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Trançados musculares: análise das exigências musculares sobre as
extremidades inferiores (EEII) durante a prática do frevo
SOUZA, Giorrdani G. Q. de; VICENTE, Ana Valéria.
Resumo: Sendo o frevo um Patrimônio Imaterial do Brasil nada mais justo que o
interesse por esta expressão artística cresça. Tendo em vista a carência de pesquisas
que o abordem pelo viés da ciência e partindo do pressuposto de que o complexo
mioarticular das extremidades inferiores (EEII) recebe grande sobrecarga durante a
prática do frevo, realizamos análises qualitativas de nove movimentos do frevo com o
intuito de tentar identificar a veracidade da nossa hipótese. Através destas análises,
encontramos indícios de que a musculatura e as articulações das EEII são
sobrecarregadas durante a prática do frevo. Tomando como base os resultados das
análises qualitativas e os relatos de outros autores, nós encontramos indícios de que
exercícios específicos de fortalecimento muscular podem ajudar esta musculatura a
estabilizar as articulações das EEII e, com isto, prevenir lesões durante a prática do
frevo.
Introdução
O frevo é uma dança originária da cidade do Recife, com surgimento
datado entre o final do século XIX e início do Séc. XX, e é constituída de um
acúmulo de conhecimentos corporais sobre equilíbrio, impulso, agilidade,
explosão e deslizamentos (VICENTE, 2007). No ano de 2007, o frevo foi
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oficializado Patrimônio Imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. No entanto, existem poucas pesquisas
voltadas para a dança frevo e, apesar de a mesma ser praticada por um grande
número de pessoas e da existência de uma escola municipal de frevo,
localizada no bairro Torreão, em Recife, inexistem, até o momento, pesquisas
que abordem as exigências musculares e articulares durante a prática dessa
dança, assim como pesquisas que se proponham a discutir a metodologia de
ensino utilizada atualmente pelos professores de frevo.
Sistematizada na década de 1970, por Francisco do Nascimento Filho,
conhecido como Nascimento do Passo, essa dança popular pernambucana
passou por um processo de escolarização e difusão, que foi ampliado pelo
trabalho do Balé Popular do Recife (OLIVEIRA, 2003). Apesar de seu ensino
acontecer em escolas públicas e particulares, e em situações formais e não
formais de ensino, não há registros de uma discussão mais profunda sobre
qual a preparação corporal apropriada dentro do ensino desta modalidade de
dança. O Mestre Nascimento do Passo, através do seu Método Nascimento do
Passo (MNP) para ensino do frevo, esboçou movimentos que teriam esse
objetivo (QUEIROZ, 2009), no entanto, não foram desenvolvidos a ponto de
servirem a seu propósito.
Diferentes estilos de dança solicitam diferentes habilidades motoras e,
de acordo com Magil (1984), existe a necessidade de compreender os processos
envolvidos na aprendizagem e desempenho de habilidades motoras para que
instrutores possam desenvolver métodos apropriados para satisfazer
necessidades peculiares de diferentes situações de ensino. Aqui no Brasil, no
entanto, a dança em geral, ainda produz poucas pesquisas que abordem,
discutam ou questionem o treinamento físico do bailarino.
Com o objetivo de abordar o frevo pela ótica da Ciência do Esporte, da
Fisiologia do Exercício e da Cinesiologia, foi proposta a realização da pesquisa
cultural Trançados musculares: saúde corporal e ensino do frevo, da qual o
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presente artigo é um dos resultados. A pesquisa Trançados musculares, parte
da ideia de que a proposição de um treinamento para o frevo, assim como para
as demais danças, deve ser baseada em conhecimentos advindos de áreas
como a Cinesiologia, Biomecânica, Fisiologia do Exercício, Anatomia Funcional
e Aprendizagem Motora. Acreditamos que assim se possa compreender melhor
a atividade conjunta do sistema neuromusculoesquelético envolvida na
realização dos movimentos durante a prática da dança. Com essa
compreensão, podemos então ser capazes de melhor desenvolver e programar
estratégias que tornem o aprendizado e execução destes movimentos mais
econômicos energeticamente, executando-os de forma a incorporar princípios
da Cinesiologia e Fisiologia do Exercício e, com isso, melhorar qualitativamente
o processo de aprendizagem, assim como diminuir o risco de lesões durante a
prática do frevo. Estudos que possam demonstrar, através da fundamentação
teórica e embasamento científico, a importância da utilização desse tipo de
conhecimento por parte dos professores se fazem necessários. Dessa forma,
professores poderão aperfeiçoar a elaboração do treinamento prescrito para
bailarinos, contribuindo para que esses possam exercer sua atividade com
menor comprometimento de sua estrutura física, melhorando também sua
performance artística.
Utilizando-se de conhecimentos advindos das áreas supracitadas e da
análise qualitativa dos movimentos do frevo, é possível identificar quais são as
habilidades físicas reais que o aprendiz de frevo precisa adquirir no intuito de
melhor desenvolver seu potencial físico, melhor cultivar o seu fazer artístico,
assim como prevenir lesões.
O presente artigo apresenta e discute os resultados do estudo
cinesiológico de nove movimentos de frevo que integram o Método Nascimento
do Passo, com o objetivo de analisar a atividade dos grupos musculares das
EEII e identificar os tipos de contração desses músculos durante as diferentes
fases desses movimentos. A identificação do tipo de contração nos ajuda a
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direcionar o olhar para o tipo de treinamento adequado a esse estilo específico
de dança. Para que a amostra atingisse o maior grau possível de
representatividade das demandas do frevo, foram escolhidos nove movimentos
que demandam maior esforço muscular e apresentam, em conjunto, grande
variação de formas de apoio e transferência de peso. Os mesmos foram
registrados em vídeo e, posteriormente, analisados qualitativamente.
Materiais e métodos
DEFINIÇÃO DO RECORTE
Os movimentos do frevo são usualmente chamados de passos. No
intuito de definir os movimentos a serem estudados para avaliação das
demandas mioarticulares, foi elaborada uma lista de movimentos do Método
Nascimento do Passo (MNP).
O MNP é composto por 40 passos que são vivenciados em todas as
aulas, seguindo uma ordem pré-definida. A esses movimentos são acrescidos
outros, os quais variam de acordo com o enfoque dado por cada professor.
Esses passos, apesar de não integrarem a parte estruturada do Método, são
usados de forma recorrente em aulas e apresentações dos alunos. Para
identificar esses movimentos, consultamos Queiroz (2009), Araújo (2009) e
observamos registros de aulas e apresentações de alunos do Mestre
Nascimento do Passo nos anos de 1999, 2001 e 2003, assim como do grupo
Guerreiros do Passo no ano de 2007. Dessa forma, foi possível listar 67 passos
que de forma recorrente são utilizados por professores do Método Nascimento
do Passo.
Passamos, então, a identificar subconjuntos de movimentos de acordo
com diferentes exigências à musculatura e articulações. Assim, os mesmos
foram redivididos em cinco categorias: movimentos no nível médio com
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diferentes apoios; movimentos com apoio sobre o dorso1 dos pés; movimentos
com inversão e eversão dos pés; movimentos que envolvem flexão total das
pernas e suspensão com apoios nos pés; e saltos, como mostra a tabela abaixo:
Movimentos no nível
médio com diferentes
apoios
Na onda do passo; ponta de pé-calcanhar;
trocadilho; cruzeta; chapa quente; gaveta; faz que
vai, mas não vai; ferrolho; dobradiça; chã de
barriguinha; massapé; sapateando no gelo;
passeando na pracinha; tesoura simples; tesoura
tramelando; espalhando brasa; banho de mar
para frente; banho de mar para trás; guerreiro;
abre-alas; pulando corda; rojão; pisando em
brasa; metrô de superfície; tubarão; ginasta no
frevo; saci pererê; serrote; chutando com o pé;
chutando de frente; chutando de lado; pernada;
pontilhando; passa-passa em cima.
Movimentos com apoio
sobre o dorso dos pés
Pontinha de pé; alegria do salão; festival de
bailarinas; britadeira em movimento; britadeira
parada; britadeira passando a sombrinha; pé de
vento; plantando mandioca; patinho; alicate;
caindo nas molas.
Movimentos com
inversão e eversão dos
pés
Parafuso; apertando a porca; chave de cano.
Movimentos que
envolvem flexão total
das pernas e suspensão
Abre o leque; folha seca; rã eletrizada; carrossel;
ligadura; locomotiva; tesourão; passo do Zé;
enxada; tramela; passa-passa em baixo; metrô
1 Dorso do pé refere-se ao que os bailarinos comumente chamam de peito do pé.
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com apoios nos pés subterrâneo.
Saltos Tesoura passando a sombrinha; tesoura em
retrospecto; tesoura no ar; tesoura cruzando em
vice-versa; voo da andorinha; pulo do grilo; coice
de burro.
Tendo em vista que uma análise cinesiológica para cada um desses 67
passos seria inviável ao escopo deste projeto, nós decidimos escolher apenas
alguns movimentos que dentro dos nossos objetivos fossem mais significativos
e representativos das demandas físicas a que o corpo está sujeito ao dançar o
frevo.
Para a definição de quais movimentos seriam estudados e com o
objetivo de possibilitar uma análise das demandas do frevo em sua
complexidade, decidimos priorizar, dentro dessas categorias, os movimentos de
maior esforço muscular. Ainda focando na representatividade e diversidade,
foram selecionados movimentos que são realizados nos níveis alto, médio e
baixo e que apresentam variações de formas de apoio e transferência de peso.
Assim, chegou-se a lista dos nove movimentos analisados. Foram eles:
• Movimentos no plano médio com diferentes apoios: tesoura e ferrolho;
• Movimentos com apoio sobre o dorso dos pés: caindo nas molas e
patinho;
• Movimentos com inversão e eversão dos pés: parafuso e apertando a
porca;
• Movimentos que envolvem flexão total das pernas e suspensão com
apoios nos pés: tramela, tesourão e ligadura.
Portanto, pode-se considerar a amostra escolhida como representativa
das demandas mioarticulares do frevo no que concerne às EEII, dando enfoque
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aos seguintes pontos: amplitude articular necessária para realização dos
movimentos, identificação dos músculos mais utilizados e os tipos de contração
realizados pelos mesmos.
EXPLICAÇÃO RESUMIDA DA ANÁLISE
Este tipo de análise cinesiológica foi concebido para análises de
movimentos que acontecem em um único plano e, por esse motivo, tivemos que
realizar algumas pequenas mudanças de abordagem para que a pudéssemos
utilizar para analisar os passos do frevo, visto que os mesmos em sua maioria
acontecem em mais de um plano (frontal, sagital, transversal).
As análises são realizadas em oito etapas. Na primeira etapa, é descrito
o objetivo da análise, que neste projeto foi quase idêntico para todos os
movimentos. Nosso objetivo foi o de analisar a atividade dos seguintes grupos
musculares: flexores, extensores, adutores, abdutores e rotadores externos do
quadril; flexores e extensores do joelho; dorsiflexores e flexores plantares do
tornozelo; e, para alguns movimentos, a ação dos inversores e eversores do pé
(articulação subtalar), durante a execução dos passos do frevo selecionados.
Além de identificar os tipos de contração desses grupos musculares durante as
diferentes fases do movimento.
Na segunda etapa, é apresentada uma descrição do movimento do
ponto de vista cinesiológico e uma orientação para realização do movimento do
ponto de vista da dança. O plano de análise, ou seja, de onde o movimento foi
observado (frontal, sagital ou transversal), é definido na terceira etapa e, na
quarta etapa, são apresentadas as fases em que o movimento foi dividido. Cada
movimento possui uma posição a mais que o número de fases nas quais ele foi
dividido, ou seja, a fase 1 de qualquer movimento é composta pela passagem
da posição 1 para a posição 2, assim como a fase 2 é composta pela passagem
da posição 2 para a posição 3, e assim sucessivamente.
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Até então, todas as etapas têm a função de apresentar o movimento,
descrevê-lo e definir de que ponto de vista ele será analisado. A partir da quinta
etapa, a análise propriamente dita se inicia com a descrição das forças
externas que atuam no movimento e como elas o influenciam, para logo em
seguida, na sexta etapa, realizarmos a descrição das forças internas que atuam
no movimento. Queremos deixar claro que a nossa identificação (visual) do tipo
de contração muscular é apenas aproximada, pois para podermos afirmar com
exata precisão seria necessária a utilização de eletromiografia.
A etapa sete é utilizada para apresentar os resultados da etapa anterior
em forma de tabelas, onde os tipos de contração muscular dos grupos
envolvidos no movimento das articulações do quadril, joelho e tornozelo são
expressos na forma de porcentagens. Embora ao observar as tabelas de
contrações musculares tenha-se a impressão de que estes movimentos
precisam de muito tempo para acontecer, este não é o caso, pois na realidade
subdividimos os movimentos em fases para permitir uma análise detalhada dos
mesmos. Por exemplo, o movimento denominado tesoura foi dividido em 25
fases (quatro fases de descarga de peso com apoio duplo, três fases de impulso
rotacional, quatro fases de transferência de peso, quatro fases de apoio
simples, seis fases de mudança de plano e quatro fases aéreas) e o que,
aparentemente, toma muito tempo para acontecer, na realidade, acontece em
alguns poucos segundos. Para a análise e para fins didáticos, nós isolamos o
movimento em uma unidade básica que é o passo, em sua maioria, realizado
para os lados esquerdo e direito. Quando dançada, a mesma unidade básica se
repete indeterminadamente, dependendo da vontade e habilidade do
passista/aluno.
E, por final, na oitava etapa apresentamos a nossa conclusão, ou seja, o
que é que a análise realizada nos diz com relação ao nosso objetivo.
Dependendo do percentual de um tipo específico de contração em uma
determinada musculatura, nós podemos identificar se o movimento acontece
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por inércia, se é um movimento de aceleração ou desaceleração, e isso tem
significância na identificação da possibilidade de risco de lesão para aquela
articulação que está sendo movida.
Segundo Trew e Everett (2010), teoricamente, a massa de um segmento
se distribui por todo ele e a gravidade (peso = massa x aceleração da gravidade)
atua em todas as partículas de massa do segmento. Esses autores também
afirmam que é quase impossível realizar qualquer cálculo considerando tudo
isso. Assim, é utilizado o centro de massa (CM), que é o ponto imaginário onde
a massa do segmento está igualmente distribuída. O CM está intimamente
relacionado com o ponto de incidência da força da gravidade. O centro de
gravidade (CG) é o ponto imaginário onde a massa dos segmentos corporais
está igualmente distribuída. Na posição anatômica, acredita-se que esteja
localizado na altura da segunda vértebra sacral no interior da pelve. Contudo,
assim que o corpo desfaz a posição anatômica, o CG se desloca podendo se
localizar fora do corpo. Por exemplo, se estamos em pé e flexionarmos os
braços à 90º com o tronco, o CG se deslocará para frente e para cima. Na
quinta etapa da nossa análise, nós descrevemos a trajetória aproximada do
centro geral de massa (CGM) em cada fase do movimento.
Na figura 1, vemos um exemplo das variáveis avaliadas durante a
análise das forças externas que atuam sobre o corpo durante a fase 3 do
movimento parafuso. É descrito se a velocidade do CGM aumenta, diminui ou
permanece a mesma durante a fase observada; descreve-se o deslocamento do
CGM; e define-se em qual direção ele se desloca predominantemente, se na
vertical ou na horizontal. Essas descrições oferecem àquele que avalia a análise
uma ideia aproximada de como o CGM está se deslocando durante a execução
do movimento. É evidente que apenas com a observação visual é impossível
determinar com precisão a localização do CGM, porém, pode-se definir em que
direção ele está se deslocando e se a velocidade permanece a mesma, ou ainda,
se ele está em aceleração. Isso tem utilidade prática quando precisamos
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determinar se há uma sobrecarga articular durante a execução de um
determinado movimento.
Figura 1: fase 3 da análise do CGM durante a realização do parafuso.
Na sexta etapa, são avaliadas as forças internas (ação muscular), que
atuam nas articulações durante o movimento. Na figura 2, podemos observar a
análise das forças internas atuando sobre a articulação do tornozelo. Como se
pode ver nesse exemplo, há uma breve observação inicial seguida da descrição
do que está acontecendo nas articulações subtalares direita e esquerda com
relação ao ângulo de inversão/eversão. Para cada passo, foi escolhido o
movimento que nos parecia mais relevante para a articulação em questão e,
para o leitor da análise, isso esclarece que tipo de movimento está acontecendo
na articulação durante aquela fase. Logo em seguida, é descrita a direção da
velocidade (ω) e da aceleração (α) angular, que podem acontecer no sentido
horário ou anti-horário. Para identificar a direção da velocidade e da aceleração
angular das articulações, foi levado em consideração o que acontece na
articulação durante o movimento no plano onde esse seria mais visível.
Utilizamos como parâmetro de convenção que a descrição desses dois
elementos do movimento seria sempre realizada como se fossem vistos no lado
em que o movimento está acontecendo. Dependendo do movimento que é
observado e qual o plano escolhido, isso faz muita diferença na hora da
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interpretação do movimento e do que está acontecendo na articulação. Por
exemplo, na figura 2, a velocidade da flexão plantar do tornozelo esquerdo
permanece a mesma durante esta fase e a aceleração acontece no sentido
horário. Esta definição do sentido da aceleração é feita como se o corpo como
um todo fosse visto no plano sagital esquerdo, uma vez que o foco da
observação é o tornozelo esquerdo. Isso nos diz que mesmo que não haja
movimento (velocidade) existe uma aceleração, ou seja, os músculos
dorsiflexores estão ativos para direcionar e manter a articulação naquela
direção angular.
No tornozelo direito, porém, a velocidade da flexão plantar acontece no
sentido anti-horário e a aceleração no sentido horário, o que nos informa que o
movimento angular que acontece na articulação devido ao peso do corpo no
sentido da dorsiflexão está sendo desacelerado (contraposto) pela musculatura
flexora plantar.
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Figura 2: análise de forças internas atuando sobre a articulação do tornozelo durante a fase 2 do movimento ferrolho.
Na sétima etapa, é apresentado o resumo da sexta etapa através de
tabelas que nos informam a porcentagem de cada tipo de contração durante o
movimento. Na figura 3, podemos ver o resultado dos tipos de contração que
acontecem nos músculos que atuam sobre os quadris direito e esquerdo
durante a execução do ferrolho. Neste caso, a tabela nos informa que, durante
a realização desse movimento, os rotadores externos do quadril atuam
predominantemente estabilizando a articulação, uma vez que em todas as fases
do movimento eles estão contraídos isometricamente. Um músculo está
contraído isometricamente quando é gerada tensão interna no músculo (força
muscular), mas não há movimento aparente nos seguimentos em que esses
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músculos atuam. Esse tipo de contração acontece quando o corpo precisa
estabilizar uma articulação, ou seja, evitar que haja movimento nela.
Figura 3: tabela mostrando os tipos de contração muscular que acontecem nos músculos que
atuam sobre o quadril durante o movimento ferrolho.
ABRANGÊNCIA DAS ANÁLISES, POTENCIAIS E LIMITAÇÕES
A análise cinesiológica, embora não envolva cálculos e precisão quanto
à mensuração da força utilizada pela musculatura, como acontece com
análises biomecânicas, é capaz de identificar quais músculos estão envolvidos
na mobilização dos segmentos corporais e quais os tipos de contração são
necessários para que o movimento articular aconteça na amplitude e
velocidade desejadas. Uma análise cinesiológica é considerada qualitativa, pois
envolve a observação de um movimento in vivo ou através de vídeos, sua
divisão em partes e a descrição das forças internas e externas que atuam no
corpo sem uma mensuração quantitativa.
Professores de dança, ginástica, esportes, treinadores físicos e
profissionais que atuem ensinado algum tipo de habilidade física estão sempre,
consciente ou inconscientemente, realizando esse tipo de analise quando
trabalham com seus alunos, bailarinos ou atletas. Esses profissionais precisam
observar os movimentos realizados, identificar os erros e ajudar os seus alunos
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a corrigi-los. Posteriormente, o conteúdo dessas análises pode ser incorporado
a análises biomecânicas que, por sua vez, são mais quantitativas e envolvem
técnicas e equipamentos específicos que, em sua grande maioria, só são
encontrados em grandes laboratórios de biomecânica em universidades,
grandes times de futebol ou grandes centros de treinamento esportivo. O
conteúdo cinesiológico pode, então, ser usado como precursor do estudo
biomecânico, este envolve o estudo do efeito e mensuração das forças que agem
sobre diferentes partes de um organismo vivo (HAMILL, 1999). A utilização de
análise qualitativa cumpre adequadamente a sua função de indicar quais
músculos são mais utilizados na prática do frevo e, por essa razão, nos fornece
informações sobre quais musculaturas precisam de uma atenção especial no
que se refere ao seu fortalecimento.
No sistema articular humano, estabilidade e mobilidade são
inversamente proporcionais, ou seja, quanto mais móvel é uma articulação,
mais instável ela é (HAMILTON, 2002). Para conferir estabilidade às
articulações, o corpo humano, em seu desenvolvimento, aprimorou dois
mecanismos principais: um passivo e outro ativo. Sobre estabilidade passiva e
ativa, é importante frisar que o termo passivo aqui é utilizado para especificar
estruturas não contráteis e que apenas são movimentadas quando alguma
força é aplicada sobre elas, seja pelas outras estruturas a sua volta, seja pela
manipulação externa, como por exemplo, uma mobilização; já o termo ativo é
aplicado aos tecidos musculares por serem estruturas contráteis capazes de
gerar tensão interna e, com isso, movimentar, estabilizar e direcionar
segmentos corporais.
As estruturas anatômicas responsáveis pela estabilidade passiva são os
ligamentos, cápsula articular, cápsula sinovial, superfícies articulares e a
própria congruência das estruturas ósseas em uma articulação; além desses, a
gravidade e o vácuo na articulação, gerado pela pressão atmosférica negativa,
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também contribuem para estabilizar as articulações (HAMILL, 2008). A
estabilidade ativa fica a cargo dos músculos, que são capazes de contrair-se e
alongar-se de acordo com a necessidade, agindo de modo a estabilizar e
proteger ativamente as articulações de movimentos potencialmente danosos.
Todas essas estruturas trabalham em conjunto para estabilizar as
articulações durante os movimentos do corpo. Quanto mais os movimentos
expõem as articulações a grandes amplitudes, e se esses movimentos expõem
essas articulações à descarga de peso e aceleração angular, mais a
musculatura é requisitada para ajudar na estabilização (HAMILL; KNUTZER,
1999).
As três funções dos músculos esqueléticos relacionadas ao movimento
humano são: a assistência à estabilidade articular; a manutenção da postura e
posicionamento corporal; e a contribuição para o movimento humano
(HAMMIL; KNUTZER, 1999). Cada articulação possui suas possibilidades
específicas de movimento, de acordo com a sua forma e graus de liberdade,
sendo que, para cada movimento, diferentes músculos são solicitados com
funções distintas. A descrição das ações musculares que são realizadas por
cada músculo em relação a uma articulação específica encontra-se disponível
na literatura especializada. Com base na observação dos movimentos, podemos
identificar qual ou quais músculos estão sendo ativados em cada uma das
etapas do movimento.
Os movimentos foram realizados pelo passista Gil Silva, professor do
projeto Guerreiros do Passo, que transmite o Método Nascimento do Passo, em
15 de setembro de 2010, no Teatro Capiba, no SESC Casa Amarela. Os
mesmos foram filmados em dois planos (frontal e sagital) com duas câmeras
semiprofissionais (câmera Panasonic PV, modelo GS120, e câmera Panasonic,
modelo NV-GS300), dispostas à distância frontal de 8 metros e 90 cm, em
relação ao modelo, e à distância lateral de 4 metros e 65 centímetros, em
relação ao modelo. Depois de filmados, os movimentos foram observados por
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um fisioterapeuta treinado na análise de movimentos. Após essa observação, os
movimentos foram divididos em fases. Para a análise, as fases de movimento
foram capturadas do vídeo como fotografias digitais, através do programa
Adobe Premiere Elements. As análises tiveram como foco as articulações e
musculatura das EEII, uma vez que a maior sobrecarga acontece nas mesmas
que, por consequência, ficam mais expostas a lesões.
Cada fase foi analisada nos quesitos: deslocamento do centro geral de
massa; direção dos movimentos articulares; velocidade e aceleração angular
das articulações; e tipo de contração muscular necessário para realização dos
movimentos. Os resultados se referem à realização de cada movimento uma
única vez; não foram avaliados diferentes tempos de execução ou a quantidade
de passos realizados. Essas análises foram realizadas baseadas no método
qualitativo de análise do movimento descrito pelo professor Bert Loosen, da
European School of Physiotherapy, instituto pertencente a Hogeschool van
Amsterdam, na Holanda (LOOSEN, 2006; VAN INGEN S. G. J. et al., 1994).
Os resultados foram apresentados em forma de tabelas nas quais estão
especificadas as fases do movimento, os músculos analisados (divididos por
articulação) e os tipos de contração desses músculos durante a execução dos
movimentos (ver anexos). Dessas tabelas, foram extraídas as porcentagens dos
tipos de contração dos músculos (concêntrica, excêntrica, isométrica), assim
como a ausência de contração muscular visível. As articulações analisadas
foram os quadris, os joelhos, os tornozelos e, em alguns movimentos, as
articulações subtalares. A nomenclatura e a função dos músculos foram
descritas tendo como referência Kendall e Kendall (1993).
Resultados
Aqui apresentamos os resultados acerca da atividade muscular das EEII
em cada um dos nove passos do frevo que foram analisados em nossa
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pesquisa. Descrevemos, quando necessário, as particularidades do movimento,
como o passo foi dividido e o que as tabelas que apresentam as contrações
musculares significam no que se refere à utilização da musculatura e da
eventual sobrecarga articular durante o movimento. O quadro das
porcentagens dos tipos de contração será apresentado em cada passo para que
se possa melhor visualizar os resultados que apresentamos2.
1. Tesoura
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
O passo tesoura acontece em dois planos, o frontal e o sagital, o que
torna a nossa análise mais complexa. A tesoura foi dividida em 25
fases organizadas da seguinte forma: quatro fases de descarga de peso
com apoio duplo, três fases de impulso rotacional, quatro fases de
2 Sempre que houver alguma dúvida sobre como o movimento é realizado, nós sugerimos que o leitor se dirija ao anexo 1 do artigo e observe exatamente o que estamos relatando nos resultados.
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transferência de peso, quatro fases de apoio simples, seis fases de
mudança de plano e quatro fases aéreas.
Como pode se perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de
contração muscular realizados pelos músculos analisados nas
respectivas articulações, percebe-se uma predominância (37,2%) de
contrações isométricas na musculatura que atua no quadril, o que
demonstra um forte componente estabilizador na musculatura a volta
dessa articulação durante esse movimento. Em seguida, com 31,2%,
estão as contrações excêntricas, o que indica que nesse movimento os
músculos que atuam no quadril realizam frequentemente a tarefa de
desaceleração e direcionamento das articulações.
Nos joelhos, existe um equilíbrio entre contrações concêntricas,
normalmente utilizadas para movimentar (acelerar) os segmentos
corporais, e excêntricas, que têm a principal função de desacelerar ou
contrapor um torque específico.
No tornozelo, em 42% do tempo, os músculos, principalmente os
dorsiflexores, não apresentam contrações visíveis, o que indica que
grande parte do movimento dos pés, durante a tesoura, acontece por
inércia. Em 28% do tempo, os músculos se comportam como
desaceleradores do movimento (contrações excêntricas).
2. Ferrolho
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
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O ferrolho foi dividido em quatro fases, duas de rotação para esquerda
e duas de rotação para a direita, com variações de plano.
Durante as passagens das fases 1 e 4, existe um momento de força
(torque) em direção à flexão (segundo Hamill, aceleração angular
negativa – sentido horário) da articulação do joelho da perna que
recebe maior parte do peso corporal, ou seja, a perna que está
apoiada nos dedos e articulações metatarsofalangeanas. Isso acontece
com a função de amortecer o impacto sobre o tornozelo e quadril,
assim como de armazenar energia e transmiti-la para o tornozelo, a
qual será utilizada como alavanca para o impulso necessário à
mudança de direção do movimento nessa articulação.
Durante a execução do ferrolho, há um equilíbrio entre contrações
excêntricas e concêntricas dos músculos flexores, extensores,
adutores e abdutores da articulação do quadril, demonstrando igual
participação da musculatura nas funções de aceleração e
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desaceleração e de contrações isométricas nos rotadores externos
para manter a angulação da articulação (estabilização).
Já no joelho, há uma predominância de contrações excêntricas,
principalmente nos extensores, o que mostra claramente tanto uma
função de oposição ao torque flexor quanto de desaceleração da
velocidade angular nesse mesmo sentido para essa musculatura
durante a execução desse movimento.
Em vários momentos desse passo, os músculos que cruzam os
tornozelos, seja por apresentarem função antagonista ou por não
precisarem mover o segmento em nenhuma direção, não apresentam
contrações visíveis. As articulações dos tornozelos, enquanto
mantidas em dorsiflexão pela a ação da gravidade sobre o corpo,
funcionam como uma mola, acumulando energia elástica para
impulsionar o corpo.
A maior variação da amplitude de movimentos acontece na
articulação coxofemoral e, por essa razão, os músculos que cruzam
essa articulação apresentam uma maior função motora que os
músculos que estão atuando no joelho e tornozelo, os quais estão
sendo utilizados predominantemente para conceder vantagem
mecânica às alavancas dessas articulações e estabilizá-las durante a
desaceleração e impulsão. O joelho como articulação intermediária
está amortecendo o impacto nas duas extremidades do membro
inferior e transferindo energia, através dos músculos biarticulares
(sartório, reto femoral, isquiotibiais e gastrocnêmico), do quadril para
o tornozelo que utiliza essa energia para propulsão do corpo durante a
mudança de direção da pelve/tronco.
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3. Caindo nas molas
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
O movimento caindo nas molas é um movimento que visualmente
parece muito perigoso tanto para os tornozelos quanto para os
joelhos. Ele consiste basicamente em uma trajetória descendente do
corpo sobre o dorso dos pés, com os joelhos e quadris flexionados. É
preciso bastante prática para que se possa realizá-lo sem se lesionar.
Deve-se ter muito cuidado quando se está dançando o frevo em um
concurso ou no carnaval ou em algum local com terreno instável,
irregular ou áspero, pois, nessas situações, o caindo nas molas estará
inserido entre outros passos e, no fervor da dança, a lesão pode
acontecer. O perigo aqui é o de não controlar a desaceleração e bater
com os joelhos no chão, o que, dependendo da velocidade de impacto,
22
pode lesionar gravemente os joelhos. Além disso, se no momento de
transferência de peso da face plantar para a dorsal do pé, essa não for
feita com precisão e cuidado, pode-se também lesionar os pés.
O passo foi dividido em doze fases organizadas da seguinte forma:
duas fases de impulso inicial, duas de transferência de peso, sete
fases descendentes (desaceleração) e uma fase de descarga de peso.
As tabelas que mostram as porcentagens dos tipos de contração
muscular nos revelam que na articulação do quadril e do tornozelo há
uma predominância visível de contrações isométricas, o que nos
revela uma necessidade do corpo de proteger e estabilizar essas duas
articulações durante o movimento.
Quanto ao joelho, há uma predominância de contrações excêntricas
dos extensores, denotando o caráter desacelerador que essa
articulação tem na realização desse passo. Enquanto os joelhos vão
flexionando até o máximo, os adutores e abdutores do quadril
direcionam e estabilizam a coxa através de contrações isométricas. Os
flexores do joelho não apresentam contrações visíveis quase que
durante todo o movimento, uma vez que a descida do tronco, através
da flexão dos joelhos, acontece por aceleração da gravidade.
4. Patinho
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
23
De toda esta série de movimentos que nos propusemos a estudar, o
patinho é provavelmente o mais difícil de analisar devido à escolha do
plano de análise. O movimento consiste basicamente em uma
caminhada no plano baixo, onde as pernas permanecem flexionadas
nos joelhos e quadris durante toda a execução do mesmo. No plano
frontal, seria quase impossível a análise qualitativa desse movimento
e, no plano sagital, para uma análise que oferecesse maior
fidedignidade, seria necessário observar o movimento pelos dois lados,
pelo esquerdo e pelo direito. Como não tínhamos a imagem captada
pelos dois lados, decidimos realizar a análise apenas pelo plano
sagital esquerdo.
O passo foi dividido em dez fases organizadas da seguinte forma: duas
fases de impulso, quatro de transferência de apoio e quatro fases de
descarga de peso.
24
Como se pode perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de
contração muscular realizados nas respectivas articulações, há uma
predominância de contrações isométricas na articulação do quadril
(61%). Essas acontecem principalmente nos músculos adutores,
abdutores e rotadores externos que atuam como estabilizadores da
articulação, enquanto os extensores são utilizados
predominantemente de forma concêntrica para impulsionar o CGM no
sentido cranial. Os músculos flexores do quadril apresentam grande
porcentagem de ausência de contração visível, uma vez que o
movimento acontece no plano baixo com os quadris flexionados pela
ação da gravidade sobre o corpo.
Na articulação do joelho, observamos a ausência de contrações dos
flexores e um equilíbrio entre contrações concêntricas e excêntricas
nos músculos extensores, que durante o movimento têm a função de
acelerar o corpo cranialmente e desacelerar no sentido caudal. Isso
nos mostra que durante a realização do patinho a flexão dos joelhos
acontece passivamente, devido à atuação do peso do corpo sobre os
joelhos que permanecem flexionados durante todo o movimento, ou
seja, extremo de amplitude articular com descarga de peso.
No tornozelo, acontece flexão plantar e dorsiflexão e, na articulação
subtalar, acontece predominantemente inversão. Nas fases de
descarga de peso, o tornozelo em flexão plantar também é invertido
para que o dorso e a borda externa do pé possam ser utilizados como
superfície de contato.
25
O patinho é um movimento que coloca alta carga sobre a patela e
superfícies articulares do joelho devido à descarga de peso colocada
sobre essa articulação enquanto flexionada. É um movimento que
deveria ser ensinado e realizado apenas por alunos dos níveis
intermediário e avançado com maior controle e força muscular nas
EEII.
5. Parafuso
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
De toda a série de movimentos que foram analisados neste projeto, o
parafuso é provavelmente o mais simples no que diz respeito à análise
cinesiológica, pois não há variação de plano nem de nível. O
movimento consiste basicamente na transferência de peso de um pé
para outro, com as pernas cruzadas uma a frente da outra. Os pés,
26
durante essa troca, vão da eversão (posição de descarga de peso) para
a inversão (posição quase sem descarga de peso). Essa troca de base
de apoio é realizada quase sem força muscular por parte dos
músculos normalmente utilizados para movimentar os pés, mas sim
através da rotação da pelve e joelhos, que são quem direcionam o
movimento, direcionando os pés para suas respectivas posições.
O passo foi dividido em sete fases organizadas da seguinte forma:
duas fases de impulso, três de transferência de peso e duas fases de
descarga de peso.
Como se pode perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de
contração muscular realizados pelos músculos analisados nas
respectivas articulações, observamos uma predominância de
contrações excêntricas nos músculos que atuam nos joelhos e nos
quadris. Isso nos indica que nesse movimento os músculos realizam
frequentemente a tarefa de desaceleração, direcionamento dos
segmentos corporais e transferência de carga mais do que a tarefa
motora propriamente dita, ou seja, a de movimentação dos segmentos
corporais.
Outro ponto diferencial é que o tornozelo não foi analisado, pois essa
é a articulação onde ocorre a flexão/extensão, e esse não é o
movimento predominante nesse passo. O movimento predominante é
a inversão/eversão, que acontece na articulação subtalar, que
também recebe o nome de articulação talocalcaneonavicular. Nessa
articulação, durante a maior parte da execução do movimento, os
músculos não apresentam contração visível, indicando maior
utilização dos tecidos não contráteis para estabilizar a articulação. Ou
27
seja, essa articulação tem menos movimentos ativos que passivos
durante a execução do parafuso. Como os movimentos analisados
foram a inversão e a eversão, levamos em consideração os músculos
que são responsáveis por esses movimentos: os inversores (tibial
anterior, extensor longo do hálux, tibial posterior, flexor longo dos
dedos, flexor longo do hálux) e os eversores (extensor longo dos dedos,
fibular terceiro, fibular longo, fibular curto).
6. Apertando a porca
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
O movimento foi dividido em 17 fases, sendo elas organizadas da
seguinte forma: cinco fases de transferência de apoio, seis fases de
apoio unipodal e seis fases de apoio duplo.
28
Durante as fases de apoio simples, o peso do corpo é colocado em sua
maioria sobre o pé de base, porém, o outro pé também recebe um
pouco de peso, necessário para equilibrar o corpo. Nas fases de
transferência de peso, é utilizado o impulso das fases precedentes
para que a inércia ajude na transição da descarga de peso. Nas fases
de apoio duplo, a maior parte do peso se encontra sobre o pé que tem
sua face plantar no chão, e uma parte menor do peso se encontra
sobre o pé que está invertido.
As articulações coxofemorais permanecem na mesma posição de
semiflexão durante a fase no nível alto e, durante a fase descendente,
essa flexão aumenta gradualmente até o corpo chegar ao nível baixo.
Durante a maior parte do movimento, os flexores do quadril não
apresentam contrações visíveis, enquanto os extensores atuam ora
desacelerando o movimento com contrações excêntricas, ora
acelerando a articulação com contrações concêntricas. Os adutores,
abdutores e os rotadores externos apresentam uma predominância de
contrações isométricas, o que evidencia o seu caráter estabilizador da
articulação.
Nas articulações dos joelhos, os seus flexores, durante a maior parte
do movimento, não apresentam contrações visíveis, pois desde o início
essas articulações estão semiflexionadas e, durante a execução do
movimento, só aumentam o grau de flexão. Os extensores, por sua
vez, apresentam visível predominância de contrações excêntricas,
denotando o seu caráter desacelerador durante o movimento.
Os tornozelos, durante grande parte do movimento apertando a porca,
se encontram dorsiflexionados através da atuação da gravidade sobre
29
o corpo e, por essa razão, os dorsiflexores não apresentam contração
visível durante a maior parte do movimento. Enquanto isso, os
flexores plantares, por precisarem desacelerar e controlar o torque
dorsiflexor, apresentam predominância de contrações excêntricas.
Nesse movimento, a articulação subtalar ou talocalcânea é exposta a
grande estresse devido ao torque inversor a que é submetida. Além de
essa articulação ser invertida passivamente durante as fases de apoio
unipodal, sendo levada a um extremo de angulação, ela também
recebe parte da descarga de peso sobre ela. Isso pode aumentar o
risco de lesão se o passista não estiver consciente na hora de executar
o movimento e se a sua musculatura não for preparada e aquecida
adequadamente.
Durante a execução do apertando a porca, todas as articulações das
EEII são colocadas sobre extremos de amplitude articular. O quadril
vai até próximo de seu máximo de flexão nas fases em que o corpo se
encontra no nível baixo, assim como o joelho também é maximamente
flexionado durante essas fases do movimento. Os tornozelos e as
articulações subtalares são expostos a grande amplitude de
dorsiflexão e flexão plantar com inversão, respectivamente. Por essa
razão, é imprescindível que o passista ou aluno esteja muito
consciente de seu corpo durante a execução desse movimento para
que lesões sejam evitadas.
7. Tramela
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
30
A análise do movimento tramela torna-se bastante complexa por
envolver dois planos de análise no mesmo movimento, o frontal e o
sagital. Com o objetivo de simplificar a nossa análise desse
movimento, decidimos realizá-la apenas no plano frontal.
O passo foi dividido em 18 fases, sendo elas organizadas da seguinte
forma: duas fases de impulsão antes de iniciar a trajetória
ascendente, duas fases de impulsão antes de iniciar a trajetória
descendente, duas fases ascendentes rotacionais (logo após os
impulsos ascendentes), quatro fases descendentes, quatro fases
aéreas, duas fases de apoio lateral com descarga de peso, seguidas de
duas fases de suspensão com rotação (mudança de plano).
Durante as fases de apoio, os músculos que cruzam os quadris, os
joelhos e os tornozelos; as cápsulas articulares; os ligamentos; e os
31
tendões armazenam energia elástica, obtida durante o alongamento
atingido nessas posições, e a utilizam para impulsionar o corpo para
cima e atingir sua fase aérea, tanto ascendente quanto descendente.
Os músculos envolvidos nos movimentos realizados pelos pés, assim
como os ligamentos, cápsulas articulares e tendões estão quase que
100% do tempo de realização do movimento sobre alguma forma de
tensão, seja ela ativa, através da contração muscular, seja ela
passiva, por alongamentos dessas estruturas. O corpo é impulsionado
por inércia e acelerado em direção as respectivas posições finais
durante as fases aéreas. Essa aceleração da massa corpórea aumenta
a carga a que são expostas as articulações das EEII, principalmente,
os joelhos e articulações dos pés.
Os músculos, durante a maior parte do tempo, em todas as três
articulações dos membros inferiores, estão contraídos
excentricamente, o que configura um movimento com um componente
de desaceleração muito evidente. O maior número de movimentos
acontece na articulação coxofemoral, e as maiores amplitudes de
movimentos acontecem principalmente nos joelhos, que vão de uma
máxima flexão a uma hiperextensão, com descarga de peso nesses
dois extremos de amplitude articular. Por essa razão, os músculos
que cruzam essa articulação apresentam tanto função motora,
principalmente os extensores dos joelhos, quanto função
estabilizadora. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam as
articulações dos joelhos e dos tornozelos têm a função de estabilizar
essas articulações, assim como armazenar energia elástica para ser
utilizada na propulsão do corpo no sentido cranial.
32
8. Tesourão
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
O que esta análise nos evidencia é que, durante o movimento
tesourão, todos os músculos dos membros inferiores trabalham em
uníssono, uns com função predominantemente motora, outros
funcionando como transmissores de energia, outros ainda
estabilizando as articulações e outros recebendo a energia transmitida
para utilizá-la para propulsão. Um trabalho perfeitamente coordenado
pelo sistema nervoso central para que o corpo realize a tarefa
desejada de forma coordenada e eficiente.
O passo foi dividido em dez fases, sendo elas organizadas da seguinte
forma: duas fases de apoio para propulsão, quatro fases aéreas, duas
33
ascendentes, duas descendentes e duas fases de descarga de peso.
Durante a fase de apoio, os músculos que cruzam os joelhos e os
tornozelos, assim como os ligamentos e tendões armazenam a energia
elástica obtida durante o alongamento inicial. Essa energia é utilizada
para impulsionar o corpo para cima e, assim, atingir sua fase aérea.
Os joelhos se encontram esticados ao fim da fase ascendente, o que
faz com que, na fase de descarga de peso, os isquiotibiais assumam a
mesma função de propulsão através da utilização de energia elástica
armazenada. Essa energia é utilizada para suspender o corpo apenas
o suficiente para que ele atinja a fase aérea descendente e volte à
posição inicial, onde as articulações funcionam mais uma vez como
uma mola propulsora.
As maiores amplitudes de movimento acontecem nas articulações dos
joelhos e coxofemorais. Nas últimas, a predominância de contrações é
do tipo isométrica, indicando uma atividade estabilizadora; já os
joelhos vão de uma máxima flexão a uma hiperextensão com descarga
de peso nesses dois extremos de amplitude articular, onde a
desaceleração acontece durante a trajetória descendente. Os
músculos que cruzam a articulação do joelho apresentam tanto
função motora (aceleradora), no início do movimento, onde há
predominância de contrações concêntricas, quanto desaceleradora
nas fases finais, principalmente os extensores dos joelhos, que atuam
excentricamente. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam
as articulações dos joelhos e dos tornozelos têm a função de
estabilizar essas articulações tanto passiva quanto ativamente e
acumular energia elástica para ser utilizada na propulsão do corpo
para cima.
34
Os músculos flexores plantares à volta do tornozelo são utilizados
predominantemente de forma excêntrica, principalmente quando
esses se encontram dorsiflexionados com descarga de peso,
controlando o torque dorsiflexor e armazenando energia elástica para
a propulsão. Esse fato nos indica que os músculos flexores plantares
precisam ser bem aquecidos e alongados antes da execução desse
movimento para evitar distensões.
9. Ligadura
Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da
musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:
O passo ligadura exige bastante das articulações dos joelhos que,
durante o movimento, precisam receber o peso do corpo enquanto
totalmente flexionados. Essa é uma situação que impõe muito
35
estresse compressivo sobre a patela e tensivo nos tendões do
quadríceps.
O movimento foi dividido em 13 fases, sendo elas organizadas da
seguinte forma: duas fases de troca de apoio, oito fases de apoio
unipodal e três fases de apoio duplo.
Durante as fases de apoio duplo, no início, meio e final do movimento,
o peso do corpo é descarregado sobre os dois pés, porém, não de
forma homogênea. A maior parte do peso estará sempre sobre a perna
que tem o joelho flexionado. Durante as duas fases de troca de base
de apoio, o peso do corpo diminui sobre a base devido à inércia do
movimento no sentido cranial, e os pés tocam o solo com descarga de
peso mínima. É durante as fases de apoio unipodal, ou apoio simples,
que o peso é descarregado sobre apenas uma perna enquanto a outra
se movimenta livremente no espaço. A perna que recebe a descarga
total de peso utiliza a musculatura extensora do joelho para contrapor
o torque flexor gerado pela força da gravidade. Os pés utilizam da
vantagem mecânica de sua alavanca para transmitir energia para as
pernas e as coxas, e recebem, durante todas as fases de apoio
simples, uma imensa força compressiva sobre suas estruturas ósseas,
ligamentares e articulares.
A articulação coxofemoral, que permanece quase que na mesma
posição de abdução horizontal e rotação externa durante todo o
movimento, apresenta uma predominância de contrações isométricas
(66,2%), que nessa situação têm função de estabilização da
articulação.
36
A articulação do joelho apresenta predominância de contrações
concêntricas (28,8%) e excêntricas (25%), denotando funções
tipicamente motoras e desaceleradoras, respectivamente. Motora
quando flexiona e estende o joelho, e excêntrica (desaceleradora)
quando controla a velocidade do movimento.
Os tornozelos apresentam predominância de contrações isométricas
(46,2%), principalmente pelos flexores plantares, nos momentos em
que precisa contrapor o torque dorsiflexor gerado pela gravidade
agindo sobre o corpo. Nos períodos onde a contração muscular é
imperceptível (36,4%) e as estruturas não contráteis são alongadas
pela grande carga tensiva colocada sobre elas, a energia elástica é
armazenada nessas estruturas para serem utilizadas nos momentos
de impulsão.
A maior amplitude de movimentos acontece nas articulações
coxofemorais e, principalmente, nos joelhos, os quais vão de uma
máxima flexão a uma hiperextensão com descarga de peso nesses
dois extremos de amplitude articular. Por essa razão, os músculos
que cruzam essa articulação apresentam tanto função motora,
principalmente os extensores e flexores dos joelhos, quanto função
estabilizadora. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam as
articulações dos joelhos e tornozelos têm uma função muito
importante nessas articulações enquanto cumprem a função de
estabilizá-las e acumular energia elástica para ser utilizada na
propulsão do corpo para cima.
37
No movimento ligadura, assim como em todos os outros movimentos
analisados, os músculos abdominais precisam estar ativos durante
toda a execução do movimento para diminuir a carga sobre os
membros inferiores, estabilizar a pelve e a coluna lombar, a qual está
sendo exposta a altas cargas compressivas exercidas pelo peso do
tronco.
Discussão
Discutiremos a seguir, as características dos movimentos estudados,
tendo como referência os subgrupos de passos que organizam o recorte da
pesquisa, evidenciando as funções dos grupos musculares nas articulações das
EEII.
MOVIMENTOS NO NÍVEL MÉDIO COM DIFERENTES APOIOS: TESOURA
E FERROLHO
Durante a execução desses passos, que acontecem nos planos frontal e
sagital, a musculatura responsável pelos movimentos do quadril tem uma
função predominantemente estabilizadora durante a tesoura, o que nos é
evidenciado pela maior quantidade de contrações isométricas, e
motora/desaceleradora durante o ferrolho.
Quanto ao joelho, há uma predominância de contrações excêntricas no
ferrolho, evidenciando o caráter de desaceleração que essa articulação tem
nesse movimento. Já na tesoura, há praticamente equilíbrio entre contrações
excêntricas (34,4%) e concêntricas (35,2%), apresentando funções motora e
desaceleradora.
Durante esses dois movimentos, a musculatura que cruza e atua nos
tornozelos não apresenta contração visível, o que nos indica que os
movimentos acontecem predominantemente de forma passiva nessa
38
articulação. Como segunda forma de atividade muscular mais presente, temos
contrações concêntricas (motor), no ferrolho, e excêntricas (desacelerador), na
tesoura.
MOVIMENTOS COM APOIO SOBRE O DORSO DOS PÉS: CAINDO NAS
MOLAS E PATINHO
Durante esses dois movimentos, há uma visível predominância de
contrações isométricas na musculatura atuante no quadril, indicando
necessidade de estabilização dessa articulação.
O caindo nas molas descreve uma trajetória descendente viabilizada pela
constante flexão do joelho, e apresenta um componente desacelerador bem
nítido na musculatura que cruza essa articulação. O patinho, por sua vez, exige
muito dos extensores do joelho, assim como das estruturas articulares que são
expostas a grandes cargas compressivas. Isso se deve ao peso do corpo que é
acelerado sobre articulações que se encontram próximas a uma amplitude
máxima de flexão durante a maior parte do tempo.
Devido a essas altas cargas compressivas, os tornozelos e as articulações
subtalares precisam ser estabilizados para evitar lesões nas estruturas
articulares e, por isso, há a predominância de contrações isométricas na
musculatura inversora e eversora que cruza essas articulações.
MOVIMENTOS COM INVERSÃO/EVERSÃO DOS PÉS: PARAFUSO E
APERTANDO A PORCA
Aqui representados, estão dois movimentos que, aparentemente
semelhantes, contém elementos bastante distintos do ponto de vista da
demanda muscular. O parafuso pode ser considerado um movimento no qual a
predominância de contrações excêntricas nos quadris e joelhos indica a
presença do componente desacelerador.
39
O apertando a porca, no entanto, do ponto de vista da demanda
muscular, é um passo que exige força e coordenação (controle motor), por
consistir em uma trajetória descendente controlada e com troca de base de
apoio. É necessário que a coordenação motora e a força muscular estejam
sedimentadas para que a sua prática ocorra com menor risco de lesão. Este se
deve principalmente à predominância de contrações excêntricas nos músculos
que movem os joelhos e os tornozelos/subtalares, como será discutido
posteriormente.
MOVIMENTOS QUE ENVOLVEM FLEXÃO TOTAL DAS PERNAS E
SUSPENSÃO COM APOIOS NOS PÉS: TRAMELA, TESOURÃO E
LIGADURA
Desses três movimentos, a tramela é visivelmente o que mais exige da
musculatura, pois há uma predominância de contrações excêntricas nos
músculos que cruzam tanto os quadris como nos que cruzam os joelhos e os
tornozelos. Quanto ao tesourão, a carga imposta às articulações dos joelhos é
muito alta, devido à aceleração a que o corpo é exposto ao final das fases de
desaceleração descendente, nas quais o tempo para ativar os extensores do
joelho e desacelerar o movimento é muito curto, o que aumenta o risco de
lesão. Já a ligadura indica relações bem claras quanto à demanda muscular.
Há predominância de contrações isométricas nos músculos que atuam nos
quadris, conferindo mais estabilidade a essa articulação; contrações
concêntricas na musculatura responsável pelos joelhos, onde a função motora
(aceleração de segmentos) é mais visível; e, por fim, mas não menos
importantes, as contrações isométricas dos músculos dorsiflexores, que atuam
nos tornozelos, armazenando a energia elástica que será utilizada para
impulsionar essa alavanca e conferir mais estabilidade a essa articulação.
40
Os passos do frevo analisados podem ser entendidos como movimentos
nos quais o corpo é acelerado em alguma direção e utiliza um rápido momento
de inércia, proveniente desse impulso inicial, para atingir uma nova posição no
espaço, com ou sem troca de base de apoio, sendo seguido de um período de
desaceleração. Nesse período de desaceleração, os músculos responsáveis pelo
movimento estão se contraindo excentricamente e é nesse momento que nós
observamos um maior potencial para a lesão mioarticular na prática do frevo.
Segundo Diniz e Barros (2009), as lesões musculares por estiramento são as
lesões de maior incidência no contexto esportivo. Sua ocorrência tem sido
frequentemente relacionada à contração muscular excêntrica, pois durante
esse tipo de contração o músculo é alongado enquanto gera tensão.
A análise dos nove movimentos demonstra a grande recorrência de
contrações excêntricas nos passos de frevo, principalmente nas articulações do
quadril e do joelho. No quadril, há predominância de contrações isométricas e
excêntricas em sua musculatura. Apenas nos movimentos apertando a porca,
ligadura e patinho as contrações concêntricas acontecem em maior número que
as excêntricas. Nos músculos que cruzam os joelhos, observa-se atuação
predominante de contrações excêntricas nos movimentos tramela, parafuso e
ferrolho, e de contrações concêntricas nos movimentos tesoura, tesourão e
ligadura. É possível mais uma vez observar que há um grande número de
contrações excêntricas, as quais compõem, no mínimo 25% (ligadura) e no
máximo 86% (tramela), da atuação muscular nos joelhos. As contrações
isométricas foram pouco observadas, não sendo predominantes em nenhum
movimento, o que demonstra a constante atuação motora e desaceleradora
dessa importante e complexa articulação.
Na musculatura atuante sobre o tornozelo, as contrações excêntricas e
isométricas são predominantes. Em nenhum movimento estudado houve
predominância de contrações concêntricas. Nos movimentos patinho, parafuso
e apertando a porca, ao invés dos tornozelos, foram observadas as articulações
41
subtalares. Nessas, há predominância de músculos sem aparente contração e
uma quase equivalência quantitativa de contrações excêntricas e concêntricas,
a saber, patinho – 21,5%E e 20%C, parafuso – 17,8%E e 15,7%C e apertando a
porca – 24,3%E e 22,8%C.
Segundo a revisão de Clebis e Natali (2001), nas ações excêntricas ocorre
aumento de tensão nas fibras, pois essas são recrutadas em pequeno número,
e isso desencadeia uma série de eventos a nível celular, danificando as fibras
musculares. Movimentos que exijam predominantemente esse tipo de
contração devem ser realizados com bastante consciência e devem passar pela
fase de exercícios educativos3 e fortalecimento da musculatura utilizada.
Devido à velocidade com que os movimentos do frevo são realizados, seja
na roda durante as aulas ou ainda nas apresentações de frevo, o
aluno/passista, na maioria das vezes, está concentrado em outros aspectos da
sua atividade, tais como: o encadeamento dos passos, a música, a plateia, a
sua expressividade, entre outros fatores. Tudo isso junto vem a dificultar a
concentração na execução consciente dos passos nesses momentos específicos
onde a contração excêntrica é predominante, o que ajudaria a evitar lesões
durante a sua prática.
Outro elemento relevante para a definição do trabalho de preparação
corporal para o frevo, que foi possível observar, é a exigência de muita potência
muscular nas EEII, uma vez que a maioria dos passos é executada em altas
velocidades e que em grande parte deles há a necessidade de muita força
muscular. Exercícios de fortalecimento muscular podem vir a ajudar a
musculatura a melhor lidar com esse tipo de demanda física.
3 Exercícios educativos são utilizados em quase todas as modalidades esportivas com o intuito de aperfeiçoar a técnica do atleta. São exercícios que utilizam movimentos específicos da modalidade para
serem treinados isoladamente, o que otimiza a coordenação, o equilíbrio e a postura durante a prática esportiva, proporcionando uma melhor eficiência mecânica, evitando uma fadiga precoce e diminuindo a incidência de lesões.
42
Os ligamentos têm a função de restringir as articulações em
determinadas direções; e as cápsulas articulares, de manter as extremidades
ósseas e as outras estruturas intra-articulares em seus lugares durante o
movimento. Por serem estruturas de tecido conjuntivo basicamente
constituídas de colágeno, elas têm capacidade de resistir a forças tensivas.
Essa resistência à tensão tem um limite e quando esse limite é ultrapassado,
ocorre a lesão. Para que essas articulações possam se tornar mais estáveis e
resistir com mais eficiência às forças tensivas e compressivas a que estão
sujeitas durante os movimentos do frevo, é preciso que os músculos que
cruzam essas articulações sejam fortes o suficiente para contribuir com a sua
estabilização. Ao mesmo tempo, as grandes amplitudes articulares
desenvolvidas durante os movimentos sugerem que essas musculaturas devem
ser dotadas também de elasticidade, assim como as articulações devem
adquirir maior mobilidade.
Conclusão
As considerações aqui expostas apresentam uma primeira leitura a
partir das análises cinesiológicas desenvolvidas no âmbito do projeto
Trançados musculares: saúde corporal e ensino do frevo. Diferentes abordagens
podem ser desenvolvidas a partir desse mesmo material, tendo em vista a
riqueza de detalhes na apresentação dos músculos envolvidos e suas funções
em cada etapa dos nove movimentos analisados.
Através das análises qualitativas apresentadas, conseguimos identificar
que as articulações dos membros inferiores e coluna lombar estão expostas a
sobrecargas tensivas e compressivas durante a prática do frevo. Isso confirma
nossa hipótese inicial e lança novos entendimentos sobre como essa sobrecarga
acontece.
43
A sobrecarga mioarticular refere-se ao fato de as articulações serem
levadas ao máximo de flexão ou extensão com descarga de peso e aceleração.
As musculaturas que cruzam o quadril, o joelho e o tornozelo/subtalar se
revezam nas funções de desacelerar o movimento (na maioria das vezes,
através de contrações excêntricas), de ser o acelerador do movimento e de
estabilizar a articulação para evitar lesões. Isso ocorre devido à presença de
períodos sucessivos de aceleração e desaceleração durante a realização dos
passos, assim como devido às grandes amplitudes a que essas articulações
estão expostas.
Durante a maior parte dos movimentos, essas grandes amplitudes
articulares são acrescidas de descarga de peso e, na maioria das vezes, de
aceleração do tronco sobre as EEII. A análise dos resultados demonstrou a
presença constante de contrações excêntricas que podem ser consideradas, de
acordo com a bibliografia consultada, fator diretamente relacionado com lesões
por estiramento. Diante dessas observações, podemos postular que a prática
dos movimentos de frevo analisados exige a implementação de uma
coordenação motora precisa acompanhada por força muscular considerável. No
caso do frevo, a musculatura precisa estar apta a atuar com potência (força e
velocidade), devido à constante presença de aceleração para possibilitar o
alcance de grandes amplitudes articulares.
É, no entanto, preciso reconhecer o caráter aproximado dos resultados,
pois as análises realizadas não foram análises quantitativas, mas sim análises
qualitativas. Análises quantitativas (biomecânicas) – que tem o potencial de
identificar com grande precisão a carga exata a que uma articulação está
exposta, quais músculos estão ativos durante determinado movimento e com
que intensidade – necessitam de equipamentos específicos e muito caros, só
encontrados em alguns laboratórios universitários e de grandes agremiações
esportivas.
44
Por não termos acesso a recursos técnicos sofisticados para realização
desse tipo de análise, os nossos resultados têm suas limitações sem deixar de
ter o seu valor de ineditismo e contribuição para a dança frevo e seus
praticantes.
Seria de grande valia tanto para a prática artística quanto pedagógica
do frevo que outras pesquisas fossem realizadas em ambientes mais
controlados, com as tecnologias necessárias para se chegar a resultados
quantitativos mais acurados sobre a carga exata a que são expostas as
articulações das EEII durante a prática dessa modalidade de dança. Pesquisas
que investiguem se a adição de exercícios de fortalecimento muscular para as
extremidades inferiores podem prevenir lesões e melhorar a habilidade de
dançar o frevo também se fazem necessárias.
As evidências observadas e suas possíveis aplicações práticas
demonstram que a pesquisa acadêmica pode contribuir, de forma relevante,
para a solução de problemas teóricos e práticos encontrados na pedagogia e
didática do ensino do frevo e da dança como um todo.
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COMO CITAR ESTE ARTIGO:
VICENTE, Ana V.; SOUZA, Giorrdani G. Q. de. Trançados musculares:
análise das exigências musculares sobre as extremidades inferiores
(EEII) durante a prática do frevo. In: __________. Trançados musculares:
saúde corporal e ensino do frevo. Recife: Editora Associação Reviva,
2011. DVD.