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ComCiência n.162 Campinas Out 2014 Vacinas e a educação em ciências Paulo Cunha, Verônica Coelho, Sandra Moraes, Silvia Sampaio e Daniel Manzoni Artigo Vacinas estão na vida de todos. Crianças, jovens, adultos e idosos, todos vivem a experiência de ser vacinados contra diferentes agentes infecciosos. E, de modo geral, a população brasileira aceita que as vacinas façam parte de suas vidas e acredita que elas trazem benefícios. Entre esses benefícios, as pessoas destacam que as vacinas as protegem contra infecções. Porém, o que mais as pessoas sabem sobre as vacinas? Será que elas sabem como as vacinas funcionam em nosso organismo? E será que sabem sobre como foi construído o conhecimento científico que culminou na invenção da vacina? De que forma o tema vacinas pode ser útil para a educação em ciência? Vacinas e o ensino de ciências O Projeto Imunologia nas Escolas é uma iniciativa educacional ligada ao Instituto de Investigação em Imunologia Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (iii-INCT), que, desde 2010, tem trabalhado com estudantes do ensino médio de escolas públicas, discutindo o tema de vacinas e outros temas de imunologia, com enfoque especial sobre a lógica do pensamento científico e a forma como se deu a construção do conhecimento em relação aos diferentes assuntos. O objetivo central do projeto é despertar a curiosidade e o interesse nos estudantes pelos fenômenos naturais e pela ciência e, em particular, pelo sistema imune e sua relação com a saúde. Consideramos que o tema vacinas pode ser muito estimulante para o ensino de ciências e abre espaço para a discussão de diversos temas dentro de uma perspectiva multidisciplinar e inserida na vida dos alunos. Essa visão está em consonância com as transformações atuais observadas no ensino de ciências, as quais visam valorizar a dimensão formativa dos estudantes, fomentando, sobretudo, um ensino de ciências mais contextualizado e relacionado às questões sociais, históricas, filosóficas, políticas, econômicas e éticas. Em uma sociedade na qual os conhecimentos científicos e seus desdobramentos tecnológicos interferem em todas as dimensões da vida das pessoas, é indispensável que todos, e não apenas cientistas, sejam educados para ser críticos em relação ao conhecimento científico, desenvolvendo a habilidade de analisar o tipo de conhecimento construído pela ciência e, também, o modo de produção desse conhecimento. Portanto, torna-se necessário e prioritário o desenvolvimento de ações que visem à educação em ciência de jovens e crianças, de forma que cresçam com proximidade com o mundo da ciência, apropriando-se também desse olhar para o mundo. A escola é um local privilegiado para começar a construir este caminho.

Vacinas e o Ensino de Ciências

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Artigo cientifico sobre vacinas

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  • ComCincia n.162 Campinas Out 2014

    Vacinas e a educao em cincias

    Paulo Cunha, Vernica Coelho, Sandra Moraes, Silvia Sampaio e Daniel Manzoni

    Artigo

    Vacinas esto na vida de todos. Crianas, jovens, adultos e idosos, todos vivem a experincia

    de ser vacinados contra diferentes agentes infecciosos. E, de modo geral, a populao

    brasileira aceita que as vacinas faam parte de suas vidas e acredita que elas trazem benefcios.

    Entre esses benefcios, as pessoas destacam que as vacinas as protegem contra infeces.

    Porm, o que mais as pessoas sabem sobre as vacinas? Ser que elas sabem como as vacinas

    funcionam em nosso organismo? E ser que sabem sobre como foi construdo o conhecimento

    cientfico que culminou na inveno da vacina? De que forma o tema vacinas pode ser til

    para a educao em cincia?

    Vacinas e o ensino de cincias

    O Projeto Imunologia nas Escolas uma iniciativa educacional ligada ao Instituto de

    Investigao em Imunologia Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia (iii-INCT), que, desde 2010, tem trabalhado com estudantes do ensino mdio de escolas pblicas, discutindo

    o tema de vacinas e outros temas de imunologia, com enfoque especial sobre a lgica do

    pensamento cientfico e a forma como se deu a construo do conhecimento em relao aos

    diferentes assuntos. O objetivo central do projeto despertar a curiosidade e o interesse nos

    estudantes pelos fenmenos naturais e pela cincia e, em particular, pelo sistema imune e sua

    relao com a sade.

    Consideramos que o tema vacinas pode ser muito estimulante para o ensino de cincias e abre

    espao para a discusso de diversos temas dentro de uma perspectiva multidisciplinar e

    inserida na vida dos alunos. Essa viso est em consonncia com as transformaes atuais

    observadas no ensino de cincias, as quais visam valorizar a dimenso formativa dos

    estudantes, fomentando, sobretudo, um ensino de cincias mais contextualizado e relacionado

    s questes sociais, histricas, filosficas, polticas, econmicas e ticas.

    Em uma sociedade na qual os conhecimentos cientficos e seus desdobramentos tecnolgicos

    interferem em todas as dimenses da vida das pessoas, indispensvel que todos, e no apenas

    cientistas, sejam educados para ser crticos em relao ao conhecimento cientfico,

    desenvolvendo a habilidade de analisar o tipo de conhecimento construdo pela cincia e,

    tambm, o modo de produo desse conhecimento. Portanto, torna-se necessrio e prioritrio

    o desenvolvimento de aes que visem educao em cincia de jovens e crianas, de forma

    que cresam com proximidade com o mundo da cincia, apropriando-se tambm desse olhar

    para o mundo. A escola um local privilegiado para comear a construir este caminho.

    VanessaRealce

  • O tema vacinas propcio educao em cincia porque permite estabelecer relaes com

    diferentes campos da cincia, da tecnologia, da tica, da histria e da sade.

    Educao em cincia

    A educao em cincia, no mbito escolar, tem entre seus objetivos proporcionar o domnio

    de conhecimentos cientficos pelos estudantes, para que possam entender e participar dos

    debates contemporneos, responder s indagaes formuladas pela humanidade visando

    compreender a natureza, a evoluo do universo e da vida, e como funcionam os mundos

    macro e microscpico. A educao em cincia dever contribuir para que o jovem se aproprie

    de novos meios para enfrentar problemas do cotidiano, visando manuteno de sua prpria

    existncia, fortalecendo-se para se inserir na vida como sujeito, com competncias

    desenvolvidas que permitam transformar a realidade.

    A educao em cincia visa formao de estudantes com a capacidade de empregar o

    conhecimento cientfico para identificar questes, construir novos conhecimentos, explicar

    fenmenos cientficos e tirar concluses baseadas em dados cientficos. O conceito de

    educao em cincia envolve a compreenso das caractersticas que diferenciam a cincia

    como uma forma de conhecimento e investigao, a conscincia de como a cincia e a

    tecnologia moldam nosso meio material, cultural e intelectual. Desperta e estimula o interesse

    em participar de discusses envolvendo questes cientficas, como cidado crtico capaz de

    compreender e tomar decises sobre o mundo e as mudanas nele ocorridas. A educao em

  • cincia refere-se tanto compreenso de conceitos cientficos como capacidade de aplicar

    esses conceitos e pensar o mundo sob a perspectiva da cincia.

    A educao em cincia deve possibilitar ao estudante compreender, alm dos conceitos

    inerentes rea do conhecimento, os meios pelos quais este conhecimento produzido e seus

    impactos na sociedade.

    Um pressuposto importante relacionado a essa concepo de ensino de cincias diz respeito

    ao desenvolvimento da capacidade investigativa de pesquisa que, nesse contexto, podemos

    considerar: aprender de forma independente e autnoma um tema ou um procedimento que

    no se conhece. Com o desenvolvimento desta competncia, espera-se que o aluno consiga

    organizar o seu trabalho a fim de que a observao seja criticamente constante e que ele possa

    recuperar informaes obtidas anteriormente. preciso incentivar o estudante a revisitar,

    constantemente, seus conhecimentos e concepes. Ele deve ser capaz de tirar concluses do

    seu trabalho, saber argumentar em favor delas e discutir os argumentos contrrios.

    Dessa forma, espera-se que os alunos compreendam a cincia como um processo em contnua

    construo e suas concluses como verdades provisrias.

    Agora eu aprecio o quanto eu aprendi errando. Posso mudar minhas concepes quando me

    defronto com um argumento racional, sem que essa mudana parea puramente semntica

    ou que eu espere que passe desapercebida. Ser que o mesmo ocorre com um religioso, um

    general, um burocrata, advogado, mdico ou poltico, que nunca esto permitidos a errar?

    No de estranhar que aprendem to lentamente.

  • Estou agradecido de estar em uma profisso na qual o fato de equivocar-se equivalente a

    um aumento no conhecimento.

    Melvin Cohn. Annual Review of Immunology 12, 2 (1994)

    Vacinas na educao em cincia: estratgias didticas

    As velhas estratgias de ensino do quadro e giz, atreladas ao velho paradigma pedaggico

    objetivista, baseado na lgica da doao do saber, que privilegia a audio em detrimento da fala, so insuficientes em assegurar que os estudantes realmente aprendam os conceitos

    cientficos na educao das cincias. Tambm, diferentes pesquisas na rea educacional

    indicam que a simples utilizao de estratgias baseadas nos mais novos paradigmas

    pedaggicos, fundamentados no experimento e na observao, so falhos quando no

    contextualizados, concatenados com a vida escolar e com o universo dos estudantes.

    Isso porque as pessoas constroem diferentes caminhos para compreender as coisas, de maneira

    distinta, em diferentes termos e ritmos. E mesmo situaes prticas de experimentao e

    observao so fortemente influenciadas pelas vivncias individuais. Dessa forma, devemos

    considerar que uma aprendizagem significativa em cincias requer diferentes situaes

    didticas nas quais os alunos possam aprender em diferentes contextos, valorizando suas

    histrias e seus conhecimentos previamente construdos.

    Considerando esse ponto de vista, o Projeto Imunologia nas Escolas desenvolve uma proposta

    metodolgica pluralista, pois parte do pressuposto de que todo processo de ensino-

    aprendizagem altamente complexo, mutvel no tempo, envolve mltiplos saberes e est

    longe de ser trivial.

    As atividades desenvolvidas nas escolas so organizadas por estudantes de ps-graduao,

    ps-doutorandos e pesquisadores de diferentes laboratrios de pesquisa na rea de

    imunologia, com o auxlio de pesquisadores da rea de educao. As atividades so discutidas

    coletivamente e as estratgias didticas so pensadas em relao ao tema proposto, o pblico

    alvo, o retorno das avaliaes feitas nos encontros prvios e considerando as expectativas da

    escola e dos professores. Dessa forma, conciliamos o rigor conceitual necessrio com um

    contexto de aprendizagem otimizado. Consideramos essa aproximao entre a academia e a

    escola e o enfoque no processo da construo do conhecimento cientfico pontos dos mais

    importantes do projeto. Para o tema vacinas, alm de discutir questes biolgicas especficas,

    epidemiolgicas, questes histricas e ticas, percorremos as etapas da construo do

    conhecimento cientfico na inveno da vacina, partindo do problema, passando pela

    observao, a hiptese, a experimentao, o resultado e o novo conhecimento construdo. De

    forma semelhante, abordamos outros temas como Aids, cncer, alergias, infeces entre

    outros.

  • A organizao do material didtico produzido para o projeto prioriza a lgica da construo

    do conhecimento cientfico. Neste caso, cada tema abordado explorado a partir do contexto

    scio-histrico que possibilitou seu desenvolvimento. Da mesma forma, so enfatizadas as

    etapas de construo deste conhecimento. Desta forma, procuramos apresentar os

    conhecimentos cientficos como produtos construdos e gerando verdades provisrias que

    podem ser novamente questionadas.

    Para os alunos da educao bsica, o projeto gera a oportunidade de contato com profissionais

    de diferentes formaes (mdicos, bilogos, farmacuticos, bioqumicos, entre outros),

    profissionais que esto na fronteira da produo de conhecimento cientfico. Para os

    estudantes da ps-graduao e jovens cientistas, o projeto se mostra igualmente importante,

    desafiando-os a se experimentar no universo da educao bsica com suas questes e desafios.

  • Entre as atividades desenvolvidas esto os pequenos grupos de discusso, nos quais uma

    professora do Projeto discute com um pequeno grupo de alunos conceitos e questes

    relacionadas com o tema central da atividade. Nesta foto, o tema vacinas, na Escola Estadual

    Alves Cruz, So Paulo. Este um momento importante no qual procuramos dar voz aos

    estudantes. Desde 2010 o Projeto j trabalhou com cerca de 450 estudantes do Ensino Mdio.

    Foto: Vernica Coelho

    Educao em cincia para a cidadania

    Pensamos que a educao em cincia componente essencial da formao bsica do cidado,

    pois pode ajudar os estudantes a desenvolver o pensar de maneira lgica sobre os fatos do

    cotidiano e a resolver problemas prticos. Tais habilidades intelectuais so valiosas para

    qualquer tipo de atividade que venham a desenvolver em qualquer lugar em que vivam. A

    cincia e a tecnologia podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas, dado que o

    mundo caminha cada vez mais num sentido cientfico e tecnolgico. Como construo mental,

    as cincias podem promover o desenvolvimento intelectual dos jovens e contribuir para o seu

    crescimento mais criativo em outras reas do conhecimento e na vida.

  • Depoimentos de alunos que participaram do Projeto.

    Paulo Cunha, Vernica Coelho, Sandra Moraes, Silvia Sampaio e Daniel Manzoni so

    pesquisadores do Instituto de Investigao em Imunologia - Instituto Nacional de Cincia e

    Tecnologia (iii-INCT) e coordenadores do projeto. O coordenador geral Jorge Kalil.