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1 Trançados musculares: análise das exigências musculares sobre as extremidades inferiores (EEII) durante a prática do frevo SOUZA, Giorrdani G. Q. de; VICENTE, Ana Valéria. Resumo: Sendo o frevo um Patrimônio Imaterial do Brasil nada mais justo que o interesse por esta expressão artística cresça. Tendo em vista a carência de pesquisas que o abordem pelo viés da ciência e partindo do pressuposto de que o complexo mioarticular das extremidades inferiores (EEII) recebe grande sobrecarga durante a prática do frevo, realizamos análises qualitativas de nove movimentos do frevo com o intuito de tentar identificar a veracidade da nossa hipótese. Através destas análises, encontramos indícios de que a musculatura e as articulações das EEII são sobrecarregadas durante a prática do frevo. Tomando como base os resultados das análises qualitativas e os relatos de outros autores, nós encontramos indícios de que exercícios específicos de fortalecimento muscular podem ajudar esta musculatura a estabilizar as articulações das EEII e, com isto, prevenir lesões durante a prática do frevo. Introdução O frevo é uma dança originária da cidade do Recife, com surgimento datado entre o final do século XIX e início do Séc. XX, e é constituída de um acúmulo de conhecimentos corporais sobre equilíbrio, impulso, agilidade, explosão e deslizamentos (VICENTE, 2007). No ano de 2007, o frevo foi

Trançados musculares: análise das exigências musculares sobre … · Fisiologia do Exercício e da Cinesiologia, foi proposta a realização da pesquisa cultural Trançados musculares:

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Trançados musculares: análise das exigências musculares sobre as

extremidades inferiores (EEII) durante a prática do frevo

SOUZA, Giorrdani G. Q. de; VICENTE, Ana Valéria.

Resumo: Sendo o frevo um Patrimônio Imaterial do Brasil nada mais justo que o

interesse por esta expressão artística cresça. Tendo em vista a carência de pesquisas

que o abordem pelo viés da ciência e partindo do pressuposto de que o complexo

mioarticular das extremidades inferiores (EEII) recebe grande sobrecarga durante a

prática do frevo, realizamos análises qualitativas de nove movimentos do frevo com o

intuito de tentar identificar a veracidade da nossa hipótese. Através destas análises,

encontramos indícios de que a musculatura e as articulações das EEII são

sobrecarregadas durante a prática do frevo. Tomando como base os resultados das

análises qualitativas e os relatos de outros autores, nós encontramos indícios de que

exercícios específicos de fortalecimento muscular podem ajudar esta musculatura a

estabilizar as articulações das EEII e, com isto, prevenir lesões durante a prática do

frevo.

Introdução

O frevo é uma dança originária da cidade do Recife, com surgimento

datado entre o final do século XIX e início do Séc. XX, e é constituída de um

acúmulo de conhecimentos corporais sobre equilíbrio, impulso, agilidade,

explosão e deslizamentos (VICENTE, 2007). No ano de 2007, o frevo foi

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oficializado Patrimônio Imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. No entanto, existem poucas pesquisas

voltadas para a dança frevo e, apesar de a mesma ser praticada por um grande

número de pessoas e da existência de uma escola municipal de frevo,

localizada no bairro Torreão, em Recife, inexistem, até o momento, pesquisas

que abordem as exigências musculares e articulares durante a prática dessa

dança, assim como pesquisas que se proponham a discutir a metodologia de

ensino utilizada atualmente pelos professores de frevo.

Sistematizada na década de 1970, por Francisco do Nascimento Filho,

conhecido como Nascimento do Passo, essa dança popular pernambucana

passou por um processo de escolarização e difusão, que foi ampliado pelo

trabalho do Balé Popular do Recife (OLIVEIRA, 2003). Apesar de seu ensino

acontecer em escolas públicas e particulares, e em situações formais e não

formais de ensino, não há registros de uma discussão mais profunda sobre

qual a preparação corporal apropriada dentro do ensino desta modalidade de

dança. O Mestre Nascimento do Passo, através do seu Método Nascimento do

Passo (MNP) para ensino do frevo, esboçou movimentos que teriam esse

objetivo (QUEIROZ, 2009), no entanto, não foram desenvolvidos a ponto de

servirem a seu propósito.

Diferentes estilos de dança solicitam diferentes habilidades motoras e,

de acordo com Magil (1984), existe a necessidade de compreender os processos

envolvidos na aprendizagem e desempenho de habilidades motoras para que

instrutores possam desenvolver métodos apropriados para satisfazer

necessidades peculiares de diferentes situações de ensino. Aqui no Brasil, no

entanto, a dança em geral, ainda produz poucas pesquisas que abordem,

discutam ou questionem o treinamento físico do bailarino.

Com o objetivo de abordar o frevo pela ótica da Ciência do Esporte, da

Fisiologia do Exercício e da Cinesiologia, foi proposta a realização da pesquisa

cultural Trançados musculares: saúde corporal e ensino do frevo, da qual o

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presente artigo é um dos resultados. A pesquisa Trançados musculares, parte

da ideia de que a proposição de um treinamento para o frevo, assim como para

as demais danças, deve ser baseada em conhecimentos advindos de áreas

como a Cinesiologia, Biomecânica, Fisiologia do Exercício, Anatomia Funcional

e Aprendizagem Motora. Acreditamos que assim se possa compreender melhor

a atividade conjunta do sistema neuromusculoesquelético envolvida na

realização dos movimentos durante a prática da dança. Com essa

compreensão, podemos então ser capazes de melhor desenvolver e programar

estratégias que tornem o aprendizado e execução destes movimentos mais

econômicos energeticamente, executando-os de forma a incorporar princípios

da Cinesiologia e Fisiologia do Exercício e, com isso, melhorar qualitativamente

o processo de aprendizagem, assim como diminuir o risco de lesões durante a

prática do frevo. Estudos que possam demonstrar, através da fundamentação

teórica e embasamento científico, a importância da utilização desse tipo de

conhecimento por parte dos professores se fazem necessários. Dessa forma,

professores poderão aperfeiçoar a elaboração do treinamento prescrito para

bailarinos, contribuindo para que esses possam exercer sua atividade com

menor comprometimento de sua estrutura física, melhorando também sua

performance artística.

Utilizando-se de conhecimentos advindos das áreas supracitadas e da

análise qualitativa dos movimentos do frevo, é possível identificar quais são as

habilidades físicas reais que o aprendiz de frevo precisa adquirir no intuito de

melhor desenvolver seu potencial físico, melhor cultivar o seu fazer artístico,

assim como prevenir lesões.

O presente artigo apresenta e discute os resultados do estudo

cinesiológico de nove movimentos de frevo que integram o Método Nascimento

do Passo, com o objetivo de analisar a atividade dos grupos musculares das

EEII e identificar os tipos de contração desses músculos durante as diferentes

fases desses movimentos. A identificação do tipo de contração nos ajuda a

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direcionar o olhar para o tipo de treinamento adequado a esse estilo específico

de dança. Para que a amostra atingisse o maior grau possível de

representatividade das demandas do frevo, foram escolhidos nove movimentos

que demandam maior esforço muscular e apresentam, em conjunto, grande

variação de formas de apoio e transferência de peso. Os mesmos foram

registrados em vídeo e, posteriormente, analisados qualitativamente.

Materiais e métodos

DEFINIÇÃO DO RECORTE

Os movimentos do frevo são usualmente chamados de passos. No

intuito de definir os movimentos a serem estudados para avaliação das

demandas mioarticulares, foi elaborada uma lista de movimentos do Método

Nascimento do Passo (MNP).

O MNP é composto por 40 passos que são vivenciados em todas as

aulas, seguindo uma ordem pré-definida. A esses movimentos são acrescidos

outros, os quais variam de acordo com o enfoque dado por cada professor.

Esses passos, apesar de não integrarem a parte estruturada do Método, são

usados de forma recorrente em aulas e apresentações dos alunos. Para

identificar esses movimentos, consultamos Queiroz (2009), Araújo (2009) e

observamos registros de aulas e apresentações de alunos do Mestre

Nascimento do Passo nos anos de 1999, 2001 e 2003, assim como do grupo

Guerreiros do Passo no ano de 2007. Dessa forma, foi possível listar 67 passos

que de forma recorrente são utilizados por professores do Método Nascimento

do Passo.

Passamos, então, a identificar subconjuntos de movimentos de acordo

com diferentes exigências à musculatura e articulações. Assim, os mesmos

foram redivididos em cinco categorias: movimentos no nível médio com

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diferentes apoios; movimentos com apoio sobre o dorso1 dos pés; movimentos

com inversão e eversão dos pés; movimentos que envolvem flexão total das

pernas e suspensão com apoios nos pés; e saltos, como mostra a tabela abaixo:

Movimentos no nível

médio com diferentes

apoios

Na onda do passo; ponta de pé-calcanhar;

trocadilho; cruzeta; chapa quente; gaveta; faz que

vai, mas não vai; ferrolho; dobradiça; chã de

barriguinha; massapé; sapateando no gelo;

passeando na pracinha; tesoura simples; tesoura

tramelando; espalhando brasa; banho de mar

para frente; banho de mar para trás; guerreiro;

abre-alas; pulando corda; rojão; pisando em

brasa; metrô de superfície; tubarão; ginasta no

frevo; saci pererê; serrote; chutando com o pé;

chutando de frente; chutando de lado; pernada;

pontilhando; passa-passa em cima.

Movimentos com apoio

sobre o dorso dos pés

Pontinha de pé; alegria do salão; festival de

bailarinas; britadeira em movimento; britadeira

parada; britadeira passando a sombrinha; pé de

vento; plantando mandioca; patinho; alicate;

caindo nas molas.

Movimentos com

inversão e eversão dos

pés

Parafuso; apertando a porca; chave de cano.

Movimentos que

envolvem flexão total

das pernas e suspensão

Abre o leque; folha seca; rã eletrizada; carrossel;

ligadura; locomotiva; tesourão; passo do Zé;

enxada; tramela; passa-passa em baixo; metrô

1 Dorso do pé refere-se ao que os bailarinos comumente chamam de peito do pé.

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com apoios nos pés subterrâneo.

Saltos Tesoura passando a sombrinha; tesoura em

retrospecto; tesoura no ar; tesoura cruzando em

vice-versa; voo da andorinha; pulo do grilo; coice

de burro.

Tendo em vista que uma análise cinesiológica para cada um desses 67

passos seria inviável ao escopo deste projeto, nós decidimos escolher apenas

alguns movimentos que dentro dos nossos objetivos fossem mais significativos

e representativos das demandas físicas a que o corpo está sujeito ao dançar o

frevo.

Para a definição de quais movimentos seriam estudados e com o

objetivo de possibilitar uma análise das demandas do frevo em sua

complexidade, decidimos priorizar, dentro dessas categorias, os movimentos de

maior esforço muscular. Ainda focando na representatividade e diversidade,

foram selecionados movimentos que são realizados nos níveis alto, médio e

baixo e que apresentam variações de formas de apoio e transferência de peso.

Assim, chegou-se a lista dos nove movimentos analisados. Foram eles:

• Movimentos no plano médio com diferentes apoios: tesoura e ferrolho;

• Movimentos com apoio sobre o dorso dos pés: caindo nas molas e

patinho;

• Movimentos com inversão e eversão dos pés: parafuso e apertando a

porca;

• Movimentos que envolvem flexão total das pernas e suspensão com

apoios nos pés: tramela, tesourão e ligadura.

Portanto, pode-se considerar a amostra escolhida como representativa

das demandas mioarticulares do frevo no que concerne às EEII, dando enfoque

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aos seguintes pontos: amplitude articular necessária para realização dos

movimentos, identificação dos músculos mais utilizados e os tipos de contração

realizados pelos mesmos.

EXPLICAÇÃO RESUMIDA DA ANÁLISE

Este tipo de análise cinesiológica foi concebido para análises de

movimentos que acontecem em um único plano e, por esse motivo, tivemos que

realizar algumas pequenas mudanças de abordagem para que a pudéssemos

utilizar para analisar os passos do frevo, visto que os mesmos em sua maioria

acontecem em mais de um plano (frontal, sagital, transversal).

As análises são realizadas em oito etapas. Na primeira etapa, é descrito

o objetivo da análise, que neste projeto foi quase idêntico para todos os

movimentos. Nosso objetivo foi o de analisar a atividade dos seguintes grupos

musculares: flexores, extensores, adutores, abdutores e rotadores externos do

quadril; flexores e extensores do joelho; dorsiflexores e flexores plantares do

tornozelo; e, para alguns movimentos, a ação dos inversores e eversores do pé

(articulação subtalar), durante a execução dos passos do frevo selecionados.

Além de identificar os tipos de contração desses grupos musculares durante as

diferentes fases do movimento.

Na segunda etapa, é apresentada uma descrição do movimento do

ponto de vista cinesiológico e uma orientação para realização do movimento do

ponto de vista da dança. O plano de análise, ou seja, de onde o movimento foi

observado (frontal, sagital ou transversal), é definido na terceira etapa e, na

quarta etapa, são apresentadas as fases em que o movimento foi dividido. Cada

movimento possui uma posição a mais que o número de fases nas quais ele foi

dividido, ou seja, a fase 1 de qualquer movimento é composta pela passagem

da posição 1 para a posição 2, assim como a fase 2 é composta pela passagem

da posição 2 para a posição 3, e assim sucessivamente.

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Até então, todas as etapas têm a função de apresentar o movimento,

descrevê-lo e definir de que ponto de vista ele será analisado. A partir da quinta

etapa, a análise propriamente dita se inicia com a descrição das forças

externas que atuam no movimento e como elas o influenciam, para logo em

seguida, na sexta etapa, realizarmos a descrição das forças internas que atuam

no movimento. Queremos deixar claro que a nossa identificação (visual) do tipo

de contração muscular é apenas aproximada, pois para podermos afirmar com

exata precisão seria necessária a utilização de eletromiografia.

A etapa sete é utilizada para apresentar os resultados da etapa anterior

em forma de tabelas, onde os tipos de contração muscular dos grupos

envolvidos no movimento das articulações do quadril, joelho e tornozelo são

expressos na forma de porcentagens. Embora ao observar as tabelas de

contrações musculares tenha-se a impressão de que estes movimentos

precisam de muito tempo para acontecer, este não é o caso, pois na realidade

subdividimos os movimentos em fases para permitir uma análise detalhada dos

mesmos. Por exemplo, o movimento denominado tesoura foi dividido em 25

fases (quatro fases de descarga de peso com apoio duplo, três fases de impulso

rotacional, quatro fases de transferência de peso, quatro fases de apoio

simples, seis fases de mudança de plano e quatro fases aéreas) e o que,

aparentemente, toma muito tempo para acontecer, na realidade, acontece em

alguns poucos segundos. Para a análise e para fins didáticos, nós isolamos o

movimento em uma unidade básica que é o passo, em sua maioria, realizado

para os lados esquerdo e direito. Quando dançada, a mesma unidade básica se

repete indeterminadamente, dependendo da vontade e habilidade do

passista/aluno.

E, por final, na oitava etapa apresentamos a nossa conclusão, ou seja, o

que é que a análise realizada nos diz com relação ao nosso objetivo.

Dependendo do percentual de um tipo específico de contração em uma

determinada musculatura, nós podemos identificar se o movimento acontece

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por inércia, se é um movimento de aceleração ou desaceleração, e isso tem

significância na identificação da possibilidade de risco de lesão para aquela

articulação que está sendo movida.

Segundo Trew e Everett (2010), teoricamente, a massa de um segmento

se distribui por todo ele e a gravidade (peso = massa x aceleração da gravidade)

atua em todas as partículas de massa do segmento. Esses autores também

afirmam que é quase impossível realizar qualquer cálculo considerando tudo

isso. Assim, é utilizado o centro de massa (CM), que é o ponto imaginário onde

a massa do segmento está igualmente distribuída. O CM está intimamente

relacionado com o ponto de incidência da força da gravidade. O centro de

gravidade (CG) é o ponto imaginário onde a massa dos segmentos corporais

está igualmente distribuída. Na posição anatômica, acredita-se que esteja

localizado na altura da segunda vértebra sacral no interior da pelve. Contudo,

assim que o corpo desfaz a posição anatômica, o CG se desloca podendo se

localizar fora do corpo. Por exemplo, se estamos em pé e flexionarmos os

braços à 90º com o tronco, o CG se deslocará para frente e para cima. Na

quinta etapa da nossa análise, nós descrevemos a trajetória aproximada do

centro geral de massa (CGM) em cada fase do movimento.

Na figura 1, vemos um exemplo das variáveis avaliadas durante a

análise das forças externas que atuam sobre o corpo durante a fase 3 do

movimento parafuso. É descrito se a velocidade do CGM aumenta, diminui ou

permanece a mesma durante a fase observada; descreve-se o deslocamento do

CGM; e define-se em qual direção ele se desloca predominantemente, se na

vertical ou na horizontal. Essas descrições oferecem àquele que avalia a análise

uma ideia aproximada de como o CGM está se deslocando durante a execução

do movimento. É evidente que apenas com a observação visual é impossível

determinar com precisão a localização do CGM, porém, pode-se definir em que

direção ele está se deslocando e se a velocidade permanece a mesma, ou ainda,

se ele está em aceleração. Isso tem utilidade prática quando precisamos

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determinar se há uma sobrecarga articular durante a execução de um

determinado movimento.

Figura 1: fase 3 da análise do CGM durante a realização do parafuso.

Na sexta etapa, são avaliadas as forças internas (ação muscular), que

atuam nas articulações durante o movimento. Na figura 2, podemos observar a

análise das forças internas atuando sobre a articulação do tornozelo. Como se

pode ver nesse exemplo, há uma breve observação inicial seguida da descrição

do que está acontecendo nas articulações subtalares direita e esquerda com

relação ao ângulo de inversão/eversão. Para cada passo, foi escolhido o

movimento que nos parecia mais relevante para a articulação em questão e,

para o leitor da análise, isso esclarece que tipo de movimento está acontecendo

na articulação durante aquela fase. Logo em seguida, é descrita a direção da

velocidade (ω) e da aceleração (α) angular, que podem acontecer no sentido

horário ou anti-horário. Para identificar a direção da velocidade e da aceleração

angular das articulações, foi levado em consideração o que acontece na

articulação durante o movimento no plano onde esse seria mais visível.

Utilizamos como parâmetro de convenção que a descrição desses dois

elementos do movimento seria sempre realizada como se fossem vistos no lado

em que o movimento está acontecendo. Dependendo do movimento que é

observado e qual o plano escolhido, isso faz muita diferença na hora da

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interpretação do movimento e do que está acontecendo na articulação. Por

exemplo, na figura 2, a velocidade da flexão plantar do tornozelo esquerdo

permanece a mesma durante esta fase e a aceleração acontece no sentido

horário. Esta definição do sentido da aceleração é feita como se o corpo como

um todo fosse visto no plano sagital esquerdo, uma vez que o foco da

observação é o tornozelo esquerdo. Isso nos diz que mesmo que não haja

movimento (velocidade) existe uma aceleração, ou seja, os músculos

dorsiflexores estão ativos para direcionar e manter a articulação naquela

direção angular.

No tornozelo direito, porém, a velocidade da flexão plantar acontece no

sentido anti-horário e a aceleração no sentido horário, o que nos informa que o

movimento angular que acontece na articulação devido ao peso do corpo no

sentido da dorsiflexão está sendo desacelerado (contraposto) pela musculatura

flexora plantar.

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Figura 2: análise de forças internas atuando sobre a articulação do tornozelo durante a fase 2 do movimento ferrolho.

Na sétima etapa, é apresentado o resumo da sexta etapa através de

tabelas que nos informam a porcentagem de cada tipo de contração durante o

movimento. Na figura 3, podemos ver o resultado dos tipos de contração que

acontecem nos músculos que atuam sobre os quadris direito e esquerdo

durante a execução do ferrolho. Neste caso, a tabela nos informa que, durante

a realização desse movimento, os rotadores externos do quadril atuam

predominantemente estabilizando a articulação, uma vez que em todas as fases

do movimento eles estão contraídos isometricamente. Um músculo está

contraído isometricamente quando é gerada tensão interna no músculo (força

muscular), mas não há movimento aparente nos seguimentos em que esses

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músculos atuam. Esse tipo de contração acontece quando o corpo precisa

estabilizar uma articulação, ou seja, evitar que haja movimento nela.

Figura 3: tabela mostrando os tipos de contração muscular que acontecem nos músculos que

atuam sobre o quadril durante o movimento ferrolho.

ABRANGÊNCIA DAS ANÁLISES, POTENCIAIS E LIMITAÇÕES

A análise cinesiológica, embora não envolva cálculos e precisão quanto

à mensuração da força utilizada pela musculatura, como acontece com

análises biomecânicas, é capaz de identificar quais músculos estão envolvidos

na mobilização dos segmentos corporais e quais os tipos de contração são

necessários para que o movimento articular aconteça na amplitude e

velocidade desejadas. Uma análise cinesiológica é considerada qualitativa, pois

envolve a observação de um movimento in vivo ou através de vídeos, sua

divisão em partes e a descrição das forças internas e externas que atuam no

corpo sem uma mensuração quantitativa.

Professores de dança, ginástica, esportes, treinadores físicos e

profissionais que atuem ensinado algum tipo de habilidade física estão sempre,

consciente ou inconscientemente, realizando esse tipo de analise quando

trabalham com seus alunos, bailarinos ou atletas. Esses profissionais precisam

observar os movimentos realizados, identificar os erros e ajudar os seus alunos

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a corrigi-los. Posteriormente, o conteúdo dessas análises pode ser incorporado

a análises biomecânicas que, por sua vez, são mais quantitativas e envolvem

técnicas e equipamentos específicos que, em sua grande maioria, só são

encontrados em grandes laboratórios de biomecânica em universidades,

grandes times de futebol ou grandes centros de treinamento esportivo. O

conteúdo cinesiológico pode, então, ser usado como precursor do estudo

biomecânico, este envolve o estudo do efeito e mensuração das forças que agem

sobre diferentes partes de um organismo vivo (HAMILL, 1999). A utilização de

análise qualitativa cumpre adequadamente a sua função de indicar quais

músculos são mais utilizados na prática do frevo e, por essa razão, nos fornece

informações sobre quais musculaturas precisam de uma atenção especial no

que se refere ao seu fortalecimento.

No sistema articular humano, estabilidade e mobilidade são

inversamente proporcionais, ou seja, quanto mais móvel é uma articulação,

mais instável ela é (HAMILTON, 2002). Para conferir estabilidade às

articulações, o corpo humano, em seu desenvolvimento, aprimorou dois

mecanismos principais: um passivo e outro ativo. Sobre estabilidade passiva e

ativa, é importante frisar que o termo passivo aqui é utilizado para especificar

estruturas não contráteis e que apenas são movimentadas quando alguma

força é aplicada sobre elas, seja pelas outras estruturas a sua volta, seja pela

manipulação externa, como por exemplo, uma mobilização; já o termo ativo é

aplicado aos tecidos musculares por serem estruturas contráteis capazes de

gerar tensão interna e, com isso, movimentar, estabilizar e direcionar

segmentos corporais.

As estruturas anatômicas responsáveis pela estabilidade passiva são os

ligamentos, cápsula articular, cápsula sinovial, superfícies articulares e a

própria congruência das estruturas ósseas em uma articulação; além desses, a

gravidade e o vácuo na articulação, gerado pela pressão atmosférica negativa,

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também contribuem para estabilizar as articulações (HAMILL, 2008). A

estabilidade ativa fica a cargo dos músculos, que são capazes de contrair-se e

alongar-se de acordo com a necessidade, agindo de modo a estabilizar e

proteger ativamente as articulações de movimentos potencialmente danosos.

Todas essas estruturas trabalham em conjunto para estabilizar as

articulações durante os movimentos do corpo. Quanto mais os movimentos

expõem as articulações a grandes amplitudes, e se esses movimentos expõem

essas articulações à descarga de peso e aceleração angular, mais a

musculatura é requisitada para ajudar na estabilização (HAMILL; KNUTZER,

1999).

As três funções dos músculos esqueléticos relacionadas ao movimento

humano são: a assistência à estabilidade articular; a manutenção da postura e

posicionamento corporal; e a contribuição para o movimento humano

(HAMMIL; KNUTZER, 1999). Cada articulação possui suas possibilidades

específicas de movimento, de acordo com a sua forma e graus de liberdade,

sendo que, para cada movimento, diferentes músculos são solicitados com

funções distintas. A descrição das ações musculares que são realizadas por

cada músculo em relação a uma articulação específica encontra-se disponível

na literatura especializada. Com base na observação dos movimentos, podemos

identificar qual ou quais músculos estão sendo ativados em cada uma das

etapas do movimento.

Os movimentos foram realizados pelo passista Gil Silva, professor do

projeto Guerreiros do Passo, que transmite o Método Nascimento do Passo, em

15 de setembro de 2010, no Teatro Capiba, no SESC Casa Amarela. Os

mesmos foram filmados em dois planos (frontal e sagital) com duas câmeras

semiprofissionais (câmera Panasonic PV, modelo GS120, e câmera Panasonic,

modelo NV-GS300), dispostas à distância frontal de 8 metros e 90 cm, em

relação ao modelo, e à distância lateral de 4 metros e 65 centímetros, em

relação ao modelo. Depois de filmados, os movimentos foram observados por

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um fisioterapeuta treinado na análise de movimentos. Após essa observação, os

movimentos foram divididos em fases. Para a análise, as fases de movimento

foram capturadas do vídeo como fotografias digitais, através do programa

Adobe Premiere Elements. As análises tiveram como foco as articulações e

musculatura das EEII, uma vez que a maior sobrecarga acontece nas mesmas

que, por consequência, ficam mais expostas a lesões.

Cada fase foi analisada nos quesitos: deslocamento do centro geral de

massa; direção dos movimentos articulares; velocidade e aceleração angular

das articulações; e tipo de contração muscular necessário para realização dos

movimentos. Os resultados se referem à realização de cada movimento uma

única vez; não foram avaliados diferentes tempos de execução ou a quantidade

de passos realizados. Essas análises foram realizadas baseadas no método

qualitativo de análise do movimento descrito pelo professor Bert Loosen, da

European School of Physiotherapy, instituto pertencente a Hogeschool van

Amsterdam, na Holanda (LOOSEN, 2006; VAN INGEN S. G. J. et al., 1994).

Os resultados foram apresentados em forma de tabelas nas quais estão

especificadas as fases do movimento, os músculos analisados (divididos por

articulação) e os tipos de contração desses músculos durante a execução dos

movimentos (ver anexos). Dessas tabelas, foram extraídas as porcentagens dos

tipos de contração dos músculos (concêntrica, excêntrica, isométrica), assim

como a ausência de contração muscular visível. As articulações analisadas

foram os quadris, os joelhos, os tornozelos e, em alguns movimentos, as

articulações subtalares. A nomenclatura e a função dos músculos foram

descritas tendo como referência Kendall e Kendall (1993).

Resultados

Aqui apresentamos os resultados acerca da atividade muscular das EEII

em cada um dos nove passos do frevo que foram analisados em nossa

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pesquisa. Descrevemos, quando necessário, as particularidades do movimento,

como o passo foi dividido e o que as tabelas que apresentam as contrações

musculares significam no que se refere à utilização da musculatura e da

eventual sobrecarga articular durante o movimento. O quadro das

porcentagens dos tipos de contração será apresentado em cada passo para que

se possa melhor visualizar os resultados que apresentamos2.

1. Tesoura

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

O passo tesoura acontece em dois planos, o frontal e o sagital, o que

torna a nossa análise mais complexa. A tesoura foi dividida em 25

fases organizadas da seguinte forma: quatro fases de descarga de peso

com apoio duplo, três fases de impulso rotacional, quatro fases de

2 Sempre que houver alguma dúvida sobre como o movimento é realizado, nós sugerimos que o leitor se dirija ao anexo 1 do artigo e observe exatamente o que estamos relatando nos resultados.

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transferência de peso, quatro fases de apoio simples, seis fases de

mudança de plano e quatro fases aéreas.

Como pode se perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de

contração muscular realizados pelos músculos analisados nas

respectivas articulações, percebe-se uma predominância (37,2%) de

contrações isométricas na musculatura que atua no quadril, o que

demonstra um forte componente estabilizador na musculatura a volta

dessa articulação durante esse movimento. Em seguida, com 31,2%,

estão as contrações excêntricas, o que indica que nesse movimento os

músculos que atuam no quadril realizam frequentemente a tarefa de

desaceleração e direcionamento das articulações.

Nos joelhos, existe um equilíbrio entre contrações concêntricas,

normalmente utilizadas para movimentar (acelerar) os segmentos

corporais, e excêntricas, que têm a principal função de desacelerar ou

contrapor um torque específico.

No tornozelo, em 42% do tempo, os músculos, principalmente os

dorsiflexores, não apresentam contrações visíveis, o que indica que

grande parte do movimento dos pés, durante a tesoura, acontece por

inércia. Em 28% do tempo, os músculos se comportam como

desaceleradores do movimento (contrações excêntricas).

2. Ferrolho

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

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O ferrolho foi dividido em quatro fases, duas de rotação para esquerda

e duas de rotação para a direita, com variações de plano.

Durante as passagens das fases 1 e 4, existe um momento de força

(torque) em direção à flexão (segundo Hamill, aceleração angular

negativa – sentido horário) da articulação do joelho da perna que

recebe maior parte do peso corporal, ou seja, a perna que está

apoiada nos dedos e articulações metatarsofalangeanas. Isso acontece

com a função de amortecer o impacto sobre o tornozelo e quadril,

assim como de armazenar energia e transmiti-la para o tornozelo, a

qual será utilizada como alavanca para o impulso necessário à

mudança de direção do movimento nessa articulação.

Durante a execução do ferrolho, há um equilíbrio entre contrações

excêntricas e concêntricas dos músculos flexores, extensores,

adutores e abdutores da articulação do quadril, demonstrando igual

participação da musculatura nas funções de aceleração e

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desaceleração e de contrações isométricas nos rotadores externos

para manter a angulação da articulação (estabilização).

Já no joelho, há uma predominância de contrações excêntricas,

principalmente nos extensores, o que mostra claramente tanto uma

função de oposição ao torque flexor quanto de desaceleração da

velocidade angular nesse mesmo sentido para essa musculatura

durante a execução desse movimento.

Em vários momentos desse passo, os músculos que cruzam os

tornozelos, seja por apresentarem função antagonista ou por não

precisarem mover o segmento em nenhuma direção, não apresentam

contrações visíveis. As articulações dos tornozelos, enquanto

mantidas em dorsiflexão pela a ação da gravidade sobre o corpo,

funcionam como uma mola, acumulando energia elástica para

impulsionar o corpo.

A maior variação da amplitude de movimentos acontece na

articulação coxofemoral e, por essa razão, os músculos que cruzam

essa articulação apresentam uma maior função motora que os

músculos que estão atuando no joelho e tornozelo, os quais estão

sendo utilizados predominantemente para conceder vantagem

mecânica às alavancas dessas articulações e estabilizá-las durante a

desaceleração e impulsão. O joelho como articulação intermediária

está amortecendo o impacto nas duas extremidades do membro

inferior e transferindo energia, através dos músculos biarticulares

(sartório, reto femoral, isquiotibiais e gastrocnêmico), do quadril para

o tornozelo que utiliza essa energia para propulsão do corpo durante a

mudança de direção da pelve/tronco.

21

3. Caindo nas molas

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

O movimento caindo nas molas é um movimento que visualmente

parece muito perigoso tanto para os tornozelos quanto para os

joelhos. Ele consiste basicamente em uma trajetória descendente do

corpo sobre o dorso dos pés, com os joelhos e quadris flexionados. É

preciso bastante prática para que se possa realizá-lo sem se lesionar.

Deve-se ter muito cuidado quando se está dançando o frevo em um

concurso ou no carnaval ou em algum local com terreno instável,

irregular ou áspero, pois, nessas situações, o caindo nas molas estará

inserido entre outros passos e, no fervor da dança, a lesão pode

acontecer. O perigo aqui é o de não controlar a desaceleração e bater

com os joelhos no chão, o que, dependendo da velocidade de impacto,

22

pode lesionar gravemente os joelhos. Além disso, se no momento de

transferência de peso da face plantar para a dorsal do pé, essa não for

feita com precisão e cuidado, pode-se também lesionar os pés.

O passo foi dividido em doze fases organizadas da seguinte forma:

duas fases de impulso inicial, duas de transferência de peso, sete

fases descendentes (desaceleração) e uma fase de descarga de peso.

As tabelas que mostram as porcentagens dos tipos de contração

muscular nos revelam que na articulação do quadril e do tornozelo há

uma predominância visível de contrações isométricas, o que nos

revela uma necessidade do corpo de proteger e estabilizar essas duas

articulações durante o movimento.

Quanto ao joelho, há uma predominância de contrações excêntricas

dos extensores, denotando o caráter desacelerador que essa

articulação tem na realização desse passo. Enquanto os joelhos vão

flexionando até o máximo, os adutores e abdutores do quadril

direcionam e estabilizam a coxa através de contrações isométricas. Os

flexores do joelho não apresentam contrações visíveis quase que

durante todo o movimento, uma vez que a descida do tronco, através

da flexão dos joelhos, acontece por aceleração da gravidade.

4. Patinho

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

23

De toda esta série de movimentos que nos propusemos a estudar, o

patinho é provavelmente o mais difícil de analisar devido à escolha do

plano de análise. O movimento consiste basicamente em uma

caminhada no plano baixo, onde as pernas permanecem flexionadas

nos joelhos e quadris durante toda a execução do mesmo. No plano

frontal, seria quase impossível a análise qualitativa desse movimento

e, no plano sagital, para uma análise que oferecesse maior

fidedignidade, seria necessário observar o movimento pelos dois lados,

pelo esquerdo e pelo direito. Como não tínhamos a imagem captada

pelos dois lados, decidimos realizar a análise apenas pelo plano

sagital esquerdo.

O passo foi dividido em dez fases organizadas da seguinte forma: duas

fases de impulso, quatro de transferência de apoio e quatro fases de

descarga de peso.

24

Como se pode perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de

contração muscular realizados nas respectivas articulações, há uma

predominância de contrações isométricas na articulação do quadril

(61%). Essas acontecem principalmente nos músculos adutores,

abdutores e rotadores externos que atuam como estabilizadores da

articulação, enquanto os extensores são utilizados

predominantemente de forma concêntrica para impulsionar o CGM no

sentido cranial. Os músculos flexores do quadril apresentam grande

porcentagem de ausência de contração visível, uma vez que o

movimento acontece no plano baixo com os quadris flexionados pela

ação da gravidade sobre o corpo.

Na articulação do joelho, observamos a ausência de contrações dos

flexores e um equilíbrio entre contrações concêntricas e excêntricas

nos músculos extensores, que durante o movimento têm a função de

acelerar o corpo cranialmente e desacelerar no sentido caudal. Isso

nos mostra que durante a realização do patinho a flexão dos joelhos

acontece passivamente, devido à atuação do peso do corpo sobre os

joelhos que permanecem flexionados durante todo o movimento, ou

seja, extremo de amplitude articular com descarga de peso.

No tornozelo, acontece flexão plantar e dorsiflexão e, na articulação

subtalar, acontece predominantemente inversão. Nas fases de

descarga de peso, o tornozelo em flexão plantar também é invertido

para que o dorso e a borda externa do pé possam ser utilizados como

superfície de contato.

25

O patinho é um movimento que coloca alta carga sobre a patela e

superfícies articulares do joelho devido à descarga de peso colocada

sobre essa articulação enquanto flexionada. É um movimento que

deveria ser ensinado e realizado apenas por alunos dos níveis

intermediário e avançado com maior controle e força muscular nas

EEII.

5. Parafuso

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

De toda a série de movimentos que foram analisados neste projeto, o

parafuso é provavelmente o mais simples no que diz respeito à análise

cinesiológica, pois não há variação de plano nem de nível. O

movimento consiste basicamente na transferência de peso de um pé

para outro, com as pernas cruzadas uma a frente da outra. Os pés,

26

durante essa troca, vão da eversão (posição de descarga de peso) para

a inversão (posição quase sem descarga de peso). Essa troca de base

de apoio é realizada quase sem força muscular por parte dos

músculos normalmente utilizados para movimentar os pés, mas sim

através da rotação da pelve e joelhos, que são quem direcionam o

movimento, direcionando os pés para suas respectivas posições.

O passo foi dividido em sete fases organizadas da seguinte forma:

duas fases de impulso, três de transferência de peso e duas fases de

descarga de peso.

Como se pode perceber nos quadros acima, que mostram os tipos de

contração muscular realizados pelos músculos analisados nas

respectivas articulações, observamos uma predominância de

contrações excêntricas nos músculos que atuam nos joelhos e nos

quadris. Isso nos indica que nesse movimento os músculos realizam

frequentemente a tarefa de desaceleração, direcionamento dos

segmentos corporais e transferência de carga mais do que a tarefa

motora propriamente dita, ou seja, a de movimentação dos segmentos

corporais.

Outro ponto diferencial é que o tornozelo não foi analisado, pois essa

é a articulação onde ocorre a flexão/extensão, e esse não é o

movimento predominante nesse passo. O movimento predominante é

a inversão/eversão, que acontece na articulação subtalar, que

também recebe o nome de articulação talocalcaneonavicular. Nessa

articulação, durante a maior parte da execução do movimento, os

músculos não apresentam contração visível, indicando maior

utilização dos tecidos não contráteis para estabilizar a articulação. Ou

27

seja, essa articulação tem menos movimentos ativos que passivos

durante a execução do parafuso. Como os movimentos analisados

foram a inversão e a eversão, levamos em consideração os músculos

que são responsáveis por esses movimentos: os inversores (tibial

anterior, extensor longo do hálux, tibial posterior, flexor longo dos

dedos, flexor longo do hálux) e os eversores (extensor longo dos dedos,

fibular terceiro, fibular longo, fibular curto).

6. Apertando a porca

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

O movimento foi dividido em 17 fases, sendo elas organizadas da

seguinte forma: cinco fases de transferência de apoio, seis fases de

apoio unipodal e seis fases de apoio duplo.

28

Durante as fases de apoio simples, o peso do corpo é colocado em sua

maioria sobre o pé de base, porém, o outro pé também recebe um

pouco de peso, necessário para equilibrar o corpo. Nas fases de

transferência de peso, é utilizado o impulso das fases precedentes

para que a inércia ajude na transição da descarga de peso. Nas fases

de apoio duplo, a maior parte do peso se encontra sobre o pé que tem

sua face plantar no chão, e uma parte menor do peso se encontra

sobre o pé que está invertido.

As articulações coxofemorais permanecem na mesma posição de

semiflexão durante a fase no nível alto e, durante a fase descendente,

essa flexão aumenta gradualmente até o corpo chegar ao nível baixo.

Durante a maior parte do movimento, os flexores do quadril não

apresentam contrações visíveis, enquanto os extensores atuam ora

desacelerando o movimento com contrações excêntricas, ora

acelerando a articulação com contrações concêntricas. Os adutores,

abdutores e os rotadores externos apresentam uma predominância de

contrações isométricas, o que evidencia o seu caráter estabilizador da

articulação.

Nas articulações dos joelhos, os seus flexores, durante a maior parte

do movimento, não apresentam contrações visíveis, pois desde o início

essas articulações estão semiflexionadas e, durante a execução do

movimento, só aumentam o grau de flexão. Os extensores, por sua

vez, apresentam visível predominância de contrações excêntricas,

denotando o seu caráter desacelerador durante o movimento.

Os tornozelos, durante grande parte do movimento apertando a porca,

se encontram dorsiflexionados através da atuação da gravidade sobre

29

o corpo e, por essa razão, os dorsiflexores não apresentam contração

visível durante a maior parte do movimento. Enquanto isso, os

flexores plantares, por precisarem desacelerar e controlar o torque

dorsiflexor, apresentam predominância de contrações excêntricas.

Nesse movimento, a articulação subtalar ou talocalcânea é exposta a

grande estresse devido ao torque inversor a que é submetida. Além de

essa articulação ser invertida passivamente durante as fases de apoio

unipodal, sendo levada a um extremo de angulação, ela também

recebe parte da descarga de peso sobre ela. Isso pode aumentar o

risco de lesão se o passista não estiver consciente na hora de executar

o movimento e se a sua musculatura não for preparada e aquecida

adequadamente.

Durante a execução do apertando a porca, todas as articulações das

EEII são colocadas sobre extremos de amplitude articular. O quadril

vai até próximo de seu máximo de flexão nas fases em que o corpo se

encontra no nível baixo, assim como o joelho também é maximamente

flexionado durante essas fases do movimento. Os tornozelos e as

articulações subtalares são expostos a grande amplitude de

dorsiflexão e flexão plantar com inversão, respectivamente. Por essa

razão, é imprescindível que o passista ou aluno esteja muito

consciente de seu corpo durante a execução desse movimento para

que lesões sejam evitadas.

7. Tramela

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

30

A análise do movimento tramela torna-se bastante complexa por

envolver dois planos de análise no mesmo movimento, o frontal e o

sagital. Com o objetivo de simplificar a nossa análise desse

movimento, decidimos realizá-la apenas no plano frontal.

O passo foi dividido em 18 fases, sendo elas organizadas da seguinte

forma: duas fases de impulsão antes de iniciar a trajetória

ascendente, duas fases de impulsão antes de iniciar a trajetória

descendente, duas fases ascendentes rotacionais (logo após os

impulsos ascendentes), quatro fases descendentes, quatro fases

aéreas, duas fases de apoio lateral com descarga de peso, seguidas de

duas fases de suspensão com rotação (mudança de plano).

Durante as fases de apoio, os músculos que cruzam os quadris, os

joelhos e os tornozelos; as cápsulas articulares; os ligamentos; e os

31

tendões armazenam energia elástica, obtida durante o alongamento

atingido nessas posições, e a utilizam para impulsionar o corpo para

cima e atingir sua fase aérea, tanto ascendente quanto descendente.

Os músculos envolvidos nos movimentos realizados pelos pés, assim

como os ligamentos, cápsulas articulares e tendões estão quase que

100% do tempo de realização do movimento sobre alguma forma de

tensão, seja ela ativa, através da contração muscular, seja ela

passiva, por alongamentos dessas estruturas. O corpo é impulsionado

por inércia e acelerado em direção as respectivas posições finais

durante as fases aéreas. Essa aceleração da massa corpórea aumenta

a carga a que são expostas as articulações das EEII, principalmente,

os joelhos e articulações dos pés.

Os músculos, durante a maior parte do tempo, em todas as três

articulações dos membros inferiores, estão contraídos

excentricamente, o que configura um movimento com um componente

de desaceleração muito evidente. O maior número de movimentos

acontece na articulação coxofemoral, e as maiores amplitudes de

movimentos acontecem principalmente nos joelhos, que vão de uma

máxima flexão a uma hiperextensão, com descarga de peso nesses

dois extremos de amplitude articular. Por essa razão, os músculos

que cruzam essa articulação apresentam tanto função motora,

principalmente os extensores dos joelhos, quanto função

estabilizadora. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam as

articulações dos joelhos e dos tornozelos têm a função de estabilizar

essas articulações, assim como armazenar energia elástica para ser

utilizada na propulsão do corpo no sentido cranial.

32

8. Tesourão

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

O que esta análise nos evidencia é que, durante o movimento

tesourão, todos os músculos dos membros inferiores trabalham em

uníssono, uns com função predominantemente motora, outros

funcionando como transmissores de energia, outros ainda

estabilizando as articulações e outros recebendo a energia transmitida

para utilizá-la para propulsão. Um trabalho perfeitamente coordenado

pelo sistema nervoso central para que o corpo realize a tarefa

desejada de forma coordenada e eficiente.

O passo foi dividido em dez fases, sendo elas organizadas da seguinte

forma: duas fases de apoio para propulsão, quatro fases aéreas, duas

33

ascendentes, duas descendentes e duas fases de descarga de peso.

Durante a fase de apoio, os músculos que cruzam os joelhos e os

tornozelos, assim como os ligamentos e tendões armazenam a energia

elástica obtida durante o alongamento inicial. Essa energia é utilizada

para impulsionar o corpo para cima e, assim, atingir sua fase aérea.

Os joelhos se encontram esticados ao fim da fase ascendente, o que

faz com que, na fase de descarga de peso, os isquiotibiais assumam a

mesma função de propulsão através da utilização de energia elástica

armazenada. Essa energia é utilizada para suspender o corpo apenas

o suficiente para que ele atinja a fase aérea descendente e volte à

posição inicial, onde as articulações funcionam mais uma vez como

uma mola propulsora.

As maiores amplitudes de movimento acontecem nas articulações dos

joelhos e coxofemorais. Nas últimas, a predominância de contrações é

do tipo isométrica, indicando uma atividade estabilizadora; já os

joelhos vão de uma máxima flexão a uma hiperextensão com descarga

de peso nesses dois extremos de amplitude articular, onde a

desaceleração acontece durante a trajetória descendente. Os

músculos que cruzam a articulação do joelho apresentam tanto

função motora (aceleradora), no início do movimento, onde há

predominância de contrações concêntricas, quanto desaceleradora

nas fases finais, principalmente os extensores dos joelhos, que atuam

excentricamente. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam

as articulações dos joelhos e dos tornozelos têm a função de

estabilizar essas articulações tanto passiva quanto ativamente e

acumular energia elástica para ser utilizada na propulsão do corpo

para cima.

34

Os músculos flexores plantares à volta do tornozelo são utilizados

predominantemente de forma excêntrica, principalmente quando

esses se encontram dorsiflexionados com descarga de peso,

controlando o torque dorsiflexor e armazenando energia elástica para

a propulsão. Esse fato nos indica que os músculos flexores plantares

precisam ser bem aquecidos e alongados antes da execução desse

movimento para evitar distensões.

9. Ligadura

Diagramas com as porcentagens dos tipos de contrações da

musculatura que cruza as articulações das EEII durante o passo:

O passo ligadura exige bastante das articulações dos joelhos que,

durante o movimento, precisam receber o peso do corpo enquanto

totalmente flexionados. Essa é uma situação que impõe muito

35

estresse compressivo sobre a patela e tensivo nos tendões do

quadríceps.

O movimento foi dividido em 13 fases, sendo elas organizadas da

seguinte forma: duas fases de troca de apoio, oito fases de apoio

unipodal e três fases de apoio duplo.

Durante as fases de apoio duplo, no início, meio e final do movimento,

o peso do corpo é descarregado sobre os dois pés, porém, não de

forma homogênea. A maior parte do peso estará sempre sobre a perna

que tem o joelho flexionado. Durante as duas fases de troca de base

de apoio, o peso do corpo diminui sobre a base devido à inércia do

movimento no sentido cranial, e os pés tocam o solo com descarga de

peso mínima. É durante as fases de apoio unipodal, ou apoio simples,

que o peso é descarregado sobre apenas uma perna enquanto a outra

se movimenta livremente no espaço. A perna que recebe a descarga

total de peso utiliza a musculatura extensora do joelho para contrapor

o torque flexor gerado pela força da gravidade. Os pés utilizam da

vantagem mecânica de sua alavanca para transmitir energia para as

pernas e as coxas, e recebem, durante todas as fases de apoio

simples, uma imensa força compressiva sobre suas estruturas ósseas,

ligamentares e articulares.

A articulação coxofemoral, que permanece quase que na mesma

posição de abdução horizontal e rotação externa durante todo o

movimento, apresenta uma predominância de contrações isométricas

(66,2%), que nessa situação têm função de estabilização da

articulação.

36

A articulação do joelho apresenta predominância de contrações

concêntricas (28,8%) e excêntricas (25%), denotando funções

tipicamente motoras e desaceleradoras, respectivamente. Motora

quando flexiona e estende o joelho, e excêntrica (desaceleradora)

quando controla a velocidade do movimento.

Os tornozelos apresentam predominância de contrações isométricas

(46,2%), principalmente pelos flexores plantares, nos momentos em

que precisa contrapor o torque dorsiflexor gerado pela gravidade

agindo sobre o corpo. Nos períodos onde a contração muscular é

imperceptível (36,4%) e as estruturas não contráteis são alongadas

pela grande carga tensiva colocada sobre elas, a energia elástica é

armazenada nessas estruturas para serem utilizadas nos momentos

de impulsão.

A maior amplitude de movimentos acontece nas articulações

coxofemorais e, principalmente, nos joelhos, os quais vão de uma

máxima flexão a uma hiperextensão com descarga de peso nesses

dois extremos de amplitude articular. Por essa razão, os músculos

que cruzam essa articulação apresentam tanto função motora,

principalmente os extensores e flexores dos joelhos, quanto função

estabilizadora. Os tecidos contráteis e não contráteis que cruzam as

articulações dos joelhos e tornozelos têm uma função muito

importante nessas articulações enquanto cumprem a função de

estabilizá-las e acumular energia elástica para ser utilizada na

propulsão do corpo para cima.

37

No movimento ligadura, assim como em todos os outros movimentos

analisados, os músculos abdominais precisam estar ativos durante

toda a execução do movimento para diminuir a carga sobre os

membros inferiores, estabilizar a pelve e a coluna lombar, a qual está

sendo exposta a altas cargas compressivas exercidas pelo peso do

tronco.

Discussão

Discutiremos a seguir, as características dos movimentos estudados,

tendo como referência os subgrupos de passos que organizam o recorte da

pesquisa, evidenciando as funções dos grupos musculares nas articulações das

EEII.

MOVIMENTOS NO NÍVEL MÉDIO COM DIFERENTES APOIOS: TESOURA

E FERROLHO

Durante a execução desses passos, que acontecem nos planos frontal e

sagital, a musculatura responsável pelos movimentos do quadril tem uma

função predominantemente estabilizadora durante a tesoura, o que nos é

evidenciado pela maior quantidade de contrações isométricas, e

motora/desaceleradora durante o ferrolho.

Quanto ao joelho, há uma predominância de contrações excêntricas no

ferrolho, evidenciando o caráter de desaceleração que essa articulação tem

nesse movimento. Já na tesoura, há praticamente equilíbrio entre contrações

excêntricas (34,4%) e concêntricas (35,2%), apresentando funções motora e

desaceleradora.

Durante esses dois movimentos, a musculatura que cruza e atua nos

tornozelos não apresenta contração visível, o que nos indica que os

movimentos acontecem predominantemente de forma passiva nessa

38

articulação. Como segunda forma de atividade muscular mais presente, temos

contrações concêntricas (motor), no ferrolho, e excêntricas (desacelerador), na

tesoura.

MOVIMENTOS COM APOIO SOBRE O DORSO DOS PÉS: CAINDO NAS

MOLAS E PATINHO

Durante esses dois movimentos, há uma visível predominância de

contrações isométricas na musculatura atuante no quadril, indicando

necessidade de estabilização dessa articulação.

O caindo nas molas descreve uma trajetória descendente viabilizada pela

constante flexão do joelho, e apresenta um componente desacelerador bem

nítido na musculatura que cruza essa articulação. O patinho, por sua vez, exige

muito dos extensores do joelho, assim como das estruturas articulares que são

expostas a grandes cargas compressivas. Isso se deve ao peso do corpo que é

acelerado sobre articulações que se encontram próximas a uma amplitude

máxima de flexão durante a maior parte do tempo.

Devido a essas altas cargas compressivas, os tornozelos e as articulações

subtalares precisam ser estabilizados para evitar lesões nas estruturas

articulares e, por isso, há a predominância de contrações isométricas na

musculatura inversora e eversora que cruza essas articulações.

MOVIMENTOS COM INVERSÃO/EVERSÃO DOS PÉS: PARAFUSO E

APERTANDO A PORCA

Aqui representados, estão dois movimentos que, aparentemente

semelhantes, contém elementos bastante distintos do ponto de vista da

demanda muscular. O parafuso pode ser considerado um movimento no qual a

predominância de contrações excêntricas nos quadris e joelhos indica a

presença do componente desacelerador.

39

O apertando a porca, no entanto, do ponto de vista da demanda

muscular, é um passo que exige força e coordenação (controle motor), por

consistir em uma trajetória descendente controlada e com troca de base de

apoio. É necessário que a coordenação motora e a força muscular estejam

sedimentadas para que a sua prática ocorra com menor risco de lesão. Este se

deve principalmente à predominância de contrações excêntricas nos músculos

que movem os joelhos e os tornozelos/subtalares, como será discutido

posteriormente.

MOVIMENTOS QUE ENVOLVEM FLEXÃO TOTAL DAS PERNAS E

SUSPENSÃO COM APOIOS NOS PÉS: TRAMELA, TESOURÃO E

LIGADURA

Desses três movimentos, a tramela é visivelmente o que mais exige da

musculatura, pois há uma predominância de contrações excêntricas nos

músculos que cruzam tanto os quadris como nos que cruzam os joelhos e os

tornozelos. Quanto ao tesourão, a carga imposta às articulações dos joelhos é

muito alta, devido à aceleração a que o corpo é exposto ao final das fases de

desaceleração descendente, nas quais o tempo para ativar os extensores do

joelho e desacelerar o movimento é muito curto, o que aumenta o risco de

lesão. Já a ligadura indica relações bem claras quanto à demanda muscular.

Há predominância de contrações isométricas nos músculos que atuam nos

quadris, conferindo mais estabilidade a essa articulação; contrações

concêntricas na musculatura responsável pelos joelhos, onde a função motora

(aceleração de segmentos) é mais visível; e, por fim, mas não menos

importantes, as contrações isométricas dos músculos dorsiflexores, que atuam

nos tornozelos, armazenando a energia elástica que será utilizada para

impulsionar essa alavanca e conferir mais estabilidade a essa articulação.

40

Os passos do frevo analisados podem ser entendidos como movimentos

nos quais o corpo é acelerado em alguma direção e utiliza um rápido momento

de inércia, proveniente desse impulso inicial, para atingir uma nova posição no

espaço, com ou sem troca de base de apoio, sendo seguido de um período de

desaceleração. Nesse período de desaceleração, os músculos responsáveis pelo

movimento estão se contraindo excentricamente e é nesse momento que nós

observamos um maior potencial para a lesão mioarticular na prática do frevo.

Segundo Diniz e Barros (2009), as lesões musculares por estiramento são as

lesões de maior incidência no contexto esportivo. Sua ocorrência tem sido

frequentemente relacionada à contração muscular excêntrica, pois durante

esse tipo de contração o músculo é alongado enquanto gera tensão.

A análise dos nove movimentos demonstra a grande recorrência de

contrações excêntricas nos passos de frevo, principalmente nas articulações do

quadril e do joelho. No quadril, há predominância de contrações isométricas e

excêntricas em sua musculatura. Apenas nos movimentos apertando a porca,

ligadura e patinho as contrações concêntricas acontecem em maior número que

as excêntricas. Nos músculos que cruzam os joelhos, observa-se atuação

predominante de contrações excêntricas nos movimentos tramela, parafuso e

ferrolho, e de contrações concêntricas nos movimentos tesoura, tesourão e

ligadura. É possível mais uma vez observar que há um grande número de

contrações excêntricas, as quais compõem, no mínimo 25% (ligadura) e no

máximo 86% (tramela), da atuação muscular nos joelhos. As contrações

isométricas foram pouco observadas, não sendo predominantes em nenhum

movimento, o que demonstra a constante atuação motora e desaceleradora

dessa importante e complexa articulação.

Na musculatura atuante sobre o tornozelo, as contrações excêntricas e

isométricas são predominantes. Em nenhum movimento estudado houve

predominância de contrações concêntricas. Nos movimentos patinho, parafuso

e apertando a porca, ao invés dos tornozelos, foram observadas as articulações

41

subtalares. Nessas, há predominância de músculos sem aparente contração e

uma quase equivalência quantitativa de contrações excêntricas e concêntricas,

a saber, patinho – 21,5%E e 20%C, parafuso – 17,8%E e 15,7%C e apertando a

porca – 24,3%E e 22,8%C.

Segundo a revisão de Clebis e Natali (2001), nas ações excêntricas ocorre

aumento de tensão nas fibras, pois essas são recrutadas em pequeno número,

e isso desencadeia uma série de eventos a nível celular, danificando as fibras

musculares. Movimentos que exijam predominantemente esse tipo de

contração devem ser realizados com bastante consciência e devem passar pela

fase de exercícios educativos3 e fortalecimento da musculatura utilizada.

Devido à velocidade com que os movimentos do frevo são realizados, seja

na roda durante as aulas ou ainda nas apresentações de frevo, o

aluno/passista, na maioria das vezes, está concentrado em outros aspectos da

sua atividade, tais como: o encadeamento dos passos, a música, a plateia, a

sua expressividade, entre outros fatores. Tudo isso junto vem a dificultar a

concentração na execução consciente dos passos nesses momentos específicos

onde a contração excêntrica é predominante, o que ajudaria a evitar lesões

durante a sua prática.

Outro elemento relevante para a definição do trabalho de preparação

corporal para o frevo, que foi possível observar, é a exigência de muita potência

muscular nas EEII, uma vez que a maioria dos passos é executada em altas

velocidades e que em grande parte deles há a necessidade de muita força

muscular. Exercícios de fortalecimento muscular podem vir a ajudar a

musculatura a melhor lidar com esse tipo de demanda física.

3 Exercícios educativos são utilizados em quase todas as modalidades esportivas com o intuito de aperfeiçoar a técnica do atleta. São exercícios que utilizam movimentos específicos da modalidade para

serem treinados isoladamente, o que otimiza a coordenação, o equilíbrio e a postura durante a prática esportiva, proporcionando uma melhor eficiência mecânica, evitando uma fadiga precoce e diminuindo a incidência de lesões.

42

Os ligamentos têm a função de restringir as articulações em

determinadas direções; e as cápsulas articulares, de manter as extremidades

ósseas e as outras estruturas intra-articulares em seus lugares durante o

movimento. Por serem estruturas de tecido conjuntivo basicamente

constituídas de colágeno, elas têm capacidade de resistir a forças tensivas.

Essa resistência à tensão tem um limite e quando esse limite é ultrapassado,

ocorre a lesão. Para que essas articulações possam se tornar mais estáveis e

resistir com mais eficiência às forças tensivas e compressivas a que estão

sujeitas durante os movimentos do frevo, é preciso que os músculos que

cruzam essas articulações sejam fortes o suficiente para contribuir com a sua

estabilização. Ao mesmo tempo, as grandes amplitudes articulares

desenvolvidas durante os movimentos sugerem que essas musculaturas devem

ser dotadas também de elasticidade, assim como as articulações devem

adquirir maior mobilidade.

Conclusão

As considerações aqui expostas apresentam uma primeira leitura a

partir das análises cinesiológicas desenvolvidas no âmbito do projeto

Trançados musculares: saúde corporal e ensino do frevo. Diferentes abordagens

podem ser desenvolvidas a partir desse mesmo material, tendo em vista a

riqueza de detalhes na apresentação dos músculos envolvidos e suas funções

em cada etapa dos nove movimentos analisados.

Através das análises qualitativas apresentadas, conseguimos identificar

que as articulações dos membros inferiores e coluna lombar estão expostas a

sobrecargas tensivas e compressivas durante a prática do frevo. Isso confirma

nossa hipótese inicial e lança novos entendimentos sobre como essa sobrecarga

acontece.

43

A sobrecarga mioarticular refere-se ao fato de as articulações serem

levadas ao máximo de flexão ou extensão com descarga de peso e aceleração.

As musculaturas que cruzam o quadril, o joelho e o tornozelo/subtalar se

revezam nas funções de desacelerar o movimento (na maioria das vezes,

através de contrações excêntricas), de ser o acelerador do movimento e de

estabilizar a articulação para evitar lesões. Isso ocorre devido à presença de

períodos sucessivos de aceleração e desaceleração durante a realização dos

passos, assim como devido às grandes amplitudes a que essas articulações

estão expostas.

Durante a maior parte dos movimentos, essas grandes amplitudes

articulares são acrescidas de descarga de peso e, na maioria das vezes, de

aceleração do tronco sobre as EEII. A análise dos resultados demonstrou a

presença constante de contrações excêntricas que podem ser consideradas, de

acordo com a bibliografia consultada, fator diretamente relacionado com lesões

por estiramento. Diante dessas observações, podemos postular que a prática

dos movimentos de frevo analisados exige a implementação de uma

coordenação motora precisa acompanhada por força muscular considerável. No

caso do frevo, a musculatura precisa estar apta a atuar com potência (força e

velocidade), devido à constante presença de aceleração para possibilitar o

alcance de grandes amplitudes articulares.

É, no entanto, preciso reconhecer o caráter aproximado dos resultados,

pois as análises realizadas não foram análises quantitativas, mas sim análises

qualitativas. Análises quantitativas (biomecânicas) – que tem o potencial de

identificar com grande precisão a carga exata a que uma articulação está

exposta, quais músculos estão ativos durante determinado movimento e com

que intensidade – necessitam de equipamentos específicos e muito caros, só

encontrados em alguns laboratórios universitários e de grandes agremiações

esportivas.

44

Por não termos acesso a recursos técnicos sofisticados para realização

desse tipo de análise, os nossos resultados têm suas limitações sem deixar de

ter o seu valor de ineditismo e contribuição para a dança frevo e seus

praticantes.

Seria de grande valia tanto para a prática artística quanto pedagógica

do frevo que outras pesquisas fossem realizadas em ambientes mais

controlados, com as tecnologias necessárias para se chegar a resultados

quantitativos mais acurados sobre a carga exata a que são expostas as

articulações das EEII durante a prática dessa modalidade de dança. Pesquisas

que investiguem se a adição de exercícios de fortalecimento muscular para as

extremidades inferiores podem prevenir lesões e melhorar a habilidade de

dançar o frevo também se fazem necessárias.

As evidências observadas e suas possíveis aplicações práticas

demonstram que a pesquisa acadêmica pode contribuir, de forma relevante,

para a solução de problemas teóricos e práticos encontrados na pedagogia e

didática do ensino do frevo e da dança como um todo.

45

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:

VICENTE, Ana V.; SOUZA, Giorrdani G. Q. de. Trançados musculares:

análise das exigências musculares sobre as extremidades inferiores

(EEII) durante a prática do frevo. In: __________. Trançados musculares:

saúde corporal e ensino do frevo. Recife: Editora Associação Reviva,

2011. DVD.