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PRÉ-MODERNISMO (1902 – 1922) A voz da História Lima Barreto - Mulato, Pobre, Mas Livre (G.R.E.S. Unidos da Tijuca – RJ) Vamos recordar Lima Barreto Mulato pobre, jornalista e escritor Figura destacada do romance social Que hoje laureamos neste carnaval O mestiço que nasceu nesta cidade Traz tanta saudade em nossos corações Seus pensamentos, seus livros Suas ideias liberais Impressionante brado de amor pelos humildes Lutou contra a pobreza e a discriminação Admirável criador, ô ôôô De personagens imortais Mesmo sendo excelente escritor Inocente, Barreto não sabia Que o talento banhado pela cor Não pisava o chão da Academia Vencido pela dor de uma tragédia Que cobria de tristeza a sua vida Entregou-se à bebida Aumentando o seu sofrer Sem amor, sem carinho Esquecido morreu na solidão (bis) Lima Barreto Este seu povo quer falar só de você (bis) A sua vida, sua obra é o nosso enredo E agora canta em louvor e gratidão (Samba Enredo 1982) Existem outros dois importantes escritores que produziram suas obras a partir de uma análise crítica da realidade brasileira no início do século XX, lutando por uma efetiva transformação no país, algo que não ocorreu substancialmente até os presentes dias, como vamos notar a seguir. Suas obras, apesar da distância temporal que as separa da atualidade, ainda mantém a crítica, visto que o Brasil traz certos vícios de origem que são imensamente difíceis de serem curados: a corrupção, a hipocrisia, a falta de um pensamento desenvolvimentista, o imediatismo, a falta de estrutura social, o racismo... entre outros problemas.

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PRÉ-MODERNISMO (1902 – 1922)

A voz da HistóriaLima Barreto - Mulato, Pobre, Mas Livre (G.R.E.S. Unidos da Tijuca – RJ)

Vamos recordar Lima BarretoMulato pobre, jornalista e escritorFigura destacada do romance socialQue hoje laureamos neste carnavalO mestiço que nasceu nesta cidadeTraz tanta saudade em nossos coraçõesSeus pensamentos, seus livrosSuas ideias liberaisImpressionante brado de amor pelos humildesLutou contra a pobreza e a discriminaçãoAdmirável criador, ô ôôôDe personagens imortaisMesmo sendo excelente escritorInocente, Barreto não sabiaQue o talento banhado pela corNão pisava o chão da AcademiaVencido pela dor de uma tragédiaQue cobria de tristeza a sua vidaEntregou-se à bebidaAumentando o seu sofrer

Sem amor, sem carinhoEsquecido morreu na solidão (bis)

Lima BarretoEste seu povo quer falar só de você (bis)A sua vida, sua obra é o nosso enredoE agora canta em louvor e gratidão(Samba Enredo 1982)

Existem outros dois importantes escritores que produziram suas obras a partir de uma análise crítica da realidade brasileira no início do século XX, lutando por uma efetiva transformação no país, algo que não ocorreu substancialmente até os presentes dias, como vamos notar a seguir. Suas obras, apesar da distância temporal que as separa da atualidade, ainda mantém a crítica, visto que o Brasil traz certos vícios de origem que são imensamente difíceis de serem curados: a corrupção, a hipocrisia, a falta de um pensamento desenvolvimentista, o imediatismo, a falta de estrutura social, o racismo... entre outros problemas. Estes escritores são Lima Barreto, mulato que tanto sofreu com o preconceito intrínseco na sociedade e Monteiro Lobato, um autor que buscou revolucionar o país a partir da literatura infantil (é dele a frase: “Um país se faz com homens e livros”).

Lima Barreto Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro. Seu pais era tipógrafo na Imprensa Nacional e a mãe era professora primária, de modo que o mulato, cursou as primeiras letras em Niterói e depois transferiu-se para o Colégio Pedro II. Em 1897 ingressou no curso de Engenharia da Escola Politécnica, abandonando-o em 1902 para assumir a chefia e o sustento da família, devido ao enlouquecimento do pai (alcoólatra), e empregou-se como amanuense na Secretaria da Guerra.

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Apesar do emprego público e das várias colaborações no jornais da época lhe darem uma certa estabilidade financeira, Lima Barreto começou a entregar-se ao álcool e a ter profundas crises de depressão. Além de sofrer com o preconceito racial. No ano de 1909 fez sua estreia como escritor com o lançamento da obra “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”. Nessa época, dedicou-se à leitura dos grandes nomes da literatura mundial, dos escritores realistas europeus de seu tempo, tendo sido dos poucos escritores brasileiros a tomar conhecimento e a ler os romancistas russos. Em 1911 escreveu o romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”, publicado em folhetins no Jornal do Comércio. Apesar do aparente sucesso literário, Lima Barreto não consegue se afastar da bebida e é internado por duas vezes entre os anos de 1914 e 1919. Em 1917 publicou um manifesto socialista, que exaltava a Revolução Russa. No ano seguinte, doente e muito fraco, foi aposentado do serviço público e em 1º de novembro de 1922 veio a falecer, vítima de um colapso cardíaco.

Características Disse sobre ele o biógrafo e escritor João Antônio (autor de “Leão de Chácara”): “Tudo de Lima é atual, de uma atualidade alarmante. Diante de seus livros, um patrimônio nacional – quatro romances do maior peso, “Isaías Caminha”, “Policarpo Quaresma”, “Numa e a ninfa” e “Clara dos Anjos” e alguns contos fundamentais para quem se meta a conhecer Literatura Brasileira –, nos embasbacamos. (...) De Afonso Henriques de Lima Barreto está tudo aí, vivo, pulando, nas ruas, se mexendo, incrivelmente sem solução. Da mesma forma descarnada, crua, tupiniquim com que este mulato pobre e bêbado flagrou esta vida carioca, brasileira, sul-americana”.

Sua obra é uma autêntica “crônica de costumes” dos subúrbios cariocas e de sua população, retratando, de um lado, a população pobre e oprimida desse subúrbio e, de outro, o mundo vazio e fútil de uma burguesia medíocre; de políticos poderosos e incompetentes, de uma República nepotista e de militares opressores. Parece refletir, muitas vezes, a própria experiência do autor, principalmente a dos negros e mestiços, que sofriam o preconceito racial. No “quixotesco” Triste Fim de Policarpo Quaresma, critica o nacionalismo exagerado e utópico, tomado como bandeira isolada, tornando-se absurdo e patético. Além disso, aponta para o excessivo militarismo em nossa política republicana, que levou o país à ditadura de Floriano, dando origem a um governo despótico manipulado e perigoso.

      BOX: Segundo Moisés Gicovate, eis as principais características da obra de Lima Barreto:

Não copiou nem imitou. Os personagens de Lima Barreto são arrancados de sua própria vida; escrevia por necessidade, era uma forma de libertar-se, de analisar-se a si próprio.

Os escritos são, em grande parte, autobiográficos; encerram muitos fatos verdadeiros, com a interpretação de Lima Barreto. A espontaneidade e a marca de seu estilo: fazia da pena o instrumento do coração. Lançou mão da sátira, da ironia e do humor. Certo, tudo isso é um meio de defesa, ou, segundo Freud, é mesmo o principal meio de defesa. De qualquer

forma, a caricatura e a mordacidade faziam ressaltar a brutalidade e o ridículo de certas situações e, na medida em que se fundamentavam na realidade, eram objetivamente válidas.

A obra de Lima Barreto aborda quase tudo, no seu tempo: forma de governo, organização econômica, preconceitos de raça, a burocracia, os tráficos de influência; os grupinhos, as sociedades de elogio mútuo - sem as quais o literato era condenado à marginalização.

Estilo A linguagem utilizada por Lima Barreto aproxima-se da linguagem utilizada pela imprensa sendo, portanto, mais acessível a um público diversificado, por ser mais simples e direta, fugindo do academicismo em voga. Lima tinha a preocupação de usar um registro mais próximo do cotidiano, caraterística que o aproxima do Modernismo, além do fato de ele trabalhar com uma galeria de personagens populares o que o fazia adotar a sua fala recheada de expressões extremamente coloquiais.

ResenhasRecordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) Romance narrado em primeira pessoa, Recordações faz retrato da vida de todos os envolvidos no trabalho de publicação de um grande jornal da época. A obra características biográficas, uma vez que a personagem

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principal não só possui as características físicas de seu criador (é mulato), mas sofre os preconceitos e expressa sua ideologia, ou seja, Isaías funciona como uma espécie de alter-ego de Lima Barreto. Isaías Caminha, menino do interior do estado do Rio de Janeiro, era o melhor aluno da sua turma; brincando pouco e debruçando-se sobre os livros, já que tinha ambições de crescimento intelectual e financeiro e almejava ir para o Rio fazer-se doutor. Diante das dificuldades impostas por sua condição de mulato pobre, aconselha-se com o tio Valentim, que visita o Coronel Belmiro (chefe eleitoral local). Belmiro redige uma carta recomendando Isaías para o Doutor Castro, deputado. Cheio de esperanças, o jovem segue para o Rio com algum dinheiro e esta carta de indicação a um possível emprego público. Instala-se no Hotel Jenikalé, na Praça da República e conhece o Senhor Laje da Silva. Através dele conhece o doutor Ivã GregoróvitchRostóloff, jornalista do jornal O Globo. Ao procurar sucessivas vezes o Deputado Castro para conseguir um emprego e poder cursar Medicina, não consegue encontra-lo na Câmara, mas na casa da amante. Castro recebe-o friamente dizendo que era muito difícil arranjar empregos, mandando-o procura-lo em seu gabinete no dia seguinte. Isaías não o encontra, pois o deputado aplicou-lhe um golpe, já que estava de viagem. “Foi com grande surpresa que não senti naquele doutor Castro, quanto certa vez estive junto dele, nada que denunciasse tão poderosa faculdade. Vi-o durante uma hora olhar tudo sem interesse e só houve um movimento vivo e próprio, profundo e diferencial, na sua pessoa, quando passou por perto uma fornida rapariga de grandes ancas, ofuscante sensualidade.” Com o dinheiro acabando, recebeu uma intimação para ir à delegacia: o hotel havia sido roubado e os moradores estavam prestando depoimentos. Na delegacia deu-se um caso de racismo quando o Capitão Viveiros perguntou: “E o caso do Jenikalé? Já apareceu o tal ‘mulatinho’?”“Não tenho pejo em confessar hoje que quando me ouvi tratado assim, as lágrimas me vieram aos olhos. Eu saíra do colégio, vivera sempre num ambiente artificial de consideração, de respeito, de atenções comigo [...] Hoje, agora, depois não sei de quantos pontapés destes e outros mais brutais, sou outro, insensível e cínico, mais forte talvez; aos meus olhos, porém, muito diminuído de mim próprio, do meu primitivo ideal [...] Entretanto, isso tudo é uma questão de semântica: amanhã, dentro de um século, não terá mais significação injuriosa. Essa reflexão, porém, não me confortava naquele tempo, porque sentia na baixeza de tratamento, todo o desconhecimento das minhas qualidades, o julgamento anterior da minha personalidade que não queriam ouvir, sentir e examinar.” Interrogado, Isaías lembra do preconceito expresso nas palavras do delegado que não acreditava que ele fosse estudante (em virtude da cor) e o prende. Libertado pouco depois, Caminha decide mudar-se do hotel e passa a procurar emprego, mas na primeira negação percebe que - devido a sua cor - seria muito difícil se ajustar na vida. Fica dias perambulando pelas ruas do Rio, passando fome, vendendo o que tinha para, até avistar Rostóloff que o convida para dar um passada na redação do jornal O Globo - onde começa a trabalhar como contínuo.Isaías passa, então, a descrever as “entranhas” da imprensa carioca, assim como todas as características dos ‘grandes’ jornalistas que ali trabalhavam, desde o diretor de O Globo, Ricardo Loberant aos demais redatores e jornalistas que são explicitadas de maneira cruel e mordaz.Certa noite, um dos jornalistas, conhecido como Floc, suicida-se na redação com um tiro na cabeça. Estando a redação praticamente vazia, o redator de plantão pede que Isaías chame Loberant, o proprietário. Isaías surpreende Loberant e Aires d'Avila em uma casa pouco recomendável ao decoro que o proprietário do veículo de comunicação tanto defendia, demostrando a dualidade de comportamento dos homens públicos e a hipocrisia social (tão comuns ainda hoje). “Pego em flagrante”, Loberant passa então a olhar com mais atenção a Isaías e o promove a repórter, dividindo confidências e farras. Isaías ganha proteção e dinheiro de Ricardo Loberant. A partir daí sua vida transcorre sem maiores problemas, já que ele conseguiu aliar sua competência ao mau-caratismo de seu patrão, tornando-se um jornalista e escritor famoso.

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Lima, ao usar Isaías, não só fez do romance um veículo de crítica à classe patronal da imprensa carioca de seu tempo, mas uma crítica ao que viria a ser chamado de “o 4º poder”, em virtude da falsidade, da hipocrisia e do poder dos meios de comunicação.

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1916) Com Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto traz o tema da luta entre o idealismo nacionalista e a realidade, encarnado pelo major Quaresma, um sonhador, incompreendido por todos: uma espécie de “Dom Quixote brasileiro”. A esse respeito, comenta Alfredo Bosi: “... tem Policarpo algo de quixotesco, e o romancista soube explorar os efeitos cômicos que todo quixotismo

deve fatalmente produzir, ao lado do patético que fatalmente acompanha a boa-fé desarmada. Seus requerimentos pedindo às autoridades que introduzissem o tupi como língua oficial; sua insólita forma de receber as visitas, chorando e gesticulando como um legítimo goitacá; suas baldadas pesquisas folclóricas na tapera de uma negra velha que mal recorda cantigas de ninar: eis alguns dos recursos do autor para ferir a tecla do riso. Mas o episódio da morte de Ismênia, o contato e a desilusão de Quaresma com Floriano e a sua ‘falange sagrada’ de cadetes (descritos em páginas antológicas), as desventuradas experiências junto à terra e, sobretudo, as páginas finais de

solidão voltam a colorir com a tinta da melancolia a prosa limabarretiana”.

O romance, narrado em terceira pessoa, descreve a vida política, cultural e social do Brasil durante o período da República das Espadas (mais especificamente no governo de Floriano Peixoto), caricaturando o nacionalismo ingênuo, fanático e xenófobo do Major Policarpo Quaresma, apavorado com a descaracterizaçãoda cultura e da sociedade brasileira, modelada por valores estrangeiros. Policarpo é uma das poucas pessoas que – verdadeiramente – estuda, analisa e ama sua pátria; amor que o – paradoxalmente - levará a ser morto por defendê-la.

As três partes da obra:Primeira Parte      Contém cinco capítulos. O Major Policarpo Quaresma é caracterizado inicialmente. Depois fica-se sabendo das "reformas radicais" por que vem passando o seu espírito, no sentido de colocar em prática os seus ideais patrióticos. Tenta aprender violão e modinhas, com Ricardo Coração dos Outros; dedica-se ao folclore e toma parte na brincadeira do Tangolomango, com crianças, numa festa em casa de Gal. Albernaz. Finalmente, passa a imitar os usos e costumes dos índios, os únicos "brasileiros legítimos".       No capítulo terceiro, o autor nos transporta para uma festa em casa do general Albernaz, em comemoração ao noivado de sua filha, Ismênia, com o dentista recém-formado Cavalcanti. O leitor é apresentado a vários personagens que iremos acompanhar durante todo o romance: o contra-almirante Caldas, o Dr. Florêncio, o major Bustamante, as filhas do General: Quinota, Zizi, Lalá e Vivi e, sobretudo, Ismênia. D. Maricota, a esposa ativa do General, e a principal animadora da festa. A conversa banal, versando sempre sobre assuntos militares (as batalhas de que nunca participaram...) ou burocráticos. Lima Barreto critica o basbaque do povo miúdo diante de Cavalcanti, vendo no seu título de "doutor" algo quase sobrenatural. - Mais para o fim da festa, chega o inefável burocrata Genelício, parente de Caldas e namorado de Quinota, trazendo a notícia de que o Major Quaresma tinha sido internado num hospício. As razões desse internamento são esclarecidas no capítulo seguinte: Quaresma havia dirigido um requerimento à Câmara, solicitando ao Congresso a adoção do tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. Isto foi comentado na sociedade, na repartição, na imprensa, e Quaresma foi alvo de chacota geral. Poucos dias depois, por distração, envia um oficio em tupi ao Ministro do Exército, - o que 1he valeu uma suspensão do serviço e novos aborrecimentos. Isolado, não suportou tanta decepção, o que o levou à loucura. Durante o período de internamento, recebia as visitas de Ricardo Coração dos Outros e, sobre tudo, de Vicente Coleoni e sua filha Olga, que era afilhada de Quaresma. Os três cuidaram dos interesses do Major, conseguindo, inclusive, a sua aposentadoria.

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      Com Ismênia, as coisas não iam bem: depois do noivado, Cavalcanti sumira no mundo e nunca mais dera notícias. Humilhada, a moça começou a definhar.       Olga, por seu turno, torna-se noiva de um doutorando em Medicina, Armando Borges. O clímax da primeira parte ocorre quando o protagonista manda à Câmara um requerimento, pedindo que a língua oficial do Brasil deixasse de ser o Português (idioma emprestado e por isso incentivador de inúmeras polêmicas entre nossos gramáticos), e fosse o “Tupi”. Toda a cidade o ridiculariza e um colega de repartição – entre sarcástico e enciumado com o destaque dado a Quaresma - chega a dizer que o Majorse equivocava ao querer impor aos outros uma língua que nem ele próprio dominava. O protagonista, irritado, distraidamente escreve um ofício em tupi. Quando o documento chega aos superiores, a consequência é nefasta: o protagonista é internado no hospício. Leia abaixo um trecho do último capítulo da terceira parte: “O Bibelot”, quando Olga, filha do ex-verdureiro (e atual milionário) Coleoni vai visitar o padrinho: “Não era a primeira vez que ela vinha ali. Mais de uma dezena já subira aquela larga escada de pedra, com grupos de mármores de Lisboa de um lado e do outro, a Caridade e Nossa Senhora da Piedade; penetrara por aquele pórtico de colunas dóricas, atravessara o átrio ladrilhado, deixando à esquerda e à direita, Pinel e Esquirol, meditando sobre o angustioso mistério da loucura; subira outra escada encerada cuidadosamente e fora ter com o padrinho lá em cima, triste e absorvido no seu sonho e na sua mania. Seu pai a trazia às vezes, aos domingos, quando vinha cumprir o piedoso dever de amizade, visitando Quaresma. Há quanto tempo estava ele ali? Ela não se lembrava ao certo; uns três ou quatro meses, se tanto. Só o nome da casa metia medo. O hospício! É assim como uma sepultura em vida, um semi-enterramento, enterramento do espírito, da razão condutora, de cuja ausência os corpos raramente se ressentem.(...)Não havia nada disso; era uma calma, um silêncio, uma ordem perfeitamente naturais. No fim, porém, quando se examinavam bem, na sala das visitas, aquelas faces transtornadas, aqueles ares aparvalhados, alguns idiotas e sem expressão, outros como alheados e mergulhados em um sonho íntimo sem fim, e via-se também a excitação de uns, mais viva em face à atonia de outros, é que se sentia bem o horror da loucura, o angustioso mistério que ela encerra, feito não sei de que inexplicável fuga do espírito daquilo que se supõe o real, para se apossar e viver das aparências das coisas ou de outras aparências das mesmas. Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da nossa própria natureza, fica amedrontado, sentindo que o gérmen daquilo está depositado em nós e que por qualquer coisa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos, dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após. E essa mudança não começa, não se sente quando começa e quase nunca acaba. Com o seu padrinho, como fora? A princípio, aquele requerimento... Mas que era aquilo? Um capricho, uma fantasia, coisa sem importância, uma ideia de velho sem consequência. Depois, aquele ofício? Não tinha importância, uma simples distração, coisa que acontece a cada passo... E enfim? A loucura declarada, a torva e irônica loucura que nos tira a nossa alma e põe uma outra, que nos rebaixa... Enfim, a loucura declarada, a exaltação do eu, a mania de não sair, de se dizer perseguido, de imaginar como inimigos, os amigos, os melhores. Como fora doloroso aquilo! A primeira fase do seu delírio, aquela agitação desordenada, aquele falar sem nexo, sem acordo com que se realizava fora dele e com os atos passados, um falar que não se sabia donde vinha, donde saia, de que ponto do seu ser tomava nascimento! E o pavor do doce Quaresma? Um pavor de quem viu um cataclismo, que o fazia tremer todo, desde os pés à cabeça e enchia-o de indiferença para tudo mais que não fosse o seu próprio delírio. A casa, os livros e os seus interesses de dinheiro andavam à matroca. Para ele, nada disso valia, nada disso tinha existência e importância. Eram sombras, aparências; o real eram os inimigos, os inimigos terríveis cujos nomes o seu delírio não chegava a criar. A velha irmã, atarantada, atordoada, sem direção, sem saber que alvitre tomar. Educada em casa sempre com um homem ao lado, o pai, depois o irmão, ela não sabia lidar com o mundo, com negócios, com as autoridades e pessoas influentes. Ao mesmo tempo, na sua inexperiência e ternura de irmã, oscilava entre a crença de que aquilo fosse verdade e a suspeita de que fosse loucura pura e simples. Se não fosse seu pai (e Olga amava mais por isso o seu rude pai) que se interessava, chamando a si os interesses da família e evitando a demissão de que estava ameaçado, transformando-a em aposentadoria, que seria dele? Como é fácil na vida tudo ruir! Aquele homem pautado, regrado, honesto, com emprego seguro, tinha uma aparência inabalável; entretanto bastou um grãozinho de sandice...

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Estava há uns meses no hospício, o seu padrinho, e a irmã não o podia visitar. Era tal o seu abalo de nervos, era tal a emoção ao vê-lo ali naquela meia-prisão, decaído dele mesmo que um ataque se seguia e não podia ser evitado. Vinham ela e o pai, às vezes o pai só, algumas vezes Ricardo, e eram só os três a visitá-lo.(...)”

Segunda Parte      Enquanto toda a primeira parte se situou nos subúrbios do Rio, agora o leitor é levado para o sítio do Sossego, adquirido por Quaresma, atendendo a uma sugestão de Olga, depois que tivera alta no hospício. A intenção do Major, na verdade, era dar seqüência aos seus planos patrióticos. Chegara à conclusão de que uma agricultura forte seria o principal alicerce da pátria. Vendeu a casa de São Januário e mudou-se para o sítio, a quarenta quilômetros do Rio, no município de Curuzu, acompanhado pela irmã, Adelaide, e pelo fiel criado Anastácio. As primeiras semanas são dedicadas à exploração do local, que estava abandonado. Quaresma observa os espécimes vegetais e animais, as rochas, organiza um museu e uma biblioteca agrícola...       Cerca-se de instrumentos que, acredita, lhe seriam úteis: termômetro, barômetro, pluviômetro, higrômetro, anemômetro... Mas o simples manejo da enxada foi aprendido com muita dificuldade, apesar da paciência do "mestre" Anastácio.       Quaresma, depois de algum tempo, recebe as visitas do escrivão da coletoria, Antonino Dutra, que desejava conhecer a sua posição política, e de Ricardo Coração dos Outros. Num "flash-back", o autor mostra a vida que Ricardo levava numa "casa de cômodos", num subúrbio do Rio, e descreve a "fauna" que habitava tais casas. Ele conseguira a passagem para Curuzu graças à influência do general Albernaz, em cuja

casa esteve, convidado para cantar na festa de casamento de Quinota com Genelício.       Nesse meio tempo, Olga e Armando Borges também se casam e vão visitar Quaresma. Ricardo passou um mês no sítio e foi um triunfo na vila, onde fez muitas amizades e recebeu inúmeros convites para cantar - entre eles, do Dr. Campos, médico do local, chefe político e presidente da Câmara Municipal. Quaresma é atacado anonimamente pelo jornal "O Município" de Curuzu e, pelas indicações de Ricardo, o autor deve ter sido o tenente Antonino Dutra.       Olga se mostra impressionada com a miséria

do interior.       Certa noite, ao deitar-se, Quaresma ouviu pequenos estalidos. Na despensa, depara com milhares de formigas que carregavam as suas reservas de milho e feijão. A partir daí, travaria uma luta sem tréguas com elas - e não conseguiria vencê-las.       No entanto, o duro aprendizado agrícola começava a mostrar-1he o verdadeiro vulto dos problemas nacionais: as pragas, como as formigas; os preços vis pagos ao produtor pelos atravessadores do Rio, onde colocava a produção do "Sossego"; a miséria, a pobreza e a improdutividade das terras; as perseguições políticas do interior, como as multas que, por vingança, lhe impuseram o Dr. Campos e o Tenente por sua mania de modinhas, seus estudos de folclore e o seu interesse pelo tupi! O Brasil precisava realmente de um governo forte, para reformar em profundidade a administração e espalhar "sábias leis agrárias"... Talvez um novo Henrique IV (França), assessorado por um novo Sully.       E os acontecimentos pareciam ajustar-se as suas reflexões. Estalou, no Rio, a revolta da Esquadra contra Floriano. Não seria este "Marechal de Ferro" o homem providencial, o governante forte de que o Brasil precisava? Foi ao correio e telegrafou: "Mal. Floriano, Rio. Peço energia. Sigo já - Quaresma".       Lima Barreto o leitor leva , então, ao Rio para mostrar a movimentação e o impacto trazidos pela revolta. Muitos fazem cálculos para avaliar os benefícios que ela lhes pode trazer: Albernaz terá uma comissão extra para reforçar as combalidas finanças; Caldas espera, enfim, comandar uma frota do Governo e ganhar suas infindáveis demandas; Fontes, positivista, estava furioso com os insurretos e Bustamante já organiza um batalhão patriótico de voluntários. Genelício não perderia a chance para se promover a subdiretor da Secretaria da Fazenda e o Dr. Armando Borges enfim conseguiria ser médico do Estado.

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      Enquanto isso, no seu cubículo, Coração dos Outros, indiferente, ignorante de tudo, compunha suas modinhas e cantava os lábios da sua Carola, "onde encontrava a doce ilusão que adoça a vida..."

Na terceira parte, após a insurgência da Revolta da Armada, Quaresma manda um telegrama de apoio a Floriano Peixoto e embarca para o Rio de Janeiro, onde encontra os militares incompetentes apresentados na primeira parte ocupando postos de destaque no governo. Aos poucos, Policarpo vai percebendo os interesses que movem as pessoas (observa o tirano em que se transformou Floriano: ‘Marechal de Ferro’); e a corrupção que se instalou na República.A revolta é sufocada. Quaresma – que tinha se alistado e pago pelo posto de Major - é transferido para a Ilha das Cobras, onde ficará responsável pelos prisioneiros. Escreveu ao Presidente, protestando contra o que acabara de ver. Resultado: foi preso e encarcerado na Ilha das Cobras, em cuja masmorra reflete sobre o seu estranho destino. Era essa a recompensa que recebia da Pátria, por tê-la amado tanto, por ter-lhe ofertado toda a sua vida, renunciando a. tudo... "O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o a loucura. E a .agricultura? Nada. As terras não eram ferazes como diziam os livros... "E onde estava a doçura de nossa gente?" "Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros?" "A sua vida era um encadeamento de decepções." "A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete". "A que existia, de fato era a do tenente Antônio, do Dr. Campos, a do homem do Itamarati"       Ricardo, sabendo de sua prisão, pôs-se a campo para tentar salvá-lo. Lembrou-se dos amigos comuns e foi procurá-los, mas todos se esquivaram: Albernaz não poderia dar a impressão de ser contra o governo; Genelício não se metia com essas coisas. Bustamante ameaçou, até, prendê-lo também.       Lembrou-se de Olga. Ela foi procurar Floriano, cercado então, de bajuladores. Um secretário que a recebeu: "Quaresma? Aquele traidor? O Marechal não a atenderá". Olga lhe deu as costas, arrependida por ter vindo. "Com tal gente, era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos seus algozes que eles tinham direito de matá-lo". No final, tal qual Dom Quixote, Quaresma ‘acorda’, ‘recobra a razão’ e faz uma análise. Percebe que a pátria, por que sempre lutara, era uma ilusão, nunca existira. Num momento pungente, tocante, descobre que passara toda a sua vida numa inutilidade.“Iria morrer, quem sabe naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito bem, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela a premiava, como ela o condenava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara - todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentá-la. Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois se fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas causas de tupi, do folclore, das suas tentativas agrícolas... Restava disto tudo em sua alma uma sofisticação? Nenhuma! Nenhuma!”

Lima Barreto: Alguns Contos Nos contos de Lima Barreto também estão presentes as características de sua obra romanesca: a obsessão pela origem racial, a evocação do mistério e da surpresa, descrições dos subúrbios cariocas, as periferias urbanas, a divisão de classes, a exclusão social, os pobres e os enjeitados. Vislumbra-se, assim, os mesmos cinco eixos temáticos em torno dos quais desenvolve-se sua obra e sua obra não-ficcional: a política; a mulher; o cotidiano da cidade; o subúrbio; a vida literária — os três primeiros, assumindo escalas quase que majoritárias. Selecionamos alguns deles para que você se intere da temática:A Nova Califórnia - Personagens: Raimundo Flamel, Bastos (o boticário), Coronel Bentes, Tenente Carvalhais, Fabrício, Capitão Pelino, Cora, bêbado Belmiro e outros, secundários.Espaço: Tubiacanga (RJ). Narrado em 3ª Pessoa. Primeira parte: um homem misterioso chega a Tubiacanga, para curiosidade da cidade inteira, que acompanhava a ida diária do carteiro à casa do forasteiro para a entrega da vasta correspondência. Logo as

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atenções se voltaram exclusivamente para ele, com toda a cidade desejando conhecer o novo morador, saber o que fazia, como e de que vivia. Mas o homem praticamente não saía de casa, e não procurou estabelecer amizade com ninguém. Após Fabrício ter sido contratado para construir um forno na sala de jantar do misterioso habitante, as visões passaram a ser negativas, com toda a cidade imaginando ser ele um falsário, ou alguém pactuado com o diabo, a fazer experiências mirabolantes em sua casa pestilenta. Segunda parte: revela o motivo da estada do

forasteiro, chamado Raimundo Flamel, em Tubiacanga. Ele procura Bastos e pede para demonstrar-lhe uma experiência que havia desenvolvido, mas que ainda não poderia divulgar ao mundo científico, necessitando, por isso, que três testemunhas vissem tal feito e testemunhassem a sua autoria.Bastos chama o Coronel Bentes e o Tenente Carvalhais. Terceira parte: Flamel vai embora, mas os ossos do cemitério do sossego estavam sendo roubados, e algo assim atacava justamente dois dos pilares mais sólidos da sociedade: a crença religiosa, e o respeito aos mortos. As pessoas resolvem vigiar o cemitério para flagrar os criminosos, e após algumas falhas conseguem fazê-lo, matando um a pancadas e deixando o outro a suspirar moribundo: tratava-se do Tenente Carvalhais e do Coronel Bentes, que ainda murmurava, e disse o nome do terceiro criminoso que havia conseguido fugir.... o farmacêutico (o terceiro meliante que detinha uma fórmula capaz de transformar ossos humanos em ouro.) A multidão vai em peso à casa de Bastos, que consegue evitar o linchamento prometendo passar para o papel todos os passos e etapas da experiência e entregar a todos na manhã seguinte. A noite foi um caos, uma verdadeira barbárie no cemitério, com todos brigando por um punhado de ossos. Pais reviravam túmulos de filhos, filhos de pais, em uma maratona insana e desesperada movida pela cobiça e pela ambição desenfreadas. Enquanto as pessoas guerreavam no cemitério, o farmacêutico Bastos fugia carregando seu segredo, e o bêbedo Belmiro se extasiava, indiferente a tudo, com a cachaça que retirou do bar abandonado, ficando deitado, às margens do rio Tubiacanga, tendo a lua como testemunha de que seu alcoolismo era, sem dúvida, o mais ameno dentre todos os crimes da cidade.

O Homem que Sabia Javanês - Personagens: Castelo, Castro, Barão de Jacuecanga. Espaço: Rio de Janeiro. Narrado em 1ª pessoa. Em uma confeitaria, o narrador e ex-diplomata Castelo confessa ao amigo Castro algumas das aventuras e golpes que empreendeu para sobreviver, centrando seu relato no caso das aulas de Javanês que “ministrou”, mesmo desconhecendo o tal idioma, ao Barão de Jacuecanga. Anos antes, um anúncio no jornal, convocando um professor de Javanês interessou Castelo, que embora não soubesse o idioma, passou em uma biblioteca, consultou uma enciclopédia e coletou algumas informações sobre Java, e sobre o alfabeto lá utilizado. O barão, velho e doente, desejava aprender javanês para ler um livro que lhe fora deixado pelo pai, que o fez prometer que o leria antes de morrer, promessa esta que o pai também havia feito ao seu pai, tendo, porém, deixado de cumprir. O livro traria a quem o lesse os segredos da felicidade. O Barão faz este relato com os olhos banhados em lágrimas, mas nem assim, Castelo deixa de lado a idéia de ensinar-lhe o que não sabia, em clara despreocupação com o outro e falta de escrúpulos. Ao fim de alguns dias, o Barão desiste de aprender javanês e pede a Castelo que leia o livro para ele, pois não estaria assim deixando de cumprir a promessa feita ao pai. A partira daí o narrador inventava histórias que encantavam o velho, que lhe cobria de presentes, aumentava o salário, enfim, iludia-se cada vez mais com a capacidade de Castelo. O Barão indicou Castelo para a Diplomacia, onde foi recebido com louvor e admiração, chegando a se tornar cônsul em Havana.

Um Especialista - Personagens: Comendador, Coronel Carvalho, Alice. Espaço - Rio de Janeiro. Narrado em 3ª pessoa. Critica a “preferência sexual” e a falta de escrúpulos de um Comendador, que adorava mulatas (tinha tido muitas amantes), apesar de ser casado e de ter filhas. Anos antes, recém chegado ao Brasil, ainda como

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caixeiro-viajante no Recife, engravidou uma jovem e lhe deixou uma filha nos braços, sumindo com a pequena herança que ela havia recebido. Vindo para o Rio, conseguiu chegar à posição de Comendador que ora ostentava. No momento do conto encontra-se em uma confeitaria com outro português, o coronel Carvalho e Alice, uma bela mulata com quem estava envolvido, que descobre ser a filha que ele abandonara.

Monteiro Lobato(“Furacão na Botucúndia”)

José Bento Monteiro Lobato, nasceu José Renato em 18 de abril de 1882, em Taubaté, SP e faleceu em São Paulo, SP, em 4 de julho de 1948 de um derrame. Cresceu na fazenda de seu pai, mas formou-se em direito (sem nenhum entusiasmo, já que sempre quisera ser pintor!). Em 1907 foi para Areias como promotor público, e no ano seguinte casou-se com Maria Pureza com quem teve três filhos. Com a morte do avô, herdou a fazenda São José doBuquira, para onde se mudou com a família em 1911, abandonado o funcionalismo público. Como não conseguisse fazer com que as terras dessem bons frutos, vende a fazenda em 1917 e se mudou para São Paulo. É neste mesmo ano que escreve o polêmico artigo criticando a exposição de Anita Malfatti, o que o fez afastar-se

dos modernistas de 1ª hora. Em 1918 lançou, com sucesso, seu primeiro livro de contos Urupês. Fundou a Editora Monteiro Lobato & Cia, melhorando a qualidade gráfica vigente, lançando autores inéditos e chegando à falência. - Em 1920 lançou A Menina do Nariz Arrebitado, conseguindo sua adoção em escolas e uma edição recorde de 50.000 exemplares. - Fundou a Cia Editora Nacional no Rio de Janeiro. Convidado pra ser adido comercial em New York ficou lá por 4 anos (de 1927 a 1931) fascinado por Henry Ford, pela metalurgia e petróleo. Perdeu todo seu dinheiro no ‘crash’ da bolsa. Voltando ao Brasil, iniciou Campanha pelo Petróleo, fazendo conferências, enviando cartas, conscientizando o país inteiro da importância do óleo. Percebeu, então, o quanto era conhecido e popular. Foi preso e mudou-se para Buenos Aires. Voltou ao Brasil para morrer aos 66 anos de idade, deixando imensa obra para crianças, jovens e adultos, e o exemplo de quem passou a existência sob a marca do inconformismo.

“O Jeca” Os tipos humanos, o estilo inteiramente novo, os originais flagrantes de cenas, a força da linguagem fizeram de Monteiro Lobato um dos mais extraordinários escritores da Literatura Brasileira – principalmente no filão da literatura infantil: aí, sem exagero, o maior criador nacional. Criador de polêmicas (tanto pela literatura que criou, como pelo seu espírito altamente crítico), Lobato

estreia em 1918, com a coletânea de contos Urupês (onde aparece artigo criticando o Jeca Tatu), que cai como uma bomba na pasmaceira do ambiente literário da Paulicéia e do próprio país. Pela primeira vez o público deparava com um caboclo muito verdadeiro, tirado das margens do Paraíba, um tipo que ninguém estava muito acostumado a ver, acocorado, incapaz de ação, triste e desalentado, espiando a vida com olhares vagos, de sonâmbulos. De fato, ao apresentar o caboclo como um continente de doenças, aniquilado pela eterna endemia, o escritor apresenta uma caricatura – pois através do exagero queria chamar a atenção para uma realidade, um grito contra o falso caboclismo de chapéu-de-palha rebatido à testa e camisa aberta ao peito. Hábil (e interessante) contista, Monteiro Lobato prossegue a linha de Urupês com Cidades mortas, onde se acentua o “contador de casos” ao lado do apu-ramento da técnica que faz do conto um gênero extremamente difícil de ser

manipulado. Em busca de uma sociedade moderna: eis como poderíamos resumir as aspirações de Monteiro Lobato, através de uma literatura que se constitui, entre outras denúncias, em “críticas à busca de palavras raras, à gramatiquice caturra, à literatura-sorriso-da-sociedade que vicejou no Brasil (ou na literatura oficial brasileira) ao tempo da passagem do século XIX para o XX”. “Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas as características da espécie.

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Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada d’esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destratava a língua e a inteligência. (...) De pé ou sentado as idéias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa. (...)Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade! (...) Seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço — e nisto vai longe.

Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. (...) Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas — para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio, inútil, portanto, meter a quarta, que ainda o obrigaria a nivelar com o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam? Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo — colher, garfo e faca a um tempo? (...) Seus remotos avós não gozaram de maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso. (...) Remendo... Para quê? Se uma

casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos. (...) Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.” Mais tarde Lobato percebe que o Jeca é muito mais vítima de um país que não se preocupa com as populações pobres do que culpado por essa situação. Jeca então se torna o garoto propaganda do Biotônico Fontoura e depois se transforma em Zé Brasil.

“Um país de faz com homens e livros” Monteiro Lobato foi um incansável defensor da Literatura como formadora de um povo crítico. Fundou, assim, três companhias editoras no sentido de levar tanto às populações adultas, quanto às crianças obras que pudessem ajudar no seu desenvolvimento intelectual. Seu sucesso imediato entre as crianças ocorreu, pois Lobato utilizou-se da realidade familiar à criança da época, integrando o elemento maravilhoso na realidade. Assim é que personagens ‘reais’ (Lúcia, Pedrinho, D. Benta, Tia Nastácia, etc.) têm o mesmo valor das personagens ‘inventadas’ (Emília, Visconde de Sabugosa... e todas as personagens que povoam o universo literário do autor). A vasta produção de Lobato, na área de Literatura Infantil, engloba obras originais, adaptações e traduções. Dentre os originais estão: “A Menina do Nariz Arrebitado”; “O Saci”; “Fábulas do Marquês de Rabicó”; “Aventuras do Príncipe”; “Noivado de Narizinho”; “O Pó de Pirlimpimpim”; “Reinações de Narizinho”; “As Caçadas de Pedrinho”; “Emília no País da Gramática”; “Memórias da Emília”; “O Poço do Visconde”; “O Picapau Amarelo” e “A Chave do Tamanho”. Nas adaptações, Lobato preocupou-se com um duplo objetivo: levar às crianças o conhecimento da tradição, o conhecimento do acervo herdado e que lhes caberia transformar; e também questionar, com elas, as verdades feitas, os valores e não-valores que o tempo cristalizou e que cabe ao presente redescobrir e renovar. Nesse sentido, merecem destaque: “D. Quixote das Crianças”; “O Minotauro” e a mitologia grega na série “Os Doze Trabalhos de Hércules”.

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Na sua maior parte, a obra de Monteiro Lobato é o resultado da reunião de textos escritos para jornais ou revistas. Comprometido com as grandes causas de seu tempo, o criador do Jeca Tatu engajou-se em campanhas por saúde, defesa do meio-ambiente, reforma agrária e petróleo, entre outros temas que continuam atuais. Ele arrebatava o público com artigos instigantes, que hoje, vistos de longe, constituem um precioso retrato de época, um painel socioeconômico, político e cultural do período. Dono de estilo conciso e vigoroso, com forte dose de ironia, utilizava uma linguagem clara e objetiva, compreensível ao grande público. Lobato revelou o mundo rural, então ignorado pelos escritores de gabinete que ele tanto criticava. “A nossa literatura é fabricada nas cidades”, dizia, “por sujeitos que não penetram nos campos de medo dos carrapatos”. Livros de Contos: Urupês, Cidades Mortas, O Macaco que se fez Homem e Negrinha. Artigos e críticas: América, A onda verde, Idéias de Jeca Tatu.

Um único romance: O presidente negroOriginalmente denominado de “O choque das raças”, o único romance destinado ao ― público adulto, “O presidente negro”, escrito e divulgado no folhetim A Manhã no ano de 1926, convida os leitores a olhar para o futuro através de uma máquina chamada porviroscópio, além de fazer o leitor refletir sobre as transformações sociais, políticas, tecnológicas, econômicas e comportamentais observadas no futuro: O narrador-personagem da trama é Ayrton Lobo, funcionário humilde de uma empresa denominada Sá, Pato & Cia., que, num certo dia, decide comprar um carro (especificamente um Ford), e sente-se superior ao ponto de sair pelas ruas da cidade para saborear os prazeres de não ser mais um pedestre. Sem se dar conta, afasta-se da cidade e vai parar num lugar ermo, tranquilo e se depara com um castelo. Envolvido pela beleza do lugar, distrai-se e cai num despenhadeiro. Depois de sofrer um acidente, Ayrton passa a conviver com o professor Benson e sua filha Miss Jane (proprietários do castelo), apaixonando-se por Jane. Ali Monteiro Lobato dá vazão a toda a sua criatividade: imagina um futuro em que os jornais não serão mais lidos no seu formato tradicional, em papel, mas em monitores luminosos existentes em cada casa (Internet!); a roda virará peça de museu e a eugenia estará presente no cotidiano das sociedades, moldando pessoas saudáveis e ordeiras. A sociedade americana do futuro, narrada pela personagem Miss Jane ao personagem Ayrton Lobo, encontrava-se no ano de 2228. Nessa época, os Estados Unidos passavam por um processo eleitoral que, além da disputa de partidos, havia a disputa de raças, de sexos e classes sociais. Na disputa pela cadeira presidencial estavam Miss Evelyn Astor, do Partido Feminino, e o senhor Kerlog, presidente em exercício e candidato à reeleição. Em 2228, Miss Elvin, mentora da candidata Evelyn Astor, publica um livro denominado “Simbiose Desmascarada”, onde denuncia que a mulher não era a fêmea natural do homem, mas que este havia repudiado a sua fêmea original em época remota e que o “pobre animal” (palavras de Lobato) havia se extinguido. As mulheres seriam as fêmeas de um povo anfíbio, cujos machos, naturalmente, foram massacrados pelos machos humanos.Muitas questões são abordadas durante a disputa presidencial entre esses dois candidatos no sentido do poder feminino e masculino até que, surpreendentemente, surge outro candidato - Jim Roy - líder da comunidade negra que em vez de apoiar um dos dois partidos, resolve lançar candidatura própria, e vence, tornando-se o 88°presidente dos EUA, para surpresa dos outros dois partidos. Com a candidatura de Jim Roy, o candidato negro, único até então na história do país, as representantes feministas desistem de suas teorias conspiratórias contra os homens e aliam-se a eles em nome da preservação da “espécie branca” no poder. Depois de muito embate entre esses dois representantes do poder na política americana, o grupo de Kerlog, composto por poucos ministros, já que como eram experientes não era necessário que existissem muitos, encontrou uma solução para o problema que os afligia (Foi o senhor John Dudley, um velhinho muito alegre, autor de 72 invenções que curou a dor de cabeça presidencial.): criou uma máquina de raios Ômega, que propiciaria uma espécie de “branqueamento” dos negros, resultante da despigmentação da pele, além de também propiciar o alisamento dos cabelos (“desencarapinhar”, no dizer de Ayrton/Lobato).

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Traídos pela novidade, os negros não desconfiaram que, por trás dessa revolução da estética, houvesse um esquema para deixar todos os negros estéreis e, assim, liquidar com a raça negra naquele país e, consequentemente, com os planos de Jim Roy. Nas palavras de Kerlog, ao anunciar o fim da “raça” negra a Jim, podemos ler: “Trago na boca a palavra que mata...Ninguém admira mais o líder negro do que eu. O homem que há em Kerlog se rende ao homem que há em Jim Roy. Mas o branco que há em mim vem friamente te assassinar com palavras que mata o negro que há em Jim Roy.”

BOX: Um caso à parte: o Pré-Modernismo no Rio Grande do SulOs mitos e a Linguagem de Simões Lopes Neto João Simões Lopes Neto nasceu em Pelotas no dia 9 de março de 1865, município onde passou sua infância, morando na Estância da Graça (propriedade de seu avô paterno). Ficou órfão de mãe quando tinha 11 anos de idade. Na juventude morou por alguns anos no Rio de Janeiro, onde teria frequentado até a terceira série da Faculdade de Medicina. Por volta de 1884, retornou à terra natal. Sua carreira jornalística se iniciou logo a seguir no ano de 1888 escrevendo para o jornal "A pátria". E foi neste veículo que sua prolífica carreira literária teve início, publicando uma sessão chamada “Balas de Estalo”. Paralelamente a carreira jornalística, o Capitão também se aventurou como empresário, investindo sua herança em indústrias do tabaco, café, vidro e destilaria. Porém, não obteve grande êxito em nenhuma destas empreitadas. Aos 27 anos de idade casou-se com Francisca de Paula Meireles Leite, a Dona Velha. O casal não teve filhos legítimos, mas adotou a menina Fermina de Oliveira Lopes, nascida em 1896. Simões Lopes viria a falecer no dia 14 de junho de 1916, em Pelotas, aos 51 anos, devido a uma úlcera perfurada. Seu desejo era ser talvez historiador e não pôde imaginar que a Literatura é que o faria imortal. Feminista, ecologista, utopista e tradicionalista forte, publicou Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912), Lendas do Sul (1913) e Casos do Romualdo (1914). Foi muito criticado por fazer o que denominaram-se “retoques” nas composições recolhidas no Cancioneiro Guasca, com razão nesse caso de intenções de registro. Mas, talvez, não se tenha percebido imediatamente a genialidade de Simões Lopes Neto que, ao dar tratamento literário aos textos, fazia literatura de grande valor estético, sem deixar de registrar a fonte original das composições. Ainda que toda sua produção seja significativa para o Regionalismo gaúcho, vamos nos deter nas Lendas do Sul, publicação que reúne 17 mitos recolhidos pelo Autor, que, não se contentando com o registro puro e simples, deu-lhes forma de verdadeiras obras primas do conto gaúcho, principalmente se pensarmos no Lunar do Sepé (1902), O negrinho do pastoreio (1906), Mboitatá (1909) e Salamanca do Jarau (1913). 

O mito O lunar de Sepé, ouvido pelo Autor de “uma velhíssima mestiça – Maria Genória Alves-moradora na picada que atravessa o rio Camaquã, entre os municípios de Canguçu e Encruzilhada”, narra em versos as contendas guaraníticas das reduções das Missões, causadas pela assinatura do Tratado de Madri em 1750, em que Portugal recebia de Espanha essas possessões em troca da Colônia do Sacramento devolvida. É sabido o quanto era significativa a organização dos Sete Povos das Missões (São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Francisco Borja, São Luís Gonzaga, São João Batista, São Lourenço Martir e Santo Ângelo Custódio) comunidades com organização democrática socializante, em que todos produziam para o grupo, no qual a participação nas decisões era completamente ativa, sistema em que se desenvolveu um clima favorável à intensa produção cultural, principalmente na Arquitetura e na Música. Não era de se estranhar que os índios e missionários lutassem para preservar as reduções. Sepé Tiaraju, corruptela de José, sábio para os charruas, ou chefe, da mesma etimologia de eçapé, que significa ver caminho, alumiar, era realmente um iluminado, marcado por um lunar na testa, insígnia de sua coragem para defender seu povo e suas conquistas. A segunda lenda, O negrinho do pastoreio, considerada a mais genuinamente sul-rio-grandense, muito lida e contada, talvez tenha sua popularidade embasada no quanto chocante é uma alegoria dos maus tratos aos escravos num Estado onde a escravidão não foi enfática nem agressiva. Fala de um tempo em que as estâncias, como símbolo

da propriedade privada, começam a surgir, e do fazendeiro como um mau caráter, contraponto da heroicidade mitificadora com que o campeiro gaúcho é sempre configurado, na qual a generosidade e hospitalidade são fundamentais. Um negrinho sem nome era empregado desse estancieiro que, irritado por perder uma carreira de cavalos em que esse era o ginete do baio, maltrata-o seguidas vezes obrigando-o a cuidar de tropilhas de animais que fogem, ou porque ele se distrai dormindo, ou porque o filho do patrão, tão maleva como o pai, solta os animais deixando-os fugir. O estigma de perder o gado passa a acompanhar o negrinho que de tantos maus tratos do estancieiro acaba morrendo jogado num formigueiro. E, como narra o mito “nessa noite o estancieiro sonhou que ele era ele mesmo mil vezes e que tinha mil filhos e mil negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes mil onças de ouro...e que tudo isto cabia folgado dentro de um formigueiro pequeno[..].”, enfatizando-se o pouco valor dos bens materiais tão estimados pelo fazendeiro. No final do mito, o negrinho ressuscita, salvo por Nª. Sra. sua madrinha e passa a ser considerado como aquele que tem o poder de achar perdidos. Veja-se: “daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma cousa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar ...da Virgem, ...que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém vêr”. Então, “quem perder suas prendas no campo, guarde esperança: junto de algum moirão ou sob os ramos das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo-Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi! ... Se ele não achar... ninguém mais”. Outro aspecto importante de sua obra é o regionalismo expresso em uma linguagem particular, típico vocabulário gauchesco, cujos termos mais comuns reproduzimos abaixo, em trechos dos Contos Gauchescos, livro publicado em 1912 e que, apesar do tempo passado, permanece atual, pois a linguagem pampeana não se modificou muito ao longo dos anos, devido ao relativo isolamento. Perceba-se que quando Simões Lopes Neto escreveu, não fazia a mínima ideia de que narrava histórias em um dialeto e tenta adequar o texto à gramática brasileira da época. “Ah! Esqueci de dizer-lhe que andava comigo um cachorrinho brasino, um cusco mui esperto...” “Chinoca airosa, Lindaça como o sol, fresca como uma rosa”“Nisto, um aspa-torta, gaúcho mui andado no mundo e mitrado, puxou-me pela manga da japona...” “Cuê-pucha! ... é bicho mau, o homem. Conte vancê as maldades que nós fazemos (...), nunca me esqueço dum caso que vi e que me ficou cá na lembrança e ficará té eu morrer”“O outro, o ruivo (...), vinha todo de preto, com um gabão de pano piloto (...) e de botas russilhonas, sem esporas”. “Pela pinta devia ser mui maturrango.” “E baixinho, fuzilando nos olhos, boquejou-me: - aquele é o imperador, se te enredas nas quartas, defumo-te”. “Desde 45, no Ponche Verde; fui eu que uma madrugada levei a vossa excelência um ofício reservado, pra sua mão própria... e tive que lanhar uns quantos baianos abelhudos que entenderam de me tomar o papel.... Vossa excelência mandou-me dormir e comer na sua barraca, e no outro dia me regalou um picaço grande, mui lindo, que...”Fonte: www.uel.br/revistas/boitata/volume-2-2006/artigo%20Lisana.pdf

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