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1 Urgências Traumáticas Gestão para Educação Permanente dos Profissionais da Rede de Atenção às Urgências GEPPRAU Urgências traumáticas Módulo 1 Tema 5 - Circulação e choque

Urgências traumáticas€¦ · indica-se a dissecção de venosa profunda (flebotomia) ou a via intraóssea. A flebotomia (dissecção venosa profunda) é um procedimento cirúrgico

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Urgências Traumáticas

Gestão para Educação Permanente dos Profissionais da Rede de Atenção às Urgências

GEPPRAU

Urgências traumáticas

Módulo 1Tema 5 - Circulação e choque

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Urgências Traumáticas

Este conteúdo foi elaborado por Thiago Rodrigues Araújo Calderan, médico, cirurgião geral e do trauma, mestre em ciências da cirurgia e seus direitos foram cedidos ao Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC)que desenvolveu este material em parceria com o Ministério da Saúde(MS) no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucionaldo Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). A parceria entre o Ministérioda Saúde e as entidades de saúde portadoras do Certificado de EntidadeBeneficente de Assistência Social em Saúde (CEBAS-SAÚDE) e de Reconhecida Excelência, a exemplo do HAOC, é regulamentada pela

Lei Federal nº 12.101, de 27 de novembro de 2009.

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Urgências Traumáticas

URGÊNCIAS TRAUMÁTICASNeste material, serão apresentadas as principais emergências na área da cirurgia do trauma. O profissional de saúde que atua na área terá informações importantes sobre anatomia, fisiologia, manejo e principais condutas a serem tomadas no atendimento ao traumatizado.

Tema 5Circulação e choque

Objetivos de aprendizagem

Conhecer a fisiologia e anatomia da circulação.

Entender a definição de choque.

Entender a fisiopatologia do choque.

Conhecer qual a principal causa de choque no trauma.

Saber classificar o choque hipovolêmico.

Saber como deve ser a reposição volêmica no trauma.

Conhecer o protocolo de transfusão maciça e quando está indicado.

Identificar os locais prováveis de sangramento e como promover as medidas iniciais para cada um deles.

Conhecer as causas de choque não hemorrágico.

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Urgências Traumáticas

Súmario

Súmario ........................................................................... 4Circulação e choque ........................................................5

1. Introdução ...................................................................................62. Fisiologia .....................................................................................73. Anatomia .....................................................................................84. Definição de choque ......................................................................85. Fisiopatologia do choque hemorrágico .............................................96. Avaliação .....................................................................................97. Classificação do choque hipovolêmico ..............................................98. Reposição volêmica .......................................................................11

8.1 Onde? ...................................................................................118.2 Como? ...................................................................................138.3 Quem? ..................................................................................148.4 Quanto? .................................................................................16

9. Locais de sangramento ..................................................................1810. Choque não hemorrágico .............................................................20

10.1. Choque neurogênico .............................................................2010.2. Choque séptico ....................................................................2110.3. Choque cardiogênico .............................................................21

Síntese ...........................................................................................23Referências bibliográficas...................................................................24

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Circulação e choque

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Nesse caso, as vias aéreas já foram avaliadas e o paciente se encontra com proteção da coluna cervical (letra “A”). Após, foi feita oferta de oxigênio. Hou-ve avaliação da ventilação e respiração (letra “B”). Na sequência do atendi-mento, ao serem detectadas alterações fisiológicas, medidas foram adotadas para tentar restabelecer a normalidade.

Os órgãos responsáveis por promover a circulação são o coração, que recebe o sangue e o bombeia para o corpo, e os vasos sanguíneos (veias, artérias e capilares).

atendimento inicial ao traumatizado, segundo a sequência do “ABCDE”, deve ser prosseguido com a avaliação da circulação (letra “C”).

Introdução1.

O

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Para funcionarem adequadamente, órgãos e sistemas precisam produzir ener-gia e, para isso, necessitam de glicose e consomem oxigênio nesse processo. Um dos produtos dessa produção energética é o gás carbônico. O fluxo desses elementos pelo organismo é feito pelo sistema circulatório através dos vasos sanguíneos.

Para que ocorra a propulsão do sangue pelos vasos sanguíneos, é necessário um bombeamento, promovido pelo coração através do batimento cardíaco. Cada batimento cardíaco é composto por uma contração (sístole) e um rela-xamento (diástole), que, juntos, determinam a frequência cardíaca (FC).

O sangue rico em oxigênio e nutrientes é levado até os órgãos pelas artérias, e o sangue rico em gás carbônico e outros produtos decorrentes da produção energética é trazido de volta pelas veias. Essa circulação, que ocorre entre o coração e os demais órgãos e tecidos, é denominada grande circulação.

Após retornar ao coração, o sangue é levado até os pulmões para que ocorra a troca gasosa (hematose) com o ar proveniente do ambiente, ou seja, há tro-ca de gás carbônico por oxigênio. Essa circulação, que ocorre entre o coração e os pulmões, é denominada pequena circulação.

O retorno venoso ao coração é chamado de pré-carga, e a resistência vascular periférica que o coração vence para permitir que o sangue circule é chamada de pós-carga.

2.Fisiologia

Circulação sanguinea

AortaArtéria pulmonar

Veia cava superiorÁtrio direito

Ventrículo direito

Veias pulmonares

Átrio esquerdo

Ventrículo esquerdo

Sangue rico em oxigênioSangue rico em gás carbônico

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O coração é um órgão composto de quatro câmaras (dois átrios e dois ventrí-culos) e revestido por uma membrana, o pericárdio. Os elementos do lado es-querdo bombeiam sangue para os órgãos (grande circulação), e os elementos do lado direito bombeiam sangue para a circulação pulmonar (pequena circulação).

O vaso sanguíneo que sai do coração e leva sangue oxigenado para o restante do corpo é a artéria aorta. O vaso sanguíneo que traz o sangue da periferia e retorna ao coração é a veia cava.

O choque é definido como uma baixa perfusão dos tecidos (hipoperfu-são), o que gera hipóxia tecidual.

Muitos confundem choque com hipotensão, porém o paciente pode estar em choque e com pressão normal, que é um dos estados iniciais do choque.

No trauma, na maioria dos casos, o choque decorre de sangramento, ou seja, é hipovolêmico ou hemorrágico.

4.

3.

Definição de choque

Anatomia

Anatomia do coração

Veia cava superior Aorta

Artéria pulmonar esquerda

Veias pulmonares esquerdas

Átrio esquerdo

Ventrículo esquerdo

Artéria pulmonar direita

Tronco pulmonar

Veias pulmonares direitas

Átrio direito

Ventrículo direito

Veia cava inferior

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Quando ocorre um sangramento, o corpo humano possui alguns siste-mas de compensação. Inicialmente, ocorre aumento da frequência cardía-ca (FC) de forma a manter a circula-ção do sangue. Após, há produção de substâncias endógenas (catecolami-nas), que aumentam a resistência vas-cular periférica. Por fim, há aumento da permeabilidade vascular, com ede-ma celular e consequente lesão celular progressiva e morte celular.

Como compensação, as células, sob regime de falta de oxigênio (hipó-xia), começam a trabalhar em regi-me anaeróbico, com a finalidade de produzir energia, com consequente

produção de ácido lático. O ácido láti-co apresenta dissociação e, com isso, produz lactato e íons H+, ou seja, aci-dose.

Assim, o objetivo do tratamento do choque é a reposição volêmica perdida e o controle da perda, o que cessará o sangramento.

A avaliação do item “C” consiste em ausculta cardíaca, adequada monitorização (monitor cardíaco e oximetria) e avaliação dos sinais vitais (FC e pressão arterial)

Na ausência de oxímetro de pulso, podemos avaliar a perfusão periférica.

1 - Observando a tabela, é possível perceber que os pacientes com cho-que de grau I apresentam todos os sinais vitais normais, ou seja, todo traumatizado pode estar em choque, ao menos grau I.

Isso ocorre porque a resposta fisiológi-ca do paciente permite que ele mante-nha os sinais vitais ainda normais.

2 - Também é possível ver que a di-ferença entre os choques de grau III e grau IV é a alteração do es-tado de consciência. Porém, como diferenciar os dois graus de choque em uma situação de rebaixamento de consciência por traumatismo craniano ou sedação?

O choque hipovolêmico decorre da perda sanguínea e é a principal cau-sa de choque no trauma. É classificado pelos sinais vitais, que é o primeiro passo da avaliação da circulação.

Determinação do grau do choque hipovolêmico pelos sinais vitais

5.

6.

7.

Fisiopatologia do choque hemorrágico

Avaliação

Classificação do choque hipovolêmico

Importante: Com esses princípios, mostra-se a contraindicação do uso de drogas vasoativas, que originam vasoconstrição e aumento da re-sistência vascular periférica, com piora da perfusão tecidual.

*FC = frequência cardíaca / PA = pressão arterial

Grau IIITaquicardiaDiminuídaNormal

Grau IITaquicardiaNormalNormal

Grau INormalNormalNormal

FC* (bpm)PA* (mmHg)Estado mental

Grau IVTaquicardiaDiminuídaDeprimido

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O rebaixamento do nível de consciên-cia no choque de grau IV decorre da má perfusão cerebral. Então, quando ela não pode ser avaliada, podemos utilizar outro órgão para avaliar a sua perfusão.Nesse caso, podemos avaliar a perfu-são renal, que é evidenciada pela diu-rese. O débito urinário adequado con-siste em cerca de 0,5 mL/kg/hora nos adultos e 1 mL/kg/hora nas crianças.

Alguns podem se perguntar se a son-dagem vesical não é a medida a ser fei-ta após o atendimento inicial. Porém, em ambiente hospitalar, a sondagem vesical em um paciente em choque deve ser feita na avaliação do esta-do do choque, ou seja, na letra “C” do atendimento inicial (“ABCDE”).

Dessa forma, é possível modificar a ta-bela da seguinte forma:

Grau IIITaquicardiaDiminuídaNormal

FC (bpm)PA (mmHg)Perfusão de órgão(cérebro/rim)

Grau IVTaquicardiaDiminuídaAlterada

Assim, conclui-se que o primeiro passo é determinar o grau de choque.

O segundo passo é estimar a perda volêmica conforme o grau de choque.

* Volemia estimada de um adulto normal: cinco litros. O volume normal de um adulto é cerca de 7% do peso corporal, e o de uma criança, de 8 a 9% do peso corporal

Classe III30-401.500-2.000

Classe II15 a 30750-1.500

Classe IAté 15Até 750

Perda sanguínea (%)Perda sanguínea (mL)*

Classe IV>40>2.000

Percentagem da perda volêmica

Estimativa de perda volêmica secundária ao grau de choque hipovolêmico

4030150 Set

Uma forma de lembrar como funciona a porcentagem de perda volêmica de acordo com o grau de choque é a pontuação do jogo de tênis.

GrauI

GrauII

GrauIII

GrauIV

*FC = frequência cardíaca / PA = pressão arterial

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Entendida a forma com que classificamos o choque hipovolêmico, chegamos à ta-bela completa:

dispositivo para acesso venoso

periférico 14 (laranja)

e 16 (cinza)

*FC, frequência cardíaca; PA, pressão arterial.** Volemia estimada de um adulto normal: cinco litros.

Grau IIITaquicardiaDiminuídaNormal30-401.500-2.000

Grau IITaquicardiaNormalNormal15-30750-1.500

Grau INormalNormalNormalAté 15Até 750

FC* (bpm)PA* (mmHg)Perfusão órgãoPerda sanguínea (%)Perda sanguínea (mL)

Grau IVTaquicardiaDiminuídaDeprimido> 40> 2.000

O terceiro passo da avaliação de um paciente em choque consiste na reposição volêmica, a fim de restabelecer os mecanismos fisiológicos para um nível próxi-mo da normalidade.

Para não esquecer nenhum detalhe a respeito da reposição volêmica, devemos responder às seguintes perguntas: onde, como, quem e quanto.

8. Reposição volêmica

Deve-se pensar na característica do local anatômico para realizar a reposição volê-mica. Deve ser algum lugar fácil e que ori-gine um fluxo adequado de forma rápida.

Portanto, a primeira escolha é o acesso venoso periférico, já que há mais faci-lidade de obter a cateterização das veias periféricas. Outra característica é como deve ser o acesso. Devemos nos basear na física, que diz que quanto maior o calibre (diâmetro ou raio), maior o fluxo, ou seja, quanto mais calibroso, maior o fluxo.

Dessa forma, devemos dar preferência ao uso de dispositivo para acesso venoso periférico de número 14 ou 16, que pode gerar um fluxo de 250 a 325 mL por minuto, ou seja, é possível passar 1 litro de solução em cerca de 3 a 5 minutos.

8.1. Onde?

1 min3-5 min

250-325 mL1 L

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Deve ser realizada dois dedos abaixo da proeminência óssea localizada abaixo do joelho (tuberosidade da tíbia). Deve ser feita uma pressão a 90 graus para introdução da agulha dentro do osso.

Outra característica é o comprimento do acesso. Das leis da física, temos que quanto maior o comprimento, maior a resistência, o que diminui o fluxo. Portan-to, o acesso venoso periférico deve ser curto.

Concluímos, então, que o acesso deve ser periférico, curto e calibroso.

Na indisponibilidade do acesso venoso periférico ou na dificuldade persistente em obtê-lo, é necessário escolher outro local para administrar fluidos. Nesses casos, indica-se a dissecção de venosa profunda (flebotomia) ou a via intraóssea.

A flebotomia (dissecção venosa profunda) é um procedimento cirúrgico que deve ser feito por médico capacitado. Consiste na dissecção cirúrgica do braço ou da perna do paciente, após limpeza adequada e anestesia local, com catete-rização direta de uma veia profunda.

Assim que o acesso venoso for instituído, independente de qual via, deve-se realizar a coleta dos exames laboratoriais necessários.

A punção intraóssea é um acesso alternativo que permite a infusão de todos os tipos de fluidos dentro do osso, com ótima absorção pela corrente sanguínea. Pode ser feito por médicos e enfermeiros capacitados.

Inicialmente, a punção intraóssea era usada somente em crianças pela facili-dade de transpor o osso, porém, com o desenvolvimento de dispositivos, seu uso se tornou possível também em adultos.

O local mais usado é a tíbia, que tem uma localização mais superficial e de fácil palpação.

Outros locais que podem ser usados: es-terno, úmero e bacia.

Punção intraóssea tibial

Dispositivos para punção intraóssea

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Por que solução aquecida a 39ºC?

8.2. Como?Ao se pensar em como deve ser feita a re-posição volêmica, logo vem à mente que devemos ser rápidos, pois o paciente está sangrando. Portanto, a reposição deve ser feita com solução em equipo aberto, para ser infundida rapidamente.

Outro aspecto relevante é a temperatura, que deve ser de 39ºC.

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Para responder a essa pergunta, de-vemos pensar em qual solução seria escolhida para repor o que foi perdido.

Em baixos graus de choque, ou seja, graus I e II, devemos fazer reposição somente com solução cristaloide (solu-ções contendo água e eletrólitos e/ou açúcares).

Entre as soluções cristaloides, a mais fisiológica é o Ringer lactato, que deve ser a solução de escolha. O soro fisio-lógico a 0,9% é uma alternativa.

8.3. Quem?

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Nos graus mais elevados de sangramento, ou seja, graus III e IV, devemos repor com soluções cristaloides e hemoderivados.Hemoderivados e tipagem sanguínea

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Em seguida, devemos avaliar o quanto devemos repor com a solução esco-lhida.

Anteriormente, indicava-se a reposição de cristaloides na proporção de 3:1, ou seja, três vezes o perdido, visto que 1/3 do que é ofertado é mantido no intra-vascular, enquanto os 2/3 restantes são perdidos para o extravascular. Porém, com o passar do tempo, foi constatado que quanto maior o volume, maior a hemodiluição, ou seja, ficarão hemodiluídas tanto as hemácias, o que agravará a hipóxia, como os fatores de coagulação, o que levará à continuação do san-gramento.

Com base nesse contexto, a reposição volêmica de cristaloide deve ser me-tade do que era infundido anteriormente, ou seja, uma proporção de 1,5 vez do volume perdido estimado.

Portanto, indica-se um litro de cristaloide para o choque de grau I e dois litros de cristaloide para o choque de grau II. Não se deve aumentar a quantidade de cristaloide nos choques de grau III e IV, para evitar a hemodilui-ção.

Para os graus mais elevados de choque (III e IV), há indicação de reposição de hemoderivados. Como o sangramento gera perda de todos os componentes do sangue, como hemácias, plasma com os fatores de coagulação e plaquetas, repõe-se todos os graus na proporção de 1:1:1.

Logo:

Resumindo:

8.4. Quanto?

Paciente estável em situação eletivaPaciente instável com a presença de banco de sangueAusência de banco de sangue, impossibilidade de tipagem rápida

Graus III e IVSolução cristaloide + Hemoderivados

Sangue tipado com provas cruzadasSangue tipo específico (sem provas cruzadas)Sangue não tipado (universal, O negativo)

Graus I e II

Solução cristaloideReposição volêmica

1:1 litro de cristaloide

1:1 unidade de

concentrado de hemácias

1:1 unidade de plasma fresco

congelado

1:1 unidade de pool

de plaquetas

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Os hemoderivados devem ser passados o mais rápido possível, sem esperar por tipagem e provas cruzadas. Quando há presença de banco de sangue no local, há possibilidade de passar hemoderi-vados de tipo específico (ABO e Rh) na mesma velocidade que se passa o san-gue O negativo.

Entre os pacientes que necessitam de transfusão, há um grupo de pacientes mais graves que não é composto obri-gatoriamente por aqueles que estão em choque de grau IV, mas por aqueles com maior chance de morrer em decor-rência do sangramento.

Com base em estudos científicos, de-terminou-se quem é esse grupo de pa-cientes mais graves. Para eles, deve ser acionada uma forma mais agressiva de transfusão, denominada protoco-lo de transfusão maciça (PTM).

Diversos trabalhos são desenvolvidos nessa área, mas atualmente é usado um escore de fácil obtenção, denominado Assessment of Blood Consumption (ABC) score. É considerado positivo quando há presença de dois ou mais cri-térios.

A transfusão será mais agressiva: será dobrada a quantidade de hemoderiva-dos (concentrado de hemácias, plasma fresco congelado e plaquetas), associada a uma medicação antifibrinolítica, ou seja, que faça com que o coágulo produzi-do para cessar o sangramento não seja desfeito.

O antifibrinolítico usado é o ácido tranexâmico. Deve ser usado na dose de 1 g em até 3 horas do trauma e deve ser mantido por 24 horas.

O PTM não deve ser acionado para todos os pacientes em grau III ou IV.

Protocolo de transfusão maciça

Quem são esses pacientes?

Mas o que muda no PTM?

ABC score + dois ou mais critérios

≥ 120 bpm< 90 mmHgPositivoPenetrante

FCPASFASTMecanismo do trauma

ABC score

(*) FC, frequência cardíaca; PAS, pressão arterial sistólica; FAST, Focused Assessment with So-nography for Trauma

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O quarto passo com relação ao choque deve ser determinar a localização do sangramento e promover a sua cessação. Nos casos de hemorragia externa, deve ser feita compressão manual direta sobre o ferimento.

Nos ferimentos das extremidades em que o sangramento não cessou com a compressão manual, pode-se usar torniquetes como última alternativa. Nos casos de hemorragia interna, há necessidade de investigação adicional, que pode ser realizada no tórax, ab-dome, bacia, extremidades (ossos lon-gos) e retroperitônio.A principal localização de sangramen-to interno é o abdome, cuja avaliação é iniciada com exame físico. A inspe-ção, com a presença de hematomas ou marcas do cinto de segurança, aumen-ta a chance de lesões dos órgãos e es-

truturas intra-abdominais. À palpação, a dor ou a presença de peritonite indica o abdome como a causa do choque.

Algumas medidas investigativas podem ser realizadas na sala de emergên-cia, como o uso do ultrassom conheci-do como Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST). O FAST avalia a quantidade de líquido li-vre (sangramento) dentro da cavidade peritoneal. Na sua indisponibilidade, pode-se optar pelo lavado peritoneal diagnóstico (LPD), que deve ser rea-lizado na unidade de referência em trauma.

9. Locais de sangramento

FÍGADO

RIM

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Na investigação de outras fontes de sangramento interno, além do abdome, te-mos tórax, bacia, extremidades e retroperitônio.

A investigação do tórax consiste na reavaliação do exame físico. O hemotórax maciço pode estar presente na avaliação do item “B”. Na ausência de hemotórax, o sangramento ainda pode ser proveniente do tórax, pelas estruturas medias-tinais. A radiografia de tórax (realizada no leito) pode ser um bom método de triagem para esse sangramento, com observação de sinais de alargamento do mediastino, etc.

FAST e condição hemodinâmica do paciente

Radiografia de tórax mostrando sinais de lesões de aorta, com evidente alargamen-to do mediastino. Fonte: Centro de Simulação da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - Acervo pessoal 2017

Tomografia computadorizada

SimSim NãoNão

Cirurgia*

PositivoNegativo

Estávelhemodinamicamente

Buscar outras fontes de

sangramento

*Atentar para transferir o paciente o mais rápido possível quando não houver o recurso.

Observação ou TC(depende do mecanismo

do trauma)

Estávelhemodinamicamente

FASTFocused Assessment with Sonography for Trauma

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A bacia tem a capacidade de conter cerca de 3.000 mL de sangue até toda a volemia do paciente. Para a avaliação da bacia, basta palpar o púbis e pressionar os trocânteres cuidadosamente nos sentidos ante-roposterior e medial, com atenção a sinais de abertura e/ou crepitação. Se houver um desses dois achados, considera-se caso de bacia instável e se deve adotar medida imediata de fechamento do anel pélvico atra-vés de imobilização com lençol.

Se houver disponibilidade, pode ser realizada uma radiografia simples de pelve no leito, mas a espera por esse procedimento de imagem não deverá retardar a avaliação e reanimação inicial.

Os ossos longos, caso apresentem fratu-ras, podem conter uma grande quantidade de sangue. Devem ser alinhados por pro-fissional experiente e fixados com talas. Por exemplo, na fratura de fêmur, pode ocorrer sangramento de até 1.500 mL.

Quando descartadas outras causas de san-gramento, como abdome (FAST negativo), bacia (estável à palpação), tórax (auscul-ta normal e radiografia no leito sem alar-gamento do mediastino) e extremidades (sem deformidades), resta somente o re-troperitônio.

ATENÇÃO: Alguns pacientes podem não apre-sentar sinais clássicos de choque, como crianças e atletas que possuem maior reserva fisiológica e usuários de medicações inibidoras do sistema cardiovascular.

10.Choque não hemorrágicoComo o choque é definido como hipoperfusão tecidual e sua principal causa no trauma é a presença de hipovolemia secundária ao sangramento, outras situa-ções também podem gerar hipoperfusão tecidual.

O choque neurogênico decorre de um quadro de transecção medular completa em um traumatismo raquimedular.

10.1.Choque neurogênico

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Há perda do tônus simpático de todo o organismo, que gera uma vasoplegia, ou seja, os vasos não apresentam uma contratilidade normal (que faz com que o sangue não seja propulsionado de volta ao coração). Isso resulta em um repre-samento do sangue na periferia.

Como consequência, o paciente apresentará hipotensão, porém sem taquicar-dia, com possibilidade até de bradicardia.

Outros achados no exame físico que auxiliam nesse diagnóstico são presença de alteração sensitivo-motora abaixo da lesão medular, perda de tônus do esfíncter anal e, nos homens, presença de ereção involuntária.

Importante: Lesões intracranianas isoladas não geram choque.

O tamponamento cardíaco decorre principalmente de trauma penetrante. Seu diagnóstico é clínico, envolvendo hipotensão, turgência jugular e presença de ausculta cardíaca diminuída com abafamento de bulhas. Esses três fatores são denominados tríade de Beck, presente em somente 30% dos tamponamentos cardíacos.

Seu diagnóstico pode ser auxiliado pelo FAST, com positividade na janela peri-cárdica. O tratamento é o esvaziamento cirúrgico.

O choque séptico decorre de quadro infeccioso que libera mediadores inflamatórios, gerando hipoperfusão tecidual por quadro hiperdinâmico.

Dificilmente um paciente apresentará esse tipo de choque ao ser admitido após um trauma, mesmo com lesões que podem gerar disseminação de bactérias para a corrente sanguínea, como uma perfuração intestinal.

O quadro séptico não é agudo. Para ser decorrente de trauma, o paciente prova-velmente foi admitido tardiamente.

Nos quadros cardiogênicos por trauma, a hipoperfusão decorre da não adequada distribuição volêmica. O volume do indivíduo encontra-se normal (não houve perda), mas está distribuído de forma inadequada ou impedido de circular.

Um exemplo é uma situação de pneumo-tórax hipertensivo, em que há desvio do mediastino com consequente impedimento do retorno venoso. Ou mesmo o tampo-namento cardíaco, em que há presença de sangue no espaço pericárdico impedin-do o batimento cardíaco adequado.

10.2.

10.3.

Choque séptico

Choque cardiogênico

Saudável Tamponamento cardíaco

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A realização da punção com agulha, ou seja, uma pericardiocentese denominada punção de Marfan, tem sido indicada atualmente, com auxílio de um método de imagem, como o ultrassom. Não é indicada “às cegas” por sua grande dificul-dade técnica e seus altos índices de complicação com perfuração cardíaca ou coronariana, mas costumava ser empregado rotineiramente como indicação do Advanced Trauma Life Support (ATLS®).

Anotações:

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SínteseVimos que com uma correta avaliação dos sinais vitais e monitorização do pa-ciente, é possível avaliar a circulação, determinar o grau de choque e promo-ver medidas reanimadoras com uma adequada reposição volêmica e medidas para cessar o possível sangramento.

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