1
AS ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS E A EDUCAÇÃO: ESTUDO DO
PROGRAMA MAIS CULTURA NA ESCOLA NEITH ARAGON MOTTA1.
FabieleBettim2
Joel Felipe Guindani3
Resumo: O presente artigo busca compreender a relação entre as Atividades Criativas e
Culturais e a educação, a partir da implementação do Programa do Ministério da Cultura
“Mais Cultura nas Escolas”, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Neith Aragon
Motta, município de São Borja (RS). A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória e
entrevistas, especificamente com a diretora da instituição, alunos, bem como a coordenadora
da Escola de Samba “Vai Vai”. Observam-se, como resultados, reflexões acerca de situações
de aprendizagem através da interação social e da cooperação no ambiente escolar a partir das
atividades realizadas pela Escola de Samba “Vai Vai”; nos produtos culturais, que funcionam
como um recurso que pode se transformar em potencial instrumento no processo de ensino.
Constata-se, assim, a importância da relação entre as Atividades Criativas e Culturais e a
Educação para o desenvolvimento intelectual e social dos alunos envolvidos, pois mobilizam
memórias, emoções e experiências.
Palavras-chave: Educação; Atividades Criativas e Culturais; Programa Mais Cultura.
INTRODUÇÃO
A cultura é um processo eminentemente dinâmico, transmitido de geração em
geração, que se aprende com os ancestrais e se cria e recria no cotidiano do presente. Dessa
forma, “torna-se o conjunto internamente articulado dos modos de vida de uma sociedade
determinada e é concebida como o campo das formas simbólicas (trabalho, linguagem, religião,
ciências e artes)” (CHAUI, 2006, p. 12-13). Nos diversos processos civilizatórios, a cultura
vem sendo empregada na solução dos pequenos problemas que os indivíduos enfrentam,
assim como para a melhoria sociopolítica e econômica da sociedade civil.
1Grupo de Trabalho (GT) 04: Educação e Arte. 2 Graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), acadêmica do
curso de Especialização em Atividades Criativas e Culturais. E-mail: [email protected] 3 Professor Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor
adjunto na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: [email protected]
2
Na educação, os bens culturais funcionam como um recurso que pode se transformar
em instrumento no processo de aprendizagem, onde o envolvimento da escola e centros de
ensino tornam-se fundamentais, não só para o conhecimento dos estudantes acerca do seu
espaço local, o que colabora na busca por uma identidade social e cultural, mas também,
como fonte geradora de políticas públicas voltadas para cultura.
Por tanto, este artigo objetiva compreendera relação entre as Atividades Criativas e
Culturais com a educação, buscando a compreensão de como o desenvolvimento cultural
passa a influenciar diretamente o desenvolvimento humano. São apresentadas reflexões sobre
a relação entre cultura e educação assim como das atividades criativas e culturais com as
escolas.
O campo de investigação é o programa do Ministério da Cultura (MINC), o Mais
Cultura nas Escolas do ano de 2013, implementado na Escola Municipal de Ensino
Fundamental (EMEF) Neith Aragon Motta, da cidade de São Borja (RS). A escolha desta
escola se deu pelo fato de ela estar inserida no contexto social de periferia, e ser a única da
cidade com projeto aprovado pelo MINC.
A metodologia utilizada foi a Pesquisa exploratória, bem como a técnica de
Entrevista, para a coleta de dados. As entrevistas ocorreram no mês de maio de 2016 com os
beneficiários do programa Mais Cultura. Os sujeitos entrevistados foram: diretora e alunos do
EMEF Neith Aragon Motta, bem como a coordenadora da escola de Samba Vai Vai de São
Borja (RS), instituição promotora de atividades culturais junto ao EMEF. Na parte final do
artigo, analisamos os depoimentos coletados. Como resultados, obtiveram-se reflexões acerca
de ambientes de aprendizagem, interação social e cooperação. Na conclusão deste trabalho,
constata-se que a relação entre as Atividades Criativas e Culturais com a Educação torna-se
fundamental para o desenvolvimento intelectual e social dos sujeitos, pois mobilizam
memórias, emoções e experiências.
A CENTRALIDADE DA CULTURA
Devido à importância da cultura na vida humana, surgem questionamentos sobre o
lugar da cultura e sua evidência na sociedade, pois, tudo que está associado à cultura,
principalmente na segunda metade do século XX, vem ganhando novos contornos. Hall
(1997) fala que na contemporaneidade o enfoque social da cultura originou uma revolução
3
cultural e,através do desenvolvimento da indústria cultural, ocosionada pelas tecnologias e
pela revolução na informação, o processo de desenvolvimento dos meios de comunicação
afeta a vida das pessoas, uma vês que “os seres humanos são seres interpretativos,
instituidores de sentidos” (HALL, 1997, p. 16). Desse modo, a experiência humana da cultura
como atividade artificial, material é ultrapassada e os sistemas de significados passam a dar
sentido às nossas ações. Organizando e regulamentando a conduta entre as pessoas.
Apresentando desta forma a centralidade da cultura4 como uma articulação dos valores
culturais, econômicos e sociais.
Para Hall, a cultura na sociedade moderna tardia apresenta duas centralidades: a
“substantiva” e a “epistemológica”. Por centralidade substantiva entende-se “o lugar da
cultura na estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições, e relações
culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular” (HALL, 1997, p. 16). Ou
seja, as indústrias culturais têm se tornado elementos mediadores em muitos outros processos e
práticas sociais.
Segundo Yúdice (2006), a era da globalização colabora para as ações intercessoras da
cultura, uma vez que “o envolvimento político encontra-se decadente, gerando conflitos
acerca da cidadania”. Assim, a cultura está sendo constantemente administrada como um
recurso para a melhoria sociopolítica e econômica da sociedade civil. Esse impacto causado
pela revolução da cultura sob os setores políticos e econômicos é reforçado pela relação
“mídia e cultura”.
De acordo com Hall (1997) a relação das indústrias culturais com a mídia gera um
mercado global de recursos que expande a circulação e troca cultural.
Hoje, a mídia sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende
todo o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento,
produção de bens, comércio de matéria prima e marketing de produtos e idéias
(HALL, 1997, p.18)
Surge, assim, o “capitalismo cultural”, onde a arte e a cultura ultrapassam a esfera
antropológica de meio de vida, passam a serem vistas como recursos e investimentos. Ou
seja, “promovem a coesão social em questões divergentes e, desde que é um setor de trabalho
intenso, elas ajudam na redução do desemprego” (DELGADO, 1998, apud YÚDICE, 2006,
4 Aqui apresentamos o pensamento de Stuart Hall, onde defende a lógica de que o centro seria o lugar mais
importante.
4
p.30), o que as tornam a solução dos pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou
indivíduo enfrentam.
O outro conceito estudado por Hall, a “centralidade epistemológica”, refere-se “à
posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a
‘cultura’ é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do
mundo” (HALL, 1997, p. 16). Seria uma nova atitude em relação à linguagem e a realidade,
buscando a compreensão da vida social.
A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos
elaboram símbolos e signos, instituem as praticas e os valores, definem para si
próprios o possível e o impossível, o sentido da linha do tempo (passado, presente e
futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do
grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como o verdadeiro e o
falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a idéia de lei, e, portanto, do
permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações
entre o sagrado e o profano (CHAUI, 2008, p.57)
Assim, os Estudos Culturais apresentam a cultura de forma sociológica, onde “toda a
ação social é cultural, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado
e, neste sentido, são práticas de significação” (HALL, 1997, p. 16). Desta forma a relação que
a cultura mantém com os aspectos sociais, baseia-se na mudança da percepção da
linguagem5. Transpondo a “realidade”, ou os significados que damos as coisas, e passa a ser
utilizada na compreensão da vida social. Esta mudança Hall (1997) chama de “virada
cultural”.
A partir desta perspectiva os processos econômicos e sociais, são compreendidos
como práticas discursivas, por estarem sujeitos aos significados. Então, a cultura passa a ser
uma mediação do processo evolutivo das sociedades, criando profundas relações entre
identidade, representação, regulação, consumo e a produção da cultura e expandindo o
conceito de cultura e o tornando mais abrangente:
(...) falamos da “cultura” das corporações, de uma “cultura” do trabalho, do
crescimento de uma “cultura” da empresa nas organizações públicas e privadas (Du
Gay, 1997), de uma “cultura” da masculinidade (Nixon, 1997), das “culturas” da
maternidade e da família (Woodward, 1997b), de uma “cultura” da decoração e das
compras (Miller, 1997), de uma “cultura” da desregulamentação (nesta obra), até
5“(...) a preocupação com a linguagem que temos em mente aqui refere-se a algo mais amplo — um interesse na
linguagem como um termo geral para as práticas de representação, sendo dada à linguagem uma posição
privilegiada na construção e circulação do significado” (HALL, 1997, p.17). O que Hall expõe é a capacidade
discursiva da linguagem, onde não apenas se relata os fatos, mas os constitui.
5
mesmo de uma “cultura” do em forma, e — ainda mais desconcertante — de uma
“cultura” da magreza (Benson, 1997) (HALL, 1997, p. 13).
Conforme Hall, a centralidade da cultura nos apresenta a ação constitutiva da cultura
nos aspectos da vida social. Assim, as representações culturais também nutrem a alma
individual dos sujeitos, uma vez que as “nossas identidades são, em resumo formadas
culturalmente. Isto, de todo modo, o que significa dizer que devemos pensar as identidades
sociais como construídas no interior da representação, através da cultura, não fora delas”
(Hall, 1997, p.26). Quer dizer, ao agregarmos as nossas identidades culturais juntamente com
seus significados e valores as tornamos “partes de nós”, o que contribui para conectarmos os
nossos sentimentos individuais com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e
cultural.
Desta forma, a noção de cultura passa a ser percebida como um território de lutas e
negociações de sentidos que resulta em relações de poder. Um poder que abrange as
organizações sociais e as formas de vida, onde as representações sociais e culturais são
geradas pela contemporaneidade do mundo moderno, devido às informações circularem com
uma maior velocidade em função da globalização e da sofisticação tecnológica dos meios de
comunicação atuais.
Compreende-se, igualmente, que as escolas e as instituições, de modo geral, devem
garantir a manutenção dessa dimensão da cultura, pois, o acesso à informação e ao
conhecimento propicia a participação de diferentes sujeito nesse processo expansivo da
cultura, sobretudo quando se objetiva a ampliação da capacidade criativa e transformadora.
A RELAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO
Na educação os bens culturais funcionam como um recurso que pode se transformar
num instrumento no processo de aprendizagem. O envolvimento das escolas e centros de
ensino tornam-se fundamentais não só para o conhecimento dos estudantes acerca do seu
espaço local, o que colabora na busca por uma identidade social e cultural, mas também,
como fonte geradora de políticas públicas voltadas para a cultura.
A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Portanto, as relações entre escola e
cultura não podem ser concebidas como entre dois pólos independentes, mas sim
como universos entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós
profundamente articulados (CANDAU; MOREIRA, 2003, p.160)
6
O ato de educar será sempre a transmissão de conteúdo de uma pessoa para outra.
Desta forma, a escola como instituição possui “uma função social fundamental: transmitir
cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a
humanidade” (CANDAU, apud, MOREIRA, 2003, p.160). Assim, através do conhecimento
adquirido o individuo se modifica, transformando-se em sujeito humano. Quando o ensino
voltado para as questões culturais é aplicado junto ao público infantil, possibilita muito mais
do que uma aprendizagem sobre o passado, pois ao compará-lo com o presente a criança tem
a oportunidade de desenvolver o seu lado critico, fator essencial na formação do futuro
cidadão.
Portanto, para fugir do estilo tradicional de ensino, que acaba por muitas vezes
limitando a construção do conhecimento, na atualidade os centros de ensino e as escolas,
segundo Oliveira e Gastal (2009), buscam harmonizar a educação formal com a educação
informal, ou não-formal6, proporcionando ações que geram atividades capazes de despertar o
interesse dos alunos nas disciplinas curriculares tradicionais, colaborando com o avanço no
desempenho escolar.
As propostas pedagógicas da educação não-formal utilizam espaços como museus,
praças, organizações sociais, ambientes urbanos e rurais etc., como espaços pedagógicos.
Neste sentido, “é uma área bastante diversa, e esse aspecto é muito interessante, pois permite,
além de contribuições de várias áreas, a composição de diferentes contextos culturais, tendo a
diversidade como uma de suas características” (OLIVEIRA; GASTAL, 2009, p. 4).
Para facilitar o aprendizado neste sistema não-formal, o educador pode recorrer à
interdisciplinaridade, ultrapassando os limites de cada área/disciplina, as quais passam a
trabalhar em conjunto. Mas, é preciso pensar de que forma esse conhecimento gerado pela
união de várias disciplinas vai interferir na realidade do corpo docente. É neste momento que
a interdisciplinaridade se relaciona de forma pedagógica com a transversalidade.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) explicam o que são estas duas formas
de aprendizagem:
A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de
conhecimento produzido por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação
e a influência entre eles – questiona a visão compartimentada (disciplinar) da
realidade sobre qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constitui.
Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas. A transversalidade diz respeito
6 Utiliza-se de espaços fora dos limites da escola para desenvolver o processo educativo.
7
à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender
na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender
sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade)
(PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS apud MORAES, 2006, p. 8)
Utilizando-se destas formas pedagógicas os centros de ensino e principalmente as
escolas, se reinventam tornando-se “capazes de identificar as diferentes culturas que se
entrelaçam no universo escolar” (CANDAU, apud, MOREIRA, 2003, p. 160).
O multiculturalismo presente nas sociedades contemporâneas, especialmente na
brasileira, torna-se um desafio para os educadores. Portanto, entender como se constitui o
multiculturalismo na sociedade, enfraquece os impactos negativos que certos problemas
sociais causam, sobretudo quando expostos no ambiente escolar, especificamente na sala de
aula.
A perspectiva multicultural surge da complexidade de significados. Afirmar que
nossa sociedade é multicultural significa aceitar que ela é marcada pela diversidade
cultural de: grupos sociais, étnicos e culturais. Significa respeitar a heterogeneidade
e rejeitar mecanismos discriminatórios contra qualquer grupo social (ROSSATO,
2011, p.23)
Neste sentido a educação não-formal propõe uma renovação do sistema curricular,
onde a escola é promotora de Ação Cultural, que “corresponde ao seu aspecto educativo em
que fórmulas, meios, tecnologias e estratégias são utilizadas para difundir padrões, valores e
manifestações culturais de qualquer ordem” (ZEN, 2004, p.89). Desta forma, deve-se pensar
que a utilização adequada dos recursos culturais presentes na comunidade, da qual a escola
(ou centros de ensino) faz parte, favorece a ampliação do horizonte cultural do aluno através
de uma interação reflexiva.
AS ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS NA ESCOLA
Atividades que envolvem a criatividade sempre estiveram presentes na pedagogia
escolar, pois a criatividade é inerente ao ser humano e se desenvolve através do
aprimoramento das suas ações com as experiências externas. Ou seja, também é por meio do
processo de aprendizagem que o ser humano, especialmente as crianças, amplia a sua
capacidade psico-intelectual. De acordo com Vigotskii (1988, p.116), “estes processos estão
todos ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso central. A aprendizagem escolar
orienta e estimula processos internos de desenvolvimento”. Neste sentido, a valorização da
capacidade criativa das crianças, nas escolas, é essencial para sua formação intelectual.
8
Quanto mais rica for à experiência humana, tanto maior será o material de que
dispõem esta imaginação. [...] Daqui a conclusão pedagógica sobre a necessidade de
ampliar a experiência da criança se queremos proporcionar-lhe base suficientemente
sólida para sua atividade criadora (VIGOTSKII, 1988, pp. 17-18).
A criatividade então pode ser vista como atividade cognitiva, e também como
fenômeno social. Pois, o ser humano é capaz de compreender os elementos da realidade a
ponto de poder transformá-la criativamente em favor de si e dos outros homens. A partir dessa
capacidade criativa de desenvolvimento do ser humano, ou do seu irrestrito acúmulo,
podemos refletir sobre a chamada Economia Criativa, que está ligada a produção de riqueza
cultural, econômica e social.
Segundo o Plano da Economia Criativa (2014), ela se alimenta dos talentos criativos,
que se organizam individual ou coletivamente para produzir bens e serviços criativos.
Atuando no campo desta nova economia encontram-se as Atividades Criativas e Culturais.
Desta forma:
Atividades Criativas e Culturais entendem-se todos os setores baseados em valores
culturais e/ou expressões artísticas e criativas, quer estas atividades sejam ou não
orientadas para o mercado, independente do tipo de estrutura que as veicula. Estas
atividades incluem a criação, a produção, a difusão e a preservação de bens e
serviços que incorporam expressões culturais, artísticas e criativas, bem como
funções relacionadas, tais como a educação, a gestão e a regulação (Criative Europe
Programme) 7
Neste sentido, o acesso a bens e serviços criativos, além de gerar processos de
inclusão produtiva e social, também favorece ações voltadas para a cidadania. Neste ponto,
quando as escolas incluem em seu currículo pedagógico propostas educativas que envolvam
atividades ligadas aos setores criativos e culturais, estabelecem novos mecanismos de
inclusão social e de melhoria na qualidade de vida, pois permite aos sujeitos o direito de
escolha e de acesso aos bens e serviços criativos.
De acordo com Reis (2009), muitas vezes as pessoas sabem que o acesso à cultura é
importante, mas não interagem com ela por falta de informação ou pela simples inexistência
de equipamentos culturais (cinema, teatro, salas espetáculo ou de concerto musical) em
alguns municípios brasileiros: “se a criança é inserida no universo cultural, se ele lhe é
familiar e integra seu repertório ainda na fase infantil, é muito mais provável que venha a se
tornar um adulto participante culturalmente do que o é para uma criança alheia ao universo
7Europa Criativa é um programa que visa investimentos para os setores criativos e culturais da União Européia.
9
cultural” (REIS, 2009, p. 5). As escolas, neste sentido, colaboram para o desenvolvimento de
futuros agentes culturais, que tanto podem ser os alunos como os próprios educadores.
Desta forma, a ação das escolas causa um efeito multiplicador das atividades culturais,
uma vez que, ao trabalhar em cooperação com a comunidade, as atividades criativas tornam-
se iniciativas que contribuem para o desenvolvimento social e econômico das populações,
especialmente daquelas que se mantém à margem da sociedade, pois o que se aprende na
escola volta para a comunidade em forma de aprendizado, produtos culturais e possível
geração de renda.
ESTUDO DO PROGRAMA MAIS CULTURA NA ESCOLA NEITH ARAGON
MOTTA
O programa Mais Cultura nas Escolas surgiu em 2013, através de uma parceria entre a
Secretaria de Educação Básica (MEC) e a Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da
Cultura (MINC). Este programa visa contribuir para a formação de “territórios educativos”,
onde o saber formal, os saberes comunitários, as práticas artísticas e culturais possam
trabalhar de modo integrado, favorecendo o reconhecimento destes territórios. Um de seus
objetivos é “proporcionar aos alunos e à comunidade, vivências artísticas e culturais,
promovendo a afetividade e a criatividade existente na relação de ensino e aprendizagem8”.
Este programa disponibiliza R$ 20 mil em recursos para os projetos selecionados via
PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola/ FNDE). Para isso as escolas devem elaborar o
“Plano de Atividade Cultural da Escola”. As atividades podem acontecer dentro ou fora das
escolas, mas devem manter um dialogo com a realidade escolar e comunitária.
Portanto, em 2013 a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Neith Aragon
Motta tem seu Plano de Atividade Cultural aprovado, sendo a única escola da cidade de São
Borja (RS) a participar do programa Mais Cultura. De acordo com a atual diretora da escola,
E. G.9 o histórico de engajamento da escola com questões culturais e de inclusão colaborou
para a escolha do projeto. Isso por que a escola também se dedica ao atendimento
educacional especializado, com cursos para alunos com deficiência através de aulas de libras
8 Segundo o manual do Programa Mais Cultura na Escola. Disponível em: <http://www.funarte.gov.br /wp-
content/uploads/2013/06/manualMaisCultura.pdf> Acesso em: 17 mai. 2016. 9 Para manter a privacidade os entrevistados serão identificados somente pela primeira letra do nome e do
sobrenome.
10
e braile e atendimento a alunos do 1º ao 5º, com ou sem deficiência, onde a maioria é de
classe socioeconômica baixa.
A EMEF Neith Aragon Motta também atua em conjunto com a comunidade onde se
localiza: o bairro São João Batista. A comunidade é envolvida nos projetos auxiliando e
incentivando os alunos na realização das atividades, no incentivo à leitura e na valorização de
espaços culturais. Para isso, mantém parcerias com a escola de samba Vai Vai de São Borja
(RS), que através do programa Mais Cultura desenvolveu aulas de percussão musical para os
estudantes.
Desta forma, buscando compreender qual a visão que se tem sobre a relação das
Atividades Criativas e Culturais com a Educação, foram realizadas entrevistas, no mês de
maio de 2016, com os beneficiários do programa Mais Cultura na Escola. Dentre ele estão a
diretora e alunos da EMEF Neith Aragon Motta, assim como a coordenadora da escola de
samba Vai Vai de São Borja (RS). Os alunos entrevistados fora muma menina e um menino
do 5º ano da EMEF, os quais participaram das aulas de percussão ministradas pela escola de
samba.
A partir do primeiro contato com a EMEF Neith Aragon Motta, pode-se perceber que
através do programa Mais Cultura pode-se proporcionar ambientes de aprendizagem mais
intensos como entorno social, onde os alunos reforçam a oportunidade de construir o
conhecimento de acordo com o seu contexto sociocultural.
Sobre a relação das Atividades Criativas e Culturais com a Educação, a diretora da
EMEF Neith Aragon Motta, E. G. nos fala que:
[...] Tem tudo haver por que dentro da educação também ensina a questão
cultural. Desde pequeno é importante que seja trabalhada esta área (E. G.).
Nota-se que há uma visão de entrelaçamento entre a Cultura e a Educação:
[...] ontem eles tiveram um passeio turístico pela cidade [visitação aos
museus, prefeitura, praças, igreja, biblioteca, etc.] isso é uma questão de
cultura eles chegam na escola aprenderam os pontos turísticos da cidade e se
a gente não trabalhasse essa questão cultural eles não teriam noção de que
isso existe e que é importante a gente conhecer a gente visitar (...). Isso
motiva para que eles aprendam e isso reflete na sala de aula. Na
alfabetização esses momentos ajudam à desperta a leitura neles, o gosto pelo
ler pelo aprender através daquilo que viram. Os do 4º e 5º ano que já estão
estudando a questão do município [alusivo ao aniversário de emancipação
11
política de São Borja] é importante por que eles vão ver em loco o que eles
estão vendo na teoria... é fundamental (E. G.).
A partir deste relato de E.G. fica claro que as Atividades Criativas e Culturais são
fundamentais para o desenvolvimento pedagógico dos alunos. Na relação de ensino e
aprendizagem, a criatividade deve consistir em um fator de melhoria no processo de
conhecimento.
[...] Eu acho que tudo é positivo a questão da dança nós temos a invernada
[grupo folclórico de danças gaúchas] o rip-rop e isso é o que isso é cultura é
uma forma de explorar essa questão cultural. (...) A visita no museu, por
exemplo, se tu não levar o teu aluno, muitas vezes eles ficam adultos e
nunca visitaram um museu não sabem nem se quer o que é um museu. É
obrigação da escola fazer este trabalho com os alunos desde cedo de mostrar
para eles e despertar neles o gosto por estas questões (E. G.).
Percebe-se nesta fala de E. G. que o envolvimento dos estudantes com manifestações
culturais variadas, através do incentivo da escola, acaba sendo importante para o seu
desenvolvimento como cidadão. Este processo educacional torna-se uma ferramenta que
interage com a comunidade, proporcionando a criação de elementos que estabelecem o bem-
estar social; evidenciando que as escolas devem investir mais em projetos culturais.
A coordenadora da escola de Samba Vai Vai de São Borja (RS), que desenvolveu em
conjunto com o EMEF Neith Aragon Motta as aulas de percussão para os estudantes, reforça
o caráter social da cultura:
[...] Os projetos desenvolvidos com as crianças buscam valorizar a cultura
popular, a educação assim como transmitir bons hábitos para as crianças.
Nos preocupamos com a formação tanto cultural, educacional da criança e
do jovem já preparando ele para um futuro melhor. Que tenham um retorno
uma geração de renda num futuro próprio, e nós já temos alguns que são
convidados para conjuntos principalmente nos concursos de carnaval (M. R.
I.).
Através do depoimento de M. R. I., compreende-se que apresentar aos jovens os
potenciais da Cultura pode ser, além de um espaço lúdico, uma possibilidade de geração de
renda. Isto também colabora para que eles se dediquem à cultura como profissão,
colaborando para o desenvolvimento da economia criativa, onde os bens e serviços culturais
entram em um fluxo completo de produção, distribuição e consumo.
12
Na entrevista com alunos do 5º ano da EMEF Neith Aragon Motta, que participaram
das aulas de percussão ministradas em conjunto com a escola de Samba Vai Vai de São
Borja, observamos a importância da cultura na construção de novos saberes:
[...] Bah! É muito divertido [aula de percussão] Sabe! Eu aprendi a tocar
com ritmo marcado. Se der quem sabe eu quero ser músico (H. S.).
Eu sou menina, mas eu consegui! Desfilei na bateria [escola de samba Vai
Vai] foi muito legal! O que eu gosto mais na escola? Hum! São as aulas de
teatro, os passeios, eu aprendo muito (L. F.).
As declarações de H.S. e L. F., reforçam que a utilização das Atividades Criativas e
Culturais como formas pedagógicas, contribuem para o processo de socialização das crianças,
permitindo que elas adquiram mais consciência e conhecimento do presente, proporcionando
assim, uma melhoria na sua qualidade de vida.
Nota-se, ainda, na entrevista com a diretora da EMEF Neith Aragon Motta, que
quando a escola atua de forma inclusiva coma comunidade onde está inserida, enfraquece os
impactos negativos que certos problemas sociais causam. Assim as ações geradas pelas
Atividades Criativas e Culturais podem reforçar o debate sobre as relações sociais no
ambiente escolar.
[...] Eu vejo assim, a escola não pode ficar isolada ela tem que estar inserida
dentro da comunidade. E essa é uma oportunidade [através de projetos
culturais] da gente pode mostra a escola pra comunidade. Muitas pessoas
não vêm na escola para conhecer a realidade da escola então a escola vai até
a comunidade. Através dos eventos os professores também têm a
oportunidade de conhecer e ver a realidade em que os alunos vivem (E. G.).
Sobre o programa Mais Cultura E. G. relata que:
Com a verba que a gente recebeu do Mais Cultura, a gente levou eles no
teatro, proporcionou cinema para eles na escola, tudo o que a gente
consegue oportunizar para eles. E esse projeto ele foi bom por que fornece
também recurso para que a gente possa proporcionar para o aluno [...] por
que a escola muitas vezes não tem condições de certas coisas como ir ao
teatro e nem a família não tem. A aquisição de livros a aquisição de roupas
para a dança, pra invernada de dança, tudo foi custeado também com
recurso do Mais Cultura (E. G.).
Esta fala expõe a importância dos programas de incentivo à cultura, que, além de
reforçarem a construção de espaços educativos e fomentar outras formas de aprendizagens,
13
incentivam as ações de cidadania, às vezes, tornam-se o único recurso que as escolas carentes
possuem para poder oferecer aos seus alunos o contato com manifestações culturais variadas.
CONCLUSÃO
Ao final deste artigo constatamos que a relação entre as Atividades Criativas e
Culturais e a Educação torna-se fundamental para o desenvolvimento intelectual e social dos
sujeitos, pois, mobilizam memórias, emoções e experiências. Quando as escolas– que
trabalham com as series iniciais- fazem uso destas atividades criativas, elas se tornam um
importante exercício na aplicação de conhecimentos e de responsabilidade para a vida
cotidiana das pessoas envolvidas. Assim, as escolas têm a obrigação de atuarem sempre como
protagonistas na disseminação de novos saberes, sobretudo os mediados pelas práticas
culturais.
Através do programa Mais Cultura nas Escolas, percebe-se as Atividades Criativas e
Culturais por meio das oficinas, das produções artísticas como peças teatrais, dança, música,
e, principalmente, no processo de ensino-aprendizado gerado pela presença da escola de
Samba, seus artistas, lideranças e educadores.
Os alunos, nesse processo de aprendizado, também se apresentam como sujeitos
cheios de possibilidades criativas e capazes de gerar continuidades criativas em seus
contextos sociais, pois suas experiências e conhecimentos podem estimular o surgimento de
novos artistas, gestores culturais, assim como produtores de bens e serviços criativos, o que
certamente colabora para o desenvolvimento social e econômico das comunidades
consideradas fora dos grandes centros econômicos e culturais, neste caso, o bairro da EMEF
Neith Aragon Motta.
Entende-se que os desafios para se fortalecer as Atividades Criativas e Culturais nas
escolas passam por relações de poder, gestão política, e muitas vezes pela falta de capacitação
dos docentes. Desta forma, consideramos que para todos aqueles que querem promover a
inclusão destas questões na educação, torna-se indispensável a problematização de um novo
olhar, com mais sensibilidade e esperança para com as Atividades Criativas e Culturais.
Há também, a necessidade das escolas dialogarem constantemente com a comunidade.
Neste sentido, os educadores devem aprofundar o conhecimento em torno das potencialidades
culturais dos arredores das escolas. Só assim, esse trabalho de cooperação com a comunidade
14
garantirá o desenvolvimento de atividades mais prazerosas e motivadoras para os alunos,
fomentando estratégias de educação, que priorizam a diversidade e as diferenças históricas,
sociais e culturais que abrangem a cidade. Desta maneira, a escola, através da implementação
das Atividades Criativas e Culturais, poderá contribuir para a formação de docentes e
discentes que, em um futuro próximo, também poderão assumir o protagonismo enquanto
agentes sociais e culturais.
REFERÊNCIAS
CANDAU, Vera Maria; MOREIRA, Antonio F. B. Educação escolar e cultura (s):
construindo caminhos. Disponível em:<www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a11>Acesso em: 17
mai. 2016.
CHAUI, Marilena. Cidadania cultural. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
______, Marilena. Cultura e democracia. In: Crítica y emancipación: Revista latino
americana de Ciencias Sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2008-ISSN 1999-8104.
______, Política cultural, cultura política e patrimônio histórico. In: CUNHA, M. C. P.
(Org.). Direito à memória: patrimônio histórico e cidadania em São Paulo. São Paulo:
Departamento de Patrimônio Histórico, 1992.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso
tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº 2, p. 15-46, jul./dez. 1997.
MORAES, Allana Pessanha. Educação patrimonial nas escolas: aprendendo a resgatar o
patrimônio cultural. Disponível em:<http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/allana
_p_moraes_educ_patrimonial.pdf>. Acesso em: 17 mai. 2016.
OLIVEIRA Roni Ivan Rocha; GASTAL Maria Luíza de Araújo. Educação Formal Fora da
Sala de Aula: olhares sobre o ensino de ciências utilizando espaços não formais. Disponível
em: <posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/pdfs/1674.pdf> Acesso em: 18 mai. 2016.
REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da Cultura e Desenvolvimento: estratégias nacionais
e panorama global. Disponível em:<http://www.abgc.org.br/atividades/ artigos > Acesso em:
11 mai. 2016.
ROSSATO, Ermelio. Relações entre sociedade e cultura: uma perpectiva filosófica. In:
Educação, Sociedade e Cultura: reflexões inter disciplinares. Org. Antonio
Escandiel.Curitiba, PR: CRV, 2011.
15
VIGOTSKII, L.S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:
Vigotski e Luria. São Paulo: Edusp, 1988.
YÚDICE, George. A Conveniência da Cultura: Usos da cultura na era global. Trad. Marie-
Anne Kremer. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2006.
ZEN, Ana Maria Dalla. Entre a aparência e a essência, ou da animação à ação cultural. In:
GRUSZYNSKI, Ana Cláudia... [et al.]; MORIGI, Valdir J. ; MACHADO, Marcia B. (Org.).
Comunicação e práticas culturais. Porto Alegre, RS: Editora da UFRGS, 2004.