Walter Benjamin. Passagens Arquivo M 1 2

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Passagens, Benjamin

Citation preview

  • 480 Passagens

    "A obsesso de Taylor, de seus colaboradores e sucessores a 'guerra

    contraGeorges Friedrnann,

    La Crise du Progrs, Paris, 1936, p. 76.

    O elemento urbano em Balzac: "A natureza revela-se mgica para ele, como o

    matria. Revela-se simblica, como interao de foras e aspiraes humanas: na arreben

    arcano da

    do mar ele sente 'a exaltao das foras humanas', no esplendor das cores e dos

    flores ele sente a escrita cifrada do desejo amoroso. Para ele, a natureza

    sempre signifiqoutra coisa, uma aluso ao

    esprito. No conhece o movimento inverso: a reimerso dohumano na natureza, a harmonia

    resgatada com estrelas, nuvens, ventos. Ele erademasiadamente possudo pela tenso da

    existncia humana." Ernst Robert Curtius, BalzacBonn, 1923, pp. 468-469.

    (M 10,21

    "Balzac viveu ... uma vida marcada pela pressa desenfreada e pelo colapso prematuro, tal

    como a luta pela existncia na sociedade moderna a impe ao habitante das grandes cidades

    A existncia de Balzac o primeiro exemplo de que um gnio compartilha dessa vidacomum e a vive como sua." Ernst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, pp. 464-465.Sobre a questo do ritmo, de se lembrar o seguinte: "Poesia e arte ... resultarn de uma'viso veloz das coisas'... Em Sraphita ... a velocidade citada como uma caractersticaessencial da intuio artstica: 'essa viso interior cuja percepo veloz engendra na alma,uma aps outra, como em uma tela, as paisagens mais contrastantes do globo'. " ErnstRobert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 445.

    (M n 31

    "Se Deus imprimiu ... o destino de cada homem em sua fisionomia ... por que a mo noresumiria a fisionomia, uma vez que a mo a ao humana inteira, e seu nico modo de

    manifestao? Da a quiromancia... Predizer a um homem os acontecimentos de sua vida

    pelo aspecto de sua mo no um fato mais extraordinrio ... que dizer a um soldado que

    ele combater, a um advogado que ele discursar, a um sapateiro que ele far sapatos ou

    botas, a um agricultor que ele adubar e cultivar a terra. Tomemos um exemplo marcante:

    o gnio de tal forma visvel no homem que, ao passearem em Paris, at as pessoas mais

    ignorantes adivinham um grande artista quando passa... A maioria dos observadores da

    natureza social e parisiense pode dizer a profisso de um transeunte ao v-lo aproximar-se.

    Honor de Balzac, Le Cousin Pons, in: CEuvres Compltes, vol. XVIII, Scnesde Ia VieParisienne,

    VI, Paris, 1914, p. 130.10, 41[M

    "Aquilo a que os homens chamam amor coisa bem pequena, restrita e frgil, se comparada

    a essa inefvel orgia, a essa santa prostituio da alma que se entrega por inteiro, poesia e

    caridade, ao imprevisto que surge, ao desconhecido que passa." Charles Baudelaire, Le

    Spleen de Paris, Ed. R. Simon, p. 16 ("Les foules"). 10a, II(M

    Quem entre ns, em seus dias de ambio, j no ter sonhado com o sortilgio de uma

    prosa potica, musical, sem ritmo e sem rima, bastante malevel e bastante spera para

    adaptar-se aos movimentos lricos da alma, s ondulaes do devaneio, aos sobressaltos da

    conscincia? / sobretudo da freqentao das cidades gigantescas, do cruzamento

  • to 481

    suas inmeras relaes que nasce este ideal obsedante." Charles Baudelaire, Le spieen deparis, Paris, Ed. R. Simon, pp. 1-2 ("A Arsne Houssaye").

    (M 10a, 21

    h objeto mais profundo, mais misterioso, mais fecundo, mais tenebroso, maisdeslumbrante que uma janela iluminada por uma Charles Baudelaire, Le spieende paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 62 ("Les fentres").

    [M 10a, 31

    "O artista procura a verdade eterna e ignora a eternidade que existe sua volta. Admira acoluna do templo babilnico e despreza a chamin da fbrica. Qual a diferena de linhas?Quando tiver terminado a era da energia obtida a partir do carvo, os vestgios das ltimaschamins altas sero admirados como hoje se admiram os destroos das colunas de templos...O vapor, to amaldioado pelos escritores, permite-lhes deslocar sua admirao... Em vezde esperar chegar ao golfo de Bengala para ali procurar um tema empolgante, poderiamdesenvolver uma curiosidade em relao ao cotidiano que os toca. Um carregador da Garede l'Est to pitoresco quanto um estivador de Colombo... Sair de sua casa como quemchega de longe; descobrir um mundo que aquele no qual se vive; comear o dia comoquem desembarca de Cingapura, como se nunca tivesse visto o capacho diante de sua portanem o rosto dos vizinhos de seu andar...; eis o que revela a humanidade presente e at entoignorada." Pierre Hamp, "La littrature, image de Ia socit", in: Encyclopdie Franaise,vol. XVI, Arts et Littratures dans Ia Socit Contemporaine, 1, p. 64.

    (M 10a, 4)

    Chesterton evoca uma expresso da gria inglesa para caracterizar Dickens em sua r o

    com a rua. "Ele tem a chave da rua", diz-se de algum que se encontra diante de uma porta

    fechada. "Dickens bem que tinha, no sentido mais consagrado e mais srio, a chave da

    rua... Seu territrio eram as caladas; os lampies da rua, suas estrelas; o transeunte, seu

    heri. Ele podia abrir a porta mais escondida de sua casa, a porta que d para a passagem

    secreta que, ladeada de casas, tem como teto os astros!" G. K. Chesterton, Dickens, vol. IX

    da srie Vies des Hommes Ilustres, traduzido do ingls por Laurent e Martin-Dupont, Paris,

    1927, p. 30.11, 11[M

    Dickens quando criana: "Quando terminava de trabalhar, no tinha outro recurso seno

    andar solta, e ento perambulava por meia Londres. Era um menino sonhador,

    preocupado sobretudo com seu triste destino.... No se dedicou observao, como

    fazem os pedantes; no olhou Charing Cross para se instruir; no contou os lampies de

    Holborn para aprender aritmtica; mas inconscientemente colocou nesses lugares as

    cenas do drama torturante que se elaborava em sua pequena alma oprimida. Achava-se

    na escurido sob os lampies de Holborn e sofria o martrio em Charing Cross. Para ele,

    mais tarde, todos esses bairros tiveram o interesse que s pertence aos campos de

    batalha.

    G. K. Chesterton, Dickens, vol. IX da srie Vies des Hommes Illustws, traduzido do

    ingls

    por Laurent e Matin-Dupont, Paris, 1927, pp. 30-31. [M 11,21

    Sobre a psicologia do flneur: "As cenas inapagveis, que todos ns podemos

    rever fechando

    os olhos, no so aquelas que contemplamos com um guia na mo, mas

    aquelas s quais

  • 482

    no demos ateno naquele

    momento, as que atravessamos pensando em outra coisa

    do, uma namoradinha ou

    um aborrecimento pueril. se vemos agora esse pano de

    findo, porque no 0 havamos

    visto ento. Assim tambm Dickens no reteve em

    esprito a marca das coisas; antes

    era ele quem imprimia a marca de seu esprito nas

    G. K. Chesterton, Dickens,

    vol. IX da srie Vies des Hommes [Ilustres, traduzido do

    por e Martin-Dupont,

    Paris, 1927, p. 31.

    [M 11, 31

    Dickens: "Em maio de 1846, ele escapa

    para a Sua e tenta escrever Dombey andSon em

    O trabalho no avana. Ele atribui esse

    fato sobretudo a seu amor por Londres

    que lhe faz falta, 'ausncia das

    ruas, do grande nmero de personagens... Meus personagens

    parecem entorpecidos quando no os envolve a

    multido'." G. K. Chesterton, Dickens

    traduzido por Laurent e Martin-Dupont,

    Paris, 1927, p. 125.

    [M 11a, 11

    "Em ... Le Voyage de MM. Dunanan Pre et Fils, faz-se acreditar a dois provincianos que

    Paris Veneza, para onde, efetivamente, queriam viajar. Paris como lugar da embriaguq

    onde se confundem os sentidos." S. Kracauer, Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit,

    Amsterdam, 1937, p. 283.

    Segundo uma observao de Musset, alm dos limites do boulevard comea a "Grande

    ndia". (No seria mais justo dizer, em vez disso, o Extremo Oriente?) (Cf. S. Kracauer,

    Offenbach, p. 105).

    [M 11a, 31

    Kracauer afirma "que no boulevard ia-se de encontro natureza com uma acentuada

    hostilidade... A natureza era vulcnica como o povo." S. Kracauer, Jacques Offenbach,

    Amsterdam, 1937, p. 107.[M 11a, 4)

    Sobre o romance policial: " preciso reconhecer o fato de que essa metamorfose da cidadedeve-se transposio para seu cenrio da savana e da floresta de Fenimore Cooper, ondecada galho cortado significa uma inquietude ou uma esperana, onde cada tronco dissimulao fuzil de um inimigo ou o arco de um vingador invisvel e silencioso. Todos os escritores,comeando por Balzac, deixaram claro que se tratava de um emprstimo e deram lealmentea Cooper o devido crdito. Obras como Les Mohicans de Paris, de A. Dumas com 0 ttulomais que significativo so muito freqentes." Roger Caillois, "Paris, mythe moderneNouvelle Revue Franaise, mn, no 284, | maio 1937, pp. 685-686.

    [M 11a, 51

    Devido influncia de Cooper, abre-se para o romancista (Dumas) a possibilidade de criarespao para as experincias do caador no cenrio urbano. Isto tem importncia para osurgimento do conto policial.

    (M 61

    Parecer, sem dvida, aceitvel afirmar que existe ... uma representao fantasmagriaParis (e da grande cidade em geral) com poder suficiente sobre as imaginaes

    que

  • to 483

    praticamente nunca seja questionada sua exatido, representao criada inteiramentepelo livro, mas divulgada o bastante para fazer ... parte da atmosfera mental coletiva."Roger Caillois, "Paris, mythe moderne", Nouvelle Revue Franaise, XXV, no 284, 1 maio1937, p. 684.

    [M 12, 11

    "O subrbio de Saint-Jacques um dos mais primitivos de Paris. A que se deve isso? Serporque os quatro hospitais que o cercam, como quatro baluartes de uma cidadela, afastamo turista do bairro? Ser porque, no conduzindo a nenhuma grande estrada e no levandoa nenhum centro a passagem de veculos ali muito rara? Assim, logo que um veculoaparece ao longe, o moleque privilegiado que o avista primeiro transforma suas mos numporta-voz e d o aviso a todos os habitantes do bairro, exatamente como beira-mar d-seo aviso de uma vela percebida no horizonte." A. Dumas, Les Mohicans de Paris, vol. I, Paris,1859, p. 102 (captulo XXV, "O il est question des sauvages du Faubourg Saint-Jacques" "Onde se trata dos selvagens do subrbio de Saint-Jacques"). Esse captulo no descrevenada mais do que a chegada de um piano a uma casa do subrbio. Ningum suspeita quese trata de um instrumento, mas todos ficam deslumbrados ao ver "uma enorme pea demadeira de mogno" (p. 103), pois mveis de mogno praticamente no se conheciamnaquele bairro.

    [M 12, 21

    As primeiras palavras do prospecto de Les Mohicans de Paris: "Paris Os Moicanos!... Doisnomes que se embatem, como o "quem vem l?" de dois gigantescos desconhecidos, beirade um abismo atravessado por aquela luz eltrica que tem seu foco em Alexandre Dumas."

    [M 12, 31

    Ilustrao da capa do terceiro volume de Les Mohicans de Paris, Paris, 1863: "A florestavirgem" [da rue d'Enfer].

    [M 12, 41

    Que precaues maravilhosas! Quantos cuidados, quantas combinaes engenhosas,quantas sutis invenes! O selvagem da Amrica que, ao caminhar, apaga as marcas de seus

    passos para despistar o inimigo que o persegue, no mais hbil e mais minucioso em suas

    precaues." Alfred Nettement, tudes sur le Feuilleton-Roman, vol. I, Paris, 1845, p. 419.[M 12, 51

    Vlgny (segundo Miss Corkran, Celebrities and I, Londres, 1902 cit. em L. Sch, A. de

    Vigny, vol. II, Paris, 1913, p. 295), ao olhar as chemines de Paris: "Eu adoro estas chamins...

    Oh, sim! A fumaa de Paris para mim mais bela que a solido dos bosques e das montanhas."[M 12, 61

    Vem ao caso relacionar o conto policial com o gnio metdico de Poe, como o faz Valry

    (Fleurs du Mal, ed. de 1928, introduo de Paul Valry, p. XX): "Chegar a um ponto do

    qual se domine o campo inteiro de uma atividade perceber necessariamente uma

    quantidade de possibilidades... Assim, no de se admirar que Poe, de posse de um mtodo

    to poderoso..., tenha se tornado o inventor de vrios gneros, tenha dado os primeiros

    exemplos do conto cientfico, do poema cosmognico moderno, do romance de investigaso

    policial, da introduo dos estados psicolgicos mrbidos na literatura."

  • 484 Passagens

    sobre 0 "Homem da multido",

    esta passagem de um artigo de La semaine, de 4 de

    outubro de 1846, atribudo

    e de Ia pense

    a Balzac Scientifique,

    ou a Hippolyte

    Paris, 1929,

    Castille

    p.

    (cit.

    424):

    em

    "O

    Messac,

    olhar Le

    se fixa"Detective

    homem que caminha na sociedade

    entre leis, emboscadas e traies de seus

    como um selvagem do Novo Mundo

    entre rpteis, animais ferozes e tribos inimigas(M 12a, 21

    sobre 0 "Homem da multido":

    Bulwer acrescenta sua descrio da multido da cidade

    grande em Eugen Aram (parte IV,

    captulo 5) a referncia a uma observao de

    segundo a qual todo ser humano, do

    melhor ao mais miservel, carrega consigo um segredo

    que despertaria 0 dio de todos os

    outros se fosse descoberto. Alm disso, encontra-se j em

    Bulwer o confronto entre cidade e campo,

    com vantagem para a cidade.

    [M 12a, 31

    Sobre o romance policial: "Na fantasia dos americanos acerca do hroi, o carter do ndio

    representa um papel fundamental... Somente as iniciaes indgenas conseguem competir

    com a agressividade e a crueldade de um rigoroso treinamento americano... Em tudo o que

    o americano realmente deseja aparece o ndio; na extraordinria concentrao em um objetivo

    determinado, na tenacidade da perseguio e na firmeza com a qual suporta as maiores

    dificuldades manifestam-se plenamente todas as virtudes legendrias do ndio." C. G.

    Jung, Seelenprobleme der Gegenwart, Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 207 ("Seele und

    Erde" "Alma e terra").[M 41

    Captulo II, "Physionomie de Ia rue", in: Argument du Livre sur Ia Belgique: "Lavagem das

    fachadas e das caladas, mesmo quando chove a cntaros. Mania nacional, universal...Nenhuma vitrine nas boutzques. A flnerie, to cara aos povos dotados de imaginao, impossvel em Bruxelas; nada para se ver, e caminhos impossveis." Baudelaire, (Euvres, ed.org. por Y.-G. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932, pp. 709-710.

    M 12a, 51

    Le Breton censura Balzac, afirmando que haveria em sua obra "um excesso de moicanos despencer e iroqueses de redingote". Cit. em Rgis Messac, Le "Detective Novel" et l'lnuence deIa Pense Scientifique, Paris, 1929, p. 425.

    [M 13, II

    Extrado das primeiras pginas de Les Mystres de Paris: "Todo mundo leu essas admirveispginas nas quais Cooper, o Walter Scott americano, retratou os costumes ferozes dosselvagens, sua lngua pitoresca, potica, as mil astcias com as quais fogem de seus inimigosou os perseguem... Tentaremos colocar diante dos olhos do leitor alguns episdios da vida deoutros brbaros, to afastados da civilizao quanto as tribos selvagens, to bem representadaspor cooper." Cit. em Rgis Messac, Le "Detective Novel", Paris, 1929, p. 425.IM 13, 21

    Associao memorvel entre aflnerie e o romance policial no comeo de Les Mohicam deParis. "Desde o incio, Salvator dizPegue Lesage, Walter Scott e cooper...' Em seguida, tal como os personagens das Mile

    Uma Noites, eles jogam ao vento um fragmento de papel e 0 seguem, convencidos de que ele

  • to 485

    os levar a um tema de romance, o que de fato acontece." Cit. em Rgis Messac, Le"Detective Novel" et l'lnfluence de Ia Pense Scientifique, Paris, 1929, p. 429.

    (M 13,31

    Sobre os epgonos de Sue e de Balzac que vo pulular no romance de folhetim. A influnciade Cooper se faz sentir aqui ora diretamente, ora por intermdio de Balzac ou de outrosimitadores. Paul Fval, desde 1856, em Les Couteaux d'Or, transpe ousadamente os hbitose mesmo os habitantes da pradaria para o cenrio parisiense: v-se ali um comaravilhosamente dotado que se chama Moicano, um duelo de caadores americana nosubrbio de Paris, e um pele-vemelha de nome Towah, que mata e escalpa quatro de seusinimigos em plena Paris, num fiacre, to habilmente que o cocheiro nem mesmo percebe.Um pouco mais tarde, em Les Habits Noirs (1863), ele multiplica as comparaes ao gostode Balzac: os selvagens de Cooper em plena Paris! A cidade grande no por acaso tomisteriosa quanto as florestas do Novo Mundo?"' Em uma observao subseqente. "Cf.tambm os captulos II e XIX, onde ele pe em cena dois vagabundos, Echalot e Similor,'huronianos de nossos lamaais, iroqueses da sarjeta'." Rgis Messac, Le "Detective Novel" et17n/uence de Ia Pense Scientifique, da srie Bibliothque de Ia Revue de Littrature Compare,

    tomo 59, pp. 425-426.[M 13, 41

    "A poesia de terror que os estratagemas das tribos inimigas em guerra espalham no seio das

    florestas da Amrica, e da qual tanto se aproveitou Cooper, ligava-se aos menores detalhes

    da vida parisiense. Os transeuntes, as boutiques, os fiacres, uma pessoa janela, tudo isso

    interessava aos homens a quem era confiada a proteo da vida do velho Peyrade, to

    intensamente quanto um tronco de rvore, uma toca de castor, um rochedo, uma pele de

    bfalo, uma canoa imvel, uma folha flutuante interessam ao leitor dos romances de

    Cooper." Balzac, Combien l'Amour Revient aux Vieillards. 13[M 13a, 11

    A figura do flneur prenuncia a do detetive. O flneur devia procurar uma legitimao

    social para seu comportamento. Convinha-lhe perfeitamente ver sua indolncia apresentada

    como aparncia, por detrs da qual se esconde de fato a firme ateno de um observador

    seguindo implacavelmente o criminoso que de nada suspeita.[M 13a, 2)

    No fim do ensaio de Baudelaire sobre Marceline Desbordes-Valmore surge o promeneur

    que passeia pela paisagem ajardinada de sua poesia; abrem-se diante dele as perspectivas

    do passado e do futuro. "Mas estes cus so vastos demais para serem completamente

    puros, e a temperatura do clima quente demais... O promeneur, contemplando essas

    veladas pelo luto, sente subir aos seus olhos os choros da histeria, hysterical tears."

    Charles Baudelaire, L'Art Romantique, Paris, p. 343 ("Marceline

    O promeneur j no consegue passear por prazer: ele foge para as sombras das cidades,

    tornando-se flneur.(M 13a, 31

    13Trata-se do ttulo da parte II de Splendeurs et Misres des Courtisanes,

    a citao encontra-se em

    Balzac, uvres Compltes, vol. XV, Paris, Ed, Conard, 1913, pp. 310-311.

    14OC li, p. 149. (R.T)

  • 486 Passagens

    Do velho Victor Hugo, quando morava na

    Rue Pigalle, relata Jules Claretie que gostava de

    passear em Paris nas impriales dos nibus. Adorava contemplar l de cima a agitao das

    ruas. (Cf. Raymond Escholier, Victor Hugo Racontpar Ceux qui l'ont Vu, Paris, 1931

    p. 350 Jules Claretie, "Victor Hugo".)

    (M 13a, 4)

    "Voc se lembra de um quadro ... escrito pela mais poderosa pena desta poca, e que tem

    como ttulo "O homem da multido"? Atrs da vidraa de um caf, um convalescente,

    contemplando a multido com prazer, se mistura, em pensamento, a todos os pensamentos

    que se agitam ao seu redor. Tendo retornado recentemente das sombras da morte, aspira

    com deleite todos os germes e eflvios da vida; como esteve a ponto de tudo esquecer, ele se

    lembra e quer se lembrar ardentemente de tudo. Finalmente, se precipita no meio dessamultido procura de um desconhecido, cuja fisionomia, vista de passagem, o fascinou nomesmo instante. A curiosidade tornou-se uma paixo fatal, irresistvel!" Baudelaire, L!ArtRomantique, Paris, p. 61 ("Le peintre de Ia vie moderne") 15

    (M 14, l)

    Andr Le Breton, em Balzac, l'Homme et l'uvre, Paris, 1905, j compara figuras balzaquianas os agiotas, os advogados, os banqueiros" aos moicanos, com os quais elas se pareceriammais do que com os parisienses. (Cf. Rmy de Gourmont, Promenades Littraires, segundasrie, Paris, 1906, pp. 117-118 "Les matres de Balzac").

    [M 14, 21

    Em "Fusas", de Baudelaire: "O homem ... est sempre ... em estado selvagem! O que soos perigos da selva e da pradaria comparados aos choques e conflitos cotidianos do mundocivilizado? O homem que enlaa a sua vtima no boulevard, ou aquele que trespassa suapresa nas florestas desconhecidas, no ele ... o mais perfeito

    (M 14, 31

    Raffet representou ecossaises e tricycles (em litografias?)

  • 487

    o habitante da cidade, quando anda a p, tem constantemente diante dos olhos a imagem

    do concorrente que o ultrapassa dentro de um veculo. As caladas certamente foram

    construdas no interesse daqueles que andavam de carruagem ou a cavalo. Quando?(M 14, 61

    "Para o perfeito flneur ... um deleite imenso escolher como seu domiclio a multido, o

    ondulante... Estar fora de casa e, no entanto, se sentir em casa em toda parte; ver o mundo,estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos prazeres menoresdesses espritos independentes, apaixonados, imparciais que a lngua no pode definirseno toscamente. O observador um prncipe que frui por toda parte o fato de estarincgnito... O apaixonado da vida universal entra na multido como em um imensoreservatrio de eletricidade. Pode-se compar-lo tambm a um espelho to imenso quanto

    multido, a um caleidoscpio dotado de conscincia que, a cada um de seus movimentos,

    representa a vida mltipla e o encanto cambiante de todos os elementos da vida." Baudelaire,

    L'Art Romantique, Paris, pp. 64-65 ("Le peintre de Ia vie[M 14a, 11

    A Paris de 1908. "Um parisiense habituado multido, aos veculos, e a escolher as ruas,

    chegava a fazer longas caminhadas com um passo regular e muitas vees distrado. De um

    modo geral, a abundncia dos meios de circulao ainda no havia dado a trs milhes de

    homens a idia ... de que poderiam deslocar-se com qualquer propsito e de que a distncia

    o que menos conta." Jules Romains, Les Hommes de Bonne Volont, livro I, Le 6 Octobre,

    Paris, 1932, p. 204.[M 14a, 21

    Em Le 6 Octobre, no captulo XVII ("Le grand voyage du petit garon", pp. 176-184),

    Jules Romains descreve como Louis Bastide percorre Montmartre, do cruzamento Ordener

    at a Rue Custine: "Ele tem uma misso a cumprir. Encarregaram-no de uma certa tarefa,

    de alguma coisa para levar ou talvez para anunciar." (p. 179) Romains desenvolve neste

    jogo de viagem algumas perspectivas principalmente a paisagem alpina de Montmartre

    com a taberna de montanha (p. 180) que se assemelham quelas nas quais o devaneio do

    flneur pode se perder.[M 14a, 31

    Mxima do flneur: "Em nosso mundo uniformizado, bem aqui, e em profundidade,

    que preciso mergulhar; o deslocamento de um pas para outro e a surpresa, o exotismo

    mais cativante, esto muito prximos." Daniel Halvy, Pays Parisiens, Paris, 1932, p. 153.[M 14a, 41

    Encontramos em Jules Romains, Crime de Quinette (Les Hommes de Bonne Volont, livro II),

    algo como o negativo da solido, que , na maioria das vezes, a companheira do flneur.

    Que a amizade tem a fora suficiente para quebrar essa solido, este talvez seja o argumento

    Convincente da tese de Romains. "A meu ver, sempre um pouco assim que nos tornamos

    amigos. Presenciamos, juntos, um momento do mundo, talvez um de seus segredos fugidios

    uma apario jamais vista e que talvez no se veja nunca mais. Mesmo se for algo pequeno.

    Imagine, por exemplo, dois homens que passeiam, como ns. E de repente, graas a um

    vo entre as nuvens, uma luz vem bater no alto de um muro, e o alto do muro se transforma

    op. cit., vol. II, pp. 691-692. (R.)

  • 488 rassgn

    por um instante em algo de extraordinrio.

    Um dos homens toca o ombro do Outro,

    ergue a cabea e v o mesmo, compreende

    o que aconteceu. Depois a coisa se des

    no ar. Mas eles sabero in aeternum que

    ela existiu." Jules Romains, Les Hommes

    Volont, livro II, Crime de Quinette, Paris, 1932, pp. 175-176.

    (M 15, 11

    Mallarm. "Ele tinha atravessado a Place e a Pont de l'Europe quase todos os dias

    confidenciou ele a Georges Moore tomado pela tentao de se jogar do alto da ponte

    sobre as vias frreas, sob os trens, a fim de escapar dessa mediocridade da qual era prisioneiro "

    Daniel Halvy, Pays Parisiens, Paris, 1932, p. 105.

    [M 15,21

    Michelet escreve: "Cresci como uma erva plida entre dois paraleleppedos." (Cit. em

    Halvy, Pays Parisiens, p. 14).

    [M 15,31

    O tecer da floresta como arqutipo da existncia da massa em Hugo. "Um captulo

    surpreendente de Les Misrables contm as seguintes linhas: 'O que acabava de se passar nessa

    rua no teria surpreendido uma floresta; os troncos altos, a mata rasteira, os pequenos arbustos,

    os galhos asperamente entrelaados, as ervas altas levam uma existncia sombria; o formigarselvagem entrev ali sbitas aparies do invisvel; o que est abaixo do homem divisa, atravs

    da bruma, o que est alm do homem." Gabriel Bounoure, "Abmes de Victor Hugo",Mesures, 15 jul. 1936, p. 49. A passagem de Gerstcker