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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FHS CURSO DE PSICOLOGIA Cristiane Pessoa Farias Douglas Felipe Vidal Costa Paulo de Almeida Machado DA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPRESENTAÇÕES EM TORNO DA SEXUALIDADE NO CONTEXTO CATÓLICO À PRÁXIS CONTEMPORÂNEA DOS FIÉIS Governador Valadares 2008

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE …...que, de coração puro, invocam o nome do Senhor” (Fp, 4: 8). A tese de Foucault é que no ocidente, a ética vigente, tem

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FHS

CURSO DE PSICOLOGIA

Cristiane Pessoa Farias

Douglas Felipe Vidal Costa

Paulo de Almeida Machado

DA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPRESENTAÇÕES EM

TORNO DA SEXUALIDADE NO CONTEXTO CATÓLICO À

PRÁXIS CONTEMPORÂNEA DOS FIÉIS

Governador Valadares 2008

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CRISTIANE PESSOA FARIAS

DOUGLAS FELIPE VIDAL COSTA

PAULO DE ALMEIDA MACHADO

DA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPRESENTAÇÕES EM

TORNO DA SEXUALIDADE NO CONTEXTO CATÓLICO À PRÁXIS

CONTEMPORÂNEA DOS FIÉIS

Monografia para obtenção do grau de bacharel em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Carlos Alberto Dias

Governador Valadares

2008

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CRISTIANE PESSOA FARIAS

DOUGLAS FELIPE VIDAL COSTA

PAULO DE ALMEIDA MACHADO

DA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPRESENTAÇÕES EM

TORNO DA SEXUALIDADE NO CONTEXTO CATÓLICO À PRÁXIS

CONTEMPORÂNEA DOS FIÉIS

Monografia para obtenção do grau de bacharel em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares 22 de novembro de 2008

Banca Examinadora:

_____________________________________ Prof. Carlos Alberto Dias

Universidade Vale do Rio Doce

_____________________________________ Profª. Tatiana Nunes Amaral

Universidade Vale do Rio Doce

_____________________________________ Profª Valéria M. Trindade Chequer

Universidade Vale do Rio Doce

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Dedicamos este trabalho a todos que cooperaram e acreditaram nesta vitória que vivenciamos juntos. Ao nosso mestre Carlos Alberto por tantas orientações e lições tão bem direcionadas.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, fonte e autor da vida, por nos inspirar enquanto realizávamos cada passo deste

trabalho, por nos dar forças e sempre nos acompanhar, mesmo nos momentos de

angústia ou desespero, quando achávamos que não iríamos conseguir chegar até aqui.

Hoje, porém, voltamos a Ele apenas para dizer obrigado.

A nossos pais, amigos e colaboradores, por nos incentivar com força e esperança, por

acreditar junto conosco, e por torcer por esta vitória agora alcançada.

Ao nosso orientador, Carlos Alberto, por toda paciência prestada e por seu zelo que

apenas em um dedicado psicólogo alguém poderia encontrar.

As professoras, Tatiana e Valéria que com muito carinho aceitaram fazer parte da banca

examinadora, com toda sua experiência e profissionalismo.

A todos nosso muito obrigado!

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1.........................................................................................................................39

Gráfico 2.........................................................................................................................40

Gráfico 3.........................................................................................................................42

LISTA DE TABELAS

Tabela 1..........................................................................................................................40

Tabela 2..........................................................................................................................41

Tabela 3..........................................................................................................................41

Tabela 4..........................................................................................................................43

Tabela 5..........................................................................................................................44

Tabela 6..........................................................................................................................44

Tabela 7..........................................................................................................................45

Tabela 8..........................................................................................................................45

Tabela 9..........................................................................................................................46

Tabela 10........................................................................................................................46

Tabela 11........................................................................................................................47

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 9

METODOLOGIA....................................................................................................... 11

CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE SEXUALIDADE NA

IGREJA CATÓLICA ROMANA................................................................................ 13

1.1. A sexualidade na perspectiva bíblica: o período Patriarcal ............................ 13

1.2. A sexualidade no período dos juízes e da monarquia .................................... 14

1.3. A sexualidade do exílio em diante ................................................................ 18

1.4. Período Sapiencial........................................................................................ 19

1.5. A sexualidade no Novo Testamento: a perspectiva de Jesus.......................... 21

1.6. Visão do Apóstolo Paulo sobre a sexualidade ............................................... 22

1.7. O pensamento dualista: rumo à negação e a rejeição da sexualidade ............. 23

1.8. Gnosticismo ................................................................................................. 24

1.9. A Patrística................................................................................................... 26

1.9.1. São Jerônimo (347-420) ............................................................................ 26

1.9.2. Santo Agostinho (354-430) ........................................................................ 27

1.9.3. Tomás de Aquino (1224 - 1274) ................................................................. 28

1.10. Período da Modernidade............................................................................. 28

CAPÍTULO II: A SEXUALIDADE NA PERSPECTIVA DE FOUCAULT ............... 30

2.1. Foucault e a Sexualidade .............................................................................. 30

2.2. O Confessionário Católico............................................................................ 32

2.3. A visão oficial da Igreja Católica sobre a sexualidade na atualidade ............. 33

2.4. Definindo Representação Social ................................................................... 35

CAPÍTULO III: RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................... 40

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 49

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52

ANEXO...................................................................................................................... 54

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FARIAS, Cristiane Pessoa; COSTA, Douglas Felipe Vidal; MACHADO, Paulo de

Almeida. Da Construção Histórica das Representações em Torno da Sexualidade

no Contexto Católico à Práxis Contemporânea dos Fiéis. 2008. 58 f. Monografia

(Requisito parcial para obtenção do título de Graduação em Psicologia) – Faculdade de

Ciências Humanas e Sociais, Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares,

2008.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo descrever a construção histórica do modelo cristão

de sexualidade, apresentando alguns de seus impactos sobre a vida sexual dos sujeitos

católicos na atualidade. Para isso fez-se um estudo bibliográfico referente às

representações de sexualidade ao longo da história da Igreja e um estudo de

levantamento do modo como os católicos residentes na cidade de Governador Valadares

entendem e vivenciam sua sexualidade. Para esse levantamento foram entrevistados um

padre e quatro catequistas para identificar as orientações relativas à sexualidade que

repassam aos fiéis. Em seguida, aplicou-se um questionário em vinte fiéis, contendo 54

questões abertas e fechadas, nas quais procurou-se identificar o perfil dos respondentes,

as percepções e valores referentes à sexualidade, a ocorrência de orientações fornecidas

pela Igreja sobre sexualidade e finalmente, questões relativas à prática sexual.

Palavras-chaves: Igreja Católica. Representações Sociais. Sexualidade. Valores.

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INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da existência humana, o sexo faz parte da vida, e do viver

de cada homem. E falar de sexo, como disse Foucault (1988) é uma tarefa muito fácil:

“denominar o sexo seria, a partir desse momento [séc. XVII], mais difícil e custoso.

Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário, primeiro, reduzi-lo ao

nível da linguagem, [...]” p.21.

E sabe-se que desde os primeiros séculos para a Igreja Católica, o sexo vem

sendo discutido, criticado e elogiado, desde os antigos apóstolos até os “santos padres”

da Igreja, e até mesmo na atualidade. Valentini et al (1974) já afirmava que 83% dos

pecados praticados derivam do sexo. Segundo ele, a maioria dos pecados de que os fiéis

se acusavam na confissão são de natureza sexual. Para Valentini et al (1974)

[...] a sexualidade exerce uma influencia significativa sobre todas as manifestações das relações intimas. [...] o sexo constituiria o único meio possível de conferir um significado à existência, de apagar no ser humano a noção da sua inutilidade e solicitude para com o próximo, parece-nos, todavia, evidente que toda ação humana comporta uma componente sexual muito definida e que, portanto, a sexualidade é um dos fatores que condicionam o equilíbrio, harmonia e capacidade de desenvolvimento da personalidade (p. 18).

No catolicismo, a caridade (o amor) considerada o centro da mensagem de Jesus

Cristo, aos poucos acabou sendo suplantada pela castidade, a maior das virtudes que

será contemplada no Novo Testamento pelo apóstolo Paulo. Voltou-se a atenção para a

virgindade considerando-se a impureza o vício mais abominável de todos. As igrejas

cristãs, em especial a Católica, depois da Reforma Protestante, caíram num

espiritualismo exagerado e o que tivesse conotação sexual passou a ser veementemente

condenado.

Reflexões que se fizeram em torno de tantas questões, algumas até equivocadas,

contribuíram para a elaboração do problema que ocupa o centro de atenção desse

trabalho: Pode-se afirmar que na atualidade, as orientações a respeito da sexualidade

oferecidas pela Igreja Católica de Governador Valadares, exercem influências sobre as

representações e práticas de seus fiéis em uma perspectiva foulcautiana?

Para responder a esse questionamento buscou-se nesse estudo descrever a

construção histórica do modelo cristão de sexualidade, apresentando alguns de seus

impactos sobre a vida sexual dos sujeitos católicos na atualidade, que residem na cidade

de Governador Valadares.

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Embora as orientações cristãs se apresentem como possibilidades de respostas

aos problemas relativos à sexualidade do cristão de forma mundial, efetivamente seus

impactos estão relacionados ao contexto sócio-cultural e outros fenômenos sociais

presentes num determinado território. Dessa forma, compreender o modo como valores

cristãos e práticas culturais se inter-relacionam no contexto regional, se constitui em

instrumento de análise e intervenção no campo da educação, da saúde e da manifestação

religiosa.

Em termos de contribuições sociais, este estudo poderá fornecer subsídios para a

elaboração e confecção de materiais didáticos voltados para a educação em saúde e

sexualidade de crianças, jovens e adultos. Além disso, poderá também servir de

orientação aos profissionais na elaboração de palestras, seminários e cursos relativos ao

tema em questão. A utilização de uma metodologia que leve em conta os diversos

sujeitos envolvidos no processo (padre, catequistas e fiéis), torna mais confiável os

resultados obtidos. Isto permite que líderes religiosos possam servir deste conhecimento

para melhor balizar orientações coerentes dirigidas aos fiéis no tocante à sexualidade,

respeitando a autonomia e integridade do ser humano.

No campo profissional espera-se oferecer instrumentos ao psicólogo para servir

de referencial na sua atuação proporcionando um bem-estar bio-psico-social, às pessoas

que procuram sua ajuda para a resolução de problemas relacionados à vida sexual no

qual haja evidências de conflitos com os valores religiosos que lhe servem de

orientação.

Em termos de contribuições científicas, esta pesquisa justifica-se também para

oferecer subsídios científicos nesta área, uma vez que é escassa a pesquisa sobre esse

tema.

Ressaltamos nesse momento a motivação que levou os autores a escolherem o

tema desenvolvido nesse trabalho. Cada um possui uma história de participação ativa na

Igreja Católica, marcada por tabus e mitos desde a infância. Também é preciso destacar

que os três componentes exercem função de liderança e que a instituição muitas vezes

reforça os tabus provenientes de origem familiar, o interesse de conhecer como são

construídas essas práticas culturais referentes à sexualidade sob uma perspectiva de

representação social levou os pesquisadores a pesquisar esse tema tão instigante.

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METODOLOGIA

O atual estudo realizou-se dentro da perspectiva Foucaultiana do saber-poder,

segundo o qual as instituições religiosas pela via da doutrinação e disciplina, buscam

promover a docilização do corpo (da carne), considerando essa uma condição para estar

em acordo com os planos de Deus. A respeito desse acordo, Paulo faz a seguinte

exortação aos Filipenses: “Finalmente, irmãos, ocupai-vos com tudo que é verdadeiro,

nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso, ou que de qualquer modo mereça louvor

[...] Foge das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, a caridade, a paz, com aqueles

que, de coração puro, invocam o nome do Senhor” (Fp, 4: 8).

A tese de Foucault é que no ocidente, a ética vigente, tem uma ação repressora

que materializa-se nas pessoas através de seus corpos, pela via do discurso do poder.

Este controle tem por meta a docilização corporal através da disciplina da contenção.

Em relação a esse tema, Giddens (1993, p. 85) faz o seguinte comentário: “O Poder

disciplinar supostamente produziria corpos dóceis, controlados e regulados em suas

atividades em vez de espontaneamente capazes de atuar sobre os impulsos do desejo”.

Os dados foram coletados numa Igreja Católica da cidade de Governador

Valadares cuja população atual da microrregião é de 407.815 habitantes (IBGE, 2006).

Segundo dados fornecidos pela Cúria Diocesana de Governador Valadares, existem

atualmente, 17 paróquias em funcionamento na Diocese. A determinação da paróquia

participante da investigação foi realizada através de sorteio.

Na Igreja da amostra, foi entrevistado em profundidade1 um padre e quatro

líderes de pastorais. Um questionário foi aplicado em vinte fiéis da paróquia

selecionada, com idade igual ou superior a 18 anos, que se dispuseram participar da

investigação. No total 25 sujeitos participaram da investigação.

Nesse trabalho procurou-se estabelecer relações entre as seguintes variáveis:

valores cristãos acerca da sexualidade e prática sexual, orientação pastoral e ensino na

catequese, representações e práticas acerca da sexualidade assumidas pelos fiéis. Em

decorrência quatro etapas foram realizadas: levantamento bibliográfico, entrevistas e

aplicação de questionários, análise dos dados coletados e divulgação dos resultados

através desse trabalho (GIL, 2002).

1 A pesquisa individual em profundidade é realizada pessoalmente por um entrevistador com habilidade para extrair do entrevistado suas idéias, opiniões e argumentações que sustentem suas declarações. Para este tipo de pesquisa o entrevistador utiliza um roteiro que permite investigar o assunto de maneira livre, e possibilita o aprofundamento dos temas previamente determinados e dos temas identificados no desenrolar da entrevista.

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Este trabalho é parte do projeto de pesquisa Valores e representações em torno

da sexualidade na microrregião de Governador Valadares, submetida e aprovada pelo

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

antes da sua execução.

Foi realizada uma análise Quantitativa dos dados coletados junto às lideranças

por meio de entrevista estruturada e da aplicação de um questionário junto aos fiéis.

Para essa análise contou-se com a utilização do software de tratamento de dados Sphinx.

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CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE SEXUALIDADE NA IGREJA CATÓLICA ROMANA

Não podemos ter vergonha de falar

daquilo que Deus não se envergonhou

de criar. São Clemente de Alexandria

1.1. A sexualidade na perspectiva bíblica: o período Patriarcal

No contexto bíblico a sexualidade humana está integrada num contexto social

que a abarca, não como um problema, mas como um meio para que a sociedade cumpra

seus objetivos. Os israelitas não inventaram para si um sistema próprio de vivência da

sexualidade e do matrimônio: adaptaram-se aos costumes ancestrais. No mundo semita

a poligamia provém de tempos imemoriais, e vigora ainda hoje entre os árabes

mulçumanos. Também estes, descendentes de Abraão a partir de seu filho Ismael, aos

quais o alcorão permite ter até quatro esposas. A poligamia no ambiente bíblico é tão

natural, a tal ponto que o Deuteronômio, ao legislar sobre o direito à primogenitura, diz:

Se alguém tiver duas mulheres, amando a uma e não gostando da outra, e ambas lhe tiverem dado filhos, se o primogênito for da mulher da qual ele não gosta, este homem, quando for repartir a herança entre seus filhos, não poderá tratar o filho da mulher que ama como o mais velho em detrimento do filho da mulher da qual ele não gosta, mas que é o verdadeiro primogênito (Dt. 21, 15-16).

Embora não seja regra geral, a poligamia perdurou até a época de Jesus,

sobretudo entre os reis de Israel, os Macabeus, na dinastia de Herodes e na alta

sociedade judaica. A integração da vida sexual num quadro social é uma característica

de todo o extenso período patriarcal (3000 a.C a 1200 a. C.). O tema da descendência é

o melhor exemplo disso (BENETTI, 1998).

As incipientes tribos, freqüentemente dizimadas pelas pestes, pela morte ou

pelas guerras de extermínio entre elas ou com povos inimigos, tinham consciência de

que a sobrevivência era sua lei fundamental. No período patriarcal, ter inúmeros filhos,

especialmente varões, era uma verdadeira lei do matrimônio. Em decorrência, não havia

pior ignomínia para uma mulher casada do que a esterilidade, motivo mais do que

suficiente para repudiá-la e fazê-la sofrer humilhação por toda a vida. Isto explica

porque a poligamia era vista com tanta naturalidade. Contudo, nesta época de forte

influência mesopotâmica a Bigamia, com uma esposa principal e uma possível

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concubina, era a prática mais comum. Este costume visava garantir a procriação e o

sucesso do marido em ter filhos.

A esterilidade constituía-se, portanto, num problema de difícil solução para o

casal, sobretudo quando a mulher era amada. Convém lembrar que naquela época, e até

recentemente, não havia a menor dúvida de que a esterilidade fosse sempre causada pela

mulher. O óvulo feminino foi descoberto só por volta de 1830, enquanto a esterilidade

masculina, no século XX. Em função deste desconhecimento, a desvalorização da

mulher e sua submissão ao homem percorreu a história bíblica desde os seus primórdios

até o final. Não fosse o caso, e não houvesse a prática da poligamia, ela poderia ser

repudiada sem maiores problemas. Não havia dúvidas de que, tendo havido emissão de

sêmen, a responsabilidade pela procriação era exclusiva da mulher. (BENETTI, 1998)

Enquanto no ambiente bíblico a esterilidade é um cruel castigo, a virgindade não tem valor algum por ser considerada um tempo de carência de sexualidade. Trata-se de um estado de passagem e de preparação, típico da infância. No idioma hebraico não existe a palavra “solteiro”. Neste contexto um solteiro é simplesmente uma criança, do mesmo modo em que não se concebe um “homem” ou uma “mulher” senão a partir do momento em que vivem plenamente sua sexualidade na relação sexual (BENETTI, 1998, p. 37).

Nesse contexto, ao mesmo tempo em que a mulher é desvalorizada e tratada com

submissão, o homem reconhece sua beleza, seus encantos, não denotando medo à

sensualidade feminina. Medo este que se fará presente no período sapiencial. A paixão e

o amor exaltado encontram sua máxima expressão em Jacó e Raquel, que protagonizam

um dos mais belos romances de toda a história bíblica (Gen. Cap. 29). Nesse período, a

sexualidade não era vivida como um problema ou um conflito, mas com naturalidade e

desinibição.

1.2. A sexualidade no período dos juízes e da monarquia

A partir dos últimos anos de Jacó, as tribos hebréias, possivelmente não todas,

instalam-se no Egito, onde permaneceram cerca de 400 anos. Após uma primeira etapa

de convivência pacífica, acabaram escravizadas e submetidas a trabalhos forçados. Por

volta do ano 1200 a.C., Moisés consegue que o Faraó dê a ordem de saída, e o povo

hebreu caminhe em direção a Canaã, atravessando o deserto do Sinai, onde realiza a

aliança com Javé, o único Deus a quem servirá cumprindo o decálogo. Segundo os

textos bíblicos, os hebreus chegam a Canaã por volta de quarenta anos depois,

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conduzidos pelo sucessor de Moisés, Josué, que cruza o Jordão e inicia a conquista da

“terra prometida” (ECHEGARAY, 1993).

A posse de Canaã é marcada por contínuas guerras com os cananeus, moabitas,

amonitas, filisteus e outros povos. Apesar dos conflitos foram forçados a conviver com

novas culturas, incorporando vários de seus costumes. Pouco a pouco as tribos judaicas

foram se reunindo formado uma espécie de confederação de tribos, regidas por uma

autoridade suprema, o Juiz.

Novas circunstâncias criam condições para o surgimento de uma monarquia

iniciada com Saul, por volta do ano 1000 a.C.. Essa conquista tem seu esplendor com

Davi e Salomão, que conseguem unir as tribos numa só nação. A partir da chegada a

Canaã ou Palestina até a queda do reino de Judá (587 a.C.), aproximadamente

setecentos anos, tem-se o mais rico período da história bíblica. Nesse, é definida e

formada a cultura bíblica com importantíssimas repercussões na concepção e vivência

da sexualidade. A principal característica desse período é o sincretismo ou fusão entre o

culto a Deus e os cultos cananeus (SICRE, 1995).

O povo hebreu entra em contato com a cultura cananéia, onde o culto cananeu

era voltado fundamentalmente à fertilidade e à sexualidade, dois elementos que incluem

necessariamente um ao outro. “Para os cananeus como para a maioria dos povos antigos

do oriente [...], a sexualidade-fertilidade é algo não só sagrado, mas divino, é a própria

vida dos deuses, e só estes podem conceder [através dos cultos sexuais]”. [...] “Se a vida

surge da cópula entre o deus e a deusa, faz falta participar e comungar com essa união

para obter o poder sexual e o poder de fecundidade” (BENETTI, 1998, p. 64).

Os templos cananeus e os santuários espalhados por toda a palestina,

especialmente nos “lugares altos” ou montes, juntos aos postes e pedras sagradas, ou às

fontes de água, tinham a seu serviço mulheres e homens para o exercício da prostituição

sagrada. Mediante certo pagamento, mantinham-se relações sexuais como ritual de

participação com o poder sexual do casal hierogâmico. Essa relação sexual e a dos

devotos comuns eram necessárias para que a natureza fosse fértil e para que o casal

humano obtivesse descendência, ou seja, para que a vida não se detivesse.

Seria redundante dizer que nessa concepção sagrada da sexualidade, o prazer sexual tinha um sentido muito especial, pois era considerado como a própria manifestação da vida divina. O prazer é típico dos deuses e das festas, enquanto o trabalho e a dor são expressões da rotina humana, do cotidiano e do profano (BENETTI, 1998, p.65).

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O importante era entender que para esses povos a sexualidade era sagrada, ou

seja, pertencia à esfera divina, e a comunhão com a divindade realizava-se mediante a

comunhão sexual com seus sacerdotes e sacerdotisas. A concepção da sexualidade para

o povo judeu, muda a partir do contato com o povo Cananeu. A naturalidade da

sexualidade judaica passa por um processo de transformação. A prática sexual torna-se

percebida não só como uma expressão humana natural, mas como algo que tem haver

com o sagrado. As repercussões dessa nova percepção relativa à sexualidade será

fortemente sentida posteriormente.

Os Livros Bíblicos de Juízes, Samuel, Reis e Crônicas, assim como os escritos

proféticos, trouxeram um abundantíssimo testemunho da apostasia2 do povo quando

entra em contato com o deus Baal e Astarte, e também outras divindades dos fenícios,

moabitas, amonitas e edomitas.

Quando os hebreus são derrotados ou submetidos aos povos locais ou vizinhos, e quando finalmente ambos os reinos são destruídos, estes desastres são interpretados como castigo de Javé em razão do povo ter abandonado seu culto [Aliança] para seguir os ídolos. Um verdadeiro adultério, na visão dos profetas (BENETTI, 1998, p. 68).

Para a Bíblia a apostasia é o verdadeiro, e o mais grave dos pecados de Israel, a

fonte dos outros pecados e a origem da desgraça do povo, a negação do “Verdadeiro

Deus”. A tese dos textos bíblicos desse período é sempre a mesma: abandono de Deus,

adoração de Baal e Astarte, castigo de Deus.

Durante a monarquia, a situação piora em virtude do mau exemplo dos próprios

reis. Em sua maioria eram sincretistas ou diretamente hostis ao culto a Javé. Isto ocorria

de forma acentuada no reino de Israel (reino do norte). Os líderes deste reino,

necessitados de um culto próprio para opor-se ao reino de Judá (reino do sul),

cultuavam outros deuses. Mesmo no reino de Judá, orgulhoso pelo grande templo de

Jerusalém dedicado a Javé, durante o reinado do sucessor de Salomão, Roboão,

comprova-se o pleno avanço dos cultos da fertilidade (I Rs 14, 22-24).

A degradação chegou a tal ponto que o culto cananeu era praticado dentro do

próprio templo de Jerusalém, bem como a prostituição sagrada. O texto revela a

magnitude do fenômeno de sincretismo em detrimento do culto a Javé. Surge

claramente o sentido cósmico da religião cananéia, bem como seus inúmeros símbolos

sexuais. “Durante a grande reforma de Josias (604-609 a.C.), a destruição destes

elementos e símbolos [pagãos] é total” (II Rs 23, 4ss.). O rei restaura o culto a Javé,

2 Abandono ou mudança de uma fé religiosa. (SCHLESINGR e PORTO, 1982, p. 26)

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bem como os costumes e cultura judaica. Os casamentos com estrangeiras tornam-se

proibidos, da mesma forma que práticas religiosas que não estavam diretamente

relacionadas ao culto a Javé tornaram-se abomináveis e condenáveis. Simbolicamente a

mulher adúltera que agora é fiel ao marido, representa a conversão para a qual o povo

israelita é chamado.

É predominante nesse período a fusão sincretista, embora em certos momentos

mais pareça dominação dos cultos cananeus sobre o culto a Javé. Em outros termos, a

organização social dos judeus passa a reproduzir a organização social dos cananeus: a

monarquia, a corte, os palácios e seus luxos, o harém, as plantações, a escravidão, a

organização do exército, entre outros. A este título, Benetti (1998, p. 76), faz o seguinte

comentário: “Foi um fenômeno similar ao dos romanos quando conquistaram a Grécia.

O país conquistado conquista o vencedor por meio de sua cultura superior”.

Quanto à sexualidade e erotismo, produz-se um processo similar de evolução e

acomodação em relação a algumas práticas da cultura cananéia. Contudo, no tocante à

sacralidade da sexualidade enquanto uma participação da sexualidade dos deuses, tal

como concebiam os antigos cananeus, indianos, babilônios, egípcios, entre outros

povos, ocorre substancial mudança. A cultura judaica, conforme relatos bíblicos, a

dessacraliza, apresentado-a como simples expressão da criação de um Deus-único-não-

sexualizado.

Esta é a idéia fundamental: a sexualidade é dessacralizada, porém não é

depreciada em sua essência. O corpo sexuado do varão e da mulher é uma criação de

Deus, depende d’Ele como o resto do mundo, e deve cumprir a missão que Deus lhe

assinalou: a união sexual com vistas ao matrimônio e à procriação.

Nos primórdios, o matrimônio judeu era uma festa entre famílias, sem nenhum

ritual religioso específico. Só tardiamente o sacerdote será convidado a dar alguma

benção, como também aconteceu nos primórdios do matrimônio cristão. Os próprios

profetas não falam de um sentido religioso do matrimônio, mas comparam o amor de

Deus ao seu povo, ao amor de um esposo à sua esposa. “O matrimônio israelita não é

uma réplica de nenhum matrimônio hierogâmico (hieros: sagrado, gamos: matrimônio),

não é um ritual religioso próprio do culto, mas uma expressão leiga ou profana que não

tem relação íntima com o culto a Javé” (BENETTI, 1998, p. 104).

O matrimônio para os judeus simboliza a presença do amor de Deus,

representada pela metáfora da Aliança. Para os cristãos será um sacramento no qual se

torna visível o amor de Cristo pela Igreja, mas não em virtude da relação sexual, mas do

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componente do amor como abertura à procriação. Em termos institucionais e

doutrinários o prazer sexual enquanto tal está ausente nessa concepção, ainda nos dias

atuais. Segundo Benetti (1998):

Se toda criação é imagem de Deus e reflete a perfeição divina, como diz Sabedoria e recorda Paulo aos Romanos (Rm 1, 19), porque não entender que uma parte dessa criação, a sexualidade, o erotismo e o prazer, assim como o amor e a procriação, não refletem também a perfeição suprema de Deus, um Deus de amor, de vida, de alegria e prazer eterno (p. 107).

É perceptível que o perigo do politeísmo colocava em risco a identidade do povo

judeu. A questão conflituosa da sexualidade passa, a partir desse momento histórico, a

ser tratada nos relatos bíblicos com certa cautela. Efetivamente, a partir do contato com

as experiências com os cultos cananeus e do oriente próximo os textos bíblicos que

descreviam com naturalidade a sexualidade, são seguidos por outros escritos que vêem a

sexualidade como um perigo para os israelitas. Já dizia Benetti (1998) que: “O perigo

não radica na sexualidade em si mesma, mas na sua relação com os cultos sexualizados

que levavam a apostasia, essa experiência marca a sexualidade em geral com o sinal do

perigo para a fé e para a identidade do povo judeu” (p. 108).

Pouco a pouco as idéias bíblicas avançam em direção a certo dualismo social: a

virtude está do lado dos homens, enquanto o pecado vem a partir da mulher; portanto,

Benetti (1998) afirma que “prevenir-se contra o pecado, é prevenir-se contra a mulher”

(p. 109). Para defender os cultos a Javé, os sacerdotes daquela época compreenderam

que seria importante proibir o casamento com mulheres pagãs, visto que a união com

elas contaminava de pecado e abominação o culto religioso.

A nova tendência da sexualidade restringe-se ao matrimônio, cristaliza-se já no

exílio, e no pós-exílio, impondo-se uma linha que não sofrerá variação importante até o

cristianismo.

1.3. A sexualidade do exílio em diante

O período de exílio na Babilônia constituiu-se num tempo de reflexão para o

povo judeu. Dispostos a não cometer os mesmos erros que teve como conseqüência a

escravidão, reavaliaram toda a sua fé sob a orientação dos profetas, em especial,

Ezequiel e Isaías (SICRE, 1995).

Ao retornarem à Judéia, guiados por Zorobabel e alentados pelos profetas Ageu

e Zacarias, iniciaram a reconstrução de um novo Judaísmo. Para essa reconstrução

contou-se também com Esdras e Neemias. É a partir de então que impõe-se

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definitivamente o culto monoteísta, apesar de algumas perseguições dos selêucidas,

descendentes do império de Alexandre Magno. É um período de assentamento e de

reflexão no qual redigiu-se a versão atual do Pentateuco (os cinco primeiros livros da

Bíblia). As novas linhas de reflexão de aspirações messiânicas posteriormente

influenciaram na construção do cristianismo.

Destaque especial desse período é o Livro de Tobias. Trata-se de um romance

edificante escrito por volta de 250 a.C. que embora nunca tenha entrado no Cânon

Bíblico Judeu, será aceito pela Igreja Católica exercendo grande influência na formação

de uma mentalidade sobre o matrimônio. A história de Tobias é um relato linear,

providencialista, no qual todos os fios levam a um final feliz. Relato que trata do

matrimônio sob a perspectiva da criação, fundamentado no livro do Gênesis.

O que atrai é a interpretação do matrimônio “não para satisfazer uma paixão

desordenada”, o que revela a tendência que se vai impondo uma sexualidade e um

erotismo moderados. O matrimônio é visto a partir de dois objetivos: procriação e ajuda

mútua. O erotismo e a paixão devem ficar sob o controle da razão, ou da virtude da

temperança.

Segundo Benetti (1998) “o erotismo está envolto pela desconfiança e pelo

demoníaco, pois o que vence o Demônio, de acordo com o ritual da fumaça, é a postura

piedosa do casal e este desejo de sexualidade moderada” (p.122). Esta será a tendência

dominante cada vez mais vigorosa ao longo da história da Igreja. O matrimônio de

Tobias e de Sara são os novos paradigmas que representam esse período bíblico,

servindo de inspiração para os tempos posteriores.

1.4. Período Sapiencial

Durante os séculos finais do Antigo Testamento, floresce uma nova literatura

religiosa tanto na Palestina quanto na florescente comunidade judia de Alexandria.

Os autores sapienciais dão uma orientação prática da aplicação imediata dos

grandes princípios da Lei. Abordam temas relativos à sexualidade referindo-se à mulher

e oferecendo conselhos sobre esse tema, especialmente dirigidos aos jovens. Impõem-se

a tendência observada no livro bíblico de Tobias: um matrimônio bem constituído em

luta frontal contra o adultério e fidelidade às leis de Moisés.

A valorização da mulher passa por sua virtude, piedade e qualidade doméstica,

mas com uma grande desconfiança quanto ao seu caráter sedutor e à sua sensualidade.

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Alguns dos textos possuem uma forte conotação anti-feminista: “Uma mulher forte é

coroa do marido, mas a mulher indigna é como a cárie nos seus ossos” (Pr 12,4).

Do ponto de vista masculino, vai surgindo um ideal de mulher: bela, sensata,

discreta. Procura-se a mulher perfeita.

Sempre é o marido o ponto de referência: uma mulher perfeita para a satisfação

do esposo. “Encontrar uma mulher é encontrar a felicidade, é obter um favor de Iahweh

[Javé]” (Pr 18,22). “Quem encontrará a mulher talentosa? Ela vale muito mais do que

pérolas. Nela confia seu marido [...]” (Pr 31, 10 ss.).

É orientado ao marido certa distância e prudência, pois a atitude de amar demais

uma mulher pode levar à perda da liberdade: “não se entregue a uma mulher, para que

ela não o domine” (Eclo 9, 2). O varão aparece como a vítima das artimanhas femininas,

é o Adão que cai uma vez e outra na sedução de Eva. E isto é perigoso. “E descobri que

a mulher é mais amarga do que a morte, porque ela é uma armadilha, o seu coração é

uma rede e seus braços, cadeias” (Ecl 7, 26ss.).

Mesmo exaltando a sabedoria e quase perfeição da mulher nos livros sapienciais,

acentua-se a suspeita de que, sob tanta beleza e aparente fragilidade feminina, haja

alguém capaz de dominar. “[...] Deus fez o homem reto, este, porém, procura

complicações sem conta” (Ecl 7, 29). Complicação tem nome de mulher. “Nenhuma

ferida é como a do coração, e maldade nenhuma é como a da mulher! [...]” (Eclo 25,

12ss.). Portanto não se deixe prender pela beleza de uma mulher, nem se apaixone por

ela” (Eclo 25, 28) (BENETTI, 1998, p. 127).

Embora o Gnosticismo (que será melhor explicado na página 24) seja um

movimento que se inicia e chega ao âmbito judeu por volta do primeiro século antes de

Cristo, já o sentimos presente nestes textos e em toda uma mentalidade que se foi

afirmando: a maldade, o pecado e o vício chega por meio da mulher. É ela quem

provoca, incita, e causa a queda do homem. “Assim a malícia do homem vem da

mulher” (Eclo 42, 13).

Verifica-se então que a sexualidade invade um terreno conflitivo, agora ela é

vivida como perigo: mais perigo para o varão e para o seu poder. Essa mentalidade

penetra e aprofunda-se com o tempo, sobretudo, nos primeiros séculos do cristianismo.

Sendo a sexualidade tão perigosa, torna-se necessário reprimi-la, sobretudo em relação à

mulher, que segundo o apóstolo Paulo “só será salva pela maternidade” (1 Tm 2,15).

Nesse período sapiencial, a sexualidade ainda mantém certo vigor, embora como

diz Tobias, seja preciso moderá-la.

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Fica visível que foi descaracterizada a interpretação do mito de Adão e Eva, que

trata efetivamente da perda do paraíso em decorrência da desobediência a Deus, e não

da prática sexual. Ao longo dos séculos esse contexto é esquecido e Eva permanece com

uma imagem mítica, arquetípica da sedutora demoníaca.

A literatura sapiencial terá grande influência na Igreja Cristã, menos no

judaísmo. Alguns livros sapienciais e didáticos, como por exemplo Eclesiástico e

Tobias, não são considerados no cânon bíblico, embora certamente reflitam a

mentalidade judaica da época.

Ao longo de todo o Antigo Testamento fica claro que o prazer sexual não era

considerado pecado. Tampouco a sexualidade era vista como um castigo. De acordo

com Benetti (1998), soa estranho como uma religião Cristã fundada sobre o amor tenha

tanto conflito em lidar com a sexualidade. No decorrer dos séculos do Cristianismo,

como será apresentado, a sexualidade passa a ser entendida como um castigo ou como

uma tortura moral e psicológica, tendo como finalidade a procriação, não a vivência

tranqüila do prazer. “Mas se há algo completamente alheio à Bíblia, é essa idéia”. Como

podemos perceber no livro do Cântico dos cânticos, um belo hino que exalta o amor,

“um livro erótico tão sagrado e tão revelado como todos os outros [presente] no próprio

coração da Bíblia” (p. 213).

Grava-me como um selo em teu coração, como um selo em teu braço; pois o amor é forte, é como a morte! Cruel como abismo é a paixão; suas chamas são chamas de fogo uma faísca de Iahweh [Javé]! As águas da torrente jamais poderão apagar o amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor... Seria tratado com desprezo (Cântico dos Cânticos 8, 6-7).

1.5. A sexualidade no Novo Testamento: a perspectiva de Jesus

Na pregação e no modo de agir de Jesus, a sexualidade ocupa um lugar

secundário por dois motivos: primeiro porque Jesus mantém a vigência da Lei e dos

profetas com objetivo de dar-lhes plenitude e perfeição; segundo porque o essencial da

sua pregação e da sua proposta é a pregação do Reino de Deus. Jesus mantém-se fiel

àquilo que está escrito no Antigo Testamento. Assim Ele dizia: “Não pensem que eu

vim abolir a Lei e os profetas. Não vim abolir, mas dar-lhe pleno cumprimento” (Mt 5,

17). Segundo Benetti (1998) o cumprimento da Lei, não significa para Jesus pura

formalidade externa, puro legalismo. Ao contrário, passa pela interioridade do ser

humano. A aplicação da Lei passa agora pela Lei do amor e da misericórdia. Para o

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autor, “buscar nos evangelhos novas normas sobre sexualidade, com raras exceções, é

tarefa inútil, pois Jesus não tem nada a acrescentar” (BENETTI, 1998, p. 239).

Quanto ao matrimônio ou sobre as bodas está presente na pregação de Jesus em

inúmeras ocasiões, especialmente nas suas parábolas e comparações. A título de

exemplo vale citar: “Assim o reino de Deus parece-se a um banquete de bodas ao qual

todo mundo é convidado [...] A uma festa de bodas aonde é preciso ir com a túnica

correspondente” (Mt 22, 1-14).

Onde mais é ressaltada a postura de Jesus em relação a sexualidade é no seu

trato cotidiano com as mulheres. Sua fidelidade em cumprir a Palavra de Deus concorda

com uma grande tolerância em relação às pessoas e com uma grande maturidade em

relação às mulheres, opondo-se até as estritas normas sociais. Sua postura escandaliza

seus apóstolos quando se pôs a conversar com uma mulher, e samaritana ainda por

cima, em plena rua junto ao poço de Jacó. Em seu ato desafia a severa norma rabínica

que proibia falar com uma mulher, sobretudo desconhecida mantendo aquele diálogo

sobre água viva que fez deste relato um dos mais lindos do Evangelho de João (Cf. João

Cap. 4).

Em relação à sexualidade fica evidente que todos os episódios da vida pública de

Jesus nos dizem bem claro que:

[...] embora Jesus não tivesse esposa, dada sua exclusiva dedicação ao Reino de Deus, foi um homem de uma grande abertura e relação franca com as mulheres, de forma que não só não aparece nele elemento antifeminino e fobia sexual alguma, mas que ao contrário, escandalizou sua sociedade por sua postura aberta e desinibida (BENETTI, 1998, p. 243).

Sobre a sexualidade e sobre a mulher, prevalecerá a interpretação de Paulo que

terá mais incidência na Igreja posterior, já alimentada pelo dualismo grego e gnóstico,

do que pela postura livre de Jesus.

1.6. Visão do Apóstolo Paulo sobre a sexualidade

No cristianismo primitivo está presente a idéia de que o fim do mundo está

próximo e que ocorrerá em breve a segunda vinda de Jesus (parusia). As realidades

desse mundo passam a ser relativas na visão de Paulo e começam a perder vigência,

dentre elas a sexualidade e o matrimônio. “Uma coisa eu digo a vocês, irmãos: o tempo

se tornou breve e quem tem esposa, comportem-se como se não a tivessem [...]” (I Cor

7, 29-31).

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Com Paulo, o fariseu convertido à fé cristã, surge pela primeira vez na história

bíblica a valorização da virgindade acima do matrimônio. O Apóstolo tira suas

conclusões, considerando restar pouco tempo para o juízo final:

Quanto às pessoas virgens não tenho nenhum preceito do Senhor. Porém, como homem que pela misericórdia do Senhor é digno de confiança, dou apenas um conselho: considero boa a condição das pessoas virgens, por causa das angústias presentes. Claro, é bom que o homem continue assim. Você está ligado a uma mulher? Não se separe. Você não está ligado a uma mulher? Não procure mulher. Contudo, se você se casar, não estará cometendo pecado; e se uma virgem se casar, não estará cometendo pecado [...] (I Cor 7, 25-28).

Segundo Benetti (1998), o fato de perguntar se é pecado casar-se já denota toda

uma mentalidade negativa com respeito ao matrimônio. Paulo justifica sua posição

dizendo que quer evitar aos casados as “tribulações da carne”. Estas recomendações que

dá como conselho pessoal, serão respeitadas ao pé da letra pela Igreja posterior, embora

a perspectiva de um fim próximo do mundo tenha desaparecido.

Na afirmação de Paulo está presente um dualismo que não existia no Antigo

Testamento nem em Jesus, mas que agora faz-se presente por influência da filosofia

grega e do gnosticismo. Com o Apóstolo ocorre a supremacia da virgindade, sendo esta

valorizada acima do matrimônio, e este passa a ser visto como um remédio para a

concupiscência (apetite sexual).

1.7. O pensamento dualista: rumo à negação e a rejeição da sexualidade

Quando se censura o cristianismo pela sua leitura negativa da sexualidade é

preciso levar em conta, sobretudo a contribuição da ideologia religioso-filosófica do

Império dominante, a saber: a ética religiosa estóica, a filosofia neoplatônica dualista, e

o gnosticismo.

Um dos movimentos da filosofia grega que exerceu grande influência sobre o

cristianismo foi o estoicismo. Esse opõe-se às propostas contraditórias dos epicuristas,

que afirmam que o prazer é o objetivo da vida humana. Os estóicos defendem o

domínio da razão sobre as paixões, algo que no Ocidente será sinônimo de virtude.

Muitas das virtudes chamadas cristãs têm, na realidade, uma origem estóica, como a

temperança, a paciência e o autocontrole. Segundo Benetti (1998) todos esses valores

foram incorporados à práxis cristã como palavra revelada, quando na realidade têm

origem na ética grega.

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Com o estoicismo podemos também citar o Neopitagorismo (entre os séculos I e

II d.C.) que prega uma piedade monoteísta e uma dura ascese espiritualista, como a

proibição de comer carne e como o mandamento de guardar a castidade obrigatória.

Segundo os neopitagóricos, o mundo não provém de Deus, mas de um demiurgo, de tal

modo que a matéria é a causa de todos os males, em oposição ao princípio bom da alma.

A filosofia grega de origem platônica ressuscita em um grande movimento

chamado neoplatonismo, que terá grandíssima influência na teologia cristã. Esta

filosofia, que é também teodicéia está assentada sobre a idéia de Platão, ressuscitada

com grande vigor nos primeiros séculos cristãos, especialmente por Plotino (205-270).

Segundo ela, o ser humano é composto por dois elementos irredutíveis entre si: o corpo

e a alma. Enquanto o corpo é corruptível, material e inferior, a alma é espiritual e

imortal (inclusive preexistente, segundo Platão) e deve retornar, libertando-se da

“cadeia do corpo”.

Benetti (1998) salienta que tais concepções filosóficas estão em contradição com

o pensamento bíblico. Segundo esse o ser humano na sua unidade é caracterizado pela

dualidade entre corpo e alma e não pelo dualismo, segundo o qual ocorre uma oposição

entre o corpo e a alma, onde essa é supervalorizada em detrimento do corpo.

[...] a idéia bíblica do ser humano é muito distinta: ele é “nefesh” ou seja, um vivente, ao qual a vida chega por meio do “huah” ou sopro (o alento, a respiração). [...] Não há partes ou elementos que se contrapõem. Não há corpo e alma, mas uma unidade total que depois da morte, ou perambula pelo “sheol” sob a terra ou termina ressuscitando, claro em toda a sua totalidade, ou seja, com seu corpo vivente (p. 274-275).

Com a influência dessa visão platônica dualista o corpo sexuado, a sexualidade,

o “prazer da carne” e tudo o que tem a ver com eles são a parte animal do ser humano

que deve ser dominada e controlada pelo espírito (razão) para não sucumbir.

1.8. Gnosticismo

Segundo o Dicionário de Filosofia o termo gnose vem do grego “gnosis” e quer

dizer conhecimento. É o conjunto das doutrinas heréticas que, nos séculos II e III,

ameaçaram a unidade do Cristianismo. Em substância, a gnose consiste em afirmar a

possibilidade da salvação religiosa pelo conhecimento intelectual, sem o dom direto da

graça divina. (JAPIASSÚ & MARCONDES, 2006). Já o termo gnosticismo refere-se

ao conjunto de correntes situadas à margem do cristianismo, surgidas nos dois primeiros

séculos de nossa era na bacia mediterrânea. Por extensão esse termo designa toda

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doutrina que supõe existir um conhecimento superior ou uma explicação total das

coisas, sem vínculos necessários com uma religião.

O gnosticismo, embora tenha raízes na filosofia grega e em experiências

religiosas orientais, surgiu no seio do cristianismo no século II, e tinha como objetivo

aperfeiçoá-lo e constituir-se na verdadeira Igreja. Procurou fazer uma releitura das

verdades cristãs, tornando-se um dos maiores perigos para a fé cristã, constituindo-se

numa questão de vida ou morte para o cristianismo.

Segundo Brighenti (2001) o gnosticismo não se constituiu em um movimento

uniforme. Desde o seu início subdividiu-se em várias seitas conforme as características

propostas por seu fundador. Alcançou seu auge nos séculos II e III d.C., para conhecer

seu declínio no século IV e fundir-se com o maniqueísmo no século V. Ele se faz

presente, na atualidade, nas chamadas “Igrejas gnósticas” e, sobretudo, na maior parte

das expressões da Nova Era – “New Age”.

A cosmovisão do mundo, do homem e de Deus é descrita por Benetti da

seguinte forma:

[...] apresenta-se como uma visão completa e integral de Deus, do ser humano e do mundo a partir de uma leitura pessimista. Ao olhar o mundo e a vida humana, o ser humano descobre o mal: a ignorância, a falsidade, a felicidade ilusória, o pecado (tudo o que é aparência de vida), a morte, e então pergunta-se por sua origem e pela forma de superá-la. [...] É uma religião de salvação do ser humano mediante a “gnose”, ou seja, mediante o conhecimento profundo do Deus “verdadeiro”, daquilo que é realmente o ser humano e do caminho que este tem para voltar para Deus, escapando do mundo e do corpo (BENETTI, 1998, p. 277).

Para Benetti (1998), há uma grande diferença da visão gnóstica com a

concepção bíblica. Se para a Bíblia o mundo e o ser humano são bons e criados por

Deus, para a gnose o mundo e o corpo são lugares hostis e diretamente demoníacos. Se

para a Bíblia o ser humano possui uma unidade psicossomática, a gnose introduz uma

concepção dualista do homem, caracterizada por três componentes básicos: o corpo

(matéria, carne), a psique e o espírito.

Com o surgimento do gnosticismo houve uma tremenda perda no campo da

sexualidade, cujas conseqüências sofremos ainda hoje. Neste caso, o corpo humano e a

sexualidade ficam sob a constante suspeita de pecado, quando não de ato demoníaco. O

pecado dos primeiros pais (Adão e Eva) é interpretado como pecado sexual ou como

causa imediata da paixão sexual. Trata-se de um pecado transmitido pela relação sexual,

segundo Santo Agostinho.

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Por lógica com estes princípios, ocorre de uma forma acentuada a fuga do

mundo na vida celibatária e na vida religiosa com uma ascese de auto-sacrifício e certo

masoquismo que estará impregnado na concepção da santidade cristã. É importante

ressaltar que no começo do século IV surge o movimento monacal que se afirmará nos

séculos seguintes com um comportamento de afastamento e negação do mundo, produto

da influência da filosofia gnóstica.

Embora os bispos dessa época pudessem condenar o gnosticismo e ordenar a

queima dos seus livros, muitas das suas idéias permaneceram vigentes ao longo dos

séculos, especialmente sua aversão ao corpo e ao sexo.

O Gnosticismo inspirou a vida ascética e monástica e, sobretudo, a práxis da

sexualidade e o matrimônio no cristianismo do Ocidente.

Sendo o dualismo grego e gnóstico um conceito totalmente ausente no Antigo

Testamento, mas já presente em alguns textos do Novo Testamento, o cristianismo

encontra-se numa verdadeira encruzilhada, diante do dilema de assumir a postura

bíblica predominante (o corpo sexuado como algo bom criado por Deus e imagem da

sua presença) ou a postura dualista platônica (o corpo mau como prisão). Na prática,

embora nunca tenha sido renegado do pensamento bíblico, será o pensamento dualista

aquele que inspirará a práxis sexual e matrimonial.

1.9. A Patrística

1.9.1. São Jerônimo (347-420)

Uma das figuras marcantes da patrística. Asceta, austero e genioso, se retira para

a solidão em Belém, para trabalhar na versão da bíblia do original para o latim

(vulgata). Denunciando a podridão de Roma, despeja sua misogenia e sexofobia na sua

correspondência, da qual uma parte (122 cartas) foi conservada.

Sua visão do sexo e da mulher é maniqueísta. Sexo para ele tem uma função

puramente animal, não percebe nenhuma relação entre sexo e amor, de Adão até Cristo

foi o império do sexo. Sendo batizado, o cristão é consagrado a Cristo, vocacionado a

uma vida virginal. A virgindade é o único e verdadeiro ideal para o cristão. O

casamento é tolerado a contragosto, em função da procriação. A mulher é sempre uma

dissoluta em potência, um instrumento do demônio.

Foi em boa parte sob influência de Jerônimo [...], que a mística da virgindade começou a ganhar força na vida da igreja. Os tratados “De Virginitate” se multiplicam (SNOEK, 1981, 25-26).

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Esta ênfase na virgindade e no celibato será muito acentuada no período da

Idade Média.

1.9.2. Santo Agostinho (354-430)

Nascido em Tagasta, África do Norte, província romana, filho de Mônica, uma

cristã e de Patrício, um pagão que se converteu bem mais tarde. Agostinho teve uma

juventude turbulenta do ponto de vista sentimental, como descreve em sua

autobiografia. Teve um filho com sua amante. Recebeu uma formação intelectual

aprimorada. Sofreu num primeiro momento uma forte influência maniqueísta. Em

Milão conheceu o neoplatonismo, na versão de Plotino. Uma pregação de Santo

Ambrósio contribuiu fortemente na sua conversão. Pastoreando seu rebanho em Hipona

como bispo constrói seu pensamento teológico.

É nas categorias mentais do platonismo que Agostinho tenta expressar a

experiência cristã com forte influência de sua vida pregressa que foi dissoluta, refletindo

na sua visão de um certo pessimismo antropológico. Por si só o homem de nada vale. Só

a graça pode salvá-lo.

A rebeldia do primeiro pecado (peccatum originans) se manifesta na rebeldia da

carne (peccatum originatum), ferida da natureza que é transmitida pela geração a toda

criança que nasce. Como na visão platônica, o homem não está no seu natural. O verbo

(logos) se fez carne para curar a ferida. O ato sexual em si reativa a ferida, ofusca a

lucidez do logos e compromete a dignidade humana, mas este risco pode ser contornado

pelos três “bens” (valores) do matrimônio cristão: o bem da prole, o bem da fidelidade,

o bem do sacramento. Desta forma o matrimônio cristão se torna um remédio para a

concupiscência (libido), uma graça medicinal, fruto da redenção.

A norma ética derivada desse dualismo platônico é bastante restritiva: o ato

sexual em si é fortemente suspeito. Não será prejudicial para o homem e só será

tolerado como não antiético, se realizado dentro da estrutura do matrimônio e em função

da procriação.

Essa visão Agostiniana perdurará na moral cristã por longos séculos e outros

pensadores se encarregarão de enfatizar ainda mais os aspectos negativos que lhes são

inerentes.

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1.9.3. Tomás de Aquino (1224 - 1274)

Se Agostinho sofre influência do dualismo platônico, Tomás por sua vez é

influenciado por Aristóteles. Seu pensamento em teoria não é dicotômico. Utiliza o

conceito aristotélico de hilemorfismo que se dá numa profunda unidade, onde a alma é

forma do corpo. Não há uma visão de contaminação do corpo e do sexo. São vistos

como naturais ao homem. Não existe nenhum mal no prazer sexual. Esta visão de

Tomás sofre censura por parte da Igreja por ser vista como revolucionária para época.

Em tese, o dualismo platônico estava superado, mas na prática ele estava em vigor e o

pensamento de Tomás acaba sendo condicionado pelo momento cultural de sua época

predominando a visão unidimensional do sexo, onde não se conseguia ver outra função

para o mesmo, senão a procriação. “Em relação à ética sexual Agostiniana, não houve

pois, nenhuma mudança. O ato sexual é pelo menos [visto como] um ‘pecado venial’”

(SNOEK, 1981, 27).

1.10. Período da Modernidade

No nível filosófico, na compreensão cartesiana, o filósofo René Descartes

(1596-1650) reduz o homem à subjetividade, à consciência: ‘penso logo existo’. O

corpo não conta. O sujeito é alienado do seu corpo, assim como o sexo é visto como

algo problemático.

Nesse clima de exacerbação da racionalidade e de um rígido controle social, não

há lugar para expressão de afetos e sentimentos. Esses são retirados para a intimidade

do lar. Nasce a cultura da vergonha, tendo como conseqüência no futuro a cultura da

culpa.

Com o dualismo cartesiano, perde-se a noção de totalidade, integração, gerando

neuroses e desvios que foram estudados por Freud e Marcuse.

O auge do puritanismo, período chamado vitoriano, extremamente sufocante e

repressor, deu lugar a um novo período denominado Revolução Sexual, que teve como

grande expoente o psiquiatra Reich com a publicação de um livro com o mesmo título.

O protestantismo também não conseguiu se desvincular do puritanismo. Incorporou o

pensamento de Santo Agostinho com seu pessimismo antropológico como fizera o

catolicismo. A moral vigente ficou obcecada pela idéia de pecado, sobretudo de pecado

sexual (pecado passa a ser visto como descumprimento ao sexto mandamento – não

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pecar contra a castidade – pensamento que vigorou até o Concílio Vaticano II de 1962-

1965).

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CAPÍTULO II: A SEXUALIDADE NA PERSPECTIVA DE FOUCAULT

2.1. Foucault e a Sexualidade

O filósofo Michel Foucault inicia sua obra contextualizando o século XVII e

fazendo referência a ele pela franqueza com que as coisas eram ditas a respeito da moral

e da sexualidade, de forma aberta e sem reservas. Diferente do que foi observado no

século XIX, que ofusca essa sexualidade livre de forma cautelosa, voltando-a para

dentro de casa, mais precisamente para dentro do quarto dos pais, que é o único lugar,

no “espaço social, onde a sexualidade é reconhecida” (FOUCAULT, 1988, 10).

Foucault contesta a hipótese repressiva, citada por ele mesmo, questionando

porque e como a repressão moderna do sexo se sustenta, como ela nos leva a dizer com

tanta insistência que somos reprimidos. No século XVII, o sexo era fácil de ser

dominado, forças sociais podiam contê-lo, como também ele poderia ser um ponto de

transferência para as relações de poder. Controlando a sexualidade, exerce-se controle

social e disciplina-se a sociedade. “O poder disciplinar supostamente produzia “corpos

dóceis”, controlados e regulados em suas atividades, em vez de espontaneamente

capazes de atuar sobre os impulsos do desejo” (GIDDENS, 1993, 27). No livro Vigiar e

Punir, Foucault (1983) desenvolve técnicas que além de transformar o corpo em uma

máquina de trabalho, corrigem, disciplinam, vigiam e punem os corpos que não se

ajustam à produção exigida pela sociedade capitalista, criando corpos dóceis, que sejam

disciplinados, civilizados (CHAUÍ, 1991 p.152).

A partir do século XVII falar de sexo seria algo difícil. Não se sabe porque o

sexo passa a ser censurado. Foucault (1988) afirma que “talvez tenha havido uma

depuração – e bastante rigorosa – do vocabulário autorizado” (p.21). O homem do

século XVII passa a ser obrigado a dizer tudo sobre sua sexualidade. A Contra-

Reforma, ocorrida no século XVI (Concílio de Trento - 1546-1562) se dedica e

responsabiliza em acelerar o ritmo da confissão. Para isso, criam-se regras para que os

fiéis venham descrever de forma mais compreensiva o exame de si mesmo. Ao que diz

Foucault, “o sexo, segundo a nova orientação pastoral, não deve ser mais mencionado

sem prudência” (p. 23). Marilena Chauí (1991) interpreta a sexualidade da seguinte

forma:

[...] não se confunde com um instinto, nem com um objeto (parceiro), nem com um objetivo (união dos órgãos genitais no coito). Ela é polimorfa, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo. Não se reduz aos órgãos genitais [...] porque

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qualquer região do corpo é suceptivel de prazer sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital (p. 15).

A vida sexual das pessoas passa a ser regulada por um conjunto de teorias que

surgem, no intuito de alcançar a verdade através dos discursos sobre o sexo. A partir

dessa época o sexo passa a ser citado com uma valorização maior em torno do discurso.

Falar de sexo não estava proibido, porém devia-se falar apenas do que era de domínio

da cultura (Igreja) que se estabelecia, fazendo com que este discurso fosse expandido.

Assim, produz-se discursos sobre o sexo que funcionem de modo efetivo na educação e

orientação dos sujeitos. O falar de sexo passa a ser essencial, fazendo nascer no século

XVIII uma “incitação política, econômica, técnica a falar do mesmo” (p.27). Esperava-

se que em torno do sexo criasse um discurso não moralista, mas racional, que

fomentasse nos sujeitos um reconhecimento da necessidade de superar toda atenção

minuciosa a respeito da prática sexual.

Deve-se falar do sexo e falar de forma aberta, sem colocá-lo em padrões de

regras a serem seguidas. Porém interpretando-o de modo individual e responsável,

gerando no indivíduo autonomia ao administrá-lo. Foucault (1988) vai dizer que “[...]

cumpre falar de sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou

tolerar mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos e fazer

funcionar segundo um padrão ótimo” (p.27). O filósofo vê o sexo como algo que deve

ser administrado, que se sobreleva ao poder público. Ele por si “exige procedimentos de

gestão”, e conhecer o sexo (sexualidade) é necessário para reconhecer sua utilidade no

discurso, trazendo contentamento aos sujeitos que o utilizam. Regulando-o pela sua

utilidade, não por método repressivo.

O controle do sexo, que até o século XVII, era de domínio da Igreja Católica, no

século XVIII passa a ser controlado pelo Estado e pela Medicina. Pelo sexo se analisa a

taxa de natalidade, nascimentos legítimos ou não freqüência de relações sexuais. Nos

nossos dias percebe-se esse controle (disciplina) do sexo/sexualidade através de

campanhas contra: DST’s; distribuição desmensurada de preservativos à população;

controle da natalidade (laqueadura das trompas, vasectomia). É dada muita relevância

aos métodos informativos, fazendo o que for preciso para mudar a realidade da

sexualidade sem limites que existe hoje. No entanto, pouca formação é investida na

sociedade, de modo específico nas escolas, instituições e casas. Não basta apenas

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informar sobre a sexualidade, é preciso formar, ensinar meios de como administrá-la.

Sobre esse assunto Giddens (1993) vem dizer que

Através da economia política da população formou-se toda uma teia de observação sobre o sexo. Surge a analise das condutas sociais, [...]. Aparecem também as campanhas sistemáticas que, [...] tentam fazer do comportamento sexual dos casais uma conduta econômica e política deliberada (p.29).

Por sua fala o sexo devia ser visto no casamento como responsável e

autocontrolado, não apenas limitado ao casamento, mas ordenado, levando os

indivíduos a buscar o prazer de forma disciplinada.

Para Marilena Chauí (1991) a idéia central de Foucault é que a liberação sexual

se for possível, não passa pela crítica da repressão sexual, mas pelo abandono do

discurso da sexualidade e do objeto sexo e pela descoberta de uma nova relação com o

corpo e com o prazer.

2.2. O Confessionário Católico

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, no concilio de Trento “todo fiel depois

de ter chegado a uma idade de discrição, é obrigado a confessar seus pecados graves,

dos quais tem consciência [...].” a Igreja Católica admite a confissão hoje como uma

reconciliação com Deus e com os outros. A penitência, como o nome já diz, é a pena

que o fiel paga após confessar o “delito espiritual”. Para Foucault “a confissão foi e

permanece ainda hoje, a matriz geral que rege a produção do discurso verdadeiro sobre

o sexo”. Por ela se chegaria à verdade do sexo, e apenas a nossa sociedade desenvolveu

estratégias para se tentar revelar a verdade do sexo, formando assim uma “ciência

sexual”, fruto dos discursos produzidos sobre o sexo. Uma ciência da sexualidade

desenvolvida apenas por nossa sociedade. A tarefa dessa ciência é produzir discursos

que ditem a verdade sobre o sexo, ajustando o procedimento antigo/método da

confissão, às regras que são elaboradas do discurso científico. Giddens (1993) tece seu

comentário dizendo que “o prazer erótico se transforma em sexualidade à medida que

sua investigação produz textos, manuais e estudos que distinguem a sexualidade normal

de seus domínios patológicos” (p. 30).

É no confessionário que o indivíduo tem a oportunidade de se examinar, de

forma a não mencionar o sexo sem prudência, e relevando a penitência a tudo que diz

respeito à carne: pensamentos, desejos, imaginações extravagantes do ponto de vista

erótico. Tudo deve ser dito sem reservas. Aqui se pode ver a força da confissão, que

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encontra-se não somente em confessar o ato pecaminoso, mas fazer do seu desejo um

discurso, não deixando escapar nada de tal formulação. Pois não existe nada que se deve

ter vergonha.

No confessionário a Igreja controla a vida sexual dos fieis. Confessor e padre

interpretam a confissão de tais pequenos delitos em termos de um discurso obediente e

atento. Segundo Foucault: “A confissão, em seu sentido moderno envolve

procedimentos através dos quais o sujeito é estimulado a produzir um discurso da

verdade a respeito da sexualidade capaz de produzir efeitos sobre o próprio sujeito”

(GIDDENS, 1993 apud FOUCAULT, 1988).

2.3. A visão oficial da Igreja Católica sobre a sexualidade na atualidade

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) é um objeto de consulta de todos os

Bispos católicos, de suas Conferências Episcopais ou de seus Sínodos, dos institutos de

teologia e de catequética. É fruto de todo episcopado da Igreja Católica. Foi elaborado

em seis anos de intenso trabalho sendo fruto de uma vasta colaboração de todas as

Igrejas Católicas espalhadas pelo mundo. Em 1986, uma comissão presidida pelo

Cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa) e mais doze Cardeais e Bispos, recebeu o encargo

de preparar um projeto para o catecismo requerido pelos padres do Sínodo. Uma

comissão de redação, composta por sete bispos diocesanos, peritos em teologia e em

catequese, auxiliou a primeira comissão nesse trabalho.

O CIC inclui coisas novas e velhas, e para responder essa dupla exigência,

retoma à antiga ordem articulando o conteúdo em quatro partes, que estão ligadas entre

si: o Credo; a sagrada Liturgia, com os sacramentos em primeiro plano; o Agir Cristão,

exposto a partir dos mandamentos; e por fim a Oração Cristã.

Da subdivisão do Catecismo cada parte é dividida em seções, que são divididas

em capítulos, e por fim, em artigos. Da parte que é pertinente a esse trabalho, será dada

uma atenção especial ao artigo sexto, do capítulo segundo, da segunda seção da terceira

parte.

O Catecismo compreende o pensamento da Igreja Católica sobre a sexualidade.

Para o CIC, o homem é criado à imagem de Deus, e em sua natureza une mundo

material e mundo espiritual. Ao se criar o homem e a mulher estabelecem-se uma

complementaridade entre os sexos, bem como uma amizade orienta um para o outro, de

forma similar àquela que Deus estabelece com suas criaturas. O CIC expressa essa idéia

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nos seguintes termos: “[...] na qual cada um dos dois pode ser “ajuda” para o outro, por

serem ao mesmo tempo iguais enquanto pessoa (“osso de meus ossos...” Gn 1) e

complementares enquanto masculino e feminino” (CIC, 2000, p.107).

Homem e mulher possuem sua identidade sexual, e esta precisa ser reconhecida

por ambos. Para o CIC, a sexualidade afeta vários aspectos da pessoa humana, não só

ligada ao caráter procriativo ou sensual, mas a toda capacidade de relacionamento

interpessoal. Homem e mulher foram criados para viver a diferença e a

complementaridade dos sexos, se reconhecendo como são.

A diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do casamento e para o desabrochar da vida familiar. A harmonia do casal e da sexualidade depende, em parte, da maneira como se vive entre os sexos a complementaridade, a necessidade e o apoio mútuos (CIC, 2000, p. 605).

Para o CIC é no casamento que homem e mulher irão imitar na carne a

generosidade e a fecundidade do Criador, ou seja, poderão desfrutar o prazer de sua

sexualidade. Contudo, para fazê-lo, homem e mulher devem estar unidos segundo as

leis (do casamento) de forma a atender ao sexto mandamento, “Não cometerás

adultério” (Ex 20,14). Em outros termos, a prática sexual e o casamento estão

intrinsecamente ligados no que diz respeito ao conjunto da sexualidade humana.

A Igreja Católica também acredita que a sexualidade, quando executada de uma

maneira desordenada, fere ao sexto mandamento constituindo-se numa ofensa à

castidade. Dentre as diversas ofensas possíveis vale destacar: a luxúria, que é o gozo

desregrado do prazer venéreo; a masturbação, que é a excitação voluntária do órgão

sexual para a obtenção de um prazer venéreo; a fornicação, que é uma união carnal entre

um homem e uma mulher livres fora do casamento; a pornografia, que se trata em retirar

os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade dos parceiros para exibi-los à

terceiros de maneira deliberada; a prostituição, que fere a dignidade da pessoa que se

prostitui ao prazer venéreo; e o estupro, que resume na penetração à força, com

violência, na intimidade sexual de uma pessoa. No conjunto de práticas sexuais que

atentam contra o sexto mandamento, são também citados a homossexualidade e o

incesto (relações íntimas entre parentes ou pessoas afins). Quanto à homossexualidade,

existe atualmente um impasse entre a posição da Igreja e as leis civis que regem a

matéria. De forma global, o posicionamento da Igreja pode ser entendido civilmente

como uma postura discriminatória, e portanto fora-da-lei.

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Em síntese a Igreja entende que a sexualidade deve ser vivida com pudor que é

uma parte integrante da temperança. A temperança é considerada uma virtude humana,

capaz de moderar a atração pelos prazeres objetivando o equilíbrio no uso dos bens

criados. Através dela o indivíduo controla suas paixões e apetites, raciocina com

sobriedade e assegura o domínio da vontade sobre os instintos. Desta forma os desejos

são mantidos dentro dos limites da honestidade, os apetites sensíveis são dirigidos para

o bem, contribuindo para que o indivíduo não se torne escravo dos instintos. Vem do

latim temperantia. Para o mundo católico faz-se necessário uma purificação do clima

social para que se chegue à pureza cristã.

[...] o pudor protege o mistério das pessoas e de seu amor. Convida à paciência e à moderação da relação amorosa; pedem que sejam cumpridas as condições da doação e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é a modéstia (CIC, 2000, p.648).

É notória a existência de uma divergência em relação aos posicionamentos

relativos à sexualidade preconizados pela Igreja e por Foucault. Essa não

correspondência de pensamento em relação a um mesmo fenômeno, a sexualidade

humana, é indicadora de que o que se diz sobre sexualidade e prática sexual não está

necessariamente relacionado ao que seja essa sexualidade e essa prática sexual. Nesse

terreno não se tem uma verdade ou um conhecimento mas uma representação individual

ou social que serve de referência para a ação em torno desse tema. Em outros termos

cada sujeito apreende de forma mais ou menos particular aquilo que lhe é transmitido ao

longo da sua vida, desenvolvendo dessa forma representações individuais a respeito do

mundo e de tudo o que nele ocorre. Posteriormente o sujeito humano, passa a fazer uso

dessas representações em diferentes contextos sendo por sua vez um autor do modo

como o grupo representa os mesmos temas que afetam os indivíduos e o próprio grupo.

Para um melhor entendimento dessa situação, é adequado que se aborde aqui algumas

considerações relativas às representações sociais.

2.4. Definindo Representação Social

O termo “Representar”, designa ser a imagem ou a reprodução de algo,

representar um fenômeno seria então, interpretá-lo à sua maneira. Uma Representação

Social (RS) seria a interpretação de conhecimentos, explicações de dados fenômenos

que chegariam a um senso comum.

Para Moscovici (1976), os conjuntos de conceitos, afirmações e explicações que

são as representações sociais, devem ser considerados como verdadeiras “teorias” do

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senso comum, “ciências coletivas” pelas quais se procede à interpretação e mesmo à

construção das realidades sociais.

Moscovici foi quem conceituou a teoria das representações sociais em seu

trabalho intitulado “La psychanalyse, son image et son public (1961)”. Foi então que

uma psicossociologia do conhecimento começou a ser desenvolvida, a partir da tradição

da sociologia do conhecimento.

Segundo Spink (1995), Moscovici não estava preocupado com a criação de um

novo campo de estudo em psicologia, mas pretendia criar condições para uma revisão

das concepções da Psicologia a respeito dos fenômenos sociais. A este título a autora

faz o seguinte comentário: “[...] queria redefinir os problemas e os conceitos da

psicologia social a partir desse fenômeno” (p.16).

Em torno de uma psicologia social mais socialmente orientada, é importante

considerar tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais (instituições e

práticas, por exemplo). Esses são componentes fundamentais nos fenômenos

psicossociais. Através da influência dos contextos sociais, sobre comportamentos,

estados e processos individuais, participam na construção das próprias realidades

sociais.

O conceito de RS não é patrimônio de uma área em particular, mas atravessa as

ciências humanas e corresponde a diversos campos, como saúde, educação, meio

ambiente, entre outros.

Moscovici propôs uma psicossociologia do conhecimento com profundas raízes

sociológicas e traços da antropologia, nunca desprezando os processos subjetivos e

cognitivos.

Um dos pontos de partida de Moscovici foi o conceito de Representações

coletivas de Durkheim. Na concepção de Durkheim as representações coletivas são, a

condensação de idéias, sentimentos e experiências que com o passar do tempo se tornam

algo novo, idéias novas de algo externo às consciências em questão. O autor expressa

este fenômeno nos seguintes termos:

[...] são um produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos, associaram, misturaram, combinaram suas idéias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam aqui sua experiência e saber (SPINK, 1995 apud DURKHEIM, 1912: 216).

A proposição do conceito de representações coletivas buscou apoio empírico no

estudo da religião de forma bastante simples sobre povos ditos “primitivos”, embora,

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segundo Durkheim, isso tivesse sido feito por razões estritamente metodológicas. A

teoria Durkheimiana assegurava que as “formas elementares” identificadas naquelas

representações religiosas seriam encontradas, como substrato básico, também nas

religiões mais elaboradas. O mesmo aconteceria com relação às demais formas de

conhecimento social, visto derivarem todas da própria religião.

Moscovici ressalta que as representações que ele buscou destacar em sua teoria,

eram as representações atuais que influenciam esta geração em diversas áreas, como a

ciência, a política, a religião, entre outras, diferente do que propôs Durkheim

anteriormente acerca de representações primitivas e sobre raízes de conceitos. O autor

esclarece os fenômenos sobre os quais Durkheim se empenhava e aqueles que ele julga

deverem atrair a atenção da psicologia social nos dias de hoje:

As representações em que estou interessado não são as de sociedades primitivas, nem as reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas remotas. São aquelas da nossa sociedade presente, do nosso solo político científico e humano, que nem sempre tiveram tempos suficientes para permitir a sedimentação que as tornasse tradições imutáveis. E sua importância continua a crescer, em proporção direta à heterogeneidade e flutuação dos sistemas unificadores – ciências oficiais, religiões, ideologias- e às mudanças pelas quais eles devem passar a fim de penetrar na vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum. (Moscovici, 1984a: 18-9).

Denise Jodelet (1989) citada por Spink (1995), principal colaboradora e

continuadora do trabalho de Moscovici, propõe que o conceito aqui analisado –

Representação Social – trata-se de um saber único e que em termos gerais e funcionais

destaca-se no contexto social. Ela ainda continua a afirmar que as representações, entre

as diversas funções que possui, é um conhecimento que o sujeito social pode utilizar em

benefício dos seus relacionamentos interpessoais. Segundo esta autora, por

representações espera-se que as mesmas possam ajudar os sujeitos no que se refere aos

conteúdos referentes à organização do pensamento, dentro do contexto onde este

indivíduo está inserido. Diante de tais formulações a autora propõe a seguinte

conceituação geral:

O conceito de Representação Social designa uma forma específica de conhecimento, o saber dos sensos comuns, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de pensamento social. [...] As Representações Sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos das operações mentais e da lógica. [...] A marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais circulam, às funções que elas servem na interação com o mundo e com os outros (pp. 361-2).

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Mais tarde, dando prosseguimento à tarefa de sistematização do campo, de que

se incumbira, Jodelet (1989) proporciona a seguinte definição sintética, sobre a qual

parece existir hoje um amplo acordo dentro da comunidade de seus estudiosos:

Representações Sociais são “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e

partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade

comum a um conjunto social” (p.36).

Vale salientar a que uma vez que as representações sociais estão estabelecidas,

cada sujeito ou grupo social se tornam compulsoriamente impulsionados a se

comportarem de forma a fazer com que sua ação esteja em consonância com tais

representações. Para isso o sujeito deixa de certa forma de ser ele mesmo, assumindo

uma postura ou um papel reconhecido socialmente que comprove sua adequação ao

contexto.

Segundo Peter Berger (1986) o termo "papel" é um conjunto das várias

possibilidades identificatórias do ser humano. Os papéis psicodramáticos expressariam,

as distintas dimensões psicológicas do eu, e a versatilidade potencial de nossas

representações mentais. Nesta teoria, toma-se os papéis como núcleo do

desenvolvimento egóico, e à medida que a criança cresce e se diferencia, vai podendo

ampliar seu leque de papéis. Alguns papéis ficarão inibidos, necessitando,

posteriormente, serem resgatados.

Quase sempre desejamos aquilo que a sociedade espera de nós. A localização

social não afeta apenas nossa conduta, ela afeta também o nosso ser, pode-se dizer que

direta ou indiretamente a sociedade determina não só o que fazemos, como também o

que somos (BERGER, 1986).

A sociedade se constitui a partir de pensamentos similares, pois a definição que

as pessoas dão as situações e fatos importantes são praticamente as mesmas. Pode-se

definir a sociedade como um padrão específico de expectativas, onde o indívíduo

responderá a estas expectativas de acordo com os papéis que ele exerce na sociedade.

As ações e emoções estão na base dos papéis sociais, como as atitudes a elas

relacionadas.

No tocante aos papéis pode-se dizer que, numa perspectiva sociológica, a

identidade é atribuída, sustentada e transformada socialmente. A identidade é atribuída

em atos de reconhecimento social e não como uma coisa ou algo pré-existente. Pode-se

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dizer que cada sujeito procura ser aquilo que os outros crêem que deva ser, pois as

identidades são atribuídas pela sociedade e não pelos sujeitos em si.

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CAPÍTULO III: RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram dessa investigação 25 sujeitos, sendo 1 padre, 4 líderes pastorais e

20 fiéis, todos residentes na cidade de Governador Valadares, católicos, seguindo uma

orientação doutrinária Carismática. Quanto ao sexo, 20% são do sexo masculino e 80%

do sexo feminino. Dentre os fiéis também predominou o sexo feminino (65%) sobre o

masculino (35%). Com relação ao estado civil dos fiéis, 55% estão solteiros, 40%

casados e 5% divorciados. A idade média do padre e líderes é de 47 anos e a dos fiéis é

de 36 anos para o sexo masculino e 33 anos para o sexo feminino.

Para comparar as respostas dos líderes com a dos fiéis, inicialmente realiza-se

uma análise das respostas do padre e das catequistas e logo após uma análise

correlacionada com os dados dos fiéis. Para tal, buscou-se através de uma entrevista

estruturada, compreender o pensamento dos entrevistados a respeito da sexualidade e

prática sexual. Uma das questões abordadas visou conhecer dos participantes o

entendimento de cada um a respeito da função da mulher e do homem. No que compete

às orientações sobre a sexualidade, dentre os líderes, o que predominou ser força e

segurança na vida do marido, obteve 25% das respostas, ser luz e alegria na vida do

marido, ser mãe e servir a Deus obtiveram 18,8% cada um. No que diz respeito à função

do homem, nota-se uma coerência no que os participantes entendem ser a função da

mulher, 21,1% responderam que o homem deve ser força e segurança na vida da

mulher, os mesmos 21,1% também responderam que é função do homem ser luz e

alegria na vida da mulher, o ser pai aparece com 15,8%. É interessante ressaltar que

nesta questão o padre não definiu uma função específica para a mulher e para o homem,

mas exercer uma função “depende dos dons que eles possuem, daquilo que eles querem

com aquilo que buscam e se deparam”. (Ver gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 – Função da Mulher

Função da mulher na opinião dos lideres

25,0%

18,8%

18,8%

18,8%

12,5%

6,3%Ser força e segurança na vida do marido

Ser luz e alegria na vida da marido

Ser mãe

Servir a Deus

Ser provedora

Ser financeiramente independente

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Gráfico 2 – Função do Homem

Função do homem na opinião dos lideres

21,1%

21,1%

10,5%5,3%

15,8%

10,5%

10,5%5,3%

Ser força e segurança na vida da mulher

Ser luz e alegria na vida da mulher

Ser o cabeça da casa

Servir a esposa

Ser pai

Ser provedor

Ser submisso

Servir a Deus

Outro

Uma outra questão investigou com que objetivo os líderes vêem o ato sexual,

fazendo um cruzamento das respostas obtidas sobre o objetivo do mesmo com os

gêneros entrevistados, constatou-se que o objetivo do ato sexual é contribuir para o

equilíbrio emocional (24%), proporcionar prazer ao cônjuge (21%), procriar segundo as

orientações divinas (21%) e obter prazer sexual (20%), representados na Tabela 1.

TABELA 1

Distribuição dos objetivos do ato sexual segundo o sexo dos líderes

Univale, 2008

Objetivo do ato sexual/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Contribuir para o equilíbrio emocional 100% 22% 24%

Obter o prazer sexual 0% 22% 20%

Proporcionar prazer ao cônjuge 0% 21% 21%

Procriar segundo as orientações divinas 0% 21% 21%

Aumentar a cumplicidade conjugal 0% 7% 7%

Aumentar a fidelidade entre o casal 0% 7% 7%

TOTAL 100% 100% 100%

A Tabela 2 permite realizar uma comparação entre o momento ideal para iniciar

a prática sexual, segundo o entendimento dos entrevistados, com o gênero dos

participantes da pesquisa. Entre os participantes verificou-se que 36% acreditam que a

iniciação da prática sexual deve acontecer ao se sentir preparado para tal, ao se casarem

com 36%, sendo estas as variáveis de maior porcentagem, logo em seguida a outra

opção com 18% apresentou que o indivíduo deve iniciar quando encontrar alguém que

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realmente ame e 10% acreditam que a iniciação deve acontecer quando entrar na

puberdade ou adolescência.

TABELA 2

Distribuição da iniciação da prática sexual segundo o sexo dos líderes

Univale, 2008

Iniciação/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Ao sentirem-se preparadas para tal 100% 30% 36%

Ao se casarem 0% 40% 36%

Quando encontram alguém que realmente amam 0% 20% 18%

Ao entrarem na puberdade ou adolescência 0% 10% 10%

TOTAL 100% 100% 100%

Com relação a opinião dos participantes sobre planejamento famliar e métodos

contraceptivos, pode-se averiguar que 38% responderam que o casal deve planejar em

conjunto o número de filhos e controlar a natalidade, 38% também acreditam que o

casal deve fazer uso dos meios mais eficazes de controle de natalidade (ver Tabela 3).

Vale ressaltar aqui que 12% dos líderes não opinaram e 12% disseram emitir outra

opinião, porém não a descreveram. Observando o que disse o padre responsável pela

paróquia, esta opção vai depender das responsabilidades e possibilidades de cada um,

levando em conta que o uso de métodos contraceptivos, pode ser avaliado pela

consciência de cada um focando não só o uso de tais métodos, mas a qualidade de vida

dentro da relação.

TABELA 3

Distribuição dos contraceptivos segundo o sexo dos líderes

Univale, 2008

Contraceptivos/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Planejar e controlar a natalidade 50% 33% 38%

Usar os meios mais eficazes de controle

50% 33% 38%

Não resposta 0% 17% 12%

Outro 0% 17% 12%

TOTAL 100% 100% 100%

Sobre a prática sexual vivida dentro do casamento, foi questionado se haveria

alguma restrição. Em termos gerais (lideranças e fiéis), pode-se constatar que 50% das

respostas foram positivas quanto às restrições, sendo que destes são 8 mulheres e 2

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homens, sendo maior o número de mulheres que entendem existir restrições e 50%

disseram que não haveriam tais restrições, já os dados referentes ao padre e aos

catequistas, 100% opinaram que existe restrições na prática sexual dentro do casamento.

Analisando a entrevista qualitativa feita com o pároco, de acordo com a prática em

orientações para casais, a intimidade do casal precisa ser respeitada por ambos e o que

for restrição deve ser discutido a partir da consciência do casal.

Conforme apresentado no gráfico 3, as lideranças revelaram em que situações

acreditam que o ato sexual pode se tornar impuro, os dados indicam que 36,4%

acreditam que torna-se impuro quando praticado fora do casamento, 27,3% dos

participantes disseram que é impuro quando praticado sem restrições e 9,1% quando

praticado com o objetivo de obter prazer. Observa-se que 27,3% das respostas não

foram identificadas pelas pessoas que responderam.

Gráfico 3 – Em que situações o ato sexual torna-se impuro

Situações em que o ato sexual torna-se impuro (lideres)

36,4%

27,3%

27,3%

9,1%Fora do casamento

Praticado sem restrições

Outro

Objetivando obter prazer

Foi questionado se a Igreja orienta o fiel a respeito da sexualidade e da prática

sexual, 100% dos líderes responderam que a Igreja fornece tais orientações. Outra

questão procurou saber quando tal orientação era fornecida, 25% dos entrevistados

informaram que é fornecida quando é solicitada, 20% informaram que são passadas

orientações junto aos jovens; nas opções trabalho doutrinário, nos cursos de noivos e

nos encontros de casais, receberam 15% cada.

A orientação fornecida aos fiéis através de encontros, palestras ou atendimentos,

na visão do pároco e das catequistas, (100% das respostas) exerce influência no modo

como pensam ou vivenciam a sexualidade. Tomando por base as respostas do padre que

participou da pesquisa, ele acredita que tais orientações venham surtir algum efeito,

porém estas “seriam de pouca influência”.

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Sobre a conduta de um membro da igreja, espera-se que ele respeite as leis e dê

bom exemplo, caso não consiga, ele será orientado pastoralmente para que volte a se

comportar de maneira adequada de acordo com 60% dos entrevistados, por outro lado

20% disseram que se descoberto atos de má conduta, o membro poderá ser suspenso da

ceia (Eucaristia) (20%); ainda 20% dos entrevistados disseram que haveriam outras

formas de condutas disciplinares e 20% preferiu não responder.

Com relação aos fiéis da Igreja Católica, foram entrevistados 7 homens (35%) e

13 mulheres (65%). Deste total, 4 homens são solteiros e 3 casados, entre as mulheres 7

são solteiras, 5 casadas e 1 é divorciada.

No entendimento destes fiéis 22,2% a mulher tem por função ser força e

segurança na vida do marido, ser luz e alegria na vida do marido correspondem a

20,8%, ser mãe obteve 18% das respostas, e servir a Deus 16,7%. Correlacionando,

22,5% consideram por função do homem ser força e segurança na vida da mulher,

21,1% acreditam que é função ser luz e alegria na vida da mulher, 16,9% acreditam que

ser pai também é função homem e 15,5% que servir a Deus é também função do

homem.

Sobre o objetivo com que o ato sexual deve ser praticado, 24% afirmaram que

ele deve aumentar a cumplicidade conjugal, 20% dos fiéis consideram que procriar

segundo as orientações divinas é um dos objetivos, 15% para obter o prazer sexual,

aumentar a fidelidade entre o casal e contribuir para o equilíbrio emocional com 15%

cada um e 12% acreditam que proporcionar prazer ao cônjuge é também um dos

objetivos do ato sexual, a título de exemplo ver tabela.

TABELA 4

Distribuição dos objetivos do ato sexual segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Objetivo do ato sexual/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Aumentar a cumplicidade conjugal 25% 23% 24%

Procriar segundo as orientações divinas 20% 20% 20%

Obter o prazer sexual 20% 11% 15%

Aumentar a fidelidade entre o casal 10% 17% 15%

Contribuir para o equilíbrio emocional 10% 17% 14%

Proporcionar prazer ao cônjuge 15% 12% 12%

TOTAL 100% 100% 100%

No que diz respeito à iniciação da prática sexual, 36% disseram que as pessoas

estão aptas para iniciar a prática sexual ao se casarem, com 31% ao sentirem-se

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preparadas para tal e com 24% ao encontrarem alguém que realmente ame. Tomando

por base a entrevista realizada com o padre responsável, ele afirma que para iniciar a

prática sexual “a chave seria o diálogo entre os jovens, com principalmente os pais,

quando isso for possível, [...] mas tudo deve ser resolvido através do diálogo, levando a

pessoa a ser protagonista.” As outras opções podem ser observadas na tabela seguinte.

TABELA 5

Distribuição da iniciação da prática sexual segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Iniciação/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Ao se casarem 31% 38% 36%

Ao sentirem-se preparadas para tal 22% 35% 31%

Quando encontram alguém que realmente amam 31% 21% 24%

Ao tornarem-se noivos 8% 3% 5%

Ao estabelecerem um relacionamento de namoro 0% 3% 2%

Outro 8% 0% 2%

TOTAL 100% 100% 100%

Sobre a opinião dos fiéis a respeito dos métodos contraceptivos 55% disseram

que o casal deve planejar em conjunto o número de filhos e controlar a natalidade, 22%

disseram que o casal deve fazer uso dos meios mais adequados de controle da natalidade

e 13% disseram que o casal não deve fazer uso de nenhum métodos artificiais. Ao que

disse o padre, o casal é responsável por planejar em conjunto os filhos que queiram ter,

levando em conta sua condição emocional e econômica. Com relação ao uso dos

métodos contraceptivos de forma deliberada, ele afirma que “não é toda pessoa que irá

usar com responsabilidade [...]”, ou seja, o que se deve priorizar é o equilíbrio da

relação e não tanto a questão do uso ou não, pois isso pertence à consciência de cada

um. A título de exemplo pode-se observar as informações prestadas na Tabela 6.

TABELA 6

Distribuição dos contraceptivos segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Contraceptivos/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Planejar o número de filhos e controlar a

natalidade 60% 52% 55%

Usar os meios contraceptivos mais eficazes 10% 28% 22%

Não fazer uso de métodos artificiais 20% 10% 13%

Estar aberto à procriação quando houver relações 10% 10% 10%

TOTAL 100% 100% 100%

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Foi questionado aos entrevistados se dentro do casamento existe alguma

restrição com relação à prática sexual (Tabela 7), dentre 50% que responderam que

existe alguma restrição, 8 são mulheres e 2 homens, os que disseram que não existe

restrição alguma, 5 são mulheres e 5 homens. Ao que as lideranças disseram sobre esta

questão, em primeiro lugar a intimidade do casal deve ser respeitada. Do ponto de vista

da Igreja as restrições perpassam o nível funcional biológico. Porém, se uma prática não

proporcionar desconforto ao parceiro e a consciência não os incomoda, o casal é livre

para fazer o que reconhecerem melhor para o relacionamento.

TABELA 7

Distribuição da restrição segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Restrição/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Sim 29% 62% 50%

Não 71% 38% 50%

TOTAL 100% 100% 100%

Foi questionado entre os participantes em que situações o ato sexual torna-se

impuro, 43% responderam que quando praticado fora do casamento, 30% que é impuro

quando praticado sem restrições, já 17% responderam que quando praticado com o

objetivo específico de obter prazer. É interessante ressaltar que o padre entrevistado

disse que se o ato sexual for realizado de maneira violenta e/ou deixar algum trauma

psicológico, principalmente se realizado com a pessoa do menor, este se torna impuro. E

quando o parceiro não demonstrar interesse para tal, deve ser respeitada a vontade dele.

TABELA 8

Distribuição das situações em que o ato sexual se torna impuro segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Impureza/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Fora do casamento 33% 50% 43%

Praticado sem restrições 42% 21% 30%

Objetivando obter prazer 17% 17% 17%

Objetivando a cumplicidade conjugal 8% 6% 7%

Nunca é impuro 0% 6% 3%

TOTAL 100% 100% 100%

Segundo as respostas obtidas, 95% dos entrevistados afirmaram que em sua

Igreja recebem orientação acerca da sexualidade e como esta deve ser vivenciada. Pode-

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se constatar que orientações dos padres e líderes, de acordo com 80% das respostas dos

fiéis, podem influenciar as práticas dos membros da igreja (Tabela 9), confirmando o

que foi dito pelas lideranças questionadas (100%), que responderam existir influência

dessas orientações na vivência dos fiéis. Então também buscou averiguar neste trabalho

se existem outros fatores ou situações que influenciam as decisões desses membros em

torno da sexualidade e da prática sexual. Dos itens investigados, 46% responderam que

os sentimentos em relação ao outro influenciam suas decisões em torno da sexualidade e

da vida sexual, 16% se sentem influenciados por seus desejos sexuais, 13% são

influenciados pelas orientações bíblicas e outros 13% acham que por seus valores,

mesmo que estejam em desacordo com os valores bíblicos, assim como mostra a Tabela

10.

TABELA 9

Distribuição da influência das orientações segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Influência/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Sim 86% 77% 80%

Não 0% 23% 15%

Não resposta 14% 0% 5%

TOTAL 100% 100% 100%

TABELA 10

Distribuição das decisões segundo o sexo dos fiéis Univale, 2008

Decisões/Sexo Masculino Feminino TOTAL

Meus sentimentos para com o outro 38% 53% 46%

Meus desejos e impulso sexuais 8% 21% 16%

As orientações bíblicas 15% 11% 13%

Meus valores mesmo em desacordo com a bíblia 23% 5% 13%

As orientações contidas nos livros indicados

pelo padre 8% 5% 6%

Não resposta 0% 5% 3%

As orientações recebidas do padre 8% 0% 3%

TOTAL 100% 100% 100%

Outro dado relevante para esta discussão trata-se da escala que leva em

consideração as orientações da Igreja no namoro, que para o sexo masculino houve uma

média de 3,5 numa escala de 1 a 5 e para o sexo feminino uma média de 2,6 para a

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mesma escala. A média a que se chegou, levando em consideração as orientações da

Igreja na vida conjugal, aumenta a proporção a favor dos homens, sendo 5 para o sexo

masculino e 3 para o sexo feminino, continuando numa escala de 1 a 5.

Por fim, deu-se atenção ao que cada entrevistado acredita estar atingindo as

orientações da igreja com relação às praticas sexuais e a respeito da sexualidade. Das

respostas que podiam ser escolhidas, a que demonstrou maior topografia, obteve 60%

das escolhas, onde os entrevistados disseram ser suficientes as prescrições dadas pela

igreja, 15% acharam-nas ideais, outros 15% acharam que são neutras e 10% preferiram

não opinar, como exemplifica o quadro abaixo.

TABELA 11

Distribuição das prescrições segundo o sexo dos fiéis

Univale, 2008

Prescrições/Sexo Masculino Feminino TOTAL

São suficientes 57% 62% 60%

São neutras. 14% 15% 15%

São ideais. 29% 8% 15%

Não resposta 0% 15% 10%

TOTAL 100% 100% 100%

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta sessão apresenta-se à guisa de conclusão, reflexões obtidas a partir dos

dados coletados na presente investigação, que procuraram responder à pergunta: “pode-

se afirmar que na atualidade, as orientações a respeito da sexualidade oferecidas pela

Igreja Católica de Governador Valadares, exercem influências sobre as representações e

práticas sexuais de seus fiéis em uma perspectiva foulcautiana?”. Ressaltamos que este

trabalho trata-se de uma amostra e que não traz respostas definitivas, mas que podem

servir para uma avaliação da problemática, como para orientação de pesquisas futuras.

Antes de apresentar as considerações finais, destacamos algumas dificuldades

encontradas ao longo da realização deste trabalho. Por este tema ser carregado de tabu,

lideranças se recusaram a participar; outros se prontificaram a participar da pesquisa,

porém, não cumpriram o que havia sido combinado previamente. Houve ainda

paróquias que não abriram espaço para a realização desta pesquisa; outros ainda se

sentiram constrangidos e ofereceram resistência a responderem algumas perguntas do

questionário. Além das dificuldades referentes a metodologia utilizada, destacamos que

é escasso o material sobre esse tema, e colher informações sobre esse assunto acabou se

tornando um enorme desafio.

Num olhar para a história da sexualidade no contexto bíblico ficou perceptível

que salvando raras exceções, a sexualidade era encarada com naturalidade e

espontaneidade, vista com fins procriativos e como fonte de prazer. O amor é exaltado

em inúmeras passagens poeticamente, como por exemplo, no livro de Cântico dos

Cânticos. Historicamente algumas passagens bíblicas passaram a ser interpretadas de

formas equivocadas para justificar interesses e ideologias pessoais ou institucionais.

Por influência de movimentos filosóficos a sexualidade começa a ser vista com

certa suspeita. O apóstolo Paulo passa a recomendar a vida celibatária, exaltando a

virgindade em detrimento da vida matrimonial.

Com Santo Agostinho ela sofre um duro golpe, onde a união matrimonial só se

justifica com fins à procriação. A dimensão do prazer passa a ser categorizada como

algo pecaminoso.

Inicialmente pode-se ressaltar sobre as orientações à respeito da sexualidade,

tanto para líderes quanto para fiéis, que a função do homem e da mulher, no

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entendimento dos entrevistados, é compreendida de forma a ser força e segurança na

vida do cônjuge.

Uma constatação curiosa que verificamos na amostra é que os homens

responderam que seguem mais as orientações oferecidas pela Igreja (páginas 45-46),

isso pode indicar que tais orientações são mais convenientes aos homens.

Se para a visão bíblica a prática do ato sexual tinha por objetivo procriar

segundo as orientações divinas e a busca do prazer, na opinião dos entrevistados tal

prática para os líderes (24%) seria contribuir para o equilíbrio emocional e para os fiéis

(24%) seria aumentar a cumplicidade conjugal. Dessa forma, considera-se que a bíblia

era uma referência de fé, porém acaba sendo atualizada e contextualizada de acordo

com uma visão contemporânea.

Através dos dados da amostra, pode-se observar que por métodos contraceptivos

e planejamento familiar, as lideranças católicas opinaram que o casal deve planejar em

conjunto o número de filhos que desejam ter e controlar a natalidade, além de também

acreditarem que métodos eficazes de controle da natalidade devem ser utilizados,

somando 76% da opinião dos mesmos. Já em relação a opinião dos fiéis, a mesma

opinião foi seguida, 55% acreditam que planejar o número de filhos e controlar a

natalidade seria o mais eficaz. Sobre os meios mais adequados de controle da

natalidade, os fiéis mantiveram uma opinião de 22%. Ao que descreveu Foucault, esse é

o pensamento que o Estado espera que a sociedade tenha com relação, principalmente

ao controle da natalidade, ou seja, que o Estado exerça o controle sobre ela.

Sobre as situações em que o ato sexual é considerado impuro, a Igreja Católica

acredita que a sexualidade, quando exercida de uma maneira desordenada, fere ao sexto

mandamento constituindo-se numa ofensa à castidade de acordo com o Catecismo da

Igreja Católica, que foi melhor detalhado no capítulo 2 deste trabalho, na página 34.

Quanto ao que disseram as lideranças e os fiéis entrevistados, o ato sexual se praticado

fora do casamento, sem algum tipo de restrição ou especificamente com o objetivo de

obter prazer venéreo, é denominado como impuro. Quanto a isso nota-se uma coerência

do entendimento dos fiéis com as orientações da Igreja.

Respondendo à pergunta inicial “pode-se afirmar que na atualidade, as

orientações a respeito da sexualidade oferecidas pela Igreja Católica de Governador

Valadares, exercem influências sobre as representações e práticas sexuais de seus fiéis

em uma perspectiva foulcautiana?”, primeiramente no que tange a respeito de

representações sociais, Spink (1995) afirma que os contextos sociais influenciam os

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comportamentos, estados e processos individuais levando o sujeito a participar na

construção das realidades sociais. Considera-se esse pressuposto uma característica da

autonomia que o sujeito possui para escolher o que deseja ou não acerca da sexualidade

para auto governar-se, sendo autor e protagonista desta realidade. Pode-se considerar

então que mesmo o sujeito recebendo influências por parte das orientações recebidas

pela instituição, que segundo Foucault (1988) é controladora, porém, quanto a este

aspecto há uma margem de individualidade e singularidade. A compreensão das

orientações propostas pela Igreja Católica é muito clara para todos os entrevistados,

porém, segundo os dados obtidos na amostra, a prática da sexualidade vivenciada pelos

fiéis é discrepante e não é tão coerente com o ideal proposto.

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ANEXO