço de sua felicidade. (AHLERT, 2011, p.6)

A Modernidade, para Ahlert (2011, p. 5) “representou um período da

evolução humana ocidental no qual as ciências passaram a se afirmar e a

dominar todas as áreas do conhecimento e de transformação da natureza

em bens materiais, além de impactar as relações entre os seres humanos”.

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O corpo ainda é visto e vivido numa perspectiva fragmentada, instrumento de

força de trabalho e reprodução, um “corpo-taylorizado” ligado ao raciocínio

produtivista. Fato que provocou sua individualização, suprimindo questões

sociais, éticas, valores, normas, emoção e sentimentos humanos.

Esta relação entre o homem contemporâneo com sua corporeidade

é resultante de uma consequência histórica com visão dualista de corpo e

espírito, com tendência a perpetuar essa dicotomia.

Na sociedade atual, pós-industrial, as representações de corpo são

cada vez mais multifacetadas e fragmentadas.

Ahlert (2011) apresenta que “Temos hoje o corpo-mídia em absoluta

evidência, o corpo-transformação (homossexualismo), corpo-pele, corpo-

estética, corpo-instrumento, corpo-mercadoria, corpo-produto, corpo-doença,

corpo-manequim, corpo-nu, corpo-vestido, corpo-sarado, corpo-explorado”. (p.

10)

[...] na sociedade contemporânea, traz consigo toda a história do homem e da humanidade em seus diferentes momentos, seja na história, na filosofia, na antropologia com todos os seus atenuantes culturais e religiosos. O corpo carrega resquícios dos idealismos, dos dualismos, dos determinismos, dos cientificismos. [...] De uma forma ou de outra, é cada vez mais escravo do capital e a tudo o que a ele se relaciona, do trabalho, da tecnologia, da ciência, da globalização e da mídia que o marca e o rotula, sendo designado conforme sua utilização em corpo mercadoria ou em corpo-objeto, a serviço ora de uns, ora de outros, em uma luta incessante para sobreviver, não o libertando, mas submetendo-o no sentido de sua dependência. Nessa perspectiva, a alguns cabe o papel de dominar e a muitos o de dominados, sendo neste caso, nesta sociedade o dominador, aquele que aliena, que coisifica o homem, o protagonista da história e o dominado, o alienado o antagonista da história, o que vem a caracterizar, grosso modo, essa inversão de valores que é “normal” e que se banalizou na contemporaneidade. (BOZZA; AHLERT, 2009, p. 10 apud AHLERT, 2011, p. 10).

A realidade de corpo fragmentado, herdado da Modernidade, nos

coloca um desafio no processo educativo, que é o de superação desta

realidade. Uma vez que entende a educação emancipadora como a busca do

ser mais humano, é libertadora, propagadora da realidade de opressão e da

exclusão, requer outra compreensão de corpo, mais ampla e inclusiva.

O pensamento complexo nos permite compreender que a corporeidade humana é uma emergência do processo de evolução que conduziu, como apontamos anteriormente, a “physis”, o

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“bios” e a esfera antropossocial a sucessivos aumentos no grau de complexidade dos sistemas/organizações, a começar com a formação dos átomos, chegando, em nosso planeta, onde se dá a evolução das espécies, à emergência da espécie humana que é detentora de espírito (mente) e consciência. Podemos compreender que a corporeidade guarda a herança de todo este processo evolutivo.Desta forma, a corporeidade, à luz do pensamento complexo, permite compreendermos o ser humano como ser complexo, estando todas as qualidades e dimensões pertencentes ao humano enraizadas em seu corpo. É através do corpo que podemos identificar a individualidade, a existência e o Ser, os quais remetem à organização. (JOÃO & BRITO, 2004, p. 166)

Acerca do pensamento complexo, infere-se a necessidade de

aplicação de atividades complementares e interdisciplinares, que possibilitem

a construção do conhecimento do corpo. Ahlert (2011, p. 12) cogita desafios

para os profissionais da educação. Sendo eles, “a construção de um diálogo

sobre a questão de corpo de forma interdisciplinar”, o dever de “contrapor-se

ao pensamento único, buscando consenso para superar a verdade única” e a

“construção de uma formação sustentada na docência-pesquisa”.

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3 CONCEPÇÕES DE CORPOREIDADE

Como o tema desta pesquisa se faz muito amplo, numa gama de

acepções por diferentes autores das mais variadas noções e concepções; faz-

se a tentativa de delimitar somente algumas concepções, unificando diferentes

autores.

Para Assmann (1994, p.67) apud Ahlert (2011, p.5) a corporeidade,

sob o olhar da Filosofia, é o conhecimento do e sobre o corpo filosófico que

parte da dimensão biológica. Fazendo parte de um conjunto, expressando a

totalidade do ser humano como um ser vivo, parte da criação e da natureza,

em que corpo, razão, emoções, sensações e sentimentos se inter-relacionam

ininterruptamente. Expressando um conceito pós-dualista do organismo vivo,

na tentativa de superar as polarizações semânticas contrapostas (corpo/alma;

matéria/espírito; cérebro/mente).

O termo corporeidade indica a essência ou a natureza do corpo. A etimologia nos diz que corporeidade vem de corpo, que é relativo a tudo que preenche espaço e se movimenta, e que ao mesmo tempo, localiza o ser humano como um ser no mundo. É a maneira como o ser humano se diz de si mesmo e se relaciona com o mundo com seu corpo enquanto objetividade (matéria) e subjetividade (espírito, alma) num contexto de inseparabilidade. (AHLERT, 2011, p.4)

Partindo desta compreensão, aponta-se e delineia-se três perspectivas,

assim intituladas:

a) Desenvolvimentista – seus fundamentos são sustentados

significativamente em Piaget, tal ótica com base na biologia, traz também

afinidade na filosofia, nas bases de Rousseau quando o mesmo aborda o

corpo voltado para a habilidade, um corpo treinável, obediente, enfim, um corpo

saudável.

b) Psicanalítica – autores remetem às bases de Freud para

compreender a questão da imagem corporal, um corpo subjetivo enquanto

fenômeno. É a partir do existencial que se aprofundou o eixo psíquico,

iniciando a junção de corpo e mente, mas ainda sem a compreensão de

totalidade.

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c) Histórico Cultural – faz sua associação com o materialismo

dialético quando o sujeito compreende seu corpo como atuante e

transformador da cultura, agindo no contexto em que se encontra e buscando

usufruir desta ação.

Desenvolvendo melhor estas perspectivas, na perspectiva

Desenvolvimentista, Piaget (1970; 1978), biólogo suíço, centrou seus

interesses no aprofundamento dos conhecimentos sobre epistemologia.

A abordagem piagetiana diz respeito à aquisição da aprendizagem como

produto da interação da criança com o ambiente. Para Piaget, a criança é

um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando

ativamente, com suas estruturas lógicas já adquiridas, com os objetos do

mundo, incluindo-se aí pessoas, ideias e seu próprio corpo. Dessa interação,

resulta o que Piaget definiu como “tomada de consciência” de tais objetos, seja

de uma operação matemática, das formas de se relacionar, ou de seu próprio

corpo. A educação e o ensino/aprendizagem, fundamentados no cognitivismo

de Piaget, têm estas ideias como norteadoras tanto quando se trata da

aquisição de conteúdos, e mesmo do trabalho corporal com crianças, no qual o

que importa é a aquisição da consciência corporal.

Numa perspectiva de desenvolvimento, na teoria biológica do

conhecimento, Pulaski (1986) descreve sobre os estudos de Piaget, que

perpassam pelo cognitivo sem abandonar a biologia. Segundo o autor citado,

para Piaget “os organismos podem adaptar-se geneticamente a um novo meio”

considerando que “são ativos e auto-reguladores em sua escolha de meios

de adaptação”. (p.22) Entende a adaptação como um processo “dinâmico e

contínuo no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio

externo de modo a reconstituir-se, com vistas a uma melhor sobrevivência”.

(p.22)

Le Boulch (1982), sobre o desenvolvimento psicomotor, salienta que a

criança desde o nascimento apresenta potencialidades para desenvolverem-

se. E que elas não dependem só da maturação dos processos orgânicos, mas

também de um intercâmbio com o outro, sendo nas relações com os outros,

que se descobrem e a sua personalidade é construída.

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Pulaski (1986), acerca da inteligência biológica, coloca que se

percebe a continuidade do conhecimento humano em seu desenvolvimento,

completando que o conhecimento é “uma relação evolutiva entre a criança

e o meio”, reconstruindo ações e ideias em relação às suas experiências

ambientais. Nesse relacionamento contínuo com o meio, a criança, em

algumas idades, estabelece-se “estruturas ou organizações de ação e

pensamento, características que Piaget classificou de estágios”. (p.22)

(...) além de suas origens biológicas herdadas, através de um processo de auto-regulação baseado na resposta (feedeback) do ambiente, que leva a uma reconstrução interna. A habilidade de adaptar-se a novas situações através da auto-regulação é o elo comum entre todos os seres vivos e a base da teoria biológica do conhecimento de Piaget. (...), portanto, a adaptação é essência do funcionamento intelectual, assim como a essência do funcionamento biológico. É uma das tendências básicas inerentes a todas as espécies. A outra é a organização, a habilidade de integrar as estruturas físicas e psicológicas em sistemas coerentes. A adaptação ocorre através da organização; o organismo discrimina entre a miríade de estímulos e sensações com os quais é bombardeado e as organiza em alguma forma de estrutura. (PULASKI, 1986, p.22)

A adaptação é composta pela dualidade: assimilação e acomodação.

A assimilação é como se fosse o processo de entrada, das sensações, do

alimento ou das experiências. “É o processo pelo qual as coisas, pessoas,

ideias, costumes e preferências são incorporados à atividade de um indivíduo”.

(p.22) Por exemplo, no contato com as pessoas a criança vai ouvindo a

construção das frases e o sentido da linguagem, antes mesmo de ser capaz de

falar. Então, “está assimilando tudo o que ouve e gradualmente transformando-

o em algo de seu”. (PULASKI, 1986, p.23) Balanceada a acomodação faz

o processo de saída, meio pelo qual consegue dirigir-se para o meio. Um

exemplo é quando a criança começa a balbuciar em resposta à conversa ao

seu redor, aproximando pouco a pouco as palavras que está assimilando. Os

dois processos concomitantemente possibilitam o desenvolvimento físico e o

cognitivo, na aprendizagem.

Piaget descreve o período sensório-motor como um período de

“inteligência prática”, na qual a criança interage com o meio através de

suas ações. “À medida que se aproxima dos dois anos, a criança está

formando imitações ou representações do que vê ou experimenta, que são

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“interiorizadas” como imagens mentais”. É o início da construção de sua

imagem corporal. Para Le Boulch (1982, p. 15) “a imagem do corpo representa

uma forma de equilíbrio entre as funções psicomotoras e a sua maturidade”,

cujo conjunto funcional tem a finalidade de favorecer o desenvolvimento. A

atividade motora e sensorio-motora, pela qual o indivíduo explora e maneja o

meio, sendo essencial para a evolução.

Pulaski (1986) coloca que “Os pensamentos, de maneira simplista,

são ações que ocorrem na mente, em lugar do plano físico; o termo de Piaget

para eles é operações”. (p. 39) A criança durante aproximadamente cinco anos

decorrerá pelo processo para aprender a lidar com o mundo ao nível simbólico.

“Seus símbolos incluem imagens mentais, desenhos, sonhos, símbolos do

faz-de-conta, gestos e linguagem” (p.39), substituindo as atividades sensorio-

motoras. A representação simbólica, no chamado período pré-operacional, o

pensamento da criança ainda é egocêntrico, devido sua experiência limitada.

Quando a criança está em idade escolar, por volta dos seis/sete anos, já

consegue formular operações verdadeiras, que são logicamente necessárias

e indiscutíveis. Consegue trabalhar com “modelos concretos, pode agora

operar em pensamento, classificando-os ou a suas representações (retratos,

palavras) em diferentes tipos de agrupamentos” , podendo “seriar, ampliar,

subdividir, diferenciar ou combinar as estruturas existentes em novas relações”.

(PULASKI, 1986, p.40) “Mas seu raciocínio ainda é limitado por suas próprias

experiências concretas; ainda não sendo capaz de lidar com abstrações puras,

sob a forma de inferências e hipóteses. Assim, Piaget chama a esse período,

que vai dos sete até aproximadamente 11 ou 12 anos, período das operações

concretas”. (p.40)

Fazendo aqui a aproximação com a perspectiva psicanalítica, aponta-

se Ferreira & Thompson (2002), os quais nos remetem primeiramente ao

estudo dos conceitos de imagem e esquema corporal, sob uma visão inter e

transdisciplinar na articulação com outras áreas humanas e da saúde, em sua

contribuição quanto à reflexão mais profunda da importância da relação desses

conceitos para os processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos

e para a formação das subjetividades, numa perspectiva geralmente espaço

temporal.

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Ferreira & Machado apud Ferreira & Thompson (2002) aparam-

se no uso do conceito de imagem corporal, no campo da consciência e do

inconsciente. Pois para estes o conceito de imagem não fica restrito ao próprio

corpo, e sim à condição de subjetividade emanada de diversas influências,

abrangendo o corpo próprio, sua noção esquemática e sua relação com o

conhecimento.

Na visão filosófica, Kant rompeu o pensamento moderno de Descartes,

que defendia a relação do homem com a subjetividade e o conhecimento,

elevando o sujeito como responsável pelo conhecimento desvinculado

da transcendentalidade divina cartesiana, introduzindo elementos para a

construção do conhecimento adquirido: a posteriori e a priori.

Sendo conhecimentos, a posteriori, construídos pela própria

experiência, com base empírica e necessitando de tempo para serem

internalizados e conhecimentos a priori é originado de estruturas presentes em

nossas próprias faculdades de conhecimento, as quais estruturam o objeto.

Assim, instaurou uma forma de construção do conhecimento, da realidade e

do eu, entre informações adquiridas pelas sensações e as produzidas pelo

pensamento.

A nossa natureza é tal que a intuição não pode ser senão sensível, isto é, contém somente o modo como somos afetados por objetos. Contrariamente a faculdade de pensar o objeto da intuição sensível é o entendimento. Nenhuma dessas propriedades deve ser preferida à outra. Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas. Portanto, tanto é necessário tornar os conceitos sensíveis (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) quanto tornar as suas intuições compreensíveis (isto é, pô-las sob conceitos). Essas duas faculdades ou capacidades também não podem trocar as suas funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada pensar. O conhecimento só pode surgir da sua reunião. (KANT, 1791/1987, pp.55-56 apud Ferreira & Thompson, 2002)

Kant distinguiu duas formas de ciências; a da sensibilidade,

denominada de estética e a do entendimento, denominada de lógica.

Instaurando ainda a perspectiva psicanalítica assim que admitiu a dimensão

espaço-temporal do conhecimento sobre os objetos em oposição ao

conhecimento da “coisa em si”. Segundo análise de Coelho apud Ferreira &

Thompson (2002)

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A coisa-em-si não pode ser conhecida objetivamente por mim. É algo incognoscível, porque não é espacial nem temporal e eu só posso conhecer coisas dentro do espaço e do tempo que me são familiares ou próprios. Entretanto, devido à minha sensibilidade natural, eu posso ter intuição da coisa-em-si ao lhe dar uma expressão formal, um “corpo” ou resultado. (1983, p. XXIV)

Ferreira & Machado (2002, p. 18) mostram que “Sabemos que o

desenvolvimento psicomotor só existe a partir de sua representação no

aparelho psíquico, portanto, a imagem corporal é resultado das representações

mentais do corpo”. Lacan influenciado pelo conceito de imagem exteroceptiva e

com a releitura de Wallon do narcisismo em Freud, idealiza o chamado estádio

do espelho, que seria “o efeito de identificação produzido no sujeito quando

ele se reconhece diante do espelho e seu corpo ganha o contorno de uma

imagem. É um momento de júbilo narcísico provocado pela ilusão.

Sendo que “A assunção se funda o EU, que pela ilusão de completude,

o situa como eu ideal e matriz do registro imaginário. Esse momento antecipa

uma relação com o outro, ainda que este outro seja ele mesmo”. (p.18)

Inserindo-se numa relação dialética, que demanda de suas necessidades e do

retorno vindo do outro, atendendo, ou não, suas necessidades.

Imagem e esquema na ótica do inconsciente, não se restringe ao

pensamento e às Funções Mentais Superiores.

A consciência é uma das suas principais qualidades, porém uma qualidade inconsciente. Outros processos mentais interferem e alteram a consciência, a subjetividade não é apenas o resultado de uma síntese do eu ou da realidade. Há em sua estrutura algo desconhecido pelo sujeito, fora do alcance do seu conhecimento: o inconsciente. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.17)

Assim, não se dissocia imagem corporal e esquema corporal, pois são

relacionados com o contexto social amplo e estrito.

O psíquico é dividido em consciente e inconsciente, e como premissa

fundamental da psicanálise, nos proporciona outra visão dos processos

mentais na construção do conhecimento, da realidade e do EU. Não perpassa

somente pelo meio social e cultural, mas também por sua própria estrutura

corporal, a qual humaniza o sujeito. “Para a psicanálise, o eu é uma construção

das características inatas (constitucionais), incluindo o corpo e sua construção

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corporal (adquirido)” (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.17)

Essa seqüência temporal é sempre significada, cada sensação, cada emoção, adquire um significado próprio e ganha uma representação, um traço mnêmico e insere a criança no registro simbólico, o universo da linguagem. É por meio da linguagem que se constrói a relação com a realidade e o mundo exterior. A linguagem dá significado às percepções externas e internas oriundas do corpo, é quando o corpo começa a falar e a exigir a satisfação de suas necessidades. A significação das necessidades transforma essa demanda em movimento desejante. O desejo marca a subjetividade e a construção da imagem corporal (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.18).

Nessa compreensão, e diante das perspectivas apontadas, percebe-

se que com a contribuição de outros autores, ocorre uma hibridez entre as

perspectivas apontadas (desenvolvimentista, psicanalítica, histórico-cultural),

com algumas afirmações se entrelaçando com outras, o que se apresenta a

seguir.

Em Wallon, a construção da imagem corporal, terça pelo estudo do que

antecede o psicofisiológico da consciência corporal.

(...) a noção de do eu corporal não se limita a sua intuição, embora plenamente coordenada, dos órgãos e de sua atividade: exige uma distinção feita entre os elementos relacionados ao mundo exterior e os atributos ao próprio corpo; assim, pois, estaria o eu corporal definido sob os seus diferentes aspectos. Por conseguinte, é condição indispensável e de reconhecida suficiência, que seja possível a ligação entre a atividade debruçada para o mundo exterior e a relacionada de modo mais imediato, às necessidades e às atitudes do corpo. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.16)

Como asseguram Ferreira & Thompson (2002) a criança, o

adolescente e o adulto não são produtos dissociados de sua cultura e que suas

identidades são construídas a partir de valores do meio, signos que mediam a

relação do homem com a cultura. Assim, constroem a imagem de si e do outro,

sua corporeidade, seu comportamento e desejo.

A imagem corporal, como um produto do imaginário tem também sua origem na interação entre a atividade sensório-motora do bebê e o campo da linguagem, que é eminentemente cultural. Sendo assim, a percepção de si e do seu corpo passa pela representação que cada sujeito vai fazer para si na sua relação com o outro, por meio dos signos e a partir da sua própria experiência. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.15)

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O comportamento humano é transmitido de geração em geração,

regulado por intermédio da internalização da linguagem. Há interferências que

podem vir a interromper esse provável determinismo, sendo de cunho afetivo e

socioculturais. Prescrevendo nova ordem imaginária, produzida comumente, na

arte, ciência e religião.

Para a construção da significação é preciso entender que para

Vygotsky ela não está dissociada da imaginação. E, que há dois tipos

fundamentais de imaginação: a plástica e objetiva, que advém de impressões

vividas e do mundo exterior; e a emocional e subjetiva, a qual é composta

de elementos vindos do interior. A função imaginária é determinante para

construção de toda atividade mental e representação da realidade interna e

externa.

A função de significação é básica para reunir as impressões vividas com a ação e a emoção e fornecer-lhes um estatuto de linguagem, construída socialmente em cada experiência subjetiva e construída na mente humana sob a forma de representação da realidade interna e externa, ao que podemos chamar de consciência. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.12)

Nesta construção e com a influência de Vigotsky, além de processos

históricos importantes, podemos sugerir que a perspectiva histórico-cultural se

instaura.

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu o surgimento da indústria

cinematográfica, instituindo novidade na forma da construção de identidade

jovem, como um ideal moderno, que transforma-se por intermédio das culturas

pop dos anos 50,60,70; sendo influenciados, ou não, pela estética, como meio

de linguagem e/ou por traços identificatórios, com que o sujeito pode arrostar

sua história.Os novos paradigmas da ciência e da arte passam a influenciar

a maneira de como o homem e a mulher transpõem, se reconhecem e se

vêm nesse contexto. Inicia-se a construção do viés de corporeidade em que a

cultura para a ter mais significado nas representações.

Esse estudo faz com que consideremos uma condição importante para os estudos cognitivos e, em especial, neuropsicológicos, a saber: a imagem corporal não é uma construção restrita às influências obtidas pela informação visual. A imagem corporal, sob a ótica vygotskyana, é uma representação produzida sob um contexto sociohistórico e é fruto da experiência individual. Imagem e esquema

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são construídos a partir da articulação entre significado e sentido. Contribuem para essa construção, as experiências vividas em toda a sua dimensão sensorial: imagens olfativas, cinestésicas, visuais, gustativas, táteis e auditivas. A conexão entre inteligência prática, sensório-motricidade e emoção, por um lado, e o campo dos signos e da linguagem, por outro, é que permite a internalização dos conceitos de si, do outro e do mundo. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.15)

Então, a consciência corporal decorre pelo conjunto de informações

adquirido por meio de três diferentes vias, originalmente dissociadas.

...a primeira... é a via das sensibilidades viscerais, internas e denominada de interoceptiva; a segunda via, chamada de proprioceptiva, refere-se às sensações ligadas ao equilíbrio, ações e movimentos do próprio corpo; e a terceira, considerada a mais tardia na perspectiva ontogenética, é a construída por intermédio da sensibilidade voltada para as informações/excitações de origem exterior e é chamada de exteroceptiva. (FERREIRA & MACHADO, 2002, p.16)

Para Ferreira & Machado (2002) “Pode parecer simples, mas perceber

a imagem e relacioná-la a si próprio são construções complexas sustentadas

numa ontogênese que passa necessariamente pelo outro”. Na análise de

crianças em sua reação diante do espelho, Wallon distingue dois tempos

significativos em sua psicogênese: a capacidade de perceber a imagem,

primeiro constatando que a criança relaciona à pessoa real, pela atitude do

outro, dividindo o reflexo no plano do espelho, associando o gesto à imagem,

identificando imagem e pessoa real. E, relacioná-la a si próprio, que se refere

à construção da imagem de si, reconhece a si próprio na imagem refletida no

espelho, procurando contato corporal com ela, referindo-se a imagem quando

chamam seu próprio nome, projetando na imagem que construíram para si.

Sendo a construção da imagem corporal “uma dinâmica complexa que envolve

as mais diversas impressões e segue estágios necessários à sua significação”.

(FERREIRA & MACHADO, 2002, p.16)

Para tanto, é necessário a exteriorização para que haja simbolização.

Pois ao entrar em contato com o espelho, a criança de modo gradual aprende

quanto a si mesma, a elementos mais imediatos, pessoas e coisas cujos traços

e identidade, conhecendo, fixando, avançando, e, por fim “apreender-se como

um corpo entre outros corpos, como um ser entre outros seres”. (WALLON,

1981, p.196 apud FERREIRA & MACHADO, 2002, p. 17)

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A construção da imagem corporal auxilia para o progresso posterior

da consciência, a qual ocorre na concepção simultânea de compreender um

mesmo indivíduo em dois lugares, corroborando para a construção de si e o

próprio corpo, pertencimento ao espaço, produto imaginário, como parte da

natureza das imagens. Envolvendo a realidade como produto absoluto da

experiência sensível, subalterno à representação, primórdio de toda função

simbólica.

Como apresentam Ferreira & Machado (2002, p.17) “E tal qual

Vygotsky, Wallon afirma que a imagem do corpo está articulada na rede de

imagens de representações sociais fornecidas pelos adultos e pelas relações

estabelecidas com o meio físico e social”.

Partindo do pressuposto de que “a imagem corporal é um conjunto

de informações que constituem um sujeito diante de si, do outro e do mundo.

A construção da imagem passa necessariamente pelo outro e pela cultura”

(p.20). Que partiremos para a busca da compreensão no campo da educação.

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4 O CORPO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

É nas reflexões a respeito do sentir, do pensar e do agir, na perspectiva

da corporeidade e educação que Gonçalves (1997, p. 10) ressalta que a nossa

identidade é construída e reconstruída, no encontro e desencontro com os

outros, num decorrente processo histórico de transformação contínua.

É necessário resgatar todo esse processo de evolução acerca da

reflexão, pois nas mudanças que ocorrem sempre permanece algo que seria

a essência do fenômeno, sendo a ligação que constitui a transformação e o

apontamento ao processo. Para aprofundamento da essência do fenômeno

precisa-se distinguir o essencial do secundário, o real do que é aparente e o

permanente do transitório, compreendendo que na construção da concepção

do homem, do mundo e do nosso destino configura-se a relação dialética do Eu

com o mundo, não havendo ruptura nesse processo.

Considerando que a prática pedagógica abrange o fenômeno

educativo e que educação é definida como a prática de meios adequados

para desenvolver as possibilidades humanas, Gonçalves (1977) destaca

o questionamento “Para que se educa?”, o qual pode ser respondido

com referência a valores, e que em práticas educacionais concretas são

visualizadas concepções de homem, sociedade e os fins da educação. E,

para que a integração dos conhecimentos em sua prática concreta ocorra, o

professor precisa estar concatenado com as diferentes ciências.

Com a intenção de descobrir essas concepções de corporeidade,

a forma de como o homem lida com sua corporeidade, os regulamentos

e o controle do comportamento corporal, que vive em construção social,

resultante de um processo histórico, interagindo de forma dinâmica, precisa ser

compreendido. Gonçalves (1997, p. 13) explica “Ao mesmo tempo em que atua

na realidade, modificando-a, esta atua sobre ele, influenciando e, até podemos

dizer, direcionando suas formas de pensar, sentir e agir”.

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Assim, demonstrando que o comportamento está ligado ao

condicionamento social e cultural que ocorre nas esferas intelectuais, afetivas,

morais e físicas que são estabelecidos no processo de socialização, cada

indivíduo expressa sua singularidade, mas também o que o caracteriza

enquanto grupo. Compreendendo que

uma mente capacitada e ágil sinta-se constrangida num corpo subutilizado, que se movimenta desajeitadamente. Por isso é tão importante dar hábitos sadios às crianças a fim de poupar-lhes, na idade adulta, uma reeducação difícil e muitas vezes sentida como regressão humilhante. (BERGE, 1988, p. 11)

Esses hábitos são importantíssimos para que nossa mente trabalhe em

harmonia, fazendo com que traga benefícios ao organismo. E que a correria

da civilização tecnológica do nosso século é responsável por boa parte da falta

de movimento. Berge (1988) fala que “A harmonia entre nossa inteligência,

nossas sensações e nossas necessidades elementares é perturbada pela vida

moderna”. (p.13).

Bueno (2003) enfatiza que “A valorização da alma, do pensamento ou do

corpo permeavam o estudo sobre o ser humano, no qual a visão dicotomizada

deste, representando-o como um ser dual, foi amplamente discutida, sendo

perpetuada até os dias atuais,...”. (p.17)

Pautada nas reflexões acima afirma-se que é preciso que o aluno

e professor conheçam seu próprio corpo para então colocá-lo em ação. É

necessário que se estabeleça uma relação entre aluno e professor para que o

estímulo alcance o resultado esperado. O papel do professor é indispensável

para que o aluno sinta segurança e não inibição ao executar a atividade, de

modo que o erro seja não seja percebido como um fracasso.

Na importância devida da relação professor-aluno, na construção do

conhecimento do corpo ou de conceitos. Le Boulch (1982) destaca que

é através das relações mútuas do organismo e do meio que a imagem do corpo organiza-se como núcleo central da personalidade. A atividade motora e sensório-motora, graças à qual o individuo explora e maneja o meio, é essencial na sua evolução. (p.15)

A oportunidade de exploração da imagem com relação ao corpo auxilia

a compor essa noção de corporeidade.

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Freire (1997) coloca a primeira infância como fase necessária para se

ir à escola, pois o seu conhecimento de mundo nesse período depende das

relações que ela vai estabelecendo com os outros e com as coisas.

Destaca ainda que se a criança aprender a trabalhar com brinquedos

gera a possibilidade de

[...] garantir um bom desenvolvimento de habilidades motoras sem precisar impor às crianças uma linguagem corporal estranha. Assim como a linguagem verbal falada pela professora em sala de aula é, por vezes, incompreensível para os alunos, também a linguagem corporal pode sê-lo, se não se referir, de início, à cultura que é própria dos alunos. (FREIRE, 1997, p.25)

Assim, coloca o professor com a função fundamental de compreender

os mais diversos pontos de vista acerca da corporeidade, para que a prática

pedagógica tenha significado para o aluno.

Do ponto de vista motor, antes mesmo do surgimento de uma linguagem verbal, todos os esquemas motores básicos estão formados. A criança já pode ver, ouvir, cheirar, arrastar-se, andar, girar, saltar, correr, bater etc. Daí para frente seu problema não será apenas criar recursos motores para fazer muitas coisas, embora não consiga compreendê-las, assim como os outros animais também não podem. O homem, no entanto, humaniza-se. Não é como qualquer animal, pois tem acesso ao símbolo. Ele pode representar mentalmente qualquer ação que realize. E isso o torna diferente. É por isso que não é justo, do ponto de vista pedagógico, investir-se na formação dos movimentos sem levar em conta o desejo humano de compreender o mundo. O ser humano tem direito de fazer e compreender. A tarefa fundamental da escola é promover o fazer juntamente com o compreender. (FREIRE, 1997, p. 27)

Portanto, o professor necessita formação diferenciada, para que

consiga relacionar o que presenciou em sua formação, entendendo os

benefícios da compreensão do movimento em si e sua natureza. Possui,

assim, mais chances de conseguir aplicar atividades que em momentos

destaque certas habilidades e em outros momentos outras habilidades, ou

pelo menos estimule o aluno de uma maneira que o movimento não seja

apenas o movimento pelo movimento; mas o movimento com fundamentação e

funcionalidade.

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5 PESQUISA DE CAMPO

A presente pesquisa foi desenvolvida através de pesquisa bibliográfica

e pesquisa de campo, na qual utilizou-se de entrevista, respondida pelos

docentes do ensino fundamental, no intuito de explicitar com os resultados da

pesquisa, as concepções do próprio corpo, relacionada ao que influenciam na

prática pedagógica do docente em sala de aula, favorecendo assim a reflexão

acerca do que as ações dos docentes podem beneficiar os alunos.

Para Minayo (1994, p. 16) a teoria e a metodologia caminham juntas e

são inseparáveis. “Enquanto o conjunto de técnicas, a metodologia deve dispor

de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de caminhar os impasses

teóricos para o desafio da prática”.

Neste estudo busca-se a observância da relação prática e teoria;

conforme o entendimento da abrangência que esse tema propõe. A

pesquisa de campo foi utilizada, devido os questionamentos que surgiram

na problemática acerca da prática pedagógica e a da representação de

corporeidade do professor de anos iniciais.

Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. (LAKATOS, 2009, p. 188)

Para Neto (1994, p.51) a pesquisa de campo “se apresenta como

uma possibilidade de conseguirmos não só uma aproximação com aquilo

que desejamos conhecer e estudar, mas também de criar um conhecimento,

partindo da realidade...”. Então a assimilação dos conceitos e da teoria e

sua relação com a prática poderá ser melhor percebida através de pesquisa

qualitativa, a qual para Minayo

... responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que responde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos

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fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (1994, p.21).

Cervo e Bervian (1977) relatam que “As técnicas específicas da

pesquisa de campo têm por finalidade recolher e registrar ordenadamente os

dados relativos ao assunto escolhido como objetivo de estudo. Equivalem,

portanto, a instrumentos de observação controlada.” (p. 40-41)

Sendo a entrevista uma das principais técnicas utilizadas em pesquisa

de campo qualitativa, pois através dela conseguimos obter dados objetivos e

subjetivos, Carvalho afirma que (1989) as entrevistas são constituídas como

uma técnica alternativa para se coletar dados não-documentados sobre um

determinado tema.

Em geral, as entrevistas podem ser estruturadas e não-estruturadas, correspondendo ao fato de serem mais ou menos dirigidas. Assim, torna-se possível trabalhar com a entrevista aberta ou não-estruturada, onde o informante aborda livremente o tema proposto; bem como com as estruturadas que pressupõem perguntas previamente formuladas. Há formas, no entanto, que articulam essas duas modalidades, caracterizando-se como entrevistas semi-estruturadas. (NETO apud DESLANDES, 1994, p.28)

A entrevista/questionário abaixo foi elaborada no intuito de ser utilizada

como mais um instrumento de pesquisa, pelo qual tentaremos explorar, pelo

subjetivo, a compreensão de corporeidade deste docente que se encontra

presente em sala de aula dos anos iniciais do ensino fundamental. Compõem-

se das seguintes questões:

1. Para você o que é corpo?

2. O que você entende como corporeidade?

3. Como você percebe o seu corpo?

4. Como você percebe o corpo do outro?

5. Você acredita que o seu entendimento sobre corporeidade pode

influenciar em sua prática pedagógica em sala de aula? Explique.

6. Você vê relação entre a corporeidade e a prática pedagógica em

sala de aula? Se sim, de que forma?

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As questões do presente questionário foram definidas pela

pesquisadora, e validadas por uma docente pedagoga e mestre.

As três primeiras questões (1, 2 e 3) se justificam para que se

compreenda a concepção filosófica ou perspectiva teórica, na qual trabalha

com Eu para o Outro, voltado para a área da educação. As outras três (4, 5 e

6), objetivou-se coletar a visão dos docentes, visão esta que nos faz refletir a

aula em sala, suas características e suas convergências e/ou divergências.

Foram entregues 20 questionários e 9 foram respondidos. Dos

respondidos, os mesmos foram nomeados com letras alfabéticas (A, B, C, D, E,

F, G, H e I) para que seja possível fazer o cruzamento de dados.

Os questionários em anexo nos trouxeram uma representação da

compreensão do docente dos anos iniciais, atuantes, tanto na rede particular

como na rede pública de ensino.

5.1 REPRESENTAÇÃO DE CORPOREIDADE DOS PROFESSORES

Partindo das respostas dos questionários, os quais perpassam pelo

subjetivo do ser humano, fazem-se aqui os levantamentos, apontamentos e

cruzamento de informações, segundo dados pesquisados.

Dentre os nove questionários respondidos, obtemos como informações,

expostas de forma mais explícita pela primeira resposta, qual a concepção

de corporeidade que este docente identifica-se mais, não que esta pergunta

no decorrer do questionário não faça o cruzamento com outra concepção.

Pois o ser humano, é flexível, adaptável e cada momento, na relação com o

outro, transforma-se e constitui-se, não sendo estático em suas definições,

se hoje é definida de uma maneira, amanhã esta percepção poderá ser

alterada, dependendo de suas vivências e interações com o contexto e pela

interdisciplinaridade que o rodeia no ambiente interno e externo. Verifica-se

que os questionários apresentam tais visões:

A- Histórico Cultural e Psicanalítica

B- Desenvolvimentista

C- Histórico Cultural

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D- Psicanalítica e Desenvolvimentista

E- Desenvolvimentista

F- Desenvolvimentista e Psicanalítica

G- Desenvolvimentista

H- Desenvolvimentista

I- Desenvolvimentista e Psicanalítica

Das demais questões exploram-se palavras chave que desvelam

visões que podem ser correlacionadas com as concepções e corrente

filosóficas exploradas nos capítulos anteriores.

A primeira questão a respeito do Corpo, dos questionários A e C

apresentam visão Histórico Cultural, quando respondem que o corpo é “Parte

material de um Ser ou de um objeto” e “Depende do que se refere. Pode ser a

estrutura anatômica de ser vivo ou uma porção de matéria (massa)”. Pois, nas

referências consideram o que La Taille (1992) diz enquanto visão vygotskiana,

que é importante o “substrato material do desenvolvimento psicológico [...] da

linguagem [...] contemplam, assim, a dupla natureza do ser humano, membro

de uma espécie biológica que só se desenvolve no interior de um grupo

cultural”. (p.24) Assim como destaca Petraglia (2006) apud Couto (2009) “A

pessoa faz parte de uma comunidade, que também está inserida na pessoa

com suas normas, linguagem e cultura, e que, ao mesmo tempo, é produto

dessa sociedade e produtora de sua manutenção.” (p. 150) Rompendo assim,

com a dualidade de corpo/mente, considera o corpo como matéria, numa

perspectiva de totalidade na cultura inserida.

Os objetos do mundo estão à nossa disposição, mas, para alcançá-los, é preciso satisfazer certas exigências. Podemos assimilá-los todos, desde que paguemos o preço de nossa própria transformação, provocada pelas características dos objetos. É por isso que, se olharmos à nossa volta, veremos que as pessoas cada vez mais se parecem como o mundo e que o mundo se parece cada vez mais com as pessoas. Ou seja, não apenas sofremos, mas também provocamos transformações no meio ambiente. (FREIRE, 1997, p. 30)

Os questionários B, E, F, G, H e I; nas respostas da primeira questão

“Corpo é o que representa a figura humana; (por fora) braços, pernas, pele;

(por dentro) órgãos, sangue, células”, “É a estrutura do ser humano”, “O corpo

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é a “morada” do biológico, do cognitivo e do emocional do ser humano”, “Tudo

aquilo que ocupa um determinado espaço, num determinado lugar”, “É um

instrumento de expressões e sentimentos” e “Espaço de um indivíduo, tudo

acontece a partir dele”; revelam-nos a visão desenvolvimentista de Piaget,

que ainda perpetua a visão dicotomizada, com a divisão de corpo e mente, de

corpo e alma.

De acordo com Piaget, não há conhecimento sem conceitos. Significa isso que o conhecimento parte da ação de uma pessoa sobre o meio em que vive, mas não ocorre sem a estruturação do vivido. Coisas e fatos adquirem significação para o ser humano quando inseridos em uma estrutura - é isso que Piaget denomina “assimilação”. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p.4)

E, segundo Freire (1997) “Cada assimilação exige uma acomodação”.

(p.29) Assim como na corrente idealista, que o sujeito é pensado como um

sujeito ideal, universal, restrito em muitos aspectos, como beleza e saúde,

reforçando a visão perpetuada atualmente em mídias; não conseguindo

perceber a individualidade e a totalidade do ser humano. Já a primeira questão

do questionário D é voltada para a visão psicanalítica, na resposta “É a

junção dos nossos membros” percebe-se que assim como na corrente da

fenomenologia, inicia-se a desmistificação do corpo, o entendendo um pouco

mais na totalidade, mas sem o compreender o próprio corpo.

Em relação à Corporeidade, as respostas “É a dinâmica que

mobiliza um corpo”, “A maneira com que o cérebro comanda nosso corpo”, “É

a utilização do corpo com o pensamento. É como você age ou sente com

aquilo que pensou”, Como utilizamos o nosso corpo, a nossa expressão, a

maneira que o nosso cérebro se conecta “fisicamente”’, “É como o cérebro

reconhece o corpo e o utiliza como instrumento para se relacionar com o

mundo”, “As relações entre o meu corpo e o corpo do outro”, “É a idade do

corpo”, “É o corpo com o que lhe pertence, em movimento” e “Tudo o que

fazemos como o corpo”; mostram-nos que mesmo estando no século XXI, a

dualidade se mantém, destacando essa separação, verifica-se que a maioria

dos professores não compreende a corporeidade. Sabe que o movimento

importa, mas não faz a interlocução necessária para se trabalhar com esse

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corpo, apenas o compreende como biológico em tempo cronológico. Somente

reafirmando o que Freire & Dantas (2011) já tinham reafirmado, que esta

concepção de corpo foi firmada em nossa sociedade, vislumbrado, entendido

como um corpo a ser manipulado, corrigido e melhorado; muitas vezes

estereotipado pela mídia. O corpo visto como uma representação de máquina,

na qual somam-se as partes, mas que ainda são compreendidas em

separado.(p. 149)

Segundo Freire (1997) “[...] entender a ação motora sem separar

uma parte da outra é uma tarefa que depende de mudanças radicais na

maneira de entender o mundo, da ruptura com conceitos clássicos da ciência,

especialmente positivistas”. (p.30) Que para Augusto Comte, na Filosofia, a

concepção de positivismo era de que a ciência deveria se limitar a descrever os

fatos e sua legitimidade. Para a mudança dessa visão Freire (1997) salienta a

necessidade de “... adoção de uma postura crítica de análise, contrariamente à

que prevalece atualmente – míope e descompassada com nosso tempo -, será

fundamental”. (p.30)

Em relação ao Seu corpo, as respostas “Como um instrumento que

permite expressar a minha essência humana”, “Percebo meu corpo pelos

movimentos voluntários e muitos involuntários. Por minha pele, minhas unhas,

meus olhos. Dependendo da situação se me mexo muito ou estou mais quieta”,

“Eu observo as modificações físicas e emocionais. (saúde do corpo e da

mente). Como eu estou me sentindo”, “Visualmente, apalpando e através do

retorno de outras pessoas a respeito dele”, “Estado físico, mental e emocional

tentando com que ambos fiquem em harmonia”, “Recebe “informações” do

outro e reage à elas”, “O meu corpo evolui em toda a minha vida. Um corpo

normal que evolui durante todo esse tempo”, “Entendo como e porque cada

parte funciona” e “Sentimentos, sensações e expressões”; destaca-se em

vários momentos dessas respostas que, entendem como evolução o corpo,

mas não a compreensão de tudo o que contextualiza a evolução desse corpo,

sem a consideração de que o corpo evolui, modifica, transforma através do

outro, em momentos históricos diferenciados. Corroborando com o que Freire

& Dantas (2011) falam acerca da falta de consideração quanto à história do

corpo, na visão dualista, como “instrumento a ser manipulado pela ciência”.

(p.153)

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[...] o corpo é o que eu faço, ou talvez melhor, o que eu faço faz o meu corpo. O que acho fantástico nisso tudo é que meu corpo consciente está sendo porque faço coisas, porque atuo, porque penso. A importância do corpo é indiscutível; o corpo move-se, age, memoriza a luta de sua libertação, o corpo afinal deseja, aponta, anuncia, protesta, se curva, se ergue, desenha e refaz o mundo. Não, porque o corpo também se constrói socialmente. (FREIRE, 2006, p.92 apud AHLERT, 2011, p.10)

Em relação ao corpo do Outro, as respostas “Da mesma forma

que respondi na pergunta anterior, ou seja, como um instrumento que expressa

a essência do SER”, “Muitas vezes pela fisionomia do rosto, pela forma com

que se movimenta, se é mais alto ou mais baixo, mais magro ou mais

“fortinho””, “Observo como está a pessoa (feliz, alegre, triste, “estranha”,

apática, se faz careta de dor, insatisfação, etc.)”, “Igualmente a anterior, sendo

que eu analisarei o outro corpo”, “Observando”, “Instrumento que é capaz de

proporcionar situações boas ou ruins, e com isto desencadear reações no

outro”, “Como um indivíduo com o qual eu posso trocar experiência”, “A partir

do meu, procurando semelhanças e diferenças” e “Conhecer o outro e suas

expressões, seus movimentos”; vislumbra-se a falta de compreensão do corpo

do outro, como um corpo que pode ser entendido como algo que influencie a

construção do meu Eu. Como se o corpo do outro fosse algo que eu não

tivesse como influenciá-lo corporalmente, mas somente por comando de voz e

símbolos, expressões e movimentos instituídos em nossa cultura, não

entendendo o que está além dessas simbologias que nos são explícitas.

A mídia contribuiu bastante nesse processo; determinando qual o estereótipo de corpo que deve predominar na sociedade, ditando valores, costumes e padrões de beleza. Os indivíduos envolvidos pelos apelos da mídia começam a perder a noção de sua essência significativa no mundo na busca por esse ideal de beleza”. (FREIRE & DANTAS, 2011, p.150)

Nas respostas acerca do entendimento da corporeidade

influenciar na prática pedagógica deste docente em sala de aula; assim

verificamos que consideram que seja possível essa influência, e explanam.

“Sem dúvida! Nenhuma prática pedagógica está isenta de uma concepção de

homem e de mundo, portanto ao significado de corporeidade subjaz um

sentido que se dará para essa prática!!!”, “Sim. Sempre escutamos que o

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nosso corpo “fala”. E conforme a maneira que o nosso cérebro dá comandos

ao nosso corpo, as crianças percebem se o professor está alegre ou triste, com

sono ou não, e assim o aluno pode ser motivado ou não”, “Sim. O professor

tem que ter essa sensibilidade de notar as manifestações do corpo de seus

alunos, se ele está em que condições de aprender ou desenvolver alguma

atividade. O bom desempenho do aluno depende de suas condições físicas e

emocionais e o corpo demonstra como ele está”, “Não necessariamente o meu

entendimento vá influenciar. Creio e tento fazer de minha prática, que eu não

influencie o meu aluno. Tento viabilizar caminhos. Não quero ser referência de

padrão “corporal”, mas sim, mostrar as qualidades que todos possuem”, “Sim.

Porque se seu corpo não está bem a aprendizagem será comprometida”, “Sim

muito, ela demonstra muito sobre você, sua subjetividade, cultura, valores,

crenças e principalmente a sua concepção de prática pedagógica, bem como

sua postura em relação ao seu aluno e seu objetivo em relação ao ensino e

aprendizagem”, “Acredito que tudo é uma questão de ensino-aprendizagem”,

“Sim, porque eu devo entender como funciona o corpo do aluno para aproveitar

isso nas atividades de sala” e “Sim, o professor precisa entender e conhecer

seu próprio corpo, para saber lidar e compreender o aluno”, percebemos uma

mudança. Aqui se percebe que, quando é necessário relacionar com a prática

pedagógica o olhar modifica, fica sensível ao outro, pois no caso o docente é o

responsável por estar atento ao que o outro corpo demonstra. Ainda é notável

a importância da compreensão do professor quanto ao outro, não percebendo

a influência que o corpo do professor pode ocasionar na prática pedagógica;

visando somente o desempenho escolar.

Nota-se que aqui no papel do professor, enquanto mediador de todo

o conhecimento, é que se demonstra um campo ainda frágil. Atividades com

conotação cognitiva podem ser pensadas num trabalho conjunto com o corpo

não deixando de lado nem o movimento, muito menos o conteúdo.

As crianças brincam, e com muita intensidade, [...] porém sem a atenção adequada da escola para isso. Brincam quando não estão em “aula”. Ou, quando o brinquedo é na aula, geralmente não tem o objetivo que teriam outras tarefas educativas, o de educar, mas apenas o de passar o tempo. Ora, se se quer educar uma criança, por que não aproveitar os recursos mais ricos que ela já possui? Por que não aproveitar seu próprio conhecimento? (FREIRE, 1997, p.75)

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Schlesener (2013) entende que, “A pedagogia, em geral, visa a

aprendizagem de hábitos e a integração social, que se faz pela interdição de

algumas experiências e a repetição de outras; direciona a percepção infantil e

a integra a formas de comportamento por meio da disciplina”. (p.18) E, que o

homem enquanto fruto da sociedade em que se encontra, não desvincula do

grupo ao qual pertence. Pois,

[...] a cultura é pensada como um sistema que exerce influência histórica, determinando as relações existentes da comunidade, atravessando por gerações, até assinalar-se por um sistema que integra ações conjuntas, percebidas por suas expressões, crenças, ideologia, maneira de influenciar o comportamento de ser e estar. (COUTO, 2009, p.150)

Quanto à visão da relação entre a corporeidade e a prática

pedagógica em sala de aula e sua forma de acontecimento, repostas como,

“Com certeza. O processo educativo é um que fazer humano e, assim sendo,

nenhum aspecto relacionado ao desenvolvimento subjetivo e pessoal das

pessoas, poderá ficar de lado.”, “Sim. Aquele aluno que está desatento ou

demonstrando insatisfação, raiva, agitação, sonolência, pouco interesse, por

qualquer motivo, não vai ter o desempenho escolar satisfatório. Procuro

modificar a aula ou motivar o aluno com várias outras estratégias. Em caso de

saúde procuro encaminhá-lo para atendimento médico ou ida para casa.

Aquele aluno interessado, curioso, atento, que apresenta iniciativa,

participativo, seu desempenho será melhor, procuro motivá-lo mais. A

observação do comportamento, reações, atitudes de seus alunos é um dos

pontos chave para alcançar ou melhorar a atuação escolar (desempenho

escolar)”, “Sim, através da motivação, do engajamento. Entendo que precisa

haver um alinhamento entre o que o professor diz e o que faz, bem como

expressa seus atributos como exemplo “caráter”, honestidade”, “Observando

se os alunos estão bem ou não posso interagir e ajudá-los”, “Creio que sim,

levando em conta que tudo é uma relação de aprendizagem do corpo com

relação ao mundo”, “Sim, porque o corpo está na prática, ou seja, não existe

prática sem o envolvimento do corpo dos que estão em sala” e “Sim, porque o

professor precisa enxergar além do “corpo” que está sentado e sua frente,

corpo com sentimentos, emoções, expressões, desejos”. As respostas

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apontam resultados de que, os docentes vêem relação entre a corporeidade e

a prática pedagógica em sala de aula, mas percebe-se que a maioria enxerga

a relação, mas não vislumbra o como fazer esta relação em sala de aula.

Portanto, a compreensão do outro, neste aspecto, é o mais complicado de ser

construída.

Bueno (2003) discorre sobre essa compreensão ou incompreensão

acerca de “[...] até que ponto este aluno está sendo percebido em sua

totalidade corpórea e de movimento (questões que envolvem o conceito de

corporeidade)”. (p.13) E, complementa segundo sua percepção

Não existe a preocupação com a compreensão do que esses movimentos significam no corpo do aluno ou do que o aluno está entendendo como conquista de ações através desses movimentos. Então se percebe que a forma de compreender a corporeidade na prática pedagógica torna-se um ponto de forte influência na formação do professor. (BUENO, 2003, p.13)

Mas dentre estas respostas, três em especial, deixam-nos com a

esperança de que o olhar sobre a corporeidade está sendo pouco a pouco

modificada, e que, as práticas pedagógicas começam a serem refletidas as

relações com o corpo.

A compreensão do mundo circunscrita à ação corporal não satisfaz mais o indivíduo e, depois de estruturar toda uma realidade de tempo, objeto, espaço e causalidade através da ação corporal, ele começa tudo de novo através da ação mental. Para o ser humano, não basta fazer, é preciso compreender (fazer em pensamento). (FREIRE, 1997, p.45)

Pois quando as docentes referem-se, nas respostas, ao pensamento

do desenvolvimento do subjetivo da pessoa, que repensam as estratégias

e modificam as aulas segundo necessidades, que refletem sobre a relação

de aprendizagem do corpo em relação ao mundo e do envolvimento desse

corpo nesta prática pedagógica relacionado ao processo de construção de

conhecimento é que percebe-se que inicia-se a compreensão da corporeidade

em sala de aula e que ela pode ser trabalhada efetivamente.

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6 CONSIDERAÇÕES

Na busca em compreender de que forma a concepção de corporeidade

do professor que atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental é representada

na sua prática pedagógica em sala de aula; objetivamos identificar de que

forma o professor de anos iniciais do Ensino Fundamental representa sua

concepção de corporeidade no desenvolvimento de sua prática pedagógica em

sala de aula.

Para tal prognóstico, fez-se uma ordem para compreender o sentido

do termo corporeidade em suas diferentes concepções; discutir a forma do

homem lidar com sua corporeidade em diferentes contextos sociais; apresentar

a relevância da corporeidade no processo educativo e verificar a representação

que o professor que atua com anos iniciais do Ensino Fundamental tem sobre

corporeidade e sua expressão na prática pedagógica de sala de aula.

Segundo Freire (1997), “a escola não deveria trabalhar com a

criança no sentido de treiná-la para ser adulta, mas sim no sentido de a

criança construir e reforçar as estruturas corporais e intelectuais de que

dispõe” (p.43) Perante esta afirmação do autor e dos objetivos justificados no

presente trabalho, é que, segundo a metodologia utilizada, juntamente com os

referenciais teóricos é que se pôde reconhecer as concepções teóricas que

estes professores se identificam.

Freire (1997) discursa sobre a criança como um ser do presente, ao

contrário das projeções que os adultos fazem sobre ela. E, que temos dívida de

respeito para com a criança e que para saná-la só é possível com o resgate do

respeito por sua atividade, que é corporal e presente.

Nosso sistema de ensino, colocando os alunos com a carteira escolar

uma atrás da outra, também corrobora para o entendimento de que a criança é

um projeto de adulto, assim como delineia que a escola em certos momentos...

[...] obriga-a a se esquecer do seu próprio corpo, pois só assim ela se tornará adulta precocemente. De minha parte, lamento profundamente por todos os que se esqueceram de seus corpos – crianças e adultos – pois abriram mão de alguma coisa fundamental para suas vidas. Além da alegria, do entusiasmo, do bom humor, perderam até a capacidade de agir na prática, transformando a

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realidade. (Rubem Alves apud Freire, 1997, p. 40)

Portanto, é importante a inclusão de atividades corporais na escola,

não somente nas aulas de educação física, mas na própria sala de aula. O

brinquedo ou o jogo são fundamentais na vida das pessoas; sendo utilizado

como recurso pedagógico, vinculado a projetos pedagógicos e a orientação

do professor, aproveitando seu caráter lúdico, proporcionam a criança a

construção de significado para aquela atividade que envolve o corpo. Freire

(1997) destaca “Mas, principalmente, o objetivo educacional deveria ser o de

criar atividades que facilitem à criança tomar consciência de seu corpo e de

suas ações”. (p.75)

Entrando no mérito do papel do professor, é que nos deparamos com a

importância da mediação, entre a criança e o conhecimento. Sem possibilitar a

essa criança novas concepções de mundo, ela não conseguirá ser crítica e se

expressar.

Com a aplicação do questionário foi possível verificar que ainda

há muito a ser trabalhado e explicitado acerca do tema. Os docentes

entendem que há a relação de corporeidade e a prática pedagógica, mas

não buscam relacionar a teoria com a prática, não compreendendo a fundo

essa corporeidade. Pois ainda não há compreensão da corporeidade do

corpo do outro e menos ainda do seu próprio corpo e das possibilidades

que o envolvem, não conseguindo assim traçar um objetivo educacional que

entrelacem atividades que proporcionem estimular o corpo, o movimento e o

cognitivo ao mesmo tempo.

Estudos na área da educação falam tanto de temas, os quais sempre

passam perto e entrelaçam o corpo, mas não o definem, muito menos o explica

dentro do contexto em sua atuação.

Diante desta realidade, o presente estudo me instigou mais ainda a

buscar a pesquisa acerca do tema, dentro da área da educação, voltada para

o corpo, a corporeidade e o movimento; e todo o complexo que há no seu

envolto.

Sendo assim, se faz necessário o rompimento com o imposto, com

a verdade única que nos fora passado, superando esta formação dual.

Envolvendo as concepções em busca do significado, e, para que haja a

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oportunidade da construção do conhecimento do corpo e do pensamento

complexo, precisa-se refletir quanto esta superação, que só poderá ser feita se

a formação do professor for mantida na docência- pesquisa, não se fazendo

estanque o assunto acerca da temática corporeidade, possibilidades ainda de

inúmeras pesquisas.

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